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AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL E DA LINGUAGEM ESCRITA PELA CRIANÇA
Professor(a), ao abordarmos, no texto anterior, a linguagem escrita
como uma das múltiplas linguagens da criança, procuramos enfatizar a
importância de tratar esse objeto de conhecimento no contexto das
demais linguagens. Também nos remetemos ao processo civilizatório da
humanidade, estabelecendo relações com as descobertas e as construções
realizadas pelas crianças em função de suas necessidades de interagir no
meio
em
que
vivem.
Além
disso,
explicitamos
os
conceitos
de
alfabetização e letramento, que são a chave para compreender as
questões que serão desenvolvidas neste texto e nos subseqüentes.
Agora, você deve estar ansioso(a) para entrar efetivamente nas
questões relativas ao aprendizado da linguagem escrita pela criança.
Várias dúvidas devem estar rondando sua mente: “Qual o melhor método
para
esse
aprendizado?”,
“Como
a
linguagem
oral
interfere
na
aprendizagem da linguagem escrita?”, “O que vem antes, a leitura ou a
escrita?”,
“Que
aspectos
envolvem
esse
aprendizado?”,
“Por
onde
começar?” etc.
Para iniciar nossa conversa, convido você a pensar no seu próprio
processo de aquisição da linguagem escrita. Você se lembra de como foi
alfabetizado(a)? Quando? Por quem? De que maneira? Lembra do que
você já sabia quando ingressou no ensino fundamental? Que papel
desempenhou sua família? Seus amigos? Sua passagem pela educação
infantil? Quando você tomou consciência de que o mundo em que vivia
poderia ser escrito ou lido? Que papel teve a cartilha? Que conhecimentos
foram necessários para você aprender a ler e escrever? Em que momento
você considera que estava realmente alfabetizado(a)?
Ao conversarmos com outras pessoas, percebemos que cada um
viveu um processo diferenciado. Pois é, nós aprendemos por diferentes
caminhos e, embora as sociedades moderna e contemporânea tenham
delegado à escola a responsabilidade por tal ensino, nem sempre e nem
tudo sobre a linguagem escrita é aprendido nessa instituição. Por isso,
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quando as crianças chegam à escola, é fundamental que você saiba o que
elas já conhecem e como aprenderam. Também é importante investigar o
que querem aprender acerca da linguagem escrita e para que querem
aprender a ler e a escrever. Com certeza você se surpreenderá com as
respostas e, a partir delas, buscará caminhos insuspeitos para trabalhar
esses conhecimentos.
Vamos, então, supor que todos os meninos e meninas brasileiras, ao
ingressar no ensino fundamental, já sabem muito sobre a nossa língua,
pois já são falantes e ouvintes há pelo menos quatro anos.
A linguagem oral no processo de alfabetização
A linguagem oral (fala, escuta e compreensão) permeia quase todas
as interações estabelecidas pelas crianças em suas práticas sociais. É
assim que meninos e meninas se apropriam da cultura escolar, desde o
ingresso na instituição. É também por meio da fala que as crianças
adentram na escola, levando consigo as marcas de sua classe social, de
sua origem e identidade cultural, constituída por conhecimentos, crenças e
valores. Trazem, portanto, a variedade lingüística do grupo social a que
pertencem.
Nesse sentido, é importante lembrar que a população brasileira fala
de diferentes formas, em função dos espaços geográficos que ocupa, da
classe social, da idade e do gênero a que pertence. Essas diferenças
sintáticas, semânticas, fonéticas, morfológicas e fonológicas é que fazem
a riqueza de nossa língua.
Analisadas do ponto de vista lingüístico, todas essas variedades são
legítimas e corretas, já que não temos uma gramática normativa da
linguagem oral como a que existe para a linguagem escrita. Assim, todos
falamos
corretamente.
Contudo,
do
ponto
de
vista
social,
essas
variedades são valoradas de forma diferente: a linguagem popular tem
menor prestígio que a forma culta, ou seja, a linguagem padrão falada
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pelas pessoas das classes mais favorecidas economicamente é que é
“considerada” mais próxima da linguagem escrita.
Para que a escola possa efetivamente contribuir para a continuidade
do processo de aprendizagem das crianças e, ao mesmo tempo,
considerar alguns paradigmas da educação brasileira, como a inclusão e o
reconhecimento à diversidade, é necessário livrar-se de preconceitos,
relativos à fala das camadas populares, e acolher as crianças com toda a
bagagem cultural que trazem. Conseqüentemente, deve-se romper com
alguns mitos, que obscurecem seu olhar sobre o aluno – dentre eles, o de
que existe apenas uma forma correta de falar –, e com a interpretação
equivocada de que a escrita é a reprodução da fala. Esse entendimento
leva alguns professores a querer que seus alunos reproduzam na escrita a
forma como falam, sem considerar que se tratam de duas modalidades
distintas de linguagem e que, portanto, envolvem aspectos diversos.
Saber falar bem não significa saber escrever bem. Assim, existiriam
muitos modos de falar, que a escola tem de respeitar, e um único modo
de escrever, que ela deve ensinar? Não é bem isso, ou melhor, não é
apenas isso; a escola deverá também ensinar a linguagem oral
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O aprendizado da linguagem oral na escola
Aprendemos uma língua ao ouvir, falar, ler e escrever. Portanto, é
muito importante que essas ações sejam trabalhadas na escola, tendo em
vista suas inúmeras possibilidades, e tendo sempre como norte a
participação, cada vez maior, do sujeito na vida cidadã. É importante
lembrar que o aprendizado da linguagem oral envolve não apenas a fala,
mas também o entendimento, ou seja, ouvir com compreensão. E isso
também se aprende na escola a partir da ação atenta e efetiva do
professor, que deve buscar na prática pedagógica as situações em que é
preciso ouvir, compreender e interpretar.
Além disso, existem algumas situações comunicativas que devem ser
propostas pelo professor, pois ajudam a criança a estruturar seu
pensamento e adequar a linguagem oral ao contexto e ao interlocutor. O
uso mais formal da fala tem que ser trabalhado em situações reais, em
que esse tipo de discurso faça sentido. Por isso, desde muito cedo, é
importante que o aluno participe de situações em que necessite planejar a
sua fala (tais como entrevistas, seminários, debates etc.), vendo-se como
produtor de textos orais.
Existem muitas coisas a se aprender na escola no tocante à
linguagem oral. Uma delas é a forma de falar em cada contexto,
considerando as características da comunicação, ou seja, adequar a fala
às diferentes situações comunicativas. Nesse sentido, é fundamental a
coordenação de o que falar e de como falar tendo em vista o interlocutor,
e também quem fala e por que fala uma coisa ou outra. Assim, mesmo
respeitando as variações lingüísticas do aluno, a escola vai contribuir para
que ele aprenda a falar adequadamente, atingindo o objetivo desejado e
mostrando que cada instância exige um tipo de fala. A própria condição de
aluno determina alguns usos da linguagem oral inerentes à cultura
escolar.
É responsabilidade da escola, no papel de mediadora cultural,
enriquecer o repertório de textos orais dos alunos. Para isso, deve
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possibilitar-lhes o acesso a textos que constituem patrimônio cultural da
humanidade (como histórias, lendas, mitos, fábulas, poesias, parlendas,
trava-línguas, piadas, adivinhas, entre outros), possibilitando a vivência
das funções literária e expressiva da linguagem.
Vamos exemplificar essa afirmação a partir de duas obras, recémlançadas, pela editora Scipione: O Cravo e a Rosa e outros contos e
Quadrinhas brasileiras.
Para explorar esses dois livros é muito importante instigar as crianças
a conhecerem a biografia do grande folclorista brasileiro Sílvio Romero.
Fale a respeito de sua vida e obra, destacando a forma como ele construiu
conhecimentos sobre as tradições brasileiras por meio de histórias,
cantigas, quadrinhas etc.
As crianças se identificam muito com esses tipos de textos, e muitos
já são conhecidos por elas desde muito cedo, pois são passados de pai
para filho e incorporados nas brincadeiras. Ao conversar sobre essas
produções, você pode recuperar as cantigas e as quadrinhas conhecidas e
socializar as brincadeiras folclóricas da comunidade em que vivem. Leia as
quadrinhas com as crianças, cante as cantigas de roda, peça-lhes que
façam desenhos a partir delas.
Além disso, é possível trabalhar com as belíssimas ilustrações de
Rosinha Campos, que, por si só, já instigam o aluno para o exercício da
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oralidade, ou seja, cada página ilustrada pode ser objeto de muitas
conversas
que,
com
sua
intervenção,
professor(a),
possibilitam
a
produção de textos orais muito significativos para as crianças.
Esses dois tipos de textos orais podem também ser trabalhados no
processo de alfabetização, com o objetivo de desenvolver a consciência
fonológica das crianças por meio do reconhecimento de rimas e
aliterações.
O aprendizado da escrita
Os meninos e as meninas, sobretudo os que vivem nos centros
urbanos, encontram-se imersos num mundo povoado de escritos e
participam de práticas sociais de leitura e escrita. Dessa maneira,
convivem em um contexto de letramento. Mesmo os que moram na zona
rural já foram tocados de alguma forma pelos meios de comunicação e,
em geral, já presenciaram muitos atos de leitura e escrita. Assim, essas
crianças são desafiadas a interagir com diferentes tipos de textos, o que
os possibilita desde cedo a compreensão das funções da escrita, dando
início ao processo de aprendizagem desse conhecimento. Só que eles
aprendem diferentes coisas e por caminhos diversos.
Você pode estar se peguntando: “Mas como farei para ensinar o
grupo de trinta crianças com as quais trabalho?”, “Qual o melhor
método?”.
Ao relembrar seu próprio processo de alfabetização, certamente,
ocorreu-lhe o método pelo qual você aprendeu, cartilha, livro etc., ou
mesmo, a lembrança de sua primeira professora. Boas e/ou más
recordações devem ter povoado suas reminiscências.
Até muito recentemente, acreditava-se que para a criança aprender a
ler e a escrever era preciso ter a maturidade necessária e antes
desenvolver a coordenação motora fina, as percepções visual, auditiva,
olfativa e tátil, a linguagem oral e a coordenação visomotora.
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O conjunto dessas habilidades, antes consideradas indispensáveis ao
aprendizado da leitura e da escrita, era constituído de atividades
repetitivas, denominadas preparatórias. Esse trabalho era, em geral,
desenvolvido na educação infantil ou nos primeiros meses da escolaridade
formal, e era costume chamá-lo de período preparatório ou de período de
prontidão.
Era comum o trabalho de alfabetização propriamente dito ter início
com a cópia do desenho das vogais, suas junções formando palavras
monossilábicas, o aparecimento das consoantes, a junção destas às
vogais formando sílabas e palavras. Finalmente, eram trabalhadas frases
e pequenos textos, sempre com o predomínio da família silábica que se
queria enfatizar.
Havia outros métodos para ensinar a ler e a escrever, mas as
concepções predominantes apontavam para a leitura e a escrita como
objeto
de
conhecimento
controlado
pela
escola,
que
deveria
ser
trabalhado em “doses homeopáticas”. Os métodos de alfabetização,
sintéticos ou analíticos, partindo de fonemas, letras ou sílabas, de
palavras ou frases, tinham sempre o pressuposto de que todas as crianças
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deveriam aprender as mesmas coisas num mesmo tempo, num mesmo
ritmo e da mesma maneira.
Embora em algumas escolas do nosso país ainda persistam essas
crenças, a partir da década de 1980, houve, no terreno da alfabetização,
várias conquistas que nos ajudam a compreender a complexidade do
processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
Nos próximos artigos serão aprofundadas algumas dessas questões,
em particular as pesquisas em Psicolingüística realizadas por Emília
Ferrreiro e seus colaboradores; que, com base nos estudos de Jean
Piaget, descrevem a trajetória da criança desde os primeiros contatos com
a linguagem escrita até a descoberta do sistema alfabético. Esses estudos,
ao contrário dos anteriores, que se preocupavam com a melhor maneira
de ensinar, têm o foco na criança e nas suas formas de aprender.
Outra conquista dos anos 1980 foi a ampliação do conceito de
alfabetização a partir do entendimento do conceito de letramento e de sua
incorporação definitiva nas discussões sobre o aprendizado da linguagem
escrita.
Também foi nesse período que os estudos de lingüística começaram a
contribuir efetivamente para a compreensão do ensino da linguagem
escrita,
notadamente
da
alfabetização.
Da
mesma
maneira
a
sociolingüística, as neurociências e a antropologia vêm produzindo
conhecimentos que nos ajudam na compreensão desse processo.
O conjunto desses estudos mostra que a linguagem escrita é um
objeto de conhecimento complexo e dinâmico, cuja aprendizagem envolve
a construção e a reconstrução de vários aspectos: funcionais, textuais,
gráficos e os relativos ao sistema alfabético de representação.
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Bibliografia
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