PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Élio de Assis
Políticas públicas referentes à recuperação de aprendizagem implantadas na rede
estadual de ensino de São Paulo: o que pensam professores dos anos finais do ensino
fundamental
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Élio de Assis
Políticas públicas referentes à recuperação de aprendizagem implantadas na rede
estadual de ensino de São Paulo: o que pensam professores dos anos finais do ensino
fundamental
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Educação: Psicologia da Educação
sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos
Caruso Ronca.
SÃO PAULO
2015
Banca Examinadora
_______________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Caruso Ronca
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Orientador
______________________________
Prof. Dr. André Figueiredo Rodrigues
Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis
_______________________________
Profa. Dra. Marina Pinheiro Fortunato
Faculdades Guarulhos - FG
_______________________________________
Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
_____________________________________
Profa. Dra. Wanda Maria Junqueira de Aguiar
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
A questão escolar interessa-me muitíssimo.
Antonio Gramsci, 1931.
Dedico esta tese a minha companheira amada
Márcia Batista da Silva Assis, que Deus colocou,
generosamente,na minha vida;
Para minha filha Eloah Batista da Silva Assis, que
inicia sua jornada no Ensino Fundamental em escola
pública no momento que concluo a tese;
A minha mãe Alzira Rodrigues de Assis que, com
bravura, honestidade e amor, serve de exemplo para toda
família;
Ao meu pai Eliziário de Assis (in memorian);
Ao meu cunhado, amigo e irmão Professor José
Carlos da Silva (in memorian), que me apoiou no início
do magistério.
AGRADECIMENTOS
Terminada a tese afirmo que cresci intelectualmente, mas aprendi mesmo o que é ser
melhor professor com o querido Prof. Dr. Antonio Carlos Caruso Ronca que me orientou com
“amorosidade”.
À Profa. Dra. Zilma de Moraes Ramos de Oliveira pelas contribuições no exame de
qualificação.
Ao Prof. Dr. André Figueiredo Rodrigues pelo apoio incondicional.
À Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes. Suas aulas envolventes motivaram
ainda mais este trabalho.
À Profa. Dra. Wanda Maria Junqueira de Aguiar. Nossa querida Ia.
À Profa. Dra. Marina Pinheiro Fortunato pela valiosa contribuição.
Aos professores do Programa Educação: Psicologia da Educação pelo acolhimento e
aprendizagem nestes anos de Mestrado e Doutorado.
Ao Edson, Secretário do Programa, que sempre se prontificou em ajudar.
Às amizades que construí nas aulas e nos cafés. As conversas com os colegas de classe
sempre foram boas e divertidas.
Aos professores, professoras e escolas participantes da pesquisa.
Nestes anos de magistério, meus amigos funcionários de escola, professores,
coordenadores, diretores e supervisores sempre me motivaram para conclusão desta etapa da
minha vida profissional. A eles agradeço profundamente! A eles devo, ainda, este trabalho.
São eles que com sutileza e ousadia mantêm a escola pública.
Aos meus familiares que compreenderam minha ausência em muitos momentos e que
sentem orgulho de ter o primeiro “Doutor” na família.
Ao contribuinte que possibilitou o financiamentodesta tese através do programa
“Bolsa Mestrado e Doutorado”, instituído pela Secretaria de Estado da Educaçãode São
Paulo.
As minhas alunas e alunos de ontem e de hoje.
POLÍTICAS PÚBLICAS REFERENTES À RECUPERAÇÃO DE APRENDIZAGEM
IMPLANTADAS NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO PAULO: O QUE
PENSAM PROFESSORES DOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
RESUMO
O propósito desta pesquisa é entender como os projetos de recuperação de aprendizagem e as
questões relativas ao direito à aprendizagem têm sido apreendidos por professores dos anos
finais do ensino fundamental da rede pública estadual de São Paulo. Para isso, pesquisamos
nas resoluções instituídas pela Secretaria de Estado da Educação o tema Recuperação de
Aprendizagem e constatamos que em uma década foram implementadas nove resoluções que
tratam sobre o tema. Entrevistamos professores que ministram aulas nos anos finais do ensino
fundamental e, por meio dos procedimentos de análise e interpretação de dados denominado
Núcleos de Significação (AGUIAR; OZELLA, 2013), concluímos que as políticas públicas
em educação na rede estadual de São Paulo induzem professores ao modelo de escola seletiva
e excludente quando reforçam que a simples melhoria dos índices de avaliação externa
representam a Melhoria da Qualidade da Educação. Constata-se que não existe um projeto de
educação voltado para as classes populares no Estado de São Paulo, mas sim um modelo de
organização do ensino fundamental dividido em três etapas que promove reprovações,
exclusão no interior da escola e aprofundamento das desigualdades sociais, econômicas e de
escolarização. Os pretensos projetos de recuperação de aprendizagem configuram-se como
álibi das administrações públicas em educação na rede estadual de ensino de São Paulo para
justificar a ineficiência do modelo adotado, assim, culpabiliza alunos, professores e
comunidade pela não garantia do direito humano à educação. É urgente romper com tais
políticas públicas excludentes que estigmatizam crianças e jovens, como se a diferença social
e de escolarização fosse um movimento natural em uma sociedade harmoniosa. Defendemos
políticas públicas centradas na formação política dos professores e na percepção das relações
de poder que constituem a realidade histórica das sociedades e da educação.
Palavras-chave: Direito à Educação; Núcleos de Significação; Políticas Públicas em
Educação; Psicologia Sócio-Histórica; Recuperação de Aprendizagem.
STATE OF SAO PAULO POLICIES UPON RECUPERATION OF LEARNING IN
PUBLIC SCHOOLS: THE THOUGHTS OF MIDDLE SCHOOL TEACHERS ABOUT
THEIR IMPLICATIONS.
ABSTRACT
The goal of this research is to understand how middle school teachers evaluate the
recuperation of learning programs implemented by the Department of Education of Sao Paulo
State, as well as to know what they think about issues concerning students` right for
education. In order to do so, we have searched the state law on education and found out that
nine resolutions on Recuperation of learningwere implemented within a decade. Besides, we
have interviewed middle school teachers to understand their view upon these issues. By
studying all the data collected, analyzed by the means of core meaning methodology
(AGUIAR; OZELLA, 2013), we can say that state policies for public education has misled
teachers towards a selective and excluding school by stating that better performance of
students on external assessments, by itself, can be read as representative of Higher Quality
Education. We verify that the State of Sao Paulo does not have an education project for lower
class students, but a model of basic education divided into three different levels, which
promotes students` failure and exclusion inside the school. Therefore, an educational system
that deepens the socio-economic and educational inequalities. The so-called learning
recuperation projects are the alibi of public school administration of the state school system
for justifying the inefficiency of the model. Thus, blaming students, teachers and community
by not ensuring the human right to education. It is urgent to break with supposed public
policies that stigmatize children and teenagers, as if social and educational differences were a
natural movement in a harmonious society. We believe in policies for public school based on
political education of teachers and on the perception of power relationship, which constitutes
the historical reality of society and education.
Keywords: Right for Education; Core Meaning; Public Policies; Socio-historical psychology;
Recuperation of Learning.
LISTA DE SIGLAS
ACT – Admitido em Caráter Temporário
ANDE – Associação Nacional de Educação
ANPED – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação
APEOESP – Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo
CAQi – Custo Aluno-Qualidade inicial
CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade
CEB – Câmara de Educação Básica
CF – Constituição Federal
CIE – Centro de Informações Educacionais
CIMA – Coordenadoria de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional
CNE – Conselho Nacional de Educação
CONAE – Conferência Nacional de Educação
EaD – Educação a Distância
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EF – Ensino Fundamental
EM – Ensino Médio
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FIES – Financiamento Estudantil
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de São Paulo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PA – Professor Auxiliar
PBF – Programa Bolsa Família
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PDS – Partido Democrático Social
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PISA – Programme for InternationalStudentAssessment - Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes
Pnad – Pesquisa nacional por amostra de domicílios
PL – Projeto de Lei
PNE – Plano Nacional de Educação
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PROUNI – Programa Universidade para Todos
PT – Partido dos Trabalhadores
PUCSP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RC – Recuperação Contínua
RI – Recuperação Intensiva
SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SE – Secretaria da Educação
SEESP – Secretaria Estadual de Educação de São Paulo
UNICAMP – Universidade de Campinas
LISTA DE TABELAS
Tabela I – Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais – Brasil – 1900/2000
26
Tabela II – Taxas de rendimento no ensino fundamental – 2011 – Brasil
46
Tabela III – Taxas de rendimento no ensino fundamental – 2012 – São Paulo
46
Tabela IV- Aprovação/Abandono no ano final do EF – Brasil 1996/2011
47
Tabela V - Reprovação – Anos iniciais e anos finais do EF – Brasil
47
Tabela VI - Reprovação – Anos iniciais e anos finais do EF – São Paulo
47
Tabela VII- Ensino Fundamental 8 Anos – Rede Estadual de São Paulo - Taxas
de Reprovação por Série 1996 – 2012
48
LISTA DE QUADROS
Quadro I. Síntese da Resolução SE nº 2/12
53 00
Quadro II. Artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução SE nº 53/14
56
Quadro III. Escola Caminho – Tipo de atendimento e número de alunos
70
Quadro IV. Escola Caminho – Quadro de profissionais da educação
71
Quadro V. Escola Caminho – Estrutura física
72
Quadro VI. Escola Alegria – Tipo de atendimento e número de alunos
73
Quadro VII. Escola Alegria – Quadro de profissionais da educação
74
Quadro VIII. Escola Alegria – Estrutura física
75
Quadro IX. Professores entrevistados - Escola Caminho e Escola Alegria
76
Quadro X. Pré-Indicadores– Entrevista 1 – Professor Antonio – Matemática
81
Quadro XI. Pré-Indicadores – Entrevista 2 – Professora Beatriz – Português
90
Quadro XII. Pré-Indicadores – Entrevista 3 – Professor Carla – Matemática
96
Quadro XIII.Pré-Indicadores – Entrevista 4 – Professora Diana – Português
100
Quadro XIV.Núcleo de Significação - A escola não cumpre seu principal
objetivo que é a aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a
concepção de escola seletiva
108
Quadro XV.Núcleo de Significação – O alicerce da exclusão e das
desigualdades no interior da escola: A reprovação escolar para “esses que
não tem jeito”
113
Quadro XVI. Núcleo de Significação. As formas de recuperação da
aprendizagem oferecidas aos alunos na última década não apresentaram
resultados. A recuperação contínua com apoio do professor auxiliar como
esforço da escola e dos professores para garantir à aprendizagem dos alunos
118
Quadro XVII. Núcleo de Significação. Do discurso pelo direito à educação
ao abandono da escola: O professor indignado “parece que somos o
problema” e os alunos “que não estão sabendo aproveitar”. O professor não
se reconhece e não reconhece o aluno como cidadão de direitos
122
APÊNDICES
1. Roteiro para entrevista
150
2. Transcrição da entrevista com o professor Antonio
152
3. Transcrição da entrevista com a professora Beatriz
162
4. Transcrição da entrevista com a professora Carla
169
5. Transcrição da entrevista com a professora Diana
173
ANEXOS
1. Resolução SE nº 53/14
180
2. Resolução SE nº 73/14
185
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
16
Apresentação
18
CAPÍTULO 1
22
DIREITO À APRENDIZAGEM E UNIVERSALIZAÇÃO DO ENSINO
1.1 O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”: educação pública, laica e
obrigatória
22
1.2 A Constituição Federal de 1946: embates ideológicos na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Lei nº 4.024/61
26
1.3 A crise do Populismo e o Golpe de Estado de 1964: manutenção do poder e
negação de direitos
29
1.4 A redemocratização do Brasil e a Constituição Federal de 1988
32
1.4.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96
36
1.4.2 O Plano Nacional de Educação. Lei nº 13.005/14
38
CAPÍTULO 2
O
PROCESSO
ENSINO
APRENDIZAGEM
NA
PERSPECTIVA
DA
42
GARANTIA DO DIREITO À APRENDIZAGEM
2.1 Sobre estudos que tratam do tema “Recuperação de Aprendizagem”
42
2.2 A persistência da reprovação escolar e a negação do direito à educação
45
2.3 A reorganização da progressão continuada e os mecanismos de apoio escolar. A
proposta atual de Recuperação da aprendizagem na rede pública estadual de São
Paulo
49
CAPÍTULO 3
MÉTODO
As contribuições da teoria sócio-histórica para compreensão do fenômeno educativo
58
3.1 A escolha metodológica: A pesquisa de abordagem qualitativa
66
3.2 O percurso de entrada no campo de pesquisa: as escolas e os professores
participantes
69
CAPÍTULO 4
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS E INFORMAÇÕES
4.1 Procedimentos de análise de dados e informações
79
4.2 Levantamento dos Pré-Indicadores e Indicadores
80
4.3 Núcleo de Significação 1- A escola não cumpre seu principal objetivo que é a
aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a concepção de escola seletiva
108
4.3.1 Análise do Núcleo de Significação 1
110
4.4 Núcleo de Significação 2 - O alicerce da exclusão e das desigualdades no interior
da escola: A reprovação escolar para “esses que não têm jeito”
113
4.4.1 Análise do Núcleo de Significação 2
116
4.5 Núcleo de Significação 3 - As formas de recuperação da aprendizagem oferecidas
aos alunos na última década não apresentaram resultados. A recuperação contínua
com apoio do professor auxiliar como esforço da escola e dos professores para
garantir a aprendizagem dos alunos
118
4.5.1 Análise do Núcleo de Significação 3
120
4.6 Núcleo de Significação 4 - Do discurso pelo direito à educação ao abandono da
escola: O professor indignado “parece que somos o problema” e os alunos “que não
estão sabendo aproveitar”. O professor não se reconhece e não reconhece o aluno
como cidadão de direitos
122
4.6.1 Análise do Núcleo de Significação 4
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
137
APÊNDICES
150
ANEXOS
180
16
INTRODUÇÃO
Há mais de vinte anos trabalhando na área da educação, conheci experiências
significativas das escolas para garantir a aprendizagem dos alunos, mas, na maioria dos casos,
conheci muitos problemas enfrentados por estas escolas por não termos um projeto
educacional consistente e políticas públicas estruturantes que imprimam o sentido de urgência
que a educação pública merece.
As políticas públicas em educação na rede estadual de ensino de São Paulo têm
priorizado os denominados projetos de “Recuperação de Aprendizagem” como instrumento
para garantir o direito à aprendizagem das crianças, adolescentes e jovens. Foi este fato que
me motivou a estudar como os projetos de recuperação de aprendizagem e às questões
relativas ao direito à aprendizagem têm sido apreendidos pelos professores dos anos finais do
ensino fundamental.
Por dois motivos limitaremos este estudo à rede estadual de ensino de São Paulo: pela
importância da rede paulista no cenário brasileiro e por ter construído minha carreira
profissional nesta rede de ensino, de professor a Supervisor de Ensino.
Priorizaremos estudos teóricos e marcos legais sobre a consolidação do direito à
educação e universalização do ensino no Brasil e as políticas públicas referentes aos
denominados “Projetos de Recuperação” na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo
na última década. Para alcançar este propósito este trabalho será estruturado em quatro
capítulos.
No primeiro capítulo Direito à aprendizagem e universalização do ensino
descreveremos como o direito à educação e a universalização do ensino foram se
solidificando como conquista de direitos sociais nas Constituições Federais e nas Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
No segundo capítulo O processo ensino aprendizagem na perspectiva da garantia do
direito à aprendizagem teceremos breves comentários sobre estudos recentes que abordam o
tema recuperação. Descreveremos os projetos de recuperação implantados na rede estadual de
ensino de São Paulo na última década e o projeto atual denominado “Professor Auxiliar”.
No terceiro capítulo trataremos do método que direciona este trabalho. Apresentaremos
como a teoria sócio-histórica pode contribuir para a compreensão do fenômeno educativo e a
transformação da realidade social e escolar. Descreveremos a escola e os professores
participantes desta pesquisa e elaboração do roteiro para as entrevistas semiestruturadas.
17
No quarto capítulo apresentaremos a análise das informações através dos “Núcleos de
Significação” (AGUIAR; OZELLA, 2013) como pressuposto teórico metodológico para
compreensão das significações que os professores atribuem aos projetos de recuperação e as
questões relativas à garantia do direito à aprendizagem.
Nas considerações finais discutimos como as políticas públicas em educação têm
como objetivo garantir o direito constitucional à educação. Apresentam-se como possibilidade
de enfrentamento das desigualdades econômicas, sociais e de escolarização, porém, no caso
estudado, não cumprem essa função e, ao contrário, os projetos e as resoluções reforçam o
ideário da reprovação escolar, da seletividade e da exclusão no interior da escola. A proposta
educacional, da Secretaria da Educação de São Paulo, apresenta fragilidades. Consideramos
urgente romper com pretensas políticas públicas que excluem no interior da escola e
estigmatizam crianças, adolescentes e jovens como se fosse um movimento natural em uma
sociedade harmoniosa.
Defendemos políticas públicas estruturantes centradas na formação política dos
professores e na percepção das relações de poder que constituem a realidade histórica das
sociedades e da educação.
18
Apresentação
O final da década de 1960 tem a marca do endurecimento da ditadura civil/militar no
Brasil. O Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 13 de dezembro de 1968, justificava “legalmente” o
regime de exceção, a censura e a arbitrariedade de um Estado repressor e concentrador de
renda.
No dia 17 de janeiro de 1968 nasci como oitavo filho de uma família de nove filhos
em um bairro periférico da Cidade de Guarulhos. Pais com pouca instrução formal e
trabalhadores assalariados. Minhas possibilidades de entrar na escola, continuar e ser
aprovado eram poucas.
Em 1975 ingressei no ensino primário (1º grau) em uma escola estadual do município
de Guarulhos.
Foi neste período de contradição entre a expansão do ensino primário e a dificuldade
em permanecer em uma organização escolar em que as diversas formas de exclusão ditam os
caminhos da “capacidade individual” para não ser reprovado e das dificuldades de uma
família de assalariados em manter os filhos na escola que aos nove anos de idade o destino
levou meu pai.
Trago na memória aquele homem sem escolarização formal que, já acometido pela
doença, pouco enxergava, mas quando ouvia pela televisão ou pelo rádio as vozes de políticos
representantes direta e indiretamente da ditadura militar pedia silêncio aos filhos e depois
fazia gestos e caretas imitando-os. Só depois de conhecer a história do nosso país pude
entender o motivo de tais gestos e caretas: a discordância de meu pai em relação aos ditames
ditatoriais.
Em 1982 concluí a 8ª série do 1º grau. Em clima de abertura política, guardo na
lembrança as aulas da professora de História que, com relação afetiva com os alunos, com
competência pedagógica marcante, utilizava em suas aulas o livro História da Riqueza do
Homem, de Leo Huberman. Suas aulas eram empolgantes, diferentes em relação aos demais
professores, seu carisma associado à qualidade das aulas era tal que a maioria dos alunos
possuía o livro de referência, comprado a alto custo na época.
Para a formatura de 8ª série a mesma professora ensaiava junto aos alunos formandos
a música Canción con todos, de Mercedes Sosa, guardo na memória o refrão:
Canta conmigo, canta
Hermano americano
19
Libera tu esperanza
Conun grito enla voz!
Com o tempo compreendi que aquela professora propunha mais que a formação de
seus alunos. Pretendia, de fato, contribuir para transformar a realidade e proporcionar
conhecimento crítico a todos. Em tempos de expansão do 1º grau, prosseguir os estudos no 2º
grau era outro desafio. No início da década de 1980, na cidade de Guarulhos, somente duas
escolas centrais e uma localizada em bairro de classe média ofereciam o 2º grau público e
gratuito, desde que o ingressante fosse aprovado no “vestibulinho”.
“Vestibulinho” era o nome dado à prova aplicada para selecionar os “melhores
alunos”, o que de fato mascarava a realidade da falta de vagas nas escolas públicas.
Prestei o “vestibulinho” na escola localizada no bairro de classe média, distante do
centro da cidade. O motivo é que as duas escolas centrais eram concorridas e o número de
inscritos para o “vestibulinho” era enorme, tornando mínima minha possibilidade de
aprovação, por isso, a opção por escola mais distante. Prestado o “vestibulinho” não fui
aprovado em primeira chamada, a escola oferecia cem vagas para o 1º ano do 2º grau.
Somente no mês de abril minha mãe foi comunicada sobre desistência de alunos e a
possibilidade em efetuar minha matrícula.
Comparecemos aquela noite para efetuar a matrícula. A informação da atendente da
secretaria da escola foi direta e objetiva: os documentos deveriam ser entregues no dia
seguinte, a taxa da Associação de Pais e Mestres paga em banco indicado e que minhas notas
de primeiro bimestre seriam zeradas, pois não frequentei as aulas.
Só depois de muito tempo, já atuando como professor, fui entender a última frase
expressa pela atendente naquela noite, que ressoava como veredicto: “pode vir assistir às
aulas a partir de amanhã, porém vai ter que estudar muito, já perdeu o primeiro bimestre e
suas notas serão todas zeradas neste período”.
Conclui o 1º ano do 2º grau naquela escola com muita dificuldade em acompanhar os
estudos, mas, principalmente, pela dificuldade econômica por que passava minha família.
No ano de 1983 cursei o 1º ano do 2º grau no período noturno e trabalhava como
operário em indústria do ramo têxtil em condições degradantes. A fábrica não possuía
refeitório, a jornada era de 48 horas semanais e éramos obrigados a cumprir horas extras aos
sábados e domingos.
20
O horário de término das aulas era às 23h, o ônibus só passava às 23h30min , chegava
a casa aos 30 minutos e acordava às 5h30min para o trabalho. Para um garoto de 15 anos as
jornadas de trabalho e escolar ocupavam toda a vida.
Em 1984 solicitei transferência para uma escola mais próxima da minha casa, que
naquele ano começou a atender o 2º grau noturno, sem necessidade de “vestibulinho”.
Não sabia da existência das Universidades Públicas. Aprovado no vestibular de uma
faculdade privada iniciei o curso de Estudos Sociais em 1986, com duração de quatro anos,
com a possibilidade de optar no 3º ano pela licenciatura em História, Geografia ou Sociologia.
Optei pela licenciatura em História. Opção óbvia marcada pela professora que me ensinou a
ler a História da Riqueza do Homem e a cantar a liberdade latino-americana.
Desempregado, iniciei o curso universitário, contei com o apoio de um cunhado que
na época havia concluído o curso de Matemática e já atuava como professor, além de possuir
um pequeno comércio administrado por minha irmã. Fui morar com eles, ajudava no pequeno
comércio e eles pagavam minha faculdade.
Em 1987, no segundo ano do curso de Estudos Sociais, fui informado por meu
cunhado que a escola em que ele trabalhava precisava de professor para as aulas de Educação
Moral e Cívica na 6ª série e Organização Social e Política Brasileira para 8ª série. Apresenteime para a Diretora da Escola que prontamente solicitou meu Registro Geral, verificou se a
foto conferia com meu rosto e me indicou a sala que deveria entrar para “dar aulas”
imediatamente porque os alunos estavam sem professor.
O movimento de formação universitária e a prática docente inicial como
professor/aluno transformou radicalmente minha vida aos 20 anos. Já não dependia
financeiramente da ajuda familiar,enxergava-me como potencializador de mudanças e via na
educação este caminho. Começava a compreender os movimentos de discussão em torno da
Constituinte de 1987 e da Constituição de 1988.Participava ativamente da militância política
através do “Núcleo de Bairro”, época de pintar estrelas em tecido vermelho com recursos do
“Núcleo” e, com muita dificuldade, eleger um único vereador com pouquíssimos votos.
Entusiasmado pela educação, pela coragem política de membros do “Núcleo de Bairro” –
trabalhadores, donas de casa e jovens – e trabalhando em uma escola estadual do próprio
bairro, pude concluir minha graduação em Estudos Sociais, com licenciatura plena em
História.
21
Meu bom relacionamento com os alunos e com a comunidade, a empolgação com a
escola e a proximidade com os problemas reais da vida dos alunos e moradores do bairro, o
gostar de jogar futebol aos finais de semana com alunos e comunidade, os campeonatos,
festas e semanas culturais traçavam um horizonte de possibilidades e incertezas.
Possibilidades de provocar mudanças e construir coletivamente uma sociedade melhor,
incertezas por não compreender as contradições presentes no cotidiano escolar. Por que notas?
Por que reprovação? Por que muitos na escola afirmam que parte dos alunos “não tem jeito” e
“não aprendem”? Questões que me inquietavam e que fui cúmplice: concordei com muitas
reprovações de alunos.
Guardo na lembrança casos de alunos reprovados em uma única disciplina por não
terem alcançado a nota mínima em um só bimestre. Depois, com minhas dúvidas, leituras e
práticas, pude entender melhor o que é a escola e a educação.
O livro Cuidado! Escola. Desigualdade, domesticação e outras saídas, prefaciado por
Paulo Freire e escrito em 1980, por Babette Harper, Claudius Ceccon, Miguel Darcy de
Oliveira e Darcy Rosiska de Oliveira foi um dos marcos para a compreensão do movimento
contraditório que me encontrava deparando com o que eu e a escola praticávamos.
Em 1992, motivado por uma supervisora de ensino, fui cursar Pedagogia e em 1996
assumi a coordenação pedagógica da escola em que trabalhava há oito anos.
No ano seguinte, fui convidado a trabalhar com formação de professores na Oficina
Pedagógica da 1ª Delegacia de Ensino de Guarulhos e após um ano retornei para a mesma
escola como vice-diretor. No ano de 2002 assumi o cargo de Diretor de Escola Titular, optei
por uma escola que atendia os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Em 2008 fui designado Supervisor de Ensino e em dezembro de 2012, por aprovação
em concurso público, assumi o cargo de Supervisor de Ensino Titular.
Nestes últimos dez anos cursei especialização em Gestão Escolar na Universidade de
Campinas e concluí o Mestrado em Educação no programa de Psicologia da Educação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de ministrar aulas no curso de Pedagogia
e na Pós-Graduação em Gestão Escolar.
Como Supervisor de Ensino, que vivenciou toda carreira no magistério estadual,
reconheço que ser professor em um país com profundas injustiças econômicas e sociais, não é
tarefa fácil. Mas, tenho convicção teórica de que outros caminhos para educação são
possíveis.
22
CAPÍTULO 1
DIREITO À APRENDIZAGEM E UNIVERSALIZAÇÃO DO ENSINO
Apresentaremos o tema Direito à aprendizagem e universalização do ensino, a partir
da história política do nosso país, dos excertos de textos constitucionais e das Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Não dissociamos a história da história da educação
e privilegiamos o movimento dialético para entendimento do fenômeno educativo. Precisamos
conhecer a estrutura social a que pertencemos para compreender a escola que temos e o
modelo de educação institucionalizada que representamos. A escola é parte e todo desta
sociedade, é constituída e constitui as relações de forças e de poder existentes.
A história política da República Brasileira é intercalada entre os períodos
democráticos e os regimes de exceção, marcadamente o Estado Novo(1937-1945) e a
Ditadura Civil/Militar (1964-1985). Nos períodos intercalados de democracia política e
regimes de exceção, as Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988
constituíram um aparato legal que possibilitou a formulação das Leis de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDBEN nº 4.024/61, Lei de Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus nº
5.692/71 e a atual LDBEN nº 9.394/96.
1.1 O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”: educação pública, laica e obrigatória
A história da educação no Brasil apresenta o debate em torno de questões sobre
escolarização com temas que investigamos há décadas. Um destes temas é a forma como
organizamos a escolarização das crianças, o direito à aprendizagem e a universalização do
ensino. Este debate intensifica-se e toma corpo com os “Pioneiros da Educação Nova”.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, foi redigido por
Fernando de Azevedo e assinado por Anísio Teixeira, Sampaio Dória, Lourenço Filho, Cecília
Meireles, Paschoal Leme entre outros. Reuniu teses básicas em linhas gerais, ainda que
divergências na concepção de educação dos seus idealizadores existissem. O Manifestoé claro
em relação ao entendimento da educação como uma função pública, laica, gratuita e
obrigatória no ensino elementar. Este movimento, iniciado na década de 1920, na reforma
empreendida por Sampaio Dória, questiona a forma que organizamos a escola e a
23
escolarização formal de nossas crianças e adolescentes, a descentralização do sistema escolar
e a renovação metodológica.
Otaíza de Oliveira Romanelli, no livro História da Educação no Brasil, afirma que os
pioneiros não questionavam a nova ordem vigente do Estado Getulista.
Estava a favor da ordem que então se implantava e não a questionava. Mas
estava também consciente da defasagem existente entre a nova situação
econômica e social e a escola tradicional. A sua luta era contra a escola
tradicional, não contra o Estado burguês. (ROMANELLI,1978,p.151)
A década de 1930 é representativa na história política do Brasil. É o momento
histórico conhecido pela figura de Getúlio Vargas.
É neste cenário, do Estado Getulista e do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que
buscamos as explicações iniciais em torno do direito à aprendizagem e a universalização do
ensino. Boris Fausto, historiador brasileiro, escreveu:
A partir de 1930, as medidas tendentes a criar um sistema educativo e
promover a educação tomaram outro sentido, partindo principalmente do
centro para a periferia (...) o Estado tratou de organizar a educação de cima
para baixo, mas sem envolver uma grande mobilização da sociedade; sem
promover também uma formação escolar totalitária que abrangesse todos os
aspectos do universo cultural (FAUSTO,1988, p.337)
A política educacional ficou nas mãos do Ministro da Educação Francisco Campos,
de novembro de 1930 a setembro de 1932, preocupou-se basicamente com o ensino
secundário e universitário. Francisco Campos foi o redator da Carta de 1937 que instaurou o
Estado Novo e em 1964 colaborou ativamente com a legislação autoritária após a derrubada
do Presidente João Goulart
Francisco Campos (...) homem forte de vários processos de radicalização
autoritária, no Brasil, mais uma vez participa do processo socorrendo o
governo. A constituição ditatorial de 1937 será obra de sua „engenharia
política‟. Aliás, quando Anísio Teixeira foi afastado em 1935, o jurista
mineiro ocupou o seu lugar. (BICCAS; FREITAS, 2009, p. 110)
Neste momento histórico, a partir de 1930, com a efetivação do Estado Getulista e o
embate com as linhas gerais dos liberais, os pioneiros da educação, os rumos da educação
nacional estavam postos. De um lado, os educadores liberais defendiam o ensino público
24
como primordial e o corte de subvenções do Estado às escolas religiosas e, do outro lado, a
Igreja Católica enfatizava o papel da escola privada e defendia o ensino religioso. O governo
Vargas não assumiu claramente nenhuma das posições, mas inclinou-se pela corrente católica
e entre os reformadores liberais somente Lourenço Filho assumiu posto no governo. Anísio
Teixeira foi perseguido pelo governo Vargas.
O sistema educacional no Brasil vai se modelando entre os avanços reformistas da
nova ala liberal, representada pelos Pioneiros, e pela ala liberal conservadora, representada
pelas posições oligárquicas e religiosas. Afirma Romanelli: “As constituições e a legislação
do ensino representam, daí para cá, uma tentativa constante de acomodação dessas duas alas.
Mas
a
prática
educacional
continuou
a
representar
o
predomínio
das
velhas
concepções”.(ROMANELLI,1978, p. 151)
Recorremos à história para compreendermos o movimento de interesses e motivações
políticas em torno do tema educação. A educação não se explica por si mesma. A educação é,
dialeticamente, todo e parte das relações de poder.
O predomínio das velhas concepções permanece quase que inabalável no incipiente
sistema educacional brasileiro.
A Assembleia Constituinte é instalada em 16 de julho de 1934 e traz a marca do
governo getulista com maior poder ao governo federal, o voto obrigatório e secreto a partir
dos 18 anos e o direito de voto às mulheres. Contraditoriamente proibia o voto aos mendigos
e aos analfabetos, leia-se negros e pobres, que com a Abolição da Escravidão em 1888 e a
Proclamação da República em 1889, estavam à mercê das transformações do modelo liberal
conservador que se solidificava. (CARVALHO, 2013)
Os “benefícios” do republicanismo chegaram à classe dominante reafirmando os ideais
da livre iniciativa, mas pouco chegou à grande parcela da população. A Constituição Federal
de 1934, no título referente à família, educação e cultura, estabelecia o princípio do ensino
primário gratuito e da presença obrigatória à escola.
Artigo 149 – A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela
família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a
brasileiros e a estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite
eficientes fatores da vida moral e econômica da nação, e desenvolva num
espírito
brasileiro
a
consciência
da
solidariedade
humana.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1934)
25
A Constituição de 1934 é a primeira legislação em que o direito à instrução pública é
mencionado independentemente da situação socioeconômica da pessoa. A Constituição de
1934 foi revogada pelo Presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, o Congresso
foi dissolvido e as liberdades individuais suspensas, entre outras mudanças inspiradas no
fascismo italiano. Getúlio Vargas outorgou a Constituição de 1937 e instalou no país o Estado
Novo. A marca autoritária do Estado Novo garante mais uma vez os interesses da classe
dominante e um Estado organizado para suprir os interesses econômicos e políticos desta
classe.
A Constituição de 1937, nos artigos 128 e 129, do capítulo sobre educação e cultura,
foi assim redigida:
Artigo 128 - A arte, a ciência e o ensino são livres à iniciativa individual e a
de associações ou pessoas coletivas públicas e particulares. É dever do
Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento
de umas e de outro, favorecendo ou fundando instituições artísticas,
científicas e de ensino.
Artigo 129 - A infância e a juventude, a que faltarem os recursos
necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos
Estados e dos Municípios assegurar,pela fundação de instituições públicas de
ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação
adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos
favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumprelhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e
subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou
associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da
sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus
operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e
os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os
auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público.
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1937)
Buscamos no texto constitucional de 1937 a instituição oficial da divisão do sistema
educacional entre escola para a elite e escola para os pobres. O que é a “possibilidade de
receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais?”
Entendemos, dentro do ideário liberal, que aptidões e tendências vocacionais significam o
esforço pessoal, de responsabilidade única do indivíduo, sem variáveis.
O texto constitucional trata o sistema educacional dentro do arcabouço legal, e afirma
o “dever da Nação, do Estado e dos Municípios assegurar a possibilidade de receber uma
26
educação adequada”. Não se trata de um Direito, mas uma possibilidade de receber educação
adequada. Na Constituição de 1937 o direito à educação sequer estava mencionado.
A escola seletiva se afirma na Constituição de 1937, dentro dos propósitos teóricos dos
educadores brasileiros fortemente influenciados pelo médico, psicólogo e educador suíço,
ÉdouardClaparède (1873-1940), que propunha à época as ideias de uma escola que oferece a
cada um a educação que lhe convinha. As interpretações do pensamento positivista de
Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917) influenciaram diretamente
educadores como Fernando de Azevedo com os propósitos de coesão social, funcionalidade
da estrutura social e formação de uma elite pensante.
Nesta perspectiva da educação liberal no Estado Getulista, Anísio Teixeira, que foi
aluno e discípulo do filósofo e educador norte americano John Dewey (1859-1952) propõe
uma escola única e democrática para um homem novo, uma escola que contribua com os
mecanismos que constroem e solidificam a democracia. Eis o motivo que levou Anísio
Teixeira a não ocupar cargo público e ser perseguido durante o Estado Novo.
1.2 A Constituição Federal de 1946:embates ideológicos na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - Lei nº 4.024/61
Nas décadas de 1920 a 1940, momento de transição de uma economia agroexportadora
marcada pela crise econômica mundial de 1929, para uma economia de substituição de
importações em um período entre guerras, a educação no Brasil apresenta declínio no índice
de analfabetos considerando-se a população de 15 anos ou mais, passando dos 65% em 1920
para 56,1% em 1940, como podemos observar na tabela abaixo:
Tabela I – Analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais (Brasil, 1900/2000)
População de 15 anos ou mais
Ano
Total
Analfabeta
Taxa de
(em milhares)
(em milhares)
analfabetismo
1900
9.728
6.348
65,3
1920
17.564
11.409
65,0
1940
23.648
13.269
56,1
1950
30.188
15.272
50,6
1960
40.233
15.964
39,7
1970
53.633
18.100
33,7
1980
74.600
19.356
25,9
1991
94.891
18.682
19,7
2000
119.533
16.295
13,6
Fonte: IBGE. Mapa do Analfabetismo no Brasil, 2010, p.6.
27
Podemos observar que no período do governo Getulista houve pequena expansão do
ensino escolar não atendendo aos princípios liberais da democratização do ensino. Se de um
lado o Estado Novo favoreceu diretamente o modelo econômico liberal com a legislação e a
infraestrutura industrial necessária ao seu desenvolvimento, no cenário da educação pública e
na formação de mão de obra qualificada avançou timidamente.
A eleição de 1945 tem como marca o apoio de último momento de Getúlio Vargas ao
candidato Eurico Gaspar Dutra, seu Ministro da Guerra. Dutra era um candidato que não
entusiasmava, mas o apoio do Presidente Vargas traz para seu lado a massa dos trabalhadores.
Getúlio Vargas foi eleito Senador pelo Partido Social Democrata do Rio Grande do Sul. A
máquina política da ditadura getulista mostrou-se eficiente também na captação de votos em
momentos de democracia política.
O panorama político das discussões sobre a nova Constituição de 1946 ocorre em
torno de questões fundamentais. A nova Constituição tem a marca do liberalismo democrático
afastando-se, assim, da Carta de 1937 que fundamentou o Estado Novo Autoritário Getulista.
Em seu artigo 141, parágrafo 5º temos que: “É livre a manifestação do pensamento
sem que dependa de censura”e no parágrafo 7º: “É inviolável a liberdade de consciência e
crença”. (Constituição Federal, 1946)
Neste momento histórico os Pioneiros da Educação Nova retomam os valores
defendidos na Constituição de 1934: “Da Educação e da Cultura - Artigo 166 - A educação é
direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946)
Neste panorama de abertura liberal-democrática, a Constituição de 1946 afastava-se da
ideologia liberal-aristocrática presente no início do século XX no Brasil, como escreveu
Romanelli:
Os princípios liberais da Carta de 1946, que asseguravam direitos e garantias
individuais inalienáveis, estavam visivelmente impregnados do espírito
democrático tão próprio das reivindicações sociais do século em que
vivemos. Foi assim, pois, que, ao aliar garantias, direitos e liberdades
individuais, com intervenção do Estado para assegurar essas garantias,
direito e liberdade a todos, a Constituição de 1946 fugiu à inspiração da
doutrina econômica liberal dos séculos anteriores para inspirar-se nas
doutrinas sociais do século XX. Nisso ela se distanciava também da
ideologia liberal-aristocrática esposada pelas nossas elites, no antigo regime.
(ROMANELLI,1978,p. 171)
28
Nestes novos tempos republicanos a nova Constituição traz em sua proposta a
descentralização e autonomia para os agentes da educação.
Foi neste clima político liberal-democrático da Constituição de 1946 que o Ministro da
Educação Clemente Mariani institui uma comissão de educadores para estudar e propor um
projeto de reforma geral da educação nacional.
Lourenço Filho presidiu a comissão encarregada de propor um anteprojeto de
diretrizes e bases da educação nacional. Somente em 1961, treze anos após intensas
divergências políticas, foi aprovado o texto final da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº4.024/61.
As lutas políticas, travadas em torno das discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 4.024/61, foi em torno do embate entre a educação pública e a
educação privada. Os rumos tomados, durante os treze anos de elaboração desta lei,orbitaram
nesta discussão. Entre osdefensores da escola pública e gratuita destacou-se o Professor de
Sociologia da Universidade de São Paulo, Florestan Fernandes.
Assim se constituiu o embate político e ideológico entre a igreja católica e o setor
privado contra o grupo ligado aos ideais escolanovistas. O Deputado Carlos Lacerda
representava a ala política conservadora, aglutinando os interesses das congregações católicas.
As reações do movimento Campanha em Defesa da Escola Pública, que culmina com o
Manifesto dos Educadores(1959), liderado por Fernando de Azevedo, consegue emplacar
avanços na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, todavia as forças conservadoras
se sobrepõem ao direito à educação pública e os interesses da classe dominante predominam
no texto legal de 1961.
A complexidade da luta política em torno dos rumos da educação nacional foi
arregimentada pelas forças conservadoras e o texto final publicado pouco avançou em relação
ao direito à educação. O texto final foi assim publicado em 1961:
TÍTULO II - Do Direito à Educação
Art. 2º A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.
Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de educação que deve dar
a seus filhos.
Art. 3º O direito à educação é assegurado:
I - pela obrigação do poder público e pela liberdade de iniciativa particular
de ministrarem o ensino em todos os graus, na forma de lei em vigor;
II - pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a
família e, na falta desta, os demais membros da sociedade se desobriguem
29
dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de
modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.(LDBEN – Lei nº.
4.024/61).
1.3 A crise do Populismo e o Golpe de Estado de 1964: A manutenção do poder e a negação
de direitos
Um Estado liberal forte que promovesse o capitalismo nacional era um dos objetivos
dos governos populistas. Juan Domingo Perón, na Argentina, e Getúlio Vargas, no Brasil, são
representantes deste modelo político e da política econômica que o conduz. Reduzir a
rivalidade entre as classes e promover a colaboração das classes através do Estado era a
maneira de superar as diferenças e não permitir que os interesses individuais se
sobreponhamaos interesses e aspirações de todo o povo. Este era o ideário dos governos
populistas na América Latina.
No Brasil, o Estado Novo Getulista e a política populista já não dão conta em atender
às aspirações da burguesia industrial que avança nos centros urbanos. O país, tipicamente
rural, dá lugar a uma sociedade urbana industrial fomentada em uma burguesia nacional,
dependente do capital Estatal e do capital externo.
No período pós-guerra afirma-se a supremacia política e econômica dos Estados
Unidos da América sobre os países latino-americanos e suas economias. Não interessa mais à
burguesia nacional que se estabeleça um governo de posição dúbia ou articulador de
interesses das diferentes classes e camadas sociais. O capital estrangeiro, em especial dos
Estados Unidos da América, é quem vai ditar as regras da economia e defender os interesses
do capital internacional, poucoimportarão os modelos políticos ou suas variações, importarão,
sim, a expansão capitalista e a garantia da hegemonia norte- americana.
O espírito nacionalista da época, amplamente construído pela propaganda de Estado, e
a eleição direta de Getúlio Vargas associado à entrada do capital estrangeiro no Brasil e os
rumos da política imperialista norte americana, oferecem condições para a criação do grande
monopólio estatal do petróleo no Brasil.
Os interesses entre a política econômica nacionalista construída no segundo governo
de Getúlio Vargas (1951-1954) e no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), associados
ao crescimento dos investimentos de capital americano no país, apontam para uma
30
contradição sobre os rumos econômicos a serem tomados por nossa elite local: o
desenvolvimentismo nacionalista ou o capital americano.
O modelo cultural e econômico norte-americana ganha espaço, a indústria
automobilística e a indústria de bens de consumo duráveis é quem dão as ordens.
Neste cenário que se configurava no momento da “Guerra Fria” prevaleceram a força
bélica e os interesses econômicos dos Estados Unidos da América. A sutileza da classe
dominante urbano-industrial em apropriar-se das vantagens que se colocavam com o capital
internacional e a organização de um Estado liberal que mantinha e ampliava tais interesses,
foi a fórmula encontrada.
Com cenário econômico, político e social que se configurava, o caminho
representativo dos interesses das classes dominantes estava posto: no campo econômico as
alianças com o capital internacional e as ações de infraestrutura nacional para sustentar a
ampliação da acumulação de capital pelas classes dominantes; no campo político o fim do
Estado de Direito: censura e proibição da atuação dos partidos políticos; no campo social a
censura e repressão aos movimentos sociais e às vozes intelectuais. O golpe militar de 1964 é
a representação da nova ordem do capital internacional: autoritarismo político e segurança
nacional para combater os “subversivos”.
A Constituição de 1967 impõe a eleição indireta para Presidente da República, a
suspensão das garantias dos Magistrados e o controle do Legislativo. Atos Institucionais
serviram para legitimar as ações dos governos militares e justificara proibição de qualquer
manifestação política, a censura aos meios de comunicação e a intervenção em Estados e
Municípios. O mais conhecido Ato Institucional foi o AI-5, visava a combater inimigos
internos do regime, rotulados como “subversivos”, “comunistas” e todos aqueles que
questionavam a “ordem”.
O Nacional Desenvolvimentismo era sepultado e o capital nacional submetido aos
interesses do capital estrangeiro. O novo modelo político econômico demonstra-se
concentrador de renda e gerador de desigualdades sociais, a urbanização desenfreada e os
baixos salários criam o cenário de miserabilidade das classes populares na década de
1970/1980.
A Constituição de 1967, no Título IV, Artigo 168, estabelecia que:A educação é
direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve
31
inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade
humana.
No mesmo Artigo 168, parágrafo 3º, inciso II, estabelece que o ensino dos sete aos
quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais. No
inciso VI afirma a liberdade de cátedra.
A Emenda Constitucional nº1/69 “legitima” a ditadura militar e o “direito de todos” à
educação deve inspirar-se “no princípio da unidade nacional”. A ideia de unidade nacional
neste momento da história política do país significa manter a ordem.
O que era liberdade de cátedra, no inciso VI da Constituição de 1937, passa a ser no
Artigo 176, inciso VII, da Emenda Constitucional nº 1/69 a “liberdade de comunicação de
conhecimentos no exercício do magistério, ressalvado o disposto no artigo 154”
Art. 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de
subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão
daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo
Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República,
sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente
ampla defesa. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1967)
O direito à educação é submetido ao dever de obedecer à ordem e não abusar do
direito individual e coletivo para não “subverter” o regime.
É neste momento histórico que a escolarização se expande para a maior parte da
população em um movimento de instrução técnica para servir as necessidades do capital
nacional e internacional, porém adverte Biccas e Freitas:
A disseminação da escola pública no Brasil não foi consequência da natural
e inexorável da industrialização. Ou seja, será necessário desvendar o
complexo campo da construção de direitos políticos da sociedade civil, (e
escolarizar os filhos na escola pública é, antes de tudo, um direito político),
para atender à forma social que a escola adquiriu quando se espalhou.
(BICCAS; FREITAS, 2009, p.108)
É neste movimento histórico que em 11 de agosto de 1971 é promulgada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN nº 5.692/71.
Entre as principais características desta LDBEN podemos destacar no artigo 4º, a
previsão do chamado “Núcleo Comum” e da “Parte Diversificada” no currículo, de acordo
32
com as peculiaridades de cada região; no artigo 7º, a inclusão das disciplinas de Educação
Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde; no artigo 11º, o
ensino obrigatório dos sete aos quatorze anos, já estabelecido pela Constituição de 1967, e no
artigo 43, dinheiro público “preferencialmente” às instituições de ensino público.
Vale destacar que estas características apontam para uma LDBEN que revestiu a
escola de uma pretensa autossuficiência, contemplando a ideia de que os professores teriam o
papel de especialistas técnicos. O professor passa a ser aquele que aplica e transmite o manual
técnico, a função do aluno é responder às comandas. A pedagogia predominante ficou
conhecida como tecnicista, assim definida por Saviani:
A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios
de racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a
reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e
operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril,
pretendeu-se a objetivação do trabalho pedagógico. (...)Se na pedagogia
tradicional a iniciativa cabia ao professor e se na pedagogia nova a iniciativa
deslocou-se para o aluno, na pedagogia tecnicista o elemento principal
passou a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o
aluno posição secundária. A organização do processo converteu-se na
garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do
professor e maximizando os efeitos de sua intervenção. (SAVIANI,2013,
p.16-17)
1.4 A redemocratização do Brasil e a Constituição Federal de 1988
No início da década de 1970 o Produto Interno Brasileiro (PIB) crescia com uma das
maiores taxas das economias capitalistas do mundo. O parque industrial brasileiro expandia e
modernizava. A agricultura foi estimulada pela importação e pela alta do consumo interno. Na
esfera econômica o discurso era da prosperidade do “país do futuro”, na esfera política o
discurso era o da “ordem” e da “justiça”.
No final da década de 1970 o regime militar
enfraquecido economicamente, pelas crises econômicas sucessivas desde a crise do petróleo
em 1973, começa a enfrentar a insatisfação popular devido ao descontrole inflacionário e o
desemprego.
Em 1979, os metalúrgicos, os professores em São Paulo e os bancários em todo país
lideram as maiores greves contra o “arrocho salarial” e a inflação e pelos direitos políticos
plenos. A década de 1980 abre-se com a insatisfação popular e o movimento pelas eleições
33
diretas para Presidente da República, conhecidopopularmente como “Diretas Já”. Os setores
da classe dominante que apoiavam a ditadura militar já não se sustentavam, a pressão popular
pela abertura política e a crise econômica exigiam uma nova organização política do país.
As entidades organizadas da educação nacional como a Associação Nacional de
Educação (ANDE), a Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Educação
(ANPED), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), a Associação dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) lideraram as chamadas
Conferências Nacionais de Educação que, em 1986, na Cidade de Goiânia, elaboraram a
Carta de Goiânia(CBE, 1986) que desvelava o quadro estarrecedor da educação brasileira:
insuficiência de vagas, altíssima evasão escolar e analfabetismo. A Carta de Goiânia foi
assim resumida por Biccas e Freitas:
1- A educação escolar é direito de todos os brasileiros e será gratuita e laica nos
estabelecimentos públicos, em todos os níveis de ensino;
2- Todos os brasileiros têm direito à educação pública básica comum, gratuita e
de igual qualidade, independentemente de sexo, cor, idade, confissão
religiosa e filiação política, assim como de classe social ou de riqueza
regional, estadual ou local;
3- O ensino fundamental, com 8 anos de duração, é obrigatório para todos os
brasileiros, sendo permitida a matrícula a partir dos 6 anos de idade;
4- (...)
5- É obrigação do Estado oferecer vagas em creches e pré-escolas para crianças
de 0 a 6 anos e 11 meses de idade, com caráter prioritariamente pedagógico;
6- São assegurados aos deficientes físicos, mentais e sensoriais serviços de
atendimento pelo Estado, a partir de zero ano de idade, em todos os níveis de
ensino;
7- É dever do Estado prover o ensino fundamental, público e gratuito, de igual
qualidade, para todos os jovens e adultos que foram excluídos da escola ou a
ela não tiveram acesso na idade própria...
8- (...)
9- O ensino de 2º grau, com 3 anos de duração, constitui a 2ª etapa do ensino
básico e é direito de todos (...);
10- O ensino, em qualquer nível, será obrigatoriamente ministrado em língua
portuguesa, sendo assegurado aos indígenas o direito à alfabetização na
língua materna e portuguesa;
11- Será definida uma carreira nacional do magistério(...);
12- (...)
13- As Universidades públicas devem ser parte integrante do processo de
elaboração da política de cultura, ciência e tecnologia do país (...);
14- (...)
15- Os recursos públicos destinados à educação serão aplicados exclusivamente
nos sistemas de ensino criados e mantidos pela União, Estados e Municípios;
16- (...)
17- (...)
34
18- É permitida a existência de estabelecimentos de ensino privado, desde que
atendam às exigências legais e não necessitem de recursos públicos para sua
manutenção (...) (BICCAS; FREITAS 2009, p.314-315)
Eram dadas as cartas para discussão sobre as questões educacionais no país. A Carta
de Goiânia serviu de referência para as discussões do Fórum de Educação na Constituinte
1987/88 em Defesa do Ensino Público e Gratuito. (BICCAS e FREITAS,2009, p.316).
As discussões sobre a escola pública e gratuita na Constituinte 1987/88 foram
acaloradas. Grupos mais à esquerda ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido
Democrático Trabalhista (PDT) colocavam-se contra os lobbies sustentados pelas elites e a
favor da escola pública e gratuita.
Pressões e confrontos organizados por setores ligados ao setor conservador, chamado à
época de Centrão, reuniam figuras políticas que representavam os grandes empresários,
banqueiros e latifundiários que pretendiam manter inalteradas as estruturas do Estado
brasileiro concentrador de riquezas nas mãos da classe dominante. Este grupo era
representado principalmente por deputados e senadores do Partido da Frente Liberal (PFL) e
do Partido Democrático Social (PDS), herdeiros do regime militar, reacionários a qualquer
proposta de cunho social e defensores do chamado “Estado Mínimo” dentro de um conceito
neoliberal promovido pelas alas conservadoras de diversos países, em especial na Inglaterra
no governo da Primeira Ministra Margaret Thatcher (1979-1990), com políticas econômicas
centradas na privatização dos serviços públicos, na desregulamentação do setor financeiro e
na flexibilização do trabalho.
Estes dois grupos compuseram o tom da Constituição Federal de 1988 e que
destacamos alguns pontos importantes em relação à educação:
Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho.
Artigo 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte
e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (...) ; e
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
35
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio;(...) (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988)
Sobre o artigo 208 acrescentamos os avanços obtidos recentemente com a Emenda
Constitucional nº 59 de 2009:“I - educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos
dezessete anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria”. (EMENDA CONSTITUCIONAL nº 59/09)
Observamos no texto constitucional de 1988 as conquistas obtidas em relação aos
textos constitucionais anteriores que alternaram avanços e retrocessos. O Direito à Educação,
que era na Constituição de 1934 “direito de todos” e deveria “ser ministrada, pela família e
pelos Poderes Públicos”, na Constituição outorgada de 1937, de inspiração fascista, passa a
ser “dever do Estado contribuir, direta e indiretamente(...)” e a Constituição de 1946, no
momento do fim da 2ª Grande Guerra e da redemocratização retoma o ideário liberal
democrática da Carta Magna de 1934: “A educação é direito de todos e será dada no lar e na
escola”.
No texto constitucional de 1967 o Direito à Educação é submetido à ideia de “unidade
nacional” e a organização tecnicista necessária ao modelo de desenvolvimento da época.
Neste momento históricoa expansão do ensino decorre mais das lutas e conquistas em direção
à construção de direitos políticos pela sociedade civil organizada do que pelas mãos
autoritárias do Estado.
A Constituição de 1988, promulgada na efervescência da redemocratização, no seu
novo ordenamento jurídico estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e
da família. Significatico avanço em termos de direitos sociais.
Os direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 1988: “educação de jovens
e adultos que não tiveram acesso à escolarização na idade própria”; o “atendimento
especializado a ser oferecido aos deficientes” e o “atendimento em creche e pré-escola às
crianças de até seis anos de idade”, representam e consolidam o ideal da escola pública como
direito.
36
1.4.1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96
A LDBEN tornou-se uma peça menor se comparada aos sonhos acalentados
por muitos educadores. Porém, em relação a vários aspectos, tornou-se
expressão de vitória para anseios populares que há décadas aguardavam
encaminhamento. (BICCAS; FREITAS,2009, p.332)
Oito anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais precisamente em
20 de dezembro de 1996, é sancionada pela Presidência da República a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9.394/96.
O anteprojeto desta nova LDBEN baseava-se nos ideais da Carta de Goiânia, já
mencionada anteriormente. Porém, o Poder Executivo, representado à época pelo Presidente
Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro da Educação e Cultura Paulo Renato Costa Souza,
apoiou o texto final protocolado pelo Senador Darcy Ribeiro, que representava mais
claramente os interesses dos grupos políticos ligados aos conservadores. O texto final passou
por modificações diversas que objetivavam conciliar as forças políticas do cenário nacional.
Apesar das manobras políticas articuladas pela Presidência da República para não
apoiar o texto do anteprojeto apresentado após as discussões promovidas pelos Fóruns e
Conferências de Educação, a LDBEN n° 9.394/96 apresentou avanços que descreveremos
brevemente:
- O direito à educação afirma-se como direito subjetivo, direito do cidadão e dever do
Estado. O cidadão que não tiver acesso à escola e seu direito garantido poderá requerê-lo
juridicamente;
- A educação infantil e a Educação de Jovens e Adultos passaram a fazer parte da
Educação Básica. Também é garantido o direito à educação aos jovens e adultos que não
tiveram acesso à educação na idade correta;
- A organização da escolarização pública e gratuita dos sete aos quatorze anos poderá
ser organizada em séries anuais, períodos semestrais, por grupos não seriados, por ciclos,
enfim, pode ser organizada nas diversas formas que contribuam para combater a evasão e a
repetência. O regime de progressão regular poderá ser substituído pelo regime de progressão
continuada; e
- A avaliação da aprendizagem dos alunos não se limitará aos conhecimentos
escolares, outras experiências de aprendizagem e conhecimento são permitidas possibilitando
37
assim a classificação e reclassificação em anos ou séries distintas obedecendo à idade
cronológica. Os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os quantitativos ao longo do
período do ano ou ciclo nas avaliações da aprendizagem contínuas e cumulativas.
A LDBEN n° 9.394/96 não representou os anseios dos movimentos sociais discutidos
nas Conferências de Educação e apresentadas na Carta de Goiânia(1986), porémos avanços
alcançados foram substanciais e não podem ser negados. Neste conjunto de avanços em
relação à garantia de direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90
é uma das mais representativas legislações mundo afora.
A legislação por si só não dá conta das mudanças sociais e do combate às
desigualdades sociais e econômicas, mas é inegável que representam passos importantes de
apoio à luta política por mudanças mais profundas.
Entre as mudanças legais recentes a Emenda Constitucional nº 59/09 torna o ensino
obrigatório para população dos quatro aos dezessete anos e amplia os programas
suplementares para todas as etapas da Educação Básica e a Lei nº 12.796/13em seu Artigo 6º
determina que “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação
básica a partir dos quatro anos deidade”.
Resultantes de amplos debates promovidos pelo Conselho Nacional de Educaçãoo
Parecer CNE/CEB nº 07/10 e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica – Resolução CNE/CEB nº 04/10, representam os princípios e diretrizes gerais da
Educação Básica. Este movimento, ancorado no Conselho Nacional de Educação,
proporcionou a criação de dispositivos legais que inspiram sistemas de ensino a promover
políticas públicas que ultrapassem os problemas educacionais que enfrentamos há décadas,
entre eles, a elaboração de políticas de gestão, do currículo, dos projetos políticos
pedagógicos, da formação e valorização dos professores e, enfim, da garantia do direito ao
acesso, à permanência e a uma boa escola para todos.
Outras Diretrizes1 foram publicadas e constituem um arcabouço de disseminação de
princípios norteadores para a Educação Básica Nacional que fortalecem o ideário do Plano
Parecer CNE/CP nº 03/2004 – Resolução nº 01, 17/06/2004 – Institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana;
Parecer CNE/CEB nº 23/2007 – Resolução nº 2, 28/04/2008 – Estabelece Diretrizes complementares,
normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação básica
do Campo;
1
38
Nacional de Educação (PNE) -Lei nº 13.005/2014, notoriamente a construção do Sistema
Nacional de Educação, como previsto no Artigo 13 desta lei: “O poder público deverá
instituir, em lei específica, contados 2 (dois) anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional
de Educação, responsávelpela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de
colaboração, para efetivação das diretrizes, metas eestratégias do Plano Nacional de
Educação”.
1.4.2 O Plano Nacional de Educação – Lei nº 13.005/14
NoIV
Seminário
de
Educação
Brasileira.
PNE
em
foco:
Políticas
de
responsabilização, regime de colaboração e sistema nacional de educação, promovido em
2013 pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES, sediado na Universidade de
Campinas/Unicamp, na mesa redonda Direito à educação no Brasil e Sistema Nacional de
Educação: Articulações necessárias para sua garantia, o Professor Dermeval Saviani iniciou
afirmando sobre o “Proclamado Direito à Educação e o protelado dever do
Estado”.(SAVIANI, 2013)
Um dos propósitos deste Seminário foi abordar
(...) as condições e possibilidades de se assegurarum padrão equitativo de
financiamento em países marcados pelas desigualdades entre os diferentes
níveis de governo. A efetivação de um Sistema Nacional de Educação
deverá considerar, além das mencionadas situações de desigualdade, aquelas
relacionadas às diferenças de classe na estrutura federativa do Estado
Parecer CNE/CEB nº 20/2009 - Resolução nº 5, 17/12/2009 – Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil;
Parecer CNE/CEB nº 13/2009 - Resolução nº 4, 02/10/2009 – Institui Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial;
Parecer CNE/CEB nº 11/2010 – Resolução nº 7, 14/12/2010 – Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental de nove anos;
Parecer CNE/CEB nº 05/2011 – Resolução nº 2, 30/01/2012 – Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio;
Parecer CNE/CP nº 08/2012 – Resolução nº 1, 30/05/2012 – Estabelece Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos;
Parecer CNE/CEB nº 13/2012 – Resolução nº 5, 22/06/2012 – Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica;
Parecer CNE/CP nº14/2012 – Resolução nº 2, 15/06/2012 – Estabelece as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Ambiental;
Parecer CNE/CEB nº 16/2012 – Resolução nº 8, 20/11/2012 – Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.
39
brasileiro e às condições espaciais nas áreas urbanas e rurais, entre outras.
(CEDES,2013, p.9)
Acompanhar e avaliar o PNE, que é uma política de Estado, em um país com a
diversidade regional, econômica, social e de escolarização como o Brasil,articulando a criação
de um Sistema Nacional de Educação é o nosso desafio para garantir o que determina a
Constituição Federal de 1988, que proclama a educação como “direito de todos e dever do
Estado e da família”e ainda afirma que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
público subjetivo”. Essas conquistasforam ampliadas coma Emenda Constitucional nº59/09:
“direito à educação dos quatro aos dezessete anos”, e pela Lei nº12.796/13 que afirma a
obrigatoriedade da educação básica a partir dos quatro anos deidade.
Os debates em torno de um Plano para a educação nacional não estão acima dos
interesses econômicos, políticos e ideológicos que constituem as forças sociais que disputam
a hegemonia no poder. Fato é que o Plano Nacional de Educação (PNE) tramitou por três anos
e meio no Congresso Nacional e no Senado Federal onde as forças hegemônicas
conservadoras alteraram sutilmente alguns pontos como os que tratam das questões de
igualdade de gênero, raça e orientação sexual na escola, que haviam sido discutidos
amplamente naConferência Nacional de Educação2 (CONAE, 2010) e ampliadas nas
Emendas apresentadas pelos movimentos sociais.
Outro fato que marca a importância deste debate é que a construção do PNE a partir do
Projeto de Lei (PL 8.035/20103) encaminhado pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva e
pelo Ministro da Educação Fernando Haddad, em 15 de dezembro de 2010, só foi aprovado
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado e sancionado pela Presidenta Dilma Rousseff em
25 de junho de 2014 (Lei nº 13.005/14). A demorada tramitação e os debates acirrados em
torno do financiamento da educação e fonte dos recursosdemonstra que as forças
hegemônicas da Câmara dos Deputados e Senado Federal estão articuladas para preservar
2
A Conferência contou com a participação de 4 milhões de pessoas e foi organizada em etapas
municipais, estaduais, distrital e federal, discutiu as diretrizes para o PNE a partir da situação da
educação no Brasil.
3
A primeira versão do PL 8035/2010 recebeu mais de 2900 emendas, o maior número desugestões já
recebido por um projeto de lei desde a Constituição Federal. Isso significa que hámuitos interesses em
jogo e também há muita vontade e compromisso da sociedade civil emparticipar da definição dos
rumos da educação no Brasil. Encarte “PNE pra valer – Campanha Nacional pelo Direito à Educação/
2013”. Disponível em: <http://pnepravaler.org.br/>. Acesso em: 15 dez. 2013.
40
suas posições no debate educacional. Essas forças se organizam em Organizações NãoGovernamentais e Institutos que defendem interesses de grupos econômicos4.
O debate pela aprovação da aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país
em políticas públicas em educação foi um dos avanços neste PNE, porém, foram várias as
críticas de que o Plano não atendeu às expectativas discutidas e aprovadas na Conferência
Nacional de Educação (CONAE, 2010).
A Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o
recém aprovado Plano Nacional de Educação são as bases para construção do Sistema
Nacional de Educação. No Sistema Nacional de Educação serão definidas as competências
comuns, autonomia federativa, articulação e responsabilidades entre os sistemas de ensino
Federal, Estadual, Distrital e Municipal, que deveram atuar em regime de colaboração.
O Plano Nacional de Educação suscita ainda outras discussões urgentes como a
regulamentação da Lei nº 12.858 que destina parte dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal e
dos royalties do petróleo para educação. Outra urgência é a construção democrática dos
planos estaduais e municipais de educação.
Como anunciamos no início o “proclamado direito à educação” tem no Plano Nacional
de Educação e na criação de um Sistema Nacional de Educação a oportunidade de alavancar e
garantir o direito à educação para todos e superar o “protelado dever do Estado”.Como
escreveu Saviani:
Contudo, como sabemos, importa distinguir entre a proclamação de direitos
e a sua efetivação. A cada direito corresponde um dever. Se a educação é
proclamadacomo um direito e reconhecido como tal pelo poder público, cabe
a esse podera responsabilidade de prover os meios para que o referido direito
se efetive. Eisporque se impôs o entendimento de que a educação é direito
do cidadão e dever doEstado. E, para dar cumprimento a esse dever
garantindo, em consequência, o direitoaeducação, os principais países se
empenharam, a partir da segunda metade do século XIX, em implantar os
respectivos sistemas nacionais de educação, erigidos nocaminho efetivo para
universalizar a escola básica. Vê-se, pois, que o papel do SistemaNacional
de Educação é dar efetividade àbandeira da escola pública
universal,obrigatória, gratuita e laica. (SAVIANI, 2013, p.745)
4
Grupos econômicos das grandes corporações, representados por Organizações Não Governamentais e
Institutos, pregam suposta neutralidade nas questões educacionais e apóiam às políticas gerencialistas
em educação, principalmente a meritocracia e a privatização. Defendem ainda uma organização do
currículo através da padronização, em forma de apostilamentos, e o controle do trabalho docente por
“especialistas” de empresas de assessoria pedagógica. (ADRIÃO, 2009; FREITAS, 2012)
41
O PNE apresentou avanços graças à participação e organização da sociedade civil que,
nos últimos anos, em uma permanente pressão junto ao Congresso Nacional,conseguiu a
aprovação dos pontos que tratam da elaboração do Sistema Nacional de Educação Básica
(Sinaeb), a equiparação de salários dos profissionais do magistério das redes públicas ao de
profissionais com escolaridade equivalente e a implementação do Custo Aluno-Qualidade
Inicial (CAQi), em que a União deverá complementar financeiramente todos estados e
municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi. Porém o parágrafo 5º do artigo 5º
manteverecursos públicos para as parcerias público-privadas quando contabiliza como
investimento em educação pública o Prouni (Programa Universidade para Todos), o Fies
(Financiamento Estudantil), Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego) e o convênio com creches e pré-escolas privadas. A destinação de recursos públicos
para as parcerias público-privadas teve forte apoio dos grupos econômicos ligados às
Universidades Privadas no Congresso Nacional, principalmente aquelas que oferecem a
modalidade de Ensino a Distância (EaD).
Apresentamos neste capítulo,Direito à aprendizagem e universalização do ensino,
como historicamente este ideário foi se constituindo na sociedade brasileira em movimentos
de avanços e retrocessos. O nosso propósito maior é entender como os projetos de
recuperação de aprendizagem e às questões relativas ao direito à aprendizagem têm sido
apreendidos pelos professores dos anos finais do ensino fundamental e resgatar a história da
educação, da legislação e da construção de políticas públicas recentes foi fundamental. No
próximo capítulo discutiremos a questão da garantia do direito à educação a partir da
organização do processo ensino-aprendizagem.
42
CAPÍTULO 2
O PROCESSO ENSINO -APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DA GARANTIA DO
DIREITO À APRENDIZAGEM
Como discutimos no capítulo anterior a garantia do direito à educação para todos
avançou significativamente no campo legal, porém, consideramos que, mesmo com o debate
intenso nas últimas décadas, avançamos timidamente no campo didático-metodológico. Ainda
carregamos aquilo que Mizukami tratou como abordagem tradicional:“uma abordagem do
processo ensino-aprendizagem que não se fundamenta implícita ou explicitamente em teorias
empiricamente validadas, mas numa prática educativa e na sua transmissão através dos anos”.
(MIZUKAMI,1986,p.7)
Neste campo didático-metodológico, em que pouco avançamos, é comum a discussão
sobre a organização da escolarização organizada em ciclos de aprendizagem. Diversos
estudos (ARROYO, 1999; FERNANDES, 2005;FREITAS,2007;MAINARDES, 2007;
ALAVARSE,2009) têm apontado que a proposta de uma escola organizada em ciclos de
aprendizagem pressupõe uma nova organização curricular e cultural no interior da escola.
Este é nosso desafio: o direito à educação não significa apenas que as crianças entrem e
permaneçam na escola, mas, a garantia de que aprendam em uma escola organizada para
atender a todos.
Neste estudo, que tem foco na rede estadual de ensino de São Paulo, optamos por
discutir esse tema a partir dos projetos denominados Recuperação de Aprendizagem. Para
isso, realizaremos breve revisão bibliográfica sobre o tema; descreveremos os projetos de
recuperação de aprendizagem implantados na rede estadual na última década e;
descreveremos a atual proposta de recuperação de aprendizagem conforme a Resolução SEnº
53/14. Discutiremos este tema centralizando nos anos finais do ensino fundamental, campo
desta tese.
2.1 Sobre estudos que tratam do tema Recuperação de Aprendizagem
O tema recuperação de aprendizagem tem sido discutido em diversas pesquisas na
última década, sempre associado à questão da reprovação escolar.
43
Vitor Henrique Paro, no livro “Reprovação Escolar, renúncia à educação” (2001),
comenta pesquisa que realizou em escola da rede pública municipal de São Paulo em 1999.
Um dos problemas levantados pelo autor é “a resistência docente à promoção de estudantes
do ensino fundamental” (PARO, 2001,p.16). Neste estudo o tema recuperação foi inevitável e
é assim apresentado:
Mas a recuperação, paralela ou a posteriori, se for destacada do processo
escolar normal, parece constituir mais um remendo do que solução. Já que
não se conseguiu fazer com que parte dos alunos alcançasse o desempenho
esperado, dá-se-lhe reforço e recuperação. Por que não tomar medidas que
evitem o problema, tornando o ensino efetivamente eficaz, em vez de só
remediá-lo? Se a recuperação surge como medida paralela – ou posterior –
ao processo normal de ensino, como elemento corretor ou “recuperador”
desse processo, ela assume já uma conotação de certo modo negativa, ao
reconhecer que o processo “normal” de aprendizagem não se deu da forma
que se desejava. A prescrição desse remédio já traz embutida uma
reprovação ao mal que ele pretende corrigir ou “recuperar”. (PARO, 2001, p.
136-137)
Elliot (2009) em estudo realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação:
Currículo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2009, intitulado “Estudos de
Recuperação Paralela na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (Gestão 2007-2010)”,
teve como objetivo analisar criticamente os projetos de recuperação paralela e reforço
constantes na proposta curricular da rede estadual de ensino de São Paulo. Na pesquisa de
campo, com produção de dados através de entrevistas com alunos dos anos iniciais, registrou
como eles percebem os projetos de recuperação e a relação destes com a aprendizagem. A
pesquisadora constatou:
(...) que há um enorme distanciamento entre o prescrito pela legislação e o
que ocorre na prática no contexto escolar. Leis, decretos, deliberações e
resoluções relacionadas a projetos de recuperação têm servido, apenas, ao
oferecimento de uma resposta formal à demanda de superar o fracasso
escolar. (...) Aos idealizadores desse projeto para a educação paulista
reservou-se a implantação de estudos de recuperação sem que os professores
participassem, sem que se levassem em conta as especificidades de cada
escola. Nesse sentido, o professor passou a ser um mero reprodutor dessas
políticas públicas que recebem a marca de um governo centralizador e do
aluno, um recipiendário delas” (ELLIOT, 2009, p.138)
44
Outro importante estudo foi desenvolvido por Caldas (2010). Utilizando-se do
referencial teórico da psicologia histórico-cultural a pesquisadora discute a recuperação
escolar como estratégia pedagógica da escola para auxiliar os alunos que não aprendem. A
pesquisa, do tipo etnográfica, utilizou entrevistas com alunos, mães, professoras e
coordenadoras, além de documentos oficiais, legislações e observação participante. Afirma
que a pesquisa mostrou grande distanciamento entre as propostas oficiais e sua concretização
na escola e que o sentido da recuperação configura-se mais como espaço de
“impossibilidades” do que de “potencialidades”.“O processo de recuperação escolar revelou
um efeito esmagador para os envolvidos. Sofrimento e sentimentos negativos em relação às
atividades exercidas na escola foram relatados por alunos, professoras, coordenadora
pedagógica, diretora e mães”. (CALDAS, 2010, p.223).
E completa afirmando que o oferecimento da recuperação passa a ser retórica quando a
principal razão de ser da escola não foi cumprida:
A recuperação põe-se como medida para solucionar as dificuldades
encontradas pelos alunos em seu processo de aprendizagem, no entanto, à
medida que sua concretização na escola aponta muito mais para a
discriminação e rotulação do que para a superação dos obstáculos, é possível
afirmar que a recuperação escolar vem sendo instrumento de mascaramento
da realidade e, consequentemente, de alienação. (CALDAS, 2010, p.212)
Jacomini(2010)analisando as concepções de pais e alunos sobre a progressão
continuada e a implantação dos ciclos na rede municipal de São Paulo, discute as políticas de
contenção da reprovação “como tentativa de mudar o eixo ordenador da escola e como meio
de impulsionar a discussão e a luta pela construção de uma qualidade social da escola para
todos” (JACOMINI, 2010, p.251). No nosso entendimento a recuperação oferecida aos que
não aprenderam constitui apenas um movimento dos governos para justificar suas políticas
em educação que se têmconfigurado como acríticas e que não atacam a origem do problema:
o eixo ordenador da escola permanece sustentado sobre bases seletivas, homogeneizadoras e
excludentes.
Jeffrey (2011) reafirma em suas pesquisas sobre a progressão continuada e as políticas
de não reprovação na rede estadual de ensino de São Paulo “o fato de o professor não ser
incorporado ativamente no processo de implementação da medida pela SEE-SP e do
conservadorismo pedagógico que caracteriza, historicamente, o posicionamento destes
45
profissionais diante das mudanças” (JEFFREY, 2011, p.20). Podemos considerar que este é o
circulo vicioso deste processo: as políticas de não reprovação são formuladas por
especialistas do governo, não contam com a participação dos professores e comunidade
escolar e, tão pouco, alteram o eixo ordenador conservador e tradicional da escola e, a
recuperação da aprendizagem, é o grande mote que sintetiza o fracasso escolar dos que não
aprendem e precisam de nova oportunidade.
Gualtieri e Lugli (2012) afirmam que a questão do fracasso escolar“é um problema
multifacetado e historicamente persistente para o qual a solução não será jamais elaborada de
modo isolado nem se viabilizará se não for alterado o modelo de organização escolar vigente”
(GUALTIERI; LUGLI, 2012, p.13). As práticas naturalizantes da escola para justificar o
fracasso escolar são reforçadas por projetos de recuperação pensados e elaborados por
equipes técnicas dos órgãos centrais dos governos que, comumente, fixam modelos
específicos de Turmas de Recuperação, de Recuperação de Ciclo, de Recuperação nas Férias
e outros, configurando e reforçando a lógica da exclusão no interior da escola “já que a
exclusão física tem sido praticamente impossível, por força da lei e considerada, além disso,
como indício de falta de competência pedagógica”(GUALTIERI; LUGLI, 2012, p.82)
As pesquisas têm apontado para a presença do ideário da reprovação 5 escolar presente
no discurso dos gestores, professores, pais e alunos. A crença na reprovação escolar ainda
persiste como medida de austeridade, de controle, de disciplinamento e de auxílio para
melhoria do ensino e os projetos de recuperação de aprendizagem são suportes deste modelo
perverso para justificar que alguns não aprendem.
2.2 A persistência da reprovação escolar e a negação do direito à educação
Para iniciarmos esta discussão sobre a persistência da reprovação escolar na rede estadual
de ensino de São Paulo reproduzimos duas tabelas que apresentam as Taxas de Rendimento no
ensino fundamental- 2011 no Brasil (tabela II) e, Taxas de Rendimento no ensino fundamental –
2012 em São Paulo (tabela III)
5
Optamos neste trabalho por utilizar a expressão Reprovação Escolar por ser o termo comumente
utilizado nas escolas pelos alunos, pais, professores e gestores. Na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN 9394/96 é comum o termo promoção.
46
Tabela II – Taxas de rendimento no ensino fundamental (Brasil, 2011)
Brasil
Total
Anos
iniciais
72,2
Anos
finais
71,4
1º
2º
3º
4º
5º
6º
1996
63,1 72,2 77,2 81,1 63,6
71,8
Aprovação
2011
96,5 91,9 87,1 90,9 90,5 80,1
87,6
91,2
83,3
Aprovação
1996
18,5 16,2 12,2 9,0
16,7
13,9
14,6
12,7
Reprovação
2011
2,1
6,7
11,4 7,5
7,8
15,3
9,6
7,3
12,4
Reprovação
1996
18,4 11,6 10,6 9,9
19,7
14,3
13,2
15,9
abandono
2011
1,4
1,4
1,5
1,6
1,7
4,6
2,8
1,5
4,3
Abandono
Fonte: IBGE/Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2011. Adaptado pelo autor.
7º
8º
9º
71,2
75,7
81,2
83,4
85,2
85,4
13,5
10,2
7,1
12,7
10,7
10,3
15,3
14,1
11,7
3,9
4,1
4,3
Tabela III – Taxas de rendimento no ensino fundamental (São Paulo, 2012)
São Paulo
Total
1996
Aprovação
2012
Aprovação
1996 Reprovação
2012 Reprovação
Anos
finais
80,5
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
83,8
Anos
iniciais
86,8
95,0
75,7
88,6
92,3
75,0
79,2
83,2
87,8
93,0
97,3
91,4
-
-
-
95,2
94,4
93,9
92,5
84,7
8,6
8,9
8,3
-
19,7
7,7
3,9
12,3
9,1
6,2
3,4
4,9
1,8
6,0
-
-
-
3,9
3,4
4,1
5,0
11,3
1996
5,0
4,6
3,7
3,8
12,7 11,7 10,6 8,8
7,6
4,3
11,2
abandono
2012
1,0
2,1
2,1
2,5
4,0
2,1
0,9
2,6
Abandono
Fonte: SÃO PAULO. Secretaria da Educação. CIMA. Coordenadoria de Informação, monitoramento e avaliação
educacional, 2012. Adaptado pelo autor.
Em 1996 a aprovação escolar no Brasil era de 71,4% nos anos finais do Ensino
Fundamental. Em 2011 este número subiu para 83,3%, um acréscimo de 11,9% no número de
alunos que obtiveram aprovação no final do ensino fundamental.
O abandono escolar em 1996 era de 15,9% e em 2012 foi de 4,3%, uma redução de
11,6%. Avanço considerável que apresenta resultado de políticas públicas de acesso e
permanência na escola, entre elas o Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2003, que tem
em seus objetivos o “Reforço do direito de acesso das famílias aos serviços básicos nas áreas
de saúde, educação e assistência social, por meio das condicionalidades, o que contribui para
as famílias romperem o ciclo da pobreza entre gerações” (Secretaria Nacional de Renda de
Cidadania – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – 2009).
Resumimos na tabela IV essas informações:
47
Tabela IV- Aprovação/Abandono no ano final do ensino fundamental (Brasil,
1996/2011)
Aprovação - ano final do Ensino Fundamental
1996 - 71,4%
2011 – 83,3%
Abandono - ano final do Ensino Fundamental
1996 – 15,9%
2011 – 4,3%
Fonte: IBGE/Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2011. Adaptado pelo autor.
A partir destes dados, relacionados à aprovação e abandono escolar, constatamos que
avanços foram obtidos nos últimos quinze anos, porém persistem números alarmantes em
relação à reprovação escolar.
A porcentagem de alunos reprovados no ano final do Ensino Fundamental no Brasil
era de 12,7%, em 1996,e em 2011 este número foi de 12,4%, de acordo com a tabela II –
Brasil, representada neste recorte (tabela V)
Tabela V - Reprovação – Anos iniciais e anos finais do ensino fundamental (Brasil, 19962011)
Brasil
Total Anos
iniciais
13,9 14,6
1996
Reprovação
2011
9,6
Reprovação
7,3
Anos
finais
12,7
1º
2º
3º
4º
5º
-
18,5 16,2 12,2 9,0
16,7 13,5 10,2 7,1
12,4
2,1
6,7
15,3 12,7 10,7 10,3
11,4 7,5
6º
7,8
7º
8º
9º
Fonte: IBGE/Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2011. Adaptado pelo autor.
Em São Paulo (tabela VI – recorte da tabela III) a reprovação escolar passa de 3,4%,
em 1996, para 11,3% no ano final do ensino fundamental em 2012. As variações apontadas
correspondem, no entendimento deste pesquisador, às distorções e alterações das políticas
públicas em educação implantadas na rede de ensino de São Paulo que pouco alteraram este
cenário.
Tabela VI - Reprovação – Anos iniciais e anos finais do ensino fundamental(São Paulo,
1996/2012)
São Paulo
1996
Reprovação
2012
Reprovação
Total Anos
iniciais
8,6
8,9
Anos
finais
8,3
1º
2º
-
4,9
6,0
-
1,8
3º
4º
5º
19,7 7,7
3,9
-
3,9
-
6º
7º
8º
12,3 9,1
6,2
3,4
3,4
5,0
11,3
4,1
Fonte: SÃO PAULO. Secretaria da Educação. CIMA. Coordenadoria de Informação, monitoramento e avaliação
educacional, 2012. Adaptado pelo autor.
48
Em São Paulo a partir de 1997, com a instituição do regime de progressão continuada
no ensino fundamental, os números se invertem quando verificamos a reprovação escolar.
Tabela VII- Ensino fundamental de8 Anos – Rede Estadual de São Paulo - Taxas de
Reprovação por Série (São Paulo, 1996/2012)
Série
1ª Série
2ª Série
3ª Série
4ª Série
19,7
9,0
1,5
1,1
1,1
1,1
1,3
1,3
1,6
1,5
1,7
1,8
1,2
1,0
1,1
-
7,7
2,7
0,8
1,2
1,1
1,0
1,3
1,3
1,4
1,4
1,7
1,6
1,1
1,0
1,0
1,3
3,9
1,2
1,5
4,8
6,5
10,0
6,2
7,9
8,4
7,8
8,7
8,6
7,0
5,8
5,3
5,3
3,9
5ª Série 6ª Série 7ª Série 8ª Série
Ano
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
0,8
0,9
1,1
1,1
1,4
1,5
2,0
2,0
2,4
2,3
1,7
1,6
-
-
12,3
5,1
2,9
4,0
5,1
5,3
5,3
4,9
5,3
5,6
6,3
6,0
5,2
4,5
3,4
3,8
3,4
9,1
4,2
2,7
4,0
5,2
5,0
6,2
5,3
6,1
6,1
6,9
6,5
5,9
4,8
4,2
4,4
4,1
6,2
3,4
2,4
3,9
5,3
5,3
6,1
6,4
6,8
7,3
7,9
7,7
7,1
6,3
5,3
6,1
5,0
3,4
2,5
2,1
3,8
5,9
8,6
8,6
11,1
13,9
14,5
16,4
17,0
15,4
14,5
12,3
13,7
11,3
Fonte: SÃO PAULO. Secretaria da Educação. CIMA. Coordenadoria de Informação, monitoramento e avaliação
educacional, 2013. Adaptado pelo autor.
A reprovação escolar nas séries iniciais em 1996 chegava ao patamar de 19,7% e nas
séries finais caía para 3,4%.
No ano de 2005, oito anos após a instituição da progressão continuada, os números
apresentam reprovação escolar de 2,0% na primeira série; 7,8% na 4ª série; e o salto para
14,5% na 8ª série.
Em 2012 os números apresentam reprovação escolar de 3,9% na 4ª série e 11,3% na 8ª
série.
Os dados apresentados demonstram que pouco avançamos na garantia do direito à
educação em São Paulo, que é o Estado mais rico da Federação. Os números apenas se
invertem, antes reprovávamos na entrada (2ª série – 1996 – 19,7%). Hoje reprovamos na
saída (8ª série – 2012 – 11,3%), sem considerar os que são reprovados no percurso devido aos
49
mais diversos fatores, entre eles a falta de um projeto político pedagógico consistente que dê
conta das variáveis que se apresentam no cotidiano escolar.
A seguir apresentaremos brevemente as Resoluções da Secretaria Estadual da
Educação na última década (2003-2013). Ao final apresentaremos a Resolução SEESP nº
53/14 que reorganiza a progressão continuada e os mecanismos de apoio escolar (Professor
Auxiliar) que tem em seu alicerce o propósito de “melhoria da qualidade da Educação Básica
(...) mediante o desenvolvimento de um ensino que assegure efetiva aprendizagem dos
alunos”, porém prevê que aquele aluno “que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o ciclo deverá permanecer por mais um ano em uma classe de recuperação
intensiva”(Resolução SEnº 53/14), o que, a princípio, reforça o ideário da reprovação escolar.
2.3 A reorganização da progressão continuada e os mecanismos de apoio escolar. A proposta
atual de Recuperação da aprendizagem na rede pública estadual de São Paulo
Para analisar os dados apresentados anteriormente sobre reprovação escolar é preciso
conhecer as políticas públicas da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo implantadas
na última década, que evidenciam os mecanismos de apoio escolar, conhecidos como
recuperação de aprendizagem.
Segundo o Centro de Informações Educacionais da Secretaria de Estado da Educação
(CIE-SEE, 2012) a rede estadual de ensino de São Paulo atende 4.383.648 alunos em 5.578
escolas com 233.533 professores e 60.624 funcionários. As 5.578 escolas são atendidas por
91 Diretorias Regionais de Ensino que, por sua vez, são subordinadas as Subsecretarias de
Articulação Regional e outras Coordenadorias, segundo o Decreto Estadual nº 57.141, de 18
de julho de 2011.
Na última década, a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, através
de Resoluções, implantou diversos projetos de recuperação/reforço nas escolas.
Elencamos e comentamos brevemente as principais desde 2003 e observamos que
foram nove Resoluções no espaço de uma década. Consideramos que as constantes alterações
na forma de disciplinar a recuperação afeta negativamente o cotidiano escolar e a prática
pedagógica dos professores.
- Resolução SE nº 135/03: Dispõe sobre o processo de atribuição de classes, turmas e
aulas dos projetos e modalidades de ensino que especifica. Disciplina a atribuição de classes e
50
aulas dos projetos Correção de Fluxo (Aceleração) dos Ciclos I e II e de Recuperação de
Ciclo (I e II);
- Resolução SE nº 15/05: Dispõe sobre estudos de recuperação contínua e paralela na
rede estadual de ensino. Define recuperação contínua e recuperação paralela. A equipe escolar
deverá apresentar projeto proposto pelo Conselho de Classe/série para homologação pela
Supervisão de Ensino e Dirigente Regional de Ensino. Ciclo I (1º ao 4º ano) 3 aulas semanais,
Ciclo II (5º ao 8º ano) 2 aulas semanais, no pós-aulas;
- Resolução SE nº 32/05: Altera dispositivos da Resolução SE Nº 15/2005 que dispõe
sobre a recuperação paralela, no Ensino Fundamental das escolas estaduais. Escolas que
atendem em três turnos e/ou curso ciclo II (5º ao 8º ano) noturno poderão desenvolver aulas
de recuperação aos sábados;
- Resolução SE nº 01/06: Dispõe sobre o processo de atribuição de classes, turmas e
aulas de projetos e modalidades de ensino aos docentes do Quadro do Magistério. Estabelece
critérios e procedimentos para o processo de atribuição de classes;
- Resolução SE nº 40/08: Dispõe sobre estudos de recuperação na rede estadual de
ensino. Define, no artigo 1º, recuperação contínua, paralela, intensiva, de ciclo. Afirma e
evidencia que “os indicadores de aprendizagem do aluno evidenciados nas avaliações
externas, principalmente no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo (Saresp), demonstram a necessidade de efetiva ação [recuperação] para melhoria da
qualidade de ensino”.
Art. 1º - A recuperação da aprendizagem constitui mecanismo colocado à
disposição da escola e dos professores para garantir a superação de
dificuldades específicas encontradas pelos alunos durante o seu percurso
escolar e ocorre de diferentes formas, a saber:
I - contínua: a que está inserida no trabalho pedagógico realizado no dia a
dia da sala de aula, constituída de intervenções pontuais e imediatas, em
decorrência da avaliação diagnóstica e sistemática do desempenho do aluno;
II - paralela: destinada aos alunos do ensino fundamental e médio que
apresentem dificuldades de aprendizagem não superadas no cotidiano
escolar e necessitem de um trabalho mais direcionado, em paralelo às aulas
regulares, com duração variável em decorrência da avaliação diagnóstica;
III - intensiva: destinada aos alunos do ensino fundamental e médio que
apresentem necessidade de superar dificuldades e competências básicas
imprescindíveis ao prosseguimento de estudos em etapa subsequente, a
51
ocorrer em períodos previamente estabelecidos e na conformidade dos
procedimentos a serem estabelecidos em ato normativo próprio;
IV - de ciclo: constitui-se em um ano letivo de estudos para atender aos
alunos ao final de ciclos do Ensino Fundamental que demonstrem não ter
condições para prosseguimento de estudos na etapa posterior.(Resolução SE
nº 40/08)
- Resolução SE nº 18/09: Dispõe sobre estudos de recuperação nas escolas da rede
estadual de ensino. Acrescenta no artigo 5º § 4º, aulas de recuperação no “período de recesso
do mês de julho (...) será ampliada para quatro aulas diárias, a fim de atender os alunos que
ainda não têm domínio satisfatório das competências lingüísticas e lógico-matemáticas”.
Reforça a avaliação externa (Saresp) como indicador da aprendizagem do aluno. A Instrução
da Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP), de 26/03/2009, acrescenta que
as aulas de recuperação “poderão ser desenvolvidas antes ou após o término das aulas diárias,
desde que assegurada a regularidade das demais atividades previstas pela escola”;
- Resolução SE nº 93/09: Dispõe sobre estudos de recuperação aos alunos do ciclo II
do ensino fundamental e do ensino médio, das escolas da rede pública estadual. O artigo 3ºe o
artigo 4º desta resolução possibilitavam maior autonomia para a escola organizar os projetos,
além de tornar a jornada do professor da recuperação mais objetiva, passando de 2 aulas na
pré ou pós-aula, como determinavam as resoluções anteriores, para blocos de 10 aulas
organizados de acordo com o projeto. O grande entrave desta resolução foi que os alunos
frequentariam as aulas de recuperação no contraturno, o que dificultou o trabalho da escola e
do professor por várias razões, entre elas: transporte escolar; motivação dos alunos para
retornar à escola no contra-turno; dificuldade de parte dos professores em diversificar a aula
no contra-turno, entre outras.
Artigo 3º - As unidades escolares com classes de ensino regular de ciclo II
do ensino fundamental e/ou de ensino médio passarão a contar com
conjuntos indivisíveis de 10 (dez) aulas de Língua Portuguesa e de 10 (dez)
aulas de Matemática, destinadas ao desenvolvimento das atividades de
recuperação que se fizerem necessárias ao longo do ano letivo, na seguinte
conformidade:
I - escolas com até 15 (quinze) classes, 1 (um) conjunto de cada disciplina;
II - escolas com 16 (dezesseis) a 29 (vinte e nove) classes, 2 (dois) conjuntos
de cada disciplina, e
III - escolas com 30 (trinta) ou mais classes, 3 (três) conjuntos de cada
disciplina.
Artigo 4º (...)
52
Parágrafo único - Caberá à Equipe Gestora, juntamente com os professores
responsáveis pela recuperação, organizar as formas e o tempo de
atendimento necessários à superação das dificuldades dos alunos.
Artigo 5º - o apoio aos alunos do ciclo II e/ou do ensino médio que
necessitem de atendimento específico dar-se-á:
I - prioritariamente, em grupos de alunos do mesmo nível de ensino,
organizados por classe/série, por dificuldades de aprendizagem ou por outros
critérios;
II - em caráter excepcional, e de forma individualizada, para aqueles alunos
que necessitam, temporariamente, de um trabalho específico.(Resolução SE
nº 93/09)
A seguir aprofundaremos a explicação sobre as Resoluções mais recentes: Resolução
SE nº 02/12; Resolução SE nº 74/13 e Resolução SE nº 53/14. Esta última trata sobre a
reorganização do ensino fundamental em regime de progressão continuada e os mecanismos
de apoio escolar (Professor Auxiliar).
- A Resolução SE nº 02/12 que dispõe sobre mecanismos de apoio escolar aos alunos
do ensino fundamental e médio da rede pública estadual, merece destaque. Foi anunciada
como um dos alicerces do programa Educação Compromisso de São Paulo implantado pelo
Governo do Estado em 15 de outubro de 2011 como eixo do projeto que pretende melhorar a
qualidade da educação “para que alcancemos nosso objetivo de posicionar a rede estadual de
ensino entre os 25 melhores sistemas de educação do mundo até 2030”(SEE/Coordenadoria
de Gestão da Educação Básica, 2012).
O Programa “Educação Compromisso de São Paulo” (2011), apresenta cinco eixos
(SÃO PAULO, 2011):
1- Valorizar e investir no desenvolvimento do capital humano;
2- Aprimorar as ações e a gestão pedagógica com foco no resultado dos alunos;
3- Mobilizar, engajar e responsabilizar a rede, os alunos e a sociedade em torno do
processo ensino-aprendizagem;
4- Viabilizar mecanismos organizacionais e financeiros; e
5- Lançar as bases de um novo modelo de escola e um novo regime de carreira do
magistério.
Para viabilizar os eixos 2 e 3 do Programa “Educação Compromisso de São Paulo”, a
Secretaria da Educação publicou a Resolução SE nº 2/12, que dispõe sobre “mecanismos de
apoio escolar aos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública estadual”.
A referida Resolução assim inicia:
O Secretário da Educação, considerando:
53
- o direito de o aluno apropriar-se do currículo escolar de forma contínua e
bem sucedida, nos ensino fundamental e médio;
- a pluralidade de características e de ritmos de aprendizagem dos alunos no
percurso escolar;
- a necessidade de atendimento à diversidade de demandas apontadas nos
diferentes diagnósticos escolares;
- a importância da adoção de alternativas operacionais diversificadas que
promovam aprendizagens contínuas e exitosas; e
- a importância de mecanismos de apoio que subsidiem a atuação do
professor nas suas atribuições de organização, desenvolvimento,
acompanhamento e avaliação do ensino e da aprendizagem do aluno,
resolve:(Resolução SE nº 2/2012)
Apresentamos quadro resumo da Resolução SE nº 2/12
Quadro I. Síntese da Resolução SE nº 2/12
Artigo 3º
(Resolução SE
nº 2/12)
Estabelece
duas formas
de
Recuperação
RECUPERAÇÃO
CONTÍNUA
I – Recuperação Contínua,
com atuação de Professor
Auxiliar (PA) em classe regular
do ensino fundamental e médio,
em conjunto com o professor da
turma;
RECUPERAÇÃO INTENSIVA
II – Recuperação Intensiva no ensino fundamental, constituindo
classes (RI) em que se desenvolverão atividades de ensino
diferenciadas e específicas
I - docente titular de cargo, que
se encontre na situação de adido,
sem
descaracterizar
essa
condição, ou a título de carga
suplementar de trabalho;
Quem pode
ser Professor
Auxiliar
(PA)?
II - docente
ocupante de
funçãoatividade,
(categoria
F),
para
composição
ou
complement
ação de sua
carga
horária de
trabalho;
III
candidatos à
contratação
temporária.
Somente poderá
haver atribuição,
como Professor
Auxiliar,
na
comprovada
inexistência
de
classe ou de aulas
que lhes possam
ser atribuídas, no
processo regular
de atribuição, em
nível de unidade
e Diretoria de
Ensino.
Estrutura-se em quatro etapas:
Como?
1- classe do 4º ano, constituída por alunos
que, após os 3 (três) anos anteriores,
continuem demandando mais oportunidades
de aprendizagem...
2- organizada como classe do 5º ano,
constituída por alunos que necessitem de
estudos específicos, na seguinte
conformidade:
alunos
alunos que apresentem, ao
egressos do 4º
término do 5º ano,
ano que
resultados insatisfatórios
continuem
que impliquem a
demandando
necessidade de frequentar
mais
mais 1 (um) ano letivo,
oportunidades
podendo, de acordo com o
de
diagnóstico de suas
aprendizagem.. dificuldades,integrar uma
.
classe de RI ou uma classe
regular de 5º ano...(média
20 alunos por sala)
3- organizada como classe do 7º ano,
constituída por alunos que, egressos do 6º
54
ano, continuem demandando mais
oportunidades de aprendizagem...
4- organizada como classe do 9º ano,
constituída por alunos que necessitem de
estudos específicos, na seguinte
conformidade:
alunos
alunos que apresentem, ao
egressos do 8º
término do 9º ano,
ano que
resultados insatisfatórios
continuem
que impliquem a
demandando
necessidade de frequentar
mais
mais 1(um) ano letivo,
oportunidades
podendo, de acordo com o
de
diagnóstico de suas
aprendizagem.. dificuldades,integrar uma
.
classe de RI ou uma classe
regular de 9º ano... (média
20 alunos por sala)
Qual a função
do Professor
Auxiliar?
Como?
Critérios sobre
número
mínimo de
alunos em sala
de aula para
comportar
Professor
Auxiliar
...terá como função precípua
apoiar o professor responsável
pela classe ou disciplina no
desenvolvimento de atividades
de ensino e de aprendizagem, em
especial as de recuperação
contínua, oferecidas a alunos dos
ensinos fundamental e médio,
com vistas à superação de
dificuldades.
...ouvido o professor responsável
pela classe ou disciplina,
simultaneamente às atividades
desenvolvidas no horário regular
de aula, mediante atendimento
individualizado ou em grupo,
que
propicie
condições
necessárias ao aluno para
aprender nas situações de ensino
asseguradas à classe.
Mínimo de 25 alunos no ensino
fundamental
Mínimo de 30 alunos no ensino
médio
- Nos anos iniciais do ensino
fundamental até 10 aulas em
cada classe;
Número de
aulas para
atuação do
Professor
Auxiliar
- Nos anos finais do EF e no EM
poderão contar com até 3 (três)
Professores Auxiliares e poderão
ser desenvolvidas em até 3 (três)
aulas semanais por classe e no
horário regular de aula. Três
aulas semanais por classe
Quem indica os
alunos para RI?
Professores indicam no Conselho Final
Quem assume a
turma no ano
seguinte?
Professores, na ocasião do Conselho Final,
poderão ser indicados a assumir a turma no
ano seguinte.
Como é a
atribuição de
aulas das turmas
de RI?
A quem compete
à montagem das
turmas de RI?
A atribuição de classes e de aulas de
recuperação intensiva dar-se-á conforme as
regras do processo regular de atribuição de
classes e aulas.
Caberá à equipe gestora, ouvido o professor
da classe ou da disciplina, decidir sobre a
utilização dos mecanismos de apoio escolar,
de que tratam os incisos I e II do artigo 3º,
em reunião do Conselho de Classe/Ano, com
parecer do Supervisor de Ensino da unidade
escolar e homologação do Dirigente Regional
de Ensino.
55
divididas por até três disciplinas.
Máximo 30 aulas semanais, mais
ATPC.
- A Resolução SE nº 74/13 dispõe sobre a reorganização do Ensino Fundamental em
Regime de Progressão Continuada.
Em 02 de outubro de 2014 a Resolução SE nº 53/14 revoga as Resoluções SE nº 02/12
e a Resolução SE nº 74/13.
- Resolução SE nº 53/14: Dispõe sobre a reorganização do ensino fundamental em
regime de progressão continuada e sobre os mecanismos de apoio escolar aos alunos dos
ensinos fundamental e médio nas escolas estaduais. Esta Resolução é um agrupamento das
Resoluções SE nº 02/12 e SE nº 74/13.
Para o nosso propósito, que discute a questão dos projetos de recuperação de
aprendizagem e da reprovação escolar, essa resolução é fundamental. Apresentamos os
Artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução SE nº 53/14:
56
Quadro II. Artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução SE nº 53/14
Rede Estadual de Ensino de São Paulo - Resolução SE nº 53/14.
Grifos meus.
Artigo 4º - Os Ciclos de Aprendizagem, compreendidos como espaços temporais interdependentes e
articulados entre si, definem-se ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental, na seguinte conformidade:
I - Ciclo de Alfabetização, do 1º ao 3º ano;
II - Ciclo Intermediário, do 4º ao 6º ano; e
III - Ciclo Final, do 7º ao 9º ano.
Artigo 5º - O Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano) tem como finalidade propiciar aos alunos a
alfabetização, o letramento as diversas formas de expressão e de iniciação ao aprendizado de Matemática,
Ciências, História e Geografia, de modo a capacitá-los, até o final deste Ciclo, a fazer uso da leitura, da
linguagem escrita e das diversas linguagens utilizadas nas diferentes situações de vida, dentro e fora do
ambiente escolar.
§ 1º – Ao final do 3º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades previstas
para o Ciclo de Alfabetização, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer por mais um ano
neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 2º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no Ciclo de
Alfabetização, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo Intermediário.
Artigo 6º - O Ciclo Intermediário (4º ao 6º ano) tem como finalidade assegurar aos alunos a continuidade e
o aprofundamento das competências leitora e escritora, com ênfase na organização e produção escrita, em
consonância com a norma padrão, nas diferentes áreas de conhecimento.
§ 1º – No 4º e no 5º anos do Ciclo Intermediário, o ensino será desenvolvido, predominantemente,
por professor regente de classe e, a partir do 6º ano, por professores especialistas nas diferentes disciplinas
do currículo.
§ 2º – Caberá à equipe gestora e aos professores que atuam no Ciclo Intermediário promover
condições pedagógicas que assegurem aprendizagens necessárias à transição do ensino desenvolvido por
professor regente de classe e do desenvolvido por docentes especialistas.
§ 3º – Ao final do 6º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades previstas
para o Ciclo Intermediário, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer por mais um ano neste
Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 4º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no Ciclo
Intermediário, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo Final.
Artigo 7º - O Ciclo Final (do 7º ao 9º ano) tem como finalidade assegurar a consolidação das aprendizagens
previstas para este Ciclo, contemplando todo o currículo escolar estabelecido para o Ensino Fundamental.
§ 1º - Os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, promovidos em regime de progressão parcial,
com pendência em até 3 (três) disciplinas, poderão iniciar a 1ª série do Ensino Médio, desde que tenham
condições de se apropriar, concomitantemente, dos conteúdos das disciplinas pendentes do Ensino
Fundamental e das disciplinas da 1ª série do Ensino Médio.
§ 2º - Ao final do 9º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades previstas
para o Ciclo Final, na forma a que se refere o caput deste artigo, deverá permanecer por mais um ano
neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 3º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no Ciclo
Final, deverá concluir o Ensino Fundamental.
O que observamos nos artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução SE nº53/14 é a divisão do
ensino fundamental emtrês etapas de três anos cada, onde pode haver reprovação ao final de
57
cada uma das etapas. Entendemos que, por possibilitar reprovação do aluno, durante o percurso
no ensino fundamental, o termo ciclo não é adequado, por isso, utilizamos o termo etapa.
Na rede estadual o aluno que for reprovado, dentro do que a legislação prevê, completará
o ensino fundamental em 12 anos se, com otimismo ingênuo, não houver evasão como resultado
das reprovações, contrariando a meta 2 do Plano Nacional de Educação – Lei nº
13.005/14:“universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6
(seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos
concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PNE”.
A Resolução SE nº 53/14 mantém a expressão “deverá permanecer por mais um ano
neste ciclo” que, no nosso entendimento, reafirma que a escola poderá reprovar os alunos ao
final do Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano), ao final do Ciclo Intermediário (4º ao 6º ano) e
ao final Ciclo Final (7º ao 9º ano), o que contraria inclusive, no caso do Ciclo de
alfabetização, Parecer do Conselho Nacional CNE/CEB nº 11/10 e a Resolução CNE/CEB nº
07/10, que recomendam que os primeiros anos do ensino fundamental sejam organizados sem
reprovação escolar:
Artigo 30 § 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua
autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os
três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um
ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos
os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das
aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos.
(RESOLUÇÃO CNE/CEB nº 7/10, grifos meus.)
Entendemos que “não passível de interrupção” significa dizer que no 1º, 2º e 3º anos
do Ensino Fundamental não poderá haver reprovação de alunos.
Legislar em educação com a perspectiva de que o aluno “deverá permanecer por
mais um ano”, como estabelecido na resolução SE nº 53/14, é reafirmar o sintomático papel
da escola seletiva e a negação do direito humano à educação.
58
CAPÍTULO 3
MÉTODO
As contribuições da teoria sócio-histórica para compreensão do fenômeno educativo
Entre as explicações, acríticas e ingênuas, comumente utilizadas para justificar a
reprovação e o abandono escolar está a de que os alunos foram incapazes de aprender e suas
famílias não acompanharam a vida escolar de seus filhos.
Também de maneira ingênua atribuímos à escola a solução dos problemas sociais dos
mais diversos, como se a escola fosse a redentora dos problemas sociais, e capaz de resolver
tais problemas por meio de pretensos projetos e programas difundidos por governos e pela
iniciativa privada. A ideia da escola redentora da sociedade foi assim anunciada por Luckesi
como uma das tendências interpretativas sobre a função e o papel da escola e da educação:
A primeira das tendências – a tendência redentora - concebe a sociedade
como um conjunto de seres humanos que vivem e sobrevivem num todo
orgânico e harmonioso, com desvios de grupos e indivíduos que ficam à
margem desse todo. Ou seja, a sociedade está “naturalmente” composta com
todos os seus elementos; o que importa é integrar em suas estruturas tanto os
novos elementos (novas gerações), quanto os que, por qualquer motivo, se
encontram à sua margem. Importa, pois, manter e conservar a sociedade,
integrando os indivíduos no todo social. (LUCKESI, 1994, p.38)
A escola vista como redentora dos problemas sociais é uma forma de tratar o
complexo fenômeno da educação, a retenção e a evasão escolar, de forma reducionista.
Os reducionismos têm no liberalismo seu alicerce. O liberalismo, fundamento
ideológico do capitalismo, tem o individualismo como um dos conceitos fundamentais para
justificar e interpretar a sociedade e definir o indivíduo. É este conceito fundamental do
liberalismo, o individualismo, que tem alimentado as interpretações reducionistas sobre
educação. Sobre o individualismo Bock escreveu:
O individualismo, como valor subjacente à doutrina liberal, acredita terem os
homens propriedades universais e os indivíduos, em sua particularidade,
características e atributos diversos, e é de acordo com eles que ficam
determinados seus lugares sociais. O indivíduo escolhe, dedica-se e
responsabiliza-se pelo desenvolvimento desses atributos, que são, na
59
verdade, seu potencial, potencial este que deve encontrar condições ideais
para seu desenvolvimento. Dadas as condições sociais adequadas, o
indivíduo torna-se o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso.
(BOCK, 1999, p.39)
Focalizar no indivíduo a responsabilidade pelo seu fracasso ou sucesso no processo de
escolarização tem sido a tônica das organizações escolares, dos currículos, dos métodos e das
avaliações da aprendizagem. A escola, da forma como tem sido organizada, tem-se justificado
através do caráter seletivo das suas práticas, representando aquilo que é determinado pelas
estruturas econômicas e sociais do modelo capitalista: o mérito pessoal, a responsabilização
individual e a ética do mercado.
As organizações escolares preconizam o ajuste dos alunos fracassados ao modelo
existente sem questionar as práticas escolares e tão pouco questionam as estruturas
econômicas e sociais do modelo capitalista e as políticas públicas subjacentes desta
organização do Estado que, em tese, deveria garantir o direito à educação.
Em anos de prática em sala de aula e na gestão escolar na rede estadual de São Paulo
observamos que os alunos reprovados ou encaminhados para os projetos de recuperação da
aprendizagem, nas suas formas mais variadas, são os apontados como aqueles que não
aprendera‟, que não dominaram determinado conteúdo tradicionalmente estabelecido, que
não alcançaram determinado resultado.
Em estudo recente Caldas aponta a seguinte contradição apresentada pelos
participantes do estudo que realizou:
Contraditoriamente, embora haja nos discursos de quase todos os
participantes clareza a respeito das falhas estruturais e do impedimento da
concretização eficaz de políticas públicas ou de medidas educacionais,
como a recuperação, a responsabilização pelos resultados insatisfatórios
continua recaindo sobre os indivíduos (ora alunos, ora suas famílias, ora
professores) (CALDAS, 2010, p.215)
As escolas elaboram suas práticas e se organizam em relação à aprendizagem e ao
conhecimento humano em um arcabouço teórico positivista.
Bock, explicando o materialismo histórico e dialético, escreve que o positivismo pode
ser apresentado, de forma simplificada, a partir de três ideias principais:
Os fenômenos humanos e sociais são regulados por leis naturais que
independem da ação do homem;
60
Se esses fenômenos são regulados por leis naturais, devemos então utilizar
métodos e procedimentos das ciências naturais para desvendar essas leis;
Também segundo o modelo das ciências naturais, as ciências humanas e
sociais devem orientar-se pelo modelo da objetividade científica.
Para o positivismo, é possível, com esforço e método, construir
conhecimento, deixando de fora os interesses e valores sociais. (BOCK,
2011,p.32)
A naturalização das relações humanas se constitui a partir da noção de natureza
humana, da interpretação positivista dos fenômenos sociais. O fenômeno educativo é então
naturalizado e as decorrências analisadas como ahistóricas.
As sociedades se organizam de diferentes formas e a educação é a ação social,
objetiva, organizada e sistematizada, que corresponde ao projeto social predominante, no
caso, o capitalismo.
Contraditoriamente é, também na escola que o conhecimento historicamente
produzido e as possibilidades de modificá-los ou perpetuá-los como imutáveis e definidos
podem se dar.
Entendemos a escola e a educação na perspectiva de fenômeno educativo complexo
que,se por um lado reproduz a ordem instituída, por outro carrega contradições e
possibilidades de transformação.
Neste caminho o papel do aluno e do professor ultrapassa o simples ato de
ensinar/aprender. Aluno e professor são seres humanos que se apropriam da experiência
cultural da humanidade e intervêm no mundo como sujeitos históricos determinados
dialeticamente. A educação é uma produção histórica e um ato político (FREIRE,2002).
É nesta perspectiva, da teoriasócio-histórica que se sustenta nos pressupostos
filosóficos, teóricos e metodológicos do materialismo histórico e dialético desenvolvidos por
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), que acreditamos ser possível
transformar radicalmente este modelo de educação que se restringe ao conhecimento como
algo imutável e determinante.
Para melhor compreendermos o método desenvolvido por Karl Marx para o estudo da
sociedade burguesa, recorremos ao que Engels escreveu em 1890 no clássico Do socialismo
utópico ao socialismo científico:
A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com
ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as
61
sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e
juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é
determinada pelo que a sociedade produz e como produz e pelo modo de
trocar os seus produtos. De conformidade com isso, as causas profundas de
todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem
ser procuradas nas cabeças dos homens nem na ideia que eles façam da
verdade eterna ou da eterna justiça, mas nas transformações operadas no
modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na
economia da época que se trata. (ENGELS,1986, p.54)
Aguiar e Bock afirmam que o materialismo histórico e dialético ultrapassa a
dicotomização positivista entre sujeito e objeto:
O materialismo histórico e dialético buscou superar a dicotomia; pensou a
relação sujeito e objeto como uma relação dialética; pensou a relação do
pesquisador com a realidade a ser conhecida de forma distinta; incorporou a
contradição e o movimento da realidade como princípios. (AGUIAR;
BOCK, 2011,p.159)
E o método na perspectiva da teoria sócio-histórica é:
Entendido, para além de sua função instrumental, como algo que nos permite
penetrar no real, objetivando não só compreender a relação sujeito-objeto,
mas a própria constituição do sujeito, produzindo um conhecimento que se
aproxime do concreto, síntese de múltiplas determinações. (AGUIAR;
BOCK, 2011, p.163)
A psicologia sócio-histórica oferece metodologia para compreensão deste movimento
de contradições na sala de aula e no interior da escola, nas práticas escolares e nos fazeres
pedagógicos. Possibilita superar certas dicotomizações inauguradas com ideário positivista do
século XVIII e XIX e ainda presente nas análises sobre escola e educação.
Nesta perspectiva entendemos que a teoria sócio-histórica possibilita compreensão da
escola real, da sua dinâmica e cultura e do homem como sujeito concreto que,se por um lado é
afetado e constituído nas e pelas relações de dominação, também é capaz de, como sujeito
histórico, intervir e mudar a realidade. Deste modo, verifica-se que tal perspectiva teórica
nega o pensamento educacional liberal e as práticas pedagógicas centradas nos reducionismos
e no individualismo manifesto na ideia do esforço/sucesso pessoal que justificam a
reprovação e o abandono escolar como responsabilidade única e individual. Assim, a
62
abordagem sócio-histórica oferece possibilidade de análise crítica do fenômeno educativo, da
escola real que temos.
A noção de categoria é elemento essencial na constituição do método, “é o
pensamento categorial e teórico que permitirá o acesso às determinações do fenômeno”
(AGUIAR; BOCK, 2011,p.163).
Entendemos categorias de análise como abstração do real, como constructos
abstrato/intelectivos (AGUIAR;BOCK,2011, p.163) que pretendem explicar os movimentos
da realidade. As categorias de análise buscam explicar o movimento da realidade no empírico,
articulando com o todo dialeticamente.
As categorias de análise na perspectiva sócio-histórica não são conceitos, são
orientadoras de análise que “devem dar conta de explicitar, descrever e explicar o fenômeno
estudado em sua totalidade” (AGUIAR, 2011, p.95)
A construção das categorias de análise tem a intenção de explicar o movimento do
real, assim, constitui um tipo de explicação que vai para além da aparência, já capta as
determinações, os movimentos de contradição.
Recorremos a Netto para reafirmar que as categorias de análise da teoria sóciohistórica têm alicerce fundado na teoria social e metodológica de Marx.
A orientação essencial do pensamento de Marx era de natureza ontológica e
não epistemológica (Lukács,1979): por isso, o seu interesse não incidia sobre
um abstrato „como conhecer‟, mas sobre „como conhecer um objeto real e
determinado‟ – Lennin, aliás, sustentava, em 1920, que o espírito do legado
de Marx consistia na „análise concreta de uma situação concreta‟ (NETTO,
2011, p. 27)
...o método de Marx não resulta de operações repentinas, de intuições geniais
ou de inspirações iluminadas. Antes, é o produto de uma longa elaboração
teórico-científica, amadurecida no curso de sucessivas aproximações ao seu
objeto (NETTO, 2011, p.28)
Entre as categorias de análise da teoria sócio-histórica entendemos que a categoria
Mediação, a categoria Historicidade e a categoria Significações são decisivas para apreensão
das significações que professores dos anos finais do ensino fundamental atribuem aos projetos
de recuperação da aprendizagem na rede estadual paulista.
A seguir definiremos as categorias de análise Mediação; Historicidade e Significações.
É fundamental o entendimento de que as categorias de análise se completam, não são
63
independentes, ao contrário,articulam-se para entendermos a complexa e contraditória
realidade do fenômeno estudado.
Mediação
A categoria mediação é uma categoria metodológica que dá rumo às demais, que
articula e explicita o fenômeno permitindo entender o sujeito social e individual na sua
relação com o mundo e suas contradições. Na definição de Aguiar e Machado é:
... aquela que possibilita uma análise não dicotômica da realidade,
permitindo a apreensão da dialética objetivo-subjetivo, externo-interno,
afetivo-cognitivo etc., evitando-se posições que tornam um dos polos da
relação e o pensam de forma isolada, constituindo-se a si próprio.
(AGUIAR; MACHADO, 2012, p.29)
A categoria mediação possibilita a superação das visões naturalizantes,permite
superarmos as interpretações estáticas, metafísicas, apresentadas em análises sobre o
fenômeno educativo. O fato analisado, a partir da categoria da mediação, oferece o estudo do
fenômeno e sujeitos dentro de sua dialeticidade e das contradições que os constituem.
Os homens se constituem na relação com o mundo material. Essa relação, dialética e
histórica, de mediação com o mundo material é fundamental para compreender o sujeito em
sua totalidade, sem perder sua individualidade.
As categorias de análise explicam algo fundamental para o materialismo dialético, a
não dicotomização do fenônemo e a superação do monismo,em que múltiplo e uno constituem
uma unidade, mas não são iguais. A categoria mediação permite entender como professor,
aluno, escola e as políticas públicas constituem relações individuais em que um constitui o
outro.
Historicidade
A educação é um fenômeno social constituído historicamente pelos homens na sua
atividade e pela sua atividade, articulando e desarticulando aspectos internos e externos
dialeticamente, é fenômeno complexo.
64
Sujeito e sociedade constituem o processo histórico, produzem e reproduzem ideias,
conceitos, formas de organização política e institucional. São históricos, produzidos e
reproduzidos no movimento da realidade.
Marx quer dizer que o estudo de qualquer fenômeno da realidade
implica compreendê-lo a partir de e na realidade concreta de que é
parte, e não compreendê-lo abstraindo-se essa realidade, retirando-o
dela como se o fenômeno dela independesse.(ANDERY; SÉRIO,
2007, p.418)
Vygotsky (1194; 2001) tem no pensamento marxista sua base teórica e desenvolve em
seus estudos a ideia do comportamento humano. Entende o comportamento humano como
fenômeno histórico socialmente determinado. A relação indivíduo/sociedade é uma relação de
interação dialética do homem com seu meio cultural. A cultura é elemento fundamental neste
processo de constituição do sujeito neste processo dialético.
As sociedades modernas têm na educação escolar sua principal forma de transmissão
de cultura. De forma geral denominamos de educação todo processo de transmissão cultural
que as diferentes sociedades produzem. Laraia afirma:
O homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é herdeiro
de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a
experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam. A
manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as
inovações e invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um
gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade. (LARAIA,
2004, p.45)
A educação, em sentido amplo, corresponde ao “esforço de toda uma
comunidade”para que seus membros conheçam, participem e reelaborem criticamente todo o
patrimônio histórico cultural produzido pelas sociedades.
A educação, especificidade humana, é um ato de intervenção no mundo. A escola é
composta de seres humanos que transformam e são transformados pelo trabalho e suas
relações sociais. Paulo Freire sintetiza em um dos seus escritos:“Lido com gente não com
coisas” (FREIRE,2002, p.163), e completa:
Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me
comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da
65
mulher enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da
decisão, da ruptura, da opção. (FREIRE, 2002,p.146)
Aguiar e Machado (2012, p.30), apoiadas em Vygotsky, observam duas dimensões da
historicidade: a “dialética geral das coisas” no seu sentido geral, e a “história humana”, no
sentido restrito. Observam ainda que as duas dimensões se constituem dialeticamente. A
“dialética geral das coisas” contraria a ideia da história tradicional, a história factual como
uma sucessão de feitos e grandezas organizados cronologicamente, mas sim como
“movimento que expressará sempre as condições objetivas de um determinado momento
histórico e, nesta medida, as contradições presentes nesse momento” (ANDERY; SÉRIO,
2007, p.407). A história humana é a história do homem, sua história e a relação com outros
homens, transformando e sendo transformado.
Bock e Gonçalves tratam a historicidade como noção básica da Psicologia SócioHistórica, “o que significa ter como ponto de partida a concepção de que todos os fenômenos
humanos são produzidos no processo histórico de constituição da vida social.” (BOCK;
GONÇALVES, 2009, p.138).
Pensar a educação como fenômeno complexo exige “reconhecer a produção do
fenômeno a partir da materialidade e da historicidade das relações sociais” (BOCK;
GONÇALVES, 2009, p. 151).
Significações
Entendemos a categoria significação como fundamental para os objetivos do nosso
trabalho: apreensão das significações que professores dos anos finais do ensino fundamental
atribuem aos projetos de recuperação da aprendizagem na rede estadual paulista.
Os homens, compreendidos em sua historicidade, constituídos dialeticamente na
mediação entre o social e o individual, são seres que se comunicam, interagem e socializam
suas experiências de vida, detrabalho, familiares e escolares. É por meio das
significações,articulação de sentidos e significados, que constituem processo cognitivo e
afetivo que se comunicam e socializam suas experiências individuais e sociais, são produtos
da história humana. Seguindo a lógica dialética, destacamos que sentidos e significados,
apesar de comporem uma unidade, são entendidos como unidade de contrários. São duas
categorias que se constituem mutuamente, sem serem iguais, mantendo tensão dialética entre
si. O significado é uma generalização que se refere a um objeto produzido pelos homens e que
oferece a possibilidade de comunicação e mediação. O sentido é a articulação dos eventos
66
subjetivos constituídos pelosujeito frente a algum fenômeno. Nesta perspectiva o homem é
entendido como único, singular e histórico, pois em todas as suas expressões revela o social, a
história, a cultura convertidos em produções singulares. Assim, ao mesmo tempo em que
expressa o social, também revela sua singularidade, produz o novo, cria e recria significados
sociais e sentidos subjetivos.
Nesta relação em que um constitui o outro, o social constitui o indivíduo e o indivíduo
constitui o social, os significados e sentidos são mediadores das relações historicamente
construídas. Neste trabalho utilizamos a categoria significação por ser formada pelas
categorias sentido e significado que são distintas, porém, não podem ser compreendidas
isoladamente.
Para os propósitos deste trabalho,que trata sobre o que pensam professores dos anos
finais do Ensino Fundamental sobre os projetos de recuperação de aprendizagem e às questões
relativas ao direito à aprendizagem, a categoria significações é fundamental, pois permite
recriar significados sociais e sentidos subjetivos das relações historicamente construídas por
esses professores sobre a escola, a educação, a sociedade, os alunos e seu papel neste
processo.
A análise, por meio das significações que professores atribuem aos projetos de
recuperação de aprendizagem, pretende não só constatar a relação apontada, mas explicitar os
processos constitutivos, discutir o como isto ocorre, criando melhores condições de
pensarmos e analisarmos a realidade, de aprendermos os processos educativos para além de
sua aparência enganosa, e isto, segundo Vygotsky é fazer ciência.
3.1 A escolha metodológica: A pesquisa de abordagem qualitativa
A entrevista semiestruturada foi o instrumento para produção de dados nesta pesquisa
de abordagem qualitativa.
O fato de ser Supervisor de Ensino na rede estadual de ensino de São Paulo e, nos
últimos vinte anos, ter atuado como professor, coordenador pedagógico e diretor de escola,
permitiu um conhecimento mais apurado das realidades escolares e da atuação dos
professores em suas variáveis dentro do processo educativo e do fenômeno maior das políticas
67
públicas em educação. Fato que permitiu fusão entre o instrumento utilizado, a entrevista
semiestruturada, e a experiência profissional deste pesquisador.
Construímos um roteiro de entrevista que apresentamos no exame de qualificação.
(apêndice1)
A partir deste roteiro entrevistamos uma professora que ministrava aulas de
Matemática nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
A escola em que a professora ministrava aulas localiza-se na zona norte da cidade de
São Paulo. A escolha por essa escola foi aleatória no site da Diretoria de Ensino a qual
pertencia. A escolha da professora foi por indicação do Diretor da escola.
O atendimento da escola e da professora a este pesquisador foi positivo e agradável.
Foi disponibilizado espaço na biblioteca para realizarmos a entrevista que durou
aproximadamente 25 minutos. A escola encontrava-se em reforma geral e a biblioteca estava
desorganizada e desativada. A entrevista ocorreu normalmente. Transcrita a entrevista
observamos que foi pouco significativa para os objetivos a que nos propúnhamos.
Para essa entrevista inicial optamos por informar que este pesquisador atuava também
como Supervisor de Ensino na rede estadual, apesar do dilema ético em que nos
encontrávamos, pois, sabemos que historicamente a figura do Supervisor de Ensino que, ora
evidencia-se como fiscalizador do Estado e ora como agente pedagógico, ainda mantém no
imaginário docente a ideia do antigo Inspetor Escolar. (PARO, 1996; LIBÂNEO, 2004).
Pretendíamos realizar entrevistas com número maior de professores do chamado ciclo
II do ensino fundamental6, mas observamos que um universo maior de professores não seria
representativo para os objetivos da tese, fato confirmado no exame de qualificação pela Banca
Examinadora.
O que nos levou à decisão, de não entrevistar muitos professores, foi o fato de que
nesta entrevista com a professora, em que utilizamos o roteiro como orientador do nosso
trabalho, retomamos o ensinamento de André (2005) e verificamos que não seria um grande
número de participantes da pesquisa que traria qualidade aos dados e informações produzidos,
mas sim a flexibilidade do pesquisador, a compreensão do fenômeno estudado e a cadeia de
relações deste pesquisador com o tema.
6
O ciclo II correspondia aos quatro últimos anos do Ensino Fundamental organizado em oito anos na rede
estadual de ensino de São Paulo.
68
Subjacente ao uso dessas técnicas etnográficas existe o princípio da
interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado, princípio esse
que determina fortemente a segunda característica da pesquisa do tipo
etnográfica, ou seja, que o pesquisador é o instrumento principal na coleta e
análise dos dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o
pesquisador. O fato de ser uma pessoa o põe numa posição bem diferente de
outros tipos de instrumentos, porque permite que ele responda ativamente às
circunstâncias que o cercam, modificando técnicas de coleta, se necessário,
revendo as questões que orientam a pesquisa, localizando novos sujeitos,
revendo toda a metodologia ainda durante o desenrolar do trabalho.
(ANDRÉ, 2005, p. 28-29)
A convivência, a aproximação com professores, a experiência construída
coletivamente nas escolas e na Diretoria Regional de Ensino (DRE) e a prática docente como
professor durante anos na Educação Básica e, nos últimos anos, no Ensino Superior, foram
fundamentais para construção de um novo roteiro de entrevista. O roteiro de entrevista foi
refeito com a intencionalidade de provocar reflexões mais amplas sobre nosso objeto de
estudo: Como os projetos de recuperação deaprendizagem e as questões relativas ao direito à
aprendizagem têm sido apreendidos pelos professores dos anos finais do ensino fundamental.
As questões, nesse caso, deverão ser formuladas de forma a permitir que o
sujeito discorra e verbalize seus pensamentos, tendências e reflexões sobre
os temas apresentados. O questionamento é mais profundo e, também, mais
subjetivo, levando ambos a um relacionamento mais recíproco, muitas vezes,
de confiabilidade. Frequentemente, elas dizem respeito a uma avaliação de
crenças, sentimentos, valores, atitudes, razões e motivos acompanhados de
fatos e comportamentos. Exigem que se componha um roteiro de tópicos
selecionados. As questões seguem uma formulação flexível, e a sequência e
as minúcias ficam por conta do discurso dos sujeitos e da dinâmica que
acontece naturalmente. (ARNOLDI; ROSA, 2006, p. 30-31)
Este segundo roteiro foi assim organizado a partir dos seguintes temas:
Apresentação do pesquisador
Sobre os seus alunos
Sobre a aprendizagem dos alunos
Os projetos de recuperação e o professor auxiliar
Promoção e retenção escolar
A organização da escola para atender os alunos
69
Questões sociais e aprendizagem
Seriação, progressão continuada e ciclos de aprendizagem
Seletividade escolar e inclusão escolar
Participação dos professores, alunos e comunidade na escola
Políticas públicas em educação na rede estadual de ensino de São Paulo
Direito à aprendizagem
Direito à educação
(Roteiro de entrevista, 05/02/2014)
3.2
O percurso de entrada no campo de pesquisa: as escolas e os professores participantes
Definido o roteiro para entrevista semiestruturada escolhemos duas escolas da zona
norte da Cidade de São Paulo através do site da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo (www.educacao.sp.gov.br). A escolha destas duas escolas foi intencional. Procuramos,
para ampliar a possibilidade de análise, escolas que atendem grande número de alunos e
professores e pela disposição do prédio escolar. Descrevemos a seguir as escolas denominadas
Escola Caminho e Escola Alegria7.
A Escola Caminho
A Escola Caminho, criada na década de 1990, atende crianças e adolescentes dos anos
finais do ensino fundamental (6º, 7º, 8º e 9º) e ensino médio8 e localiza-se em bairro
residencial, mas em avenida movimentada com comércio local, comércio informal e empresas
de transporte de cargas.
A maioria dos alunos e suas famílias moram no próprio bairro e, aproximadamente,
600 alunos dos períodos da manhã e tarde residem em bairros adjacentes e são atendidos pelo
programa de transporte escolar.
A comunidade, em geral, é composta de trabalhadores sem elevada qualificação
profissional. As residências no entorno não têm acabamento concluído, são de alvenaria e em
muitos casos são cobertas por telhados frágeis que acumulam calor. Os bairros adjacentes são
marcados por ruas estreitas e as casas construídas sem planejamento em áreas de ocupação
7
O nome das escolas é fictício para preservar o sigilo.
Neste estudo utilizamos a terminologia ensino fundamental de nove anos e ensino médio organizado
em três séries anuais.
8
70
popular, resultante da crise habitacional e da marcante desigualdade econômica e social que
impera no país mesmo com os tímidos avanços das últimas décadas.
Sem diferença dos demais centros urbanos a violência social contra mulheres, jovens e
crianças é marcante. O bairro também é caracterizado pelo alto índice de violência entre os
jovens, segundo os professores entrevistados.
Em relação aos aspectos físicos da Escola Caminho pudemos observar o cuidado da
equipe escolar em manter a limpeza e a organização dos espaços. Porém, o excesso de grades
e portões causa constrangimento na entrada principal. Para termos acesso ao balcão da
secretaria escolar que, por sua vez, é gradeado e tem vidro temperado o que não permite
aproximação direta entre atendentes e atendidos, é preciso passar antes por um portão
gradeado e automático.
Por ser uma construção relativamente nova possui dois andares e não existe nenhuma
área verde ou espaço de convivência, que no entendimento deste pesquisador é fundamental
para a organização de um ambiente educativo.
O quadro III apresenta o tipo de atendimento e número de alunos;o quadro IV os
profissionais da educação e o quadro V a estrutura física da Escola Caminho.
Quadro III. Escola Caminho – Tipo de atendimento e número de alunos
Escola Caminho
18 salas de aula,
6º
46turmas e 1.670
alunos.
Manhã
Tarde
Noite
5
turmas
182
alunos
-
Ensino Fundamental
7º
Ensino Médio
8º
9º
1º
2º
3º
-
-
7 turmas
242
alunos
5 turmas
196
alunos
4 turmas
142
alunos
2 turmas
76 alunos
6
turmas
194
alunos
-
7 turmas
243
alunos
-
-
-
-
-
-
1 turma
42 alunos
5 turmas
192
alunos
4 turmas
161
alunos
Fonte: Secretaria da Escola Caminho.
71
QuadroIV. Escola Caminho – Quadro de profissionais da educação.
Escola Caminho - Total de 102 profissionais da educação
Professores
Agentes de
Organização Escolar
1 Diretor de Escola
Português e Inglês
08 titulares
designado
08 titulares
07 “F9”
2 vices-diretores
Matemática
01 designado Gerente
designados
05 titulares
de Organização Escolar
07 “F”
1 professor coordenador
História
03 contratados de forma
de apoio à gestão
03 titulares
precária por um ano.
pedagógica
02 “F”
2 professores
Geografia
coordenadores designados 02 titulares
03 “F”01 “O10”
2 professores mediadores
Biologia e Ciências
designados
03 titulares
02 “F”02 “O”
2 professores na sala de
Física/Química
leitura designados
01 titulares
02 “F”02 “O”
3 professoras readaptadas Educação Física
pelo Departamento de
03 titulares
Perícias Médicas do
Estado de São Paulo
Artes
02 titulares
01 “F”
Filosofia/Sociologia
01 titulares
02 “F”
04 professores auxiliares de português
02 professores auxiliares de
matemática
04 professores substitutos
(Projeto
de
Apoio
à
Aprendizagem)
Gestores
Terceirizados
03
merenderias
04 serventes
de escola
-
-
-
-
-
-
-
-
Fonte: Secretaria da Escola Caminho.
9
Professores “F” regidos pela Lei Complementar nº 1.093/2008 que garante estabilidade aos professores que já
eram Admitidos em Caráter Temporário (ACT) antes de 2008.
10
Professores “O”.É chamado de categoria “O” o professor contratado nos termos da L.C. 1.093/2009. A
contratação é feita após a aprovação do candidato em processo seletivo simplificado; é uma contratação bastante
precária. O servidor fica vinculado para fins previdenciários ao INSS e sua assistência médica se dá pelo SUS,
não pelo IAMSPE. É no SUS, e por sua iniciativa, que deve ser feito o exame admissional para ingresso. O
contrato só pode ser feito quando houver necessidade da prestação do serviço e, no caso do magistério, isso se dá
apenas após a atribuição de aulas e antes do término do ano letivo. O contratado que ficar sem aulas não terá
necessariamente rescindido o seu contato de trabalho, podendo ter aulas atribuídas que surjam na vigência de seu
contrato, se concordar. Se não concordar, permanecerá vinculado pelo prazo de vigência do seu contrato, sem ser
todavia remunerado. (Fonte:http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/professor/manual-do-professor-2013/#cato)
72
QuadroV. Escola Caminho – Estrutura física
Estrutura física da Escola Caminho
18 salas de aula
01 sala dos professores
01 sala da Direção
01 sala dos vices-diretores
01 sala da coordenação pedagógica e do professor coordenador de apoio à gestão pedagógica
01 sala da Secretaria Escolar
01 sala (espaço adaptado) para os professores mediadores
01 sala de leitura
01 sala de informática (programa Acessa Escola)
01 quadra de esportes coberta
01 espaço adaptado para prática de Voleibol
01 pátio coberto de aproximadamente 1.500 m² com 16 mesas e bancos para refeição
01 pátio descoberto de aproximadamente 1.000 m²
01 sala de vídeo/reuniões
04 sanitários (masculino e feminino) para professores e administração
10 sanitários para alunas
06 sanitários para alunos
01 cozinha para preparo da merenda escolar
01 depósito para produtos da merenda escolar
01 estacionamento para aproximadamente 20 automóveis
Fonte: Secretaria da Escola Caminho.
A Escola Alegria
A Escola Alegria, criada na década de 1980, atende alunos dos anos finais do
nsinofundamental (6º, 7º, 8º e 9º anos) e ensino médio (1º, 2º e 3º anos).
O bairro, localizado na zona norte de São Paulo, apresenta características de
loteamento legalizado, as ruas do entorno são pavimentadas e as residências bem conservadas.
Outro bairro próximo apresenta características semelhantes, mas as ruas são mais estreitas e
as casas sem acabamento e com garagens adaptadas para o comércio informal, bares, lojas e
igrejas. É deste bairro que a escola recebe a maioria dos seus alunos.
A atividade econômica principal das famílias dos alunos é o trabalho formal no centro
da cidade de São Paulo em funções que exigem baixa escolaridade: porteiros, seguranças,
empregadas domésticas, faxineiras. Parte das famílias trabalha na informalidade no próprio
bairro ou nas imediações que atendem ao comércio local.
O prédio escolar foi construído em terreno plano e necessita de ampla reforma. A
entrada principal dos alunos é ligada diretamente ao corredor das salas de aula, apesar de ter
amplo pátio coberto e área externa ao pátio arborizada, porém subutilizada,e quadra esportiva
coberta. É precária a conservação nas áreas de pátio e nas calçadas externas.
73
A entrada para o atendimento da secretaria escolar é por um portão lateral sem
nenhuma indicação. O balcão da secretaria segue o padrão da maioria das escolas, permite
pouco acesso do público para o atendimento. É cercado de grades. A entrada dos professores e
funcionários ocorre por esse portão e, logo após, por porta de ferro automática acionada por
funcionário da secretaria.
O quadro VI apresenta o tipo de atendimento e número de alunos; o quadro VII os
profissionais da educação e o quadro VIII a estrutura física da Escola Caminho.
Quadro VI. Escola Alegria – Tipo de atendimento e número de alunos
Escola Alegria
14 salas de aula,
40turmas e 1.542
alunos.
Manhã
Tarde
Noite
Ensino Fundamental
6º
4 turmas
142
alunos
-
7º
Ensino Médio
8º
9º
1º
2º
3º
-
-
7 turmas
272
alunos
4 turmas
162
alunos
2 turmas
78
alunos
1 turma
42
alunos
5turmas
171
alunos
-
5 turmas
179
alunos
-
-
-
-
-
-
3 turmas
126
alunos
4 turmas
176
alunos
5 turmas
194
alunos
Fonte: Secretaria da Escola Alegria.
74
QuadroVII. Escola Alegria – Quadro de profissionais da educação
Escola Alegria - Total de 102 profissionais da educação
Professores
Agentes de
Organização Escolar
1 Diretora de Escola
Português e Inglês
05 titulares
designado
04 titulares
06 “F”
2 vices-diretores
Matemática
01 designado Gerente
designados
04 titulares
de Organização Escolar
06 “F”
1 professor coordenador
História
07 contratados de forma
de apoio à gestão
02 titulares
precária por um ano.
pedagógica
02 “F”
Gestores
Terceirizados
03
merenderias
04 serventes
de escola
-
2 professores
coordenadores designados
Geografia
03 titulares
02 “F”
-
-
2 professores mediadores
designados
Biologia e Ciências
03 titulares
01 “F”
01 “O”
Física/Química
00 titulares
03 “F”
02 “O”
Educação Física
02 titulares
01 “F”
-
-
-
-
-
-
Artes
01 titulares
02 “F”
Filosofia/Sociologia
00 titulares
03“F”
01 “O”
04 professores auxiliares de português
03 professores auxiliares de
matemática
03 professores substitutos
(Projeto
de
Apoio
à
Aprendizagem)
-
1 professor na sala de
leitura designados
4 professoras readaptadas
pelo Departamento de
Perícias Médicas do
Estado de São Paulo
-
-
-
Fonte: Secretaria da Escola Alegria.
-
-
75
QuadroVIII. Escola Alegria – Estrutura física
Estrutura física da Escola Alegria
14 salas de aula
01 sala dos professores
01 sala da Direção
01 sala para os vices-diretores, coordenação pedagógica e professor coordenador de apoio à gestão
pedagógica
01 sala da Secretaria Escolar
01 sala ( adaptada no pátio) para os professores mediadores
01 sala de leitura
01 sala de informática (programa Acessa Escola)
01 quadra de esportes coberta
01 pátio coberto de aproximadamente 1.000 m² com 10 mesas e bancos para refeição
01 pátio descoberto de aproximadamente 1.200 m²
01 sala de vídeo/reuniões
03 sanitários (masculino e feminino) para professores e administração
06 sanitários para alunas
04 sanitários para alunos
01 cozinha para preparo da merenda escolar
01 depósito para produtos da merenda escolar
01 estacionamento para aproximadamente 30 automóveis
Fonte: Secretaria da Escola Alegria.
Definidas as escolas tivemos o primeiro contato telefônico com asdireções e
agendamos horário para apresentação da proposta de pesquisa e formalização da autorização.
O pesquisador não se identificou como Supervisor de Ensino para evitar desvios na qualidade
da produção das informações.Consideramosa dimensão ética como definidora de qualquer
ação humana,optamos por não se identificar para evitar ser visto como alguém que poderia
estar “fiscalizando” o trabalho da escola e dos professores e interferir negativamente na rotina
escolar e na condução da pesquisa.
Para as entrevistas semiestruturadas solicitamos aos diretores das duas escolas que
permitissem escolhermos dois professores, no quadro de horário de aulas, sendo um de
Língua Portuguesa e um de Matemática.
Após a escolha confirmamos se estes ministravam aulas na unidade escolar em média
há 10 anos e se atuavam nos anos finais do ensino fundamental (8º e 9º anos), o que se
confirmou. Para os nossos objetivos entendemos ser mais indicado entrevistar professores
com mais anos de magistério, apenas como um indicativo de experiência, e das disciplinas
com maior número de aulas semanais (6 aulas).
76
Quadro IX. Professores entrevistados - Escola Caminho e Escola Alegria
Escolas participantes
Escola Caminho
Escola Alegria
Professores (as) entrevistados (as)
Professor Antonio11 - Matemática
Professora Beatriz - Língua
Titular – 12 anos de magistério
Portuguesa
Categoria “F” – 13 anos de
magistério
Professora Carla – Matemática
Professora
Diana
–
Língua
Categoria “F” – 11 anos de Portuguesa
magistério
Titular – 8 anos de magistério
Agendamos com o Diretor da Escola Caminho o dia e horário para a segunda visita em
que pretendíamos entrevistar o professor Antonio (Matemática) e a professora Beatriz (Língua
Portuguesa). O Diretor atendeu prontamente e solicitou a Professora Coordenadora
Pedagógica que liberasse os professores durante a Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo12
(ATPC) para a realização da entrevista.
Liberado o dia e horário para a segunda visita em que realizaríamos entrevista com o
professor Antonio e professora Beatriz, decidimos chegar horas antes para poder observar e
participar do ambiente escolar, o que para esse pesquisador foi quase rotineiro por conhecer
detalhadamente o funcionamento e organização das escolas públicas estaduais, seus alunos e
professores. O atendimento ao pesquisador foi atencioso e cordial.
Chegado o horário da ATPC a coordenadora pedagógica nos encaminhou para a sala
da coordenação onde poderíamos realizar a entrevista com os professores. Recebi o professor
Antonio e a professora Beatriz nesta sala e expus o que pretendia: objetivos da pesquisa, a
metodologia utilizada e o sigilo das informações. Ambos os professores foram solícitos e
concordaram com os critérios. Informei que a entrevista era individual e faria uso de roteiro
para melhor provocar que“o sujeito discorra e verbalize seus pensamentos, tendências e
reflexões sobre os temas apresentados” (ARNOLDI; ROSA, 2006, p. 30).
Após serem informados que a duração da entrevista seria de, aproximadamente, uma
hora, decidiram consultar a coordenadora pedagógica para que somente a entrevista com o
11
O nome dos professores e professoras é fictício para preservar o sigilo
ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo. É uma parte da carga horária do professor que é
dedicada a reunião coletiva sob a liderança do Professor Coordenador Pedagógico e do Diretor da
Escola. Os professores com jornada completa de trabalho (32 aulas semanais) participam de 3 aulas
semanais em reuniões coletivas - ATPC - e 5 aulas semanais de ATPL (Aula de Trabalho Pedagógico
Livre, em local de livre escolha pelo professor). Cada aula corresponde a 50 minutos. Completam
assim a jornada semanal de 40 aulas de 50 minutos cada.
12
77
professor Antonio fosse realizada naquela data e na semana seguinte com a professora
Beatriz. A coordenadora pedagógica concordou e consideramos uma boa oportunidade de
retornar a escola e prosseguir na observação da rotina da escola.
Realizamos a entrevista (apêndice 2) que foi gravada em áudio, assim como as demais,
com duração de 1 hora e 02 minutos, com o professor Antonio e, posteriormente, pudemos
dialogar com alguns professores sobre temas diversos da educação em que procurei
demonstrar não conhecer a rotina dos docentes e da educação pública estadual paulista. Na
semana seguinte entrevistei a professora Beatriz. A entrevista (apêndice 3) teve duração de 52
minutos e 44 segundos. Concluimos assim as duas entrevistas com professores da Escola
Caminho.
Por meio de contato telefônico agendamos com a Diretora da Escola Alegria o dia e
horário para entrevistar a professora Carla (Matemática) e Diana (Língua Portuguesa) e
sugerimos que fosse em dias diferentes e no horário de ATPC, pela experiência que passamos
na Escola Caminho. A Diretora da Escola Alegria concordou e assim agendamos.
No dia agendado para entrevista comparecemos duas horas antes com o objetivo de
observar a rotina da escola. A Diretora não estava e fomos recebidos por um funcionário da
secretaria. O funcionário não havia sido informado sobre minha presença e consultou a
diretora por telefone. Fui autorizado a entrar, aguardei por trinta minutos, porém não tive
acesso ao interior da escola e à rotina escolar neste dia. Posteriormente o funcionário chamou
a professora Carla que estava em aula vaga aguardando a ATPC e pude finalmente entrevistála.
A recepção da professora não foi muito agradável.Notei certo constrangimento porque
ela não havia sido informada corretamente pela diretora, apenas sabia que ia participar de uma
pesquisa. Informei a professora Carla sobre meus objetivos e ela aceitou em colaborar. Pedi
se era possível ficarmos em uma sala e ela indicou uma pequena sala anexa à secretaria.
Realizei a entrevista (apêndice 4) que teve duração de 41 minutos e 17 segundos. Terminada a
entrevista observei que os alunos do período da manhã já haviam sido liberados e os demais
professores estavam em ATPC.
Na segunda visita fui atendido pela diretorae como cheguei três horas antes consegui
observar melhor a rotina da escola e permanecer aguardando o horário da ATPC da professora
Diana (língua portuguesa) na sala dos professores.
78
Expus o que pretendia para a professora Diana: objetivos da pesquisa; a metodologia
utilizada; e o sigilo das informações.
Utilizamos a mesma sala anexa à secretaria e a
entrevista (apêndice5) teve duração de 49 minutos e 17 segundos. Concluí assim as duas
entrevistas com professores da Escola Alegria.
Concluídas as entrevistas semiestruturadas e a transcrição realizada por esse
pesquisador, a análise da legislação, conforme capítulo II deste trabalho, e asobservações
acrescidas da experiência deste pesquisador na rede estadual de ensino de São Paulo,
podemos na sequência deste trabalho analisar os dadosproduzidos. Para esse fim
procederemos à análise das informações de acordo com o proposto por Aguiar e Ozella
(2013) na criação dos “Núcleos de Significação”.
79
CAPÍTULO IV
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS E INFORMAÇÕES
4.1
Procedimentos de análise de dados e informações
Para atender ao nosso objetivo e pela problemática que o tema oferece optamos pelo
procedimento de análise e interpretação de dados denominado “Núcleos de Significação”
(AGUIAR; OZELLA, 2013).
A proposta de análise e interpretação de dados através da produção dos Núcleos de
Significação é uma ferramenta que permite analisar os sentidos e significados presentes no
discurso. O uso da entrevista semiestruturada oferece dados e informações necessárias para
construção dos Núcleos de Significação, além da experiência deste pesquisador no tema a que
se propõe.
Após a transcrição das quatro entrevistas e das diversas leituras feitas por esse
pesquisador iniciamos a construção dos Pré-Indicadores que representam a primeira unidade
de análise que é a palavra com significado, como apresenta Aguiar e Ozella.
Partimos dela [a palavra] sem a intenção de fazer uma mera análise das
construções narrativas, mas com a intenção de fazer uma análise do sujeito.
Assim, temos que partir das palavras inseridas no contexto que lhe atribui
significado, entendendo aqui como contexto desde a narrativa do sujeito até
as condições histórico-sociais que o constitui (AGUIAR ; OZELLA, 2013, p.
308)
É na definição dos Pré-Indicadores que o pesquisador deve atentar para os
objetivos da pesquisa que empreendeu e o problema principal a que se deteve. Afinal,
“são trechos de fala compostos por palavras articuladas que compõem um significado,
carregam e expressam a totalidade do sujeito e, portanto, constituem uma unidade de
pensamento e linguagem”. (AGUIAR ; OZELLA, 2013, p. 309)
Concluídos os Pré-Indicadores passamos aos Indicadores, que já se constituem em
um movimento de análise inicial a partir do exercício das várias leituras da entrevista
transcrita e da construção dos Pré-Indicadores. É na transcrição da entrevista que esse
movimento se inicia. É nos passos dados através da transcrição das entrevistas e na
aglutinação dos Pré-Indicadores que os Indicadores serão construídos e fornecerão pistas para
elaboração dos Núcleos de Significação.
80
A partir da aglutinação dos Indicadores passamos para elaboração dos Núcleos de
Significação. Neste movimento de construção dos Pré-Indicadores, dos Indicadores e Núcleos
de Significação também consideramos a experiência deste pesquisador na área de estudo a
que se propôs. A escolha metodológica, opercurso de entrada no campo de pesquisa, o
procedimento de análise de dados e informações na perspectiva sócio-histórica, o
conhecimento in loco e a experiência acumulada deste pesquisador sobre as questões
propostas nesta pesquisa enriqueceram os dados produzidos e foram fundamentais na
elaboração dos Núcleos de Significação.
4.2
Levantamento dos Pré-Indicadores e Indicadores
No levantamento dos Pré-Indicadores e Indicadores utilizamos trechos das entrevistas
que apresentam palavras e expressões que melhor indicam os propósitos e objetivos da
pesquisa. Optamos ainda por utilizar cores diferentes nas fontes das letras do Programa
Windows/Office/Word no momento da digitação para melhorar a visualização dos PréIndicadores e Indicadores. As entrevistas completas compõem o apêndice 2,3,4 e 5 deste
trabalho.
81
Quadro X. Pré-Indicadorese Indicadores – Entrevista
Matemática
Pré-Indicadores
É então... (pensa bastante, sorri...) Vimos que no primeiro
semestre, nos dois bimestres trabalhando a proposta, nos
conteúdos da série, o rendimento é muito baixo. Tivemos, em
Matemática, de 70% a 80% de notas vermelhas,
insatisfatórias. Conversamos com a coordenação para a gente
reagir, mudar. Foi proposto, com a gestão, rever os conceitos
anteriores lá nas quintas e sextas séries para não chegar a esse
abismo que tem na oitava série. No terceiro bimestre, já
conseguimos um aproveitamento de 50% nos 80% que
estavam com nota insatisfatória. Para mim e para os outros
professores, a matéria se tornou mais fácil, mais prazerosa.
Eles estavam conseguindo aprender. Esse resgate que fizemos
dos anos anteriores foi importante. Só que, em contrapartida,
paramos o conteúdo da série um pouquinho e estamos
tentando chegar aos poucos.
Os que aprovam? São os que estudam! Mesmo esses alunos
que são aprovados ainda estão muito abaixo do nível que
esperamos. Dissemos assim: é aluno nota 5, nota 6, porque a
gente tenta avaliar de diversas formas.
Esses alunos que são aprovados demonstram mais interesse,
participam mais, mesmo assim são do nível básico para o
adequado.
Nós temos nesse ano o “professor auxiliar”. Esses alunos que
têm mais dificuldades, abaixo do básico, ficam duas aulas por
semana com esse professor. A gente dá o mínimo mesmo.
Outro espaço, com outro professor, outro ambiente para
trabalhar com essa dificuldade mesmo que é extrema. Mas
tem professor que trabalha assim. Têm outros que trabalham
de outra forma, trabalham dois professores na sala, dividem
os alunos em níveis.
1 – Professor Antonio –
Indicadores
O rendimento escolar dos
alunos é muito baixo.
Em Matemática a maioria
dos alunos tem notas
vermelhas.
Tentativas da escola e do
professor em garantir a
aprendizagem dos alunos.
“Conversamos com a
coordenação para a gente
reagir, mudar”
O conteúdo do ano/série não
foi ensinado.
Os alunos aprovados estão
muito abaixo do nível para o
ano/série.
Os alunos mais interessados
são aprovados e estão abaixo
do básico
O Professor trabalha o
“mínimo” com os alunos
que têm mais dificuldades.
A dificuldade dos alunos
atendidos pelo professor
auxiliar é “extrema”.
O professor titular e o
professor auxiliar separam
É. Tudo depende das turmas. Nas minhas turmas, eu vejo a os alunos em níveis de
necessidade desse professor trabalhar com o grupo menor. aprendizagem.
Nem sempre é menor. A gente viu que está atingindo os
objetivos.
O Professor Auxiliar
trabalha com grupos
No início do ano, fizemos “provas diagnósticas” para ver o menores e atinge os
perfil do aluno e as dificuldades. Através desses resultados, a objetivos.
gente seleciona os alunos que têm mais dificuldades, que são
mais difíceis.
“Provas diagnósticas” para
selecionar os alunos com
mais dificuldades
Alunos com mais
dificuldades de
82
aprendizagem “são mais
difíceis”.
Uma reunião traçando o perfil da sala e dos alunos para ver se
era a melhor maneira de conduzir os alunos para o reforço.
Reuniões entre professores
para definir qual aluno deve
O aluno vem pra escola, pra não perder a vaga e não ser fazer reforço.
encaminhado para o Conselho Tutelar. Esse bairro, onde a
gente trabalha, tem bastante. A questão da pobreza também. É
um bairro bem carente, que afeta muito a estrutura familiar.
Crianças que não têm pais são separadas, e isso afeta muito. As questões sociais afetam a
O aluno acaba não conseguindo ter o rendimento esperado aprendizagem dos alunos.
por esses fatos.
Sim. Sim. Reprovaria.
O professor reprovaria seus
alunos: “Sim, reprovaria”
É uma questão bem ampla, bem complexa. Esse ano para
mim foi de renovação. Ao voltar o conteúdo, a gente vê que
os alunos têm dificuldades extremas. Então, reprovar um
aluno eu entendo que não ajuda. Quando o aluno reprova a 8ª
série, há dez anos que trabalho com 8ª série, que é final de
ciclo, no ano seguinte, fazendo a 8ª serie novamente, muitas
vezes ele não vai melhorar. A tendência é piorar por causa da
falta de motivação e de empenho. Mas existem alguns casos
de alunos que não abrem o caderno, não fazem as atividades,
que não buscam o conhecimento e acabam reprovando por A reprovação escolar não
desempenho. Então, a gente acaba reprovando esses alunos ajuda, mas “a gente acaba
que não têm o que fazer, que não têm jeito. Mesmo assim, na reprovando esses alunos que
minha visão, no ano seguinte, esse aluno não vai melhorar. não têm o que fazer, que não
Vai continuar do mesmo jeito.
têm jeito”.
Talvez, não seja a melhor solução, mas fica difícil encontrar
um caminho para que esses alunos não cheguem à O professor tem dificuldade
reprovação. Entender porque esse aluno é assim, que não em entender o que significa
consegue entender, porque ele não quer, seria esse meio a reprovação escolar e acaba
termo porque não reprovar os alunos que não têm jeito.
reprovando “os alunos que
É, a gente fala muito sobre a progressão continuada. Existem não têm jeito”.
muitas críticas sobre a progressão continuada de 1998. Hoje,
o aluno só é reprovado no final do ciclo, no fundamental I e
no fundamental II. Lembro quando eu era aluno. O aluno era Os professores atribuem à
reprovado por rendimento. Hoje, a gente escuta que o aluno progressão continuada o fato
foi reprovado por faltas. Só será por nota e rendimento no de o aluno que “não
final de ciclo. O que eu conheço um pouquinho da progressão consegue compreender,
continuada está relacionado a essas críticas que nós, entender e mesmo assim ele
professores, eu me incluo nessa, fazemos: que hoje o aluno é aprovado”.
não consegue compreender, entender e mesmo assim ele é
aprovado.
A gente faz muitas comparações: que naquele tempo os
alunos conseguiam aprender e muitos que eram reprovados
83
evadiam-se. Eu me lembro de que muitos abandonavam a
escola para trabalhar e hoje os alunos de alguma forma,
quando são reprovados, abandonam. Não só o abandono de
não vir para escola, mas o abandono intelectual. Ao reprovar
um aluno, eu acho que, nos anos seguintes, você perde esse
aluno. Talvez não por abandono, mas por falta de motivação
que no ano seguinte é muito grande. A questão da seriação,
não sei explicar bem o que seria.
A gente percebe que o aluno chega ao final de ciclo, na
progressão continuada, sem o conhecimento básico. Agora, eu
não sei se essa questão de você reprovar o aluno interfere no
final do ciclo. Mas nós vimos que o aluno chega hoje ao final
do ciclo da 8ª série sem conhecimentos prévios básicos.
Aí tem uma contradição. Será que reprovar os alunos seria
melhor? Porque, se a gente voltar para alguns anos atrás, a
gente reprovava o aluno. Havia uma taxa de reprovação muito
grande e isso não resolvia o caso dos alunos reprovados. Mas
aprovar também não dá, né?
Isso é pouco discutido na escola. A gente já comentou de
ciclo de dois anos. É, talvez fosse a solução. Em vez de você
deixar do sexto até o nono ano para recuperar o aluno, por
que não de dois em 2 anos?
Muitas vezes é angustiante. Muitas vezes, a gente prepara
uma aula que você acredita que vá durar aqueles cinquenta
minutos, ou cem minutos, duas aulas, e acaba se estendendo
por uma semana inteira. Às vezes, eu preparo uma atividade
considerada básica e duas aulas acabam se tornando seis,
porque os alunos têm essa dificuldade, esse nível de
conhecimento muito básico. Uma grande defasagem que é
mesmo muito angustiante. Você como professor tem uma
expectativa. E aquela expectativa não é confirmada.
No intervalo. Até no intervalo a gente discute sobre o aluno.
Nas ATPC, é discutido a todo momento. Uma forma pra
gente conseguir é resgatar nossos alunos para o aprendizado.
É uma das maneiras que a gente viu aqui na escola, até pelas
notas das provas SAEB, SARESP, diagnóstica, em que todos
foram mal em Matemática. Foi muito triste.
O professor sabe que a
reprovação escolar pode
resultar em abandono
escolar e falta de motivação
para o ano seguinte.
Com a progressão
continuada o aluno chega ao
final do ciclo sem
conhecimento básico.
O professor busca a questão
da reprovação escolar
historicamente e apresenta
contradição na interpretação:
“tinha uma taxa de
reprovação muito grande e
não resolvia”, “Mas aprovar
também não dá né!”
O tema “ciclos de
aprendizagemӎ pouco
discutido nas escolas. O
aluno deveria ser reprovado
de dois em dois anos.
O professor sente angústia
porque os alunos não
dominam os conhecimentos
necessários para o ano/série.
Tentativas dos professores
em melhorar a
aprendizagem dos alunos e
as notas nas avaliações
externas.
Um fala para o outro e ficam indignados em ter que aprovar
esses alunos, porque já ensinamos o básico e os alunos não
conseguem entender. Muitas vezes, a gente não consegue e Professores ficam
84
culpa o aluno sobre essas obrigações que eles não cumprem,
como a falta de interesse e de motivação de estudar. A gente
fala um para o outro: como que pode um aluno não entender?
Alguns são a favor da reprovação e que no ano que vem ele
vai sentir o “baque” da reprovação e vai começar a
estudar,empenhar-se mais. Outros acreditam que não. Outros
acreditam que uma porcentagem tem que ser reprovada até
porque isso ajuda a dar um “baque” na turma. São opiniões
diferentes que a gente vê sobre a reprovação. Uns são a favor,
outros não, outros em parte. São opiniões bem diferentes, mas
que vão para o lado da reprovação.
Os alunos são muito inteligentes. Eles sabem, por exemplo,
sobre a reprovação. Os alunos sabem que reprova nas oitavas
séries, que é final de ciclo. O professor deixa bem claro e a
gestão passa para eles que têm que estudar,empenhar-se,
senão vai reprovar. Mas assim eles somente vão ter esse
interesse, esse foco, lá no último bimestre. No final do ano,
eles começam a entregar trabalho, começam a ir atrás de
notas, a buscar alternativas de trabalhos extras para não
perder o ano. Eles têm, sim, essa preocupação de não perder o
ano. Entre eles, a gente percebe que mesmo aqueles que não
fizeram nada durante o ano, não participaram de forma
alguma, no final, têm medo de perder o ano. Não querem
separar-se da turma, o colega ir adiante e ele ficar para trás,
ficar na reprovação.
Não. São indiferentes [os funcionários] sobre esse negócio de
reprovação. Os comentários que conversamos com os
funcionários são outros. Esse é um assunto que não é
mencionado.
Então, é assim: uma boa parte dos pais é a favor da
reprovação, mas eles não têm conhecimento de que é a
progressão continuada que faz isso. A questão da história dos
ciclos, que nós professores não queríamos que aprovasse.
Então, eles enxergam assim: não aprendeu nada e tem notas
vermelhas? Tem que ser reprovado.
Posso voltar alguns anos. Fui professor de recuperação
paralela uns 3 ou 4 anos. A gente percebia uma evasão muito
grande. Era no contraturno e o aluno não vinha, tinha lá 20
alunos por turma. Vinham seis ou sete. Hoje, essa
recuperação de apoio dentro da sala ou fora em outra sala
ambiente, durante o processo, traz mais resultados.
indignados em ter que
aprovar os alunos.
Parte dos professores
querem reprovar os alunos
para que eles sintam “o
baque” e estudem mais no
próximo ano.
Os professores têm opiniões
diferentes, mas que “vão
para o lado da reprovação”.
O professor afirma que “Os
alunos são muito
inteligentes”.
A reprovação escolar como
ameaça para que o aluno
estude.
Os alunos não querem ser
reprovados e fazem as
atividades só no final de
ano.
O assunto “reprovação” é
um tema tratado só por
professores e direção.
Parte dos pais é favorável à
reprovação.
É a progressão continuada
que aprova os alunos.
O modelo de atendimento
aos alunos em recuperação
não era eficiente.
O modelo atual de
recuperação, com apoio do
Professor Auxiliar tem mais
Na Recuperação Paralela, os alunos não vinham no resultados.
contraturno. Havia muita ausência. Essa era outra recuperação
85
paralela, e agora é esse Professor Auxiliar.
Os alunos não compareciam
na recuperação paralela no
Tinha um professor que ficava, também. Parecia com a contraturno.
recuperação paralela. Mas, na hora do almoço, os alunos
ficavam uma aula a mais e depois iam embora. Lembro sim, A recuperação na pré-aula
mas também lembro que muitas vezes os alunos acabavam ou na pós-aula não
indo embora com os colegas que não estavam para apresentava resultados.
recuperação. Eles fugiam da recuperação na hora do almoço
junto com os colegas. Terminava o horário normal, e eles A recuperação no
aproveitavam e se mandavam. Saíam, não ficavam mesmo. contraturno, na pré-aula ou
Acho que era muito cansativo ter cinco ou seis aulas e ainda na pós-aula não oferecia
ficar mais uma aula. É muito chato. Assim, a escola não nada de diferente: “Foi mais
oferecia nada de diferente. Foi mais uma tentativa que não uma tentativa que não deu
deu em nada, não deu certo.
em nada, não deu certo”.
Eu vejo como tentativas. Acho que foram quatro. Foram Foram várias tentativas de
várias tentativas de melhorar nesse sentido de recuperar o recuperação e os professores
aluno. E os professores, muitas vezes, não têm capacitação e não foram capacitados.
o material é feito às pressas.
Na última década, a
Porque não trouxeram resultados ou foram poucos resultados. recuperação oferecida não
A gente vê que nesses oito ou dez anos, a gente não consegue conseguiu ajudar os alunos
resgatar esses alunos. Não conseguimos recuperar esses
alunos.
O Professor Auxiliar
trabalha de maneira
diferenciada.
A recuperação com
professor auxiliar é melhor:
A gente explica que agora tem professor auxiliar para “...está acontecendo e é
trabalhar de maneira diferenciada com ele.
significativa.”
Se a gente for comparar com o reforço paralelo, como era
antes no contraturno, o professor auxiliar é melhor. O aluno Os próprios alunos
sai da sua aula, vai lá com o professor auxiliar e consegue atrapalham os colegas em
algumas mudanças que talvez a gente não consiga na sala recuperação.
para resgatar alguns conteúdos. Ali, ele fica como se fosse
uma aula particular, com cinco, seis, oito alunos. Então, a Reduzir o número de alunos
mudança está acontecendo e é significativa.
em sala de aula é a melhor
Então, dois professores na sala gera conflito. Não conflito forma para ajudar os alunos
entre os dois professores, mas entre os próprios alunos. A que têm dificuldades.
dinâmica da aula acaba não fluindo, porque alguns alunos
atrapalham e os próprios colegas acham melhor eles saírem Professor Auxiliar é,
para o reforço. Já trabalhei dessa forma também.
geralmente, um professor
iniciante ou professor/aluno.
Acho que reduzir o número de alunos para 30, 25 é o sonho
de qualquer professor. Seria uma alternativa melhor que ter O professor gosta de ter um
professor auxiliar.
Professor Auxiliar em sala
de aula.
86
Geralmente, são professores [professor auxiliar] que estão
começando agora na rede, recém-formados. Geralmente, têm
também aqueles que ainda são professores-alunos, que dizer,
estão estudando ainda. São apresentados pela gestão que diz
que vamos traçar um plano para trabalhar com os alunos.
Gosto. E é o segundo ano que a gente está trabalhando dessa
forma. No ano passado, trabalhei com professor auxiliar na
sala de aula. Acompanhei os prós e contras. Nesse ano, já
decidimos trabalhar dessa forma: eu e o professor auxiliar.
Não.
Esse projeto da recuperação, com ajuda do professor auxiliar,
traz resultados. Sou a favor, embora não conheça muito a
legislação em relação a esses projetos. É um projeto inovador.
O professor não conhece a
legislação que trata do
Professor Auxiliar.
O professor considera como
um projeto inovador ter um
Professor Auxiliar em sala
de aula.
O Professor Auxiliar atende
os alunos com mais
dificuldades para melhorar o
rendimento e a notas da
avaliação externa – Saresp.
Os professores das demais
disciplinas desconhecem a
Dizem: olha, a partir de hoje, você vai ter um professor proposta de Professor
auxiliar para ficar com os alunos que possuem maior Auxiliar: “ parece-me que
dificuldade e vocês vão fazer esse reforço para melhorar o não sabem o que está
rendimento e melhorar o conceito no Saresp.
acontecendo”.
Os alunos não estão
aprendendo: “não
A gente não ouve muitos comentários dos outros professores. aprenderam nada.”
Eu desconheço as opiniões. Sobre os outros professores,
parece-me que não sabem o que está acontecendo.
É, temos aqui na escola (continua rindo)... Nós temos aqui na
escola uma taxa muito grande de reprovação. Se a gente levar
isso em conta, temos 8 salas de final de ciclo, oitava série. Em
cada sala dessas, nós temos uma média de 7 a 8 alunos que
são reprovados. Se a gente pegar e buscar esses alunos que
foram reprovados, posso falar com convicção de que 80% dos
alunos reprovariam novamente. Talvez não seja feito algo
para que isso mude. Se não vão reprovar um ano, vão fazer
outro ano do mesmo jeito. E, às vezes, até com menor A escola e os professores
desempenho. E vão chegar ao final do ano e acabar sendo pouco registram o
reprovados, não aprenderam nada.
acompanhamento da
aprendizagem dos alunos.
Quando a gente não percebe que melhorou, o professor
auxiliar revê as atividades que ele fez, se ele vai permanecer
mais um bimestre, se tem outro aluno que pode se enquadrar
na sala de reforço. Então, há um acompanhamento, às vezes
só bimestral. O pouco tempo que a gente tem em reuniões, a
gente acaba deixando isso de lado. É uma falha do professor
da sala.
Os pais são informados
sobre a aprendizagem dos
alunos através de um
registro técnico: “como está
no reforço, se está
87
O que é direcionado para os pais é que nós temos aqui, o
sistema informatizado de registro de notas e frequência. E
existe lá uma avaliação do perfil do aluno que é de “xizinho”
(SIC) de múltipla escolha. Depois, a gente imprime todo
aquele documento e o pai recebe para ver se o filho está no
reforço. Então, o pai, de alguma forma quando ele vem para
a escola, ele participa, ele tem um acompanhamento, ele sabe
que o filho dele está no reforço, como está no reforço, se está
aprendendo, se está buscando aprender, se é esforçado, se tem
empenho, se não é bagunceiro. Então, esse elo existe.
aprendendo, se está
buscando aprender, se é
esforçado, se tem empenho,
se não é bagunceiro”.
O abandono da escola pelo
Estado: “São vários fatores
que levam a educação a
estar dessa forma: casos de
violência, do abandono, da
falta de estrutura das
escolas. São vários motivos
Olha... (silêncio... risos...) a gente vê muito a mídia criticando e a gente ouve muito que o
a Educação. Mídia assim como internet, TV. Vemos muita Estado abandonou a escola”.
crítica a gestão estadual e municipal. São vários fatores que
levam a educação a estar dessa forma: casos de violência, de Os alunos não aprendem
abandono e da falta de estrutura das escolas. São vários devido aos problemas
motivos e a gente ouve muito que o Estado abandonou a sociais.
escola. O que fazer? Então, a gente vê os políticos e a política
refletirem na educação. Mas o que fazer eu não sei. É muito
difícil.
O Estado não tem garantido
Tem estrutura agora porque tem todos esses problemas sociais o direito à aprendizagem
que levam o aluno a não conseguir aprender. Talvez, seja o
que a gente comentou lá no começo da fala: essa estrutura A política educacional não
familiar, essa violência, esses alunos que não aprendem, tem garantido o direito à
mesmo uma escola estruturada como a nossa é. São vários educação.
profissionais bons, frequentes, a gente não consegue atingir o
objetivo.
Os professores criticam o
Não. As políticas da Secretaria de Educação não estão discurso governamental
garantindo a aprendizagem dos alunos. (silêncio... demonstra descolado da realidade, o
preocupação)
abandono das escolas e o
material “fora da realidade
Isso é problema de política educacional. Essa escola tem tudo dos alunos”.
de que precisamos, mas nas outras está feio.
A gente ouve falar que falta recurso. Os professores criticam
esse negócio de governo falar e não acontecer nada.
Intensamente, fazem críticas ao governo: que a escola, a
educação foi abandonada, que falta melhorar a questão do
material, das apostilas... Apostilas fora da realidade dos
nossos alunos. Então, essa parte, sim, é muito criticada por
todos.
“As crianças estão
aprendendo pouco”
Os professores mudam a
maneira de trabalhar quando
fazem cursos.
Tentativas da escola em
melhorar a aprendizagem
Pouco, muito pouco. As crianças estão aprendendo pouco. dos alunos.
Alguns professores mudaram a maneira de trabalhar depois
que começaram a fazer o curso “Melhor Gestão Melhor A escola e os professores
88
Ensino”. Assim, conduzem as aulas de outro jeito.
associam a aprendizagem à
melhoria dos índices da
avaliação externa e não à
garantia do direito à
(Silêncio... risos... silêncio) A escola tem tentado melhorar. aprendizagem.
Estamos buscando alternativas depois desse curso “Melhor
Gestão Melhor Ensino”. Sentamos para conversar e melhorou
um pouco. Fizemos algumas mudanças pra gente mudar essa
quantidade de “insatisfatório” e melhorar o Saresp. Estamos
buscando alternativas.
O professor associa o direito
à obrigação de cumprir os
deveres.
(Silêncio... professor incomodado com a pergunta) Direito...
(silêncio...demonstra inquietação...) Direito é... a gente já
associa direito a dever, né? O que é dever? E o que é direito?
(silêncio...) Direito é... em se tratando de escola, educação,
todos têm direito. Direito de aprender, de ter uma boa
convivência, de ter uma família estruturada, de ter um bom
professor. Direito acho que é... acredito que está ligado a
obrigação. O aluno tem o direito garantidoquando cumpre a
obrigação.
O nosso aluno, embora isso você não possa apontar como
causa dessa falta de estrutura, essa carência que o aluno tem,
talvez mesmo com todas essas questões de qualidade que as
escolas possuem você não consegue atingir os objetivos de ter
uma aula de qualidade, porque alguns alunos não querem
aprender, não aprendem.
Como é apresentada? É através de números, dados. Quem vai
bem no Saresp, tem melhor qualidade. É através das provas e
dos resultados do Saeb, do Enem. A gente vê lá a
classificação e fala: essa escola é boa e aquela não é. A nossa
está abaixo do básico e é vista como de péssima qualidade.
Então, é avaliado assim, isso é a qualidade.
A escola não tem qualidade
“porque alguns alunos não
querem aprender, não
aprendem”.
As notas baixas ou altas são
indicadores únicos da
qualidade da escola e da
aprendizagem dos alunos.
Os projetos de recuperação
devem garantir o direito de o
aluno aprender, “mas nem
sempre o aluno consegue
aprender. Ele tem o direito,
mas não consegue aprender”
O aluno tem o direito: “mas
nem sempre esse direito é
alcançado”.
O Estado garante o direito
“...mas alguns alunos...você
sabe”
Os projetos de recuperação deveriam garantir o direito de
aprender, mas nem sempre o aluno consegue aprender. Ele
tem o direito, mas não consegue aprender. Ele permanece
mais um ano fazendo aquela série, com duas aulas de
professor auxiliar, e não apresenta melhoras. Então, ele tem o
direito, mas nem sempre esse direito é alcançado,.Essas O professor busca melhorar
89
políticas públicas até garantem o direito de aprender, mas sua aula e sua prática
alguns alunos... você sabe. Fiz cursos da SEE, aprendi e docente.
aplico em sala de aula. Procuro melhorar a qualidade da aula,
buscando alternativas de aprendizagem para os alunos.
O desgaste do professor
frente a desvalorização
A gente trabalha tanto, um absurdo. Como vai preparar aulas? profissional:
“A
gente
Sou a favor de um terço da jornada, ou seja, ter 28 aulas de 50 trabalha tanto” ; “Só essas
minutos com alunos e bom salário e não ter que trabalhar políticas é pouco se não
feito um louco e adoecer. Sai de uma escola e vai para outra. olhar para o professor.
Tudo bem que tem dois meses de férias, mas preferia Cuidar do professor é tudo”
trabalhar menos e melhor. Que tempo vai ter para preparar
aulas? Só essas políticas são pouco se não olham para o
professor. Cuidar do professor é tudo. Eu tenho 30 aulas e já
acho muito cansativo, pois tenho pouco tempo para me
preparar. Imagina com 50, 60 aulas? É isso que querem de
qualidade?
90
Quadro XI. Pré-Indicadorese Indicadores – Entrevista
Português
Pré-Indicadores
Porque com os ciclos eles acham que, no final do ciclo, ele
não vai ser reprovado, muitas vezes ele aposta nisso e não
estuda. Na 8ª série, eles são muitos infantis, falta muita
maturidade e no primeiro semestre é bem difícil, no segundo
semestre a gente já percebe alguma diferença. Em anos
anteriores ,a gente tem conseguido mostrar algumas coisas
para alguns alunos, outros demoram um pouquinho mais, só
no ensino médio é que vão acordar para essa realidade.
2 – Professora Beatriz –
Indicadores
A professora argumenta que
o aluno não estuda porque
sabe que vai ser aprovado no
final do ciclo.
É outra coisa que a gente tem conversado. Muitos hoje ainda
têm a mentalidade de que se ele copiar a lição ele está
participando da aula, não sabe que tem que estar trocando
ideias, buscando o que ele sabe, perguntando, apropriando-se
mesmo do conhecimento e eles não percebem isso, que estão A escola como espaço de
perdendo.A escola, para muitos, acredito que funciona como convivência e lazer.
lazer, contam histórias de todos os tipos ai quando você quer
ler um texto, tenta discutir, quando pede atividade é um ou
outro que tem interesse real em participar.
Se estão aprendendo?Alguns sim. É, alguns sim. Estaria
mentindo se falasse que não. Uma boa parte ainda precisa Somente alguns alunos estão
amadurecer para essa questão, pela minha experiência aprendendo.
percebo que muitos, quando chegam no 1º, 2º anos do ensino
médio, amadurecem bastante.
Os alunos apresentam certas
O que deveriam aprender ainda falta muito, bastante.
defasagens dos anos
anteriores e o professor não
consegue ajudar.
Aprenderam mais, acredito que a gente não consegue atingir
todos como deveríamos atingir, chegam com certa defasagem.
Os que aprenderam são aqueles em que acredito que no
decorrer da caminhada vem com uma estrutura maior, com
um acompanhamento maior. A gente percebe que quando o
pai acompanha, eles conseguem acompanhar melhor. Aqueles
alunos que vêm da 4ª, 5ª séries lendo, escrevendo, eles
conseguem assimilar melhor o que a gente tenta passar nas
outras séries e têm muitos alunos que conseguem ler bem,
escrever bem, conseguem ser críticos, posicionar-se.Outros
mais tímidos não conseguem oralmente, mas conseguem
escrever e muitos não conseguem. Realmente não conseguem,
não conseguem copiar, não têm opinião própria, depende
Os alunos que aprendem são
os que tiveram melhor
acompanhamento.
Os anos iniciais são
fundamentais na
escolarização dos alunos.
Com a ajuda do Professor
Auxiliar ficou mais fácil
para o professor acompanhar
91
muito do outro para fazer o seu trabalho.
Hoje é até mais fácil porque tem aquele “Professor Auxiliar”
que está sempre acompanhando, sempre auxiliando, esse
professor de apoio sempre auxiliando no aprendizado.
Percebemos é que, aqueles que têm vontade, conseguem. Só
que uma grande parte não tem vontade realmente, não quer
fazer mesmo com o professor se dispondo a ajudar ,ele não
tem interesse em fazer, esse é mais difícil.A gente usa formas
diferentes para ver se esse aluno consegue escrever. O
objetivo até a 8ª série é ele escrever, ler e escrever bem, que
ele sabia se posicionar, a gente não se preocupa tanto com o
conteúdo, mas que ele sabia ler e escrever bem e se
posicionar, ter opinião própria.
a aprendizagem dos alunos.
Mesmo com Professor
Auxiliar tem aluno que não
se interessa.
A aprendizagem depende da
vontade do aluno em
aprender.
Quando a gente percebe que ele tem vontade de aprender é
mais fácil. Sabemos que ele vai para série seguinte, vai
amadurecer e melhorar. Agora quando o aluno não tem
vontade é muito difícil, é muito difícil. Têm alguns alunos
que não conseguem, têm uma dificuldade tremenda, O professor afirma que
tremenda, mas ele tenta, de alguma forma ele tenta. Esse quando a escola reprovava o
aluno, eu acho que ele de alguma forma vai caminhar, mesmo aluno aprendia mais.
não aprendendo ele vai caminhar. Agora aquele que não tem
vontade é muito difícil.
Os alunos acham que basta
estar na escola para serem
aprovados.
Da reprovação... é difícil né...(silêncio...) olha (ri muito...) da
reprovação né... vou falar do passado, só que o passado não
volta mais. Eu penso que antes, quando tínhamos a
reprovação, o aluno se preocupava mais em estudar, em saber, O professor afirma que
em ir para série seguinte e a própria família não queria que ele quando a escola reprovava
ficasse estacionado. A família acompanhava mais e hoje não. era melhor.
Eles acham, que de uma forma ou de outra, só o fato de ele
vir para escola ele já está aprovado. Uma boa parte pensa Os alunos são aprovados só
dessa forma, só de vir para escola já é aprovado, não faltou, por estarem na escola.
então é aprovado. Preocupa-me muito a questão do
aprendizado. Eles dizem: professora eu faço tudo! Mas só
copiam, o fato de ele copiar, ele acha que já aprendeu. Isso
não é aprendizado, ele só está copiando. Eu penso que quando O professor desconhece a
havia reprovação funcionava melhor, eu sei que a reprovação reestruturação dos ciclos na
não é o caminho, mas ainda não encontrei o caminho (ri rede estadual.
muito... gesticula e fica incomodada) não encontrei outro
(continua rindo...) e têm muitos alunos que são aprovados só Com os novos ciclos haveria
por conta de estarem na escola. Muitos alunos escolhem mais reprovação e “acabaria
matéria para estudar, não as que acham mais fácil, mas a de esse negócio de passar sem
que gostam, que têm maior afinidade.
92
Eu acho que... (silêncio) que essa implantação... você fala saber”.
desses novos ciclos, né? Que estão sendo montados? Eu acho
que vai diminuir. Acho que os alunos vão ter mais interesse
na escola. Saberão que tem um trabalho diferente, que eles
estão sendo vistos de outra forma, a gente tem conversado
bastante com eles. Acredito que essa mudança de alguma
forma é para melhor. Vai acabar esse negócio de passar sem
saber.
Os alunos não têm interesse
em aprender e só querem
Olha, eu entendo a ideia como muito boa porque o ciclo é.... passar de ano.
prevê um monte de movimentos do aluno. Se não aprendeu
naquele momento, ele pode aprender em outro,sinto a ideia
muito boa, só que os alunos não entendem assim esse ciclo,
eles acham que, como eles não têm interesse, muitos não têm
interesse em aprender, apenas em passar de ano, eles não As discussões sobre os
ciclos são superficiais.
entendem esse ciclo, não têm essa ideia que o ciclo tem.
Aceitação da política de
Os professores têm discutido os ciclos, talvez não como
ciclos sem conhecimento da
devesse, mas é discutido sim, acredito que a todo momento a
proposta.
gente está refletindo sobre isso.
Os professores que são antigos (ri muito...) sempre estão
falando: Antes não era assim, com a mudança de 1996, se eu
não me engano, e penso que foi em 1996. Até 1996 era uma
coisa, de 1996 para cá ficou diferente.Antes era pior, agora a
gente aceitou bastante a ideia dos ciclos. Mas vemos que em
muitos momentos não funciona, embora no papel seja muito
bom, acho que é maravilhoso, mas no dia a dia a grande
maioria dos professores percebem que não funciona.Hoje
mesmo ouvi uma professora falar: um aluno de 7ª série que
vem para escola sabe que se ele fizer ele vai ser aprovado e se
ele não fizer também vai ser aprovado, ele está ali quietinho,
não está prestando atenção em nada, não está atrapalhando as
aulas, copiou a lição, vem sempre para escola, não tem como
reprovar um aluno desse. Ele não atinge o que queremos, mas
ele de alguma forma faz, mas ele não pensa que tem que
aprender, que tem de dar uma devolutiva do que está
aprendendo.
A ideia dos ciclos é muito
boa no papel, mas “não
funciona”.
O apoio aos alunos com
dificuldades tem funcionado
melhor com a chegada do
Professor Auxiliar para
aqueles “com interesse”.
O professor gosta de contar
com um professor auxiliar.
Dessa maneira, com o professor auxiliar, tem funcionado
melhor, pelo menos com os alunos que estão na sala, estão
com interesse, mesmo dentro do horário o professor está ali Menos alunos em sala de
aula melhora a
acompanhando, orientando, não tem como eles não virem.
aprendizagem.
Por enquanto ainda não. Acho que caminha sim para
resultados, não tem como não ter. O professor dentro da sala A aprendizagem dos alunos
93
acompanha os alunos em grupos menores mas com maiores como um problema social.
dificuldades e estou gostando. Pelo menos nesse início tenho
gostado bastante, tem me auxiliado bem.
O professor afirma que a
escola tem feito tudo para
que os alunos aprendam.
A escola tem feito tudo e
quem não aprende é porque
No ensino fundamental menos alunos em sala de aula não quer.
melhorariam, mas, principalmente, eu acho que esse problema
hoje é um problema social. Não é tanto a escola, é a família,
as normas mesmo, eles não têm esses parâmetros pelos quais
as famílias deveriam passar. Só isso já melhoraria bastante.
A escola é vista pelo
professor como
assistencialista.
(silêncio... a professora pensa bastante para responder...) Se
meus alunos têm o direito à aprendizagem garantido?
Acredito que temos feito o possível para que o aluno aprenda
mais. É o que eu falei, passa pelo querer, as oportunidades
têm sido dadas Tudo que precisa fazer se o aluno tem
dificuldade de aprendizagem a gente procura fazer. Acredito
que a escola está fazendo o que é possível fazer mas aí passa
pela questão do querer do aluno e do acompanhamento dos
pais.
Os projetos de reforço e a
figura do Professor Auxiliar
são considerados como um
avanço pelos professores.
O professor aprovaria só um
terço dos seus alunos.
Para o professor sempre
O material para o aluno é positivo, mas o aluno ficou muito haverá uma parte de alunos
viciado nisto, porque ele ganha um no começo do ano aí se que não aprendem, que
acaba o lápis ele acha que ele não pode comprar nenhum fracassam.
lápis. A escola, nesse sentido, ficou muito assistencialista.
O professor só aprova
“porque eu tenho que
aprovar.”
Considero. Considero sim o projeto de reforço porque antes o
professor era obrigado a dar conta de todas as dificuldades O professor prefere a escola
dos alunos e agora ele conta com estes projetos de seriada.
recuperação que são, sem dúvida, um avanço.
O professor afirma que os
alunos têm o direito à
educação garantido: “Eles é
que não estão sabendo
(pensa bastante... fica em silêncio) Dos meus trezentos alunos aproveitar, eles têm esse
acho que um terço seria aprovado. É um terço, com domínio direito! Eles têm garantido
94
total um terço, uns 100 alunos.
Eu acho... (demonstra inquietação, fica em silêncio e levanta
os ombros...) Não que eu não aprovaria. Aprovaria, mas com
ressalvas. Com ressalvas, porque boa parte não aprendeu
100% do que foi transmitido. Acho que mesmo antes quando
havia reprovação sempre houve uma parte que não atingia,
menos que hoje, mas sempre houve uma parte que não
atingia. Só que eu acho que com o ciclo isso aumentou,
aumentou o número de alunos que passam ser estar
totalmente aptos a seguirem. Aprovo porque eu tenho que
aprovar.
Eu entendo seriação melhor, eu entendo.
esse direito! Agora se ele
quer aproveitar isso que é o
problema.”
Os alunos têm o direito de
aprender garantido, mas não
aprendem porque não
querem.
O professor associa o direito
à aprendizagem ao empenho
pessoal e ao vencer na vida.
Alguns alunos aproveitam a
Mas eu não acho que eles estão tendo o direito. Acho que eles oportunidade, outros não:
têm o direito à educação! (fala de forma afirmativa e em tom “Isso é escola”.
de voz mais elevado) Eles é que não estão sabendo aproveitar,
eles têm esse direito! Eles têm garantido esse direito! Agora
se ele quer aproveitar isso que é o problema. Ele não tem
consciência de que isso é para o bem dele. Ele não tem essa O professor sabe que é
consciência, mas como eu falei a gente oferece, a escola desvalorizado e que isso
oferece, mas eles não aproveitam. Não vou mentir. É igual prejudica a aprendizagem
hora que você perguntou sobre aprovar, é um terço só. Todos dos alunos.
têm esse direito porque a gente procura é ensinar para todos,
mas é claro que não vai atingir todos, só que isso passa pelo
querer, pela consciência, pela maturidade, então 100% do que O professor afirma que o
a gente está passando eu acredito que um terço, outros vão direito à aprendizagem é
passar sem saber nada, com ressalvas, não aproveitaram tudo garantido, mas os alunos não
que tinha que aproveitar. Mesmo esses, que nesse momento cumprem com o dever:
estou dizendo que não aprovaria, ele está tendo esse direito “Quanto ao direito a gente
garantido. Muitas vezes ele não quer essa oportunidade, ele garante: quero saber é do
nem sabe para que precisa dessa oportunidade. Ai é difícil né! dever deles.”
Eu acho que é isso que tentamos é... (muda radicalmente o
tom de voz) Conversamos com eles falamos das necessidades,
do direito, do que é necessário, é... mostrar no dia a dia.
Mostramos casos de pessoas que estudaram e venceram,
outras não estudaram e também venceram, mas tiveram sorte
ou ajuda. Tudo isso é conversado, sobre os espertos que de
alguma forma conseguiram vencer. A oportunidade é para
todos, agora uns aproveitam e alguns não, infelizmente. Isso é
escola.
95
E eu quero corrigir, quero devolver para o aluno, quero que
ele veja o que ele errou, que discuta comigo o que tem que
melhorar e se você não fizer esse trabalho fora de sala de aula
então é muito pouco, acho que deveríamos ter menos aulas,
mais espaços para corrigir provas, preparar aula, conversar
mais com os professores sobre as turmas e, é claro, que tudo
isso passa pela questão salarial, se você pudesse trabalhar
menos e ganhar mais seria o ideal.
Nosso papel é importante porque somos orientadores,
estudamos junto com os alunos, a gente está sempre
norteando, será que fica melhor desse jeito ou não. Acho que
o nosso papel é orientar, estar sempre orientando, buscando
soluções para os problemas, nosso papel é esse. Quanto ao
direito a gente garante, quero saber é do dever deles.
96
Quadro XII. Pré-Indicadorese Indicadores – Entrevista 3 – Professor Carla –
Matemática
Pré-Indicadores
Indicadores
Estou resgatando de uma maneira assim muito árdua. Procuro O aproveitamento escolar e
sempre estar dialogando, falando para eles a importância dos o conteúdo proposto servem
estudos. A importância dos vestibulares. Os concursos e a para o aluno passar em
importância em desenvolver os conteúdos propostos. vestibulares e concursos.
Converso muito e consegui resgatar alguns. Porém com Alguns alunos continuam no
mesmo patamar do início do
alguns ainda não consegui participação na sala de aula.
ano.
Então... (silêncio...) É ...( a professora demonstra
nervosismo). Primeiro passo você na sala de aula vai A responsabilidade pela
desenvolver o conteúdo proposto. Sabemos hoje que existem aprendizagem é só do aluno:
vários fatores que auxiliam. No mínimo eles estão avançando, “...ele que aprova ele
agora aqueles poucos que encontrei continuam no mesmo mesmo!”
patamar do início do ano.
As notas dos alunos são
Como seriam os alunos aprovados?(sorri e fica inquieta).
definidas por avaliações e
Alunos aprovados. Na verdade não sou eu que vou aprovar o
atividades.
aluno, ele que aprova ele mesmo! De acordo com a nossa
metodologia com o retorno que ele dá todos os dias. De
As notas atribuídas aos
acordo com as avaliações, as atividades avaliativas da
alunos é que define a
escola, eles vão tendo menções, essas menções vão fazer
aprovação ou não.
com que ele se aprove ou não.
Já diagnostiquei uma parcela de alunos com dificuldades no
aprendizado. Por questões sociais, de família, o que eu
posso fazer? Na sala de aula o que eu consegui até o
momento foi chamá-los para uma atividade diferenciada
no qual eu pedi para que eles realizassem de maneira bem
tranquila, de uma forma bem carinhosa, que realmente
demonstrasse ali o que ele sabe. A partir daí dou a
devolutiva para eles.
No momento não. Já falei antes que eu não reprovo. São
eles que se reprovam. São os próprios alunos que se
reprovam. Muitas oportunidades são oferecidas. Procuro
resgatar sempre o máximo, então quer dizer, de acordo
com a progressão continuada tenho que aprovar. Da
forma que venho trabalhando esse aluno para ele ser
reprovado só se realmente for evadido e não fizer as
atividades,se não tiver participação, desempenho.
“...essas menções vão fazer
com que ele se aprove ou
não.”
O aluno não aprende por
questões sociais e de família
e a professora alega não
poder fazer nada.
Para o aluno aprender a
professora oferece
atividades diferenciadas
“...de uma forma bem
carinhosa”.
A responsabilidade por não
aprender é só do aluno: “Já
falei antes que eu não
reprovo. São eles que se
reprovam. São os próprios
alunos que se reprovam.”
Essa questão é assim (fala baixo e gesticula muito) Quais são
os alunos que eu aprovaria e não aprovaria? Em primeiro
lugar eu levo muito em conta o desenvolver da unidade
escolar, não só meu método de trabalho. Eu levo em conta o
aluno não só na minha disciplina. Levo em conta as outras
disciplinas também.Se ele ficar comigo em questão de A professora aprova os
notas, menção baixa passaria pelo conselho devido que as
97
outras matérias aprovam. Vou fazer o que? Ele está alunos porque de acordo
contemplado? Provavelmente eu não reprovaria nenhum com a progressão
continuada tem que aprovar.
aluno porque a progressão continuada aprovaria.
(silêncio, fica incomodada com a pergunta - Aprovaria
por conta da progressão continuada ou por que estão
aprendendo? Sorri muito) Que pergunta difícil? (repete a
pergunta várias vezes) Não. Não. Sabe por que demorei na
resposta? Em um primeiro momento eu não pensei nisso.
É muito provocativo pensar nisso, a questão do meu dia a
dia. Não vejo meio de reprovar com a progressão
continuada. Sou uma pessoa muito humana, eu não me
vejo reprovando um aluno. Eu vou reprová-lo porque não
aprendeu minha matéria. Eu nunca fiz isso. Não vou
mudar essa concepção de que ele não aprendeu e ficou
com nota baixa. Os alunos com nota baixa eu deixaria
para o conselho deliberar pelo sim ou não. Se o conselho
reprova, eu também reprovo.
Percebo que são ideias que vieram para somar ao nosso
trabalho para que o aluno avance no aprendizado. Agora o
que percebo é a organização do trabalho, os métodos de cada
um. É necessário criar um contrato didático para esses
negócios de recuperação paralela, projetos, aula de reforço, de
apoio. Precisa de uma organização maior para o exercício
dessas atividades para ter um retorno melhor com meus
alunos. O que eu percebo é que amaioria gostaria de mais
reprovação, que houvesse mais reprovação. O professor
acredita que reprovando o aluno ele vai se dedicar mais às
aulas e vai prestar mais atenção. Estudar mais, respeitar
mais o professor, melhorar seu conhecimento. Os
professores acreditam que reprovando o aluno será
melhor no nosso dia a dia, não vai ter essas preocupações
todas. Desafios de ter que ensinar um aluno a ler e
escrever os símbolos matemáticos. Se houver reprovação
eu vou ter na sala só quem já sabe, assim posso ensinar
mais. Não vamos ter esses casos paralelos que não
aprendem.
Eles perguntam: Não entendi como esse aluno passou? Como
que meu filho passou sem aprender nada? Tinha notas
vermelhas e foi aprovado? O pai não entende a progressão
continuada. Já comentei anteriormente que ele não tem essa
visão que precisava acompanhar o aprendizado do seu filho
na escola.
A professora reprovaria só
na disciplina dela, não o faz
porque o conselho aprova.
A responsabilidade pela
aprovação dos alunos que
não aprenderam é da
progressão continuada.
Se não fosse obrigada pela
progressão continuada, a
professora reprovaria os
alunos.
Quando questionada sobre
aprendizagem e progressão
continuada a professora
considera que é um assunto
difícil.
“Não vejo meio de reprovar
com a progressão
continuada”
Sobre o tema reprovação
contraditoriamente a
professora afirma ser “uma
pessoa muito humana”, mas
“se o conselho reprova, eu
também reprovo”.
A maioria dos professores
gostaria de mais reprovação.
“O professor acredita que
reprovando o aluno ele vai
se dedicar mais às aulas e
vai prestar mais atenção”.
O aluno que é reprovado
O professor não conhece [progressão continuada]. Esse dedica-se mais as aulas.
professor precisa ser observado, auxiliado, incentivado. Ai
o trabalho dele vai desencadear de uma forma que A reprovação faz o aluno
98
contemple a progressão continuada. Quando não há isso respeitar mais o professor.
cada um trabalha da forma que é possível, do jeito que dá.
O retorno da reprovação
Essa organização é feita através do diagnóstico da escolar como redentora dos
dificuldade do aluno. Chega o “Professor Auxiliar” e problemas escolares: “Os
passamos para ele as dificuldades dos alunos. O professor professores acreditam que
auxiliar vai procurar trabalhar dentro daquelas reprovando o aluno será
dificuldades que o aluno apresentou que o professor da melhor no nosso dia a dia,
sala diagnosticou.
não vai ter essas
preocupações todas.”
No momento temos professor auxiliar de Língua Portuguesa.
De matemática não tem. Mas nunca deixei de fazer
A reprovação escolar é boa
recuperação com meus alunos. Com ele (Professor Auxiliar)
porque seleciona os alunos.
ou sem ele estou sempre fazendo minhas atividades paralelas
que se tornam atividades individuais. Eu mesmo crio as
Com a reprovação escolar:
atividades com meus alunos. Estou sem professor auxiliar,
“Não vamos ter esses casos
sem apoio, não tem professor.
paralelos que não
Não, anteriormente era fora do horário de aula, um horário a aprendem.”
parte. O aluno era indicado para o reforço e viria antes do seu
período ou depois do horário da aula dele. No contraturno
O professor não conhece a
com o professor do reforço.
progressão continuada e
Acredito que tem dois ou três anos. A recuperação paralela e “cada um trabalha da forma
contínua é da competência do professor em sala. Deveria ser. que é possível, do jeito que
O reforço era fora do horário como tinha comentado. Como dá”.
era feito? O professor da sala realizava o diagnóstico e
apontava os alunos que estavam com dificuldades de
aprendizagem e encaminhava uma listagem, com no máximo O professor auxiliar
15, 20 alunos para montar uma turma. Colocaria as organiza seu trabalho de
dificuldades apresentadas, as habilidades e competências acordo com o diagnóstico da
que cada um teria. Outro professor contratado que ia aprendizagem do aluno.
lecionar essa aula de reforço. O que às vezes dificultava
era a frequência dos alunos, que já vêm com essa A professora organiza
concepção de que estudar não é legal, não é gostoso, tem atividades de recuperação
para os alunos.
que fazer lição, que aprender não é bom.
Não. Não tenho, mas já tive.
(silêncio, demora para responder) Essa proposta é legal.
Ajudava meu aluno a sanar a dificuldade. Se tem outro
professor auxiliar na sala com o professor titular, temos
mais tempo de dar conta do conteúdo com os outros
alunos. Não tem professor de Matemática para contratar,
é o que dizem.
Não tem professor auxiliar
de Matemática.
A proposta de ter um
professor auxiliar é bem
aceita pela professora.
Não tem professor de
Todos os professores gostariam de ter um professor de Matemática para contratar.
apoio, não somente de Português e Matemática, que no
caso são disciplinas que necessitam mais de um professor
de apoio. Todas as disciplinas são importantes. Mas
99
Português e Matemática, que é a junção de todas elas, que Todos os professores
gostariam de ter um
vão fazer diferença para que o aluno aprenda.
professor auxiliar.
(silêncio, sorri muito) Como uma primeira experiência.
(gesticula muito e fica incomodada) Foi mínima, não houve A melhoria da aprendizagem
um avanço do tipo foi “glorioso”, com 100% de dos alunos foi pequena
aprendizado, com todos os alunos na mesma mesmo com o apoio do
aprendizagem, no mesmo nível dos demais alunos. Houve professor auxiliar.
um avanço mínimo.
Os alunos deveriam ficar no
Eles têm o direito à aprendizagem garantido. (sorri muito
mesmo nível de
e fica incomodada) Agora se eles visualizam que é de
aprendizagem.
direito, que é garantido para eles, isso que eu quero saber
deles? Se eles querem esse direito? Essa também é uma
dúvida minha. (silêncio, respira fundo e parece nervosa) O aluno tem o direito à
Então, conforme iniciamos a conversa sobre a realidade deles: educação garantido, mas não
que preciso conhecer meus alunos. Se eu for retirar mais aproveitam.
tempo para conhecer meus alunos, para o meu trabalho, eu
não vou fazer mais nada na vida! Não vou viver nada! Quando o assunto é direito à
Dependo da equipe. São muitos alunos. Se fôssemos uma educação a professora
equipe ,conheceria melhor meus alunos, assim eu poderia dissimula e procura mudar
falar que estão aprendendo 100%.
de assunto.
Os colegas apresentam muita dificuldade de transmitir, de
ensinar, de querer fazer com que o aluno se interesse. O
aluno não vê significado para aprender. Não vê o
conhecimento. Ele quer de forma diferenciada, mais
alegre e com menos cobrança. Ele não quer ter problemas,
não quer desafios que chamem à atenção. Não quer,
muitas vezes, nada.
O aluno quer uma escola
diferente só que “O aluno
não vê significado para
aprender. Não vê o
conhecimento....não quer ter
problemas, não quer
desafios que chamem
Garantimos sim [o direito à aprendizagem] de uma atenção. Não quer, muitas
maneira mais formal. Tenho certeza de que grande parte vezes, nada.”
deles vem para escola e os professores procuram ensinar,
Os professores fazem a parte
deixar o aluno preparado para o ENEM, para um
deles para garantir o direito
concurso. É voltado para o teórico, mas não posso
à educação: “Agora se
garantir que isso garante. Fazemos nossa parte, nossa
alguns alunos não fazem a
prática. Agora se alguns alunos não fazem a parte
parte deles...”
deles...Olha o professor tem feito o máximo para garantir
esse direito do aluno, o que precisamos é de trocas, de A professora reconhece que
reuniões. O professor precisa ampliar seus conhecimentos. precisa dominar outros
A gente depende de tudo isso, de uma estrutura que possa conhecimentos e dialogar
disponibilizar para o professor e precisamos estudar. A com os demais professores.
estrutura física da escola, de um modo geral,
equipamentos, internet. Precisamos de um professor que
tenha conhecimento das tecnologias e onde precisa de um
curso de informática. Sinto falta da troca de experiência
com meus pares.
100
Quadro XIII. Pré-Indicadores e Indicadores– Entrevista 4 – Professora Diana –
Português
Pré-Indicadores
Indicadores
Eu os vejo como muito carentes, não só de aprendizagem,
mas de conteúdos. A gente se envolve com esses alunos que Alunos não dominam os
são carentes. Carentes de carinho mesmo, amor de pai e mãe. conteúdos.
Eles falam da vida deles. Eu também converso, falo algumas
coisas minhas e eles falam que agora, na época deles, é Os alunos são “espertos e
conversam bem”.
diferente e assim vai. Eles são espertos e conversam bem.
Falam que vem aqui só para estudar, mas a gente sabe que
não é só isso. Eles vêm para encontrar os amigos, para
namorar, para jogar futebol, brincar, jogar cards se a gente
deixar. Fazem tudo menos parar para estudar, fazer o que
precisam fazer. Mas eles também vêm para aprender, eles
querem aprender. Na fala deles eles querem só brincar, mas
também querem estudar, saber, aprender.Penso que falam isso
porque os pais falam que precisa ir para escola, repetem a fala
dos pais.
Minhas salas estão cheias, uns 35, 40. Como alguns
transferem devo ter 33, 37 por sala. Em média tenho, deixa
fazer a conta, quatro manhã, quatro tarde, uma noite: tenho
uns 350 alunos (sorri muito e demonstra preocupação). E
tenho que dar conta de todos eles!
A escola é um espaço de
convivência para os alunos.
Os alunos querem aprender.
O professor tem que dar
conta de todos os alunos.
Os alunos apresentam
Tem turma que vai bem, aproveita bem, mas tem turma que muitas dificuldades.
tem muita dificuldade. Tenho alunos que não sabem ler ou
escrever e às vezes eles copiam, mas não lê, a letra é linda, Alguns alunos não sabem ler
mas ele não lê sozinho. Não consegue produzir nada a não ser e escrever.
copiando, mas não é a turma inteira. Então por conta dessas
dificuldades não dou conta de trabalhar com todos. Faço as O professor auxiliar ajuda na
atividades diferenciadas com esses alunos que contam com o sala em atividades
“Professor Auxiliar”, que ajuda na sala de aula. Em casos diferenciadas.
muito específicos preciso ver o que vou fazer com ajuda desse
professor auxiliar. No aproveitamento, no geral, eles vão bem, O professor tem turma que
tem uma turma da manhã que tem mais dificuldades. Tenho aprendeu mais e outras não.
duas turmas, uma vai melhor e a outra não, é um pouco mais
O professor não tem
abaixo.
convicção em responder se
(sorri muito... gesticula... demora bastante para responder) os alunos estão aprendendo.
Estão aprendendo? Acredito que estão aprendendo. Eles
participam, eles falam que aprendem, alguns aprendem.
O professor afirma que os
alunos participam.
101
Aprovados? Deixa-me pensar? (demora a responder...) Ora!
Eles são aprovados, tem que ser todos aprovados!
Os alunos são aprovados
porque “têm que ser todos
aprovados”.
Os alunos que apresentam
mais dificuldades fazem
Não é que eles seriam não aprovados. Existem alunos que têm atividades diferenciadas.
muitas dificuldades, então a gente faz atividades diferentes
com eles. Como agora temos o professor auxiliar a gente O professor titular e o
senta e vê quais são realmente as dificuldades dos alunos, dos professor auxiliar
problemas deles, das atividades diagnósticas. Fazemos de preocupam-se com a
tudo para que ele não fique para trás, que acompanhe o grupo. aprendizagem do aluno para
que ele “não fique para
Não deixo o aluno trabalhar sozinho, sempre tem um que sabe trás”.
melhor os conteúdos, o que está sendo trabalhado no
momento, nos trabalhos. Enfim, nunca trabalham sozinhos,
sempre estão em pares, em trios, em quartetos, até um pouco O professor reprovaria seus
mais, mas eles sempre trabalham. Um ajuda o outro, não sou alunos por “um tempinho”.
só eu. Eles não são não aprovados, no fim sempre sabem,
sempre tem alguma coisa. Não ficam para trás, quem fica para
trás é aquele que não frequenta a aula.
O professor reprovaria seus
(silêncio e demonstra inquietação com o tema reprovação) alunos, mas sabe que não é o
Não. Eu até reprovaria alguns um tempinho, mas não entendo caminho.
que é o caminho. Deixá-lo na mesma série para ele aprender,
O professor não concorda
eu não sei.
muito com a reprovação,
mas reprova.
Eu não concordo muito que o aluno seja reprovado porque, às
vezes, o conteúdo que eu estou dando lá não é aquilo que vai
definir o que ele vai ser amanhã. Não é esse conteúdo que vai
definir se ele vai prosseguir. Acho que sempre ele sabe uma
coisa a mais. O que fica para trás mesmo, que não vai passar é
o que falta demais. Respondi? É isso?
O aluno que não aprendeu o
conteúdo sempre “sabe uma
coisa a mais”.
O professor não reprova os
alunos porque “sempre
ouve: não podemos
Da reprovação? A gente sempre ouve: Não podemos reprovar”.
reprovar! Faz-se de tudo para aprovar o aluno. Quanto menos
reprovação melhor. É o que a gente escuta, não só eu, mas os O professor não vê a
outros professores também. Então a gente faz tudo para reprovação com “bons
recuperar o aluno. O que ele sabe realmente de um conteúdo olhos”.
naquele momento não vai fazer com que ele mais tarde seja
caso para retenção. Então a reprovação a gente não vê com O professor faz o máximo
bons olhos, a gente tem que fazer o máximo para recuperar o para o aluno caminhar com a
turma.
aluno e que ele consiga caminhar com a turma.
102
Não são os professores. Porque pelos professores, mesmo se a
gente fosse realmente fazer, como a gente talvez pudesse
fazer, mas não pode, talvez tivesse ai uns 10 de alguma sala.
A gente sabe que não pode reprovar. A gente sabe que isso já
vem de cima, quando a gente vai para uma sala de conselho,
passa uma nota e, às vezes, a gente tem lá uma nota vermelha,
a gente sempre tem que pensar no melhor, a gente não deixa
o aluno. Como é difícil falar essas coisas (a professora ficou
muito incomodada e silenciou.)
Talvez seja melhor para escola, para Secretaria da Educação,
é assim que eu penso. Mas para o aluno eu não sei, às vezes
seria até bom ele ficar mais um tempo para ele, sei lá,
caminhar melhor com a turma. Eu tenho aluno com laudo. Ele
não consegue acompanhar a turma e nada que você faça.
Escrever e ler não sabe de jeito nenhum, ele não consegue,
tem alguma deficiência intelectual. Ele não consegue. Esse
não vai. Sobre esse aluno a gente recebe aquelas conversas de
que você tem que aprovar porque ele tem um problema. Esse
aluno vai para frente, só que esse aluno precisaria talvez de
um acompanhamento psicológico, quem sabe? E a gente
como professora não está preparada para lidar com esse tipo
de situação, esse tipo de aluno. Daí tem que aprovar? Eu não
sei como a gente faz? E ai a gente, como eu falei, eles falam
para gente aprovar, mas o melhor é não aprovar, às vezes é
até melhor para o aluno.
O professor quer reprovar,
mas não pode.
O professor aprova os
alunos porque é pressionado
pela direção da escola.
Reprovar os alunos não é
bom para a Secretaria da
Educação.
O professor entende que a
reprovação ajuda o aluno a
caminhar melhor com a
turma no próximo ano.
O professor não sabe como
ajudar o aluno para que ele
não reprove.
O professor afirma que
reprovar às vezes é melhor
para o aluno.
O assunto reprovação
(pensa muito, fica incomodada, diz em voz baixa: “Ai meu escolar incomoda o
Deus do Céu!”...) A gente não pode mudar esse assunto de professor.
reprovação (sorri bastante e demonstra nervosismo). Se fosse
mesmo fazer de acordo com que o aluno precisa nos testes Os testes mostram que parte
que a gente faz talvez ficassem alguns para trás, mas assim, dos alunos deviam ser
reprovados.
uns cinco de cada turma talvez.
Seriam as avaliações a que os alunos são submetidos. Não é
teste, falei errado a palavra teste. São as avaliações que a
gente propõe aos alunos. Em uma avaliação escrita o aluno
vai mal, mas tem as avaliações que também fazemos no
processo. Às vezes no processo, ele não consegue ir para
frente, não consegue evoluir, não consegue evoluir, nem sei
se posso falar aprender, mas ele não consegue, às vezes, fazer
aquilo que estamos oferecendo também, não ajuda também,
fica patinando.
O aluno não consegue
aprender e “fica patinando”.
Os professores tentam
recuperar os alunos e
acreditam que a reprovação
Da reprovação? Das avaliações? Olha, pela maioria dos é uma forma de ajuda.
professores, a gente sempre tenta recuperar o aluno, sempre
tentando ajudar, sempre tentando fazer alguma coisa, mas A escola obriga os
também tem muita conversa: “Podia ficar. Não sabe tem que
103
reprovar”. Mas assim, com relação à escola reprovar, a escola professores a aprovarem os
lá sempre coloca que não podemos reprovar o aluno porque alunos.
ele é submetido a uma avaliação escrita e ele não conseguiu e
nós não podemos reprovar. Então como a gente pode ajudar?
O tema ciclos de
É acho que é isso? Será que eu respondi?
aprendizagem é pouco
Os ciclos agora aumentaram, é isso né? Conversamos sobre trabalhado na escola.
isso, mas não conversamos muito. É que o aluno poderia até
ficar reprovado. Poderíamos avaliar os alunos em três fases e O professor não entende a
ele poderia ficar retido por três séries, 5º ano. Não, 3º ano, 6ª mudança atual dos ciclos,
ano e 9º ano, que são as séries em que eu dou aula. Então mas vê como uma
assim, essa questão dos ciclos, não vejo como algo ruim, no possibilidade de reprovar
caso, no tocante a trabalhar com eles, não vejo como algo mais alunos.
ruim é, na verdade eu... (fica em silêncio...)
O professor afirma que
outros professores defendem
a reprovação para: “quem
sabe mais um ano para ele
Tem colegas que falam que têm que ficar para trás, quem sabe aprender mais um pouco”.
mais um ano para ele aprender mais um pouco. Se tenho esse
aluno com problema intelectual, porque vou deixar para trás, O professor afirma que os
mas se ele também acompanha. Mas os colegas dizem que colegas não gostam dos
não gostam dessa questão dos ciclos. Por eles preferiam até ciclos: “que realmente
que andássemos para trás, que realmente tivesse reprovação, a tivesse reprovação, a
seriação e não os ciclos. É essa conversa que a gente escuta seriação e não os ciclos”.
pelo que falam. E que têm outros, alguns, que são a favor dos
ciclos.
Alguns professores são a
favor dos ciclos.
A prova, a avaliação escrita como um jeito de reter o aluno,
ainda tem essa, infelizmente, ideia de reprovar o aluno. Ter
aumentado um ciclo para reprovar, não sei o que penso. O professor demonstra
Estou ficando nervosa (sorri bastante e parece querer falar ansiedade quando o tema é
ciclo e reprovação escolar.
mais e não consegue.)
Tem a ideia desse professor auxiliar que vem agora na sala de
aula. Não assimilei direito porque estava acostumada com
aquele professor do reforço, ainda não estou acostumada com
isso, com essas novas denominações, então tenho um O professor não conhece a
professor que vem, acredito que é o Professor Auxiliar. É proposta de ter um professor
auxiliar.
estou achando bom, está ajudando bastante.
Esse projeto do Professor Auxiliar é recente. Teve uma época
que não tinha esse professor auxiliar, que ora fala apoio, ora
fala reforço. Tem coisa de dois anos isso. O professor antes
era um professor que vinha e tirava os alunos da sala e nós
fazíamos, no caso eu titular da sala, fazia o levantamento,
uma avaliação diagnóstica e verificávamos os alunos que
Mesmo sem conhecer a
proposta o professor acha
bom ter um professor
auxiliar.
O professor titular e o
104
tinham maiores dificuldades para acompanhar a turma e os
encaminhava para o reforço com outro professor em horário
diferente da aula. Vinham antes para a aula, entravam uma
hora antes e tinham as aulas de reforço com esse professor,
mas ele já tinha em mãos a avaliação diagnóstica e ia
trabalhar com o aluno. Depois o aluno vinha para sala
continuar.
professor auxiliar ajudam o
aluno, mas não sabem dizer
se ele está aprendendo.
A atual proposta de oferecer
recuperação para os alunos
com ajuda do professor
auxiliar é melhor do que a
Hoje é diferente. Pelo que vejo falamos desse professor recuperação que se fazia
auxiliar que está chegando. Ele vem, fica na sala de aula e me antes retirando os alunos da
ajuda com aqueles que na hora estão com dificuldades. sala de aula.
Vamos de carteira em carteira apoiando, trocando ideias com
os alunos, fazendo atividades. Conversamos, enquanto eles
fazem as atividades e vamos avaliando o processo. Se eles
estão conseguindo, ou se não estão conseguindo aprender não
sei. Acho que esse professor veio em uma hora boa. Foi bem
melhor que a outra situação que nós tínhamos de tirar os
alunos da sala de aula. Para o professor, às vezes, até seria Anteriormente o
bom. Você tem lá uma sala indisciplinada e você precisa dar a atendimento aos alunos para
sua aula e, as vezes, você precisa tirar esses daqui porque dão recuperação tinha falhas e
muito trabalho. Já ouvi muito professor falar assim, que era não atendia às expectativas
melhor o outro projeto para tirar os indisciplinados da sala: do professor.
então tira porque é melhor!. Acho que não pode ser como
punição senão você, sabe, eu me preocupo muito com os
alunos.
No ano passado eu tive uma professora que ficou com os
alunos, eu não sei se era professor auxiliar ou se era do
reforço. Eu não imaginei que os alunos aprenderam. Só sei
que ela ajudou os alunos pouco. Era um professor da
disciplina específica e os alunos precisavam de alfabetização.
O professor não sabia alfabetizar, não ajudou os alunos. Eles
continuaram com as mesmas deficiências que apresentavam
para desenvolver certas atividades. São os mesmos alunos que
tenho hoje e eu não vi melhora, não vi ajuda. Então vieram
outras professoras, só que não deram essas aulas, só faltavam,
não sei o que aconteceu.
Essas que chegaram agora trabalham mais, inclusive falei que
tem hora que vai ficar com a gente e tem hora que vai tirar o
aluno da sala, isso é um ou dois, no caso da alfabetização. É
um ou dois quando a gente trabalha essa apostila que é do
Estado, então eles também precisam participar das demais
aulas. Então essa professora ajuda mais esse aluno que tem
dificuldade, esses alunos que também têm que participar.
O professor auxiliar tem que
ser alfabetizador.
O professor auxiliar ajuda os
alunos que têm dificuldades.
Mesmo com a ajuda do
professor auxiliar tem aluno
que não participa.
O professor considera que os
alunos têm o direito à
aprendizagem garantido.
A questão do direito à
educação incomoda o
professor.
Eu penso que sim, penso que eles têm o direito à
aprendizagem garantido. É uma tentativa, eu penso. (Fica em
silêncio e incomodada com a questão.)
Para o professor o direito à
105
Que todo aluno frequente à escola. Todos têm que vir para educação se resume em o
aula, já diz, garante a LDB. Eles vêm, eles têm direito de governo oferecer vagas na
aprender e o governo tem mais é que garantir (risos... escola.
demonstra intranquilidade com o tema).
Bom... tem aquela conversa que todos precisam ser aprovados
( ri muito e gesticula.). Eles têm o direito mesmo assim,
quando a gente chega a reprovar realmente os alunos ... a O professor limita o direito à
gente sempre procura um meio de aprovar ... e .... perdi o que educação à aprovação
ia falar.
escolar.
É mesmo... todos são aprovados, quem fica para trás mesmo é
quem não frequenta a escola. Mas mesmo esses a gente
controla a frequência para garantir o direito de aprender.
Passamos para o coordenador entrar em contato com a mãe
O direito à educação se
para ter o acesso garantido.
resume ao controle da
Hããã... ai você me pegou (dá gargalhadas, se movimenta frequência escolar, ao acesso
muito na cadeira, levanta um pouco e senta novamente). Ser à escola.
aprovado não significa que... não que ele... como vou dizer...
fiquei em uma encrenca danada (silêncio...). Ele usa o direito
dele, ele está lá para aprender. Se ele vai aprender vai O professor não consegue
depender um pouquinho dele, todos estão aqui pensando no associar o direito à educação
bem comum (muda o tom de voz) “tentando ajudar, promover como direito subjetivo.
aprendizagens significativas”, “fazendo aulas diferenciadas”.
O professor afirma fazer de
Procuramos ajudar agora se ele vai aprender, sabe, sei lá.
tudo para garantir o direito à
O restante é a família, uma família inteira. Se ele fosse bem, educação, mas
tivesse uma família completa, quem sabe ele aprenderia responsabiliza só o aluno
melhor. Não posso condená-lo se ele não aprendeu e deixá-lo pela aprendizagem.
reprovado porque tem um pai e uma mãe que são separados.
Agora com relação a ele aprender ou não eu não sei explicar. O professor reproduz a fala
Ele deve ter vontade, mas envolve todo mundo, a família, a oficial e recortes da
escola, o professor, o direito a ter materiais, recursos que, às literatura pedagógica para
vezes, a escola não tem. A nossa escola está tentando ter e justificar sua defesa:
melhorar as aulas, que sejam interessantes para eles. Se não “...todos estão aqui
for interessante,ele talvez não aprenda. Precisamos de mais pensando no bem comum”.
recursos para as aulas serem mais interessantes, ajudar o
aluno, sei lá.
Nossa dessas políticas públicas! Parece que os professores
não estão muito preocupados com os alunos. E os alunos têm O professor entende que o
tudo a favor deles. Têm muitas coisas que são feitas pensando tema direito à educação é
no aluno, (muda o tom de voz) “ele tem a família assim, complexo.
precisa de um atendimento psicológico.” O professor não tem
nada disso, bom ou não tem que ir para sala de aula, dar aula
dinâmica, é isso que a gente ouve. A gente não tem esse
apoio. Pensa-se só no aluno: e o professor? Promove-se tudo
para o aluno, tudo vem para ele. E nós? A gente quase não
tem nada, a fala que a gente recebe é assim: nós não temos
106
um ensino de qualidade e só o professor é o culpado porque o
ensino não tem qualidade. Eu falo assim porque a gente vê na
mídia, parece que somos o problema.A Secretaria da
Educação até lança os programas que investem no professor,
não posso também tirar esse mérito. Só que também barra o
professor que tem dois cargos e não pode receber a bolsa para
fazer mestrado/doutorado, não tem direito. Tenho que dar
muitas aulas, ter dois cargos, se eu quiser também ter uma
vida melhor, mais confortável lá fora e aí não posso fazer
mestrado/doutorado. Assim é nosso trabalho, por exemplo:
tenho dois cargos e não tenho direito a ticket refeição, não
pelo ticket, mas é um direito, a gente não tem muita coisa,
mas é cobrado de tudo.
Direito à aprendizagem é tudo isso ai. Acho que sim. Um
professor qualificado. Para isso a Secretaria tem que dar
apoio, embora até ofereçam os programas, mas nem sempre o
professor pode.
Se ele está tentando e quer qualificar o professor, como eu
coloco, parece que tudo envolve o professor, parece que ele é
o problema. O professor é o problema. Então o governo está
tentando, mandando cursos fechadinhos, tentando mudar a
sala de aula com mais um professor. Acho que está tentando
também e a gente faz o possível também para atender a essa
questão da aprendizagem. É isso, só falta o aluno... (risos...
descontração)
O professor afirma que: “ os
alunos têm tudo a favor
deles” e o professor: “não
tem nada disso”.
O professor demonstra
indignação com sua situação
profissional e social: “parece
que somos o problema”; “a
gente não tem muita coisa,
mas é cobrado de tudo.”
Para o professor direito à
educação é ter um professor
qualificado e para isso a
Secretaria tem que dar
apoio.
O professor como o
principal problema da
Neste momento desligo o gravador e a professora diz: queria educação.
falar tanta coisa! (Sorri muito e fica impaciente).
O governo e o professor
Então, essa questão da reprovação: Nós vamos para sala,
fazem de tudo para garantir
quando estamos lá fazendo nosso conselho de classe/série de
o direito à educação, mas o
bimestre ou final e ouvimos, já ouvi várias vezes: mas
aluno não.
professora! nota vermelha! E, às vezes, o vermelho lá é uma
nota três, quatro, do aluno que não conseguiu acompanhar
tudo. Não conseguiram aprender e demonstrar isso durante as
O professor quer ser ouvido,
aulas. Falam novamente: mas professora nota vermelha! A
mas teme as consequências.
senhora deu três e o outro dois! Então subo minha nota para
quatro. Só que continua: mas professora não dá para dar um
A professora sente-se
cinco? Então ponho cinco e acabo com o assunto. É isso.
pressionada a atribuir notas
Às vezes você precisa reprovar. Se a gente pudesse reprovar para os alunos.
mesmo a gente reprovaria mais da metade da sala (risos...
A professora atribui nota
gargalhadas) mais da metade da sala.
para o aluno para não ter
A gente, professores. Não podemos porque somos barrados problema com a direção.
porque vem a ordem de cima. Através do coordenador, do
diretor, do governo. O diretor não quer que a escola tenha O professor afirma que, se
muita reprovação e é isso que a gente escuta. Então porque pudesse reprovar,
107
você vai reprovar? Mesmo assim quando a gente mantém reprovaria: “mais da metade
uma reprovação e o professor bate o pé dizendo: eu tenho da sala”.
todas as atividades desse aluno e ele não vai! E mesmo assim
O professor relata o embate
a coordenação quer que eu aprove? Nós não aprovamos!
com a coordenação e direção
Às vezes tem conceitos lá mostrando que o aluno ficou para quando o assunto é
trás. Tivemos alunos da oitava que foram embora. Tadinhos, reprovação escolar.
era a limitação deles, eles vão para onde? Só até ali, não vão
para frente, pelo menos naquilo que a gente diz de “escola, Mesmo com todas as
papel”. Não eles são só aquilo ali, tudo que ele conseguiu é atividades o “aluno não
ali. Não vai para frente. Reprovamos alunos de algumas vai!”.
turmas, foram poucos. Mas ficaram! Não foi por indisciplina,
pelo menos isso a gente não faz, reter por indisciplina. Antes Os alunos são vistos como
fosse bagunceiro, mas aprendesse. E chega a direção, a coitados quando “não vão
coordenação pedagógica e diz: mas ,professora, esse não fez para frente”.
nada, tem certeza? É isso direito à aprendizagem?
O professor entende que
É uma contradição. Não tem essa prova diagnóstica que vem
para garantir o direito à
da Secretaria. Não é o SARESP. É a “prova diagnóstica”* dos
educação é preciso reprovar
6º anos , 7ª anos. Não tem como você fingir uma realidade,
alunos.
não tem como forjar nada ali.Fazemos justamente porque
precisamos avaliar o aluno, para prepararmos nosso
A professora justifica a
planejamento, para tentar trabalhar mesmo, ajudar. É o que
reprovação escolar através
podemos fazer para ele aprender, uma forma de fazer valer
dos resultados obtidos nas
esse direito que ele tem de aprender é reprovar.
avaliações externas.
Tem essas provas ai que não camuflam. O problema é essas
políticas públicas que o governo manda. Dizem que você tem As avaliações externas não
que fazer assim e você acaba indo conforme vai. Quem perde camuflam o fato de os
alunos não estarem
com isso? O aluno. (demonstra preocupação e angústia).
aprendendo.
O
professor
entende
políticas públicas como
ordem de alguém e que ele
não participa.
108
4.3 Núcleo de Significação 1- A escola não cumpre seu principal objetivo que é a
aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a concepção de escola seletiva
Quadro XIV. Núcleo de Significação - A escola não cumpre seu principal objetivo que é
a aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a concepção de escola seletiva
Indicadores
O rendimento escolar dos alunos é muito baixo.
Em Matemática a maioria dos alunos tem notas vermelhas.
O conteúdo do ano/série não foi ensinado.
Os alunos aprovados estão muito abaixo do nível para o ano/série.
Alunos com mais dificuldades de aprendizagem “são mais difíceis”.
O professor sente angústia porque os alunos não dominam os conhecimentos necessários
para o ano/série.
Tentativas dos professores em melhorar a aprendizagem dos alunos e as notas nas avaliações
externas.
O Professor Auxiliar atende os alunos com mais dificuldades para melhorar o rendimento e a
notas da avaliação externa – Saresp.
Com a progressão continuada o aluno chega ao final do ciclo sem conhecimento básico.
A escola não tem qualidade “porque alguns alunos não querem aprender, não aprendem”.
Os alunos não estão aprendendo: “não aprenderam nada.”
Os alunos não aprendem devido aos problemas sociais.
“As crianças estão aprendendo pouco”
Os alunos mais interessados são aprovados e estão abaixo do básico.
O Professor trabalha o “mínimo” com os alunos que têm mais dificuldades.
A dificuldade dos alunos atendidos pelo professor auxiliar é “extrema”.
A escola e os professores pouco registram o acompanhamento da aprendizagem dos alunos.
Os pais são informados sobre a aprendizagem dos alunos através de um registro técnico:
“como está no reforço, se está aprendendo, se está buscando aprender, se é esforçado, se tem
empenho, se não é bagunceiro”.
Os alunos mais interessados são aprovados.
O Professor trabalha o “mínimo” com os alunos que têm mais dificuldades.
A dificuldade dos alunos atendidos pelo professor auxiliar é “extrema”.
O professor titular e o professor auxiliar separam os alunos em níveis de aprendizagem.
O Professor Auxiliar trabalha com grupos menores e atinge os objetivos.
“Provas diagnósticas” para selecionar os alunos com mais dificuldades
O professor afirma que “Os alunos são muito inteligentes”.
A escola e os professores associam a aprendizagem à melhoria dos índices da avaliação
externa e não à garantia do direito à aprendizagem.
Os alunos apresentam certas defasagens dos anos anteriores e o professor não consegue
ajudar.
Somente alguns alunos estão aprendendo.
Os alunos que aprendem são os que tiveram melhor acompanhamento.
A aprendizagem depende da vontade do aluno em aprender.
Os alunos não têm interesse em aprender e só querem passar de ano.
A aprendizagem dos alunos como um problema social.
109
O professor afirma que a escola tem feito tudo para que os alunos aprendam.
A escola tem feito tudo e quem não aprende é porque não quer.
A escola é vista pelo professor como assistencialista.
Para o professor sempre haverá uma parte de alunos que não aprendem e que fracassam.
O professor prefere a escola seriada.
Os alunos têm o direito de aprender garantido, mas não aprendem porque não querem.
O professor associa o direito à aprendizagem ao empenho pessoal e ao vencer na vida.
Alguns alunos aproveitam a oportunidade, outros não: “Isso é escola”.
O aproveitamento escolar e o conteúdo proposto servem para o aluno passar em vestibulares
e concursos.
Alguns alunos continuam no mesmo patamar do início do ano.
As notas dos alunos são definidas por avaliações e atividades.
As notas atribuídas aos alunos é que define a aprovação ou não.
“...essas menções vão fazer com que ele se aprove ou não.”
O aluno não aprende por questões sociais e de família e a professora alega não poder fazer
nada.
Para o aluno aprender a professora oferece atividades diferenciadas “...de uma forma bem
carinhosa”.
O aluno que é reprovado dedica-se mais as aulas.
A reprovação faz o aluno respeitar mais o professor.
Os alunos deveriam ficar no mesmo nível de aprendizagem.
O retorno da reprovação escolar como redentora dos problemas escolares: “Os professores
acreditam que reprovando o aluno será melhor no nosso dia a dia, não vai ter essas
preocupações todas.”
A reprovação escolar é boa porque seleciona os alunos.
Com a reprovação escolar: “Não vamos ter esses casos paralelos que não aprendem.”
A melhoria da aprendizagem dos alunos foi pequena mesmo com o apoio do professor
auxiliar.
Os professores fazem a parte deles para garantir o direito à educação: “Agora se alguns
alunos não fazem a parte deles...”
Alunos não dominam os conteúdos.
Os alunos apresentam muitas dificuldades.
Alguns alunos não sabem ler e escrever.
O professor tem turma que aprendeu mais e outras não.
O professor não tem convicção em responder se os alunos estão aprendendo.
O professor afirma que os alunos participam.
Os alunos que apresentam mais dificuldades fazem atividades diferenciadas.
O professor titular e o professor auxiliar preocupam-se com a aprendizagem do aluno para
que ele “não fique para trás”.
O aluno que não aprendeu o conteúdo sempre “sabe uma coisa a mais”.
Os testes mostram que parte dos alunos deviam ser reprovados.
O aluno não consegue aprender e “fica patinando”.
Mesmo com a ajuda do professor auxiliar tem aluno que não participa.
Mesmo com todas as atividades o “aluno não vai!”.
Os alunos são vistos como coitados quando “não vão para frente”.
As avaliações externas não camuflam o fato de os alunos não estarem aprendendo.
110
4.3.1 Análise do Núcleo de Significação 1 - A escola não cumpre seu principal objetivo que é
a aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a concepção de escola seletiva
Um dos temas mais debatidos em educação nos últimos anos é a questão da Qualidade
do ensino oferecido às crianças e adolescentes. Dados internacionais como os divulgados pelo
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) e os nacionais como o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) e, o específico do Estado de São Paulo, Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica de São Paulo (IDESP) apontam, com todos os seus limites e possibilidades (RONCA,
2013) que a escola não tem cumprido seu papel: a aprendizagem dos alunos. Os meios de
comunicação divulgam os dados com frequência.As escolhas das “melhores” e “piores”
escolas são divulgadas e os mais diversos setores da sociedade opinam, criticam ou
sobrevalorizam os dados apresentados. Comumente economistas, políticos, jornalistas,
psicólogos, advogados comentam e analisam os dados apresentados, traçam panoramas da
educação nacional. Raramente educadores são convidados para tal fim. Relega-se à escola e
educadores apenas o papel passivo de ouvintes e tarefeiros. A análise mais comum entre elas
é que sem educação de qualidade “não teremos crescimento econômico” e “perderemos o
futuro”, que “em 2030 alcançaremos o índice e teremos uma das melhores escolas do
mundo”. Afinal, do que falamos? De qualidade ou de direito? De qual mundo e para quem?
Nos limites a que esse trabalho se propõe, pretendemos apreender as significações que
professores dos anos finais do ensino fundamental atribuem aos projetos de recuperação e às
questões relativas ao direito à aprendizagem, a construção do Núcleo de Significação “A
escola não cumpre seu principal objetivo que é a aprendizagem dos alunos e os professores
reafirmam a concepção de escola seletiva” foi marcante. Entre as falas dos professores
observamos que a discussão é mais ampla: o ideal da escola seletiva ainda é presente e a
escola não cumpre seu papel de ensinar. Expressões como “as crianças estão aprendendo
pouco”, “o aluno não vai” e “Isso é escola” associam-se ao ideário historicamente construído
no discurso dos professores que parcela dos alunos “não querem aprender” e “são mais
difíceis”. Continuamos “ensinando” para “melhorar o rendimento e a nota da avaliação
externa – Saresp” e “passar no vestibular”. E o fato é que pouco se avançou no Estado de São
Paulo conforme os próprios índices divulgados e alarmados como “Metas de Longo Prazo –
2030”que projetam para 2030: 5º ano do ensino fundamental – 7,0; 9º ano do ensino
111
fundamental – 6,0; 3º ano do ensino médio 5,0. (Programa de Qualidade da Escola. Nota
Técnica,2014)
Uma Nação e um Estado não podem permitir que várias gerações de cidadãos
aguardem a propalada qualidade da escola por mais de quinze anos, mais precisamente até
2030!
Fato é que este “Programa de Qualidade da Escola” perdura, com outras
nomenclaturas, desde 1998 e pouco, ou quase nada, se avançou.
Enquanto isso, na escola, afirmamos a seletividade escolar: que alguns são mais capazes que os
outros, um dos alicerces do ideário da Produção dofracasso escolar (PATTO, 2002). Algumas escolas e seus
alunos serão capazes de alcançar bons índices, outras não, e esse movimento é naturalizado e aceito como
verdade única.
O modelo de organização escolar vigente, nestes projetos sustentados unicamente na avaliação
externa, não atende à complexa trama que é a educação, a aprendizagem, o conhecimento. A qualidade da
educação é associada aos índices alcançados pela escola e pelos alunos nas avaliações externas. O que
apresenta limitações como bem apontou Ronca (2013) no caso do IDEB:
As avaliações externas, baseadas nos testes de larga escala, não são suficientes para
compreender a amplitude e a complexidade da realidade da escola, ainda mais
quando somente dois fatores avaliativos de qualidade (fluxo e desempenho) são
utilizados e são contempladas apenas as dimensões de leitura e matemática.
São muitos os fatores que interferem na vida da escola e não podemos cultivar a
ilusão de um indicador único de qualidade. A escola é uma instituição complexa
que exige muitos olhares. (RONCA,2013,p.79)
Alves (2014) em artigo que trata da Implicação dos resultados dos sistemas de avaliação nos
processos de formação no interior da escola informa que, no caso do IDESP, “a análise dos resultados da
escola na avaliação externa está se constituindo numa razoável possibilidade de formação
permanente”(p.139), porém, alerta sobre riscos a se considerar, entre eles, “a possibilidade da avaliação
externa se constituir em finalidade do trabalho pedagógico da escola” (p.140).
Observamos na construção deste Núcleo de Significação - A escola não cumpre seu principal
objetivo que é a aprendizagem dos alunos e os professores reafirmam a concepção de escola
seletiva - que os professores entrevistados sofrem afirmando serem “angustiantes” os baixos
resultados dos alunos nas avaliações externas e no trabalho diário da escola. Tentam trabalhar
coletivamente e transformar a realidade “conversamos com a coordenação para a gente reagir,
112
mudar” e que “os alunos querem aprender”, porém, a forma como a escola tem se organizado
já projeta contradições , “porque alguns alunos não querem aprender, não aprendem”, “...essas
menções vão fazer com que ele se aprove ou não”, “Não vamos ter esses casos paralelos que
não aprendem”, constituem este fenômeno social, do fracasso escolar, produzido
dialeticamente, no interior da escola pelos professores em sua atividade, e no mundo pelos
membros desta sociedade que se comunicam, interagem e socializam suas experiências. É
esse movimento de contradição na fala do professor, nos sentidos e significados que atribui a
sua atividade docente, que é possível desconstruir conceitos e práticas excludentes
evidenciados quando estudamos a história da educação e as concepções teóricas oferecidas
pela psicologia sócio-histórica.
O tema fracasso escolar, tratado em uma perspectiva histórica (PATTO,1999;
GUALTIERI; LUGLI, 2012), tem denunciado a inadequação da forma que a escola tem-se
organizado e atendido seus alunos. As significações que professores atribuem à escola
corroboram com o ideal da escola seletiva e excludente, em que os índices de avaliações
externas reforçam que a reprovação escolar poderá representar a pretensa melhoria da
qualidade de ensino.
A escola seriada e seletiva é uma marca incólume da educação brasileira e junto a ela
o ideário da reprovação escolar dos “casos paralelos que não aprendem”.
O que se temapresentado nas políticas públicas para o ensino fundamental na rede
estadual de São Paulo é a justificativa da reprovação escolar para suposta melhoria da
qualidade de ensino. Estes caminhos reforçam a apreensão de significações por professores
sobre a concepção de escola seletiva que, para ser boa, para alcançar a qualidade desejada, é
preciso separar através do recurso da reprovação ou, concomitantemente, dos espaços para
turmas de recuperação ou reforço para os que “não aprendem” dos que “aprendem”,
construindo assim sentidos e significados sobre aprendizagem e melhoria da qualidade que
representam o modelo, já condenado, das turmas homogêneas e do esforço pessoal.
Em um modelo de escola liberal e seletiva, como a nossa, o alicerce da concepção de
homem e sociedade é o individualismo. A escola promove o discurso da ascensão social e a
consequente responsabilização do indivíduo pelo fracasso escolar: “ele que aprova ele
mesmo”. A ideologia liberal dominante tem na escola seletiva seus mecanismos de persuasão
e hegemonia (Gramsci, 1978). No caso pesquisado,as resoluções SE e os pretensos projetos
de recuperação de aprendizagem, têm exercido tal função.
113
4.4 Núcleo de Signifcação 2 - O alicerce da exclusão e das desigualdades no interior da
escola: A reprovação escolar para “esses que não tem jeito”
Quadro XV. Núcleo de Significação – O alicerce da exclusão e das desigualdades no
interior da escola: A reprovação escolar para “esses que não tem jeito”
Indicadores
O professor reprovaria seus alunos: “Sim, reprovaria”
A reprovação escolar não ajuda, mas “a gente acaba reprovando esses alunos que não têm o
que fazer, que não têm jeito”.
O professor tem dificuldade em entender o que significa a reprovação escolar e acaba
reprovando “os alunos que não têm jeito”.
Os professores atribuem à progressão continuada o fato de o aluno que “não consegue
compreender, entender e mesmo assim ele é aprovado”.
O professor sabe que a reprovação escolar pode resultar em abandono escolar e falta de
motivação para o ano seguinte.
O professor busca a questão da reprovação escolar historicamente e apresenta contradição na
interpretação: “tinha uma taxa de reprovação muito grande e não resolvia”, “Mas aprovar
também não dá né!”
O tema “ciclos de aprendizagem”é pouco discutido nas escolas. O aluno deveria ser reprovado
de dois em dois anos. Professores ficam indignados em ter que aprovar os alunos.
Parte dos professores querem reprovar os alunos para que eles sintam “o baque” e estudem
mais no próximo ano.
Os professores têm opiniões diferentes, mas que “vão para o lado da reprovação”.
A reprovação escolar como ameaça para que o aluno estude.
Os alunos não querem ser reprovados e fazem as atividades só no final de ano.
O assunto “reprovação” é um tema tratado só por professores e direção.
Parte dos pais é favorável à reprovação. É a progressão continuada que aprova os alunos.
A professora argumenta que o aluno não estuda porque sabe que vai ser aprovado no final do
ciclo.
O professor afirma que quando a escola reprovava o aluno aprendia mais.
Os alunos acham que basta estar na escola para serem aprovados.
O professor afirma que quando a escola reprovava era melhor.
Os alunos são aprovados só por estarem na escola.
O professor desconhece a reestruturação dos ciclos na rede estadual.
Com os novos ciclos haveria mais reprovação e “acabaria esse negócio de passar sem saber”.
As discussões sobre os ciclos são superficiais.
Aceitação da política de ciclos sem conhecimento da proposta.
A ideia dos ciclos é muito boa no papel, mas “não funciona”.
O professor aprovaria só um terço dos seus alunos.
114
O professor só aprova “porque eu tenho que aprovar.”
A responsabilidade pela aprendizagem é só do aluno: “...ele que aprova ele mesmo!”
As notas dos alunos são definidas por avaliações e atividades.
As notas atribuídas aos alunos é que define a aprovação ou não.
“...essas menções vão fazer com que ele se aprove ou não.”
O aluno não aprende por questões sociais e de família e a professora alega não poder fazer
nada.
Para o aluno aprender a professora oferece atividades diferenciadas “...de uma forma bem
carinhosa”.
A responsabilidade por não aprender é só do aluno: “Já falei antes que eu não reprovo. São
eles que se reprovam. São os próprios alunos que se reprovam.”
A professora aprova os alunos porque “...de acordo com a progressão continuada tenho que
aprovar”.
A professora reprovaria só na disciplina dela, não o faz porque o conselho aprova.
A responsabilidade pela aprovação dos alunos que não aprenderam é da progressão
continuada.
Se não fosse obrigada pela progressão continuada, a professora reprovaria os alunos.
Quando questionada sobre aprendizagem e progressão continuada a professora considera que
é um assunto difícil.
“Não vejo meio de reprovar com a progressão continuada”
Sobre o tema reprovação contraditoriamente a professora afirma ser “uma pessoa muito
humana”, mas “se o conselho reprova, eu também reprovo”.
A maioria dos professores gostaria de mais reprovação.
“O professor acredita que reprovando o aluno ele vai se dedicar mais às aulas e vai prestar
mais atenção”.
O aluno que é reprovado dedica-se mais as aulas. A reprovação faz o aluno respeitar mais o
professor.
O retorno da reprovação escolar como redentora dos problemas escolares: “Os professores
acreditam que reprovando o aluno será melhor no nosso dia a dia, não vai ter essas
preocupações todas.”
A reprovação escolar é boa porque seleciona os alunos.
Com a reprovação escolar: “Não vamos ter esses casos paralelos que não aprendem.”
O professor não conhece a progressão continuada e “cada um trabalha da forma que é
possível, do jeito que dá”.
Os alunos são aprovados porque “têm que ser todos aprovados”.
O professor reprovaria seus alunos por “um tempinho”.
O professor reprovaria seus alunos, mas sabe que não é o caminho.
O professor não concorda muito com a reprovação, mas reprova.
O professor não reprova os alunos porque “sempre ouve: não podemos reprovar”.
O professor não vê a reprovação com “bons olhos”.
O professor faz o máximo para o aluno caminhar com a turma.
O professor quer reprovar, mas não pode.
115
O professor aprova os alunos porque é pressionado pela direção da escola.
Reprovar os alunos não é bom para a Secretaria da Educação.
O professor entende que a reprovação ajuda o aluno a caminhar melhor com a turma no
próximo ano. O aluno não consegue aprender e “fica patinando”.
O professor não sabe como ajudar o aluno para que ele não reprove.
O professor afirma que reprovar às vezes é melhor para o aluno.
O assunto reprovação escolar incomoda o professor.
Os testes mostram que parte dos alunos deviam ser reprovados.
Os professores tentam recuperar os alunos e acreditam que a reprovação é uma forma de
ajuda.
A escola obriga os professores a aprovarem os alunos.
O professor demonstra ansiedade quando o tema é ciclo e reprovação escolar.
A professora sente-se pressionada a atribuir notas para os alunos.
A professora atribui nota para o aluno para não ter problema com a direção.
O professor afirma que, se pudesse reprovar, reprovaria: “mais da metade da sala”.
O professor relata o embate com a coordenação e direção quando o assunto é reprovação
escolar.
O professor entende que para garantir o direito à educação é preciso reprovar alunos.
A professora justifica a reprovação escolar através dos resultados obtidos nas avaliações
externas.
116
4.4.1 Análise do Núcleo de Significação 2 - O alicerce da exclusão e das desigualdades no
interior da escola: A reprovação escolar para “esses que não têm jeito”
No primeiro capítulo deste trabalho tratamos do direito à aprendizagem e
universalização do ensino com objetivo de entender historicamente como essa conquista
democrática tem-se efetivado no Brasil, no plano legal e pela luta da população. O marco
legal é a Constituição Federal de 1988 que garante os direitos sociais, sendo o direito à
educação o alicerce desta conquista
No segundo capítulo tratamos do processo ensino aprendizagem na perspectiva da
garantia do direito à aprendizagem e como as políticas públicas em educação, na rede estadual
de São Paulo, tem-se organizado através dos chamados mecanismos de apoio escolar, que são
os projetos de recuperação contínua, paralela, intensiva e de ciclo.
Observamos ainda a persistência da reprovação escolar quando nos deparamos com a
porcentagem de alunos reprovados no ano final do ensino fundamental: 3,4% em 1996 e
11,3% em 2012. Afirmamos que as variações apontadas correspondem às distorções e
alterações das políticas públicas em educação em São Paulo. Apontamos a progressão
continuada (SÃO PAULO,1998) em estudos realizados(BERTAGNA,2003; FREITAS,2003 e
2007;VIÉGAS,2007; ELLIOTT,2009) como um dos alicerces de tais distorções. Deixa-se de
reprovar anualmente. Reprova-se na 4ª série (ano final do ciclo I) e na 8ª série (ano final do
ciclo II) e, a partir de 2014 (Resolução SE nº 53/14), a lei permite reprovar no 3º ano (ciclo de
alfabetização), no 6º ano (ciclo de intermediário) e no 9º ano (ciclo final).
Na fala dos professores entrevistados a progressão continuada os obriga a aprovar os
alunos “porque eu tenho que aprovar”, “de acordo com a progressão continuada tenho que
aprovar”. Mas, com a possibilidade legal proporcionada pela Resolução SE nº 53/14, com os
novos ciclos, “acabaria esse negócio de passar sem saber”. O que seria bom, segundo o
professor entrevistado, para que os alunos sintam o “baque” e “que reprovando o aluno ele vai
se dedicar mais às aulas e vai prestar mais atenção” e estudar mais no próximo ano. Tese que
não se sustenta, pois os números apontam 4% de evasão dos alunos que cursam a 8ª série no
estado de São Paulo em 2012, 2,1% na 5ª e 6ª série e 2,5 na 7ª série (SEESP/CIMA, 2012),
sendo que um dos indicativos é a distorção idade/série que tem, entre as variáveis mais
concretas, a reprovação e o abandono escolar e a exploração do trabalho infantil.
Gualtieri e Lugli (2012) alertam que:
117
Uma política mal concebida e implantada produz uma cortina de fumaça que
impede um adequado enfrentamento do problema do fracasso, ainda que, no
caso dos ciclos e da progressão continuada, possa ter (e tem tido) um efeito
importante que é o de possibilitar à criança permanecer na escola por mais
tempo e, dessa forma, postergar sua eliminação dos bancos escolares pelas
sucessivas repetências. Isto é um avanço no sentido de garantir a essas
crianças a ampliação do processo de socialização que a escola promove,
razão suficiente para que não se retroceda nessa política, ainda que possamos
reconhecer que, dá forma como está, não assegura a aprendizagem. Portanto,
é preciso repensá-la. (GUALTIERI; LUGLI, 2012, p.51)
A exclusão e as desigualdades no interior da escola são reforçadas na fala do professor
como se, naturalmente, “reprovando o aluno será melhor no nosso dia a dia, não vai ter essa
preocupação toda” e, “não vamos ter esses casos paralelos que não aprendem.”
O professor entender a reprovação escolar como necessária e ter o aval da legislação,
do poder público, para reprovar mais alunos é um retrocesso para o projeto educacional do
país. É um misto de política mal concebida e implantada quando trata da formação e
aprendizagem dos professores e dos alunos. Aprofunda as desigualdades e a exclusão
presentes na sociedade e relega ao espaço escolar apenas o papel de reproduzir o ideário do
sucesso individual e do mérito pessoal para alguns e, para os “casos paralelos que não
aprendem”, a reprovação escolar basta.
Assim, a manifestação de uma concepção de educação cujas práticas de
reprovação são entendidas como necessárias é condizente com uma realidade
social que prioriza a ação e a competência individuais em detrimento do
direito social da igualdade de oportunidades, que exige uma educação
escolar universal que promova o desenvolvimento de todos (JACOMINI,
2010. p.213)
A ideia do empenho e da capacidade individual apresentada pelo liberalismo,
e atualmente reforçada pelo neoliberalismo, contribui para a manutenção das
opiniões que responsabilizam alunos e familiares pelo baixo desempenho e a
consequente reprovação. Assim, ao continuar selecionando os que melhor
respondem às suas exigências, seja pela reprovação ou por não garantir os
meios para todos aprenderem, a escola legitima a exclusão escolar e social
por meio do chamado “mérito”. (JACOMINI, 2010, p. 215)
118
4.5 Núcleo de Signifcação 3 - As formas de recuperação da aprendizagem oferecidas aos
alunos na última década não apresentaram resultados. A recuperação contínua com apoio do
professor auxiliar como esforço da escola e dos professores para garantir à aprendizagem dos
professores para garantir à aprendizagem dos alunos
Quadro XVI. Núcleo de Significação. As formas de recuperação da aprendizagem
oferecidas aos alunos na última década não apresentaram resultados. A recuperação
contínua com apoio do professor auxiliar como esforço da escola e dos professores para
garantir à aprendizagem dos alunos
Indicadores
O modelo de atendimento aos alunos em recuperação não era eficiente.
O modelo atual de recuperação, com apoio do Professor Auxiliar tem mais resultados.
Os alunos não compareciam na recuperação paralela no contraturno.
A recuperação na pré-aula ou na pós-aula não apresentava resultados.
A recuperação no contraturno, na pré-aula ou na pós-aula não oferecia nada de diferente:
“Foi mais uma tentativa que não deu em nada, não deu certo”.
Foram várias tentativas de recuperação e os professores não foram capacitados.
Na última década, a recuperação oferecida não conseguiu ajudar os alunos
O Professor Auxiliar trabalha de maneira diferenciada.
A recuperação com professor auxiliar é melhor: “...está acontecendo e é significativa.”
Os próprios alunos atrapalham os colegas em recuperação.
Reduzir o número de alunos em sala de aula é a melhor forma para ajudar os alunos que têm
dificuldades.
Professor Auxiliar é, geralmente, um professor iniciante ou professor/aluno.
O professor gosta de ter um Professor Auxiliar em sala de aula.
O professor não conhece a legislação que trata do Professor Auxiliar.
O professor considera como um projeto inovador ter um Professor Auxiliar em sala de aula.
Os professores das demais disciplinas desconhecem a proposta de Professor Auxiliar:
“parece-me que não sabem o que está acontecendo”.
Com a ajuda do Professor Auxiliar ficou mais fácil para o professor acompanhar a
aprendizagem dos alunos.
Mesmo com Professor Auxiliar tem aluno que não se interessa.
O apoio aos alunos com dificuldades tem funcionado melhor com a chegada do Professor
Auxiliar para aqueles “com interesse”.
O professor gosta de contar com um professor auxiliar.
Menos alunos em sala de aula melhora a aprendizagem.
Os projetos de reforço e a figura do Professor Auxiliar são considerados como um avanço
pelos professores.
O professor auxiliar organiza seu trabalho de acordo com o diagnóstico da aprendizagem do
aluno.
A professora organiza atividades de recuperação para os alunos.
Não tem professor auxiliar de Matemática.
A proposta de ter um professor auxiliar é bem aceita pela professora
Não tem professor de Matemática para contratar.
119
Todos os professores gostariam de ter um professor auxiliar.
O professor tem que dar conta de todos os alunos.
O professor auxiliar ajuda na sala em atividades diferenciadas.
Os alunos que apresentam mais dificuldades fazem atividades diferenciadas.
O professor titular e o professor auxiliar preocupam-se com a aprendizagem do aluno para
que ele “não fique para trás”.
O professor não conhece a proposta de ter um professor auxiliar.
Mesmo sem conhecer a proposta o professor acha bom ter um professor auxiliar.
O professor titular e o professor auxiliar ajudam o aluno, mas não sabem dizer se ele está
aprendendo.
A atual proposta de oferecer recuperação para os alunos com ajuda do professor auxiliar é
melhor do que a recuperação que se fazia antes retirando os alunos da sala de aula.
Anteriormente o atendimento aos alunos para recuperação tinha falhas e não atendia às
expectativas do professor.
O professor auxiliar tem que ser alfabetizador.
O professor auxiliar ajuda os alunos que têm dificuldades.
Mesmo com a ajuda do professor auxiliar tem aluno que não participa.
120
4.5.1 Análise do Núcleo de Significação 3 - As formas de recuperação da aprendizagem
oferecidas aos alunos na última década não apresentaram resultados. A recuperação contínua
com apoio do professor auxiliar como esforço da escola e dos professores para garantir à
aprendizagem dos alunos
No capítulo 2 deste trabalho observamos que em uma década foram publicadas nove
resoluções pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo que tratam do tema
Recuperação e os diversos projetos de reforço/recuperação foram implantados ou
implementados a partir destas resoluções.
Estes projetos de reforço/recuperação, como estratégia pedagógica da escola, pouco
alteraram a dinâmica escolar e a aprendizagem dos alunos. Constituíram apenas um
movimento justificador da não aprendizagem dos alunos. Na fala dos entrevistados e, pela
prática deste pesquisador, constata-se que o professor não participou minimamente da
elaboração destes projetos, coube a eles somente a execução. Não receberam formação
suficiente e os projetos foram “mais uma tentativa que não deu em nada, não deu certo”.
Confirma-se assim o que Caldas (2010) concluiu em sua tese: o distanciamento entre
as propostas oficiais e sua concretização na escola, e que a recuperação configura-se mais
como espaço de “impossibilidades” do que de “potencialidades”.
Os projetos de recuperação atendiam mais a necessidade dos governos em prestar
contas a população e justificarem a mal sucedida política pública do que de fato um garantir a
aprendizagem dos alunos através de um projeto educacional gestado no interior da escola por
professores, alunos e pais. Na fala doprofessor Antonio, de matemática: “muitas vezes os
alunos acabavam indo embora com os colegas que não estavam de recuperação. Eles fugiam
da recuperação na hora do almoço junto com os colegas. Terminava o horário normal, e eles
se mandavam. Saiam, não ficavam mesmo. Acho que era muito cansativo ter cinco ou seis
aulas e ainda ficar mais uma aula. É muito chato. Assim, a escola não oferecia nada de
diferente. Foi mais uma tentativa que não deu em nada, não deu certo.”
Este período histórico a que o professor se refere é a partir de 2005. Com a publicação
da Resolução SE nº 15/05 as escolas poderiam organizar projetos de recuperação no período
pós-aula, sendo três aulas para os alunos do chamado ciclo I (1ª a 4ª série) e duas aulas para
os alunos do ciclo II (5ª a 8ª série). Depois de elaborados os projetos deveriam ser
121
homologados pelo Conselho de Classe/Série, Supervisão de Ensino e Dirigente Regional de
Ensino.
Nesta época este pesquisador atuava como Diretor de Escola e vivenciou este drama: o
esforço da escola em tentar manter os projetos de recuperação; a dedicação dos professores
em agrupar alunos e informar os responsáveis; as tentativas de articular os professores da
recuperação com os professores titulares e, enfim, cumprir o que determinava a Resolução.
Porém, mesmo com todo o esforço da escola os alunos não permaneciam na recuperação
“fugiam ... se mandavam”. Não tínhamos clareza dos projetos, não éramos informados e
preparados para tal ação, os projetos não possuíam qualquer vínculo com os alunos e com os
professores, se quer tínhamos a dimensão do trabalho pedagógico e da proposta pedagógica
da escola. Mais cumpríamos as tarefas determinadas pela Secretaria de Estado da Educação,
através de suas resoluções e portarias, do que pensávamos sobre nosso trabalho na escola.
A atual proposta de ter um professor auxiliar na sala de aula suscita novos
questionamentos: se de um lado os entrevistados afirmam que “...está acontecendo e é
significativa”, de outro lado, afirmam que os demais professores das outras disciplinas “não
sabem o que está acontecendo”, o que caracteriza novamente o descompasso entre as
propostas oficiais e sua concretização na escola.
As mediadas burocráticas, resoluções e decretos, pouco alteram o eixo norteador da
escola (JACOMINI, 2010, p.251). Os entrevistados afirmam que o professor auxiliar ajuda os
alunos que tem “interesse” e que mesmo assim “grande parte não tem vontade realmente, não
quer fazer mesmo com o professor se dispondo a ajudar, ele não tem interesse em fazer” e que
os próprios colegas de sala de aula atrapalham os que estão em recuperação. O que demonstra
aspectos ideológicos do apego à reprovação (JACOMINI, 2010,p.234), de concepção de
mundo, de sociedade e de escola (GRAMSCI, 1978). Eis o cerne da questão: a reprovação
escolar é praticamente uma metodologia de trabalho do professor e da escola. É um aspecto já
predeterminado, naturalizado como prática.
122
4.6 Núcleo de Significação 4 – Do discurso pelo direito à educação ao abandono da escola: O
professor indignado “parece que somos o problema” e os alunos “que não estão sabendo
aproveitar”. O professor não se reconhece e não reconhece o aluno como cidadão de direitos
Quadro XVII. Núcleo de Significação. Do discurso pelo direito à educação ao abandono
da escola: O professor indignado “parece que somos o problema” e os alunos “que não
estão sabendo aproveitar”. O professor não se reconhece e não reconhece o aluno como
cidadão de direitos
Indicadores
O abandono da escola pelo Estado: “São vários fatores que levam a educação a estar
dessa forma: casos de violência, do abandono, da falta de estrutura das escolas. São vários
motivos e a gente ouve muito que o Estado abandonou a escola”.
O Estado não tem garantido o direito à aprendizagem
A política educacional não tem garantido o direito à educação.
Os professores criticam o discurso governamental descolado da realidade, o abandono das
escolas e o material “fora da realidade dos alunos”.
Os professores mudam a maneira de trabalhar quando fazem cursos.
Tentativas da escola em melhorar a aprendizagem dos alunos.
O professor associa o direito à obrigação de cumprir os deveres.
As notas baixas ou altas são indicadores únicos da qualidade da escola e da aprendizagem
dos alunos.
Os projetos de recuperação devem garantir o direito de o aluno aprender, “mas nem
sempre o aluno consegue aprender. Ele tem o direito, mas não consegue aprender”
O aluno tem o direito: “mas nem sempre esse direito é alcançado”.
O Estado garante o direito “...mas alguns alunos...você sabe”
O professor busca melhorar sua aula e sua prática docente.
O desgaste do professor frente a desvalorização profissional: “A gente trabalha tanto” ;
“Só essas políticas é pouco se não olhar para o professor. Cuidar do professor é tudo”
Tentativas da escola e do professor em garantir a aprendizagem dos alunos.
“Conversamos com a coordenação para a gente reagir, mudar”
Reuniões entre professores para definir qual aluno deve fazer reforço.
As questões sociais afetam a aprendizagem dos alunos.
A escola como espaço de convivência e lazer.
Os anos iniciais são fundamentais na escolarização dos alunos.
O professor afirma que os alunos têm o direito à educação garantido: “Eles é que não
estão sabendo aproveitar, eles têm esse direito! Eles têm garantido esse direito! Agora se
ele quer aproveitar isso que é o problema.”
O professor sabe que é desvalorizado e que isso prejudica a aprendizagem dos alunos.
O professor afirma que o direito à aprendizagem é garantido, mas os alunos não cumprem
com o dever: “Quanto ao direito a gente garante: quero saber é do dever deles.”
O aluno tem o direito à educação garantido, mas não aproveitam.
Quando o assunto é direito à educação a professora dissimula e procura mudar de assunto.
O aluno quer uma escola diferente só que “O aluno não vê significado para aprender. Não
vê o conhecimento....não quer ter problemas, não quer desafios que chamem atenção. Não
quer, muitas vezes, nada.”
123
Os professores fazem a parte deles para garantir o direito à educação: “Agora se alguns
alunos não fazem a parte deles...”
A professora reconhece que precisa dominar outros conhecimentos e dialogar com os
demais professores.
Os alunos são “espertos e conversam bem”.
A escola é um espaço de convivência para os alunos.
Os alunos querem aprender.
O tema ciclos de aprendizagem é pouco trabalhado na escola.
O professor não entende a mudança atual dos ciclos, mas vê como uma possibilidade de
reprovar mais alunos.
O professor afirma que outros professores defendem a reprovação para: “quem sabe mais
um ano para ele aprender mais um pouco”.
O professor afirma que os colegas não gostam dos ciclos: “que realmente tivesse
reprovação, a seriação e não os ciclos”.
Alguns professores são a favor dos ciclos.
O professor demonstra ansiedade quando o tema é ciclo e reprovação escolar.
O professor considera que os alunos têm o direito à aprendizagem garantido.
A questão do direito à educação incomoda o professor.
Para o professor o direito à educação se resume em o governo oferecer vagas na escola.
O professor limita o direito à educação à aprovação escolar.
O direito à educação se resume ao controle da frequência escolar, ao acesso à escola.
O professor não consegue associar o direito à educação como direito subjetivo.
O professor afirma fazer de tudo para garantir o direito à educação, mas responsabiliza só
o aluno pela aprendizagem.
O professor reproduz a fala oficial e recortes da literatura pedagógica para justificar sua
defesa: “...todos estão aqui pensando no bem comum”.
O professor entende que o tema direito à educação é complexo.
O professor afirma que: “ os alunos têm tudo a favor deles” e o professor: “não tem nada
disso”.
O professor demonstra indignação com sua situação profissional e social: “parece que
somos o problema”; “a gente não tem muita coisa, mas é cobrado de tudo.”
Para o professor direito à educação é ter um professor qualificado e para isso a Secretaria
tem que dar apoio.
O professor como o principal problema da educação.
O governo e o professor fazem de tudo para garantir o direito à educação, mas o aluno
não.
O professor quer ser ouvido, mas teme as consequências.
O professor entende que para garantir o direito à educação é preciso reprovar alunos.
O professor entende políticas públicas como ordem de alguém e que ele não participa.
124
4.6.1 Análise do Núcleo de Significação 4 - Do discurso pelo direito à educação ao abandono
da escola: O professor indignado “parece que somos o problema” e os alunos “que não estão
sabendo aproveitar”. O professor não se reconhece e não reconhece o aluno como cidadão de
direitos
O direito à educação é uma conquista do povo brasileiro por direitos sociais e por
democracia. A Constituição de 1988 é marcada por avanços neste tema e a educação é tratada
como direito social, conforme artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
O Artigo 206 afirma que “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” e o Artigo 208 completa
que é dever do Estado a garantia de “ I- Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4(quatro)
aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos a que a
ela não tiveram acessoà idade própria” (EMENDA CONSTITUCIONAL nº59/09).
No campo legal podemos afirmar que a escola pública como direitose consolidou nas
últimas décadas. A escola é o lócuse é nela que se efetiva tal conquista. Mas esse direito tem
sido negado quando as crianças e adolescentes pouco ou quase nada aprendem na escola.
Oliveira (2007a) comentando o Artigo 206 da Constituição Federal afirma:
Este dispositivo, se transformado em realidade, avança em termos da
efetivação da igualdade de todos perante a lei, pois um dos mecanismos mais
conhecidos de exclusão já não se produz no caminho até a escola (falta de
vagas, por exemplo), mas na própria ação da escola, que reproduz e
estigmatiza parcelas da população, levando-as ao abandono precoce da
escola, por meio de múltiplas reprovações e, mais recentemente, colocandoas na inusitada situação de aceitar sua permanência e progresso no sistema
de ensino, sem que isso signifique o aprendizado correspondente.
(OLIVEIRA,2007a, p.23)
Em uma das falas dos professores entrevistados observamos como“é na própria ação
da escola” que a efetivação deste direito constitucional não se concretiza, pois, “nem sempre o
aluno consegue aprender. Ele tem o direito, mas não consegue aprender”e que o aluno tem o
direito, “mas nem sempre esse direito é alcançado”. E que o Estado garante o direito “mas
alguns alunos...você sabe”.
125
Segundo Oliveira“a exclusão social e, particularmente, aeducacional, requerem
remédios mais amplos e articulados, pois em diversas esferas o Estado mostrou-se refratário à
efetivação de tais direitos” (OLIVEIRA,2007, p. 41).
O “remédio mais amplo e
articulado”sugerido por Oliveira reside na forma como concebemos a aprendizagem e o
direito à educação. Não nos reconhecemos como cidadãos de direitos e o direito à
aprendizagem é resumido em responsabilizar o aluno, que, em tese, é o beneficiário deste
direito: “Quanto ao direito a gente garante: quero saber é do dever deles”. O direito à
educação resume-se a ter escola. A aprendizagem, o conhecimento,resume-se ao esforço
pessoal: “Eles é que não estão sabendo aproveitar, eles têm esse direito! Eles têm garantido
esse direito! Agora se ele quer aproveitar isso que é o problema.”
Anísio Teixeira, em 1957, no livro Educação não é privilégiosustentava a
universalização da escola pública e discutia a necessidade da organização da escola e a
formação integral dos alunos, defendia outra concepção de educação que superasse a seleção
ou especialização, compreendia que a educação erapara todos e seria constituidora na nossa
identidade nacional. Ainda travamos esse desafio. Avançamos na universalização do ensino,
porém, sua organização, ainda tradicional, está assentada em um currículo sistematizado pela
civilização letrada, em uma avaliação baseada em números e estatísticas, no desprezo das
necessidades psicossociais dos alunos e das suas famílias e as condições sócio-culturais que
se encontram.
O professorque, na maioria dos casos, também passou por essa escola básica como
aluno, sente-se abandonado pelas políticas públicas: “Só essas políticas é pouco se não olhar
para o professor. Cuidar do professor é tudo” e ainda afirma “parece que somos o problema, a
gente não tem muita coisa, mas é cobrado de tudo”.
O caráter reprodutivo da educação, das teorias não-críticas em educação (Saviani,
1983), ainda permanecem como base da organização do currículo, da avaliação, do ensino
aprendizagem e do papel do professor.
O fato de o professor não se reconhecer e não reconhecer o aluno como cidadão de
direitos vincula-se diretamente à forma como se organiza a sociedade e a escola. Ao longo da
história da educação verificamos como é distante o que a escola preconiza e o que realiza.
Severino escreveu:
Os responsáveis pelas políticas dos sistemas de educação se equivocam ao
pretender que ela só cuide da habilitação técnica dos educandos ao afirmar
que não lhe cabe a formação política, de cunho crítico. Essa tem sido uma
estratégia ideológica para evitar a democratização das relações sociais, o que
126
ameaçaria a hegemonia de segmentos dominantes. Na educação brasileira
ainda prevalece o caráter reprodutivista. (SEVERINO, 2012, p.90)
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossa proposta nesta pesquisa foi estudar como os projetos de recuperação de
aprendizagem e as questões relativas ao direito à aprendizagem têm sido apreendidos pelos
professores dos anos finais do ensino fundamental.
Para concretização deste fim priorizamos inicialmente os estudos teóricos e marcos
legais que consolidam o direito à educação e à universalização do ensino no Brasil. Na
história do Brasil e na história da educação, podemos constatar que este direito foi uma
conquista do povo brasileiro. Não foi resultado de altruísmo, caridade ou humanitarismo dos
governos constituídos ou das classes dominantes, que comumente se articulam política e
ideologicamente.
Raras exceções na história do país, em determinados momentos históricos,
vislumbraram mudanças significativas como nas discussões e embates da Constituição
Federal de 1934, onde, pela primeira vez, é mencionado o direito à instrução pública,
independentemente da situação socioeconômica da pessoa, e na Constituição Federal de 1946,
que assegurava direitos e garantias individuais, afastando-se da ideologia liberal-aristocrática,
tão bem representada pelas elites remanescentes do período colonial/imperial escravocrata.
(ROMANELLI, 1978)
Nos anos de 1980, período de redemocratização do país, as discussões e debates foram
intensos entre os defensores da educação pública e gratuita, que preservavam os princípios
discutidos democraticamente na Conferência Brasileira de Educação, realizada em 1986 e
representados na Carta de Goiânia (CBE, 1986), e os grupos ligados aos setores
conservadores, que defendiam políticas econômicas centradas na privatização dos serviços
públicos, na flexibilização do trabalho e na desregulamentação do setor financeiro, temas
caros nos dias atuais aos movimentos sociais, pois são sistematicamente retomados por
grupos conservadores representantes das classes dominantes.
Mesmo nesse tom de debates ideológicos intensos a Constituição Federal de 1988 foi
promulgada e, no seu novo ordenamento jurídico, estabeleceu a educação como direito de
todos e dever do Estado e da família. Os direitos sociais e o direito à educação, estabelecidos
legalmente, consolidam o ideal da escola pública como direito.
Nos últimos anos o direito à educação foi ampliado a partir da Emenda Constitucional
nº 59/09, que instaura o ensino obrigatório para toda população dos 4 aos 17 anos e amplia
128
programas suplementares para a Educação Básica, e a Lei nº 12.796/13, que enceta ser dever
dos pais efetuar a matrícula das crianças a partir dos 4 anos de idade.
Neste breve histórico retratamos os avanços pelo direito à educação pública e gratuita
como conquista do povo brasileiro, mas não podemos negar os momentos históricos de
retrocessos liderados pelas elites, como os períodos de 1937-1945 e 1964-1982, que foram
marcados por regimes de exceção, de ditadura civil/militar e apoiados por organismos
internacionais representantes das potências capitalistas.
E, neste momento histórico que concluímos esta pesquisa, os direitos sociais
conquistados pelo povo brasileiro sofrem ataques dos grupos econômicos (telecomunicações;
sistema bancário; agronegócio e setor industrial) que defendem políticas econômicas com
menor intervenção do Estado na economia. Entenda-se menos Estado na economia quando se
trata de programas sociais e não em grandes financiamentos de infraestrutura que favorecem o
capital.
Fato marcante nos últimos anos foi a aprovação dos 10% do Produto Interno Bruto
para aplicação em educação. Todo esse debate foi sustentado pelos movimentos sociais e
entidades ligadas aos trabalhadores da educação e representou avanço, porém, o Plano
Nacional de Educação aprovado não atendeu plenamente às expectativas delineadas na
CONAE/2010 e estabeleceu a utilização de recursos públicos para as parcerias públicoprivadas, contabilizando como investimento em educação pública os gastos com repasses as
instituições privadas.
Nossa pesquisa iniciou por esse caminho de historicizar o direito à educação como
conquista, porque, fundamentada na perspectiva sócio-histórica, compreendemos que esse
movimento de contradições na sociedade, na escola, na sala de aula e na prática e fazeres do
professor, possibilita a compreensão da constituição deste sujeito singular e cultural, social e
histórico. E esse fenômeno complexo e contraditório implica em compreender o homem a
partir da e na realidade concreta (ANDERY; SÉRIO, 2007).
Isso posto, resgatar historicamente as conquistas sociais, em torno do direito à
educação, foi imprescindível para compreender as significações que professores atribuem as
leis, projetos, programas, prática individual e coletiva e, enfim, as ações humanas, na
sociedade e na escola, orbitadas pela contradição, pela mediação e historicidade.
A cultura é elemento essencial neste processo de constituição do sujeito. Caracterizar
o fenômeno produzido a partir de sua materialidade e da historicidade é medular para
129
entendermos a apreensão das significações que professores atribuem aos projetos de
recuperação de aprendizagem e as questões relativas ao direito à aprendizagem. A categoria
significações foi primordial por permitir recriar significados sociais e sentidos subjetivos das
relações historicamente construídas por estes sujeitos na sociedade e na escola.
Os achados deste estudo permitem afirmar que professores ainda vêem na reprovação
escolar um caminho, um método de condução da sua prática pedagógica, da organização da
escola e da “medição” dos “resultados” da aprendizagem. Os projetos de recuperação de
aprendizagem e as avaliações externas, da maneira como são conduzidos pela política
educacional na rede estadual de São Paulo, fortalecem o ideário da reprovação escolar junto a
professores e comunidade escolar. Consideramos retrocesso uma Resolução que permitirá que
no percurso de nove anos do ensino fundamental os alunos possam ser reprovados no 3º, 6º e
9º anos. Mais pernicioso ainda é a possibilidade de que esses alunos “repetentes” formem uma
turma exclusiva de Recuperação Intensiva (§ 1º, Artigo 5º, Resolução SE nº 73/14). Em
estudo que realizamos em 2007 (ASSIS, 2007), já denunciávamos as fragilidades deste
modelo.
Assim, outro ponto fundamental foi investigar alguns dos trabalhos científicos mais
recentes que tratam do tema Recuperação de Aprendizagem. Os estudos recentes (PARO,
2001; ELLIOT, 2009; CALDAS, 2010; JACOMINI, 2010; JEFFREY, 2011; GUALTIERI;
LUGLI, 2012) apontam para o ideário da reprovação escolar presente no discurso de
diretores, professores, pais e alunos como sendo solução para os problemas da escola. A ideia
da reprovação escolar povoa o imaginário escolar como medida de austeridade, de controle e
disciplina, enfim, como solução para melhoria da qualidade da educação. Os projetos de
recuperação e reforço escolar se constituem mais como um suporte ao modelo excludente que
precisa justificar porque alguns não aprendem. O professor Antonio afirma: “Porque [os
projetos de recuperação] não trouxeram resultados. A gente vê que, nesses oito ou dez anos, a
gente não consegue resgatar esses alunos. Não conseguimos recuperar esses alunos”
Foi marcante na fala do professor Antonio a afirmação: “Mas aprovar também não dá,
né?”. Mas, contraditoriamente, diz: “Os alunos são muito inteligentes”, e: “Isso é problema de
política educacional”.
A frágil compreensão sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos
alunos, associado ao desconhecimento das políticas públicas em educação, aprofundam as
130
contradições apresentadas por professores e as significações que atribuem aos projetos de
recuperação de aprendizagem.
Afirma, ainda, o professor Antonio: “Os projetos de recuperação deveriam garantir o
direito de aprender, mas nem sempre o aluno consegue aprender. Ele tem o direito, mas não
consegue aprender”. Novamente no complexo fenômeno educativo, o aluno, que é cidadão de
direitos, é visto como único responsável pelo seu fracasso e será responsabilizado
porque“alguns alunos...você sabe”. E solidifica-se essa concepção quando a professora Carla
sintetiza a questão: “São os próprios alunos que se reprovam”.
As significações que professores atribuem aos projetos de recuperação estão
intimamente atreladas ao ideário do fracasso e reprovação escolar dos alunos. Serão
encaminhados à recuperação os candidatos a exclusão no interior da escola, os que “não tem
jeito”. São os fracassados e possíveis repetentes que permaneceram em tais projetos de
recuperação contínua ou paralela. Apesar de o discurso apontar para recuperação como um
momento de ajuda para os alunos, constituem-se, de fato, como segregação dos que não
aprendem dentro da própria escola.
Este projeto educacional, encaminhado no estado de São Paulo nas últimas décadas,
reforça, drasticamente, estas significações, que professores atribuem aos projetos de
recuperação de aprendizagem. Reforçam a seletividade escolar e as desigualdades no interior
da escola. O fracasso na escola, geralmente, não foi compreendido também como fracasso da
escola (GUALTIERI ; LUGLI, 2012). O fracasso na escola é o fracasso de políticas públicas
implantadas e implementadas por governos que desconsideram os atores escolares no
processo de formulação destas políticas. Este é um dos pontos fundamentais do debate que
este estudo desvela e pretende colaborar para sua superação.
O discurso presente da não-reprovação que se solidificou legalmente a partir de 1998
com a instituição da progressão continuada, não se sustenta mais. Por isso, as propostas de
mudança com a alteração de dois para três ciclos, com possibilidade de reprovação no 3º, 6º e
9º anos, conforme a Resolução SE nº 73/14, tem sido a proposta salvacionista para este
projeto que, de origem, não se sustenta. Logo, precisa criar factoides para se justificar frente
à opinião pública e promover ações falaciosas em tempos eleitorais.
A análise empreendida, por meio desta pesquisa e pela prática deste pesquisador na
sua atuação profissional como Supervisor de Ensino, afirma que as constantes alterações
promovidas pela Secretaria de Estado da Educação dilaceram o trabalho pedagógico da escola
131
e a formação continuada, oferecida aos professores, não tem contribuído para o entendimento
dessas propostas e para a práxis docente.
Fato é que a Resolução que discute o tema Reorganização do Ensino Fundamental em
Regime de Progressão Continuada e Mecanismos de Apoio à Aprendizagem foi alterada três
vezes em um período de pouco mais de um ano (Resolução SE nº 74/13; Resolução SE nº
53/14; Resolução SE nº 73/14). Todas as alterações, pedagógicas e administrativas, se
iniciaram a partir de frágeis encontros encaminhados e direcionados pela Secretaria da
Educação e Diretorias de Ensino em 2011 sem participação ativa e autônoma de professores e
comunidade escolar. Aqueles que são os principais atores políticos do projeto educacional professores e comunidade - foram subjugados pelo discurso dominante. Este expediente, de
simular a participação é assim entendido: “Quanto mais a sociedade e o regime político são
fechados, antidemocráticos, mais a política (o governo, o poder, a gestão) tende a se deixar
conduzir pela lógica da simulação e da dissimulação” (NOGUEIRA, 2004, p. 27).
Este fato não é exclusivo desta administração. Adrião já denunciava esse modelo em
governos anteriores:
O fato de defender a centralização das decisões a respeito dos aspectos
pedagógicos põe a nu a limitada concepção da SEE a respeito da autonomia
reservada às escolas e explicita a desconfiança depositada por essa secretaria
tanto nos educadores que atuam na unidades escolares quanto nos seus
usuários, como agentes ativos e prioritários na definição dos projetos
pedagógicos. Atribui, pois, o baixo desempenho da rede à inexistência de
formas mais „eficientes‟ de controle, por parte dos órgãos hierarquicamente
superiores, sobre o produto da escola. (ADRIÃO, 2006, p. 122)
E acrescenta:
Tanto o programa de Covas quanto as diretrizes educacionais, a reservarem a
esse governo a função de liderança exclusiva na „revolução educacional‟ a
ser realizada no Estado de São Paulo, além de restringirem a autonomia dos
municípios e das escolas na definição de projetos educativos condizentes
com suas necessidades, excluem os cidadãos e usuários dos serviços
educacionais da possibilidade de participar da definição dos objetivos da
educação por eles financiada. A estes reserva-se apenas o direito de
consultar os resultados obtidos pelas escolas. Assim, a participação da
comunidade nos assuntos pedagógicos da escola não extrapola o acesso à
informação a respeito do que foi centralizadamente decidido. Por outro lado,
esse mesmo governo apela para que essa comunidade, por meio de trabalho
voluntário, contribua - novamente - para a manutenção e o funcionamento
das atividades escolares: mais uma „parceria‟ se estabelece. (ADRIÃO,
2006, p. 123)
132
As políticas públicas em educação deveriam garantir o direito constitucional à
educação e se apresentar como possibilidade de enfrentamento das desigualdades econômicas,
sociais e de escolarização, mas, no caso estudado, apresenta equívocos em suas formulações:
na concepção teórica do ato de aprender e ensinar e na formulação das políticas públicas que
não promovem a participação e envolvimento da comunidade escolar e dos professores.
Gualtieri e Lugli explicam a inconsistência na concepção teórica e práticas da escola:
As tradições escolares organizam os conhecimentos a serem aprendidos em
níveis de dificuldade, correspondentes às séries de ensino (mesmo nas
escolas organizadas em ciclos); no entanto, sabe-se hoje que as pessoas não
aprendem desse modo. Há uma inconsistência entre a organização escolar e
a natureza da aprendizagem das crianças e, embora os professores tenham
contato com as teorias de Jean Piaget (1896-1980), Lev Vigostski (18961934) e Henri Wallon (1879-1962) durante sua formação, dificilmente
conseguem visualizar o que poderiam fazer de diferente nos seus modos de
ensinar, porque as suas representações sobre a aprendizagem estão
fortemente moldadas pelo modelo escolar. (GUALTIERI; LUGLI, 2012, p.
70)
Os projetos de recuperação camuflam o direito à aprendizagem. Em uma década a
Secretaria de Estado da Educação alterou nove vezes a forma de organizar estes projetos. No
nosso entendimento não se justificam inúmeras alterações legais, através de resoluções, em
curto período de tempo. O argumento utilizado, para tais alterações nas resoluções, é
comumente apresentado como inovação, melhoria e até revolução, mas professores o
apresentam como tentativas frustradas de melhorar a aprendizagem dos alunos. Essa angústia
e frustraçãodo professor pela não aprendizagem dos alunos e pelo fracasso dos projetos de
recuperação são reforçadas e mantidas pela concepção de escola seletiva, onde somente
alguns terão sucesso na vida, na escola e na sociedade. Marca indelével do sistema capitalista
e da escola tecnicista e seus mecanismos atualizados.
Mas, neste movimento de contradição, professores também afirmam que: “As políticas
da Secretaria da Educação não estão garantindo a aprendizagem dos alunos” e; “Os
professores criticam esse negócio de o governo falar e não acontecer nada”; “São vários
motivos e o que a gente ouve é que o governo abandonou as escolas”. E também assumem
suas responsabilidades profissionais: “Conversamos com a coordenação para a gente reagir,
mudar” e; “A escola tem tentado melhorar. Estamos buscando alternativas”; “Acredito que
temos feito o possível para que o aluno aprenda”.
133
Nesta pesquisa a construção do Núcleo de Significação: Do discurso pelo direito à
educação ao abandono da escola: O professor indignado “parece que somos o problema” e os
alunos “que não estão sabendo aproveitar”. O professor não se reconhece e não reconhece o
aluno como cidadão de direitos, foi o que mais apontou as contradições na fala dos
professores participantes da pesquisa.
A análise efetuada a partir deste núcleo validou nossa percepção da prática diária
como integrante do magistério paulista: a escola é o lócus da conquista pelo direito à
educação, porém, é justamente nela que apontamos os que “não sabem aproveitar” e não
conseguimos que as classes populares se apropriem do saber historicamente construído e
desenvolvam criticidade frente aos desafios que se apresentam. Praticamos o ato de submissão
dos nossos alunos ao nosso poder de professor sem conseguir entender as contradições
históricas apresentadas, onde reproduzimos de certa forma o modelo estabelecido da ideologia
dominante. Não nos reconhecemos e não reconhecemos o aluno como cidadão de direitos. A
cidadania concedida é uma dura herança herdada dos mecanismos de clientelismo e
coronelismo que se fazem presentes na nossa sociedade, tão representada nos últimos tempos
em postagens em redes sociais e em parte dos meios de comunicação.
Os direitos elementares para o exercício pleno da cidadania ainda são negados. Os
avanços na legislação em educação são significativos e tem papel decisivo na luta política,
mas pouco avançamos em direção as raízes das desigualdades no Brasil e na superação da
nossa consciência conservadora: o fato é que a escolarização, que é o direito à educação –
acesso, permanência e, principalmente, uma boa escola - não é permitida para a maior parte
da população, entenda-se trabalhadores braçais do campo e da cidade – negros, indígenas –
mulheres, jovens e crianças.
Carvalho escreveu:
A cultura do consumo dificulta o desatamento do nó que torna tão lenta a
marcha da cidadania entre nós, qual seja, a incapacidade do sistema
representativo de produzir resultados que impliquem a redução da
desigualdade e o fim da divisão dos brasileiros em castas separadas pela
educação, pela renda, pela cor. José Bonifácio afirmou, em representação
enviada à Assembleia Constituinte de 1823, que a escravidão era um câncer
que corroia nossa vida cívica e impedia a construção da nação. A
desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a
constituição de uma sociedade democrática. A escravidão foi abolida 65
anos após a advertência de José Bonifácio. A precária democracia de hoje
não sobreviveria a espera tão longa para extirpar o câncer da desigualdade.
(CARVALHO, 2013, p. 229)
134
Como já escrito, os avanços na legislação educacional podem contribuir decisivamente
para superarmos as desigualdades sociais e de escolarização no Brasil e o Parecer CNE/CP nº
8/12 e a Resolução CNE/CP nº 1/12, que tratam das Diretrizes Nacionais de Educação em
Direitos Humanos, podem, efetivamente, se apropriadas na perspectiva a que se propõe,
mudar a maneira como a escola se organiza pedagogicamente e se relaciona com a
aprendizagem de todos.
Candau afirma que os Direitos Humanos estão no foco dos problemas apresentados
pelas sociedades contemporâneas ocidentais e, neste momento histórico, privilegia a
afirmação da igualdade e da diversidade. Acrescenta a necessidade da construção de uma
cultura em direitos humanos como eixo principal para garantia do direito à educação e a
necessidade de superar a fragilidade da formação de professores e práticas pedagógicas.
No que diz respeito à interrelação entre direito à educação e educação em
direitos humanos, num primeiro momento, as reflexões sobre estes campos
se deram de modo independente. No entanto, foram se aproximando
progressivamente e foi sendo assumida a perspectiva que considera a
educação em direitos humanos como um componente do direito à educação e
elemento fundamental da qualidade da educação que desejamos promover.
Sendo assim, estas duas preocupações se entrelaçam na busca da construção
de uma educação comprometida com a formação de sujeitos de direito e a
afirmação da democracia, da justiça e do reconhecimento da diversidade na
sociedade brasileira. A construção de uma cultura dos direitos humanos em
diferentes âmbitos da sociedade constitui seu eixo principal. No entanto, se
no plano teórico esta articulação foi sendo conquistada, ainda é muito frágil
no âmbito das políticas públicas, da formação de educadores e das práticas
pedagógicas. (CANDAU, 2012, p. 724)
A interrelação entre direito à educação e educação em direitos humanos na perspectiva
da igualdade e da diferença é assumida, claramente, no Parecer CNE/CP nº 8/12, quando
estabelece os princípios da educação em direitos humanos: Dignidade humana; Igualdade de
direitos; Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; Laicidade do
Estado; Democracia na educação; Transversalidade, vivência e globalidade; Sustentabilidade
socioambiental.
A educação em direitos humanos tem a “finalidade de promover a educação para a
mudança e a transformação social” e como advertia Severino “as armas que dispõem os
educadores são prioritariamente as fornecidas pelo conhecimento. Através de um
conhecimento produzido de maneira crítica, competente e criativa, os educadores atuarão
como técnicos e políticos – enquanto intelectuais” (SEVERINO, 2012, p. 155).
135
Nidelcoff alerta para a formação do “professor povo”, que “deve ajudar as crianças a
descobrirem que estão criando cultura, na medida em que VÊEM a realidade e a expressam e
se expressam a si mesmos” (NIDELCOFF, 1994, p. 76). Quando concluímos que o professor
não se reconhece e não reconhece o aluno como cidadão de direitos, vemos o quanto nosso
trabalho será obstinado e longo em direção a formação do “professor povo” e a “mexer na
ossatura da escola” (ARROYO, 2013, p. 33).
Nossa ideia inicial em construir essa pesquisa sobre as significações que professores
atribuem aos projetos de recuperação e as questões relativas ao direito à aprendizagem
suscitaram problemas mais amplos que necessitam de novas pesquisas: porque professores
atribuem à parcela dos alunos a responsabilidade pelo fracasso escolar, mas reconhecem que
a escola não vai bem? Por que falamos e ouvimos sobre políticas públicas de Estado e, de
fato, vivemos e aceitamos pretensas políticas públicas partidárias e/ou de promoção pessoal?
Essas questões demandam mais estudos e pesquisas. Limitamo-nos ao que se
apresentou nas entrevistas com professores e, centrados, focados na nossa questão principal,
contribuímos para novas reflexões sobre o porquê dos projetos de recuperação de
aprendizagem apresentarem resultados pífios e pouco ou quase nada alteram a garantia do
direito à aprendizagem dos alunos.
Constatou-se, por meio das significações, que professores atribuem aos projetos de
recuperação de aprendizagem e o direito à educação, que os caminhos da proposta
educacional da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo apresentam fragilidades. Os
alicerces do discurso pela melhoria da qualidade de ensino são débeis, restritos. Baseiam-se
na precarização do trabalho docente, na terceirização dos serviços, no modelo gerencialista de
administração, na bonificação por resultados e meritocracia, na perniciosa ideia de que só a
melhoria de resultados das avaliações externas representa a garantia do direito à
aprendizagem e, a limitação do potencial cultural das escolas através da imposição de projetos
e programas.
As políticas públicas em educação têm como objetivo garantir o direito constitucional
à educação. Apresentam-se como possibilidade de enfrentamento das desigualdades
econômicas, sociais e de escolarização, porém, no caso estudado, não cumprem essa função e,
ao contrário, os projetos e as resoluções reforçam o ideário da reprovação escolar, da
seletividade e da exclusão no interior da escola.
136
Outro achado importante desta pesquisa mostra a contradição no discurso de
professores quando consideram que as questões sociais implicam sobre a garantia do direito à
aprendizagem, porém pouco se importam com tais questões quando aplicam [ou desejam]
reprovar os alunos. “É um bairro bem carente, tem todos esses problemas sociais que levam o
aluno a não aprender”; “Cuidar do professor é tudo”; “eu acho que esse problema hoje
[aprendizagem] é um problema social” ; “Carentes de carinho mesmo, de amor de pai e mãe”;
“A gente não tem muita coisa, mas é cobrado de tudo”.
As significações que professores atribuem ao direito à educação apresentam
contradições que estão aparentes na sua prática diária na escola. Tem clareza da negação do
seu direito e do direito do aluno a cidadania, mas não consegue se reconhecer e reconhecer o
outro como cidadão de direitos. Este movimento contraditório é aparente, porque o professor
demonstra certa sensibilidade social com essas questões, porém, não consegue se desprender
ideologicamente. Superar as debilidades na formação política do professor, que são reforçadas
pelo discurso predominante das elites conservadoras que defendem, entre outros temas, a
diminuição da maioridade penal, a criminalização de movimentos sociais e a negação dos
direitos humanos é um dos desafios que esta pesquisa apresentou.
Este modelo imposto, desde a concepção teórica do ato de aprender e ensinar, das
formulações e reformulações de projetos e programas e a articulação política para prestação
de contas junto à sociedade, por meio de índices de avaliação externa, não servem as classes
populares. Aprofundam desigualdades e não promovem a cidadania.
Por considerarmos ricos os dados produzidos nesta pesquisa, por meio da entrevista
semiestruturada, acrescentamos que outros estudos poderão ser ampliados por esse
pesquisador.
Estudos e pesquisas em outras redes de ensino, estaduais e municipais, serão
necessários para desvelar ainda mais estas preocupações. Esperamos que este trabalho gere
inquietações e crises em todos que o leiam. Porque a crise “dilacera fachadas e oblitera
preconceitos” (ARENDT, 2013, p. 223)
Outros caminhos devemos e podemos construir coletivamente com as escolas e seus
atores.
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Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise>. Acesso em: 10 ago. 2013.
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de classes, turmas e aulas de projetos e modalidades de ensino aos docentes do Quadro do
Magistério. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise>. Acesso em: 10 ago. 2013.
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rede estadual de ensino. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise>. Acesso em:
10 ago. 2013.
______.Resolução SE nº 18 de 5 de março de 2009. Dispõe sobre estudos de recuperação na
rede estadual de ensino. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise>. Acesso em:
10 ago. 2013.
______.Resolução SE nº 93 de 9 de dezembro de 2009. Dispõe sobre estudos de
recuperação aos alunos do ciclo II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, das escolas da
rede pública estadual. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise >. Acesso em: 20
ago.2013.
______. Decreto nº 57.571, de 2 de dezembro de 2011. Institui, junto à Secretaria da
Educação, o Programa Educação - Compromisso de São Paulo e dá providências correlatas.
Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, Executivo I, 3 dez. 2011.
______.Resolução SE nº 2 de 12 de janeiro de 2012. Dispõe sobre mecanismos de apoio
escolar aos alunos do ensino fundamental e médio da rede pública estadual. Disponível em:
<http://www.educacao.sp.gov.br/lise >. Acesso em: 20 ago.2013.
______.Resolução SE nº 74 de 9 de novembro de 2013. Dispõe sobre a reorganização do
Ensino Fundamental em regime de progressão continuada, oferecido pelas escolas públicas
estaduais,
e
dá
providências
correlatas.
Disponível
em:
<http://www.educacao.sp.gov.br/lise/index.asp >. Acesso em: 15 nov. 2014.
______. CIMA. Coordenadoria de Informação, monitoramento e avaliação educacional.
Desempenho escolar rede estadual estado de São Paulo. 1986-2012. Tabelas e gráficos.
2013.
______. CIMA. Coordenadoria de Informação, monitoramento e avaliação educacional.
Desempenho escolar rede estadual estado de São Paulo. 1986-2013. Tabelas e gráficos.
2014.
______. PROGRAMA DE QUALIDADE DA ESCOLA. Nota Técnica. 2014.
149
______.Resolução SE nº 53 de 02 de outubro de 2014. Dispõe sobre a reorganização do
Ensino Fundamental em Regime de Progressão Continuada e sobre os Mecanismos de Apoio
Escolar aos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio das escolas estaduais. Disponível em:
<http://www.educacao.sp.gov.br/lise/index.asp >. Acesso em: 20 out.2014.
______.Resolução SE nº 73 de 30 de janeiro de 2014Dispõe sobre a reorganização do
Ensino Fundamental em Regime de Progressão Continuada e sobre os Mecanismos de
Apoio Escolar aos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio das escolas estaduais.
Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/lise/index.asp >. Acesso em: 3 jan. 2015.
150
APÊNDICE 1
Roteiro inicial de entrevista, 11/10/2013.
1A prática do professor e seus alunos.
1.1
Sobre sua formação;
1.2
Sobre você professor(a);
1.3
Sobre sua prática docente;
1.4
Sobre seus alunos – Como são seus alunos? De onde vêm? Como são as famílias? O
bairro? O que eles fazem fora da escola? De que gostam? O que não gostam? O que dizem
sobre escola, futuro, sociedade...
1.5
Sobre a escola – Como é a escola em que você trabalha? Condições estruturais,
condições internas e externas à escola?
1.6
Quantas aulas você ministra semanalmente? Quantos alunos você tem?
1.7
Como é o aproveitamento dos seus alunos?
1.8
Estão aprendendo?
1.9
Fale sobre os alunos aprovados. Como eles são?
1.10 O que você faz com os alunos que têm dificuldades?
1.11 E as questões sociais? Como aparecem no seu dia a dia? A pobreza, a delinquência, o
abandono, a drogadição, a família...
1.12 O que a disciplina/indisciplina dos alunos tem a ver com isso?
1.13 Tem alguns que você reprovaria?
1.14 Como você pensa a questão da reprovação?
1.15 É a melhor solução reprovar esses alunos?
2História da Educação.
2.1 Pretendo que você fale um pouco sobre reprovação escolar na história da educação.
2.2 O que você conhece sobre seriação e seletividade escolar?
2.3 O que você entende por ciclos de aprendizagem?
2.4 E progressão continuada?
2.5 Sobre como esses temas aparecem no seu dia a dia.
2.6 Sobre como esses temas aparecem nas reuniões/encontros dos professores. (ATPC;
Reunião Pedagógica; Encontros de Formação Continuada).
2.7 E nas conversas informais do dia a dia com os colegas professores, como isso é discutido?
(no intervalo, no café, na sala dos professores, no pátio)
2.8 E entre os alunos?
2.9 E entre os funcionários da escola?
2.10 E entre os pais e comunidade?
3Recuperação/Reforço.
3.1 Sobre os projetos de Recuperação/Reforço que ocorrem na escola.
3.2 Comente sobre esses projetos na última década.
3.3 Como a Secretaria de Estado da Educação apresenta o projeto de recuperação para os
professores?
3.4 Como a Diretoria de Ensino apresenta o projeto para os professores?
3.5 Como a equipe pedagógica da escola apresenta o projeto para os professores?
3.6 Como esses projetos são apresentados aos alunos?
3.7 Como esses projetos são apresentados aos pais?
3.8 Como os professores se apropriam desses projetos?
3.9 Quais as vantagens desse modelo de projeto de recuperação?
3.10 Quais as desvantagens desse modelo de projeto de recuperação?
3.11 Comente sobre o Professor Auxiliar (PA).
151
3.12 Você gosta da ideia de ter um professor para auxiliar os alunos na sua aula?
3.13 Como você entende a proposta do Professor Auxiliar?
3.14 Você gosta desse projeto?
3.15 Como esse professor foi apresentado para você e para seus alunos?
3.16 O que os professores de outras disciplinas pensam sobre os Projetos de Recuperação e o
auxílio do professor auxiliar?
3.17 Como você avalia estes projetos na escola?
3.18 Este projeto apresenta resultados?
3.19 Como e quem faz o acompanhamento desses projetos? (Recuperação/PA)
3.20 Como são registrados e socializados com os demais professores?
3.21 Como são divulgados/socializados com os alunos?
3.22 Como são divulgados/socializados com os demais funcionários?
3.23 Como são divulgados/ socializados com os pais?
3.24 Quais as perspectivas desse projeto?
4Direito à aprendizagem.
4.1 O que você entende por políticas públicas para educação?
4.2 Sobre as políticas públicas da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
4.3 Como essas políticas públicas chegam até a escola, até os professores?
4.4 Quais delas você tem percepção direta no seu dia a dia como professor?
4.5 Como elas aparecem no dia a dia da escola?
4.6 Como elas se configuram no discurso dos professores e da equipe de gestão?
4.7 Os funcionários, alunos e pais conhecem esses políticas públicas?
4.8 Essas políticas públicas tem alcançado seus objetivos?
4.9 As crianças e adolescentes estão aprendendo mais com a implantação/implementação
dessas políticas públicas?
4.10 A escola melhorou com essas políticas públicas?
4.11 A saída que a SEE tem apresentado são os projetos de recuperação e de professor
auxiliar para melhorar a aprendizagem dos alunos? Como você entende esse saída proposta
pela SEE?
4.12 Existem outras formas de melhorar a aprendizagem dos alunos?
4.13 O que você entende por Direito?
4.14 Comente sobre qualidade da educação.
4.15 Como são apresentados os dados sobre qualidade da educação?
4.16 Comente sobre qualidade da educação e avaliação da educação.
4.17 Comente sobre direito à aprendizagem.
4.18 Os projetos de recuperação tem garantido o direito à aprendizagem, a qualidade da
educação?
4.19 Como você percebe o direito à aprendizagem no dia a dia?
4.20 Os projetos da SEE tem garantido o direito à aprendizagem?
4.21 Qual o papel do professor para garantir o direito à aprendizagem?
152
APÊNDICE2
Transcrição da entrevista realizada em 05 de março de 2014 com duração de 01 hora e 02
minutos.
Professor Antonio - Matemática
Tempo aproximado de transcrição: 7 horas.
PESQUISADOR. Sou Doutorando no Programa de Educação: Psicologia da Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradeço ao professor por conceder esta
entrevista. Informo que nossa conversa deve ter duração média de 50 minutos e será realizada
a partir de um roteiro prévio que desenvolvemos anteriormente em reuniões de orientações
gerais para este trabalho. Lembro ao professor que não utilizaremos ou divulgaremos o nome
do entrevistado ou de qualquer outra pessoa ou local.
PESQUISADOR. Você trabalha aqui há quanto tempo?
PROFESSOR: Há quatro anos.
PESQUISADOR. Quantas aulas você ministra, semanalmente? Quantos alunos você tem?
PROFESSOR: 30 aulas. 220 alunos.
PESQUISADOR. Como é o aproveitamento deles? Estão aprendendo?
PROFESSOR: É então... (pensa bastante, sorri...)Vimos que no primeiro semestre, nos
dois bimestres trabalhando a proposta, nos conteúdos da série, o rendimento é muito
baixo. Tivemos, em Matemática, de 70% a 80% de notas vermelhas, insatisfatórias.
Conversamos com a coordenação para a gente reagir, mudar. Foi proposto, com a
gestão, rever os conceitos anteriores lá nas quintas e sextas séries para não chegar a esse
abismo que tem na oitava série. No terceiro bimestre, já conseguimos um
aproveitamento de 50% nos 80% que estavam com nota insatisfatória. Para mim e para
os outros professores, a matéria se tornou mais fácil, mais prazerosa. Eles estavam
conseguindo aprender. Esse resgate que fizemos dos anos anteriores foi importante. Só
que, em contrapartida, paramos o conteúdo da série um pouquinho e estamos tentando
chegar aos poucos.
PESQUISADOR. Sobre os alunos.
PROFESSOR: Os que aprovam? São os que estudam! Mesmo esses alunos que são
aprovados ainda estão muito abaixo do nível que esperamos. Dissemos assim: é aluno
nota 5, nota 6, porque a gente tenta avaliar de diversas formas.
PESQUISADOR. Então eles são aprovados, mas, no entendimento de vocês, são aprovados
no básico, no nível básico, do básico para o adequado.
PROFESSOR: Esses alunos que são aprovados demonstram mais interesse, participam
mais, mesmo assim são do nível básico para o adequado. (Os níveis de proficiência são:
abaixo do básico, básico, adequado e avançado. São classificados a partir da pontuação dos
alunos nas provas do SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo. A SEESP considera que o ideal é que os estudantes fiquem entre o nível básico e o
avançado. Fonte: www.educacao.sp.gov.br. Nota do pesquisador.
PESQUISADOR. E o que o professor faz com os que têm dificuldades, esses que estão abaixo
do básico?
PROFESSOR: Nós temos nesse ano o “professor auxiliar”. Esses alunos que têm mais
dificuldades, abaixo do básico, ficam duas aulas por semana com esse professor. A gente
dá o mínimo mesmo.(“professor auxiliar” é o que atua, em até três aulas semanais, junto
com o Professor da classe. Fonte: Resolução SE nº 02/2012) Nota do pesquisador.
PESQUISADOR. Eles não ficam com o professor? Saem da sua aula e vão para outro espaço?
PROFESSOR: Outro espaço, com outro professor, outro ambiente para trabalhar com
153
essa dificuldade mesmo que é extrema. Mas tem professor que trabalha assim. Têm
outros que trabalham de outra forma, trabalham dois professores na sala, dividem os
alunos em níveis.
PESQUISADOR. E há outros professores que preferem que os alunos com dificuldades saiam
para ser atendidos em outros espaços?
PROFESSOR: É. Tudo depende das turmas. Nas minhas turmas, eu vejo a necessidade
desse professor trabalhar com o grupo menor. Nem sempre é menor. A gente viu que
está atingindo os objetivos.
PESQUISADOR. E como que vocês fizeram para chegar aí? Como que vocês decidiram isso?
PROFESSOR: No início do ano, fizemos “provas diagnósticas” para ver o perfil do aluno
e as dificuldades. Através desses resultados, a gente seleciona os alunos que têm mais
dificuldades, que são mais difíceis. Isso foi feito do primeiro para o segundo bimestre.
(“Avaliação de Aprendizagem em Processo” - O exame é utilizado pelos educadores para
analisar o nível de aprendizado dos estudantes e, com isso, traçar estratégias e metas para
garantir o desenvolvimento dos alunos. Fonte: www.educacao.sp.gov.br)
PESQUISADOR. E a decisão de separá-los e tirá-los da sala, para ficar com o professor
auxiliar ou mantê-los na sala com dois professores, quem tomou essa decisão?
PROFESSOR: O professor auxiliar, o professor titular da sala, a coordenação e o grupo
gestão.
PESQUISADOR. Como foi? Fizeram como?
PROFESSOR: Uma reunião traçando o perfil da sala e dos alunos para ver se era a
melhor maneira de conduzir os alunos para o reforço.
PESQUISADOR. Falamos dos alunos que apresentam dificuldades e o professor comentou.
Mas como que aparecem, no meio de tudo isso, as questões sociais? Como aparece no seu dia
a dia?
PROFESSOR: Isso repercute muito. Têm alunos usuários de drogas. Alguns casos são
visíveis. O aluno vem pra escola, pra não perder a vaga e não ser encaminhado para o
Conselho Tutelar. Esse bairro, onde a gente trabalha, tem bastante. A questão da
pobreza também. É um bairro bem carente, que afeta muito a estrutura familiar.
Crianças que não têm pais são separadas, e isso afeta muito. O aluno acaba não
conseguindo ter o rendimento esperado por esses fatos.
PESQUISADOR. E como você vê seu papel e o da escola nessas situações? Primeiro falamos
dos alunos que consideramos aprovados, que estão no básico, depois dos alunos que têm
dificuldades, que estão abaixo do básico e o que fazemos. Mas como vocês professores
trabalham com essas questões sociais?
PROFESSOR: Muitas vezes são essas questões sociais que levam a atos de indisciplina, a não
acompanhar as atividades e a, simplesmente, não abrir um caderno, porque ele tem outros
problemas e aquilo para ele não é importante. Ele vem para escola, gosta de estar com os
colegas, mas aquela importância dos estudos ele não coloca como prioridade. Talvez, a falta
de estrutura familiar repercute na questão maior da vida deles.
PESQUISADOR. Você considera importante a escola discutir essas questões?
PROFESSOR: Considero. Acho que os projetos sociais aproximam mais o professor e o
aluno. Temos dois professores que têm maior facilidade de ter esse elo com o aluno, de
conversar, de tentar entender o aluno. Outros já não têm esse elo. Talvez, isso ajude o aluno a
ter mais confiança nesse profissional.
PESQUISADOR. Tem alunos que você reprovaria?
PROFESSOR: Reprovaria por rendimento?
PESQUISADOR. Que você reprovaria?
154
PROFESSOR: Sim. Sim. Reprovaria.
PESQUISADOR. E como você pensa essa questão da reprovação escolar?
PROFESSOR: É uma questão bem ampla, bem complexa. Esse ano para mim foi de
renovação. Ao voltar o conteúdo, a gente vê que os alunos têm dificuldades extremas.
Então, reprovar um aluno eu entendo que não ajuda. Quando o aluno reprova a 8ª série,
há dez anos que trabalho com 8ª série, que é final de ciclo, no ano seguinte, fazendo a 8ª
serie novamente, muitas vezes ele não vai melhorar. A tendência é piorar por causa da
falta de motivação e de empenho. Mas existem alguns casos de alunos que não abrem o
caderno, não fazem as atividades, que não buscam o conhecimento e acabam reprovando
por desempenho. Então, a gente acaba reprovando esses alunos que não têm o que fazer,
que não têm jeito. Mesmo assim, na minha visão, no ano seguinte, esse aluno não vai
melhorar. Vai continuar do mesmo jeito.
PESQUISADOR. É a melhor solução para esses alunos?
PROFESSOR: Talvez, não seja a melhor solução, mas fica difícil encontrar um caminho
para que esses alunos não cheguem à reprovação. Entender porque esse aluno é assim,
que não consegue entender, porque ele não quer, seria esse meio termo porque não
reprovar os alunos que não têm jeito.
PESQUISADOR. E a progressão continuada?
PROFESSOR: É, a gente fala muito sobre a progressão continuada. Existem muitas
críticas sobre a progressão continuada de 1998. Hoje, o aluno só é reprovado no final do
ciclo, no fundamental I e no fundamental II. Lembro quando eu era aluno. O aluno era
reprovado por rendimento. Hoje, a gente escuta que o aluno foi reprovado por faltas. Só
será por nota e rendimento no final de ciclo. O que eu conheço um pouquinho da
progressão continuada está relacionado a essas críticas que nós, professores, eu me
incluo nessa, fazemos: que hoje o aluno não consegue compreender, entender e mesmo
assim ele é aprovado.
PESQUISADOR. Sobre seriação e seletividade escolar.
PROFESSOR: A gente faz muitas comparações: que naquele tempo os alunos conseguiam
aprender e muitos que eram reprovados evadiam-se. Eu me lembro de que muitos
abandonavam a escola para trabalhar e hoje os alunos de alguma forma, quando são
reprovados, abandonam. Não só o abandono de não vir para escola, mas o abandono
intelectual. Ao reprovar um aluno, eu acho que, nos anos seguintes, você perde esse
aluno. Talvez não por abandono, mas por falta de motivação que no ano seguinte é muito
grande. A questão da seriação, não sei explicar bem o que seria.
PESQUISADOR. E como essas questões, progressão continuada, seriação e seletividade são
vistas pelos demais professores?
PROFESSOR: A gente percebe que o aluno chega ao final de ciclo, na progressão
continuada, sem o conhecimento básico. Agora, eu não sei se essa questão de você
reprovar o aluno interfere no final do ciclo. Mas nós vimos que o aluno chega hoje ao
final do ciclo da 8ª série sem conhecimentos prévios básicos.
PESQUISADOR. Então, deveria ter mais reprovações?
PROFESSOR: Aí tem uma contradição. Será que reprovar os alunos seria melhor?
Porque, se a gente voltar para alguns anos atrás, a gente reprovava o aluno. Havia uma
taxa de reprovação muito grande e isso não resolvia o caso dos alunos reprovados. Mas
aprovar também não dá, né?
PESQUISADOR. E os ciclos de aprendizagem?
PROFESSOR: Isso é pouco discutido na escola. A gente já comentou de ciclo de dois anos.
É, talvez fosse a solução. Em vez de você deixar do sexto até o nono ano para recuperar o
155
aluno, por que não de dois em 2 anos? Com esse ciclo menor, você conseguiria recuperar o
aluno. Não que você ia reprovar o aluno, mas uma recuperação mais intensiva a cada dois
anos. Talvez aquela recuperação que existia antes.
PESQUISADOR. E como isso aparece no dia a dia da escola?
PROFESSOR: Muitas vezes é angustiante. Muitas vezes, a gente prepara uma aula que
você acredita que vá durar aqueles cinquenta minutos, ou cem minutos, duas aulas, e
acaba se estendendo por uma semana inteira. Às vezes, eu preparo uma atividade
considerada básica e duas aulas acabam se tornando seis, porque os alunos têm essa
dificuldade, esse nível de conhecimento muito básico. Uma grande defasagem que é
mesmo muito angustiante. Você como professor tem uma expectativa. E aquela
expectativa não é confirmada.
PESQUISADOR. E como essas questões aparecem em reuniões, encontros entre professores,
nos horários coletivos e em formação continuada?
PROFESSOR: No intervalo. Até no intervalo a gente discute sobre o aluno. Nas ATPC, é
discutido a todo momento.Uma forma pra gente conseguir é resgatar nossos alunos para
o aprendizado. É uma das maneiras que a gente viu aqui na escola, até pelas notas das
provas SAEB, SARESP, diagnóstica, em que todos foram mal em Matemática. Foi muito
triste.
PESQUISADOR. Professor, isso é o que a gente ouve e fala nos encontros e reuniões. Mas e
nas conversas informais, quando você está lá no café com os demais professores, o que o
professor ouve sobre esses assuntos?
PROFESSOR: Um fala para o outro e ficam indignados em ter que aprovar esses alunos,
porque já ensinamos o básico e os alunos não conseguem entender. Muitas vezes, a gente
não consegue e culpa o aluno sobre essas obrigações que eles não cumprem, como a falta
de interesse e de motivação de estudar. A gente fala um para o outro: como que pode um
aluno não entender?Alguns são a favor da reprovação e que no ano que vem ele vai
sentir o “baque” da reprovação e vai começar a estudar,empenhar-se mais. Outros
acreditam que não. Outros acreditam que uma porcentagem tem que ser reprovada até
porque isso ajuda a dar um “baque” na turma.São opiniões diferentes que a gente vê
sobre a reprovação. Uns são a favor, outros não, outros em parte. São opiniões bem
diferentes, mas que vão para o lado da reprovação.
PESQUISADOR. E os alunos, nas conversas informais, o que falam sobre isso? Sobre essa
forma de a escola se organizar?
PROFESSOR: Os alunos são muito inteligentes. Eles sabem, por exemplo, sobre a
reprovação. Os alunos sabem que reprova nas oitavas séries, que é final de ciclo. O
professor deixa bem claro e a gestão passa para eles que têm que estudar,empenhar-se,
senão vai reprovar. Mas assim eles somente vão ter esse interesse, esse foco, lá no último
bimestre. No final do ano, eles começam a entregar trabalho, começam a ir atrás de
notas, a buscar alternativas de trabalhos extras para não perder o ano. Eles têm, sim,
essa preocupação de não perder o ano. Entre eles, a gente percebe que mesmo aqueles
que não fizeram nada durante o ano, não participaram de forma alguma, no final, têm
medo de perder o ano. Não querem separar-se da turma, o colega ir adiante e ele ficar
para trás, ficar na reprovação.
PESQUISADOR. E os funcionários da escola, você ouvem comentários sobre isso?
PROFESSOR: Não. São indiferentes [os funcionários] sobre esse negócio de reprovação.
Os comentários que conversamos com os funcionários são outros. Esse é um assunto que
não é mencionado.
PESQUISADOR. E os pais e a comunidade?
156
PROFESSOR: Os pais da oitava série são a favor da reprovação. Quando a gente discute em
sala de aula, eles falam: meu filho não sabe e não é justo que ele seja aprovado. Ele não sabe
nada e todo ano é aprovado. Acaba passando para frente sem saber de nada. Essa é a fala dos
pais. Então, é assim: uma boa parte dos pais é a favor da reprovação, mas eles não têm
conhecimento de que é a progressão continuada que faz isso. A questão da história dos
ciclos, que nós professores não queríamos que aprovasse. Então, eles enxergam assim:
não aprendeu nada e tem notas vermelhas? Tem que ser reprovado. Mas assim, em
partes, aqui na nossa escola, a presença dos pais é baixa, insatisfatória. Cerca de 30% ou 40%
dos pais é que dão as caras. E geralmente são os pais dos alunos que têm notas satisfatórias,
que são bons. Aqueles que os alunos estão em condições ruins não aparecem, não participam
nem de reuniões, nem quando são acionados, muitas vezes, para discutir a parte pedagógica,
porque o filho está mal na escola. Mas quando eles participam da última reunião do ano, da 8ª
série, e o filho é reprovado, eles ficam indignados! Mas em nenhum momento eles vieram. Em
nenhuma reunião, eles compareceram antes de chegar ao extremo. É outra parte angustiante.
PESQUISADOR. Vocês discutem essa não participação dos pais? O que vocês ouvem deles?
PROFESSOR: A gente ouve que é por causa do trabalho. Só que a gente procura marcar
reunião o dia todo, então o período da manhã fica aberto a reunião das oito até o meio dia. Ele
também pode comparecer à tarde, à noite. É só querer vir, mas muitas vezes não comparece.
PESQUISADOR. E sobre recuperação?
PROFESSOR: Posso voltar alguns anos. Fui professor de recuperação paralela uns 3 ou 4
anos. A gente percebia uma evasão muito grande. Era no contraturno e o aluno não
vinha, tinha lá 20 alunos por turma. Vinham seis ou sete. Hoje, essa recuperação de
apoio dentro da sala ou fora em outra sala ambiente, durante o processo, traz mais
resultados. Escutei de alunos meus: professor, consegui aprender as quatro operações com a
professora auxiliar. Comigo não aprendeu no contexto geral, mas com a professora focando
naquele tópico, naquele assunto, ele consegue compreender.
PESQUISADOR. Quantos alunos você tem em sala de aula?
PROFESSOR: 40
PESQUISADOR. E quantos precisam da recuperação?
PROFESSOR: Uns 25%. Uns 10 alunos por sala que estão abaixo do básico.
PESQUISADOR. Comente mais sobre esses projetos de recuperação nesta última década.
PROFESSOR: Lembro-me do Projeto Números em Ação que era para alunos que tinham
dificuldades em Matemática. O Projeto Trilhas e Letras que era para Língua Portuguesa. Eles
trabalhavam com a tecnologia e era muito diferente. Tinha o computador, softwares e jogos
em que eles aprendiam a resolver situações problemas, português, ditado, redação. Tudo
interativo. E lembro que o aluno aprendia bastante, interagia mais. Na Recuperação Paralela,
os alunos não vinham no contraturno. Havia muita ausência. Essa era outra recuperação
paralela, e agora é esse Professor Auxiliar.
PESQUISADOR. Lembra-se de mais alguma?
PROFESSOR: Não, não me recordo de mais nenhuma.
PESQUISADOR. Lembra-se daquele que era na pré ou pós-aula?
PROFESSOR: Ah, lembro! Só lembro que acabava o horário da manhã e, antes de começar o
horário da tarde, havia alunos que: ou ficavam do período da manhã ou chegavam mais cedo
do período da tarde para ficar na recuperação, na hora do almoço. Tinha um professor que
ficava, também. Parecia com a recuperação paralela. Mas, na hora do almoço, os alunos
ficavam uma aula a mais e depois iam embora. Lembro sim, mas também lembro que
muitas vezes os alunos acabavam indo embora com os colegas que não estavam para
recuperação. Eles fugiam da recuperação na hora do almoço junto com os colegas.
157
Terminava o horário normal, e eles aproveitavam e se mandavam. Saíam, não ficavam
mesmo. Acho que era muito cansativo ter cinco ou seis aulas e ainda ficar mais uma
aula. É muito chato. Assim, a escola não oferecia nada de diferente. Foi mais uma
tentativa que não deu em nada, não deu certo.
PESQUISADOR. Como a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, nestes tempos que
comentamos, tem apresentado esses projetos para os professores?
PROFESSOR: Eu vejo como tentativas. Acho que foram quatro. Foram várias tentativas
de melhorar nesse sentido de recuperar o aluno. E os professores, muitas vezes, não têm
capacitação e o material é feito às pressas.
PESQUISADOR. E por que, então, essas tentativas, essas tantas mudanças em pouco tempo?
PROFESSOR: Porque não trouxeram resultados ou foram poucos resultados. A gente vê
que nesses oito ou dez anos, a gente não consegue resgatar esses alunos. Não conseguimos
recuperar esses alunos.
PESQUISADOR. E como a Diretoria de Ensino apresenta isso para os professores?
PROFESSOR: Olha, eu só vi assim: pelo site da Educação (www.educacao.sp.gov.br).
Através do site, a gente fica sabendo. E em conversas entre os professores, também.
PESQUISADOR. E a equipe pedagógica da Diretoria de Ensino, como apresenta isso aos
professores?
PROFESSOR: Eu vejo o elo da Diretoria com a coordenação e a coordenação com os
professores na escola. Não tem professor/diretoria. Tem professor, coordenação pedagógica e
equipe gestão da escola.
PESQUISADOR. E como esses projetos são apresentados aos alunos e aos pais?
PROFESSOR: Nas reuniões bimestrais, o pai assina um termo em que o filho apresenta as
dificuldades básicas da disciplina. Esse aluno começa a participar das aulas de reforço.
PESQUISADOR. E como vocês falam isso para os pais na reunião?
PROFESSOR: Falamos dessa forma: seu filho apresenta essas dificuldades. Foram feitas
algumas provas diagnósticas e ele apresentou dificuldades na Língua Portuguesa e na
Matemática. Assim, ele necessita fazer um reforço. A gente explica que agora tem professor
auxiliar para trabalhar de maneira diferenciada com ele.
PESQUISADOR. Os professores estão se apropriando dessas ideias? Como que eles recebem
isso?
PROFESSOR: Existe a conversa só entre os professores de Português e Matemática. Os outros
não se interessam muito, porque não é ligado à sua disciplina. Então, isso fica mais
internamente em Português e Matemática.
PESQUISADOR. Você vê vantagens nesse modelo?
PROFESSOR: Se a gente for comparar com o reforço paralelo, como era antes no
contraturno, o professor auxiliar é melhor. O aluno sai da sua aula, vai lá com o
professor auxiliar e consegue algumas mudanças que talvez a gente não consiga na sala
para resgatar alguns conteúdos. Ali, ele fica como se fosse uma aula particular, com
cinco, seis, oito alunos. Então, a mudança está acontecendo e é significativa.
PESQUISADOR. E quais as desvantagens desse jeito de ajudar o aluno nesse modelo?
PROFESSOR: O que a gente percebe deles é que, quando o aluno sai da sala, a preocupação
dele é perder sua aula. No meu caso ele fala: professor, vou lá ao reforço e o senhor não vai
dar matéria, explicar. Eu respondo que vou, ele diz: depois vou pegar o caderno. E quando
acontece na sala de aula com os dois professores acaba tumultuando entre eles. Então, dois
professores na sala gera conflito. Não conflito entre os dois professores, mas entre os
próprios alunos. A dinâmica da aula acaba não fluindo, porque alguns alunos
atrapalham e os próprios colegas acham melhor eles saírem para o reforço. Já trabalhei
158
dessa forma também.
PESQUISADOR. Salas de aula com mais de 35 alunos, com dois professores, ou menos
alunos e um só professor?
PROFESSOR: Acho que reduzir o número de alunos para 30, 25 é o sonho de qualquer
professor. Seria uma alternativa melhor que ter professor auxiliar.
PESQUISADOR. Comenta um pouco mais sobre esse professor auxiliar.
PROFESSOR: Geralmente, são professores [professor auxiliar] que estão começando
agora na rede, recém-formados. Geralmente, têm também aqueles que ainda são
professores-alunos, que dizer, estão estudando ainda. São apresentados pela gestão que
diz que vamos traçar um plano para trabalhar com os alunos.
PESQUISADOR. E você gosta dessa ideia do professor auxiliar?
PROFESSOR: Gosto. E é o segundo ano que a gente está trabalhando dessa forma. No
ano passado, trabalhei com professor auxiliar na sala de aula. Acompanhei os prós e
contras. Nesse ano, já decidimos trabalhar dessa forma: eu e o professor auxiliar.
PESQUISADOR. Você conhece a proposta e a legislação sobre o professor auxiliar?
PROFESSOR: Não.
PESQUISADOR. Você gosta desse projeto?
Esse projeto da recuperação, com ajuda do professor auxiliar, traz resultados. Sou a
favor, embora não conheça muito a legislação em relação a esses projetos. É um projeto
inovador.
PESQUISADOR. Como esse professor auxiliar é apresentado para você e para os alunos? Fale
sobre a chegada dele na escola.
PROFESSOR: Chegando à escola, é a coordenação pedagógica e a gestão que apresenta o
professor para você e para os alunos. Dizem: olha, a partir de hoje, você vai ter um
professor auxiliar para ficar com os alunos que possuem maior dificuldade e vocês vão
fazer esse reforço para melhorar o rendimento e melhorar o conceito no Saresp. O
professor também se apresenta para a turma.
PESQUISADOR. Os outros professores, como eles recebem este projeto de Professor
Auxiliar?
A gente não ouve muitos comentários dos outros professores. Eu desconheço as
opiniões.Sobre os outros professores, parece-me que não sabem o que está acontecendo.
PESQUISADOR. E como você avalia esses projetos na escola, o do Professor Auxiliar e o de
final de ciclo que ficam um ano a mais?
PROFESSOR: Um ano a mais?
PESQUISADOR. Sim, os da oitava série, do final de ciclo?
PROFESSOR: Não.
PESQUISADOR. Os que são reprovados?
PROFESSOR: Sim. Sim. Os que reprovam a oitava série e ficam em uma turma só no outro
ano.
PESQUISADOR. Como você avalia esses projetos?
PROFESSOR: É, olha....
PESQUISADOR. Eles apresentam resultados?
PROFESSOR: É, deixa eu ver....
PESQUISADOR. A pergunta é: os alunos estão aprendendo?
PROFESSOR: (Risos do professor, gesticula bastante e continua rindo) É, temos aqui na
escola (continua rindo)... Nós temos aqui na escola uma taxa muito grande de
reprovação. Se a gente levar isso em conta, temos 8 salas de final de ciclo, oitava série.
Em cada sala dessas, nós temos uma média de 7 a 8 alunos que são reprovados. Se a
159
gente pegar e buscar esses alunos que foram reprovados, posso falar com convicção de
que 80% dos alunos reprovariam novamente. Talvez não seja feito algo para que isso
mude. Se não vão reprovar um ano, vão fazer outro ano do mesmo jeito. E, às vezes, até
com menor desempenho. E vão chegar ao final do ano e acabar sendo reprovados, não
aprenderam nada.
PESQUISADOR. E como é o acompanhamento desses projetos?
PROFESSOR: O trabalho do professor auxiliar com o professor da sala acontece todo
bimestre. Ao final do bimestre, a gente senta para conversar se houve uma melhora
significativa desse aluno. Quando a gente não percebe que melhorou, o professor auxiliar
revê as atividades que ele fez, se ele vai permanecer mais um bimestre, se tem outro
aluno que pode se enquadrar na sala de reforço. Então, há um acompanhamento, às
vezes só bimestral. O pouco tempo que a gente tem em reuniões, a gente acaba deixando
isso de lado. É uma falha do professor da sala.
PESQUISADOR. Como tudo isso é registrado e socializado na escola?
PROFESSOR: O que é direcionado para os pais é que nós temos aqui o sistema Babica
(sistema informatizado de registro de notas e frequência). E existe lá uma avaliação do
perfil do aluno que é de “xizinho” (SIC) de múltipla escolha. Depois, a gente imprime
todo aquele documento e o pai recebe para ver se o filho está no reforço. Então, o pai, de
alguma forma quando ele vem para a escola, ele participa, ele tem um
acompanhamento, ele sabe que o filho dele está no reforço, como está no reforço, se está
aprendendo, se está buscando aprender, se é esforçado, se tem empenho, se não é
bagunceiro. Então, esse elo existe.
PESQUISADOR. Fale um pouco sobre Políticas Públicas em Educação.
PROFESSOR: Olha... (silêncio... risos...) a gente vê muito a mídia criticando a Educação.
Mídia assim como internet, TV. Vemos muita crítica a gestão estadual e municipal. São
vários fatores que levam a educação a estar dessa forma: casos de violência, de abandono
e da falta de estrutura das escolas. São vários motivos e a gente ouve muito que o Estado
abandonou a escola. O que fazer? Então, a gente vê os políticos e a política refletirem na
educação. Mas o que fazer eu não sei. É muito difícil.
PESQUISADOR. Mais especificamente no Estado de São Paulo, como você acompanha essas
políticas públicas para educação?
PROFESSOR: Olha, eu vejo assim: se a gente avaliar algumas escolas públicas de São Paulo,
a minha escola tem estrutura. Tudo que uma escola particular tem e pode oferecer para o
aluno, a nossa pode oferecer também. Tem estrutura agora porque tem todos esses
problemas sociais que levam o aluno a não conseguir aprender. Talvez, seja o que a
gente comentou lá no começo da fala: essa estrutura familiar, essa violência,esses alunos
que não aprendem, mesmo uma escola estruturada como a nossa é. São vários
profissionais bons, frequentes, a gente não consegue atingir o objetivo.
PESQUISADOR. Então, essas políticas públicas deveriam dar conta de outros fatores
externos à escola e não só o que é de responsabilidade da escola?
PROFESSOR: Olha, temos aqui o “Professor Mediador” que é para tratar dos conflitos e
resolver as questões em partes, mas não é o principal. (“Professor Mediador Escolar e
Comunitário - PMEC - do Sistema de Proteção Escolar”. Entre os objetivos da função deste
professor designado PMEC destaca-se a prática de mediação de conflitos no ambiente
escolar e orientação aos alunos, pais e professores. Fonte: www.educacao.sp.gov.br)
PESQUISADOR. Essas políticas públicas em educação da SEESP estão dando conta de
garantir o direito de aprender?
Não. As políticas da Secretaria de Educação não estão garantindo a aprendizagem dos
160
alunos. (silêncio... demonstra preocupação)
PESQUISADOR. Quais outros projetos que você conhece aqui na escola?
PROFESSOR: A do professor mediador, mas a gente não sabe, não foi explicado para nós, por
exemplo, o motivo a fundo, a função de como chegou o professor mediador. A gente sabe que
precisa mediar e dar com esses conflitos, só isso. Mas isso eu conheço. A gente tem esses
contatos diariamente com o professor mediador por causa da indisciplina. A gente acaba indo
até a sala da professora mediadora para tentar lidar com esses conflitos e passa o caso para a
direção. O aluno sente essa confiança com a professora mediadora. Levar para a direção, todo
mundo já sabe: vou levar suspensão, vou ser advertido, vai chamar minha atenção. Por outro
lado, a mediadora já tem outra forma de conduzir.
Eu não sinto essa necessidade assim como professor de outros projetos, outras políticas
públicas de estrutura. Tem escola em que já trabalhei que não tinha uma quadra para trabalhar,
não tinha sequer sala de aula, era tudo adaptado, não tinha um computador. Existem muitas
escolas aqui na cidade em que falta muito recurso.Isso é problema de política educacional.
Essa escola tem tudo de que precisamos, mas nas outras está feio.
PESQUISADOR. E no dia a dia dos professores, nas conversas informais, como isso aparece?
PROFESSOR: A gente ouve falar que falta recurso. Os professores criticam esse negócio
de governo falar e não acontecer nada. Intensamente, fazem críticas ao governo: que a
escola, a educação foi abandonada, que falta melhorar a questão do material, das
apostilas... Apostilas fora da realidade dos nossos alunos. Então, essa parte, sim, é muito
criticada por todos.
PESQUISADOR. Essas políticas têm alcançado o objetivo de os alunos aprenderem mais, ter
esse direito garantido?
Não. Não. Fiz o Curso “Melhor Gestão Melhor Ensino” e finalizei. Muitos não conseguiram
finalizar. (“Melhor Gestão, Melhor Ensino” - Curso semipresencial, com duração de 60 horas,
oferecido a Diretores de Escola, Professores Coordenadores Pedagógicos e Professores de
Português e Matemática. Tem foco na gestão escolar e no processo de ensino e de
aprendizagem de língua portuguesa e de matemática.) Fonte: www.educacao.sp.gov.br
PESQUISADOR. As crianças e adolescentes estão aprendendo?
Pouco, muito pouco. As crianças estão aprendendo pouco. Alguns professores mudaram
a maneira de trabalhar depois que começaram a fazer o curso “Melhor Gestão Melhor
Ensino”. Assim, conduzem as aulas de outro jeito.
PESQUISADOR. E a escola tem melhorado para garantir o direito de aprender dos alunos?
PROFESSOR: (Silêncio... risos... silêncio) A escola tem tentado melhorar. Estamos
buscando alternativas depois desse curso “Melhor Gestão Melhor Ensino”. Sentamos
para conversar e melhorou um pouco. Fizemos algumas mudanças pra gente mudar essa
quantidade de “insatisfatório” e melhorar o Saresp. Estamos buscando alternativas.
PESQUISADOR. Professor, o que é Direito?
PROFESSOR: (Silêncio... professor incomodado com a pergunta) Direito...
(silêncio...demonstra inquietação...) Direito é... a gente já associa direito a dever, né? O
que é dever? E o que é direito? (silêncio...) Direito é... em se tratando de escola,
educação, todos têm direito. Direito de aprender, de ter uma boa convivência, de ter uma
família estruturada, de ter um bom professor. Direito acho que é... acredito que está
ligado a obrigação. O aluno tem o direito garantidoquando cumpre a obrigação.
PESQUISADOR. E sobre qualidade da educação. Como você acompanha essas conversas
com os demais professores?
PROFESSOR: A qualidade da educação, se eu me referir aos professores, há professores
altamente qualificados que trabalham no Estado, no Município, na rede particular, em
161
Universidades. Temos professores altamente qualificados, mas nem sempre a gente consegue
ter uma educação de qualidade, talvez por tudo isso que a gente falou aqui hoje. O nosso
aluno, embora isso você não possa apontar como causa dessa falta de estrutura, essa
carência que o aluno tem, talvez mesmo com todas essas questões de qualidade que as
escolas possuem você não consegue atingir os objetivos de ter uma aula de qualidade,
porque alguns alunos não querem aprender, não aprendem.
PESQUISADOR. Como é apresentado para vocês professores essa ideia de escola de
qualidade?
PROFESSOR: Como é apresentada? É através de números, dados. Quem vai bem no
Saresp, tem melhor qualidade. É através das provas e dos resultados do Saeb, do Enem.
A gente vê lá a classificação e fala: essa escola é boa e aquela não é. A nossa está abaixo
do básico e é vista como de péssima qualidade. Então, é avaliado assim, isso é a
qualidade.
PESQUISADOR. Isso garante o direito do aluno aprender?
PROFESSOR: (Silêncio... risos... longo silêncio) Se isso garante a aprendizagem pelo fato
das notas, de estar abaixo ou no alto. (gesticula e ri muito...) Não, não garante. Às vezes,
eu como profissional poderia falar também nas minhas aulas de Matemática de outros
assuntos, outras coisas do cotidiano do aluno, mas tem que ser só matemática.
PESQUISADOR. Esses projetos de que tanto falamos garantem o direito de o aluno aprender?
PROFESSOR: Os projetos de recuperação deveriam garantir o direito de aprender, mas
nem sempre o aluno consegue aprender. Ele tem o direito, mas não consegue aprender.
Ele permanece mais um ano fazendo aquela série, com duas aulas de professor auxiliar,
e não apresenta melhoras. Então, ele tem o direito, mas nem sempre esse direito é
alcançado. Essas políticas públicas até garantem o direito de aprender, mas alguns
alunos... você sabe. Fiz cursos da SEE, aprendi e aplico em sala de aula. Procuro
melhorar a qualidade da aula, buscando alternativas de aprendizagem para os alunos.
Mas não é uma contradição ter os indicadores externos apontando que os alunos aprenderam
pouco e a gente fazendo tanto na escola? A gente não consegue atingir o mínimo para o aluno
aprender? A gente trabalha tanto, um absurdo. Como vai preparar aulas? Sou a favor de
um terço da jornada, ou seja, ter 28 aulas de 50 minutos com alunos e bom salário e não
ter que trabalhar feito um louco e adoecer. Sai de uma escola e vai para outra. Tudo bem
que tem dois meses de férias, mas preferia trabalhar menos e melhor. Que tempo vai ter
para preparar aulas? Só essas políticas são pouco se não olham para o professor. Cuidar
do professor é tudo. Eu tenho 30 aulas e já acho muito cansativo, pois tenho pouco tempo
para me preparar. Imagina com 50, 60 aulas? É isso que querem de qualidade?
PESQUISADOR. Agradeço o professor por esse momento de conversa.
162
APÊNDICE3
Transcrição da entrevista realizada em 12/03/2014 com duração de 52 minutos e 44 segundos.
Professora Beatriz – Língua Portuguesa
Tempo aproximado de transcrição: 6 horas
PESQUISADOR. Sou Doutorando no Programa de Educação: Psicologia da Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradeço ao professor por conceder esta
entrevista. Informo que nossa conversa deve ter duração média de 50 minutos e será
realizada a partir de um roteiro prévio que desenvolvemos anteriormente em reuniões de
orientações gerais para este trabalho. Lembro ao professor que não utilizaremos ou
divulgaremos o nome do entrevistado ou de qualquer outra pessoa ou local.
PESQUISADOR. E em relação à escola, aos alunos, à aprendizagem.
Olha no ensino fundamental eles não têm muita noção disso, são poucos que pensam que
vão para o ensino médio, depois faculdade, que vão ter uma bagagem boa, que já têm visão
do ENEM. Hoje o ENEM é uma das principais portas de entrada para faculdade e poucos
têm essa visão. Na 8ª série tem aluno que se comporta como se estivesse nas séries
anteriores. Porque com os ciclos eles acham que, no final do ciclo, ele não vai ser
reprovado, muitas vezes ele aposta nisso e não estuda. Na 8ª série, eles são muitos
infantis, falta muita maturidade e no primeiro semestre é bem difícil, no segundo semestre
a gente já percebe alguma diferença. Em anos anteriores ,a gente tem conseguido mostrar
algumas coisas para alguns alunos, outros demoram um pouquinho mais, só no ensino
médio é que vão acordar para essa realidade.
PESQUISADOR. Fala um pouco mais dos alunos do 9º ano, 8ª série. Como é o
aproveitamento escolar desses alunos?
É outra coisa que a gente tem conversado. Muitos hoje ainda têm a mentalidade de que se
ele copiar a lição ele está participando da aula, não sabe que tem que estar trocando ideias,
buscando o que ele sabe, perguntando, apropriando-se mesmo do conhecimento e eles não
percebem isso, que estão perdendo.A escola, para muitos, acredito que funciona como
lazer, contam histórias de todos os tipos ai quando você quer ler um texto, tenta
discutir, quando pede atividade é um ou outro que tem interesse real em participar.
PESQUISADOR. Eles estão aprendendo?
Se estão aprendendo? Alguns sim. É, alguns sim. Estaria mentindo se falasse que não.
Uma boa parte ainda precisa amadurecer para essa questão, pela minha experiência
percebo que muitos, quando chegam no 1º, 2º anos do ensino médio, amadurecem
bastante. Acho que essa conversa faz parte do processo, eu trabalho também no ensino
médio e quando eles estão no 2º, 3º anos eles comentam, muitos comentam, sobre o
comportamento que tinham anteriormente. Acho isso bastante interessante, acho que essa
passagem 7ª, 8ª para o ensino médio é muito importante para o amadurecimento do aluno.
PESQUISADOR. Os alunos dos anos finais do fundamental estão aprendendo.
O que deveriam aprender ainda falta muito, bastante. Aprenderam mais, acredito
que a gente não consegue atingir todos como deveríamos atingir, chegam com certa
defasagem.
PESQUISADOR. E os que aprenderam.
Os que aprenderam são aqueles em que acredito que no decorrer da caminhada vem
com uma estrutura maior, com um acompanhamento maior. A gente percebe que
quando o pai acompanha, eles conseguem acompanhar melhor.Aqueles alunos que vêm
da 4ª, 5ª séries lendo, escrevendo, eles conseguem assimilar melhor o que a gente tenta
163
passar nas outras séries e têm muitos alunos que conseguem ler bem, escrever bem,
conseguem ser críticos, posicionar-se.Outros mais tímidos não conseguem oralmente,
mas conseguem escrever e muitos não conseguem. Realmente não conseguem, não
conseguem copiar, não têm opinião própria, depende muito do outro para fazer o seu
trabalho.
PESQUISADOR. Como você trabalha com esses que não conseguem?
Eu faço vários trabalhos diferenciados: peço para que sentem em dupla, porque as salas são
cheias, então algumas vezes, como não consigo atingir a fala do próprio colega muitas
vezes dá resultado, mas a gente faz um trabalho, por exemplo, ele produz um texto e o
texto não ficou bom, ele vai reescrever aquele texto. Hoje é até mais fácil porque tem
aquele “Professor Auxiliar” que está sempre acompanhando, sempre auxiliando, esse
professor de apoio sempre auxiliando no aprendizado. Percebemos é que, aqueles que
têm vontade, conseguem. Só que uma grande parte não tem vontade realmente, não
quer fazer mesmo com o professor se dispondo a ajudar ,ele não tem interesse em
fazer, esse é mais difícil. Com uma boa parte a gente consegue atingir com esse trabalho
de texto, muitos alunos falam: não tenho ideia professora, então eu falo: vamos ver um
filme quem sabe você consegue fazer a partir do filme, muitas vezes ele consegue, é uma
forma. A gente usa formas diferentes para ver se esse aluno consegue escrever. O
objetivo até a 8ª série é ele escrever, ler e escrever bem, que ele sabia se posicionar, a
gente não se preocupa tanto com o conteúdo, mas que ele sabia ler e escrever bem e se
posicionar, ter opinião própria. (“Professor Auxiliar”– Professor que atua, até três aulas
semanais, junto com o Professor da classe. Fonte: Resolução SE nº 02/2012)
PESQUISADOR. Ainda sobre essa questão do aproveitamento dos alunos. Como fica a
aprovação/reprovação. Você tem alunos que reprovariam.
Quando a gente percebe que ele tem vontade de aprender é mais fácil. Sabemos que
ele vai para série seguinte, vai amadurecer e melhorar. Agora quando o aluno não
tem vontade é muito difícil, é muito difícil. Têm alguns alunos que não conseguem,
têm uma dificuldade tremenda, tremenda, mas ele tenta, de alguma forma ele tenta.
Esse aluno, eu acho que ele de alguma forma vai caminhar, mesmo não aprendendo
ele vai caminhar. Agora aquele que não tem vontade é muito difícil.
PESQUISADOR. Como você entende essa questão da reprovação escolar.
Da reprovação... é difícil né...(silêncio...) olha (ri muito...) da reprovação né... vou falar
do passado, só que o passado não volta mais. Eu penso que antes, quando tínhamos a
reprovação, o aluno se preocupava mais em estudar, em saber, em ir para série
seguinte e a própria família não queria que ele ficasse estacionado. A família
acompanhava mais e hoje não. Eles acham, que de uma forma ou de outra, só o fato de
ele vir para escola ele já está aprovado.Uma boa parte pensa dessa forma, só de vir
para escola já é aprovado, não faltou, então é aprovado. Preocupa-me muito a questão
do aprendizado. Eles dizem: professora eu faço tudo! Mas só copiam, o fato de ele copiar,
ele acha que já aprendeu. Isso não é aprendizado, ele só está copiando. Eu penso que
quando havia reprovação funcionava melhor, eu sei que a reprovação não é o
caminho, mas ainda não encontrei o caminho (ri muito... gesticula e fica incomodada)
não encontrei outro (continua rindo...) e têm muitos alunos que são aprovados só por
conta de estarem na escola. Muitos alunos escolhem matéria para estudar, não as que
acham mais fácil, mas a de que gostam, que têm maior afinidade.
PESQUISADOR. E essas questões como aparecem no seu dia a dia na escola com essa
mudança nos ciclos.
Eu acho que... (silêncio) que essa implantação... você fala desses novos ciclos, né? Que
164
estão sendo montados? Eu acho que vai diminuir. Acho que os alunos vão ter mais
interesse na escola. Saberão que tem um trabalho diferente, que eles estão sendo vistos
de outra forma, a gente tem conversado bastante com eles. Acredito que essa
mudança de alguma forma é para melhor. Vai acabar esse negócio de passar sem
saber.
PESQUISADOR: E como é essa ideia de ciclo de aprendizagem?
Olha, eu entendo a ideia como muito boa porque o ciclo é.... prevê um monte de
movimentos do aluno. Se não aprendeu naquele momento, ele pode aprender em
outro,sinto a ideia muito boa, só que os alunos não entendem assim esse ciclo, eles
acham que, como eles não têm interesse, muitos não têm interesse em aprender,
apenas em passar de ano, eles não entendem esse ciclo, não têm essa ideia que o ciclo
tem.
PESQUISADOR. E os professores entendem? É discutido no dia a dia de vocês?
Os professores têm discutido os ciclos, talvez não como devesse, mas é discutido sim,
acredito que a todo momento a gente está refletindo sobre isso.
PESQUISADOR. Em quais momentos?
O senhor é professor e sabe como é na sala dos professores, comenta-se de tudo. Em ATPC
a gente discute e com a própria direção em alguns momentos.
PESQUISADOR. Como esse tema aparece nas reuniões, nos encontros com professores,
entre alunos, pais, funcionários. O que você ouve.
Os professores que são antigos como eu (ri muito...) sempre estão falando: Antes não era
assim, com a mudança de 1996, se eu não me engano, e penso que foi em 1996. Até 1996
era uma coisa, de 1996 para cá ficou diferente.Antes era pior, agora a gente aceitou
bastante a ideia dos ciclos. Mas vemos que em muitos momentos não funciona,
embora no papel seja muito bom, acho que é maravilhoso, mas no dia a dia a grande
maioria dos professores percebem que não funciona.Hoje mesmo ouvi uma professora
falar: um aluno de 7ª série que vem para escola sabe que se ele fizer ele vai ser aprovado e
se ele não fizer também vai ser aprovado, ele está ali quietinho, não está prestando atenção
em nada, não está atrapalhando as aulas, copiou a lição, vem sempre para escola, não tem
como reprovar um aluno desse. Ele não atinge o que queremos, mas ele de alguma forma
faz, mas ele não pensa que tem que aprender, que tem de dar uma devolutiva do que está
aprendendo.Acha de que qualquer forma vai, então é muito falho porque as famílias não
pensam no aprendizado real do aluno e assim ele vai para série seguinte.
PESQUISADOR. Sobre esses alunos com dificuldades como vocês se organizam, o que é
feito?
Na escola a gente tem projeto de leitura, tudo passa pela leitura, temos vários projetos de
leitura. A “Sala de Leitura” que funciona. Temos nossos projetos individuais, momentos
em que temos nossos projetos em conjunto. Esses projetos são expostos para os alunos e
para comunidade. Os projetos acontecem e são mostrados e a comunidade fica satisfeita,
mas ao mesmo tempo é um trabalho grande por parte dos professores, a família não
participa muito, mesmo a gente estando não tem participação da família. (“Programa Sala
de Leitura” – Escolas que contam com espaço físico adequado podem designar até dois
professores para atuarem na sala de leitura. Entre seus objetivos destaca-se o acesso dos
alunos aos espaços da sala de leitura e o apoio direto aos professores e alunos em
atividades de pesquisa e estudo. Resolução SE nº63/2013)
PESQUISADOR. Esses projetos de recuperação sempre foram organizados assim?
As coordenadoras sempre participam de reuniões e sempre trazem ideias. A gente sempre
pensa em implantar essas ideias. Por exemplo: no ano passado tínhamos o Professor
165
Auxiliar (PA) e tínhamos salas vagas e o PA pegava o aluno da sala e levava para outro
local, outro ambiente, para trabalhar com reforço e percebemos que isso não deu certo e foi
conversado isso na Diretoria de Ensino e elas (coordenadoras) vieram orientando para que
os professores de apoio ficassem na sala e trabalhassem junto com o professor o mesmo
contexto porque no ano passado não deu certo essa medida com os alunos, não funcionou
muito. Acredito que o coordenador é a ponte entre os professores e a diretoria. O que
acontece aqui é levado para a Diretoria e às vezes os dados destas provas SARESP, Prova
Brasil, tudo passa pela Diretoria e vêm alguns projetos com base nesses dados. Atualmente
funciona dentro da sala de aula com o professor auxiliar. Ele trabalha juntamente com o
professor. Já houve turma só de recuperação. Em anos anteriores houve projetos de
recuperação, mas muitos alunos, a grande maioria, não vinha fora do horário, eles
faltavam. Dessa maneira, com o professor auxiliar, tem funcionado melhor, pelo
menos com os alunos que estão na sala, estão com interesse, mesmo dentro do horário
o professor está aliacompanhando, orientando, não tem como eles não virem.
PESQUISADOR. Como que os outros professores entendem esse projeto do professor
auxiliar?
Para os alunos e para nós foi perguntado se gostaríamos de trabalhar com o professor
auxiliar. Não era obrigatório, mas eu acredito que se há essa possibilidade todos os
professores aceitaram porque todas as salas têm alunos com defasagem, então houve
atribuição dessas aulas. A coordenação fez essa apresentação, houve uma conversa na
própria escola, no planejamento e passamos as diretrizes do que seria feito em sala de
aula.
PESQUISADOR. Como você avalia esse projeto? Tem apresentado resultado?
Por enquanto ainda não. Acho que caminha sim para resultados, não tem como não ter.
O professor dentro da sala acompanha os alunos em grupos menores mas com
maiores dificuldades e estou gostando. Pelo menos nesse início tenho gostado bastante,
tem me auxiliado bem. Lembrei-me agora de outros projetos de reforço que eram feitos
fora do horário de aula. Pediam autorização dos pais. Alguns pais pediam que o aluno não
fizesse reforço por conta do horário, do tempo, mesmo a gente explicando que era
importante, mesmo assim tinha aluno que não vinha, o pai até assinava,mas ele não vinha,
não comparecia, a maioria não comparecia. Os que vinham até conseguiam, o problema é
que muitos não vinham. Houve outros momentos em que o reforço era em horário de aulas.
Esse problema do reforço em sala de aula não deu muito certo porque o aluno saía da sala
de aula e como são poucas aulas de reforço ele ficava sem a aula, sem reforço. Este aluno
que saía da sala de aula depois não tinha interesse pela aula normal e não conseguíamos
fazer fora da sala de aula.
PESQUISADOR. E a aprendizagem.
Eu entendo que as alternativas são utópicas. No ensino fundamental menos alunos em
sala de aula melhorariam, mas, principalmente, eu acho que esse problema hoje é um
problema social.Não é tanto a escola, é a família, as normas mesmo, eles não têm esses
parâmetros pelos quais as famílias deveriam passar. Só isso já melhoraria bastante.
PESQUISADOR. Fala um pouco sobre essas questões sociais.
Como já falei no início da conversa esse acompanhamento da vida escolar, o pai não se
preocupa com a vida escolar do filho. Que o filho tenha horários para internet, para falar
com os filhos, para estudar, estudar mesmo. Tem que organizar o material porque hoje no
Estado eles recebem tudo e uma grande maioria não traz material para escola. Você vê hoje
mesmo na 8ª série eu disse: tal dia vocês vão precisar da apostila e o livro porque um
trabalho vai complementar o outro. Eles respondem: professora mas vai ter que trazer três
166
livros. Daí eles não trazem, boa parte não traz. E essa questão de estar acompanhando o que
o filho está fazendo é essencial. Eles não percebem, até sabem de que precisam fazer, tudo
que precisa, mas não fazem. Sabem que o filho não pode trazer nada inadequado para
escola, sabem que o pai não vai olhar a bolsa deles, sabem que tem que vir para escola com
uma roupa inadequada, mas não vem. Então eu acho que esse problema é um problema
social, muitas vezes você chama um pai para falar do filho e o pai vem pior do que o filho.
Hoje é um problema social, essa questão do limite, do... (silêncio...) como eu diria...
(silêncio...) de estar dentro das normas mesmo, eles não têm esse parâmetro, é difícil
trabalhar.
PESQUISADOR. Quais outros problemas sociais.
Na sala a gente percebe muito a discriminação mesmo entre eles, uns vêm com uma roupa
melhor e outro vem diferente, então a gente está sempre dando atenção para isso, um mora
em um local em que as ruas são de barro e outro no asfalto e falam: Professora ele não
mora aqui, mora lá naquele lugar de “pé de barro”. Então essas diferenças têm que estar
tentando minimizar, superar esse bairrismo, um mora aqui outro ali, mas é um do lado do
outro, você tem que estar sempre conversando sobre essas diferenças.
PESQUISADOR. Por esse caminho da nossa conversa, fale um pouco sobre direito à
aprendizagem. Seus alunos têm o direito à aprendizagem garantido?
(silêncio... a professora pensa bastante para responder...) Se meus alunos têm o direito
à aprendizagem garantido? Acredito que temos feito o possível para que o aluno
aprenda mais. É o que eu falei, passa pelo querer, as oportunidades têm sido dadas
Tudo que precisa fazer se o aluno tem dificuldade de aprendizagem a gente procura
fazer. Acredito que a escola está fazendo o que é possível fazer mas aí passa pela
questão do querer do aluno e do acompanhamento dos pais.
PESQUISADOR. E as políticas públicas têm dado conta da garantia do direito à
aprendizagem?
Acredito que não totalmente. Quando a gente fala de escola próxima, de horário adequado.
No meu bairro mesmo não tem muita vaga no noturno, principalmente porque têm poucas
salas no noturno nas escolas. Acho que em alguns pontos tem falhas, tem muita coisa
positiva também.
PESQUISADOR. Quais falhas e o que tem de positivo?
Na questão de material. Há uma gama grande de material tanto de papelaria, televisores,
vídeos. Tem bastante material nas escolas, coisas que a gente pode usar. Tem sala de
leitura. Referente ao material a gente tem recebido bastante coisa, acho que melhorou
bastante nos últimos anos. O material para o aluno é positivo, mas o aluno ficou muito
viciado nisto, porque ele ganha um no começo do ano aí se acaba o lápis ele acha que
ele não pode comprar nenhum lápis. A escola, nesse sentido, ficou muito
assistencialista. Sobre o caderno têm muitos alunos que enquanto não chega o caderno do
kit ele usa folhas, escreve em qualquer lugar porque a mãe não vai comprar caderno se vai
ganhar o kit, depois que acaba também. É o tempo todo: Professora acabou não sei o quê! É
nesse sentido que a escola dá material, mas a família por outro lado deixou de fazer a parte
dela, nesse sentido de estar acompanhando o material, a mochila, porque eles perdem
mesmo material, caneta. Mesmo perdendo eles pensam que a escola é obrigada a dar tudo
para ele.
PESQUISADOR. E os projetos de recuperação, você considera um avanço?
Considero. Considero sim o projeto de reforço porque antes o professor era obrigado
a dar conta de todas as dificuldades dos alunos e agora ele conta com estes projetos de
recuperação que são, sem dúvida, um avanço. O próprio ATPC que é um horário de
167
discussão dos professores sobre recuperação é um avanço para escola.
PESQUISADOR. Quantos alunos você tem?
Acho que uns trezentos alunos.
PESQUISADOR. Entre esses seus quase trezentos quais seriam aprovados?
(pensa bastante... fica em silêncio) Dos meus trezentos alunos acho que um terço seria
aprovado. É um terço, com domínio total um terço, uns 100 alunos.
PESQUISADOR. E como fica a garantia do direito à aprendizagem, à educação, destes
outros 200 alunos?
Eu acho... (demonstra inquietação, fica em silêncio e levanta os ombros...) Não que eu
não aprovaria. Aprovaria, mas com ressalvas. Com ressalvas, porque boa parte não
aprendeu 100% do que foi transmitido. Acho que mesmo antes quando havia
reprovação sempre houve uma parte que não atingia, menos que hoje, mas sempre
houve uma parte que não atingia. Só que eu acho que com o ciclo isso aumentou,
aumentou o número de alunos que passam ser estar totalmente aptos a seguirem.
Aprovo porque eu tenho que aprovar.
PESQUISADOR. Entre a seriação e os ciclos.
Eu entendo seriação melhor, eu entendo.
PESQUISADOR. Estamos em um impasse. Como vamos resolver a seguinte questão:
Educação é um direito, aprendizagem é um direito, só que mais da metade dos alunos não
aprenderam. Como você pensa esse impasse?
Mas eu não acho que eles estão tendo o direito. Acho que eles têm o direito à
educação! (fala de forma afirmativa e em tom de voz mais elevado) Eles é que não
estão sabendo aproveitar, eles têm esse direito! Eles têm garantido esse direito! Agora
se ele quer aproveitar isso que é o problema. Ele não tem consciência de que isso é
para o bem dele. Ele não tem essa consciência, mas como eu falei a gente oferece, a
escola oferece, mas eles não aproveitam. Não vou mentir. É igual hora que você
perguntou sobre aprovar, é um terço só. Todos têm esse direito porque a gente
procura é ensinar para todos, mas é claro que não vai atingir todos, só que isso passa
pelo querer, pela consciência, pela maturidade, então 100% do que a gente está
passando eu acredito que um terço, outros vão passar sem saber nada, com ressalvas,
não aproveitaram tudo que tinha que aproveitar. Mesmo esses, que nesse momento
estou dizendo que não aprovaria, ele está tendo esse direito garantido. Muitas vezes
ele não quer essa oportunidade, ele nem sabe para que precisa dessa oportunidade. Ai
é difícil né!
Eu acho que é isso que tentamos é... (muda radicalmente o tom de voz) Conversamos
com eles falamos das necessidades, do direito, do que é necessário, é... mostrar no dia
a dia. Mostramos casos de pessoas que estudaram e venceram, outras não estudaram
e também venceram, mas tiveram sorte ou ajuda. Tudo isso é conversado, sobre os
espertos que de alguma forma conseguiram vencer. A oportunidade é para todos,
agora uns aproveitam e alguns não, infelizmente. Isso é escola.
PESQUISADOR. Fale um pouco mais sobre escola.
A gente conversa bastante sobre escola, sala ambiente e em algumas coisas eu via, outras
não. Eu acho que o ideal seria uma sala para cada professor, o professor teria o seu material
na própria sala, as salas equipadas com TV, vídeo, acho que essa estrutura ajudaria
bastante. Os livros dos alunos nas salas de aula para não ter esse problema do aluno não
querer trazer seu material, livro, apostila, ou esquecer –se de trazer. Penso que se houvesse
uma sala para cada professor, cada área, para inglês, matemática e outras, eu entendo que
facilitaria bastante. Essa é a situação do professor.
168
PESQUISADOR. E sobre os professores.
(silêncio... fica incomodada) penso que tudo isso, a questão salarial não tem como não
falar, o professor não é valorizado no Brasil. A questão salarial é primordial, não para que a
gente tenha vontade de ensinar, isso acho que já é nato nosso, mas para que a gente tenha
condição de trabalhar menos, de preparar melhor sua aula. Hoje mesmo estava falando para
um colega: veja só 25 anos de trabalho e quando dá meio dia tenho vontade de sair
correndo, não quero ficar mais um minuto. A gente trabalha muito, as crianças hoje são
muito agitadas, muito espertas, e quando chega a sexta aula... nossa... a gente está muito
cansada. Então penso que a gente trabalha demais e ganhamos pouco, trabalhamos fora do
horário, a gente tem algumas aulas livres para correção fora do horário, mas é pouco, tem
muita coisa para corrigir, principalmente de português, tem final de semana que eu trabalho
duas, três horas no sábado, no domingo. Acho que não é possível e tem professor que diz:
eu não consigo fazer na escola, então o problema não é só meu. E eu quero corrigir,
quero devolver para o aluno, quero que ele veja o que ele errou, que discuta comigo o
que tem que melhorar e se você não fizer esse trabalho fora de sala de aula então é
muito pouco, acho que deveríamos ter menos aulas, mais espaços para corrigir
provas, preparar aula, conversar mais com os professores sobre as turmas e, é claro,
que tudo isso passa pela questão salarial, se você pudesse trabalhar menos e ganhar
mais seria o ideal.
PESQUISADOR. Direito à aprendizagem então.
Nosso papel é importante porque somos orientadores, estudamos junto com os alunos, a
gente está sempre norteando, será que fica melhor desse jeito ou não. Acho que o nosso
papel é orientar, estar sempre orientando, buscando soluções para os problemas, nosso
papel é esse. Quanto ao direito a gente garante, quero saber é do dever deles.
PESQUISADOR. Estamos encerrando e gostaria de saber se a professora quer falar sobre
algo que não comentei.
Sim, sim. Algo que não comentamos foi sobre aula de computação, em nenhum momento
falamos sobre isso. Acho que muitas vezes não trabalhamos porque não é possível. Na sala
de computação são poucos computadores e muitas vezes estão quebrados, o sistema é
muito lento. A maioria dos professores acaba não trabalhando na sala de computadores e é
uma ferramenta assim muito importante de que dispomos, mas não dá maneira que
deveríamos. Quero deixar isso registrado é muito importante, muitas vezes quando marca a
sala de informática falam que não dá, tem problemas, está fechado. Penso que a gente tem
muitos problemas com relação à sala de informática e é uma ferramenta muito importante e
esses problemas precisam ser sanados. É complicado e tem uma cobrança muito grande.
Todos os questionários que vêm para os alunos perguntam se o professor leva na sala de
informática. A resposta dos alunos é: Não. Não perguntam por que a gente não leva. Esses
questionários do SARESP, por exemplo, têm perguntas voltadas para isso, para a sala de
informática. Ficamos preocupados quando falam que não trabalhamos. Só que não
trabalhamos porque muitas vezes não é possível, tem problemas mil.
PESQUISADOR. Agradeço a professora por esse momento de conversa.
169
APÊNDICE4
Transcrição da entrevista realizada em 01/04/2014 com duração de 41 minutos e 17 segundos.
Professora Carla - Matemática
Tempo aproximado de transcrição: 04 horas.
PESQUISADOR. Sou Doutorando no Programa de Educação: Psicologia da Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradeço o professor por conceder esta
entrevista. Informo que nossa conversa deve ter duração média de 50 minutos e será
realizada a partir de um roteiro prévio que desenvolvemos anteriormente em reuniões de
orientações gerais para este trabalho. Lembro o professor que não utilizaremos ou
divulgaremos o nome do entrevistado ou de qualquer outra pessoa ou local.
PESQUISADOR. Como é o aproveitamento escolar dos alunos do 9º ano, 8ª série?
Estou resgatando de uma maneira assim muito árdua. Procuro sempre estar
dialogando, falando para eles a importância dos estudos. A importância dos
vestibulares. Os concursos e a importância em desenvolver os conteúdos propostos.
Converso muito e consegui resgatar alguns. Porém com alguns ainda não consegui
participação na sala de aula.
PESQUISADOR. Eles estão aprendendo?
Então... (silêncio...) É ...( a professora demonstra nervosismo). Primeiro passo você na
sala de aula vai desenvolver o conteúdo proposto. Sabemos hoje que existem vários
fatores que auxiliam. No mínimo eles estão avançando, agora aqueles poucos que
encontrei continuam no mesmo patamar do início do ano.
PESQUISADOR. Como são seus alunos que você considera aprovados?
Como seriam os alunos aprovados?(sorri e fica inquieta). Alunos aprovados. Na
verdade não sou eu que vou aprovar o aluno, ele que aprova ele mesmo! De acordo com
a nossa metodologia com o retorno que ele dá todos os dias. De acordo com as
avaliações, as atividades avaliativas da escola, eles vão tendo menções, essas menções
vão fazer com que ele se aprove ou não.
PESQUISADOR. E os alunos dos anos finais que têm dificuldades.
Já diagnostiquei uma parcela de alunos com dificuldades no aprendizado. Por questões
sociais, de família, o que eu posso fazer? Na sala de aula o que eu consegui até o
momento foi chamá-los para uma atividade diferenciada no qual eu pedi para que eles
realizassem de maneira bem tranquila, de uma forma bem carinhosa, que realmente
demonstrasse ali o que ele sabe. A partir daí dou a devolutiva para eles.
Vamos supor: em um conteúdo que é necessário usar técnicas, regras. Eu descrevo aquela
regra, vou imprimir e passar para esse meu aluno e vou falar: Olha, você está com
dificuldade nisso porque demonstrou isso. Na verdade, eu quero que você leia minhas
explicações que estão aqui manuscritas. Ai eu faço uma xérox e distribuo para esse aluno e
mando-o com essa atividade novamente para casa. Ele vai retornar na próxima aula com
aquilo resolvido. Mas sempre eu peço sinceridade, você mesmo é quem faz, não peça para
ninguém fazer por você, você que tem que aprender. Faço isso paralelamente às aulas e
extraclasse.
PESQUISADOR. Você falou em questões sociais.
É uma grande preocupação que eu tenho, porém não consigo fazer muita coisa sozinha.
Conversamos coletivamente em sala de aula. Orientamos a respeito da baixa autoestima, da
questão da violência, da droga, um pouco superficial, não muito aprofundado porque não é
da minha área, eu sou da área de exatas, de Matemática, procuro sempre estar orientando
170
eles.
PESQUISADOR. Isso afeta na aprendizagem.
Contribui um pouco. Não é totalmente responsável mas no conjunto de fatores até que faz
com que alunos venham a pensar nas dificuldades durante o período de aulas.
PESQUISADOR. Tem aluno que você reprovaria?
No momento não. Já falei antes que eu não reprovo. São eles que se reprovam. São os
próprios alunos que se reprovam. Muitas oportunidades são oferecidas. Procuro
resgatar sempre o máximo, então quer dizer, de acordo com a progressão continuada
tenho que aprovar. Da forma que venho trabalhando esse aluno para ele ser reprovado
só se realmente for evadido e não fizer as atividades,se não tiver participação,
desempenho.
PESQUISADOR. E a mudança nos ciclos?
Essa questão é assim (fala baixo e gesticula muito) Quais são os alunos que eu aprovaria e
não aprovaria? Em primeiro lugar eu levo muito em conta o desenvolver da unidade escolar,
não só meu método de trabalho. Eu levo em conta o aluno não só na minha disciplina. Levo
em conta as outras disciplinas também.Se ele ficar comigo em questão de notas, menção
baixa passaria pelo conselho devido que as outras matérias aprovam. Vou fazer o que?
Ele está contemplado? Provavelmente eu não reprovaria nenhum aluno porque a
progressão continuada aprovaria.
PESQUISADOR. Aprovaria por conta da progressão continuada ou por que estão
aprendendo.
(silêncio, fica incomodada com a pergunta - Aprovaria por conta da progressão
continuada ou por que estão aprendendo? Sorri muito) Que pergunta difícil? (repete a
pergunta várias vezes) Não. Não. Sabe por que demorei na resposta? Em um primeiro
momento eu não pensei nisso. É muito provocativo pensar nisso, a questão do meu dia a
dia. Não vejo meio de reprovar com a progressão continuada. Sou uma pessoa muito
humana, eu não me vejo reprovando um aluno. Eu vou reprová-lo porque não
aprendeu minha matéria. Eu nunca fiz isso. Não vou mudar essa concepção de que ele
não aprendeu e ficou com nota baixa. Os alunos com nota baixa eu deixaria para o
conselho deliberar pelo sim ou não. Se o conselho reprova, eu também reprovo.
PESQUISADOR. Como essas questões aparecem no dia a dia da escola.
Percebo que são ideias que vieram para somar ao nosso trabalho para que o aluno avance no
aprendizado. Agora o que percebo é a organização do trabalho, os métodos de cada um. É
necessário criar um contrato didático para esses negócios de recuperação paralela, projetos,
aula de reforço, de apoio. Precisa de uma organização maior para o exercício dessas
atividades para ter um retorno melhor com meus alunos. O que eu percebo é que a maioria
gostaria de mais reprovação, que houvesse mais reprovação. O professor acredita que
reprovando o aluno ele vai se dedicar mais às aulas e vai prestar mais atenção. Estudar
mais, respeitar mais o professor, melhorar seu conhecimento. Os professores acreditam
que reprovando o aluno será melhor no nosso dia a dia, não vai ter essas preocupações
todas. Desafios de ter que ensinar um aluno a ler e escrever os símbolos matemáticos.
Se houver reprovação eu vou ter na sala só quem já sabe, assim posso ensinar mais.
Não vamos ter esses casos paralelos que não aprendem.
PESQUISADOR. E entre alunos, pais, funcionários, o que você ouve.
Eles perguntam: Não entendi como esse aluno passou? Como que meu filho passou sem
aprender nada? Tinha notas vermelhas e foi aprovado? O pai não entende a progressão
continuada. Já comentei anteriormente que ele não tem essa visão que precisava acompanhar
o aprendizado do seu filho na escola.
171
PESQUISADOR. E os professores conhecem a progressão continuada?
O professor não conhece [da progressão continuada]. Esse professor precisa ser
observado, auxiliado, incentivado. Ai o trabalho dele vai desencadear de uma forma
que contemple a progressão continuada. Quando não há isso cada um trabalha da
forma que é possível, do jeito que dá.
PESQUISADOR. Como vocês organizam o processo de recuperação da aprendizagem?
Essa organização é feita através do diagnóstico da dificuldade do aluno. Chega o
“Professor Auxiliar” e passamos para ele as dificuldades dos alunos. O professor
auxiliar vai procurar trabalhar dentro daquelas dificuldades que o aluno apresentou
que o professor da sala diagnosticou.(“Professor Auxiliar” – Professor que atua em até três
aulas semanais junto com o Professor da classe. Fonte: Resolução SE nº 02/2012)
PESQUISADOR. Você tem mais de 200 alunos ,como isso se organiza?
O que precisamos é um tempo disponível para diálogo entre professores e alunos, gestão,
funcionários, pais, para disponibilizar atividades, troca de experiências, observar avanços,
dificuldades. O que não temos. Temos o que o planejamento de início de ano e meio de ano.
Agora eu pergunto: fazer dois planejamentos no início e meio de ano é suficiente para que eu
possa eliminar, conhecer, trocar ideias com meus pares? De um modo geral nunca coincidem
os horários, nem todos estão no mesmo dia. Então esse distanciamento entre os professores
dificulta muito. O que vejo: reuniões pedagógicas periodicamente, não toda semana, pelo
menos uma vez por mês, uma reunião coletiva.
PESQUISADOR. E a ATPC (aula de trabalho pedagógico coletivo)?
São quebradas. Não tenho contato com os pares da minha área.
PESQUISADOR. Retomando essa questão, como que você organiza a recuperação dos seus
alunos?
No momento temos professor auxiliar de Língua Portuguesa. De matemática não
tem.Mas nunca deixei de fazer recuperação com meus alunos. Com ele (Professor
Auxiliar) ou sem ele estou sempre fazendo minhas atividades paralelas que se tornam
atividades individuais. Eu mesmo crio as atividades com meus alunos. Estou sem
professor auxiliar, sem apoio, não tem professor.
PESQUISADOR. Esses projetos de recuperação sempre foram organizados assim?
Não, anteriormente era fora do horário de aula, um horário a parte. O aluno era indicado para
o reforço e viria antes do seu período ou depois do horário da aula dele. No contraturno com
o professor do reforço.
PESQUISADOR. E quando isso mudou?
Acredito que tem dois ou três anos. A recuperação paralela e contínua é da competência do
professor em sala. Deveria ser. O reforço era fora do horário como tinha comentado. Como
era feito? O professor da sala realizava o diagnóstico e apontava os alunos que estavam com
dificuldades de aprendizagem e encaminhava uma listagem, com no máximo 15, 20 alunos
para montar uma turma. Colocaria as dificuldades apresentadas, as habilidades e
competências que cada um teria. Outro professor contratado que ia lecionar essa aula de
reforço. O que às vezes dificultava era a frequência dos alunos, que já vêm com essa
concepção de que estudar não é legal, não é gostoso, tem que fazer lição, que aprender não é
bom.
PESQUISADOR. Neste momento você não tem o professor auxiliar?
Não. Não tenho, mas já tive.
PESQUISADOR. Por que não tem? Como era?
(silêncio, demora para responder) Essa proposta é legal. Ajudava meu aluno a sanar a
dificuldade. Se tem outro professor auxiliar na sala com o professor titular, temos mais
172
tempo de dar conta do conteúdo com os outros alunos. Não tem professor de
Matemática para contratar, é o que dizem.
PESQUISADOR. Como os outros professores, de outras disciplinas, entendem esse projeto
do professor auxiliar?
Todos os professores gostariam de ter um professor de apoio, não somente de
Português e Matemática, que no caso são disciplinas que necessitam mais de um
professor de apoio. Todas as disciplinas são importantes. Mas Português e Matemática,
que é a junção de todas elas, que vão fazer diferença para que o aluno aprenda.
PESQUISADOR. E esse projeto do professor auxiliar tem apresentado resultados? Os alunos
estão aprendendo?
(silêncio, sorri muito) Como uma primeira experiência. (gesticula muito e fica
incomodada) Foi mínima, não houve um avanço do tipo foi “glorioso”, com 100% de
aprendizado, com todos os alunos na mesma aprendizagem, no mesmo nível dos demais
alunos. Houve um avanço mínimo.
PESQUISADOR. Por esse caminho da nossa conversa fale um pouco sobre direito à
aprendizagem. Seus alunos têm o direito à aprendizagem garantido?
Eles têm o direito à aprendizagem garantido. (sorri muito e fica incomodada) Agora se
eles visualizam que é de direito, que é garantido para eles, isso que eu quero saber
deles? Se eles querem esse direito? Essa também é uma dúvida minha. (silêncio, respira
fundo e parece nervosa) Então, conforme iniciamos a conversa sobre a realidade deles:
que preciso conhecer meus alunos. Se eu for retirar mais tempo para conhecer meus
alunos, para o meu trabalho, eu não vou fazer mais nada na vida! Não vou viver nada!
Dependo da equipe. São muitos alunos. Se fôssemos uma equipe ,conheceria melhor
meus alunos, assim eu poderia falar que estão aprendendo 100%.
PESQUISADOR. O que você ouve na escola sobre direito à aprendizagem.
Os colegas apresentam muita dificuldade de transmitir, de ensinar, de querer fazer
com que o aluno se interesse. O aluno não vê significado para aprender. Não vê o
conhecimento. Ele quer de forma diferenciada, mais alegre e com menos cobrança. Ele
não quer ter problemas, não quer desafios que chamem à atenção. Não quer, muitas
vezes, nada.
PESQUISADOR. O direito à aprendizagem tem sido garantido?
Garantimos sim [o direito à aprendizagem] de uma maneira mais formal. Tenho
certeza de que grande parte deles vem para escola e os professores procuram ensinar,
deixar o aluno preparado para o ENEM, para um concurso. É voltado para o teórico,
mas não posso garantir que isso garante. Fazemos nossa parte, nossa prática. Agora se
alguns alunos não fazem a parte deles...Olha o professor tem feito o máximo para
garantir esse direito do aluno, o que precisamos é de trocas, de reuniões. O professor
precisa ampliar seus conhecimentos. A gente depende de tudo isso, de uma estrutura
que possa disponibilizar para o professor e precisamos estudar. A estrutura física da
escola, de um modo geral, equipamentos, internet. Precisamos de um professor que
tenha conhecimento das tecnologias e onde precisa de um curso de informática. Sinto
falta da troca de experiência com meus pares.
PESQUISADOR. Agradeço a professora por esse momento de conversa.
173
APÊNDICE 5
Transcrição da entrevista realizada em 01/04/2014 com duração de 49 minutos e 17 segundos.
Professora Diana - Português
Tempo aproximado de transcrição: 05h30 min.
PESQUISADOR. Sou Doutorando no Programa de Educação: Psicologia da Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Agradeço o professor por conceder esta
entrevista. Informo que nossa conversa deve ter duração média de 50 minutos e será
realizada a partir de um roteiro prévio que desenvolvemos anteriormente em reuniões de
orientações gerais para este trabalho. Lembro o professor que não utilizaremos ou
divulgaremos o nome do entrevistado ou de qualquer outra pessoa ou local.
PESQUISADOR. Fale um pouco sobre seus alunos.
Eu os vejo como muito carentes, não só de aprendizagem, mas de conteúdos. A gente se
envolve com esses alunos que são carentes. Carentes de carinho mesmo, amor de pai e
mãe. Aquele cuidado de pai e mãe. Percebo isso quando a gente conversa nas minhas aulas.
Sempre no começo converso muito sobre o que eles fizeram no dia anterior, como que foi,
como são os pais. A gente sempre conversa sobre o que aconteceu de interessante ou se não
aconteceu nada. Temos sempre uns minutos de conversa. Eles falam sobre o que vivem lá
fora: professora eu estava vindo para escola ai desceu uma menina do carro, saiu com o
cabelo todo bagunçado e solto e um homem gritando com ela. Falam muito da internet, um
dia tinha uma questão do livro que tinham que responder, um respondeu e colocou na
internet para os outros. Esse cuidado com as redes sociais, eles acessam as redes sociais,
moram todos aqui perto, um bairro próximo só que com fama de muito perigoso. Os alunos
que vêm de lá a gente já tem a cultura de receber assim meio restrito, só que na sala de aula
são todos iguais, não tem nada de separação.Alguns às vezes falam: ele mora lá no bairro
perigoso, mas aqui são todos iguais. Eles falam da vida deles. Eu também converso, falo
algumas coisas minhas e eles falam que agora, na época deles, é diferente e assim vai.
Eles são espertos e conversam bem.
PESQUISADOR. E seus alunos, fora da aula normal e nos intervalos, você conversa com
eles sobre outros assuntos.
Falam que vem aqui só para estudar, mas a gente sabe que não é só isso. Eles vêm para
encontrar os amigos, para namorar, para jogar futebol, brincar, jogar cards se a gente
deixar. Fazem tudo menos parar para estudar, fazer o que precisam fazer. Mas eles
também vêm para aprender, eles querem aprender. Na fala deles eles querem só
brincar, mas também querem estudar, saber, aprender.Penso que falam isso porque os
pais falam que precisa ir para escola, repetem a fala dos pais.
PESQUISADOR. E a escola.
Tempos atrás a gente não tinha nada aqui, ia mais do professor buscar material, não tinha
recursos, o máximo que tinha era TV na sala de aula só que era com grade, não era moderno,
era muito alto e não dava para ver nada. Eram salas abafadas, sem ventilação, esse era nosso
recurso. Desde o ano passado a nova diretora andou mudando umas coisas, reformando bem
o prédio. Agora temos sala de vídeo onde podemos levar os alunos, a sala de leitura que era
pequena. Não dava nem para sentar, agora é boa, bem melhor, está sendo arrumada. Vai ter a
sala de informática.
PESQUISADOR. Quantas aulas você ministra por semana?
34 aulas.
PESQUISADOR. Quantos alunos você tem?
Minhas salas estão cheias, uns 35, 40. Como alguns transferem devo ter 33, 37 por sala.
Em média tenho, deixa fazer a conta, quatro manhã, quatro tarde, uma noite: tenho
174
uns 350 alunos (sorri muito e demonstra preocupação). E tenho que dar conta de todos
eles!
PESQUISADOR. Dos alunos do 9º ano, 8ª série, como é o aproveitamento escolar deles.
Tem turma que vai bem, aproveita bem, mas tem turma que tem muita dificuldade.
Tenho alunos que não sabem ler ou escrever e às vezes eles copiam, mas não lê, a letra é
linda, mas ele não lê sozinho. Não consegue produzir nada a não ser copiando, mas não
é a turma inteira. Então por conta dessas dificuldades não dou conta de trabalhar com
todos. Faço as atividades diferenciadas com esses alunos que contam com o “Professor
Auxiliar”, que ajuda na sala de aula. Em casos muito específicos preciso ver o que vou
fazer com ajuda desse professor auxiliar. No aproveitamento, no geral, eles vão bem,
tem uma turma da manhã que tem mais dificuldades. Tenho duas turmas, uma vai
melhor e a outra não, é um pouco mais abaixo.(“Professor Auxiliar”– Professor que atua,
em até três aulas semanais, junto com o Professor da classe. Fonte: Resolução SE nº
02/2012)
PESQUISADOR. Eles estão aprendendo?
(sorri muito... gesticula... demora bastante para responder) Estão aprendendo?
Acredito que estão aprendendo. Eles participam, eles falam que aprendem, alguns
aprendem. Ainda ontem eu estava dando aula de Inglês. E no que eu estava ensinando
inglês levantou um aluno e disse: nossa, professora, estou aprendendo muito mais que em
Português. Só que eu não sou a professora de Português dele e fiquei meio sem jeito. O que
eu estava ensinando era um verbete de dicionário da aula do sétimo ano mesmo. Faz parte da
apostila que a gente usa e a aluna falou que não sabia nada daquilo, que eu expliquei tudo, e
ela disse: como aprendi! Como exemplo até cito essa turma.
PESQUISADOR. Como são seus alunos que você considera aprovados?
Aprovados? Deixa-me pensar? (demora a responder...) Ora! Eles são aprovados, tem
que ser todos aprovados!
PESQUISADOR. E os alunos dos anos finais que têm dificuldades.
Não é que eles seriam não aprovados. Existem alunos que têm muitas dificuldades,
então a gente faz atividades diferentes com eles.Como agora temos o professor auxiliar
a gente senta e vê quais são realmente as dificuldades dos alunos, dos problemas deles,
das atividades diagnósticas. Fazemos de tudo para que ele não fique para trás, que
acompanhe o grupo. Não deixo o aluno trabalhar sozinho, sempre tem um que sabe melhor
os conteúdos, o que está sendo trabalhado no momento, nos trabalhos. Enfim, nunca
trabalham sozinhos, sempre estão em pares, em trios, em quartetos, até um pouco mais, mas
eles sempre trabalham.Um ajuda o outro, não sou só eu. Eles não são não aprovados, no
fim sempre sabem, sempre tem alguma coisa. Não ficam para trás, quem fica para trás
é aquele que não frequenta a aula.
PESQUISADOR. Tem aluno que você reprovaria?
(silêncio e demonstra inquietação com o tema reprovação) Não. Eu até reprovaria
alguns um tempinho, mas não entendo que é o caminho. Deixá-lo na mesma série para
ele aprender, eu não sei.
PESQUISADOR. Como você pensa essa questão da reprovação.
Eu não concordo muito que o aluno seja reprovado porque, às vezes, o conteúdo que eu
estou dando lá não é aquilo que vai definir o que ele vai ser amanhã. Não é esse
conteúdo que vai definir se ele vai prosseguir. Acho que sempre ele sabe uma coisa a
mais. O que fica para trás mesmo, que não vai passar é o que falta demais. Respondi? É
isso?
PESQUISADOR. E essas questões como aparecem no seu dia a dia na escola.
175
Da reprovação?A gente sempre ouve: Não podemos reprovar! Faz-se de tudo para
aprovar o aluno. Quanto menos reprovação melhor. É o que a gente escuta, não só eu,
mas os outros professores também. Então a gente faz tudo para recuperar o aluno. O
que ele sabe realmente de um conteúdo naquele momento não vai fazer com que ele
mais tarde seja caso para retenção. Então a reprovação a gente não vê com bons olhos,
a gente tem que fazer o máximo para recuperar o aluno e que ele consiga caminhar
com a turma.
PESQUISADOR. Quando os professores falam: menos reprovação é melhor. Como é isso?
Não são os professores.Porque pelos professores, mesmo se a gente fosse realmente
fazer, como a gente talvez pudesse fazer, mas não pode, talvez tivesse ai uns 10 de
alguma sala. A gente sabe que não pode reprovar. A gente sabe que isso já vem de
cima, quando a gente vai para uma sala de conselho, passa uma nota e, às vezes, a gente
tem lá uma nota vermelha, a gente sempre tem que pensar no melhor, a gente não
deixa o aluno. Como é difícil falar essas coisas (a professora ficou muito incomodada e
silenciou.)
PESQUISADOR. Ainda nesta questão da reprovação.
Talvez seja melhor para escola, para Secretaria da Educação, é assim que eu penso.
Mas para o aluno eu não sei, às vezes seria até bom ele ficar mais um tempo para ele,
sei lá, caminhar melhor com a turma. Eu tenho aluno com laudo. Ele não consegue
acompanhar a turma e nada que você faça. Escrever e ler não sabe de jeito nenhum, ele não
consegue, tem alguma deficiência intelectual. Ele não consegue. Esse não vai. Sobre esse
aluno a gente recebe aquelas conversas de que você tem que aprovar porque ele tem um
problema. Esse aluno vai para frente, só que esse aluno precisaria talvez de um
acompanhamento psicológico, quem sabe? E a gente como professora não está preparada
para lidar com esse tipo de situação, esse tipo de aluno. Daí tem que aprovar? Eu não
sei como a gente faz?E ai a gente, como eu falei, eles falam para gente aprovar, mas o
melhor é não aprovar, às vezes é até melhor para o aluno.
PESQUISADOR. Entre esses seus quase trezentos alunos haveria alguma reprovação?
(pensa muito, fica incomodada, diz em voz baixa: “Ai meu Deus do Céu!”...) A gente
não pode mudar esse assunto de reprovação (sorri bastante e demonstra nervosismo).
Se fosse mesmo fazer de acordo com que o aluno precisa nos testes que a gente faz
talvez ficassem alguns para trás, mas assim, uns cinco de cada turma talvez.
PESQUISADOR. Do total de trezentos?
Não! Cinco por turma. Daria uma turma de 40 alunos. Eu falo assim enquanto uma
disciplina só, de Língua Portuguesa. De Língua Inglesa não, seria uns 20, 25.
PESQUISADOR. Você falou de acordo com os testes? Quais?
Seriam as avaliações a que os alunos são submetidos. Não é teste, falei errado a palavra teste.
São as avaliações que a gente propõe aos alunos. Em uma avaliação escrita o aluno vai
mal, mas tem as avaliações que também fazemos no processo. Às vezes no processo, ele
não consegue ir para frente, não consegue evoluir, não consegue evoluir, nem sei se
posso falar aprender, mas ele não consegue, às vezes, fazer aquilo que estamos
oferecendo também, não ajuda também, fica patinando.
PESQUISADOR. Como esse tema surge nas reuniões, nos encontros com professores, entre
alunos, pais, funcionários. O que você ouve.
Da reprovação? Das avaliações? Olha, pela maioria dos professores, a gente sempre
tenta recuperar o aluno, sempre tentando ajudar, sempre tentando fazer alguma coisa,
mas também tem muita conversa: “Podia ficar. Não sabe tem que reprovar”. Mas
assim, com relação à escola reprovar, a escola lá sempre coloca que não podemos
176
reprovar o aluno porque ele é submetido a uma avaliação escrita e ele não conseguiu e
nós não podemos reprovar. Então como a gente pode ajudar? É acho que é isso? Será
que eu respondi?
PESQUISADOR. E com essa mudança atual nos ciclos.
Os ciclos agora aumentaram, é isso né? Conversamos sobre isso, mas não conversamos
muito.É que o aluno poderia até ficar reprovado. Poderíamos avaliar os alunos em três
fases e ele poderia ficar retido por três séries, 5º ano. Não, 3º ano, 6ª ano e 9º ano, que
são as séries em que eu dou aula. Então assim, essa questão dos ciclos, não vejo como
algo ruim, no caso, no tocante a trabalhar com eles, não vejo como algo ruim é, na
verdade eu... (fica em silêncio...)
PESQUISADOR. Como era antes? Quando tinha reprovação?
Reprovava lá no 9º ano, mas se ele já chegou até lá, vai deixá-lo para trás por quê? Eu não
sei se seria interessante.
PESQUISADOR. E entre seus colegas professores.
Tem colegas que falam que têm que ficar para trás, quem sabe mais um ano para ele
aprender mais um pouco. Se tenho esse aluno com problema intelectual, porque vou
deixar para trás, mas se ele também acompanha. Mas os colegas dizem que não gostam
dessa questão dos ciclos. Por eles preferiam até que andássemos para trás, que
realmente tivesse reprovação, a seriação e não os ciclos. É essa conversa que a gente
escuta pelo que falam. E que têm outros, alguns, que são a favor dos ciclos.
PESQUISADOR. Ainda é presente essa ideia da seriação.
A prova, a avaliação escrita como um jeito de reter o aluno, ainda tem essa,
infelizmente, ideia de reprovar o aluno. Ter aumentado um ciclo para reprovar, não
sei o que penso. Estou ficando nervosa (sorri bastante e parece querer falar mais e não
consegue.)
PESQUISADOR. Como vocês organizam o processo de recuperação da aprendizagem?
Tem a ideia desse professor auxiliar que vem agora na sala de aula. Não assimilei
direito porque estava acostumada com aquele professor do reforço, ainda não estou
acostumada com isso, com essas novas denominações, então tenho um professor que
vem, acredito que é o Professor Auxiliar. É estou achando bom, está ajudando
bastante.
PESQUISADOR. Esses projetos de recuperação sempre foram organizados assim?
Esse projeto do Professor Auxiliar é recente. Teve uma época que não tinha esse professor
auxiliar, que ora fala apoio, ora fala reforço. Tem coisa de dois anos isso. O professor antes
era um professor que vinha e tirava os alunos da sala e nós fazíamos, no caso eu titular da
sala, fazia o levantamento, uma avaliação diagnóstica e verificávamos os alunos que tinham
maiores dificuldades para acompanhar a turma e os encaminhava para o reforço com outro
professor em horário diferente da aula. Vinham antes para a aula, entravam uma hora antes e
tinham as aulas de reforço com esse professor, mas ele já tinha em mãos a avaliação
diagnóstica e ia trabalhar com o aluno. Depois o aluno vinha para sala continuar.
Hoje é diferente. Pelo que vejo falamos desse professor auxiliar que está chegando.Ele vem,
fica na sala de aula e me ajuda com aqueles que na hora estão com dificuldades.Vamos
de carteira em carteira apoiando, trocando ideias com os alunos, fazendo atividades.
Conversamos, enquanto eles fazem as atividades e vamos avaliando o processo.Se eles
estão conseguindo, ou se não estão conseguindo aprender não sei. Acho que esse
professor veio em uma hora boa. Foi bem melhor que a outra situação que nós
tínhamos de tirar os alunos da sala de aula. Para o professor, às vezes, até seria bom.
Você tem lá uma sala indisciplinada e você precisa dar a sua aula e, as vezes, você precisa
177
tirar esses daqui porque dão muito trabalho. Já ouvi muito professor falar assim, que era
melhor o outro projeto para tirar os indisciplinados da sala: então tira porque é melhor!.
Acho que não pode ser como punição senão você, sabe, eu me preocupo muito com os
alunos.
No ano passado eu tive uma professora que ficou com os alunos, eu não sei se era
professor auxiliar ou se era do reforço. Eu não imaginei que os alunos aprenderam. Só
sei que ela ajudou os alunos pouco. Era um professor da disciplina específica e os
alunos precisavam de alfabetização. O professor não sabia alfabetizar, não ajudou os
alunos. Eles continuaram com as mesmas deficiências que apresentavam para
desenvolver certas atividades. São os mesmos alunos que tenho hoje e eu não vi
melhora, não vi ajuda. Então vieram outras professoras, só que não deram essas aulas,
só faltavam, não sei o que aconteceu.
Essas que chegaram agora trabalham mais, inclusive falei que tem hora que vai ficar
com a gente e tem hora que vai tirar o aluno da sala, isso é um ou dois, no caso da
alfabetização. É um ou dois quando a gente trabalha essa apostila que é do Estado,
então eles também precisam participar das demais aulas. Então essa professora ajuda
mais esse aluno que tem dificuldade, esses alunos que também têm que participar.
PESQUISADOR. Por esse caminho da nossa conversa fale um pouco sobre direito à
aprendizagem. Seus alunos têm o direito à aprendizagem garantido?
Eu penso que sim, penso que eles têm o direito à aprendizagem garantido. É uma
tentativa, eu penso. (Fica em silêncio e incomodada com a questão.)
PESQUISADOR. O que você ouve na escola sobre direito à aprendizagem.
Que todo aluno frequente à escola. Todos têm que vir para aula, já diz, garante a LDB.
Eles vêm, eles têm direito de aprender e o governo tem mais é que garantir (risos...
demonstra intranquilidade com o tema).
PESQUISADOR. E sobre esses alunos que você falou que reprovaria, não estamos
garantindo o direito deles?
Bom... tem aquela conversa que todos precisam ser aprovados ( ri muito e gesticula.).
Eles têm o direito mesmo assim, quando a gente chega a reprovar realmente os alunos
... a gente sempre procura um meio de aprovar ... e .... perdi o que ia falar.
PESQUISADOR. Sobre o direito de aprender.
É mesmo... todos são aprovados, quem fica para trás mesmo é quem não frequenta a
escola. Mas mesmo esses a gente controla a frequência para garantir o direito de
aprender. Passamos para o coordenador entrar em contato com a mãe para ter o
acesso garantido.
PESQUISADOR. A questão então é: ser aprovado é ter garantido o direito à aprendizagem?
Hããã... ai você me pegou (dá gargalhadas, se movimenta muito na cadeira, levanta um
pouco e senta novamente). Ser aprovado não significa que... não que ele... como vou
dizer... fiquei em uma encrenca danada (silêncio...). Ele usa o direito dele, ele está lá
para aprender. Se ele vai aprender vai depender um pouquinho dele, todos estão aqui
pensando no bem comum (muda o tom de voz) “tentando ajudar, promover
aprendizagens significativas”, “fazendo aulas diferenciadas”. Procuramos ajudar agora
se ele vai aprender, sabe, sei lá.
PESQUISADOR. Se aprender depende um pouquinho dele, de quem depende o restante?
O restante é a família, uma família inteira. Se ele fosse bem, tivesse uma família completa,
quem sabe ele aprenderia melhor. Não posso condená-lo se ele não aprendeu e deixá-lo
reprovado porque tem um pai e uma mãe que são separados. Agora com relação a ele
aprender ou não eu não sei explicar. Ele deve ter vontade, mas envolve todo mundo, a
178
família, a escola, o professor, o direito a ter materiais, recursos que, às vezes, a escola
não tem. A nossa escola está tentando ter e melhorar as aulas, que sejam interessantes para
eles. Se não for interessante,ele talvez não aprenda. Precisamos de mais recursos para as
aulas serem mais interessantes, ajudar o aluno, sei lá.
PESQUISADOR. E sobre as políticas públicas de formação continuada de professores.
Nossa dessas políticas públicas! Parece que os professores não estão muito preocupados
com os alunos. E os alunos têm tudo a favor deles. Têm muitas coisas que são feitas
pensando no aluno, (muda o tom de voz) “ele tem a família assim, precisa de um
atendimento psicológico.” O professor não tem nada disso, bom ou não tem que ir para
sala de aula, dar aula dinâmica, é isso que a gente ouve. A gente não tem esse apoio.
Pensa-se só no aluno: e o professor? Promove-se tudo para o aluno, tudo vem para ele.
E nós? A gente quase não tem nada, a fala que a gente recebe é assim: nós não temos
um ensino de qualidade e só o professor é o culpado porque o ensino não tem
qualidade. Eu falo assim porque a gente vê na mídia, parece que somos o problema.A
Secretaria da Educação até lança os programas que investem no professor, não posso
também tirar esse mérito. Só que também barra o professor que tem dois cargos e não
pode receber a bolsa para fazer mestrado/doutorado, não tem direito. Tenho que dar
muitas aulas, ter dois cargos, se eu quiser também ter uma vida melhor, mais
confortável lá fora e aí não posso fazer mestrado/doutorado. Assim é nosso trabalho,
por exemplo: tenho dois cargos e não tenho direito a ticket refeição, não pelo ticket,
mas é um direito, a gente não tem muita coisa, mas é cobrado de tudo.
PESQUISADOR. Direito à aprendizagem então...
Direito à aprendizagem é tudo isso ai. Acho que sim. Um professor qualificado. Para
isso a Secretaria tem que dar apoio, embora até ofereçam os programas, mas nem
sempre o professor pode.
PESQUISADOR. Esses programas oferecidos, como chegam até vocês?
Olha, tem programa assim, como eu falei: tenho dois cargos e tenho que me desdobrar para
achar um momento em que eu possa fazer o curso. Por exemplo: tem curso online e, como
esse curso da EFAP (Escola de Formação e Aperfeiçoamento), participei de um curso desse.
No começo a gente recebe informação. Desdobrei-me, tinha problemas familiares, mas me
desdobrei, fiz de tudo para poder fazer, completar o curso, em um dado momento do curso
deveria ter mais um encontro, não recebi essa informação por parte da escola. Não porque
não me empenhei. Perguntei mas fiquei sem saber do encontro presencial do MGME –
“Melhor Gestão, Melhor Ensino”.
Quando percebi estava com uma bela falta publicada em Diário Oficial e nem sei no que deu.
Esses cursos já chegam prontos. Nem um questionário chega à escola perguntando se a gente
gostaria de determinado curso. Já chega pronto, geralmente o coordenador traz para a gente
um aviso, uma circular e diz: olha tem um curso que a Secretaria está oferecendo. Às vezes
vem como obrigação, como convocação que a gente não pode recusar. O professor de
Língua Portuguesa precisava fazer! Chegam prontos e não somos consultados sobre o
assunto. O tema já vem pronto, fechado. (“Melhor Gestão, Melhor Ensino” - Curso
semipresencial, com duração de 60 horas, oferecido a Diretores de Escola, Professores
Coordenadores Pedagógicos e Professores de Português e Matemática. Tem foco na gestão
escolar e no processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa e matemática. Fonte:
www.educacao.sp.gov.br)
PESQUISADOR. Implica o direito à aprendizagem.
Sim, sim. O governo até tenta [garantir o direito à aprendizagem]. Oferece e a gente faz na
medida do possível. Não é do jeito que a gente gostaria, mas ele também faz a parte dele e
179
isso é uma forma de garantir o direito à aprendizagem.Se ele está tentando e quer
qualificar o professor, como eu coloco, parece que tudo envolve o professor, parece que
ele é o problema. O professor é o problema. Então o governo está tentando, mandando
cursos fechadinhos, tentando mudar a sala de aula com mais um professor. Acho que
está tentando também e a gente faz o possível também para atender a essa questão da
aprendizagem. É isso, só falta o aluno... (risos... descontração)
PESQUISADOR. Agradeço a professora por esse momento de conversa.
Neste momento desligo o gravador e a professora diz: queria falar tanta coisa! (Sorri
muito e fica impaciente).
PESQUISADOR. Podemos retomar a gravação?
Pode sim, vou falar mais. Desde que não prejudique ninguém.
Então, essa questão da reprovação: Nós vamos para sala, quando estamos lá fazendo
nosso conselho de classe/série de bimestre ou final e ouvimos, já ouvi várias vezes: mas
professora! nota vermelha! E, às vezes, o vermelho lá é uma nota três, quatro, do aluno
que não conseguiu acompanhar tudo. Não conseguiram aprender e demonstrar isso
durante as aulas. Falam novamente: mas professora nota vermelha! A senhora deu três
e o outro dois! Então subo minha nota para quatro. Só que continua: mas professora
não dá para dar um cinco? Então ponho cinco e acabo com o assunto. É isso.
Às vezes você precisa reprovar. Se a gente pudesse reprovar mesmo a gente reprovaria
mais da metade da sala (risos... gargalhadas) mais da metade da sala.
PESQUISADOR. A gente quem?
A gente, professores. Não podemos porque somos barrados porque vem a ordem de
cima. Através do coordenador, do diretor, do governo. O diretor não quer que a escola
tenha muita reprovação e é isso que a gente escuta. Então porque você vai reprovar?
Mesmo assim quando a gente mantém uma reprovação e o professor bate o pé dizendo:
eu tenho todas as atividades desse aluno e ele não vai! E mesmo assim a coordenação
quer que eu aprove? Nós não aprovamos!
Às vezes tem conceitos lá mostrando que o aluno ficou para trás. Tivemos alunos da
oitava que foram embora. Tadinhos, era a limitação deles, eles vão para onde? Só até
ali, não vão para frente, pelo menos naquilo que a gente diz de “escola, papel”. Não eles
são só aquilo ali, tudo que ele conseguiu é ali. Não vai para frente. Reprovamos alunos
de algumas turmas, foram poucos. Mas ficaram! Não foi por indisciplina, pelo menos
isso a gente não faz, reter por indisciplina. Antes fosse bagunceiro, mas aprendesse. E
chega a direção, a coordenação pedagógica e diz: mas ,professora, esse não fez nada,
tem certeza? É isso direito à aprendizagem?
PESQUISADOR. Não é uma contradição?
É uma contradição. Não tem essa prova diagnóstica que vem da Secretaria. Não é o SARESP. É
a “prova diagnóstica”* dos 6º anos , 7ª anos. Não tem como você fingir uma realidade, não tem
como forjar nada ali.Fazemos justamente porque precisamos avaliar o aluno, para
prepararmos nosso planejamento, para tentar trabalhar mesmo, ajudar. É o que podemos
fazer para ele aprender, uma forma de fazer valer esse direito que ele tem de aprender é
reprovar.(*“Avaliação de Aprendizagem em Processo” - O exame é utilizado pelos educadores para
analisar o nível de aprendizado dos estudantes e, com isso, traçar estratégias e metas para garantir o
desenvolvimento dos alunos. Fonte: www.educacao.sp.gov.br)
Tem essas provas ai que não camuflam. O problema é essas políticas públicas que o governo
manda. Dizem que você tem que fazer assim e você acaba indo conforme vai. Quem perde com
isso? O aluno. (demonstra preocupação e angústia).
PESQUISADOR. Agradeço novamente a professora por esse momento de conversa.
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ANEXO 1
Resolução SE 53, de 2-10-2014
Dispõe sobre a reorganização do Ensino Fundamental em Regime de Progressão
Continuada e sobre os Mecanismos de Apoio Escolar aos alunos dos Ensinos Fundamental e
Médio das escolas estaduais.
O Secretário da Educação, à vista do que lhe representou a Coordenadoria de Gestão
da Educação Básica e considerando que:
- a melhoria da qualidade da educação básica somente se consolida mediante o
desenvolvimento de um ensino que assegure efetiva aprendizagem ao aluno;
- o atual contexto e os resultados das avaliações externas, alcançados pelas escolas da
rede pública estadual, indicam a necessidade de se dar continuidade ao redimensionamento
dos ciclos do Ensino Fundamental, com flexibilização dos tempos de aprendizagem e
diversificação dos mecanismos de apoio;
- é de pleno direito do aluno a apropriação do currículo escolar, de forma contínua e
exitosa, subsidiada por tempos de aprendizagem e mecanismos de apoio adequados,
Resolve:
Artigo 1º - O Ensino Fundamental, em Regime de Progressão Continuada,
reorganizado em 3 (três) Ciclos de Aprendizagem, com duração de 3 (três) anos cada,
oferecido nas escolas estaduais, terá seu funcionamento regido pelo que dispõe a presente
resolução.
Parágrafo único – A reorganização do ensino em três Ciclos de Aprendizagem, a que
se refere o caput deste artigo, visa a propiciar condições pedagógicas para que crianças e
adolescentes obtenham mais oportunidades de ser eficazmente atendidos em suas
necessidades, viabilizando-lhes tempos de aprendizagem adaptados a suas características
individuais.
Artigo 2º – Na reorganização do ensino, de que trata esta resolução, as equipes
escolares deverão proceder ao acompanhamento e avaliação contínuos do desempenho do
aluno, com intervenção pedagógica imediata, sempre que necessário, e, quando for o caso,
com encaminhamento do educando para estudos de reforço, recuperação e aprofundamento
curricular, dentro e/ou fora do seu horário regular de aulas.
Artigo 3º - A reorganização do ensino por Ciclos de Aprendizagem se propõe a:
I - assegurar condições de aprendizagem, segundo o critério de flexibilização do
tempo necessário ao aprendizado, no desenvolvimento gradativo e articulado dos diferentes
conteúdos que compõem o currículo do Ensino Fundamental;
II - evidenciar a importância que a flexibilização do tempo representa para a
organização do ensino e para a efetivação de aprendizagens contínuas e progressivas de todos
os alunos, de forma geral, e de cada um, em particular;
III - garantir ao aluno um ensino que, a partir de seus conhecimentos
prévios, implemente novos conteúdos curriculares, visando às aprendizagens previstas para
cada ano de cada Ciclo do Ensino Fundamental;
IV - subsidiar gestores e professores no agrupamento de alunos, na constituição de
classes e na organização dos processos de ensino, acompanhamento e avaliação contínua da
aprendizagem;
181
V - ressaltar a importância de intervenções pedagógicas, com ações de reforço,
recuperação e aprofundamento curricular, como mecanismos indispensáveis à obtenção de
bons resultados de aprendizagem;
VI - fornecer a pais e/ou responsáveis parâmetros e orientações que viabilizem e
estimulem o monitoramento do processo de aprendizagem do aluno.
Artigo 4º - Os Ciclos de Aprendizagem, compreendidos como espaços temporais
interdependentes e articulados entre si, definem-se ao longo dos nove anos do Ensino
Fundamental, na seguinte conformidade:
I - Ciclo de Alfabetização, do 1º ao 3º ano;
II - Ciclo Intermediário, do 4º ao 6º ano;
III - Ciclo Final, do 7º ao 9º ano.
5º - O Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano) tem como finalidade propiciar aos alunos
a alfabetização, o letramento as diversas formas de expressão e de iniciação ao aprendizado de
Matemática, Ciências, História e Geografia, de modo a capacitá-los, até o final deste Ciclo, a
fazer uso da leitura, da linguagem escrita e das diversas linguagens utilizadas nas diferentes
situações de vida, dentro e fora do ambiente escolar.
§ 1º – Ao final do 3º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo de Alfabetização, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer
por mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 2º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de
estudos no Ciclo de Alfabetização, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo
Intermediário.
Artigo 6º - O Ciclo Intermediário (4º ao 6º ano) tem como finalidade assegurar aos
alunos a continuidade e o aprofundamento das competências leitora e escritora, com ênfase na
organização e produção escrita, em consonância com a norma padrão, nas diferentes áreas de
conhecimento.
§ 1º – No 4º e no 5º anos do Ciclo Intermediário, o ensino será desenvolvido,
predominantemente, por professor regente de classe e, a partir do 6º ano, por professores
especialistas nas diferentes disciplinas do currículo.
§ 2º – Caberá à equipe gestora e aos professores que atuam no Ciclo Intermediário
promover condições pedagógicas que assegurem aprendizagens necessárias à transição do
ensino desenvolvido por professor regente de classe e do desenvolvido por docentes
especialistas.
§ 3º – Ao final do 6º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo Intermediário, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer por
mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 4º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de
estudos no Ciclo Intermediário, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo Final.
Artigo 7º - O Ciclo Final (do 7º ao 9º ano) tem como finalidade assegurar a
consolidação das aprendizagens previstas para este Ciclo, contemplando todo o currículo
escolar estabelecido para o Ensino Fundamental.
§ 1º - Os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, promovidos em regime de
progressão parcial, com pendência em até 3 (três) disciplinas, poderão iniciar a 1ª série do
Ensino Médio, desde que tenham condições de se apropriar, concomitantemente, dos
conteúdos das disciplinas pendentes do Ensino Fundamental e das disciplinas da 1ª série do
Ensino Médio.
182
§ 2º - Ao final do 9º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo Final, na forma a que se refere o caput deste artigo, deverá permanecer
por mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 3º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de
estudos no Ciclo Final, deverá concluir o Ensino Fundamental.
Artigo 8º - O processo de consolidação de aprendizagens no Ensino Fundamental, em
Regime de Progressão Continuada, a que se refere o caput do artigo 7º desta resolução, deverá
assegurar o acompanhamento e avaliação contínuos e sistemáticos do ensino e do
desempenho do aluno, a fim de apontar a necessidade, ou não, de intervenções pedagógicas,
na forma de estudos de reforço e/ou recuperação, dentro ou fora do horário regular de aulas do
aluno.
Parágrafo único - O acompanhamento e a avaliação das aprendizagens de cada aluno
devem ser concomitantes ao processo de ensino e aprendizagem, e sistematizados
periodicamente por professores e gestores que integram os Conselhos de Classe/Ano/Série e
Ciclo, realizados, respectivamente, ao final do bimestre, do ano/série e do ciclo.
Artigo 9º - Caberá à equipe escolar identificar os alunos do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio que necessitem de mecanismos de apoio no processo de ensino e
aprendizagem, para concluir seus estudos dentro do tempo regular previsto na legislação
pertinente.
Parágrafo único - Os mecanismos de apoio utilizados no processo de ensino e
aprendizagem, a que se refere o caput deste artigo, distinguem-se pelos momentos em que são
oferecidos e pelas metodologias utilizadas em seu desenvolvimento, caracterizando-se
basicamente como estudos de Recuperação Contínua e de Recuperação Intensiva, assim
definidas:
1 - Recuperação Contínua: ação de intervenção imediata, a ocorrer durante as aulas
regulares, nas classes de Ensino Fundamental ou Médio, e que é voltada para as dificuldades
específicas do aluno, abrangendo não só os conceitos, mas também as habilidades,
procedimentos e atitudes, sendo desenvolvida pelo próprio professor da classe ou da
disciplina, com apoio do Professor Auxiliar, quando necessário;
2 – Recuperação Intensiva: a oportunidade de estudos que possibilita ao aluno compor
classe cujo professor desenvolverá atividades de ensino específicas e diferenciadas, que lhe
permitirão trabalhar os conceitos básicos necessários a seu prosseguimento de estudos.
Artigo 10 - O Professor Auxiliar, a que se refere o item 1 do parágrafo único do artigo
9º desta resolução, terá como função precípua apoiar o professor da classe ou da disciplina no
desenvolvimento de atividades de ensino e de aprendizagem, em especial, as de recuperação
contínua, oferecidas a alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, visando à superação
de dificuldades e necessidades identificadas em seu percurso escolar.
§ 1º - A atuação do Professor Auxiliar ocorrerá, ouvido o professor da classe ou da
disciplina, simultaneamente às atividades desenvolvidas no horário regular de aulas, mediante
atendimento individualizado ou em grupo de alunos, podendo, em casos excepcionais e de
comprovada necessidade, vir a ocorrer em período diverso ao das aulas regulares.
§ 2º - O Professor Auxiliar poderá atuar somente em classes que totalizem, no mínimo,
25 (vinte e cinco) alunos, nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, e 30 (trinta)
alunos, no Ensino Médio.
§3º - Excepcionalmente, o Professor Auxiliar poderá atuar em uma das classes
regulares de, no mínimo, 20 (vinte) alunos, desde que dela conste matrícula do público-alvo
da Educação Especial, cuja necessidade tenha sido avaliada pela Equipe de Educação Especial
183
da Diretoria de Ensino, excetuando-se dessa possibilidade as Salas de Recursos e as Classes
Regidas por Professor Especializado.
§ 4º - O Professor Auxiliar poderá atuar, em classe do 1º ao 5º ano, com até 10 (dez)
aulas semanais e pelo tempo que se faça necessário à superação das dificuldades dos alunos.
Artigo 11 - Cada classe do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e das 3 (três) séries do
Ensino Médio poderá contar com até 3 (três) Professores Auxiliares, respeitada a
compatibilidade e pertinência entre a natureza da disciplina e a área de formação acadêmica
desses professores, que atuarão, no decorrer do ano letivo, em apoio pedagógico aos alunos,
bem como ao docente da disciplina, na organização, desenvolvimento e avaliação das
atividades de ensino e de aprendizagem, em especial as de recuperação contínua.
§ 1º - As atividades de apoio fornecidas por Professor Auxiliar, para alunos do 6º ao 9º
ano do Ensino Fundamental e das séries do Ensino Médio que apresentem resultados
insatisfatórios de aprendizagem, poderão ser desenvolvidas em até 3 (três) aulas semanais por
classe e no horário regular de aulas, de acordo com o diagnóstico das necessidades,
expectativas e prioridades identificadas pelos professores das diferentes disciplinas da classe e
pela equipe gestora da unidade escolar.
§ 2º - As 3 (três) aulas semanais por classe poderão ser distribuídas entre até 3 (três)
disciplinas, com possibilidade de alternância periódica das demais disciplinas do currículo,
atendendo ao que indicar o diagnóstico de que trata o parágrafo anterior.
Artigo 12 - As aulas relativas às atividades de apoio escolar, fornecido pelo Professor
Auxiliar, serão atribuídas a docentes devidamente habilitados/qualificados e inscritos no
processo anual de atribuição de classes e aulas, observados os respectivos campos de atuação
e na seguinte ordem de prioridade das situações funcionais:
I - docente titular de cargo, que se encontre na situação de adido, sem descaracterizar
essa condição, ou a título de carga suplementar de trabalho;
II - docente ocupante de função-atividade, na composição ou complementação de sua
carga horária de trabalho;
III - candidatos à contratação temporária.
§ 1º - Para os docentes, a que se referem os incisos II e III deste artigo, somente
poderá haver atribuição, como Professor Auxiliar, na comprovada inexistência de classe ou de
aulas que lhes possam ser atribuídas, no processo regular de atribuição, em nível de unidade
escolar e também de Diretoria de Ensino.
§ 2º - O Professor Auxiliar, em qualquer dos níveis de ensino, exercerá suas
atribuições em até, no máximo, 30 (trinta) aulas semanais, fazendo jus, de acordo com a
legislação pertinente, à quantidade de horas de trabalho pedagógico correspondente à carga
horária atribuída.
Artigo 13 - A Recuperação Intensiva, caracterizada como mecanismo de recuperação
pedagógica centrada na promoção da aprendizagem do aluno, mediante atividades de ensino
diferenciadas e superação das defasagens de aprendizagem diagnosticadas, a que se refere o
item 2 do parágrafo único do artigo 9º desta resolução, será estruturada em dois tipos de
classes, cuja instalação deverá observar, obrigatoriamente, a seguinte ordem de prioridade:
I - classe de Recuperação Intensiva de Ciclo - RC, organizada com o limite mínimo de
10 (dez) e máximo de 20 (vinte) alunos, destinada exclusivamente a alunos egressos dos anos
finais de cada ciclo, cujo desempenho escolar lhes tenha determinado a permanência, por mais
um ano letivo, no 3º, 6º e 9º anos do Ensino Fundamental;
II - classe de Recuperação Contínua e Intensiva - RCI, constituída, em média, com 20
(vinte) alunos e destinada a alunos egressos dos anos finais de cada ciclo, cujo desempenho
escolar lhes tenha determinado a permanência, por mais um ano letivo, no 3º, 6º e 9º anos do
184
Ensino Fundamental, sendo que, nessa classe, a média de 20 (vinte) alunos poderá ser
completada com alunos egressos do 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental que, mesmo
cursando ano subsequente, ainda necessitem de atendimentos de reforço e estudos de
recuperação.
§ 1º - As classes de Recuperação Contínua e Intensiva - RCI, de que trata o inciso II
deste artigo, somente poderão ser instaladas após total atendimento ao limite máximo da
organização de classes de Recuperação Intensiva de Ciclo – RC.
§ 2º - A organização das classes de recuperação intensiva, RC e RCI, de que tratam os
incisos deste artigo, deverá resultar de indicação feita pelos professores, no último Conselho
de Classe/Ano, realizado ao final do ano letivo anterior, ocasião em que também poderão ser
indicados os docentes da escola com possibilidade de assumir as referidas classes no ano
letivo subsequente.
Artigo 14 - A equipe gestora, em reunião do Conselho de Classe/Ano, ouvidos os
professores da classe ou das disciplinas, ao deliberar sobre a aplicação dos mecanismos de
apoio escolar, deverá, na formação de classes de recuperação intensiva, de que trata o disposto
no artigo 13 desta resolução, identificar, preliminarmente, diante do total de classes
regularmente constituídas, o número de salas ociosas existentes, por turno/período, na unidade
escolar, que poderão vir a atender a necessidade de formação e a ordem de prioridade
estabelecida no referido artigo.
§ 1º – A formação de classes de recuperação intensiva, observada a identificação
preliminar a que se refere o caput deste artigo, deverá ser submetida à autorização do
Dirigente Regional de Ensino, mediante parecer do Supervisor de Ensino da unidade escolar.
§ 2º - Excepcionalmente, classes de recuperação intensiva, com número de alunos
inferior ao previsto nos incisos I e II do artigo 13 desta resolução, poderão ter sua constituição
autorizada pelo Dirigente Regional de Ensino, mediante solicitação devidamente justificada
do Diretor de Escola, acompanhada de parecer conclusivo do Supervisor de Ensino da
unidade escolar.
Artigo 15 - A atribuição de classes e de aulas de recuperação intensiva observará as
normas e critérios relativos ao processo anual de atribuição de classes e aulas.
Parágrafo único - As classes e as aulas de recuperação intensiva poderão constituir e
ampliar a jornada de trabalho do docente titular de cargo, e também, se for o caso, compor sua
carga suplementar.
Artigo 16 – Caberá às Coordenadorias de Gestão da Educação Básica e de Gestão de
Recursos Humanos, na conformidade das respectivas áreas de competência, baixar instruções
que se façam necessárias ao cumprimento do que dispõe a presente resolução.
Artigo 17 - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando
revogadas as disposições em contrário, em especial as Resoluções SE nº 2, de 12.1.2012, nº
44, de 12.4.2012, nº 43, de 18.6.2013, nº 61, de 30.8.2013, e nº 74, de 8.11.2013.
Notas:
Revoga Res. SE nº 2/12;
Revoga Res. SE nº 44/12;
Revoga Res. SE nº 43/13;
Revoga Res. SE, nº 61/13;
Revoga Res. SE nº 74/13.
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ANEXO 2
Resolução SE Nº 73, de 30-12-2014
Dispõe sobre a reorganização do Ensino Fundamental em Regime de
Progressão Continuada e sobre os Mecanismos de Apoio Escolar aos alunos dos Ensinos
Fundamental e Médio das escolas estaduais
O Secretário da Educação, à vista do que lhe representaram as Coordenadorias de Gestão da
Educação Básica - CGEB e de Gestão de Recursos Humanos - CGRH e considerando que:
- a melhoria da qualidade da educação básica somente se consolida com o desenvolvimento
de um ensino que assegure efetiva aprendizagem ao aluno;
- os resultados das avaliações externas, alcançados pelas escolas da rede pública estadual,
confirmam as possibilidades de aumento da eficácia e eficiência do redimensionamento
dos ciclos do Ensino Fundamental, com flexibilização dos tempos de aprendizagem e
diversificação dos mecanismos de apoio;
- ao aluno devam ser garantidos meios e oportunidades diversas de se apropriar do currículo
escolar, de forma contínua e exitosa, subsidiada por tempos de aprendizagem e
mecanismos de apoio adequados,
Resolve:
Artigo 1º - O Ensino Fundamental, em Regime de Progressão Continuada, reorganizado em 3
(três) Ciclos de Aprendizagem, com duração de 3 (três) anos cada, oferecido nas escolas
estaduais, tem seu funcionamento regido nos termos da presente resolução.
Parágrafo único – A reorganização do ensino em três Ciclos de Aprendizagem, a que se refere
o caput deste artigo, assegura condições pedagógicas que disponibilizam, a crianças e
adolescentes, mais oportunidades e meios para serem eficazmente atendidos em suas
necessidades, viabilizando-lhes tempos de aprendizagem adaptados a suas características
individuais.
Artigo 2º – Na reorganização do ensino, de que trata esta resolução, as equipes escolares
procederão ao acompanhamento e avaliação contínuos do desempenho do aluno, com
intervenção pedagógica imediata, sempre que necessário, e, quando for o caso, com
encaminhamento do educando para estudos de reforço, recuperação e aprofundamento
curricular, dentro e/ou fora do seu horário regular de aulas.
Artigo 3º - A reorganização do ensino por Ciclos de Aprendizagem oferece à escola efetivas
possibilidades de:
I - assegurar condições de aprendizagem, segundo o critério de flexibilização do tempo
necessário ao aprendizado, no desenvolvimento gradativo e articulado dos diferentes
conteúdos que compõem o currículo do Ensino Fundamental;
II - evidenciar a importância que a flexibilização do tempo representa para a organização do
ensino e para a efetivação de aprendizagens contínuas e progressivas de todos os alunos, de
forma geral, e de cada um, em particular;
III - garantir ao aluno um ensino que, a partir de seus conhecimentos prévios, implemente
novos conteúdos curriculares, visando às aprendizagens previstas para cada ano de cada Ciclo
do Ensino Fundamental;
IV - subsidiar gestores e professores no agrupamento de alunos, na constituição de classes e
na organização dos processos de ensino, acompanhamento e avaliação contínua da
aprendizagem;
186
V - ressaltar a importância de intervenções pedagógicas, com ações de reforço, recuperação e
aprofundamento curricular, como mecanismos indispensáveis à obtenção de bons resultados
de aprendizagem;
VI - fornecer a pais e/ou responsáveis parâmetros e orientações que viabilizem e estimulem o
monitoramento do processo de aprendizagem do aluno.
Artigo 4º - Os Ciclos de Aprendizagem, compreendidos como espaços temporais
interdependentes e articulados entre si, definem-se ao longo dos nove anos do Ensino
Fundamental, na seguinte conformidade:
I - Ciclo de Alfabetização, do 1º ao 3º ano;
II - Ciclo Intermediário, do 4º ao 6º ano;
III - Ciclo Final, do 7º ao 9º ano.
Artigo 5º - O Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano) tem como finalidade propiciar aos alunos a
alfabetização, o letramento das diversas formas de expressão e de iniciação ao aprendizado de
Matemática, Ciências, História e Geografia, de modo a capacitá-los até o final deste Ciclo, a
fazer uso da leitura, da linguagem escrita e das diversas linguagens utilizadas nas diferentes
situações de vida, dentro e fora do ambiente escolar.
§ 1º – Ao final do 3º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo de Alfabetização, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer
por mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 2º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no
Ciclo de Alfabetização, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo Intermediário.
Artigo 6º - O Ciclo Intermediário (4º ao 6º ano) tem como finalidade assegurar aos alunos a
continuidade e o aprofundamento das competências leitora e escritora, com ênfase na
organização e produção escrita, em consonância com a norma padrão, nas diferentes áreas de
conhecimento.
§ 1º – No 4º e no 5º anos do Ciclo Intermediário, o ensino será desenvolvido,
predominantemente, por professor regente de classe e, a partir do 6º ano, por professores
especialistas nas diferentes disciplinas do currículo.
§ 2º – Caberá à equipe gestora e aos professores que atuam no Ciclo Intermediário promover
condições pedagógicas que assegurem aprendizagens necessárias à transição do ensino
desenvolvido por professor regente de classe e do desenvolvido por docentes especialistas em
disciplinas do currículo.
§ 3º – Ao final do 6º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo Intermediário, de que trata o caput deste artigo, deverá permanecer por
mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 4º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no
Ciclo Intermediário, deverá continuar sua aprendizagem no Ciclo Final.
Artigo 7º - O Ciclo Final (do 7º ao 9º ano) tem como finalidade assegurar a consolidação das
aprendizagens previstas para este Ciclo, contemplando todo o currículo escolar estabelecido
para o Ensino Fundamental.
§ 1º - Os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, promovidos em regime de progressão
parcial, com pendência em até 3 (três) disciplinas, poderão iniciar a 1ª série do Ensino Médio,
desde que tenham condições de se apropriar, concomitantemente, dos conteúdos das
disciplinas pendentes do Ensino Fundamental e das disciplinas da 1ª série do Ensino Médio,
observadas as condições de viabilidade das alternativas existentes na unidade escolar.
187
§ 2º - Ao final do 9º ano, o aluno que não se apropriar das competências e habilidades
previstas para o Ciclo Final, na forma a que se refere o caput deste artigo, deverá permanecer
por mais um ano neste Ciclo, em uma classe de recuperação intensiva.
§ 3º - O aluno a que se refere o parágrafo anterior, ao término de quatro anos de estudos no
Ciclo Final, deverá concluir o Ensino Fundamental.
Artigo 8º - O processo de consolidação de aprendizagens no Ensino Fundamental, em Regime
de Progressão Continuada, a que se refere o caput do artigo 7º desta resolução, deverá
assegurar o acompanhamento e avaliação contínuos e sistemáticos do ensino e do
desempenho do aluno, a fim de apontar a necessidade, ou não, de intervenções pedagógicas,
na forma de estudos de reforço e/ou recuperação, dentro ou fora do horário regular de aulas do
aluno.
Parágrafo único - O acompanhamento e a avaliação das aprendizagens de cada aluno devem
ser concomitantes ao processo de ensino e aprendizagem, e sistematizados periodicamente por
professores e gestores que integram os Conselhos de Classe/Ano/Série e Ciclo, realizados,
respectivamente, ao final do bimestre, do ano/série e do ciclo.
Artigo 9º - Cabe à equipe escolar identificar os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio que necessitem de mecanismos de apoio no processo de ensino e aprendizagem, para
concluir seus estudos dentro do tempo regular legalmente previsto.
Parágrafo único - Os mecanismos de apoio utilizados no processo de ensino e aprendizagem,
a que se refere o caput deste artigo, distinguem-se pelos momentos em que são oferecidos e
pelas metodologias utilizadas em seu desenvolvimento, caracterizando-se basicamente como
estudos de Recuperação Contínua e de Recuperação Intensiva, assim definidos:
1 - Recuperação Contínua: ação de intervenção imediata, a ocorrer durante as aulas regulares
do Ensino Fundamental e Médio, voltada para as dificuldades específicas do aluno,
abrangendo não só os conceitos, mas também as habilidades, procedimentos e atitudes, sendo
desenvolvida pelo próprio professor da classe ou da disciplina, conforme o caso, com apoio
complementar, quando necessário, na seguinte conformidade:
a) nas classes de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, com apoio e assistência direta dos
alunos pesquisadores do Programa Bolsa Alfabetização;
b) nas classes de 3º, 4º, 5º e 6º anos do Ensino Fundamental, com apoio complementar do
Professor Auxiliar - PA; e
c) nas classes de 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e de séries do Ensino Médio com
apoio complementar dos docentes do Projeto Apoio à Aprendizagem - PAA, conforme
dispuser a legislação pertinente;
2 – Recuperação Intensiva: a oportunidade de estudos que possibilita ao aluno integrar classe
cujo professor desenvolverá atividades de ensino específicas e diferenciadas, que permitirão
ao aluno trabalhar os conceitos básicos necessários a seu prosseguimento nos estudos.
Artigo 10 - O Professor Auxiliar, a que se refere o item 1 do parágrafo único do artigo 9º
desta resolução, tem como função precípua apoiar o professor da classe no desenvolvimento
de atividades de ensino e de aprendizagem, em especial, as de recuperação contínua,
oferecidas a alunos do 3º, 4º, 5º e 6º ano do Ensino Fundamental, visando à superação de
dificuldades e necessidades identificadas em seu percurso escolar, nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática.
§ 1º - A atuação do docente como Professor Auxiliar darse-á, ouvido o professor da classe
e/ou da disciplina de Língua Portuguesa ou de Matemática, simultaneamente às atividades
desenvolvidas no horário regular das aulas correspondentes, mediante atendimento por grupo
de, no mínimo, 5 (cinco) alunos.
188
§ 2º - O Professor Auxiliar poderá atuar somente em classes que totalizem, no mínimo, 25
(vinte e cinco) alunos.
§ 3º - Excepcionalmente, o Professor Auxiliar poderá atuar em classe regular de, no mínimo,
20 (vinte) alunos, desde que nela se inclua matrícula de aluno do público-alvo da Educação
Especial, cuja necessidade tenha sido avaliada pela Equipe de Educação Especial da Diretoria
de Ensino, excetuando-se dessa possibilidade as Classes Regidas por Professor Especializado
e as Salas de Recursos.
Artigo 11 – Cada classe de 3º, 4º, 5º ou 6º ano do Ensino Fundamental, contará com o
Professor Auxiliar em 3 (três) aulas semanais para cada uma das disciplinas (Língua
Portuguesa e Matemática), podendo, conforme a necessidade, totalizar 6 (seis) aulas semanais
(três e três), atendendo ao que indicar o diagnóstico efetuado pelo docente da classe ou da
disciplina.
Artigo 12 - As aulas relativas às atividades do Professor Auxiliar serão atribuídas a docentes
devidamente habilitados/qualificados em Língua Portuguesa ou em Matemática e inscritos no
processo anual de atribuição de classes e aulas, observado o campo de atuação e na seguinte
ordem de prioridade das situações funcionais:
I - docente titular de cargo, que se encontre na situação de adido, sem descaracterizar essa
condição, ou a título de carga suplementar de trabalho;
II - docente ocupante de função-atividade, na composição ou complementação de sua carga
horária de trabalho.
§ 1º - Para os docentes, a que se referem os incisos deste artigo, somente poderá haver
atribuição, como Professor Auxiliar, na comprovada inexistência de aulas que lhes possam ser
atribuídas, no processo regular de atribuição, em nível de unidade escolar e também de
Diretoria de Ensino.
§ 2º - O docente exercerá as atribuições de Professor Auxiliar em classes do 3º, 4º, 5º ou 6º
ano do Ensino Fundamental, observado o limite máximo de 12 (doze) aulas semanais, pelo
tempo que se fizer necessário à superação das dificuldades dos alunos, fazendo jus, de acordo
com a legislação pertinente, à quantidade de horas de trabalho pedagógico correspondente à
carga horária atribuída.
§ 3° - O Professor Auxiliar não poderá ser substituído e perderá a carga horária atribuída,
quando iniciar qualquer tipo de licença ou afastamento.
§ 4° - Excepcionalmente, nos casos de licença-saúde, licença-acidente de trabalho, licença à
gestante e licença-adoção, o/a docente permanecerá com a carga horária relativa ao Professor
Auxiliar, apenas para fins de pagamento e enquanto perdurar a licença, sendo as aulas
correspondentes liberadas, de imediato, para atribuição a outro docente, que venha
efetivamente a ministrá-las.
Artigo 13 - A Recuperação Intensiva, caracterizada como mecanismo de recuperação
pedagógica centrada na promoção da aprendizagem do aluno, mediante atividades de ensino
diferenciadas e superação das defasagens de aprendizagem diagnosticadas, a que se refere o
item 2 do parágrafo único do artigo 9º desta resolução, será estruturada em dois tipos de
classes, cuja instalação deverá observar, obrigatoriamente, a seguinte ordem de prioridade:
I - classe de Recuperação Intensiva de Ciclo - RC, organizada com o limite mínimo de 10
(dez) e máximo de 20 (vinte) alunos, destinada exclusivamente a alunos egressos dos anos
finais de cada ciclo, cujo desempenho escolar lhes tenha determinado a permanência, por mais
um ano letivo, no 3º, 6º ou 9º anos do Ensino Fundamental;
II - classe de Recuperação Contínua e Intensiva - RCI, constituída, em média, com 20 (vinte)
alunos e destinada a alunos egressos dos anos finais de cada ciclo, cujo desempenho escolar
lhes tenha determinado a permanência, por mais um ano letivo, no 3º, 6º ou 9º anos do Ensino
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Fundamental, sendo que, nessa classe, a média de 20 (vinte) alunos poderá ser completada
com alunos egressos do 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental que, mesmo cursando ano
subsequente, ainda necessitem de atendimentos de reforço e estudos de recuperação.
§ 1º - As classes de Recuperação Contínua e Intensiva - RCI, de que trata o inciso II deste
artigo, somente poderão ser instaladas, nas seguintes situações:
1 - após total atendimento ao limite máximo da organização de classes de Recuperação
Intensiva de Ciclo – RC;
2 – de comprovada inexistência de, no mínimo, de 10(dez) alunos para instalação de uma
classe de Recuperação Intensiva de Ciclo- RC.
§ 2º - Quando o total de concluintes do ciclo, que deverá permanecer por mais um ano letivo,
for igual ou inferior a 3(três) alunos, ou no caso de a unidade escolar não mais dispor de salas
ociosas para instalação de classe de recuperação intensiva, os alunos deverão ser
encaminhados à composição de classes regulares correspondentes ao ano final dos respectivos
ciclos.
§ 3º - A organização das classes de recuperação intensiva, RC e RCI, de que tratam os incisos
deste artigo, deverá resultar de indicação feita pelos professores, no último Conselho de
Classe/Ano, realizado ao final do ano letivo anterior, ocasião em que também poderão ser
indicados os docentes da escola com possibilidade de assumir as referidas classes no ano
letivo subsequente.
Artigo 14 - A equipe gestora, em reunião do Conselho de Classe/Ano, ouvidos os professores
da classe ou das disciplinas, ao deliberar sobre a recuperação intensiva, deverá, na formação
das classes, de que trata o disposto no artigo 13 desta resolução, identificar, preliminarmente,
diante do total de classes regularmente constituídas, o número de salas ociosas existentes, por
turno/período, na unidade escolar, que poderão vir a atender a necessidade de formação e a
ordem de prioridade estabelecida no referido artigo.
§ 1º – A formação de classes de recuperação intensiva, observada a identificação preliminar a
que se refere o caput deste artigo, deverá ser submetida à autorização do Dirigente Regional
de Ensino, mediante parecer do Supervisor de Ensino da unidade escolar.
§ 2º - Excepcionalmente, classes de recuperação intensiva, com número de alunos inferior ao
previsto nos incisos do artigo 13 desta resolução, poderão ter sua constituição autorizada pelo
Dirigente Regional de Ensino, mediante solicitação devidamente justificada do Diretor de
Escola, acompanhada de parecer conclusivo do Supervisor de Ensino da unidade escolar.
Artigo 15 - A atribuição de classes e de aulas de recuperação intensiva observará as normas e
critérios relativos ao processo anual de atribuição de classes e aulas.
Parágrafo único - As classes e as aulas de recuperação intensiva poderão constituir e ampliar a
jornada de trabalho do docente titular de cargo, e também, se for o caso, compor sua carga
suplementar.
Artigo 16 – Caberá às Coordenadorias de Gestão da Educação Básica e de Gestão de
Recursos Humanos, na conformidade das respectivas áreas de competência, baixar instruções
que se façam necessárias ao cumprimento do que dispõe a presente resolução.
Artigo 17 - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as
disposições em contrário, em especial a Resolução SE Nº 53/2014.
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO