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Ciência
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16 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 3 de setembro de 2014
Os benefícios do
suor extra
Estudo de antropólogos americanos em tribo indígena
do Peru sugere que trabalhar mais que o restante do
grupo tem suas vantagens. O esforço pode gerar melhor
reputação, o que garante uma série de ganhos indiretos
Universidade de Washington/Divulgação
Eric Danino/Reuters - 10/4/11
» VILHENA SOARES
a vida em comunidade, é muito difícil que o
trabalho seja dividido
de tal forma que todos
tenham de realizar o mesmo esforço sempre. Invariavelmente,
uns trabalham mais que outros,
e, nem sempre, aqueles com
uma carga maior tomam alguma atitude para mudar essa situação. Por que os “explorados”
agem assim? Um estudo conduzido por antropólogos dos Estados Unidos sugere que essa situação fornece melhor reputação para esses indivíduos, que
acabam tendo uma série de benefícios indiretos. Ou seja, suportar uma carga maior pode
ser vantajoso.
Para chegar a essa conclusão,
publicada recentemente na revista Pnas, os pesquisadores analisaram um grupo de 24 famílias
da etnia Quechua, grupo indígena que vive no altiplano do Peru.
Essa pequena população foi escolhida por ter uma organização
que facilitaria aos autores observar como ocorria a divisão tanto
das tarefas quanto dos produtos
desse trabalho, compreendendo
assim o sistema colaborativo
existente ali. Ficou claro que os
moradores dependiam muito de
ações em grupo, já que algumas
famílias viviam em lugares com
melhor acesso a água e comida,
enquanto outras precisavam recorrer aos vizinhos. Além disso,
muitas tarefas necessitavam do
engajamento de todos para serem terminadas.
Os especialistas se surpreenderam com o fato de que aqueles
que contribuíam menos acabavamrecebendoomesmomontante de recursos. “Havia esse pequeno grupo de pessoas que se
esforçava muito mais que outras
para manter os recursos de sobrevivência da comunidade. Elas
estavam sempre presentes nas
tarefas e também se empenhavam mais”, conta Henry Lyle, da
Universidade de Washington e
coautor do trabalho com Eric
Smith. Isso levou a dupla a imaginar que poderia haver algum benefício não muito evidente em
trabalhar mais que os outros.
N
Ajudar com as
tarefas que são vitais
para a sobrevivência
dos membros da
comunidade pode ser
sinal de valor. Uma
reputação positiva
pode melhorar o
apoio a partir de
redes sociais”
Mulher quechua carrega criança: trabalho em grupo é essencial para a sobrevivência da comunidade indígena peruana
Henry Lyle, antropólogo da
Universidade de Washington
Os dois antropólogos perceberam, então, que os mais dedicados eram tidos pelo resto da comunidade como “trabalhadores”
e “confiáveis”. A reputação deles
também incluía adjetivos como
“generosos”, influentes” e“respeitáveis”. Essa imagem positiva trazia alguns benefícios, notaram os
autores, como uma rede de suporte social que acabava garantindo, entre outras consequências, melhores condições de saúde para toda a família.
“Uma possível razão é que
aqueles que contribuem mais
recebem benefícios de reputação, enquanto aqueles que se
esforçam menos obtêm custos
de reputação. Ajudar com as tarefas que são vitais para a sobrevivência dos membros da
variáveis e lembrar que, com o
tempo, a história pode mudar. As
relações de poder também. Precisamos desconfiar de alguns
trabalhos para que possamos
sempre entender melhor como
as leis funcionam”, completa.
Lima ainda acredita que o
trabalho possa contribuir para o
aprendizado de conceitos já conhecidos. “Esse tipo de estudo
se insere em uma ampla tradição de pesquisas sociais que, de
tempos em tempos, analisa se
os diversos conceitos-chave das
múltiplas teorias sociais se mantêm ou se modificam. Em termos científicos, possibilita novas confrontações teóricas e novas dúvidas e inquietações diante dos diferentes cenários de interação social”, explica.
comunidade pode ser sinal de
valor. Uma reputação positiva
pode melhorar o apoio a partir
de redes sociais”, analisa Lyle.
Ele acredita que o estudo ajuda
a entender melhor como funcionam as relações humanas
em grupo e a importância das
atitudes perante as redes sociais. “Nossos resultados contribuem para os esforços em curso
para compreender as forças que
moldam a evolução (cultural ou
genética) da cooperação.”
Tema antigo
Para Weber Lima, professor de
sociologia no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), o artigo
mostra como relações sociais
diversas interagem entre si. “O
estudo demonstra uma importante correlação entre o status social e os diferentes tipos de relações em ambientes sociais diversos”, diz. No entanto, o especialista, que não participou da pesquisa, diz que não se deve extrapolar
os resultados como se fossem
uma lei. “Em alguns ambientes
sociais, a reputação, ou pelo menos um tipo específico dela, não
necessariamente implica em melhores relações sociais”, aponta.
O professor conta que a reputação é um tema caro para sociedades humanas desde os primórdios. “O status, ou reputação, influência, prestígio, capital
simbólico ou como quer que o
chamemos, está presente em diferentes níveis nas interações
sociais. Desde os tempos mais
remotos, como mostram registros arqueológicos e historiográficos, percebemos como os
grupos e as sociedades significaram a reputação em suas relações sociais. Devemos ter cuidado, contudo, de não reforçarmos estereótipos sobre a importância da reputação social fora
dos devidos contextos de análise sociológica”, lembra.
Na avaliação de Erivan Raposo, professor de antropologia da
Universidade Católica de Brasília
(UCB), a dupla americana explorou um tema recorrente de uma
forma nova. “Essas pesquisas são
importantes porque nos permitem perceber certas reações de
maneira diferente. Contudo, é
preciso tomar cuidado com as
CRIAÇÃO JAPONESA
Reuters TV
Cientistas do Japão criaram
uma técnica para o diagnóstico do
ebola que chama a atenção pela
rapidez e pela simplicidade. Segundo eles, a partir de uma amostra de sangue ou de outro fluído
corporal, é possível detectar a contaminação pelo vírus em 30 minutos. O resultado do método em uso
atualmente demoradeumaaduas
horas para ficar pronto.
“O novo exige apenas um equipamento que pode ser aquecido
com uma bateria e custa algumas
centenas de dólares (…) É mais
simples que o atual e pode ser
utilizado nos países em que não
estão disponíveis os aparelhos
caros de avaliação”, complementou Jiro Yasuda, pesquisador da
Universidade de Nagasaki e líder
do estudo, em entrevista à agência France-Presse.
O exame revela visualmente
os genes específicos do vírus
ebola. É baseado em técnicas já
existentes que extraem o ácido
ribonucleico (RNA) — moléculas
biológicas ligadas à codificação
de genes — de qualquer vírus
presente em fluídos corporais.
Cria-se, então, uma sequência de
DNA. Colocada em um tubo de
ensaio, ela é misturada a uma
substância que, ao reagir com o
sangue indica, em meia hora, a
presença do patógeno. “O teste
está pronto para ser enviado”,
disse Yasuda, em referência aos
países da África Ocidental que
enfrentam uma epidemia da
doença. Segundo o cientista, porém, eles ainda não foram procurados pelas nações atingidas.
Divulgado no último dia 28, o
balanço mais recente da Organização Mundial da Saúde
(OMS) indica que, desde dezembro, 3.069 casos da doença
foram registrados, sendo 1.552
mortos. A contagem inclui os
episódios de Guiné (430 mortes), Libéria (694), Nigéria (seis)
e Serra Leoa (422).
O presidente dos EUA, Barack
Obama, divulgou ontem um ví-
Após análise genética de
amostras do vírus que
contamina pessoas na
República Democrática do
Congo (RDC), especialistas
concluíram que o patógeno é de
uma linhagem da cepa Zaire,
mais intimamente relacionada
com a do vírus que causou um
surto da doença em 1995 em
Kikwit, em RDC. “Esses
resultados são tranquilizadores,
dado que excluem a
possibilidade de que o vírus se
espalhou do Ocidente para a
África Central”, comemorou a
OMS, em nota. Os testes foram
realizados no Centro
Internacional de Recherches
Médicales do Gabão em
Franceville, um centro
colaborador da Organização
Mundial da Saúde.
deo no qual se dirige aos países
mais afetados, garantindo que
ações conjuntas entre as nações
podem frear as infecções. “Conter essa doença não será fácil,
mas sabemos como fazer isso”,
disse. A OMS também anunciou
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Novo teste detecta o
ebola em 30 minutos
“Resultados
tranquilizadores”
Equipe de saúde cerca paciente infectado que fugiu da quarentena na Líbéria: à procura de comida
que 31 pessoas morreram em
decorrência do ebola na República Democrática do Congo,
mas o vírus que está matando os
congoleses é diferente do que
atinge as outras nações.
“Perdendo a batalha”
A organização Médicos Sem
Fronteiras (MSF) e a ONU divulgaram alertas sobre a situação
do surto. A presidente da MSF,
Joanne Liu, disse que o mundo
está “perdendo a batalha contra
a epidemia”. “Os líderes não conseguiram tomar as medidas adequadas”, lamentou. No último
dia 8, a OMS declarou que a epidemia se trata de uma emergência de saúde pública mundial e
que as nações precisariam ajudar no enfrentamento à doença.
A OMS, por sua vez, ressaltou
que há um risco de escassez de
alimentos devido à redução do
comércio entre os países afetados pela epidemia. “A insegurança alimentar se intensificará
nas próximas semanas e meses”,
estimou Bukar Tijani, representante regional da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
para a África. Ontem, na Libéria,
um paciente infectado fugiu da
quarentena para procurar comida em um mercado. Armado com
um pedaço de pau, o homem
ameaçava as pessoas que tentavam se aproximar dele. Vestindo
roupas de proteção, agentes de
saúde o colocaram à força em
uma caminhonete e o levaram de
volta ao centro de recuperação.
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