ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CHOQUE ENTRE MOTOCICLETA E AUTOMÓVEL. INVASÃO DE PISTA. Culpa concorrente dos envolvidos. O piloto da motocicleta, ao ultrapassar uma valeta, adentrou na pista contrária. O motorista do automóvel por trafegar em excesso de velocidade não pôde evitar o choque em minorar as conseqüências (morte do motociclista). Valor da pensão mensal apurada em liquidação de sentença. Estabelecido o valor do dano moral e patrimonial. O valor do DPVAT, em face do pagamento do prêmio pelo proprietário do automóvel, deve ser cobrado da seguradora. Apelo provido em parte. APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Nº 70008788416 COMARCA DE PELOTAS GISELDA BARROS FLEITAS DARLECI WALDEMAR BARNECHE DE AVILA APELANTE APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso de apelação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA (PRESIDENTE E REVISORA) E DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO. Porto Alegre, 24 de junho de 2004. DR. MARCELO CÉZAR MÜLLER, Relator. 1 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL RELATÓRIO DR. MARCELO CÉZAR MÜLLER (RELATOR) GISELDA BARROS FLEITAS, MIGUEL ÂNGELO FLEITAS FILHO E JOICE FARROS FLEITAS E PAULO RICARDO BARRO FLEITAS, nos autos da ação de reparação de danos movida contra DARLECI WALDEMAR BARNECHE DE ÁVILA, interpuseram recurso de apelação, em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos efetuados. Em suas razões, aduziram sobre a necessidade de ser reformada a sentença. Disseram ter o choque sobre a pista de rolamento da motocicleta, o que indica, juntamente com o excesso de velocidade empreendida no automóvel, a culpa do réu. Litigam sob o pálio da assistência judiciária gratuita. Na resposta foi defendida a manutenção da sentença. O Ministério Público recebeu vista. É o relatório. VOTOS DR. MARCELO CÉZAR MÜLLER (RELATOR) O acidente de trânsito ocorreu em 12-4-96, pelas 14:30 horas, na Avenida Nossa Senhora das Graças, em Arroio Grande. Envolveu a motocicleta pilotada por Miguel Ângelo Fleitas e o automóvel Gol dirigido por Luiz Odinei da Silva, que trafegam em sentido contrário. Conforme consta na inicial o automóvel invadiu a pista sobre a qual trafegava a motocicleta. Ainda, o Gol estava em alta velocidade. Miguel veio a falecer em decorrência do acidente. 1 – Culpa. Na comunicação de ocorrência efetuada pelo motorista do automóvel, fl. 12, consta que o piloto da motocicleta foi desviar de parte “embarrada” na Avenida, deslocando-se para a esquerda e colidiu contra o Gol. 2 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL A mesma versão constou no interrogatório, fls. 45 e 46, sendo processo crime suspenso condicionalmente. Somente o réu referiu que havia uma valeta na estrada. Cabe mencionar que a ação ajuizada anteriormente foi extinta sem julgamento de mérito, fls. 111 a 116. Foram ouvidas testemunhas. Lairton Duarte informou ter o automóvel passado em alta velocidade e após o choque estava à esquerda, fl. 80. Carlos Alberto Brasil Ferreira, fl. 81, residente na Avenida, mencionou que o Gol estava à esquerda de sua mão de direção. Lindomar Machado Rantke, carona da motocicleta, relatou ter o piloto invadido a pista contrária para ultrapassar a valeta e, quando estava retornando, houve o choque do Gol, “que vinha meio correndo”, fl. 81 verso. Dorval Machado, também, mencionou sobre a velocidade elevada do Gol, fl. 82. Não foram coletados depoimentos nos autos desse processo. Pode ser lembrado o exame da prova realizado pelo digno Juiz de Direito, Dr. José Antônio Coitinho, fls. 224 e 225: “O acidente posto em litígio ocorreu pó culpa concorrente dos envolvidos. Pelos depoimentos, depreende-se que a colisão ocorreu no meio da pista, mais para o lado da mão do automóvel Gol, de propriedade do réu. O próprio carona da moto, no seu depoimento prestado no processo extinto, aproveitadado por este (fl. 81/verso), afirma que: “tanto a moto quanto o Gol tentaram encontrar o melhor caminho para cruzar a valeta, dirigindo-se ambos para o meio da pista. Logo após cruzar a valeta, quando a moto iniciou manobra para retornar a sua pista de direção, houve impacto”. Deste depoimento, extrai-se que a moto invadiu a pista do Go e, como o Gol vinha em velocidade excessiva para o local, não conseguiu frear a tempo de evitar a colisão. Tanto a conduta da vítima quanto a do motorista do Gol foram causadoras da colisão. 3 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL As testemunhas foram quase que unânimes em afirma que a visibilidade era boa e que a pista estava seca naquele dia. Somente uma manobra brusca poderia ter dado causa ao acidente. ... Testemunhas afirmam que o Gol trafegava em velocidade elevada para o local, colocando em risco as pessoas e veículos que ali transitam diariamente. Com isso, o motorista assumiu o risco de cometer algum acidente, pois sabia que a pista era de ‘chão batido’, fazendo com que os veículos percam muito de sua estabilidade e capacidade de frenagem. Conclui-se que o evento danoso resultou da velocidade elevada do automóvel e da manobra imprudente da motocicleta. Existe, portanto, culpa concorrente de ambas as partes envolvidas no acidente.” Comungo inteiramente com o exame da prova efetuado pelo magistrado, o que faz incidir a regra do art. 159 do CPC. A culpa do condutor do automóvel advém do excesso de velocidade, tendo todas as condições de evitar o choque ou, pelo menos, minorar as conseqüências. Como existiu invasão de parte de pista contrária pela motocicleta, parece adequado estabelecer o percentual de culpa do motorista do automóvel em 40 %. Segundo a lição de Sílvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 4, 2ª ed “Para se verificar se existiu, ou não, erro de conduta, e portanto culpa, por parte do agente causador do dano, mister se faz comparar o seu comportamento com aquele que seria normal e correntio em um homem médio, fixado como padrão. Se de tal comparação resultar que o dano derivou de uma imprudência, imperícia ou negligência do autor do dano, nos quais não incorreria o homem padrão, criado in abstracto pelo julgador, caracteriza-se a culpa, ou seja, o erro de conduta.” (p. 148) J. M. Carvalho Santos, em Código Civil Brasileiro Interpretado, III vol., 9 ª, p. 316: 4 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL “3) a culpa aquiliana envolve fatos diversos, como a intenção de prejudicar, a imperícia, a negligência, a imprudência, a falta de vigilância, o abuso de direito, a falta de cuidado ou fiscalização de coisa ou pessoas;” Não há qualquer justificativa para deixar de responsabilizar o réu, proprietário do Gol. Conforme a lição de Antônio Lindbergh C. Montenegro, Responsabilidade Civil, 1986: “Domina a regra de que o proprietário do veículo responde pelos danos oriundos do acidente.” (p. 36) (...) “Esse entendimento da Corte Suprema ficou plasmado de forma definitiva em outros julgados que se seguiram. Assim, no recurso extraordinário nº 70.343, restou decidido, sob ementa, o seguinte: ‘Se o proprietário de camioneta de carga autoriza motorista profissional a dirigi-la, ainda que o segundo não seja empregado do primeiro, nada impede se configure um preponente naquele proprietário e um preposto no sobredito motorista, pois a mens legis do art. 1.521, III, do Código Civil, permite se vislumbre sentido amplo na ligação de um ao outro, donde a relação proposicional que obriga a proprietário do veículo a indenizar o prejuízo que o motorista produziu em terceira pessoa quando se encontrava a dirigir imprudentemente a caminhonete.’ Em outro aresto, o Pretório Excelso determinou a responsabilidade do proprietário de automóvel dirigido pelo filho, ainda que de maior e devidamente habilitado.” (pp. 138 e 139) Ademais, o réu emprestou o automóvel para Mário Bretanha Ribeiro, com origem em atividade comercial e lucrativa (venda de herbicidas na região). Logo, deve ser reconhecida sua responsabilidade. 5 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL 2 - Pensão mensal. Incide a regra do art. 1.537, II, do Código Civil de 1916. Sérgio Cavalieri Filho, em Programa de Responsabilidade Civil, 3ª ed., 114, faz constar: “A pensão deverá ser fixada com base nos ganhos da vítima, devidamente comprovados, e durante a sua sobrevida provável.” É óbvio o prejuízo dos autores, esposa e filhos, ante o falecimento da vítima, nascida em 8-6-54, fl. 16. Deve ser consignada a prova sobre a atividade remunerada da vítima (comerciante), que explorava uma fruteira, fls. 15, 18 e 19. Como não houve prova sobre a remuneração mensal, o valor será apurado em liquidação de sentença por artigos. Do valor médio mensal será descontada a parcela de 1/3 de despesas pessoais, sobre o restante incidirá a parcela de 40 %. A pensão mensal deve ser paga até os 67 anos da vítima, conforme o pedido. Os filhos receberão a cota da pensão até completarem dezoito anos, com reversão em favor da autora. 3 – Dano moral. O falecimento da vítima (marido e pai dos autores) gera a obrigação de indenizar o dano moral. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, volume IV, 3ª ed.: “Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o enefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida 6 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino.” (p. 33) Considerados os elementos dos autos deve ser estabelecida a indenização corresponde a cem salários mínimos (divididos igualmente entre os autores). Sem qualquer redução, uma vez que já considerada a culpa concorrente. 4 – Dano na motocicleta. Deve ser acolhido o valor do orçamento, no valor de R$ 820,00, em 12-5-96, fls. 20 e 21. O réu responderá por 40 % deste valor. A circunstância de ter sido trazido um único orçamento não retira o direito dos autores. Note-se a consignação da placa da motocicleta (HD-670) no orçamento. Depois, nenhum erro foi indicado no orçamento, peças e preço. Conforme o documento de fl. 41 a motocicleta havia sido adquirida pela vítima. 5 – Seguro DPVAT. O proprietário havia pago o prêmio, conforme se deduz do documento de fl. 22. Ocorre que segundo a autora no documento de fl. 23 faltou a assinatura do segurado, ou seja, o demandado. Ocorre que constava no referido documento a imputação de culpa ao motorista do automóvel, fato litigioso. Portanto, não estava o réu obrigado a assinar o referido documento. Deve, então, o réu ser considerado, neste momento, parte ilegítima para responder pelo DPVAT, que deve ser requerido à seguradora. 7 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MCM Nº 70008788416 2004/CÍVEL 6 - A conclusão. Os pedidos são acolhidos em parte para condenar o réu ao pagamento de: pensão mensal, cujo valor será estabelecido em liquidação de sentença por arbitramento; dano moral correspondente a cem salários mínimos; e 40 % dos danos na motocicleta. Custas pelo réu no valor correspondente à condenação. Honorários advocatícios estabelecidos em valor do procurador dos autores em 10 % dos valores oriundos da pensão mensal vencida na data da sentença mais uma anualidade, dano moral e dano da motocicleta. Honorários advocatícios em favor do procurador do réu fixado em R$ 700,00, conforme o art. 20, § 4º, do CPC. Respeitada a Lei 1.060/50. Sem compensação de honorários advocatícios, conforme o art. 23 da Lei 8.906/94. Ante o exposto, o voto é no sentido de prover, em parte, o recurso. É o voto. DESA. NAELE OCHOA PIAZZETA (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo. DES. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO - De acordo. Julgador de 1º Grau: Dr. JOSÉ ANTÔNIO COITINHO 8