Antologia Poética
69
vinicius de moraes
Mas tu, Poesia
Tu desgraçadamente Poesia
Tu que me afogaste em desespero e me salvaste
E me afogaste de novo e de novo me salvaste e me trouxeste
À borda de abismos irreais em que me lançaste
[e que depois eram abismos verdadeiros.1
Vinicius de Moraes
"Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob
signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural."
Essa fala, atribuída ao poeta Carlos Drummond de Andrade2,
explicita características da poética e da vida de Vinicius de Moraes,
como a naturalidade de seus versos para expressar sentimentos e uma
históriadevidaregradapelabuscadaplenitude.Nãoporacaso,opoeta
casou-se nove vezes, tateando no amor a completude que na religião
não alcançou. Vinicius nasceu no Rio de Janeiro, em 1913.
Formou-se em Direito e trabalhou como diplomata, jornalista,
poeta e compositor. Apesar de ter servido como diplomata nos
Estados Unidos, Espanha, Uruguai e França, nunca perdeu o
contato com o universo literário e artístico do Rio de Janeiro.
No final da década de 1950, contribuiu para a criação de um
estilo musical, a “bossa nova”, tendo como parceiros Tom
Jobim, Toquinho, Baden Powell e Carlos Lyra, entre outros.
Sua obra é vasta e envolve a Literatura, o Teatro, o cinema e a
música. Morreu no Rio de Janeiro, no ano de 1980.
Em 1933, ainda jovem e cursando a faculdade de Direito,
publicou seu primeiro livro de poesias, O caminho para a
distância, em que fica evidente sua rigorosa formação católica.
Nessa conturbada época da história brasileira, marcada
pelas figuras dicotômicas de Luis Carlos Prestes e Getúlio
Vargas, Vinicius assumiu posições políticas conservadoras.
No entanto, da mesma forma que renovou suas concepções
políticas unindo-se aos ideais de esquerda, reinventou sua
poética, gradativamente, afastando-se das questões etéreas e
voltando-se para a realidade cotidiana.
1
2
O cerne da obra de Vinicius integra-se à tradição lírico amorosa
da poesia brasileira, variando entre a autoconfissão até à poetização
da experiência erótica. Dessa forma, Vinicius distancia-se de
alguns poetas contemporâneos a ele, como Carlos Drummond
de Andrade e João Cabral de Melo Neto, mais preocupados
com rompimentos. Todavia, com o amadurecimento do poeta,
o sentimentalismo da obra viniciana inova também ao desmistificar
e dessacralizar o lirismo amoroso, inclusive no aspecto linguístico.
Outra característica marcante de seus poemas é a
musicalidade, por isso a predileção por formas intensamente
melódicas, como o soneto e a balada, além do uso de rimas e
métricas como dados essencialmente musicais.
O livro que a Banca do Vestibular escolheu para este ano é
uma seleção de 96 poemas, organizada pelo próprio poeta e por
amigos, dentre eles Manuel Bandeira. A antologia seguiu um caráter
cronológico, no intuito de representar o que Vinicius chamou de
duas fases de sua obra poética, cujas características o autor explicita
na “Advertência”, da qual reproduzimos o trecho abaixo:
"A primeira, transcendental, frequentemente mística, resultante de sua
fase cristã, termina com o poema “Ariana, a mulher”, editado em 1936. (...)
À segunda parte, que abre com o poema “O falso mendigo”, o
primeiro, ao que se lembra o A., escrito em oposição ao transcendentalismo
anterior, pertencem algumas poesias do livro Novos Poemas, também
representado na outra fase, e os demais versos publicados posteriormente
em livros, revistas e jornais. Nela estão nitidamente marcados os
movimentos de aproximação do mundo material, com a difícil mas
consistente repulsa ao idealismo dos primeiros anos."
Vinicius de Moraes. Antologia Poética. Cia das Letras.
Dessa forma, os poemas da primeira fase revelam os
impasses do jovem que busca o sublime. Inicialmente,
reiteram-se referências ao branco (pureza) e a figuras
femininas etéreas. Mas, aos poucos, a paz vai dando lugar a um
eu-lírico angustiado por não conciliar seus desejos e a busca
pela transcendência, até o momento em que se despe em busca
da simplicidade.
Nos primeiros poemas, predominam versos longos, de
feição bíblica, e o tom dramátrico e grandiloquente.
Observe, a seguir, alguns desses aspectos:
A música das almas
"Le mal est dans le monde comme un esclave qui monte l’eau."
Claudel
Versos de “Elegia quase uma ode”, poema que pertence às Cinco Elegias, in Vinicius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. RJ: Nova Aguilar, 2a. ed. 1986.
Segundo biografia sobre Vinicius escrita por José Castello, in Vinicius de Moraes: O poeta da paixão. José Castello. SP: Companhia das Letras, 2a. ed., 1994.
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
Antologia Poética
70
Na manhã infinita as nuvens surgiram como a loucura numa alma
E o vento como o instinto desceu os braços das árvores que
estrangularam
a terra...
Depois veio a claridade, o grande céu, a paz dos campos...
Mas nos caminhos todos choravam com os rostos levados para o alto
Porque a vida tinha misteriosamente passado na tormenta.
Vinicius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. Nova Aguilar.
O campo semântico metafísico (alma, céu, mistério) impera
nesse primeiro momento da poesia viniciana. Aqui, sombra e
luz carregam a tensão entre uma paz interior e os apelos da
vida, metaforizados na tormenta. Leia outro poema:
Alba
Alba, no canteiro dos lírios estão caídas as pétalas de uma
[rosa cor de sangue
Que tristeza esta vida, minha amiga…
Lembras-te quando vínhamos na tarde roxa e eles jaziam puros
E houve um grande amor no nosso coração pela morte distante?
Ontem, Alba, sofri porque vi subitamente a nódoa rubra entre [a carne pálida ferida
Eu vinha passando tão calmo, Alba, tão longe da angústia,
[tão suavizado
Quando a visão daquela flor gloriosa matando a serenidade dos
[lírios entrou em mim
E eu senti correr em meu corpo palpitações desordenadas
[de luxúria.
Eu sofri, minha amiga, porque aquela rosa me trouxe a
[lembrança do teu sexo que eu não via
Sob a lívida pureza da tua pele aveludada e calma
Eu sofri porque de repente senti o vento e vi que estava nu e ardente
E porque era teu corpo dormindo que existia diante de meus olhos.
Como poderias me perdoar, minha amiga, se soubesses que
[me aproximei da flor como um perdido
E a tive desfolhada entre minhas mãos nervosas e senti
[escorrer de mim o sêmen da minha volúpia?
Ela está lá, Alba, sobre o canteiro dos lírios, desfeita e cor de sangue
Que destino nas coisas, minha amiga!
Lembras-te, quando eram só os lírios altos e puros?
Hoje eles continuam misteriosamente vivendo, altos e trêmulos
Masapurezafugiudoslírioscomooúltimosuspirodosmoribundos
Ficaram apenas as pétalas da rosa, vivas e rubras como a
[tua lembrança
Ficou o vento que soprou nas minhas faces e a terra que eu
[segurei nas minhas mãos.
No texto, contrastam-se as imagens dos lírios brancos e
das rosas cor de sangue. Segundo o dicionário dos símbolos,
o lírio é sinônimo de brancura e, por conseguinte, de pureza,
inocência, virgindade3, enquanto as rosas despetaladas remetem
à sexualidade. Esse antagonismo revela uma concepção religiosa
que opõe o universo espiritual e elevado (Lembras-te, quando eram
só os lírios altos e puros?) ao universo corpóreo, terreno, classificado
como baixo: caídas as pétalas de uma rosa cor de sangue.
O eu-lírico desespera-se porque percebe uma transformação:
antes via apenas os lírios, cuja pureza envolve o campo semântico
da morte (eles jaziam puros), mas agora, contaminado com a pulsão
de
vida, vê e sente o desejo em seu próprio corpo:
Quando a visão daquela flor gloriosa matando a serenidade dos
lírios entrou em mim. E eu senti correr em meu corpo palpitações
desordenadas
de luxúria.
3
CPV
Jean Chevalier, Jean. Dicionário dos Símbolos. José Olympio.
ANTOLOGIA POÉTICA
Note ainda que Alba é uma antiga composição poética
trovadoresca em que se cantavam cenas ocorridas ao romper
da aurora. Estão presentes os elementos comuns às cantigas de
amigo, como a confissão, o ambiente da natureza e o desejo.
Portanto, o poeta revisita a tradição literária medieval e compõe
uma cantiga (observe a imagem reiterada da “amiga”) em que
confessa seu dilaceramento entre a pureza e o desejo. No desfecho
do
poema, sugere-se a entrega do eu lírico às sensações:
Masapurezafugiudoslírioscomooúltimosuspirodosmoribundos
Ficaram apenas as pétalas da rosa, vivas e rubras como a
[tua lembrança
Ficou o vento que soprou nas minhas faces e a terra que eu
[segurei nas minhas mãos.
Ao longo da obra de Vinícius, o embate de suas aflições interiores
o leva à metalinguagem, quando o destino do poeta e da poesia se
torna uma preocupação. No poema a seguir, note o abandono da
dicção solene para a livre sucessão de imagens do cotidiano, que
passam a fazer parte do universo poético de Vinícius:
O falso mendigo
Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia.
Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado
E me trazer muito devagarinho.
Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave
Quero fazer uma poesia.
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for o Ministro, só recebo amanhã
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Diz a Amélia para procurar a "Patética" no rádio
Se houver um grande desastre vem logo contar
Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa
Tenho um tédio enorme da vida.
Liga para vovó Neném, pede a ela uma ideia bem inocente
Quero fazer uma grande poesia.
Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde
Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem
Não quero perder nada na vida.
Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar?
Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas?
Tenho um tédio enorme da vida.
Minha mãe estou com vontade de chorar
Estou com taquicardia, me dá um remédio
Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida
Já não me diz mais nada
Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo
Quero morrer imediatamente.
Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas
Não aguento mais ser censor.
Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho
Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho
Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento
Que podia britar pedra alegremente
Ser negociante cantando
Fazer advocacia com o sorriso exato
Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor
Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima
carícia.
Vinicius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. Op. Cit.
Antologia Poética
Observe o movimento de aproximação do mundo material,
por meio de imagens cotidianas e do gradativo abandono da
dicção solene e do campo semântico metafísico. Nesse caminho,
entre 1937 e 1939, Vinicius compôs cinco elegias, que mais tarde
classificou como representantes de sua transição poética do plano
do sublime para o plano do real. Observe o início da primeira:
Elegia quase uma ode
Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem.
O verso que mergulha o fundo de minha alma
É simples e fatal, mas não traz carícia...
Lembra-me de ti, poesia criança, de ti
Que te suspendias para o poema como que para um seio no espaço.
Levavas em cada palavra a ânsia
De todo o sofrimento vivido.
Queria dizer coisas simples, bem simples
Que não ferissem teus ouvidos, minha mãe.
Queria falar em Deus, falar docemente em Deus
Para acalentar tua esperança, minha avó.
Queria tornar-me mendigo, ser miserável
Para participar de tua beleza, meu irmão.
Queria, meus amigos... queria, meus inimigos...
Queria...
queria tão exaltadamente, minha amiga!
Mas tu, Poesia
Tu desgraçadamente Poesia
Tu que me afogaste em desespero e me salvaste
E me afogaste de novo e de novo me salvaste e me trouxeste
À borda de abismos irreais em que me lançaste e que depois
[eram abismos verdadeiros
Onde vivia a infância corrompida de vermes, a loucura prenhe do
[Espírito Santo,
e ideias em lágrimas, e castigos e redenções mumificados
[em sêmen cru
Tu!
Iluminaste, jovem dançarina, a lâmpada mais triste da memória…
Pobre de mim, tornei-me em homem.
De repente, como a árvore pequena
Que à estação das águas bebe a seiva do húmus farto
Estira o caule e dorme para despertar adulta
Assim, poeta, voltaste para sempre.
No entanto, era mais belo o tempo em que sonhavas...
Que sonho é minha vida?
A ti direi que és tu, Maria Aparecida!
A vós, no pudor de falar ante a vossa grandeza
Direi que é esquecer todos os sonhos, meus amigos.
Ao mundo, que ama a lenda dos destinos
Direi que é o meu caminho de poeta.
A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria,
[sofrimento, morte, serenidade
Hei de chamá-lo assim que sou fraco e mutável
E porque é preciso que eu não minta nunca para poder dormir
Ah
Devesse eu jamais atender aos apelos do íntimo...
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
71
Teus braços longos, coruscantes; teus cabelos de oleosa cor; tuas
mãos musicalíssimas; teus pés que levam a dança prisioneira;
teu corpo grave de graça instantânea; o modo com que olhas
o âmago da vida; a tua paz, angústia paciente; o teu desejo
irrevelado; o grande, o infinito inútil poético! tudo isso seria um
sonho a sonhar no teu seio que é tão pequeno...
Ó, quem me dera não sonhar mais nunca
Nada ter de tristezas nem saudades
Ser apenas Moraes sem ser Vinicius!
Vinicius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. op. cit.
Elegia e ode são formas poéticas antigas. A elegia vinculase à ideia de lamento, enquanto a ode, à atmosfera grave.
No primeiro verso desse poema lamento, o eu-lírico revela
uma transformação:
Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem,
que apresenta um processo de humanização empreendido pelo
eu-lírico. A dicção desesperada revela a difícil passagem do jovem
que se considerava notável a apenas homem. Desencantamento
que se reflete nas falas do eu-lírico endereçadas à Poesia, como se
precisasse revelar um novo entendimento sobre o que é poetizar,
agora mais prosaico, em comunhão com as coisas do cotidiano:
Queria dizer coisas simples, bem simples, abandonando,
cada vez mais, o discurso e a visão solene. Por isso despe-se:
Ser apenas Moraes sem ser Vinicius!
Vinicius alcançou a simplicidade à medida que perdeu o
tom grandiloquente e sintetizou a linguagem. Observe:
Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Esse famoso soneto4, composto em versos redondilhos,
pode ser lido como um tratado em que o eu-lírico explicita
sua relação com o mundo.
4
Esse poema participou de um evento interessante: quando o AI-5 foi
imposto no Brasil, acirrando a ditadura militar, Vinicius de Moraes fazia
alguns shows em Portugal. Abatido pela notícia, leu para a plateia seu
poema “Pátria minha”, enquanto Baden Powell dedilhava o Hino Nacional
ao violão. Alguns estudantes salazaristas, amigos da ditadura, tentaram
barrar sua saída do teatro. Quando interrogado, ficou em silêncio e depois
recitou esse poema. Relutantes, mas tomados pela poesia, numa atitude
de reverência, eles tiraram seus casacos, fazendo-lhe uma passarela.
Antologia Poética
72
Na primeira estrofe, a sequência natural do tempo (manhã,
dia, tarde, noite) inverte-se para o eu-lírico: há uma subversão
da lógica da luz solar, pois quando amanhece (inicia-se um novo
ciclo) o eu-lírico escurece (finda o ciclo), segundo interpretação
de Valéria Rangel5. A sequência inicialmente melancólica dos
verbos (escureço, tardo, anoiteço) é rompida pelo verso De noite
ardo, em que podemos conotar a ideia de intensidade, desejo.
Dessa forma, melancolia e pulsão de vida, dia e noite, opõem-se
mas também conjugam-se em sua obra.
Na segunda estrofe, a rigidez dos pontos cardeais é também
dinamizada na relação com o eu-lírico. A morte é uma presença
constante, com quem se deve lutar (A oeste a morte / Contra
quem vivo) e está localizada a oeste (lugar do pôr do sol).
Dessa forma, o objetivo (norte) do eu-lírico deve ser o leste
(O este é meu norte). Há possíveis interpretações para a
imagem do sul, para onde o eu-lírico sente-se atraído, preso:
alguns entendem-no como referência ao Brasil, outros como ao
plano terreno, a humanidade do autor que, no início, buscava
a transcendência.
Na terceira estrofe, há a consciência de que seu ritmo é
diferente dos demais, sua poética distancia-se da tendência de
seus contemporâneos. Em Eu morro ontem / Nasço amanhã, o
uso dos verbos no Presente do Indicativo sugere um processo
habitual de reinventar-se, refazer-se, ideia que pode estar contida
no desfecho do soneto, — Meu tempo é quando, grafada com
travessão, como se fosse uma fala do eu lírico: seu tempo pode
ser todos e nenhum.
Nesse movimento em busca do prosaico, podemos incluir o
famoso poema “Balada do Mangue”, considerado pelo professor
Antonio Candido um dos mais belos da Literatura Brasileira.
Composto em 1940, “Balada do Mangue” descreve uma região
de prostituição do Rio de Janeiro.
Naquela época, as mulheres prostituídas eram geralmente
francesas e polonesas enganadas por aliciadores e obrigadas a
sujeitarem-se à exploração sexual. Elas ficavam expostas nas
janelas e nas portas das casas da região do mangue, atraindo os
clientes.
Observe que a tragédia da prostituição é exposta com
tonalidades que começam aparentemente brandas, nutridas de
imagens florais e vão crescendo de intensidade até terminarem
numa rajada de revolta que sugere a destruição, pelo fogo
justiceiro, da sociedade que reduz a mulher a mercadoria cedida
e preço vil. As flores contaminadas do começo são agora tochas
incendiárias6.
5
6
Valeria Rangel. “O amor entre vão momento e o infinito: os sonetos de
Vinicius de Moraes”. Tese de Mestrado defendida pela Universidade de SP
em 2007.
Antonio Candido. “Cultura: um poema de Vinicius de Moraes”
in Portal da Fundação Perseu Abramo:
www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
Balada do mangue
Pobres flores gonocócicas
Que à noite despetalais
As vossas pétalas tóxicas!
Pobres de vós, pensas, murchas
Orquídeas do despudor
Não sois Loelia tenebrosa
Nem sois Vanda tricolor:
Sois frágeis, desmilinguidas
Dálias cortadas ao pé
Corolas descoloridas
Enclausuradas sem fé.
Ah, jovens putas das tardes
O que vos aconteceu
Para assim envenenardes
O pólen que Deus vos deu?
No entanto crispais sorrisos
Em vossas jaulas acesas
Mostrando o rubro das presas
Falando coisas do amor
E às vezes cantais uivando
Como cadelas à lua
Que em vossa rua sem nome
Rola perdida no céu...
Mas que brilho mau de estrela
Em vossos olhos lilases
Percebo quando, falazes,
Fazeis rapazes entrar!
Sinto então nos vossos sexos
Formarem-se imediatos
Os venenos putrefatos
Com que os envenenar
Ó misericordiosas!
Glabras, glúteas caftinas
Embebidas em jasmim
Jogando cantos felizes
Em perspectivas sem fim
Cantais, maternais hienas
Canções de caftinizar
Gordas polacas serenas
Sempre prestes a chorar.
Como sofreis, que silêncio
Não deve gritar em vós
Esse imenso, atroz silêncio
Dos santos e dos heróis!
E o contraponto de vozes
Com que ampliais o mistério
Como é semelhante às luzes
Votivas de um cemitério
Esculpido de memórias!
Pobres, trágicas mulheres
Multidimensionais
Ponto-morto de choferes
Passadiço de navais!
Louras mulatas francesas
Vestidas de carnaval:
Antologia Poética
Viveis a festa das flores
Pelo convés dessas ruas
Ancoradas no canal?
Para onde irão vossos cantos
Para onde irá vossa nau?
Por que vos deixais imóveis
Alérgicas sensitivas
Nos jardins desse hospital
Etílico e heliotrópico?
Por que não vos trucidais
Ó inimigas? ou bem
Não ateais fogo às vestes
E vos lançais como tochas
Contra esses homens de nada
Nessa terra de ninguém!
Vinicius desprezava a poesia engajada planfetária, que
considerava falsa. Para ele, escrever poemas tinha relação
intrínseca com o estado de sensibilidade e com uma necessidade
íntima. Fiel a essa concepção, abordou temas sociais apenas
quando se sentiu tocado por eles. Nessas condições nasceram
os famosos Rosa de Hiroshima e O operário em construção.
O operário em construção
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento
de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
— Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim
me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me
adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe:
— Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor
teu Deus e só a Ele servirás. (Lucas, cap. V, vs. 5-8.)
Era ELE que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
73
Antologia Poética
74
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não. (...)
Vinícius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. op. cit.
No primeiro verso do poema, o pronome pessoal ELE,
grafado em maiúscula, generaliza a personagem como
representação do grupo social dos trabalhadores, cuja mãode-obra é socialmente desvalorizada. Porém, o narrador adota
uma perspectiva diversa, ao enobrecer o operário, como ocorre
no terceiro verso, quando a comparação com o pássaro sugere
que o próprio operário se ergue em sua lida, ele subia com as
casas, como também na construção Que lhe brotavam da mão,
sugerindo que sua lida tem algo de espontâneo e prazeroso,
imagem retomada pela ideia de liberdade no penúltimo verso
dessa estrofe.
Podemos entender que o trabalho do operário é também uma
expressão, uma materialização de sua subjetividade. Nesse sentido,
retomemos o conceito de praxis: "ação em que o agente e o produto
de sua ação são idênticos, pois o agente se exterioriza na ação
produtora e no produto, ao mesmo tempo que este interioriza
uma capacidade criadora humana, ou a subjetividade"7 . Observe
a terceira estrofe:
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
Contudo, o narrador apoia-se numa perspectiva marxista
sobre o trabalho para desvendar que o produto (a casa que
ele fazia) torna-se também sua escravidão. Leia a seguir uma
explicação da professora Marilena Chauí:
"Para afirmar que a sociedade e o Estado nascem de um contrato
social, a ideologia burguesa precisa afirmar que todos os homens nascem
livres e iguais, embora a Natureza os faça desiguais economicamente.
A ideologia burguesa precisa, portanto, da ideia de trabalhador livre.
Por sua vez, o salário só aparecerá como legítimo se resultar de um
contrato de trabalho entre os iguais e livres.
Segundo Marx, o capitalismo efetivamente produziu o
trabalhador 'livre': está despojado de todos os meios e instrumentos
de produção, de todas as posses e propriedades, restando-lhe apenas
a “liberdade” de vender sua força de trabalho. O trabalhador que
a ideologia designa como trabalhador livre é o trabalhador realmente
expropriado, o assalariado submetido às regras do modo de produção
capitalista, convencido de que o contrato de trabalho torna seu salário
legal, legítimo e justo."
Marilena Chauí. Convite à Filosofia. Ática.
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
A escravidão está conjugada à alienação, pois o operário
desconhecia o alcance e o valor de sua obra. O cerne do poema
é o despertar da personagem, que passa a compreender seu valor
na sociedade, cresce interiormente, quando passa a dar atenção
às diferenças de classe social e a resistir (começou a dizer não),
apesar das tentativas de aliciamento do patrão.
No desfecho, a resistência do trabalhador transforma sua
condição de construído, quando a forma no Particípio sugere
falta de autonomia (foi construído por alguém), em operário
em construção, quando poemos ler que o trabalhador tornou-se
sujeito de sua ação.
O amor e a mulher
Vinicius de Moraes tornou-se muito popular devido aos
belos poemas em que figuram o amor e o universo feminino.
Com relação à tensão resultante da convivência de rigorosas
concepções religiosas com os convites do mundo físico, o poeta
gradativamente afastou-se do trancendente para encontrar no
amor algo de sublime. Com o amadurecimento, o conceito de
amor foi problematizado e elaborado em sua poética.
Num primeiro momento, as mulheres figuravam sob uma
perspectiva conservadora e ambivalente, entre a musa etérea e a
pertubadora, dicotomia que pode ser lida nos poemas “Ariana,
a mulher” e “A volta da mulher morena”.
“Ariana, a mulher”8 é um poema longo em que o eu-lírico
narra uma transformação interior percebida em sua relação com a
Natureza. Observe:
Ariana, a mulher
Tristemente me brotou da alma o branco nome da Amada e eu [murmurei — Ariana!
E sem pensar caminhei trôpego como a visão do Tempo e [murmurava — Ariana!
E tudo em mim buscava Ariana e não havia Ariana em nenhuma parte
Mas se Ariana era a floresta, por que não havia de ser Ariana a terra?
Se Ariana era a morte, por que não havia de ser Ariana a vida?
Por que — se tudo era Ariana e só Ariana havia e nada fora de Ariana?
Baixei à terra de joelhos e a boca colada ao seu seio disse muito docemente
— Sou eu, Ariana...
Mas eis que um grande pássaro azul desce e canta aos meus ouvidos
— Eu sou Ariana!
E em todo o céu ficou vibrando como um hino o muito amado [nome de Ariana.
Desesperado me ergui e bradei:
— Quem és que te devo procurar em toda a parte e estás em cada uma?
Espírito, carne, vida, sofrimento, serenidade, morte, por que [não serias uma?
Por que me persegues e me foges e por que me cegas se me dás [uma luz e restas longe?
A mulher amada surge na figura de Ariana para redimi-lo
de sua impossibilidade de comunhão com a Natureza e numa
concepção de amor presa ao universo religioso do catolicismo
o eu-lírico percebe que Ariana está em tudo.
Antologia Poética
Por isso, passa a amar todas as manifestações da Natureza
e a encontrar nelas algo de divino. Os elementos remanescentes
da busca do poeta pela transcendência transformam-se na busca
pelo amor ideal, transferindo para a mulher amada a ideia de
salvação.
Opondo-se a essa mulher divinizada, existe uma figura
perturbadora:
A volta da mulher morena
Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e úmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Traze-me para o contato casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda
meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena!
O exercício lúdico de desejar a morte da mulher morena pode
ser interpretado como uma forma desesperada de negar a atração
física perturbadora que a figura feminina lhe causa.
Os olhos, os lábios, os peitos, os braços, o ventre, o dorso e as
pernas são fascinantes, mas perigosos dentro de uma concepção
religiosa conservadora.
À medida que a poesia de Vinicius afasta-se do plano
metafísico, a mulher torna-se mais próxima da realidade.
Passam a figurar cenas cotidianas, como na “Balada das
arquivistas” ou na “Valsa à mulher do povo”, caminhando-se
também para a concretização do desejo sem culpa, como no
poema seguinte:
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
75
A ausente
Amiga, infinitamente amiga
Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham à ideia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
Se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, última doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem, amiga
Minha nudez é absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito é tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera é minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...
Na poesia de Vinicius de Moraes, a busca por uma
experiência amorosa plena o leva a elaborar um modo particular
de viver o amor, colocando em xeque a percepção clássica sobre
esse sentimento idealizado como eterno.
Como já observamos em relação à figura feminina, o
conceito de amor também se modifica ao longo de sua obra, o
que se pode notar na leitura de seus sonetos mais famosos.
É importante lembrar também que Vinicius reabilitou o
soneto, forma fixa clássica que inicialmente fora abandonada
pelos autores modernistas. Observe:
Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes. Poesia Completa e Prosa. op. cit.
O texto surpreende pela ênfase que Vinicius coloca sobre
a ideia de inesperado da separação amorosa, de modo que a
locução adverbial de repente é empregada seis vezes no poema,
sendo seu início e desfecho.
Antologia Poética
76
A perturbação do distanciamento expressa-se também por
meio do jogo intenso de antíteses que percorre todo o poema.
Em sua obra, Vinicius inicialmente cantou um amor
idealizado para o qual a ruptura não estava prevista, o que
pode explicar a aura de espanto contida no soneto, mas também
revelar o processo de concretização do conceito de amor em
sua poética. Apesar da surpresa de encontrar um amor finito,
sua busca prosseguiu:
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
A estrutura rigorosamente clássica desse soneto contrasta
com a noção moderna de amor construída pelo eu-lírico. É
composto de quatorze versos decassílabos com sequência
de rima tradicional (ABBA / ABBA / CDE / DEC) que
remetem aos poemas de Petrarca e de Camões, cujos sonetos
fecundaram nossa tradição literária sobre como abordar esse
sentimento. Vinicius revisitou a tradição, mas agregou a ela
sua concepção moderna, rompendo com a idealização de
um amor eterno, já que sua experiência ensinou que a vida
também é feita de desencontros.
Soneto do amor total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Podemos imaginar que o conceito de amor elaborado
nesse poema envolve uma síntese do percurso acumulado
pelo poeta, em que o calmo amor prestante (idealizado pelos
poetas clássicos) conjuga-se com a sensualidade.
Distante da fase metafísica, em que o desejo era negado,
o eu-lírico liberta-se: De um amor sem mistério e sem virtude
/ Com um desejo maciço e permanente para que todas as
formas de amar sintetizem-se num amor pleno, total, marcado
pela intensidade: Hei de morrer de amar mais do que pude.
Além da fruição poética, a leitura da Antologia Poética
apresenta-nos um Vinicius que foi capaz de libertar-se dos
paradigmas que sua formação lhe colocou e reinventar-se.
No entanto, os estudiosos de sua obra e seus biógrafos
destacam a intensidade como uma característica permanente
da vida e da obra viniciana.
Desvende outros poemas: leia-os, recite-os e revisite-os.
Atividades
Boa leitura!
Desde o primeiro verso, a conjugação verbal no Futuro do
Presente (serei) combinada com o Modo Subjuntivo (Dele
se encante mais meu pensamento) projeta a ação de amar
no futuro, sugerindo uma espécie de juramento. Observe
o segundo verso da primeira estrofe, cuja composição de
um polissíndeto, Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto,
intensifica a promessa. Diferente do conceito tradicional
de que o amor é um sentimento infinito, no primeiro terceto
insere-se a possibilidade de ruptura, retomada, mais tarde,
na imagem da chama. O poeta encerra sua promessa fazendo
com que a ideia de infinito migre da categoria tempo para a
de modo, pois o amor não dura para sempre, mas é possível
amar de modo infinito, enquanto o sentimento existir.
01. A respeito da poesia de Vinicius de Moraes, assinale a
afirmação incorreta.
CPV
Outro belíssimo soneto trata de uma declaração de amor:
ANTOLOGIA POÉTICA
a) Sob a forma de soneto, privilegiou temáticas líricas,
sobretudo o amor e suas múltiplas manifestações.
b) Num primeiro momento de sua poética, ligada
ao misticismo, o amor e a figura feminina foram
desprezados, não se tornando objetos de seus poemas
nessa fase.
c) Celebrou a sensualidade com versos que apresentam
imagens a respeito do sexo e do corpo.
d) Sua poética resgatou a tradição poética do soneto, o
que não o impediu de simultaneamente compor um
rompimento com a forma tradicional de abordar o
sentimento amoroso.
e) Embora sua poesia privilegie o lirismo amoroso, o
poeta também elaborou poemas de cunho social.
Antologia Poética
02.(Unirio-RJ) A um Passarinho
Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
Deixa-te de histórias
Some-te daqui! 77
03.Nos dois primeiros quartetos do soneto de Vinicius de
Moraes, delineia-se a ideia de que o poeta:
a) Segundo o texto, qual é a condição fundamental para
a criação poética?
b) Vinicius de Moraes foi um poeta que utilizou a
tradição literária que o precedeu, ao mesmo tempo
em que acompanhou as rupturas conquistadas pelos
modernistas. Aponte no poema uma característica que o
liga à tradição e outra que o aproxima da modernidade.
(UFSCar-SP / 2002) Textos para as questões 3 e 4.
Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
a) não acredita no amor como entrega total entre duas
pessoas.
b) acredita que, mesmo amando muito uma pessoa, é
possível apaixonar-se por outra e trocar de amor.
c) entende que somente a morte é capaz de findar com o
amor de duas pessoas.
d) concebe o amor como um sentimento intenso a ser
compartilhado, tanto na alegria quanto na tristeza.
e) vê, na angústia causada pela ideia da morte, o
impedimento para as pessoas se entregarem ao amor.
04. Em Por enquanto, Renato Russo diz que
... o pra sempre / sempre acaba.
No poema de Vinicius de Moraes, essa mesma ideia
aparece no verso:
a) Mas que seja infinito enquanto dure.
b) Quero vivê-lo em cada vão momento.
c) Quem sabe a morte, angústia de quem vive.
d) Quem sabe a solidão, fim de que ama.
e) Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto.
05. Leia o texto abaixo e responda as questões a seguir.
Soneto de separação
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Por enquanto
Vinicius de Moraes
Mudaram as estações
Nada mudou
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu
Tá tudo assim, tão diferente
Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber
Que o pra sempre
Sempre acaba. Renato Russo
CPV
ANTOLOGIA POÉTICA
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Morais
a) Comente o sentido que a repetição do advérbio de
tempo acrescenta ao poema.
b) A ideia de rompimento está realçada no poema pela
utilização exaustiva de uma figura de linguagem.
Apresente-a e comente seu efeito de sentido.
Antologia Poética
78
06. (UEM – 2004 - adaptada) Levando-se em consideração o
Soneto da Separação, de Vinicius de Moraes, classifique
as afirmações a seguir em verdadeiras (V) ou falsas (F).
(
)
(
)
CPV
(
(
(
)
)
)
A Teoria Literária moderna reconhece três gêneros
literários fundamentais: o épico, o lírico e o
dramático. Embora não faça diferença de prestígio
entre eles, não aceita a mistura deles em uma
mesma obra literária. Pode-se subdividir esses
três gêneros em espécies ou formas: a tragédia é
uma das formas épicas; a balada é uma das formas
líricas e o soneto é uma das formas dramáticas.
No texto referido acima, predomina o gênero
dramático, que tem a sua manifestação mais viva
nos aspectos trágicos, procurando representar os
conflitos e os dramas vivenciados pelos homens e
a precariedade do mundo em que estão inseridos.
Nesse caso específico, trata-se de representar o
drama da separação de dois amantes.
No texto referido acima, predomina o gênero lírico,
caracterizado essencialmente por manifestar a
subjetividade do eu-lírico, expressando-lhe os
sentimentos, as emoções, o mundo interior. De modo
geral, a musicalidade é elemento fundamental no
texto lírico. Nesse texto de Vinicius, além das rimas,
a ocorrência considerável de fonemas sibilantes /
sê/ e a semelhança de som de palavras como fez,
espuma, espalmadas, espanto etc. consistem nos
principais recursos empregados pelo artista para
alcançar a referida sonoridade.
A antítese, figura de linguagem predominante no
texto referido, exprime ideias cuja força significativa
reside na oposição dos contrários. É o que acontece
no verso E do momento imóvel fez-se o drama,
em que o conflito vivido pelo eu-lírico atinge seu
ponto culminante. No texto literário, dependendo
do contexto, uma mesma palavra pode ter uma
significação objetiva (denotação) ou sugerir outras
significações, marcadas pela subjetividade do
emissor (conotação). No verso De repente da calma
fez-se o vento, as palavras estão empregadas em
sentido figurado ou conotativo.
O soneto, composto de dois quartetos e dois
tercetos, é uma das formas poemáticas mais
tradicionais e difundidas nas literaturas ocidentais
e expressa, quase sempre, conteúdo lírico. O
soneto costuma conter uma reflexão sobre um
tema ligado à vida humana. No texto referido
acima, Vinicius de Moraes, ao retomar esse
modo tradicional de compor versos, presta
homenagem aos grandes clássicos da Literatura,
reconhecendo, no presente, a herança cultural do
passado.
ANTOLOGIA POÉTICA
07. (ENEM 2001) Oxímoro ou paradoxo é uma construção
textual que agrupa significados que se excluem
mutuamente. Na tirinha a seguir, para Garfield, a frase de
saudação de Jon expressa o maior de todos os oxímoros.
Nas alternativas a seguir, estão transcritos versos retirados
do poema O operário em construção, de Vinícius de Moraes.
Assinale a alternativa em que ocorre um oxímoro.
Era ele que erguia casas / Onde antes só havia chão.
... a casa que ele fazia / Sendo a sua liberdade
Era sua escravidão.
Naquela casa vazia / Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia / De que sequer suspeitava.
... o operário faz a coisa / E a coisa faz o operário.
Ele, um humilde operário / Um operário que sabia
Exercer a profissão.
a)
b)
c)
d)
e)
08. (UFSM-RS / 2007) No poema A hora íntima, Vinicius
de Moraes pergunta
Quem pagará o enterro e as flores / Se eu me morrer de
amores?
Nessa passagem, os versos de Vinicius retomam, num
tom ameno e voltado para a temática da relação amorosa,
a ideia de se eu morresse amanhã, consagrada por:
a)
b)
c)
d)
e)
Álvares de Azevedo – condoreiro romântico.
Castro Alves – lírico romântico.
Fagundes Varela – condoreiro romântico.
Álvares de Azevedo – lírico romântico.
Castro Alves – condoreiro romântico.
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