DOUTRINA Com o advento da Lei Complementar nº 135, promulgada em 4 de junho de 2010 e que ficou nacionalmente conhecida como a lei da “ficha Limpa”,7 foi dada nova redação ao mencionado art. 1º, I, “g”, da Lei das Inelegibilidades. Pode-se verificar, de plano, que, embora alterado bastante o seu conteúdo, não houve profundas inovações na sistemática de aplicação deste dispositivo, na medida em que o legislador complementar incorporou ao texto legal algumas orientações já sedimentadas pela jurisprudência pátria ao longo desses últimos dez anos, máxime no âmbito do colendo TSE. À vista de tal influência pretoriana, afigura-se conveniente conhecer os contornos jurídicos do referido preceito legal, mediante a análise pontual dos pressupostos necessários para a incidência da inelegibilidade ali prevista e uma abordagem de questões controvertidas relevantes acerca de sua correta aplicação, demonstrando-se, no decorrer da exposição, as modificações promovidas pela lei da “ficha limpa”. Será destacada, ainda, importante inovação legislativa oriunda do que se convencionou nominar de “minirreforma eleitoral” (Lei nº 12.034/09), por meio da qual houve verdadeira mitigação ao entendimento jurisprudencial consolidado quanto ao momento de aferição, pela Justiça Eleitoral, das causas de inelegibilidade em que incursos os postulantes ao registro de candidatura. 2. Esclarecimentos necessários acerca do tema. Impende advertir, a título de prolegômenos, que não se pode confundir a prestação de contas relativas a verbas geridas no exercício de cargos ou funções públicas – cujas irregularidades levam à inelegibilidade aqui tratada – com as chamadas contas de campanha, as quais, por seu turno, derivam da obrigatoriedade de demonstração, à Justiça Eleitoral, dos dados relativos à arrecadação de recursos e gastos despendidos pelos candidatos e comitês financeiros durante a disputa de um determinado pleito eleitoral, segundo a disciplina precípua contida nos artigos 17 a 32 da Lei nº 9.504/97.8 É bem de ver, ainda, que as irregularidades detectadas nas contas de campanha rendem ensejo a consequências jurídicas bastante distintas, a exemplo da possibilidade de abertura de investigação judicial eleitoral com vistas, inclusive, à cassação do diploma outorgado ao candidato eleito, nos termos do art. 30-A, § 2º, da Lei das Eleições. Outra importante diferenciação a ser traçada diz respeito à impossibilidade técnico-jurídica de se baralhar a concepção de inelegibilidade com a de suspensão dos direitos políticos estabelecida na Constituição da República (CF, art. 15 e art. 37, § 4°). Com efeito, enquanto naquela hipótese há subtração temporária apenas da capacidade eleitoral passiva do cidadão (jus honorum), nesta última tanto o direito de votar como o de ser votado restam provisoriamente sobrestados. O Min. Marco Aurélio de Mello, no julgamento do Agravo Regimental no REspe nº 31.942/PR, chegou a afirmar, em discussão sobre a correta aplicação desta hipótese de inelegibilidade, tratar-se de verdadeiro “vespeiro temático”. 6 Vide crítica de Carlos Eduardo de Oliveira Lula, para quem o TSE atuou, na espécie, como “autêntico legislador positivo, criando previsões normativas que antes inexistiam” (2008, pp. 319/325). 7 A lei da “ficha limpa” foi gestada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, responsável por entregar ao Presidente da Câmara dos Deputados projeto de lei de iniciativa popular (CF, art. 14, III), acompanhada da assinatura de 1,6 milhão de cidadãos brasileiros. Após ampla mobilização popular e forte pressão dos organismos de imprensa, foi conferida célere tramitação ao referido projeto no Congresso Nacional, culminando na promulgação, em 4 de junho de 2010, da LC nº 135, que foi assim nominada em virtude da exigência precípua nela contida no sentido de que os aspirantes a cargos público-eletivos não ostentassem máculas em seus antecedentes. 8 Tal exigência de prestação de contas pelos partidos políticos – e, implicitamente, por todos os candidatos – deita raízes no art. 17, inc. III, da Constituição Federal. 5 Ano XVII, edição especial, setembro/2012 travadas na seara eleitoral,5 assim como alvo de uma substancial reconstrução semântica operada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que chegou a agregar elementos novos àquele preceito legal,6 guiado pelo propósito de conferir-lhe ampla efetividade. 53