O efeito da nutrição no teor de sólidos do leite
O leite é um alimento complexo constituído por água, carboidratos (principalmente a
lactose), gorduras, proteínas (principalmente a caseína), minerais e vitaminas. Existem vários
fatores que afetam a composição do leite, tais como: espécie, raça, indivíduo, idade, estágio
de lactação, alimentação, estações do ano, estado de saúde da vaca, dentre inúmeros outros.
A Legislação vigente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
determina valores mínimos dos componentes do leite. Segundo a IN 51 de 2002, para ser
considerado um produto integral, o leite deve apresentar o mínimo de 3% de gordura, 4,3% de
lactose, 11,5% de extrato seco total, 8,5% de extrato seco desengordurado e 2,9 g / 100 ml de
proteínas.
Apesar de haver um padrão mínimo de qualidade estabelecido pela legislação, as
indústrias desejam mais, já que quanto maior o teor de sólidos no leite, maior será o
rendimento na fabricação de produtos lácteos. Os sólidos do leite geralmente compõem 12 a
13 % do volume do leite. (ROMA et al., 2012)
A remuneração por qualidade do leite aos poucos está se transformado em uma
realidade no Brasil, sendo que a maioria das empresas que já praticam esse tipo de incentivo
costuma classificar o leite conforme os teores de gordura e proteína, além da contagem de
células somáticas e bactérias. De acordo com a qualidade do produto, o produtor pode
receber uma bonificação ou uma multa, incentivando cada vez mais a busca por tecnologias
que influenciem nesses parâmetros, garantindo lucro do empreendimento (ROMA et al.,
2012).
A manipulação da dieta, com intuito de alterar a produção e a composição do leite,
vem-se tornando muito comum dentro da atividade leiteira, sendo que a produção de leite e o
teor de gordura são os mais influenciados pela dieta. A gordura é o composto do leite que
apresenta maior variação, principalmente em decorrência de sua síntese. (SIMILI et al., 2007)
Nutricionalmente, gordura e proteína do leite são antagônicas, portanto, dietas que
maximizam a síntese de proteína microbiana também induzem acúmulo rumenal de ácidos
graxos capazes de inibir a síntese de gordura pela glândula mamária. (PEREIRA, 2004)
Os principais fatores da dieta que influenciam a produção de gordura são: relação
volumoso:concentrado (consumo de FDN superior a 60%); maior número de refeições; e
concentração e perfil dos ácidos graxos da dieta. (SIMILI et al., 2007)
Dentre os fatores que afetam positivamente o teor de proteína láctea, são citados:
baixa produção de leite; estágio avançado da lactação; teor de gordura do leite (<2,5%),
disponibilidade adequada de lisina e proteína; alto teor de carboidratos não estruturais;
inclusão de niacina e ionóforos na dieta; e fornecimento de forragem de alta qualidade. Já os
fatores que conhecidamente diminuem os níveis de proteína do leite são: baixo consumo de
matéria seca; teor de proteína degradável abaixo de 60% da Proteína bruta; PB com teor de
proteína solúvel abaixo de 30%; MS com menos de 30% de carboidratos não estruturais;
fornecimento de gordura adicional; excesso de fibra na dieta; e estresse térmico. (RODRIGUES,
2014).
Os carboidratos influenciam na síntese de todos os principais sólidos lácteos. A
quantidade e o tipo de carboidrato ingerido afeta a relação entre os produtos gerados pela
fermentação rumenal, alterando também a composição do leite produzido. O baixo consumo
de fibras pode ocasionar diversas enfermidades, tais como acidoses, erosão no epitélio
ruminal, abcessos hepáticos, laminites e alterações no padrão de fermentação ruminal. A
porcentagem de gordura do leite é um dos indicadores mais utilizados para avaliação da desse
consumo, já que reduz quando o mesmo é insuficiente. (NUSSIO et al., 2006).
A substituição de carboidratos fibrosos por grãos ou açúcares na dieta, afeta a digestão
das forragens e diminui o teor gordura no leite, pois há alteração na proporção dos ácidos
graxos, aumentando a produção de propionato e reduzindo o pH rumenal. Sendo que com pH
rumenal menor 6,0 a degradação da fibra é prejudicada, devido ao impacto do pH no
crescimento dos microorganismos que degradam a fibra dietética, resultando em menor teor
de gordura no leite (FONTANELI, 2001).
O fornecimento de fibra efetiva, conceito associado ao tamanho da partícula, também
é um fator importante que pode influenciar na manipulação do teor de gordura do leite.
Forragem finamente picada tende a diminuir o estímulo à salivação, ocasionando uma acidez
rumenal, que irá reduzir a porcentagem de acetato disponível, e também os teores de gordura
no leite. (RODRIGUES, 2014)
Certas estratégias como a utilização de dietas com teores elevados de carboidratos
fermentáveis no rúmen ou o uso de forragens de boa qualidade podem influenciar
positivamente no teor de proteína do leite. Isso porque a disponibilidade de carboidratos de
degradação rápida no rúmen determina a síntese de proteína microbiana, o aporte de proteína
metabolizável para o animal e, consequentemente, a excreção de proteína no leite.
(RODRIGUES, 2014)
Quanto à proteína na dieta, sua deficiência pode ocasionar alteração no teor de
gordura do leite. A ureia tem sido utilizada como forma de suplementação proteica, com a
vantagem de menor custo. Diversos estudos demonstraram que não há alteração na
composição do leite com a utilização desse recurso, sendo uma ferramenta viável e
economicamente vantajosa. O teor de proteína do leite depende do perfil de aminoácidos
disponíveis absorvidos pelo intestino delgado. A lisina e a metionina são aminoácidos
considerados limitantes para a produção de leite. Portanto, a deficiência de aminoácidos
necessários para a síntese de proteínas lácteas irá diminuir o teor das mesmas no leite. A
suplementação de aminoácidos essenciais pode levar a um aumento no teor de proteínas
lácteas. (RODRIGUES, 2014)
A adição de gordura na dieta pode ocasionar uma depressão nos níveis de proteína,
mas em compensação essa suplementação geralmente resulta em um aumento nos níveis de
gordura e na produção de leite. A gordura protegida é inativa no rúmen, resultando em um
menor efeito deletério na composição do leite. A inclusão de gordura na dieta aumenta a
ingestão de energia, mas diminui a porcentagem de proteína no leite de 0,1 a 0,3%. Como os
microrganismos ruminais não utilizam gordura para o seu desenvolvimento, ocorre uma
depressão na síntese microbiana e consequentemente, no fornecimento de aminoácidos para
a composição da proteína do leite. (FONTANELI, 2001).
Diversas estratégias podem ser adotadas com o intuito de manipular os componentes
do leite, mas para uma mudança bem sucedida, primeiramente deve-se levar em conta o
objetivo do produtor em relação ao tipo de remuneração paga pelo leite. A partir daí, o foco
pode ser voltado para a produção ou para a porcentagem, maximizando os lucros com o
manejo nutricional mais adequado.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n°
51, de 20 de setembro de 2002. Aprova os Regulamentos Técnicos de produção,
identidade e qualidade do leite tipo... Diário Oficial da União, Brasília, 18 de Setembro
de 2002. Seção 1.
FONTANELI, R.S. (2001) Fatores que afetam a composição química e as características
físico-químicas
do
leite.
Disponível
em:
<http://people.ufpr.br/~freitasjaf/artigos/composicaoleite.pdf>.
Acesso
em:
03/10/2014
GONZALES, F.H.D.; DURR, J.W.; FONTANELI, R.S. Uso do leite para monitorar a nutrição
e o metabolismo de vacas leiteiras. Porto Alegre, v.72, 2001.
NUSSIO, L.G., CAMPOS, F.P., LIMA, M.L. Metabolismo de carboidratos estruturais. In:
BERCHIELLI, T.T; PIRES, A.V.; OLIVEIRA, G.S. Nutrição de ruminantes, FUNEP:
Jaboticabal, 583p., 2006.
PEREIRA, M. N. (2004) O papel da nutrição na manipulação do teor de sólidos no
leite. Disponível em: <http://www.milkpoint.com.br/radar-tecnico/nutricao/o-papelda-nutricao-na-manipulacao-do-teor-de-solidos-no-leite-20575n.aspx> Acesso em:
03/10/2014
SIMILI, F. F.; LIMA, M. L. P. Como os alimentos podem afetar a composição do leite das
vacas.
Pesquisa & Tecnologia, vol. 4, n.1, 2007.
ROMA, L. C.; SALLES, M. S. V. MACHADO, P. F. Leite com mais sólidos rende mais.
ANUALPEC, 2011.
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