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QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR:
OS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
1ª PARTE – DIAGNÓSTICO
Flavio Farah*
1. INTRODUÇÃO
O propósito deste trabalho é analisar a qualidade do ensino superior de um ponto de vista
centrado nos cursos de Administração de Empresas. Não é finalidade deste estudo, porém,
focalizar o aluno e suas condições de aprendizagem, mas sim, as condições de ensino, ou seja, o
lado do professor. Esta primeira parte – Diagnóstico – compreende o seguinte conteúdo: no item
2, destacamos um certo fator determinante da qualidade do ensino superior e justificamos a
escolha desse fator para estudo. No item 3, analisamos o ensino superior como profissão. No item
4, examinamos a PGES – pós-graduação estrito senso – como formadora de docentes
universitários e no item 5, os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino
superior. No item 6, escrutinamos as condições em que se realiza a prática docente e no item 7,
alinhamos as conclusões pertinentes. Daqui por diante, usaremos a sigla IES em substituição à
expressão instituições de ensino superior.
2. O FATOR DETERMINANTE DA QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR
Não constitui preocupação deste trabalho conceituar a qualidade do ensino superior de modo
amplo, mas sim, destacar e estudar um particular fator que determina essa qualidade. Qual é,
pois, o fator determinante da qualidade do ensino superior para os fins do presente estudo?
Na Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, da UNESCO, a qualidade em
educação superior foi definida da seguinte forma:
“A qualidade em educação superior é um conceito multidimensional que deve envolver todas as
suas funções e atividades: ensino e programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência,
provisão de pessoal, estudantes, edifícios, instalações, equipamentos, serviços de extensão à
comunidade e o ambiente acadêmico em geral. Uma auto-avaliação interna transparente e uma
revisão externa com especialistas independentes, se possível com reconhecimento internacional,
são vitais para assegurar a qualidade. Devem ser criadas instâncias nacionais independentes e
definidas normas comparativas de qualidade, reconhecidas no plano internacional. Visando a
levar em conta a diversidade e evitar a uniformidade, deve-se dar a devida atenção aos contextos
institucionais, nacionais e regionais específicos. Os protagonistas devem ser parte integrante do
processo de avaliação institucional.”(1)
Esse conceito é demasiadamente amplo para os propósitos do presente estudo, pois abrange
todas as atividades inerentes a uma universidade. O que interessa discutir aqui não é a qualidade
da educação superior em geral, mas tão somente a qualidade do ensino. Vamos, então, formular
um outro ponto de partida para estreitar o foco.
Toda organização é criada com um propósito, ou seja, é criada para alcançar certos objetivos,
para produzir determinados resultados. Pode-se considerar que qualquer organização é
constituída dos seguintes elementos:
- Quadro de agentes. É o conjunto dos membros da organização com suas respectivas
qualificações;
- Infra-estrutura física. Constituída pelos prédios, instalações, máquinas, equipamentos,
ferramentas e instrumentos de trabalho utilizados pelos membros da organização;
- Estrutura organizacional. É o conjunto de atividades – denominado papel organizacional –
que cada membro da organização desempenha;
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Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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- Processo. É um conjunto de papéis organizacionais, integrado segundo certas normas que
determinam o modo como esses papéis devem ser desempenhados. Qualquer organização
possui vários processos.
Os membros da organização usam a infra-estrutura física para colocar em marcha os processos
e, assim, produzir os resultados esperados pela organização. Em uma IES, pode-se dizer que o
principal processo é o ensino, que tem a aprendizagem como resultado principal esperado. Os
docentes de uma IES usam a infra-estrutura física da instituição para operar o processo de ensino
com o objetivo de produzir aprendizagem. Disso resulta que a aprendizagem é condicionada por
três fatores: (a) infra-estrutura física da instituição; (b) qualificação formal de seus docentes, aqui
entendida como titulação e/ou experiência profissional; e (c) qualificação material dos mestres,
isto é, pela competência no uso de métodos e técnicas de ensino.
Dentre esses três fatores, o que será discutido no presente estudo é tão somente o terceiro:
métodos e técnicas de ensino. Por que esse fator e apenas esse? Pelos seguintes motivos:
1. A UNESCO declara que “para atingir e manter a qualidade nacional, regional ou internacional,
certos componentes são particularmente relevantes, principalmente a seleção cuidadosa e o
treinamento contínuo de pessoal, particularmente a promoção de programas apropriados para
o aperfeiçoamento do pessoal acadêmico, incluindo a metodologia do processo de ensino e
aprendizagem ...”.(2)
2. Em 2006, do total de matrículas nos cursos de graduação presenciais, 61% eram do período
noturno. Esse índice era de cerca de 70% e 75% nas IES privadas e particulares,
respectivamente. Em outras palavras, cerca de três quartos dos alunos das instituições
particulares estudam à noite. Coloca-se como hipótese que uma das principais características
do aluno que estuda à noite – e trabalha durante o dia(3) – é a menor disponibilidade de tempo
e a menor disposição para realizar, de forma autônoma, atividades de estudo fora da sala de
aula. Por esse motivo, o aluno do período noturno, para aprender, depende fortemente de sua
interação com o professor. Em tais condições, os métodos e técnicas de ensino assumem,
para o estudante do período noturno, importância maior do que a infra-estrutura física da
instituição.
3. Dentre os estudantes que participaram do ENADE 2006, 73% declararam que a maioria de
seus professores utiliza a aula expositiva como técnica de ensino predominante. Para se
entender o que isto significa em termos de qualidade do ensino, é preciso recordar que,
historicamente, a didática passou por três grandes etapas:
1ª) ensino verbalista;
2ª) ensino intuitivo;
3ª) ensino ativo.
O ensino verbalista, também chamado de “ensino pela palavra”, foi o primeiro estilo de ensino
de toda a História do homem e vem sendo praticado há milhares de anos. Esse estilo ainda é
usado, sendo hoje representado pelas aulas expositivas. O ensino verbalista baseia-se na
ideia de que ensinar significa transmitir conhecimentos, como se o professor pudesse conectar
um cabo entre seu cérebro e o cérebro dos estudantes e despejar tudo que ele sabe nas
mentes dos alunos. Se isso for verdade, então os estudantes não precisarão fazer nada,
bastará que fiquem “atentos”, permanecendo em posição passiva: o professor fala e os alunos
escutam. “Transmissão de conhecimentos”, porém, não existe. É um engano. O processo de
aprendizagem é muito diferente. A pedagogia moderna já demonstrou que, para haver
aprendizagem, é necessário que o aluno atue sobre o conteúdo. Em outras palavras, só existe
aprendizagem quando o aluno realiza uma atividade a respeito do tema que está sendo
lecionado. Atualmente, existe um certo consenso de que as aulas expositivas são adequadas
apenas em certas circunstâncias bem específicas. Isto nos leva à terceira etapa da didática, o
chamado ensino ativo. Praticar o ensino ativo significa reduzir ao mínimo a parte expositiva e
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aumentar ao máximo as atividades realizadas pelos alunos, tais como exercícios e estudos de
caso. Dentro da perspectiva do ensino ativo, uma boa aula é aquela em que os alunos
trabalham e o professor orienta. Além de mais eficaz, o ensino ativo é bem mais interessante e
agradável para os alunos do que as aulas passivas, nas quais eles não fazem nada.
Conclui-se, pois, que, a julgar pelo que responderam os participantes do ENADE 2006, a
maioria dos professores utiliza, predominantemente, uma técnica de ensino pouco eficaz.
4. No final de 2002 e início de 2003, foi feita uma pesquisa com uma amostra de 283 alunos
evadidos de uma IES situada na Região Sul do Brasil.(4) Os entrevistados declararam quais
os aspectos de funcionamento da instituição que precisavam ser corrigidos para melhorar a
qualidade. O item mais citado pelos estudantes foi “Metodologia das aulas”, com 48% de
menções, vindo a seguir “Comunicação interna e externa” e “Corpo docente”, ambos com
46% de citações cada um.
No mesmo estudo, os alunos também declararam quais os elementos que contribuem para a
boa qualidade de um curso de graduação. O mais citado foi “Contar com professores com
grande capacidade de transmissão de conhecimentos”, por 76% dos entrevistados. O item
seguinte foi “Possuir ótima infra-estrutura de laboratórios, equipamentos e biblioteca”, com
50% de citações, e “Ser reconhecido no meio acadêmico como um curso de boa qualidade”,
mencionado por 39% dos entrevistados.(5) Os entrevistados declararam ainda as razões pelas
quais se evadiram. As três mais importantes foram, pela ordem: questões pessoais, problemas
financeiros e deficiência didático-pedagógica dos professores.(6) Os dados, portanto, sugerem
que: (a) os alunos percebem a deficiência didático-pedagógica dos professores, sendo essa
deficiência uma causa importante de evasão; b) para os entrevistados, os métodos e técnicas
de ensino são mais importantes do que as instalações físicas da instituição; (c) quanto piores
forem os métodos/técnicas de ensino, tanto menor será o sacrifício financeiro que os
estudantes estarão dispostos a fazer para continuar os estudos.
5. Foi realizado um estudo com 16 cursos de graduação em Ciências Contábeis oferecidos por
IES situadas no norte de um dos estados do Sul do País.(7) O objetivo do estudo era aferir a
qualidade do ensino de Ciências Contábeis, considerando-se os resultados do ENC – Exame
Nacional de Cursos (posteriormente ENADE) – e do ES – Exame de Suficiência – instituído
pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade). O autor do estudo formulou três hipóteses,
dentre as quais:
Hipótese 2 – Os motivos da qualidade insuficiente do ensino contábil são a formação
acadêmica, a formação profissional e o regime de trabalho (horista) do corpo docente.
Em relação a essa hipótese, as conclusões do autor foram as seguintes:
A Hipótese 2 foi confirmada parcialmente. Nos doze cursos que não alcançaram conceitos
A e B em nenhuma das duas edições do ENC/ENADE e que também obtiveram índices de
reprovação de mais de 40% no ES, todos os respectivos docentes possuem pós-graduação. O
mesmo foi verificado quanto à formação profissional, pois 60% dos professores que atuam nos
referidos cursos possuem outras atividades profissionais além da docência. A formação
acadêmica do corpo docente, bem como sua experiência profissional, portanto, não foram
suficientes para assegurar uma boa qualidade do ensino. O autor, então, concluiu que a causa
mais significativa do problema é o regime de trabalho dos professores. Não explicou, porém,
como chegou a essa conclusão.
O fato de o autor não fornecer dados sobre o regime de trabalho dos docentes sugere que ele
não buscou esses dados. Se não os buscou, é de se supor que ele não considerava
importante esse fator. Em outras palavras, o autor esperava que a baixa qualidade de ensino
dos cursos pesquisados fosse explicada pela falta de formação acadêmica ou de experiência
profissional dos professores. Ele supôs que, se o corpo docente fosse titulado ou possuísse
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experiência profissional na área, isto deveria ser suficiente para garantir uma satisfatória
qualidade de ensino, mas tal não se verificou. Por que, então, o autor supôs que a causa
deveria ser o regime de trabalho dos professores se, no texto do estudo, não constam dados
sobre esse fator? Talvez ele tenha sido influenciado pela opinião dos coordenadores dos
cursos. Em outra parte do trabalho, o autor buscou a opinião dos coordenadores sobre as
causas dos maus resultados obtidos pelos alunos. Dos dezesseis gestores, cinco (33%)
citaram o regime de trabalho dos docentes como causa desses resultados.
A causa do problema dos cursos de graduação em Ciências Contábeis poderia ser o regime
horista de trabalho dos respectivos professores mas poderia ser também sua falta de
competência pedagógica, apesar de serem titulados e de exercerem profissionalmente a
atividade contábil. Essa hipótese não foi contemplada pelo autor do trabalho em questão, o
que sugere que esse fator talvez esteja sendo negligenciado pelos estudiosos da qualidade do
ensino superior.
Conclusão
Consideramos que a qualidade do ensino depende: (a) da infra-estrutura física da IES; (b) da
qualificação de seus docentes, entendida como titulação e/ou experiência profissional; e (c) de
sua capacidade no uso de métodos e técnicas de ensino.
Dentre esses três fatores, destacamos o último para estudo porque:
a) o aperfeiçoamento da metodologia do processo de ensino e aprendizagem foi considerado
particularmente relevante pela UNESCO;
b) colocamos como hipótese que o aluno que estuda à noite, e que constitui a maioria, depende
fortemente de sua interação com o professor para aprender. Em tais condições, o processo de
ensino-aprendizagem assume importância maior do que a infra-estrutura física da instituição;
c) a maioria dos professores continua a utilizar, como técnica de ensino predominante, a aula
expositiva, um método didático adequado apenas em umas poucas situações;
d) as pesquisas sugerem que, para os alunos: (a) o fator que mais contribui para a boa qualidade
de um curso de graduação é a competência pedagógica dos professores; (b) uma das maiores
deficiências das IES, senão a maior, está na metodologia de ensino; (c) depois das questões
pessoais (decepção com o curso, por exemplo) e dos problemas financeiros, o principal motivo
de evasão do estudante universitário está na deficiência didático-pedagógica dos professores;
e) as pesquisas sugerem que nem a titulação do docente nem o fato de este exercer a atividade
que leciona garantem a qualidade do ensino;
f) a possível falta de competência pedagógica dos docentes é um fator que talvez esteja sendo
negligenciado pelos estudiosos da qualidade do ensino superior.
Essas são as razões pelas quais, ao falarmos da qualidade do ensino universitário, concentramonos nos métodos pedagógicos como fator determinante dessa qualidade. Falar em métodos e
técnicas pedagógicas, porém, impõe-nos a obrigação de examinar a formação do professor
universitário.
3. DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR: UMA PROFISSÃO?
Ao abordar a formação do professor universitário, a primeira pergunta a ser feita é: o professor
universitário precisa formar-se? Em outras palavras, “professor universitário” é uma profissão?
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Profissão é qualquer atividade remunerada exercida habitualmente por uma pessoa. Existem duas
grandes categorias de profissão: a) técnica; b) não técnica. Atividade técnica é aquela que
demanda a aplicação de métodos especializados. A atividade técnica envolve a aplicação de uma
metodologia rigorosa, ou seja, o uso de procedimentos formais que não fazem parte do corpo de
conhecimentos comuns nem são ensinados nos cursos regulares do ensino fundamental ou
médio, devendo ser adquiridos em instituições próprias por meio de cursos especializados. A
atividade técnica consiste na operacionalização do conhecimento científico, permitindo aplicações
práticas que decorrem de uma teoria. O indivíduo exercente de uma atividade técnica põe em
prática métodos que estão organizados de forma sistemática e que se baseiam em
conhecimentos científicos.
O ofício de “professor universitário” envolve a execução de atividades técnicas que consistem na
aplicação de métodos e técnicas didáticas derivados de conhecimentos contidos em ciências, tais
como a Psicologia da Aprendizagem, ou seja, a docência de nível superior envolve a aquisição e a
aplicação de conhecimentos científicos. Isto nos leva a concluir que “professor universitário” é
uma profissão, e uma profissão técnica de nível superior. Em tais condições, para exercer a
docência, o professor universitário precisa formar-se.
Esclarecida a natureza técnico-profissional da atividade do professor universitário, a pergunta
seguinte é: o ensino de nível superior é uma profissão regulamentada?
Profissão regulamentada é aquela regida por uma legislação própria que, em geral:
•
•
•
•
•
define o nome oficial da profissão;
estabelece as atribuições e prerrogativas do profissional;
institui um órgão de fiscalização do exercício profissional;
define os pré-requisitos para o exercício da profissão, entre eles a posse do diploma
profissional e a inscrição no órgão citado no item anterior;
fixa as penalidades administrativas pelo exercício ilegal da profissão.
As profissões regulamentadas, em geral, também possuem, cada qual, um Código de Ética que
regula os deveres e proibições a que os membros da respectiva profissão estão sujeitos. Esse
Código costuma ser editado pelo órgão que fiscaliza o exercício da profissão.
Face a essas características, conclui-se que a profissão de professor universitário não é
regulamentada, pois:
•
•
•
•
•
•
não há legislação específica que regule o exercício do magistério superior;
a profissão não possui nome oficial;
não existe curso que confira o diploma de “professor universitário” ou de “docente do ensino
superior”, não se exigindo, como consequência, o referido diploma para o exercício da
profissão;
não existem órgãos de fiscalização do exercício profissional;
não existem pré-requisitos fixados em lei para o exercício da profissão;
não existem penalidades pelo exercício ilegal da profissão.
Assim, considerando que, por um lado, os professores universitários precisam formar-se para
exercer a docência em nível superior e, por outro, que não há cursos que confiram o diploma
correspondente, perguntamos: Como podem, então, esses docentes formarem-se como tais? A
nosso ver, existem três candidatos ao posto de formadores de docentes de nível superior: a) o
curso de Pedagogia; b) a PGES – pós-graduação estrito senso; c) o curso de pós-graduação lato
senso em magistério do ensino superior. Destes, descartamos logo de saída o primeiro por ter
foco na educação básica. Resta analisar os dois últimos. No próximo item, portanto, será
examinada a PGES como formadora de professores universitários.
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Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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4. A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS E A PÓS-GRADUAÇÃO ESTRITO
SENSO
Neste item, vamos tentar responder duas questões: 1) a finalidade da PGES é formar professores
universitários? 2) Independentemente de sua razão de ser, a PGES forma, de fato, docentes para
o ensino superior? Para responder a primeira pergunta, vamos investigar a legislação pertinente.
4.1 A legislação da pós-graduação estrito senso
A LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) não distingue entre
graduação e pós-graduação quando trata do ensino superior. Em seu art. 43, a Lei dispõe sobre
as finalidades da educação superior:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento
reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o
entendimento do homem e do meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem
patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a
correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa
estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e
regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de
reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das
conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica
geradas na instituição.
O artigo 43 define genericamente as finalidades da educação superior sem fixar especificamente
os fins da PGES.
Por outro lado, as modalidades de educação superior são fixadas no art. 44 da LDB:
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a
candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino;
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e
tenham sido classificados em processo seletivo;
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III - de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de
especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de
graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso
pelas instituições de ensino.
O art. 44, caput, dispõe que a educação superior abrange “cursos e programas”, definindo, em
seu inciso III, que a pós-graduação compreende “programas de mestrado e doutorado”. A pouco
clara redação da LDB deixa dúvidas sobre o status da PGES: se é um curso ou um simples
programa. Qual seria, porém, a diferença entre ambos?
No âmbito do ensino superior, curso é um conjunto de disciplinas de formação profissional que
levam à obtenção de um diploma que está sujeito a registro nos órgãos definidos em lei. Os
cursos superiores têm carga horária mínima, estão abertos a candidatos que atendam aos
requisitos pré-estabelecidos na legislação e estão sujeitos a processos de autorização,
reconhecimento e renovação de reconhecimento, com procedimentos específicos que garantam a
qualidade do ensino. No caso dos cursos de pós-graduação, os respectivos candidatos têm sua
admissão condicionada à posse de um diploma de graduação. Em resumo, curso superior é um
tipo regulamentado de ensino, enquanto programa de educação superior é uma modalidade de
ensino não regulamentada cuja qualidade não se pode garantir. A distinção entre ambos, portanto,
é relevante.
Não obstante a dúvida deixada pelo art. 44 da LDB, a Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação baixou a Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece
normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação. Essa resolução, em seu art. 1º,
caracteriza a PGES como um curso que compreende programas de mestrado e doutorado.
Continuando a análise da LDB, seu art. 66 dispõe:
Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pósgraduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
O art. 66 define que a finalidade do mestrado e do doutorado é preparar para o magistério
superior. Com redação imprecisa, esse artigo não afirma categoricamente que a finalidade do
mestrado e do doutorado é formar professores universitários. Ademais, de acordo com o referido
dispositivo legal, a preparação dos docentes não há de ser feita exclusivamente nesses cursos,
mas sim, prioritariamente. Isto significa que outros cursos podem servir ao “preparo” de
professores para o magistério superior.
Outro preceito da LDB, o art. 52, dispõe:
Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros
profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano,
que se caracterizam por:
I – (...)
II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou
doutorado;
III – (...)
O caput do art. 52 define os fins das universidades, mencionando explicitamente a formação de
profissionais de nível superior e de pesquisadores. Surpreendentemente, porém, dentre as
finalidades das instituições universitárias, não consta, de modo explícito, a formação de docentes
para o ensino superior.
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Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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O inciso II do mesmo art. 52 estabelece que as universidades devem possuir no mínimo um terço
do corpo docente com diploma de mestrado ou doutorado. Isto significa que dois terços dos
professores dessas instituições podem ser constituídos de docentes sem qualquer título de pósgraduação, isto é, de professores simplesmente graduados, portanto sem formação docente
específica. No caso das instituições não universitárias de ensino superior, a LDB é ainda mais
leniente, não exigindo nenhum tipo de formação pedagógica para seu quadro de professores.
Conclusão
A nosso ver, as imprecisões, omissões e indecisões da LDB vistas acima deixam em situação
incerta a formação de professores universitários, pois a lei não colocou categoricamente a PGES
como formadora de docentes para o ensino superior.
4.2 Os cursos de mestrado e doutorado
Se a LDB não afirma claramente que os cursos de PGES devem formar professores
universitários, cabe perguntar: os cursos de PGES formam, de fato, pesquisadores e docentes
para o ensino superior, apesar das deficiências da lei? Vamos tentar responder essa pergunta
analisando os cursos de PGES em Administração de Empresas de três renomadas instituições
paulistas.
4.2.1 Instituição A
Mestrado
O curso de mestrado da Instituição A tem por objetivo “preparar docentes, pesquisadores e
profissionais à reflexão científica sobre temas atuais da Administração, estimulando o domínio
dessa ciência e de suas ferramentas analíticas.” O curso, que tem duração máxima de 2,5 anos
(5 semestres), apresenta as seguintes disciplinas obrigatórias:
•
•
•
•
Métodos de pesquisa;
Métodos quantitativos de pesquisa;
Teoria das organizações;
Estratégia.
Na relação acima, salta aos olhos a completa ausência de disciplinas pedagógicas. Em relação à
área de metodologia científica, a disciplina Métodos de Pesquisa explicita alguns dos
procedimentos quantitativos de pesquisa mais utilizados nas ciências sociais, de modo a fornecer
aos alunos instrumentos que os ajudem a elaborar seus projetos de dissertação. Por outro lado,
Métodos Quantitativos de Pesquisa, na verdade, é uma disciplina de estatística destinada a
desenvolver a capacidade de análise estatística de dados.
Considerando que, até o final do 3º semestre, o aluno tem que apresentar sua proposta de
dissertação, conclui-se que, provavelmente, a única pesquisa que ele fará durante o curso, se
fizer, será aquela relativa à dissertação.
Doutorado
O curso de doutorado, por sua vez visa “preparar profissionais para a reflexão científica sobre os
temas atuais da Administração, estimulando o domínio dessa ciência e de suas ferramentas
analíticas, com um diferencial: a ênfase na atividade de pesquisa e o direcionamento à busca de
novas contribuições para o conhecimento.”
No doutorado também não existem disciplinas pedagógicas, e a única disciplina metodológica
obrigatória é Métodos Qualitativos de Pesquisa, que tem por objetivo “o aprofundamento da
discussão sobre questões referentes ao uso da pesquisa qualitativa no campo das ciências
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sociais”. Nesse curso, que tem duração máxima de 4,5 anos (9 semestres), o aluno tem que
apresentar sua proposta de tese até o final do 5º semestre.
O processo seletivo da Instituição A consta de duas etapas: 1ª) teste ANPAD; 2ª) apresentação de
documentos e entrevista com a banca de seleção. Como não existem critérios pré-definidos para
a banca de seleção julgar os candidatos, o processo torna-se não transparente, não existindo,
assim, garantia de que seja justo.
Outra observação quanto ao processo seletivo é que, dos candidatos ao doutorado, não se exige
nenhum documento que comprove qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste
prático de didática. Isto significa que qualificação para a docência não é um critério de avaliação
dos candidatos a esse curso.
A conclusão a que se chega é que, nos cursos de mestrado e doutorado da Instituição A, o aluno
não adquire formação docente, pela absoluta ausência de disciplinas pedagógicas. Considerandose, ainda, que as disciplinas metodológicas são teóricas, e que o aluno, logo após iniciar o curso,
vê-se obrigado a mergulhar na elaboração da dissertação/tese, somos forçados a concluir
também que esses cursos não formam pesquisadores habilitados.
4.2.2 Instituição B
Mestrado
O Curso de Mestrado em Administração de Empresas da Instituição B tem por objetivo “formar
professores com habilidades na utilização da metodologia científica, motivados a investigar
fenômenos e fatos da realidade da Administração, com visão estratégica e integradora, que
busquem o auto-aprendizado contínuo.”
As disciplinas obrigatórias são:
•
•
•
•
•
Análise de Decisões Financeiras;
Elementos do Comportamento Organizacional;
Estudos e Análise Organizacional;
Metodologia do Trabalho Científico;
Planejamento Estratégico.
Nota-se igualmente a ausência de disciplinas pedagógicas, bem como a presença de uma única
disciplina metodológica, denominada Metodologia do Trabalho Científico.
Por outro lado, é estranho que o objetivo desse curso seja “formar professores com habilidades
na utilização da metodologia científica”. Quem deveria ter habilidades em metodologia científica
são os pesquisadores. Por outro lado, se o objetivo do curso é formar professores, então as
habilidades pertinentes deveriam ser as didático-pedagógicas. A impressão que se tem é a de que
existe uma indecisão sobre o que privilegiar: formação de professores x formação de
pesquisadores.
Doutorado
O Curso de Doutorado, por sua vez, tem como objetivo “formar pesquisadores com profunda e
excelente base científica, comprometidos com a geração, a transmissão e a facilitação do
processo de aprendizagem de novos conhecimentos sobre as tecnologias avançadas de gestão
empresarial, visando contribuir para o desenvolvimento econômico do país.”
As disciplinas obrigatórias são:
•
Competitividade Empresarial;
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Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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•
•
•
•
Ensino em Administração;
Epistemologia e Trabalho Cientifico;
Métodos Qualitativos de Pesquisa em Administração;
Métodos Quantitativos de Pesquisa em Administração.
Percebe-se uma certa incoerência entre os objetivos dos cursos e as respectivas disciplinas. O
mestrado declara ser seu objetivo a formação de professores, mas não contém disciplinas
pedagógicas. Já o doutorado enfatiza a formação de pesquisadores, mas inclui uma disciplina
pedagógica denominada Ensino em Administração.
É de se ressaltar a declaração da Instituição de que o objetivo do doutorado é “formar
pesquisadores (...) comprometidos com a geração, a transmissão e a facilitação do processo de
aprendizagem de novos conhecimentos (...)”. Essa declaração sugere que a Instituição B acredita
não ser difícil formar cientistas capazes de lecionar o conhecimento com a mesma competência
com que o produzem.
O processo seletivo do curso de doutorado inclui uma “prova de habilidades em projetos de
pesquisa”, na qual o candidato recebe um tema na linha de pesquisa que escolheu, para o qual
terá que desenvolver um pré-projeto de pesquisa que cumpra “o padrão de um doutorado”. Isto
significa que, no processo seletivo, o candidato deve demonstrar proficiência em metodologia de
pesquisa. Mas isso não deveria ser pré-requisito para admissão ao curso, uma vez que
capacitação em pesquisa, supostamente, constitui o próprio objetivo do curso. Outro paradoxo é
que o processo seletivo do doutorado da Instituição B exige dos candidatos uma habilidade em
pesquisa que não é fornecida pelo mestrado da mesma instituição.
O processo seletivo também inclui uma entrevista que tem peso igual a 30% na nota final dos
candidatos. Trata-se igualmente de uma etapa cujos critérios de avaliação são desconhecidos.
Novamente, não se exige dos candidatos ao doutorado nenhum documento que comprove
qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste prático de didática. Qualificação para
a docência, portanto, nada significa em termos de avaliação dos candidatos a esse curso.
Conclusão: na Instituição B, o curso de mestrado não forma professores nem pesquisadores. O
curso de doutorado também não forma pesquisadores, pois o respectivo processo seletivo é
configurado de tal forma que são admitidos apenas candidatos já proficientes em metodologia de
pesquisa, mas cuja proficiência não pode ser adquirida no mestrado da instituição.
4.2.3 Instituição C
Mestrado
O curso de mestrado da Instituição C tem por objetivo “iniciar a formação de seus alunos nas
atividades de pesquisa e docência em Administração.”
As disciplinas obrigatórias são:
•
•
•
Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I;
Didática do Ensino em Administração;
Monitoria Didática I.
Existe uma disciplina pedagógica nesse curso: Didática do Ensino em Administração. Quando se
inspeciona o plano da disciplina, porém, constata-se vários aspectos questionáveis:
1) o programa compõe-se de apenas doze aulas, a serem ministradas em três meses, sendo que,
das doze aulas, seis correspondem a seminários e seis a sessões de microensino. Parece claro,
portanto, que se trata de um programa insuficiente para formar um professor dotado de
competências didático-pedagógicas;
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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2) o uso do seminário como estratégia de aprendizagem de capítulos do programa parece
incoerente, pois, em uma disciplina de didática, a técnica do seminário deveria ser exatamente um
dos tópicos a serem ensinados aos alunos;
3) Os objetivos declarados da disciplina são possibilitar que o aluno: a) incorpore “conceitos
fundamentais em Didática do Ensino Superior”; b) “conheça as estratégias básicas de ensino e
saiba escolher entre elas em momentos de necessidade na prática”; c) passe por um “treinamento
didático prático que possa revelar-lhe suas principais potencialidades como professor”. Parece,
pois, que o objetivo da disciplina não é permitir que o aluno adquira competências didáticopedagógicas, mas apenas revelar-lhe “suas principais potencialidades como professor”.
No campo metodológico, consta a disciplina Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I.
Embora o respectivo programa seja bastante completo, a duração do curso é limitada a um
semestre letivo.
Doutorado
O curso de doutorado, por sua vez, tem por objetivo “aprofundar a formação de seus alunos nas
atividades de pesquisa em administração.” As disciplinas obrigatórias são:
•
•
•
Metodologia de Pesquisa Aplicada à Administração I;
Didática do Ensino em Administração;
Monitoria Didática II.
As disciplinas são as mesmas do mestrado? Sim e não. As duas primeiras são oferecidas apenas
para alunos de doutorado que não possuam o título de mestre. O doutorando que já for mestre
cursará apenas a disciplina Monitoria Didática II.
Outro paradoxo: embora o objetivo do curso seja aprofundar a formação dos alunos em pesquisa,
aparentemente não existe nenhuma disciplina de “aprofundamento”, quer dentre as obrigatórias,
quer dentre as eletivas.
O processo seletivo, tanto para o mestrado quanto para o doutorado, consta de três etapas, todas
eliminatórias: 1ª) provas; 2ª) avaliação da documentação do candidato pela comissão de seleção;
3ª) entrevista.
A documentação a ser apresentada pelo candidato na segunda etapa consta de:
•
•
•
•
currículo Lattes;
histórico escolar do curso de graduação (para o mestrado) e também do curso de pósgraduação (para o doutorado);
projeto da dissertação de mestrado (mestrado) ou da tese de doutorado (doutorado);
cópias de publicações.
A primeira observação é que não existem critérios pré-definidos, quer para classificar a
documentação apresentada na segunda etapa, quer para classificar os candidatos por ocasião da
entrevista. Não sendo o processo transparente, não se pode verificar se é justo.
A segunda observação é que se exige do candidato ao mestrado a apresentação prévia do projeto
da dissertação. Mas, em se tratando de um trabalho acadêmico de pós-graduação, não seria
objetivo do curso exatamente capacitar o aluno a elaborar um tal trabalho? Se isto for verdade,
por que exigir do candidato uma habilidade que ele não tem obrigação de possuir?
A terceira observação é que se exige do candidato ao doutorado a apresentação prévia do projeto
de tese, que deve prever obrigatoriamente um teste de hipótese. Mas, pelo que foi visto até aqui,
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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é pouco provável que o candidato tenha adquirido capacitação em pesquisa no mestrado. Assim,
a menos que o pretendente tenha adquirido essa capacitação por outro meio, não se compreende
como ele conseguirá elaborar e apresentar um projeto de tese aceitável.
A quarta observação é que, novamente, não se exige dos candidatos ao doutorado documentos
que comprovem qualificação para a docência nem se lhes aplica algum teste prático de didática.
Qualificação para a docência, portanto, aqui também não é critério de avaliação dos candidatos a
esse curso.
4.2.4 Conclusão
De todo o exposto, a julgar pelas instituições examinadas, conclui-se que os cursos de PGES não
formam docentes para o ensino superior, pois sua grade curricular é fraca no tocante à formação
pedagógica. E a maneira como tais cursos são projetados com respeito à sua configuração e
modo de acesso leva a pensar que existe, por parte das citadas instituições, uma certa
indiferença, ou até mesmo menosprezo, em relação à formação de professores universitários.
Percebe-se também, pela configuração dos processos seletivos do doutorado, o favorecimento a
candidatos que já sejam pesquisadores. Isto significa que, embora o suposto objetivo de tais
cursos seja a formação de cientistas, as instituições examinadas, de modo incoerente, privilegiam
o ingresso de acadêmicos já experientes em pesquisa, deixando em clara desvantagem os
demais, principalmente quando se considera que os cursos de mestrado desses mesmos centros
de ensino não proporcionam o domínio da metodologia científica. A impressão que se tem é que
as instituições não desejam admitir alunos, mas sim, pesquisadores já formados para integrar
seus quadros.
Como causas dessas distorções, colocam-se as seguintes hipóteses.
1) A histórica desvalorização da atividade docente. Um dos indicadores do desprestígio do
magistério é a questão do registro profissional. O art. 317 da CLT, em sua redação original, de
1943, estabelecia que, para exercer o magistério em escolas particulares, o professor deveria
registrar-se no Ministério do Trabalho. O registro dependia da apresentação dos seguintes
documentos pelo professor: a) certificado de habilitação para o exercício do magistério,
expedido pelo Ministério da Educação; b) cédula de identidade; c) atestado de antecedentes
criminais; e) atestado de isenção de doença infecto-contagiosa.
O art. 61 da antiga LDB (Lei nº 4.024/61) estabelecia que, para lecionar no ensino médio, os
professores deveriam estar registrados “no órgão competente”. A Lei nº 5.692/71, que fixou
Diretrizes e Bases para o ensino fundamental e médio, manteve a exigência em seu artigo 40,
fixando que o registro profissional deveria ser feito em “órgão do Ministério da Educação e
Cultura”. O art. 317 da CLT teve sua alteração alterada e simplificada pela Lei nº 7.855/89,
passando a dispor apenas que os professores deveriam registrar-se no Ministério da
Educação. Finalmente, a nova LDB (Lei nº 9.394/96), ao revogar tanto a antiga LDB como a
Lei nº 5.692/71, aboliu a exigência de registro. Por outro lado, em relação aos docentes do
ensino superior, nunca se lhes foi exigido qualquer tipo de registro profissional. Pelo contrário,
o art. 69 do Decreto nº 5.773/06 estipula que “O exercício de atividade docente na educação
superior não se sujeita à inscrição do professor em órgão de regulamentação profissional”.
Outro indicador de desvalorização da docência são os salários pagos ao professor. Os
docentes brasileiros em escolas de ensino fundamental têm um dos piores salários mundiais
da categoria. No mundo todo, dentre 73 cidades, apenas 17 pagam aos docentes salários
inferiores aos de São Paulo, entre elas Nairobi, Lima, Mumbai e Cairo.(8) No Brasil, o salário
médio de um professor da rede pública com curso superior e com, no mínimo, 15 anos de
experiência (US$ 15,4 mil) não chega a metade (48,5%) da remuneração dos demais
profissionais (US$ 31,7 mil).(9)
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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2) A crença de que o indivíduo competente na produção do conhecimento também é competente
para comunicá-lo. Dito de outro modo: supõe-se que a pessoa mais indicada para transmitir
um conhecimento seria aquela que o produz. De acordo com essa crença, a comunicação do
saber seria o resultado automático de sua produção. Esse modo de pensar leva às seguintes
conclusões: a) não se pode admitir a existência de um docente que não seja também
pesquisador e vice-versa; b) a formação dos estudantes de mestrado ou doutorado não
precisa incluir a aquisição de competência pedagógica; basta que os alunos adquiram
capacidade de investigação científica.
Até onde vai o conhecimento do autor deste trabalho, não existem evidências científicas a
demonstrar que os indivíduos competentes na produção do conhecimento também têm
capacidade de lecioná-lo. Também parece não haver evidências de que aquele que tem
interesse em pesquisa também tem, automaticamente, o mesmo grau de interesse pela
docência e vice-versa. Em sentido contrário, veja-se o caso histórico de Kant. Immanuel Kant
(1724-1804), um dos maiores pensadores de todos os tempos, reconheceu humildemente sua
dificuldade de comunicação e pediu aos “excelentes homens que tão afortunadamente
equilibram a perfeita sabedoria com o talento da exposição lúcida” que assumissem a “tarefa
de elevar a minha obra ― muito falha neste particular ― a maior perfeição”.(10) Quer isto dizer
que Kant pediu ajuda para divulgar sua obra àqueles que a compreendessem e que
possuíssem competência didática.
Será verdade que todo bom cientista é necessariamente um bom docente? Aparentemente
não, pois as aptidões, interesses, conhecimentos, habilidades e atitudes necessários a quem
pesquisa parecem ser diferentes daqueles necessários aos que lecionam. “Parece que há
poucas dúvidas de que a pesquisa requer competências e qualidades profissionais
completamente diferentes das exigidas pelo ensino (...). Elas podem apresentar-se todas nas
mesmas pessoas, obviamente; porém, é frequente encontrar excelentes pesquisadores que
são professores medíocres (ou não se comunicam bem, ou utilizam um tipo de discurso muito
elevado e complexo, ou mantêm relações conflituosas com seus estudantes, ou não têm
tempo suficiente para preparar a aula, ou estão mais envolvidos com os conteúdos que
explicam do que com a forma como seus estudantes os decodificam e assimilam etc.)”(11)
Também parece que o ambiente em que um pesquisador exerce seu ofício é substancialmente
diverso daquele em que o professor exerce o seu. Durante o curso de mestrado, o autor deste
trabalho mais de uma vez ouviu queixas e comentários de colegas sobre professores que
eram obrigados a lecionar e que eram péssimos docentes porque não tinham paciência para o
ensino e que não faziam segredo de que, se pudessem, dedicariam todo o seu tempo à
pesquisa.
Também durante o mestrado, este autor teve dois professores que, em vez de lecionarem um
conteúdo geral em suas respectivas disciplinas, abordaram exclusivamente os temas objeto
das estreitas linhas de pesquisa que eles estavam seguindo, linhas nas quais este autor não
tinha interesse.
O fato de os professores limitarem seu ensino aos temas que estão pesquisando pode
produzir efeitos negativos, já que tais questões constituirão apenas um segmento reduzido e
muito especializado da disciplina que estão lecionando.(12)
A hipótese que se coloca é que, à medida que o tempo passa e quanto mais um pesquisador
se aprofunda em uma certa área de conhecimento, tanto mais se reduzem sua capacidade e
sua disposição de comunicar seu conhecimento a indivíduos mais leigos do que ele e tanto
mais se reduz sua disposição de lecionar outro assunto que não seja o de sua área de
investigação.(13)
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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3) A legislação. O artigo 65 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) dispõe que
a formação docente incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas, exceto para a
educação superior. A conseqüência é que, ao não exigir prática de ensino nem qualquer outro
requisito pedagógico para a formação de docentes para o ensino universitário, a lei deixou sua
preparação ao acaso.
4) O enorme status acadêmico concedido à pesquisa e o quase desprezo devotado ao ensino. “O
que normalmente é avaliado nos concursos de ingresso e promoção são os méritos das
pesquisas; o que os professores e seus departamentos tendem a priorizar por causa dos
efeitos econômicos e do status são as atividades de pesquisa; o destino prioritário dos
investimentos para formação do pessoal acadêmico, em geral, é orientado principalmente para
a formação em pesquisa (...). Isso faz com que (...) a docência se transforme em uma
atividade marginal dos docentes (gg. do a.). Na realidade, são muitos (...) os que defendem
que, para ser um bom professor universitário, o mais importante é ser um bom pesquisador.
Eles entendem que “pesquisar” constitui um nível de desenvolvimento intelectual superior
(...).”(14) As evidências nesse sentido são as seguintes:
a) O principal requisito estabelecido para conclusão dos cursos de PGES e consequente
titulação dos alunos é a aprovação de sua defesa de dissertação ou tese. Essa aprovação
significa o reconhecimento, por parte da instituição, da proficiência do estudante em
metodologia científica bem como do domínio da área de concentração escolhida. Nenhuma
demonstração de proficiência, porém, é exigida no campo pedagógico; este é
simplesmente ignorado.
b) Os critérios adotados pela CAPES para avaliação dos cursos. A avaliação da CAPES está
totalmente voltada para os aspectos ligados à pesquisa. Ao julgar as atividades formativas,
por exemplo, a CAPES não avalia a estrutura curricular do ponto de vista da formação
pedagógica dos alunos, limitando-se a verificar a adequação das disciplinas ministradas
em relação às áreas de concentração do curso e às respectivas linhas e projetos de
pesquisa. No tocante ao corpo docente, a CAPES avalia principalmente sua titulação, tipo
de vínculo com a instituição e regime de trabalho, passando ao largo de sua competência
pedagógica. Já em relação aos “produtos” dos cursos, são avaliadas a produção científica
e a produção de dissertações e teses. A CAPES não investiga a competência pedagógica
adquirida pelos alunos.
c) O prestígio de uma IES não depende da qualidade de seu ensino, mas apenas dos cursos
de pós-graduação que mantém e das pesquisas que promove. Em consequência, nas
instituições fortes em pesquisa, o ensino tende a ser tratado como atividade de terceira
classe, como subproduto sem valor, como mal necessário.
Na área educativa, os resultados dessas distorções são a não formação de docentes habilitados e
a ausência de pesquisas em pedagogia do ensino superior.
No próximo item, examinamos os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino
superior como formadores de docentes universitários.
5. OS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSO EM MAGISTÉRIO DO ENSINO
SUPERIOR
Várias IES oferecem cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior. Ao se
examinar, porém, os objetivos e a grade curricular de alguns desses cursos, constata-se que
quase todos possuem natureza exclusivamente teórica, mesmo no âmbito de uma disciplina como
“Didática do Ensino Superior”. A esse propósito, veja-se, por exemplo, a metodologia que um
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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professor propõe para essa disciplina: “a) exposição dialogada; b) seminários; c) trabalhos
individuais e em grupo; d) produção de textos”.(15) A metodologia proposta não prevê atividades
que façam os estudantes exercitarem a prática docente.
A amostra examinada sugere que tais cursos não permitem a aquisição de habilidades didáticas
pelos alunos. Em tais circunstâncias, o docente só poderia adquirir tais habilidades se
encontrasse nas próprias IES um ambiente de aprendizagem semelhante ao das empresas
privadas, um ambiente que lhe permitisse transformar sua prática pedagógica em um processo de
melhoria contínua, com o docente sendo orientado por mestres que ministrassem ensino de
qualidade, realizando uma permanente experimentação e aprendendo pela experiência. Esse
ambiente, porém, não existe, como veremos a seguir. Também é difícil que o docente assuma um
processo de melhoria contínua de forma autônoma, sem orientação de terceiros, por força das
condições em que exerce o magistério.
Conclusão
A conclusão a que se chega é que, não importa a titulação do docente (Especialista, Mestre,
Doutor), provavelmente ele não terá formação pedagógica ou, se a tiver, esta será altamente
deficiente.
6. PODEM OS PROFESSORES EVOLUIR? – A PRÁTICA DOCENTE
Se os cursos de pós-graduação não formam docentes para o ensino superior, então poder-se-ia
esperar que esses professores aperfeiçoassem sua prática pedagógica com o passar do tempo?
A resposta é não. Para se entender o motivo, é preciso examinar as condições em que os
docentes exercem seu ofício. A análise que segue aplica-se às IES privadas, concentrando-se no
ensino em nível de graduação.
6.1 O ambiente das IES
6.1.1 Estrutura Organizacional das IES
A estrutura organizacional das IES se biparte em duas subunidades estruturais bem nítidas, que
funcionam de modos completamente distintos: de um lado, a estrutura administrativa, que executa
as atividades-meio da instituição; de outro, a estrutura docente ou de ensino, que realiza as
atividades-fim. O organograma das IES, em geral, compõe-se, com ligeiras variações, de uma
Reitoria/Diretoria Geral, à qual estão subordinados um Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de
Gradua-ção/Diretor de Unidade (Diretor de Faculdade, Diretor Acadêmico ou Chefe de
Departamento) e um Pró-Reitor/Diretor Administrativo, da seguinte forma:
Reitor
______________|_____________
|
|
Pró-Reitor Acadêmico
Pró-Reitor Administrativo
A estrutura docente é dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de Graduação/Diretor de
Unidade, ao qual se subordinam os coordenadores de cursos (também chamados de gestores de
cursos), e os professores:
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
|
|
|
Coordenador
Coordenador
Coordenador
de curso
de curso
de curso
|
|
|
Professores
Professores
Professores
Por outro lado, a estrutura administrativa, que aglutina as áreas de apoio da IES, é dirigida pelo
Pró-Reitor/Diretor Administrativo:
Pró-Reitor Administrativo
____________________|__________________
|
|
|
Administração
Finanças
Gestão de Pessoas
A estrutura administrativa, dirigida pelo Pró-Reitor/Diretor Administrativo, funciona, em linhas
gerais, de modo análogo ao das empresas privadas, com empregados contratados no regime da
CLT trabalhando em período integral. Esses funcionários compõem uma estrutura hierárquica
tradicional, isto é, uma estrutura em forma de pirâmide que molda as costumeiras relações chefesubordinado. Os indivíduos que compõem a estrutura administrativa interagem contínua e
principalmente com outros funcionários administrativos e, em menor escala, com os integrantes da
estrutura docente. Essa configuração apresenta, como resultados, a criação e manutenção de
vínculos fortes entre os funcionários administrativos e entre estes e a IES.
Em comparação, a estrutura de ensino, dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico/Pró-Reitor de
Graduação/Diretor de Unidade, compõe-se geralmente de docentes dos quais a maioria trabalha
apenas um ou alguns dias por semana, recebendo por hora-aula. Esses professores costumam
ser admitidos no regime da CLT, quando seu destino é a graduação, ou contratados como
autônomos, se forem chamados a lecionar em programas de menor procura, como os cursos de
pós-graduação e de extensão. Os professores interagem contínua e principalmente com os
alunos, principal público externo das IES e, em menor escala, com os integrantes da estrutura
administrativa. É comum que os integrantes da estrutura docente, isto é, professores e gestores
de cursos, vinculem-se a mais do que uma IES (nesse aspecto, eles se assemelham aos médicos
dos hospitais privados, que tendem a manter empregos em várias instituições de saúde). O
resultado desse arranjo é a existência de vínculos frágeis entre os integrantes da estrutura
docente e entre estes e a IES. Na realidade, os docentes universitários tendem a ser vistos como
profissionais autônomos, mesmo quando contratados no regime celetista. Essa visão tem
consequências nas práticas de gestão de pessoas adotadas pelas IES em relação a seus
professores.
6.1.2 Processo seletivo
Em geral, cabe aos gestores a seleção de docentes para os cursos que coordenam. Se as IES
encaram os professores universitários como profissionais autônomos, então o processo de
contratação tende a ser baseado na intenção de contratar um profissional qualificado, onde o
termo “qualificado” significa “profissional pronto para produzir”. Isto quer dizer que, quando estiver
conduzindo um processo seletivo, um gestor de curso nunca olhará os candidatos como
profissionais em desenvolvimento ou a desenvolver, mas sempre como candidatos que, para
serem considerados, devem estar “prontos”, pois a IES não lhes oferece um ambiente de
aprendizagem. Assim, os candidatos que não apresentarem essa característica fundamental
tenderão a ser rejeitados.
O requisito da “prontidão” se traduz na exigência de que os candidatos a uma vaga no quadro
docente da IES possuam domínio do conteúdo da respectiva disciplina, prática profissional,
experiência (tempo de militância) no magistério superior e, talvez, diploma de mestre ou doutor, se
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a IES estiver pressionada a contratar candidatos titulados. Se, por outro lado, a instituição
contratante tiver tradição em pesquisa, os requisitos mudam. Nesse caso, o critério de seleção
tende a ser baseado na titulação, na experiência como pesquisador e nos trabalhos científicos
publicados pelo candidato. A formação pedagógica e as habilidades didáticas do pretendente não
serão requisitos para admissão, ou seja, seu mérito como professor não será considerado. Como
os candidatos à admissão nas IES são, em sua grande maioria, docentes sem formação
pedagógica, idêntica característica será verificada entre os contratados. O resultado é que a
bagagem dos recém-admitidos dificilmente ajudará na melhoria do ensino da instituição
contratante. Eventualmente, o processo seletivo poderá incluir a obrigação de o candidato
ministrar uma aula-teste para o gestor-selecionador. Mesmo nesse caso, porém, a correta aferição
das habilidades didáticas do pretendente dependerá da capacidade pedagógica do próprio gestor
e de seu conhecimento acerca da disciplina objeto do teste.
6.1.3 Remuneração
As IES tendem a remunerar o pessoal da estrutura administrativa com salários fixos e os docentes
com salário variável, isto é, por hora-aula, quer estes últimos sejam contratados pela CLT, quer
sejam admitidos como autônomos. Os professores recebem também um percentual sobre o
salário-base denominado “hora-atividade”, para remuneração de atividades extra-classe como
preparação e correção de provas e trabalhos, preparação de aulas, pesquisa ou participação em
reuniões e em outros eventos. No Estado de São Paulo, o percentual da hora-atividade é de
apenas 5% nas instituições privadas. Em tais condições, as atividades extra-classe tendem a ser
vistas pelo docente como “não compensadoras”. Assim, a forma de remuneração dos integrantes
da estrutura de ensino atua no sentido de estimular o professor a reduzir ao máximo as atividades
não magisteriais, restringindo-se apenas e tão somente à docência, e contribuindo para manter
fracos seus vínculos com a instituição.
Em geral, o sistema adotado pelas IES para remunerar seus professores é o da remuneração
funcional, isto é, a remuneração baseada no cargo. A esse respeito, é comum existir nas IES um
quadro de carreira constituído, por exemplo, de uma série inicial composta pelos cargos de
Professor Assistente I, II e III, que incluem docentes detentores, respectivamente, dos títulos de
Especialista, Mestre e Doutor, sendo a carreira completada com os cargos finais de Professor
Adjunto e Professor Titular. Costuma-se atribuir um valor fixo de remuneração a cada cargo. O
acesso (promoção) aos cargos iniciais depende da titulação e, aos cargos finais, depende do
tempo de serviço e do “desempenho”. O docente recém-contratado é enquadrado em um dos
cargos iniciais da carreira de acordo com seu título. Os acréscimos de remuneração, portanto,
dependem de promoção.
6.1.4 Treinamento
A tendência das IES é não criar programas de aperfeiçoamento para seus professores. Vários
fatores contribuem para isso: a fragilidade do vínculo professor-instituição; a visão dos docentes
como profissionais autônomos, portanto os únicos responsáveis por seu próprio desenvolvimento;
a consideração dos professores como profissionais “prontos” e, mais do que isso, como “prontos e
acabados”, isto é, dotados de um certo conjunto de habilidades fixas; a crença de que o
magistério superior seja uma atividade não passível de aperfeiçoamento; e, talvez, a disposição
de não investir. Se um docente, por sua própria iniciativa, se inscrever em um programa de
treinamento, essa participação não exercerá nenhuma influência na remuneração que ele recebe
da Instituição onde leciona.
6.1.5 Avaliação de desempenho
Muitas IES utilizam instrumentos de avaliação de desempenho dos professores. Em geral, esses
instrumentos assumem a forma de questionários de múltipla escolha contendo itens genéricos,
tais como a qualidade do conteúdo lecionado, do material didático, da exposição etc., que são
preenchidos pelos estudantes ao final do curso ou do semestre. Podem esses instrumentos
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Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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avaliativos contribuir de alguma forma para o aperfeiçoamento dos docentes e para a melhoria da
qualidade do ensino?
A primeira observação a fazer é que o fato de a avaliação ser realizada sempre ao final do curso
ou do semestre, portanto em prazos pré-definidos, e por meio de um instrumento formal como o
questionário, indica que essas avaliações não se destinam a orientar o desenvolvimento do
docente, mas sim, têm natureza exclusivamente decisória, ou seja, destinam-se unicamente a
permitir que a IES decida se mantém o docente ou se o demite.
Em segundo lugar, deve ser observado que a entrevista de feedback não é uma prática
institucionalizada nas IES. Em consequência, muitos docentes tendem a ser demitidos sem saber
a razão.
A terceira observação é que, em geral, a avaliação é feita exclusivamente pelos alunos, ou seja,
pelos “clientes”. O gestor do curso, que é o chefe imediato do professor, não o avalia, nem pode
fazer isso observando diretamente seu desempenho, pois não assiste suas aulas. O gestor toma
decisões em relação ao docente baseado apenas no que dizem os alunos.
Em quarto lugar, o questionário preenchido pelos alunos fornece apenas um “instantâneo”, isto é,
uma “fotografia” imprecisa e incompleta do desempenho do docente. Como a IES encara o
professor como um profissional “pronto”, a instituição não sabe e, em geral, não tem interesse em
saber, se ele está evoluindo ou não, se está fazendo algum esforço para melhorar seu magistério,
qual o seu potencial, qual o seu grau de interesse pela docência e assim por diante. Esse conjunto
muito mais completo de informações seria o “filme” do professor, que a IES não tem.
A quinta observação é que as avaliações, por terem caráter genérico e serem feitas por alunos,
não detalham, de um ponto de vista pedagógico, quais as condutas corretas do docente e quais
os aspectos que ele precisa melhorar.
Por todos esses motivos, os questionários de avaliação de desempenho preenchidos por alunos
pouco podem ajudar no tocante ao aperfeiçoamento dos professores.
6.1.6 Retenção de talentos
As IES tendem a não recompensar os melhores mestres e a não reconhecer os esforços de
desenvolvimento pessoal que seus professores porventura fizerem. O desempenho e o potencial
dos integrantes do quadro docente são, talvez, de conhecimento exclusivo dos gestores de curso.
Nas IES não existem, portanto, estratégias destinadas à retenção de talentos.
6.1.7 Desligamento
Os professores contratados pelas IES são supostos qualificados em virtude de sua experiência.
De fato, considerando-se a maneira como seu desempenho é avaliado, os docentes tendem a ser
demitidos por razões administrativas (por exemplo, excesso de faltas ou de atrasos) ou se seu
desempenho for considerado gritantemente ruim por parte dos alunos.
6.1.8 Número de alunos por classe
Nos cursos de Administração das instituições privadas, é comum que o professor seja obrigado a
lecionar para uma turma de oitenta ou cem alunos. Em uma classe desse tamanho, torna-se
difícil, senão impossível, utilizar métodos didáticos eficazes; a aula tende a assumir uma feição
pesadamente expositiva. Em tais condições, mesmo que o docente fosse capaz de ministrar
ensino de qualidade, ele encontraria sérios obstáculos para fazê-lo.
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
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6.1.9 Número de disciplinas lecionadas
Em se tratando do curso de Administração, a estrutura organizacional das IES estimula os
professores a assumir várias disciplinas de áreas de concentração diferentes. Essa estrutura
organizacional também torna difícil que os docentes partilhem suas experiências. Os professores
que lecionam uma mesma disciplina tendem a permanecer isolados e a não trocar ideias entre si.
A maneira como a estrutura organizacional produz esse efeito é a seguinte. Foi visto que a
estrutura docente das IES é dirigida pelo Pró-Reitor Acadêmico ou Diretor de Unidade, ao qual se
subordinam os coordenadores de cursos e os professores:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
|
|
|
Coordenador
Coordenador
Coordenador
de curso
de curso
de curso
|
|
|
Professores
Professores
Professores
Nesse tipo de estrutura, compete aos gestores a seleção de docentes a serem contratados para
os cursos que coordenam. Suponhamos, por exemplo, que uma determinada IES possua um
curso de graduação em Administração, um de graduação em Ciências Contábeis e um curso de
tecnologia em Gestão Empresarial, cada qual com seu respectivo gestor, da seguinte forma:
Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
|
|
|
Gestor do curso de
Gestor do curso de
Gestor do curso de
Administração
Ciências Contábeis
Gestão Empresarial
Os três cursos provavelmente possuirão, em sua grade curricular, por exemplo, uma disciplina
como GP – Gestão de Pessoas. Nestas condições, é provável que os três coordenadores
contratem três professores diferentes para lecionar essa mesma disciplina em seus cursos. O
coordenador do curso de Administração, provavelmente, não dará atenção ao fato de existirem
professores de GP nos outros dois cursos, e vice-versa. E os três professores de GP
provavelmente nunca chegarão a ter contato entre si porque se subordinam a coordenadores
diferentes. E esse contato se tornará ainda mais improvável se os três cursos forem ministrados
em campi ou prédios diferentes.
O gestor é responsável pelo sucesso de seu curso, cabendo-lhe selecionar os respectivos
professores. Se a IES não tiver políticas e procedimentos de admissão de docentes e deixar os
gestores sem suporte e entregues à própria sorte, a tendência será estes últimos adotarem uma
postura defensiva, tentando constituir corpos docentes exclusivos para seus respectivos cursos e
não colaborando entre si. O resultado será, por um lado, a contratação de professores diferentes
para a mesma disciplina em diferentes cursos e, por outro, a atribuição de disciplinas de áreas de
concentração diferentes ao mesmo professor.
Supondo que, no exemplo acima, os três cursos possuam as disciplinas de Gestão de Pessoas
(GP), Gestão de Marketing (MKT) e Gestão Financeira (FIN), a tendência é ocorrer a seguinte
situação:
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Pró-Reitor Acadêmico
______________________________|___________________________
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Curso de Administração
Curso de Ciências Contábeis
Curso de Gestão Empresarial
Professor 1 – leciona
Professor 2 – leciona
Professor 3 – leciona
três disciplinas diferentes:
três disciplinas diferentes:
três disciplinas diferentes:
GP, FIN e MKT
GP, FIN e MKT
GP, FIN e MKT
É por essa razão que a estrutura organizacional das IES estimula os docentes a assumir várias
disciplinas de áreas de concentração diferentes. Nesse tipo de estrutura, professores que
lecionam em cursos diferentes, ainda que ministrem uma mesma disciplina, tendem a não ter
contato entre si e a não partilhar experiências pedagógicas relativas à sua disciplina comum. À
medida que aumenta o número e a variedade de disciplinas lecionadas e à medida que aumenta o
isolamento do docente, diminui a possibilidade de que ele melhore seu magistério.
6.1.10 Atribuição de disciplinas
A atribuição de disciplinas aos professores compete exclusivamente aos gestores de curso. Em
geral, não se fixam critérios para decidir quais docentes devem receber quais disciplinas. Isto
aumenta os riscos de que uma determinada disciplina seja atribuída a um professor que não
esteja capacitado a lecioná-la e de que os docentes que se sentirem prejudicados fiquem
insatisfeitos.
6.1.11 O conteúdo das disciplinas
Em geral, cabe aos gestores de curso a elaboração da respectiva grade curricular. Isso inclui a
escolha de quais disciplinas farão parte da grade, bem como, para cada disciplina, a escolha do
respectivo nome, objetivos, ementa e bibliografia básica e complementar.
Em geral, o gestor é habilitado em uma determinada área de concentração. Como consequência,
em se tratando de um curso de Administração, é pouco provável que ele esteja familiarizado com
todas as disciplinas do curso. Em tais condições, ao elaborar a ementa de cada disciplina, ele terá
dificuldade em avaliar o conteúdo que é possível lecionar em um semestre. O resultado é a
frequente criação de ementas super-sobrecarregadas, cujo cumprimento afigura-se virtualmente
impossível.
Vejamos um exemplo. Um curso de graduação em Administração tem a seguinte ementa para a
disciplina de Estatística, que é lecionada em um semestre, com carga horária de 60h:
Ementa: Conceitos fundamentais de estatística. Divisão da estatística: Estatística Descritiva e
Estatística Inferencial. Organização e apresentação dos dados. Distribuições de frequências.
Análise Gráfica. Medidas de tendência central e de variabilidade, assimetria e curtose. Noções de
probabilidades e distribuições de probabilidade. Técnicas de amostragem probabilística e não
probabilística. Estimação por intervalo de confiança. Testes de hipóteses. Análise de Correlação e
Regressão Linear. Utilização de software estatístico / planilha eletrônica.
A ementa abrange os dois ramos da Estatística: Descritiva e Inferencial. Todavia, qualquer
professor consciencioso e minimamente familiarizado com essa disciplina sabe que é impossível
lecionar decentemente o conteúdo acima em apenas um semestre. Em tais condições, ou o
professor não cumpre a ementa, ou cumpre-a e o ensino da disciplina terá péssima qualidade.
6.1.12 Gestão do conhecimento pedagógico
As IES não possuem um saber pedagógico institucionalizado. Esse conhecimento, se existir,
estará apenas e tão somente nas mentes dos professores. Isto significa que, quando algum
docente deixa a instituição, ele leva consigo todo o conhecimento que possui, inclusive o que
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adquiriu em seu trabalho na IES que acabou de deixar. As IES não criam, adquirem, registram ou
transferem o conhecimento pedagógico nem usam esse conhecimento para aperfeiçoar as
atividades de ensino.
6.2 A situação própria dos professores
Se as IES não oferecem um ambiente que possibilite o aperfeiçoamento da prática pedagógica
dos professores universitários, os docentes, por outro lado, também não têm condições de
melhorar a qualidade de seu magistério por iniciativa própria.
Os docentes não podem evoluir porque, primeiro, não sabem que seu ensino é ruim. No Brasil,
em geral, apenas os cursos de licenciatura incluem disciplinas pedagógicas em seus currículos. A
finalidade de todos os outros cursos é formar profissionais, sem preocupação com sua
competência para o magistério. Aqueles que não conhecem pedagogia, porém, não sabem que
ela é necessária; supõem, equivocadamente, que o diplomado experiente em sua profissão é
também, automaticamente, um professor qualificado dessa profissão. Assim, profissionais
contratados para o magistério superior imaginam possuir competência para esse mister apenas
por serem competentes em sua profissão de origem.
Acresce-se a esse equívoco o fato de que a convicção sobre a própria competência e a autoconfiança daí resultante crescem à medida que os anos passam e o desempenho do docente
nunca é questionado. Assim, quanto mais tempo de militância um professor tiver sem críticas,
menos ele aceitará a ideia de que seu ensino é deficiente. A certeza do valor como educador, o
orgulho e a força dos hábitos adquiridos, farão com que o questionamento repentino de seus
métodos seja insuportável para o docente não-iniciante. Ele se sentirá insultado com a mera
sugestão de um aperfeiçoamento. Um professor maduro, com métodos pedagógicos cristalizados,
usados repetidamente durante anos, terá grande dificuldade em encarar processos de mudança.
Os docentes também não podem evoluir porque, mesmo que soubessem que seu ensino é
deficiente, não saberiam o que fazer para melhorar, pois não poderiam contar com o apoio das
instituições onde lecionam, instituições que não oferecem programas de aperfeiçoamento a seus
professores e muito menos realizam pesquisas em pedagogia do ensino superior. Outra razão que
impede os docentes de evoluir é que eles não partilham suas experiências e não dispõem da
referência de mestres que ministrem ensino de qualidade. Os professores que lecionam uma
mesma disciplina tendem a permanecer isolados e a não trocar ideias entre si.
Mesmo que quisessem melhorar e soubessem o que fazer para alcançar esse objetivo, muitos
professores universitários de instituições privadas encontrariam um obstáculo adicional: o número
de disciplinas que lecionam. Não é raro encontrar professores que lecionam várias disciplinas
diferentes. Em tais circunstâncias, torna-se mais difícil para o professor aperfeiçoar a qualidade de
seu magistério.
Muitos professores assumem disciplinas de áreas de concentração diferentes, mesmo em campos
de conhecimento com os quais não estão familiarizados. Por que isso acontece? Podem-se supor
várias razões. Uma delas seria a ideia de que não há mal nenhum no fato de um professor
lecionar disciplinas díspares em termos de áreas de conhecimento; outra razão seria uma crença
mais ou menos generalizada de que a prática pedagógica é algo estático, isto é, não há
consciência de que o professor pode e deve melhorar seus métodos de ensino continuamente. Se
a prática pedagógica é imutável, então o docente não precisa gastar tempo para refletir sobre ela
e para melhorá-la. Um terceiro motivo seria a remuneração por hora-aula, que faz com que o
docente aceite lecionar qualquer disciplina com o objetivo de aumentar ou manter seus
rendimentos. Um quarto motivo é que talvez o docente pense que, se recusar-se a assumir
qualquer disciplina que lhe for oferecida, ficará mal visto pelo coordenador de seu curso.
Por fim, deve-se mencionar os professores que lecionam em período noturno e exercem outra
atividade profissional em período diurno, trabalhando às vezes 10 ou 12 horas por dia. Estes
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dificilmente terão tempo e disposição para realizar, a cada semestre, um trabalho de revisão de
conteúdos, de revisão de métodos e técnicas didáticas, de pesquisa, de reflexão e de
experimentação, enfim, para realizar esse árduo trabalho que é vital à melhoria de seu magistério.
7. CONCLUSÃO
O fator determinante da qualidade do ensino superior são os métodos e técnicas pedagógicas. Os
professores universitários, porém, via de regra, não dominam tais métodos e técnicas. Os motivos
dessa deficiência podem ser agrupados nas categorias seguintes.
7.1 Falta de formação pedagógica
Os professores do ensino superior, via de regra, não possuem formação pedagógica. Os motivos
dessa deficiência são os seguintes:
1. Embora o ofício de professor universitário seja uma profissão, trata-se de uma profissão não
regulamentada. Como consequência, nenhum requisito é imposto ao exercício da docência
superior de modo a garantir a qualidade da formação dos que nela atuam.
2. A PGES é uma modalidade de educação que seria candidata natural ao encargo de formar
professores universitários. Todavia, as imprecisões, omissões e indecisões da LDB colocam
esse ramo de ensino em uma posição frágil como formador de docentes para o ensino
superior.
3. Se, por um lado, a LDB não afirma claramente que os cursos de PGES devem formar
professores universitários, por outro, a julgar pelas instituições examinadas, a PGES também
não forma de fato professores universitários porque sua grade curricular é fraca em relação às
disciplinas pedagógicas.
4. Os cursos de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior são outro candidato
ao posto de formador de docentes universitários. A amostra examinada desses cursos, porém,
sugere que eles possuem natureza exclusivamente teórica. A respectiva metodologia não
prevê atividades que façam os estudantes exercitarem a prática docente. Tais cursos,
portanto, não permitem a aquisição de habilidades didáticas pelos alunos.
5. Para aprovação dos alunos de mestrado ou doutorado, não se exige nenhuma demonstração
de proficiência no campo pedagógico.
6. O artigo 65 da LDB dispõe que a formação docente incluirá prática de ensino de, no mínimo,
trezentas horas, exceto para a educação superior. Isto significa que a lei não exige prática de
ensino nem qualquer outro requisito pedagógico para a formação de docentes para o ensino
universitário.
7. Ao avaliar os cursos de PGES, a CAPES não verifica se eles proporcionam competências
pedagógicas aos alunos.
8. O § 5º do art. 1º da Resolução CNE/CES nº 1, de 3 de abril de 2001, que estabelece normas
para o funcionamento de cursos de pós-graduação, estabelece, como condição indispensável
para a autorização de um curso de PGES, a comprovação da prévia existência de grupo de
pesquisa consolidado na mesma área de conhecimento do curso. Isto significa que a
resolução impede uma IES de criar um curso de mestrado ou doutorado exclusivamente para
formar professores universitários.
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7.2 Inexistência de ambiente de aprendizagem nas IES
Os professores universitários não encontram, nas IES, um ambiente de aprendizagem que lhes
permita aperfeiçoar sua prática docente, em virtude dos seguintes fatores, próprios das IES
privadas.
1. Os vínculos entre os docentes e entre estes e a IES são frágeis.
2. Mesmo quando contratados no regime celetista, os docentes universitários tendem a ser vistos
como profissionais autônomos, o que significa que eles não são vistos como profissionais em
desenvolvimento ou a desenvolver, mas sempre como candidatos que, para serem
considerados, devem estar “prontos para produzir”.
3. A formação pedagógica e as habilidades didáticas dos candidatos a uma vaga no quadro
docente da IES não são requisitos para admissão, ou seja, seu mérito como professor não é
testado.
4. Em razão do baixo percentual recebido a título de “hora-atividade”, as atividades extra-classe
tendem a ser vistas pelo docente como “não compensadoras”.
5. Os acréscimos de remuneração do docente dependem exclusivamente de promoção.
6. A tendência das IES é não criar programas de aperfeiçoamento para seus professores. Por
outro lado, se um docente, por sua própria iniciativa, se inscrever em um programa de
treinamento, essa participação não exercerá nenhuma influência na remuneração que ele
recebe da Instituição onde leciona.
7. Via de regra, as IES não possuem processos formais de avaliação de desempenho dos
docentes.
8. As IES tendem a não recompensar os melhores mestres e a não reconhecer os esforços de
desenvolvimento pessoal que seus professores porventura fizerem.
9. Os docentes tendem a ser demitidos apenas por razões administrativas (por exemplo, excesso
de faltas ou de atrasos) ou se a maioria dos alunos exercer uma pressão insuportável sobre o
gestor do curso.
10. Nos cursos de Administração, é comum a existência de classes com muitas dezenas de
alunos, o que dificulta a utilização de métodos didáticos eficazes.
11. Em se tratando do curso de Administração, a estrutura organizacional das IES estimula os
professores a assumir um número excessivo de disciplinas de áreas de concentração
diferentes. Essa estrutura organizacional também torna difícil que os docentes partilhem suas
experiências. Os professores que lecionam uma mesma disciplina tendem a permanecer
isolados e a não trocar ideias entre si.
12. A atribuição de disciplinas aos professores compete exclusivamente aos gestores de curso.
Em geral, não se fixam critérios para decidir quais docentes devem receber quais disciplinas.
13. No caso do curso de Administração, é frequente a existência de disciplinas com ementas
super-sobrecarregadas, cujo cumprimento afigura-se virtualmente impossível.
14. As IES não criam, adquirem, registram ou transferem o conhecimento pedagógico nem usam
esse conhecimento para aperfeiçoar as atividades de ensino.
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7.3 Impossibilidade de melhoria autônoma
É difícil aos docentes engajar-se, de forma autônoma, em um processo de melhoria contínua, em
virtude dos seguintes fatores.
1. Os docentes não sabem que seu ensino é ruim.
2. Como nunca foram avaliados, os docentes não iniciantes se sentirão ofendidos com a mera
sugestão de um aperfeiçoamento e terão grande dificuldade em encarar processos de
mudança.
3. Mesmo que soubessem que seu ensino é deficiente, os docentes não saberiam o que fazer
para melhorar, pois não poderiam contar com o apoio das instituições onde lecionam.
4. Os professores universitários não partilham suas experiências e não dispõem da referência de
mestres que ministrem ensino de qualidade.
5. Muitos docentes universitários lecionam um número elevado de disciplinas diferentes na
mesma área de concentração e mesmo disciplinas de diferentes áreas de concentração.
6. Os professores não têm consciência de que podem e devem melhorar seus métodos de
ensino continuamente.
7. Os professores que lecionam em período noturno e exercem outra atividade profissional em
período diurno integral não têm tempo nem disposição para revisar conteúdos, métodos e
técnicas didáticas.
7.4 Resultado
O resultado de todos esses fatores é um bloqueio ao aperfeiçoamento dos métodos e técnicas
pedagógicas. Assim, a possibilidade de os estudantes dos cursos superiores serem contemplados
com um ensino de qualidade dependerá da existência de mestres apaixonados pela docência e:
a) que sejam dotados de aptidões pedagógicas inatas que os façam, instintivamente, lançar mão
de métodos didáticos eficazes, ou; b) que queiram evoluir e que consigam fazê-lo sozinhos apesar
de todos os obstáculos que enfrentam.
NOTAS
(1) UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação.
Disp. em:
http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/20030620161930/200
30623111830/
(2) UNESCO. Idem.
(3) Dentre os estudantes que participaram do ENADE 2005, 60% estudam em período noturno e
75% trabalham regularmente.
(4) PEREIRA, Fernanda C. B. Determinantes da evasão de alunos e os custos ocultos para
as instituições de ensino superior: Uma aplicação na Universidade do Extremo Sul
Catarinense. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. pp. 125-126. Disp. em:
http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/6936.pdf
(5) Idem. pp. 126-127.
(6) Idem. pp. 134-135.
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(7) NASCIMENTO, Claudinei de Lima. Qualidade do Ensino Superior de Ciências Contábeis:
Um Diagnóstico nas Instituições Localizadas na Região Norte do Estado do Paraná. Base –
Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos, 2(3): 155-166, setembro/dezembro 2005.
pp. 11-12. Disp. em:
www.fecap.br/PortalNovo/Arquivos/Extensao_Desenvolvimento/pqd/ART_005.pdf
(8) “Salário de professor no País está entre os piores do mundo”. Disp. em:
http://noticias.terra.com.br/educacao/salario-de-professor-no-pais-esta-entre-os-piores-domundo,22ac42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
(9) “Professor brasileiro ganha menos que metade do salário dos docentes dos países da OCDE”.
Disp. em:
http://educacao.uol.com.br/noticias/2012/10/01/professor-brasileiro-ganha-menos-que-metade-dosalario-dos-docentes-dos-paises-da-ocde.htm
(10) PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 7.
(11) ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre:
Artmed, 2004. p. 155.
(12) ZABALZA, Miguel A. Idem. pp. 120-121.
(13) A esse respeito, leia-se a primeira parte de meu artigo “O autor deve respeitar o leitor”.
Disponível em:
http://www.centrorefeducacional.pro.br/autrelei.htm
(14) ZABALZA, Miguel A. Idem. pp. 154-155.
(15) ALCANTARA, Paulo. Didática do Ensino Superior: Plano da Disciplina. Disponível em:
http://www.esmape.com.br/downloads/didatica_ensino_superior-paulo_alcantara.pdf
(*) Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas e Professor Universitário. O autor
leciona disciplinas como Gestão de Pessoas, Comportamento Organizacional, Relações Humanas
e Ética. E-mail: [email protected].
Artigo publicado no Portal ProfessorNews (www.professornews.com.br). Qualidade do Ensino Superior: os cursos de
Administração de Empresas (autoria: Prof. Flavio Farah, e-mail: [email protected]). Reprodução parcial
autorizada mediante citação de autoria.
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