Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 <CABBCAABDCCABBCADACBCADBAADBACACABDAA DDADAAAD> EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – CORPO FEMININO - FOTOS DE PARTES INTIMAS – DIVULGAÇÃO PELA INTERNET - AUTORIA INCERTA – DANOS MORAIS DEVER DE INDENIZAR - PARTICIPAÇÃO EFETIVA DA VÍTIMA – INDENIZAÇÃO DIMINUÍDA. - As fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Têm definição mais amarga. - A postura de quem fragiliza o conceito de moral pode autorizar avaliação condizente com essa postura. - Havendo dúvidas quanto a origem da divulgação de fotos tiradas por webcam não se pode fixar um culpado. - Vítima que participa de forma efetiva e preponderante para a consumação do fato tem de ser levado em consideração na fixação da condenação. (Des. Francisco Batista de Abreu) V.v.: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. IMAGEM DE TEOR ERÓTICO. DIVULGAÇÃO. NÃO CONCORRÊNCIA DE CULPA. DEVER DE INDENIZAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 945, CÓD. CIVIL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PONDERAÇÃO. INTENSIDADE DO DANO E CONDIÇÃO ECONÔMICA DO OFENSOR. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. - É patente o dever do namorado de indenizar por danos morais sua parceira, quando responsável pela gravação e divulgação de momentos íntimos do casal. - Devem ser ponderados, na fixação do quantum indenizatório, a intensidade do dano moral infligido à ofendida e a condição econômica do ofensor. (Des. José Marcos Vieira) APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.09.250262-7/001 - COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): FERNANDO RUAS MACHADO FILHO - APELADO(A)(S): RUBYENE OLIVEIRA LEMOS BORGES ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR. DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA RELATOR. Fl. 1/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA (RELATOR) VOTO Trata-se de apelação interposta da sentença que, nos autos da ação de indenização ajuizada por Rubyene Oliveira Borges em face de Fernando Ruas Machado Filho, julgou procedente o pedido formulado na inicial. Na sentença (f. 441-447-TJ), a Juíza de primeiro grau entendeu que houve comprovação, por perícia, da autoria, pelo réu, da conduta de capturar imagens que lhe eram transmitidas pela autora via aplicativo de troca de mensagens instantâneas. Partindo de tal premissa, reputou demonstrado, pela prova testemunhal, que o réu deu início à divulgação do material, dando ensejo a diversos constrangimentos, reveladores de abalo moral. Com tais fundamentos, condenou o requerido ao pagamento de indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Inconformado, o réu interpõe o recurso de apelação de f. 452-477-TJ, no qual alega, em síntese, que não produziu as imagens e que tampouco as divulgou. Afirma não haver prova da extensão do dano, como descrito na inicial. Aponta o que entende serem inconsistências nas provas pericial e testemunhal. Alternativamente, pugna pela redução do valor da indenização. Contrarrazões às f. 482-493-TJ, prestigiando as razões da sentença. É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Relata a autora que as partes foram namorados por aproximadamente um ano e que, em razão de residirem em cidades diferentes, faziam uso dos meios de comunicação via internet para manterem contato. Em uma destas ocasiões, teria concordado em transmitir ao réu imagens de cunho erótico, que foram capturadas por ele e depois retransmitidas a terceiros, causando-lhe profundo abalo moral. Em grau recursal, o réu nega a autoria da conduta de captar as imagens e de retransmiti-las. Afirma não haver comprovação da extensão do dano como descrito na inicial. Ao final, requer a reforma da sentença ou, alternativamente, a redução do valor da indenização, arbitrado em R$ 100.000,00 (cem mil reais). Fl. 2/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 A responsabilidade civil acarreta reparação de dano material ou moral, quando alguém comete ato ilícito, por ação ou por omissão. O artigo 186 do Código Civil se refere à responsabilidade subjetiva, que, para ser caracterizada, precisa da existência de três elementos: ação do agente, dano e relação de causalidade. O artigo 187 dispõe sobre a responsabilidade objetiva, desnecessária a demonstração de conduta do agente para caracterizá-la, bastantes a existência do dano e do nexo de causalidade. Conforme ensinam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, a responsabilidade subjetiva é a regra do Código e a responsabilidade objetiva é residual: “3. Sistemas de responsabilidade civil. CC. Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC éo da responsabilidade civil subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja dever de indenizar é necessária a existência: a) do dano; b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano; c) da culpa lato sensu (culpa – imprudência, negligência ou imperícia – ou dolo) do agente. O sistema subsidiário do CC é o da responsabilidade civil objetiva (CC 927 par.ún.), que se funda na teoria do risco: para que haja o dever de indenizar é irrelevante a conduta (dolo ou culpa) do agente, pois basta a existência: a) do dano; e b) do nexo de causalidade entre o fato e o dano. Haverá responsabilidade civil objetiva quando a lei assim o determinar (v.g., CC 933) ou quando a atividade habitual do agente, por sua natureza implicar risco para o direito de outrem”. (Código Civil Comentado, p. 733, 2008). Portanto, fica afastada a teoria do risco ou objetiva, no tocante à autora. Já que não se está no campo de direito patrimonial, não se podendo entrever no vínculo afetivo rompido algum conteúdo econômico, não é alcançada a figura de culpa in eligendo, mas de decisões ou escolhas psíquicas, unilaterais, a lembrar as “afinidades eletivas”, de GOETHE. Sabe-se, dano moral é aquele que afeta a psique da pessoa extrapolando o plano material, que nem sempre é diretamente afetado. É o que ensina SILVIO RODRIGUES: Diz-se que o dano é moral quando o prejuízo experimentado pela vítima não repercute na órbita de seu patrimônio. É a mágoa, a tristeza infligida injustamente a outrem, mas que não envolve prejuízo material. (Direito Civil, 20ª. ed., Vol. 4, Saraiva, São Paulo, 2007, p. 33). Fl. 3/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 E, como visto, não se julga o aspecto puramente ético, mas o jurídico, por isso que afastada, à maneira de reprovável objeção de proclivis ad libidinem, ponderação da atitude da vítima do dano. Ao contrário do que se poderia passar em área criminal, a que vem a temática do mínimo ético, no cível os motivos (em âmbito psíquico), à vista de sua subjetividade, são irrelevantes. Esclareça-se, porém, a razão pela qual há regras do Cód. Civil vigente (como as de seus artigos 140 e 166) que trocam – relativamente a suas congêneres do Cód. Civil de Bevilácqua – a causa pelo motivo: é que a dimensão do dano moral se vai buscar à objetivação do motivo ou, o que é o mesmo, à subjetivação da causa. Como observa HAROLDO VALLADÃO (Teixeira de Freitas, palestra no Instituto dos Advogados Brasileiros, in Esboço, ed. Ministério da Justiça, Vol. I, 1983, p. LV), Teixeira de Freitas é o precursor da tese subjetivista da causa, em tanto que por causa se entenda a intenção que preside à formação do ato voluntário (cf. “Nota” ao art. 445, produzida pelo autor do Esboço). Identifico, na Exposição de Motivos do Cód. Civil de 2002, de MIGUEL REALE (Ed. Câmara dos Deputados, Brasília, 2002) a alusão ao critério de Teixeira de Freitas, a tese de uma Parte Geral como elemento básico da sistemática do Direito Privado, a se coroar, com roupagens científico-doutrinárias do mais alto alcance, no malogrado ‘Esboço’ de Código Civil, ponto culminante na Dogmática Jurídica nacional (p. 34), tanto quanto a crítica ao Cód. de 1916. Este – prossegue REALE – cuja falta de uma parte geral, em que além de serem fixados os ângulos e parâmetros do sistema, se elegem os termos adequados às distintas configurações jurídicas, (...), implicou rigorosa atualização do Código atual [refere-se ao de 1916], onde não raro se empregam, indiscriminadamente, palavras que devem ter sentido técnico unívoco (ob. cit., p. 38). Transcrevo, portanto, parte da referida Nota ao art. 445, de TEIXEIRA DE FREITAS (Esboço, cit., p. 169), exatamente quando procuro, na espécie sub judice, a configuração de culpa no que tange ao comportamento das partes, ao dizer das atitudes do ofensor e da ofendida: Em remate, a intenção é um elemento indispensável dos atos voluntários, e ao mesmo tempo é um elemento importante para a medida da culpabilidade (g.n.). Na esteira do pensamento do grande civilista, perlongando as Notas (que, como assinala, na citada edição, em Prefácio, o então Ministro da Justiça, Abi Ackel, têm, por vezes, superioridade à lei proposta) chego a precisa lição de TEIXEIRA DE FREITAS (ob. cit., p. 151): Fl. 4/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Quando os atos se manifestam como ilícitos, (....) os efeitos que eles produzem são os jurídicos em oposição à vontade dos agentes. Quando os atos se manifestam como lícitos, (...) os seus efeitos (....) vem a ser os próprios efeitos jurídicos em harmonia com a vontade dos agentes. Merece lembrança AGOSTINHO ALVIM (Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, 5ª ed., Saraiva, São Paulo, 1980, p. 248-9), quando, depois de explicar a culpa pela existência de um dever geral extraído do neminem laedere justinianeu, reporta-se a SAVATIER, que indica, a respeito do tema, a obra de GEORGES RIPERT, La Régle Morale dans les Obligations Civiles, afeita ao Art. 1.382, Code Ciivil francês, o que significaria o nosso Art. 186, do Cód. Civil vigente – explícito quanto ao dano exclusivamente moral. Obra na qual RIPERT sustenta a idéia moral que, sozinha, pode justificar a responsabilidade (La Régle Morale, cit., 4ème. éd, LGDJ, Paris, 1949, p. 211). Louve-se o acerto da MM. Juíza de primeiro grau, ao determinar perícia complementar e formular quesitos de esclarecimento. Advirta-se que o “risco técnico” a que aludia a perícia (f. 122) restou superado pela própria prova pericial, que o reduziu, in casu, a simples possibilidade em tese, objeção, pois, impossível de ser levantada. Ao contrário do afirmado pelo Réu, a perícia, após análise das ferramentas envolvidas na transmissão de imagens e textos pela internet, afirmou categoricamente que: “A análise da parte técnica, no tocante aos aspectos de informática, presentes nos autos, bem como as falas escritas, as imagens vistas e a contextualização de tudo isso, conduz a um ponto de visão afirmativa sobre a produção das imagens pelo requerido.” (f. 322-TJ) A respeito da intromissão de um terceiro na comunicação entre as partes, afirmou-se no laudo: “que as imagens foram geradas pelo requerido não resta dúvida por parte deste perito, assim como um terceiro, em tempo real e através do MESSENGER, não poderia ter acesso às imagens” (f. 424-TJ). Assim, a negativa de autoria da conduta de capturar as imagens transmitidas assume caráter de mera especulação, eis que a prova pericial demonstrou, às expressas, o funcionamento do aplicativo de troca de mensagens, esclarecendo a impossibilidade da intromissão de terceiro no momento específico da transmissão de imagens em tempo real. Fl. 5/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Foi neste sentido a resposta ao quesito de nº 11 formulado pela autora, afirmando-se que “em se tratando de conversa com vídeo, somente dois usuários são possuidores do acesso ao material, não mais. Neste caso, é preciso que o usuário ‘A’ ou o usuário ‘B’ capturem as informações e repassem para o usuário ‘C’” (f. 313-TJ). Avançando no tema, partindo da conclusão de que o réu foi o responsável pela captura das imagens, a prova testemunhal foi conclusiva no sentido de que foi ele quem deu publicidade ao material, sem o consentimento da autora. Corroborando tal conclusão, têm-se os testemunhos de Guilherme Melo Marega e Lucas Justiniano Ribeiro Locci, cujo teor não se transcreve, pela natureza infeliz da declaração proferida pelo réu, mas que permite afirmar que declarou que divulgaria o material, com o objetivo de atingir a honra da autora. De forma semelhante, Edilec Rafaelle Silva afirmou às f. 380-TJ ter recebido o material diretamente do réu. Confirmadas as duas condutas (captura e divulgação da imagem), não se discute acerca de sua ilicitude, eis que atingem diretamente a intimidade da autora (art. 5º, X, CR/88), destacando-se que a simples circunstância de ter a autora participado da produção do material não isenta o réu de responsabilidade. Afinal, a comunicação entre dois, na época, namorados, pressupõe nível de confiança e respeito que é objeto de proteção jurídica, por integrarem a noção de eticidade consagrada pelo Código Civil sob o instituto da boa-fé. Sobre a participação da autora na produção do material, cabe digressão que tomo a ATALÁ CORREIA (Causa Final Concreta no Direito Civil Brasileiro, in Responsabilidade Civil e Inadimplemento no Direito Brasileiro, coord. Fátima Nancy Andrighi, Atlas, São Paulo, 2014, p. 94): Na linha preconizada pela doutrina, o art. 140, do Código Civil de 2002, indica que o motivo, eventualmente, pode ser elevado à condição de razão determinante do negócio jurídico e, para tanto, há de se pressupor que ele deixou o mero campo psicológico e passou a ser declarado como manifestação de vontade vinculante. Ao se expressar o motivo determinante, ele deixa de ser meramente subjetivo e passa a ser de conhecimento da contraparte. Dessa forma, ele não pode ser ignorado em nome do princípio da confiança. Fl. 6/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Assim, ao produzir e divulgar o material, agiu o réu em desrespeito aos limites impostos pelo ordenamento para a comunicação, notadamente o representado pelo respeito à inviolabilidade da intimidade – que, repita-se, não foi violada por ato da autora, eis que a transmissão das imagens se deu, pensava ela, em um contexto de confiança. Pretender-se isentar o réu de responsabilidade pelo ato da autora significaria, neste contexto, punir a vítima. O dolo do réu (autor do dano), na espécie é, conforme a prova testemunhal, o imediato antecedente da divulgação das imagens, excluída qualquer influência por parte da vítima. Convém nova alusão ao Esboço (ob. cit., p. 169): Se a intenção é boa, o ato objetivamente lícito produz seus efeitos, e não pode haver imputação de mal. Cabe verificar-se a possível tese de concorrência de culpa da vítima. É importante salientar que, aqui, se discute a relação jurídica estabelecida entre as partes. Seria curioso admitir-se culpa da ofendida perante o autor do dano – circunstância que se modificaria se a demanda de responsabilidade civil fosse dirigida contra terceiro. Sobre o aspecto, devo assinalar que a tendência era, sob o Cód. Civil de 1916, que não continha regra a respeito, ratear, sem mais, a responsabilidade, havendo a comum tendência para a divisão ao meio. O Código Civil de Reale alterou substancialmente a disciplina da matéria. O Art. 945, Cód. Civil vigente suscita o confronto de gravidade de culpas, o que, in casu, leva a necessária consideração da causalidade adequada, já que a causa eficiente é – toda – do réu, que tinha a integral (e não compartilhada) disponibilidade fática sobre a imagem de intimidade ainda preservada. Lembre-se que o direito civil brasileiro sob o Código Civil de 1916 não admitia a gradação de culpas, com o que as categorias de culpa grave, leve e levíssima eram irrelevantes para a fixação do quantum da reparação – mesmo porque haviam sido sepultadas as iniciativas, neste sentido, corporificadas, destacadamente, no Esboço, de TEIXEIRA DE FREITAS. No Esboço, tem-se a falta, desumprimento da obrigação (art. 844, 1º), a qual supõe a culpa, grave ou leve (art. 845). E, no que tange à graduação das faltas, a regra do art. 881 – que traduziria o critério hoje aplicável, ex vi do Art. 945, Cód. Civil de 2002, da gradação da culpa em termos comparativos. Fl. 7/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Como adverte, na atualidade, RUI STOCO (Tratado de Responsabilidade Civil, 7ª. ed, RT, São Paulo, 2007, p. 144-5), referindose ao pensamento que se formou sob o Cód. Bevilácqua: Agora, contudo, seu pensamento está superado, pois nosso ordenamento jurídico já admite a gradação da culpa para esse efeito. E prossegue, depois de lembrar a interpretação pioneira de AGUIAR DIAS, que assumia o que se convencionou chamar de ‘culpa decisiva’ e que se traduz na teoria norte-americana da causa próxima, ‘the last clear chance’ (ob. e loc. cit.): Poderá haver hipóteses em que não se aplica o princípio da concorrência de culpas, mesmo quando a vítima tenha agido com culpa. Ao que parece também nossa legislação civil codificada em vigor adotou a ‘teoria da ‘culpa decisiva’ ou da ’preponderância da culpa eficiente’, na medida em que reparte o prejuízo entre o ofensor e o ofendido proporcionalmente, segundo a participação culposa de cada um. A nós parece que ANTÔNIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO, em excelente artigo de doutrina, empresta adesão a esse entendimento ao afirmar que ‘o art. 945 do CC, que não encontra correspondente no Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada (Teoria da causalidade adequada, Tribuna da magistratura – Caderno Especial (teses apresentadas nas Jornadas de Direito Civil), n. 124, p. 1, nov.-dez/2002). (...) A exegese que se extrai, pois, do art. 945 é a de que a gradação da culpa, em termos comparativos, pode chegar ao extremo de excluir a concorrência de culpas, se a culpa de um dos envolvidos for de tal forma grave que, por si só, possa implicar a ocorrência do evento danoso’ (idem, p. 2-3). Para nós, a questão se resume em verificar a causa eficiente do fato danoso e se resolve apenas e tão-somente no plano da causalidade material, de modo que, ainda que a vítima tenha agido com culpa, dever-se-á verificar se sua atuação interferiu no resultado e quanto contribuiu para a sua ocorrência. Inexistindo esse liame, a causa eficiente do resultado danoso terá sido outra e outro o responsável único pela reparação. Tanto quanto ocorreu com a disciplina da empresa, o legislador de 2002 rememora (confessadamente, em sua Exposição de Fl. 8/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Motivos, como visto) o “Esboço” de TEIXEIRA DE FREITAS, na ponderação de gravidade de culpas. Merece adequada transcrição, neste sentido, o sistema de gradação das faltas, preconizado por aquele jurista: Art. 881 – As faltas do devedor, não havendo na lei (...) ou nos atos jurídicos disposição em contrário, serão graduadas do seguinte modo: 1º Se a obrigação for de proveito recíproco para o devedor e o credor ou só de proveito para o devedor, responderá este por toda a culpa (...). §2º Se a obrigação for de proveito só para o credor, responderá unicamente o devedor pela culpa grave (...). Ora, considere-se. A obrigação (de não divulgar as fotos) era do réu (autor do dano), seu também o total proveito do direito correspondente. Não houve culpa (civil) da Autora. Nem a ousou argüir o Réu, em sua contestação. Eis, portanto, inteiramente absorvida na culpa (aliás, dolo) do réu, a causalidade. Aliás, os Enunciados 47 (da 1 Jornada de Direito Civil) e 459 (da V Jornada de Direito Civil) o confirmam: o primeiro a incluir na interpretação a teoria, já aqui assinalada, da CAUSALIDADE ADEQUADA; o segundo, ao só admitir a mitigação do nexo de causalidade pela conduta da vítima, nos casos de responsabilidade objetiva. Desta forma, patente o dano indenizável. Cumpre, então, verificar-se se o valor arbitrado é compatível com o dano experimentado pela apelada. A lei não indica os elementos que possam servir de parâmetro para se estabelecer o valor da indenização, apenas dispõe que deve ser pautada com base na extensão do dano (art. 944 do CC), sendo do prudente arbítrio do julgador tal ponderação. Já a doutrina vem tentando estabelecer critérios que deverão ser observados pelo julgador no momento de fixar a indenização. RIZZATTO NUNES apresenta alguns desses critérios quando se trata de dano moral ao consumidor, contudo eles podem ser utilizados também fora do âmbito consumerista, uma vez que ali estão enumerados os aspectos relevantes para se avaliar a extensão do dano a que se refere à lei: “(...) inspirado em parte da doutrina e em parte da jurisprudência, mas principalmente levando-se em conta Fl. 9/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 os princípios constitucionais que garantem a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, do respeito à vida e da garantia à incolumidade física e psíquica, com o asseguramento de uma sadia qualidade de vida e do principio da isonomia, e, ainda, a garantia da intimidade, vida privada, imagem e honra, é possível fixarem-se alguns parâmetros para a determinação da indenização por danos morais, quais sejam: a) a natureza específica da ofensa sofrida; b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do consumidor ofendido; c) a repercussão da ofensa no meio social em que vive o consumidor ofendido; d) a existência de dolo – má-fé – por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de sua culpa; e) a situação econômica do ofensor; f) a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso; g) a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta; h) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido; i) necessidade de punição”. (Curso de Direito do Consumidor, p. 310, 2006). Não consigo divisar a violação, argüida pelo Apelante, ao Art. 884, do Cód. Civil, em que haveria enriquecimento decorrente da indenização, só pelo fato de ser vultosa. Por outro lado, a proporcionalidade, em relação da indenização, invocada na Apelação a teor do disposto no Art. 5º, V, da Constituição da República, não é aplicável ao Réu apelante, autor, ele, único, de agravo. Como se pode imaginar, a divulgação de material erótico, produzido sob o signo de uma relação de confiança, aliada à frustração desta expectativa legítima, dá ensejo não só à grande tristeza que acompanha o sentimento de traição, mas também a intensa humilhação, eis que ainda é prática corrente julgar o caráter de mulheres apenas por sua conduta sexual. Embora não esteja provada com exatidão a extensão de certas circunstâncias do dano – como, por exemplo, os fatos relacionados com a disseminação das imagens nos computadores da instituição de ensino freqüentada pela autora – a simples violação da confiança, relacionada com a natureza íntima do material, já configura grave abalo moral. Neste contexto, a função punitiva da indenização por danos morais assume maior preponderância que a consideração da situação econômica do ofensor, ainda que não opulenta e sequer já constituída. Fl. 10/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais), à consideração da idade e vida profissional em início, do Réu, ora Apelante, analista de sistemas, bem como, reversamente, da circunstância de não litigar pela justiça gratuita. Em um único aspecto tem razão o Apelante. A indenização, ponderados o dolo do Apelante e a intensidade do dano produzido, de um lado, e, de outro, sua situação econômica, porventura incipiente (ou não provado o contrário) merece ser reduzida para R$75.000,00 (setenta e cinco mil reais), mantida no mais a correta sentença primeva. Com tais razões, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso. Custas ex lege. DES. FRANCISCO BATISTA DE ABREU (REVISOR) Pedimos vista na sessão passada para melhor avaliar o nosso voto após sustentações feitas pelas partes na Tribuna especialmente quanto a aspectos de fatos do processo elas bem explorados. Reexaminei os autos do princípio ao fim e quase nada tenho a mudar o que já continha o nosso voto. É uma apelação em face de uma sentença de procedência do pedido inicial proferida em uma ação de indenização por danos morais que Rubyene Oliveira Lemos Borges propôs em face de Fernando Ruas Machado Filho que condenou o réu a indenizar à autora em R$100.000,00. A autora, Rubyene Oliveira Lemos Borges, afirma que namorou o réu por um ano e que com evolução do namoro passou a ter um relacionamento mais íntimo e que, em 2007 em uma das últimas vezes que conversaram pela internet, resolveram trocar intimidades utilizando uma câmara de vídeo e por força dessa intimidade e confiança que mantinha com o réu fez poses sensuais que foram salvas pelo réu e que, segundo amigas, foram enviadas essas imagens à várias pessoas, inclusiva para o exterior: Suíça. As fotos foram colocadas na área de trabalho dos computadores da sala de informática da Faculdade de Associadas de Uberaba – FAZU. Este fato lhe causara danos morais. O réu contestou o pedido (fls. 125/147) e bem ratificado na Tribuna, alegou falta de provas da autoria e o ônus seria da autora; impugna as provas apresentadas e a inexistência de dano moral. Fl. 11/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 A autora pede uma indenização por danos morais por ter o réu divulgado e dado publicidade às fotos em poses “sensuais”. A petição inicial tem lá suas incoerências. Os fatos aconteceram em maio de 2007. Um ano depois, em maio de 2.008, a Autora procura o Ministério Público e em depoimento lá prestado, afirma que namorou o Fernando por cerca de um ano, sendo que, após o rompimento continuaram mantendo contatos inclusive por MSN e quando já não estavam namorando, devido à intimidade que tiveram anteriormente acabaram se despindo em poses sensuais (fls. 93). A ação foi proposta em 07 de janeiro de 2009. Quase dois anos depois dos fatos. Um ano e nove meses. A ação é por ofensa à moral da autora. Suas fotos que não são sensuais mas pornográficas foram divulgadas à pessoas da família e na faculdade pelo réu. O que se viu do emaranhado processo foi que realmente houve a divulgação das fotos, mas não tão da forma como posto na inicial. As fotos estão no processo trazidas pela autora. Extraídas não se sabe de onde e como. Como alegado na inicial, não existem referencias documentais de que estiveram na sala da informática na FAZU. O laudo pericial agora analisado, foi elaborado, como ele se refere nas fls. 295, através da análise dos materiais que lhe foram oferecidos pelas partes. Não examinou os computadores das partes e nem da FAZU. Tópicos desse laudo nos chama a atenção. Um deles, quando se refere ao IP Internet Protocol (fls. 317). O IP segundo se viu, é o responsável pelo transporte de datagramas entre a máquina de origem e a máquina de destino. E logo em seguida ratifica a perícia que a criação do perfil Rubyene Safada somente identificando ao IP responsável o que confessadamente não foi feito. E, por fim, nas fls. 322 há sim uma afirmação do perito de que dá análise técnica chega-se à afirmação de que a produção das imagens foram do réu. Mas, entretanto, logo em seguida o perito desdiz e que não se pode afirmar isso com precisão porque não restou claro nos autos que foi o réu quem divulgou. A autoria da divulgação não está definitivamente clara. Tanto assim o é que o laudo critica ambos, autora e réu, quanto a guarda do material. E aceita o laudo a probabilidade de invasão por terceiros dos equipamentos de ambos. Vale citar uma conclusão do perito (fls. 322 ao final): Fl. 12/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Diante desse cenário, há de concluir que, tecnicamente, se não houve a ação de divulgação pelo requerido, houve uma falta de preocupação em relação à segurança de informação nos equipamentos de ambas as partes. O material foi acondicionado em diversos pontos da internet e isso não aconteceria se houvesse uma preocupação técnica e comportamental em reação às possibilidades que as conversas eletrônicas proporcionam de exposição sem consentimentos. Ademais, não há que se falar em desconhecimento técnico por parte dos envolvidos pois existe informação disponível em larga escala sobre acontecimentos e fatos cujas características se assemelham à situação aqui contextualizada. A mídia nacional e internacional sempre apresentam diversos casos que envolvem pessoas de destaque. Assim, é cediço o conhecimento mínimo necessário, via mídia ou instituições de ensino, atinente à segurança da informação para proteção de equipamentos que utilizam a internet. Então, o que se pode efetivamente presumir e concluir é que houve risco técnico assumido por ambas as partes. Duvidas existem e fortes quanto a autoria de divulgação. Mas, no entanto, de qualquer forma as fotos foram divulgadas. A prova testemunhal, por sua natureza, é apreciada com ressalvas porque não são seguras. A testemunha de fls. 380 retificou seu depoimento. Mas a testemunha seguinte, de fls. 381, é mais contundente. Esclarece que a divulgação das fotos na internet, embora não aponta que as colocou. Já a testemunha de fls. 382, vejam bem: recebeu as fotos da própria autora. Isso que dizer que a autora colaborou com a divulgação. Por fim a testemunha de fls. 390 não é relevante. A vítima dessa divulgação foi a autora embora tenha concorrido de forma bem acentuada e preponderante. Ligou sua webcam, direcionou-a para suas partes íntimas. Fez poses. Dialogou com o réu por algum tempo. Tinha consciência do que fazia e do risco que corria. “N DPS MHA MAE ENTRA AKI… é um dos trechos do diálogo entre eles. Dúvidas existem quanto a moral a ser protegida. Moral é postura absoluta. É regra de postura de conduta Não se admite sua relativização. Quem tem moral a tem por inteiro. As fotos em momento algum foram sensuais. As fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais são exibíveis, não agridem e não assustam. Fotos sensuais são aquelas que provocam a imaginação de como são as Fl. 13/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 formas femininas. Em avaliação menos amarga, mais branda podem ser eróticas. São poses que não se tiram fotos. São poses voláteis para consideradas imediata evaporação. São poses para um quarto fechado, no escuro, ainda que para um namorado, mas verdadeiro. Não para um exnamorado por um curto período de um ano. Não para ex-namorado de um namoro de ano. Não foram fotos tiradas em momento intimo de um casal ainda que namorados. E não vale afirmar quebra de confiança. O namoro foi curto e a distância. Passageiro. Nada sério. A autora ao se exibir daquela forma sabia de possibilidade da divulgação porque estava ela em Uberaba e ele em Uberlândia. Não estavam juntos. As fotos viajaram de forma vulnerável na internet em cabos opticos. E foi a autora quem ligou sua webcam que é postada em lugar estratégico no monitor do seu computador para o melhor ângulo fotográfico. Quem ousa posar daquela forma e naquelas circunstâncias tem um conceito moral diferenciado, liberal. Dela não cuida. Irrelevantes para avaliação moral as ofertas modernas, virtuais, de exibição do corpo nu. A exposição do nu em frente a uma webcam é o mesmo que estar em público. Mas, de qualquer forma, e apesar de tudo isso, essas fotos talvez não fossem para divulgação. A imagem da autora na sua forma grosseira demonstra não ter ela amor-próprio e autoestima. Sexo é fisiológico, é do ser humano e do animal. É prazeiro. Mas ainda assim temos lugar para exercitá-lo. A postura da autora, entretanto, fragiliza o conceito genérico de moral, o que pôde ter sido, nesse sentido, avaliado pelo réu. Concorreu ela de forma positiva e preponderante. O pudor é relevante e esteve longe. E sabia disso, pois repriso: “N DPS MHA MAE ENTRA AKI… De qualquer forma, entretanto, por força de culpa recíproca, ou porque a autora tenha facilitado conscientemente sua divulgação e assumido esse risco a indenização é de ser bem reduzida. Avaliado tudo que está nos autos, as linhas e entrelinhas; avaliando a dúvida sobre a autoria; avaliando a participação da autora no evento, avaliando o conceito que a autora tem sobre o seu procedimento, creio proporcional o valor de R$5.000,00. Daí a razão pela qual estou dando parcial provimento à apelação para reduzir o valor da indenização fixando-a em R$5.000,00. Custas recursais ao meio. DES. OTÁVIO DE ABREU PORTES Fl. 14/15 Apelação Cível Nº 1.0701.09.250262-7/001 Voto de acordo com o Revisor. SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO REVISOR, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR." Fl. 15/15