PROFT em Revista
ISBN 978-85-65097-00-0
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vol. 2, Nº 1 Junho de 2012
AS ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DE
TRADUÇÃO NA LEGENDAGEM: UMA ANÁLISE
DESSE PROCESSO NO FILME: TERMINATOR TWO
(JUDGMENT DAY)
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Bacharel em Secretariado Executivo Bilíngue
Universidade Anhembi Morumbi
RESUMO
A compreensão do processo tradutório ganha novos conceitos com o
surgimento da desconstrução. Esta corrente de pensamento, delineada
por Jacques Derrida, desconstrói as concepções tradicionais de sujeito e
signo, opondo-se à imutabilidade, ao sentido único, pleno (visão logocêntrica). Esse artigo visa analisar o processo tradutório à luz de bases
logocêntricas e do desconstrutivismo, a partir da tradução destinada à
legendagem de trechos de um filme americano, levando em consideração as normas específicas desta modalidade, os parâmetros próprios do
meio utilizado (DVD), bem como a questão da visibilidade e fidelidade
do tradutor.
Palavras-Chave: tradução, processo criativo, literatura moçambicana
ABSTRACT
The understanding of translation process gains new concepts with the
emergence of deconstruction. This contemporary thought, outlined by
Jacques Derrida, deconstructs the traditional conceptions of subject and
sign, opposing to immutability, unique and utter sense, (logocentric
vision). This article aims to analyze the translation process under the
logocentric bases influence and of the deconstructivism, from the translation for subtitling of excerpts from an american movie, considering
the specific rules of this modality, the own parameters of the used
means (DVD), as well as the issue of visibility and fidelity of the translator.
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Contato:
[email protected]
Keywords: Translation. Subtitling. Visibility. Fidelity. Deconstruction
Proft em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos a tradução esteve alicerçada em bases logocêntricas, na qual o ato tradutório era visto como uma simples transferência intacta de significados estáveis de uma língua para
outra e o tradutor considerado secundário por ser apenas um reprodutor de significados.
(VICCINO, 2007).
Recentemente, mudanças ocorreram nos campos de estudos da tradução e tiveram como principal contribuição libertar a atividade tradutória dos ideais tradicionais de literalidade e fidelidade e, consequentemente, aliviar o tradutor da tarefa impossível de resgatar e preservar um suposto sentido original contido no texto.
Desestabilizando os pressupostos tradicionais e em oposição a toda concepção logocêntrica,
surge, então, o desconstrutivismo, promovido pelo francês Jacques Derrida, que por sua vez, valoriza o papel do tradutor, conferindo a ele uma posição autoral, pois passa a ser visto como um
produtor de texto tal como o autor do texto dito “original”.
A proposta do presente trabalho é analisar o processo de legendagem do filme em DVD que
consagrou Arnold Schwarzenegger como herói: Terminator 2 (Judgment Day) traduzido do inglês para o português do Brasil. Para isso, serão considerados na análise, vários trechos das legendas, tendo em vista as concepções do ato tradutório sob essas duas perspectivas distintas: a
visão logocêntrica e a reflexão desconstrutivista.
Refletiremos, também, sobre a reformulação dos conceitos de visibilidade e fidelidade do tradutor, levando em consideração os parâmetros e as técnicas da legendagem, uma das modalidades de tradução audiovisual mais praticada no mundo.
1. O PROCESSO DE TRADUÇÃO AUDIOVISUAL E O PAPEL DO TRADUTOR
Segundo Almeida (2007), tradução é o processo pelo qual se transfere um texto da línguafonte, língua de origem ou língua de partida para a língua-meta, língua- alvo ou língua de chegada, levando em conta não só as línguas envolvidas, mas também a cultura e o contexto onde estão inseridos o autor e o tradutor.
Esta mesma autora também considera a tradução como um sistema complexo de obstáculos
linguísticos e não linguísticos, a exigir de nós, tradutores, a compreensão do que o autor quis
dizer na sua própria língua. O mais difícil, neste sentido, é “desmontar” o original e “remontálo” na língua de chegada, de maneira aceitável.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Como aponta Almeida (2007), a tradução audiovisual pode ser definida como o conjunto de
práticas que envolvem principalmente a tradução oral (dublagem) e a escrita (legendagem) de
séries de televisão, filmes, entre outros, projetados para cinema, VHS e DVD.
Segundo Díaz Cintas (1997, apud CARVALHO, 2005), atualmente, em termos numéricos, a
tradução levada a cabo nos meios audiovisuais é talvez a atividade tradutora mais importante.
Por dois motivos: primeiro pelo número de pessoas a que ela chega, dada a facilidade de recepção através, principalmente, da televisão. Em segundo, pela imensa quantidade de produtos
traduzidos que são transmitidos a outras culturas: documentários, entrevistas, séries, filmes, notícias, debates, espetáculos, etc...
Uma das modalidades mais conhecidas em nossa cultura é a tradução feita através da inserção
de legendas (objeto de estudo deste trabalho) geralmente na parte inferior da tela de exibição, de
forma sincronizada com as falas — também chamada legendação ou legendagem.
“No Brasil, essa prática divide com a dublagem a tradução da quase totalidade dos produtos
audiovisuais veiculados através de cinemas, canais de televisão abertos e fechados, VHS e
DVD.” (CARVALHO, 2005, p. 19).
Como apontam Gambier & Gottlieb (2001, apud, CARVALHO, 2005), a distribuição dos filmes costuma seguir o seguinte percurso: são exibidos primeiramente em cinemas, geralmente
antes em sua(s) cultura(s) de origem e naquelas que falam a mesma língua, depois, em culturas
diferentes. Após alguns meses eles são comercializados no formato DVD para serem adquiridos
por locadoras e particulares; algum tempo depois, são transmitidos em canais de televisão pagos
individualmente ou por assinatura e, finalmente, os filmes são exibidos gratuitamente em canais
abertos de televisão.
No Brasil, por exemplo, no processo de tradução audiovisual estão envolvidos: a distribuidora
multinacional de produtos audiovisuais, a agência ou distribuidora da cultura-alvo, a produtora
ou laboratório que faz a pós-produção do material e o tradutor.
As principais regras que o tradutor de materiais audiovisuais deve saber manipular simultaneamente são: as normas referentes à modalidade de tradução realizada (no caso deste trabalho, a
legendagem), os parâmetros próprios do meio (falaremos sobre o DVD) no qual o produto será
distribuído e as regras impostas por seus clientes diretos e indiretos.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
No caso das modalidades que empregam legendas, o espaço físico disponível para a exibição
restringe o tamanho e a duração das legendas na tela — por exemplo, para o cinema preferem-se
legendas mais extensas e menos segmentadas enquanto para os meios exibidos na televisão, como DVD e canais por assinatura, o tamanho das linhas é menor e o texto tende a ser segmentado
em um número maior de legendas.
O tradutor deve estar sempre atento a fim de: não violar nenhuma das regras citadas acima,
cumprir o prazo determinado por seu cliente, não empregar palavras censuradas ou exceder o
espaço ou o tempo permitido para as legendas, por exemplo, para que isto não venha a comprometer as atividades subsequentes do processo e, desse modo, prejudicar os compromissos assumidos pela produtora ou laboratório local com seu cliente.
Na legendação, um dos fatores primordiais é o equilíbrio entre a imagem, o tempo de fala e o
texto escrito traduzido, ou seja, para que obtenhamos o sincronismo na legendação, é necessário
que observemos o tempo de apresentação do filme (aqui abordado), o tempo de entrada e retirada da legenda e o tempo de leitura do telespectador.
No diagrama abaixo, a autora Lina Alvarenga (1998, apud, ARAUJO, 2006, p.3) propõe esta
divisão porque no Brasil o tradutor não é o responsável por todo o processo, como acontece na
Europa.
Processo de legendagem aberta para DVD no Brasil:
Legendação
Tradução
↓
Legendista
Legendagem
→
Marcação
↓
Marcador
→
Revisão
→
Gravação
↓
↓
Revisor
Legendador
“Todas as empresas legendadoras usam um software específico para legendagem nas fases de
marcação e gravação das legendas na sub-matriz do cliente, mas apenas algumas permitem que
seus tradutores o utilizem na fase de legendação.” (ARAUJO, 2006, p.3).
A seguir, abordaremos as principais normas da legendagem.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
1.1 NORMAS DA LEGENDAGEM
Na legendagem todo o som original é mantido e a tradução dos enunciados em língua estrangeira é apresentada por escrito na parte inferior da tela, através de legendas exibidas em sincronia com as falas e eventuais textos escritos do material audiovisual. Pode ser de cor amarela ou
branca, podendo aparecer na tela centralizada e alinhada à esquerda ou direita.
Espera-se que as legendas apareçam quando se ouve algo pronunciado em língua estrangeira e
que elas desapareçam quando a fala termina. (CARVALHO, 2005, 95).
Conforme explica Mouzat (1995, apud, CARVALHO, 2005, p.99), autor da primeira tese de
Doutorado sobre legendagem desenvolvida no Brasil:
A ilusão de uma ligação direta entre a linguagem e o real leva a conceber a fala como
uma redundância da imagem. Esse postulado seria um dos fundamentos nos quais os tradutores de legendas se baseiam para parafrasear o texto de forma mais compacta e omitir
determinadas informações nas legendas: aquilo que está explicitamente informado numa
imagem, num gesto, numa ilustração, não precisa ser prioritariamente repetido nas legendas”.
De forma quase unânime, empregam-se no máximo duas linhas de legendas (o número máximo de caracteres por linha varia segundo o meio: Cinema, VHS, DVD ou canais de televisão por
assinatura) e estabelece-se uma razão entre o tempo de duração de cada legenda e o número máximo de caracteres que ela deve comportar para que o espectador adulto médio tenha tempo de
lê-la integralmente. Essa razão é baseada em diversos estudos.
Segundo Karamitroglou (1998 apud CARVALHO, 2005, p.101), os padrões mais encontrados
na literatura sobre legendagem são baseados no número de palavras lidas em um minuto, estipulado em 150 a 180 palavras e conforme menciona Díaz Cintas (1997 apud CARVALHO, 2005,
p.101 e 102), na chamada “regra dos seis segundos”, que estabelece que o espectador médio
demora seis segundos para ler duas linhas de legendas cheias, com 35 caracteres cada (Díaz Cintas, 1997). Mas o número exato de caracteres por segundo, determinado em cada situação, varia
em função do meio empregado, do público alvo e de preferências dos clientes.
Segundo a autora Hough (1998 apud VICCINO, 2007, p. 3), a legenda deve possuir no máximo duas linhas com até trinta caracteres onde espaçamentos e pontuação também contam; seu
tempo de permanência na tela é de no mínimo um e no máximo seis segundos; onde apenas o
essencial tem que ser dito e palavrões são traduzidos de forma mais amena.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
O procedimento de tradução empregado para cinema e DVD demanda menos tempo ao tradutor do que para VHS e canais de TV por assinatura, tendo em vista que ele realiza menos funções técnicas, como o spotting (segmentação do texto oral) e o timing (marcação de tempo) naqueles meios.
No sistema brasileiro, os quatro meios mais utilizados, já citados anteriormente, têm suas
normas próprias, porém neste artigo enfatizam-se aquelas pertinentes à tradução de filmes em
DVD, com base na experiência de Carolina Alfaro Carvalho (2005, p. 102):
O tradutor, neste caso, precisa fundamentalmente de um computador com editor de textos e de
um aparelho de DVD. Caso tenha à disposição o material audiovisual, este constituirá seu original juntamente com a transcrição dos diálogos. Todavia, isso raramente acontece devido a uma
preocupação das distribuidoras com a distribuição ilegal dos produtos (“pirataria”), de modo
que muitas vezes elas preferem privar os tradutores de terem acesso ao material do que correr o
risco de terem seu produto distribuído ilicitamente. Portanto, quase sempre o tradutor contará
apenas com a transcrição dos diálogos, sem sequer saber quem está pronunciando cada fala ou o
que está se passando na cena. Nesses casos, a qualidade final do trabalho será em grande medida
de responsabilidade dos revisores e editores que farão o controle de qualidade da tradução.
1.1.1 Normas envolvidas na confecção das legendas independente do meio utilizado
Independente do meio utilizado, há algumas normas técnicas adotadas pelas distribuidoras,
laboratórios de cinema e produtoras de DVD, sobre as quais os tradutores precisam respeitar.
Esses parâmetros se referem principalmente ao formato das legendas na tela, tais como:
* o tamanho da fonte usada na legenda — determina o número máximo de caracteres por linha, em função do meio utilizado;
* a cor, o contorno e o sombreamento da fonte usada na legenda;
* o alinhamento das linhas da legenda — alguns preferem que seja centralizado; outros alinham a legenda à esquerda; há ainda uma solução intermediária que consiste em centralizar
as legendas correspondentes à fala de uma só pessoa e alinhar à esquerda as legendas que incluem enunciados de duas pessoas (indicadas por travessão);
* a altura da legenda no caso de legendas com uma só linha — alguns preferem que a legenda fique na altura da linha superior enquanto outros preferem que a legenda fique na altura
da linha inferior;
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
* o intervalo entre legendas - pode não haver nenhum intervalo entre legendas consecutivas
ou haver intervalos mínimos obrigatórios, geralmente definidos entre 4 e 10 quadros; e
* o tempo mínimo e máximo de duração da legenda, geralmente estipulado em 1 segundo no
mínimo e 6 segundos no máximo.
A legenda sempre estará em sincronia com a fala, mas há profissionais que preferem que a
legenda apareça frações de segundo após o início do enunciado oral, considerando que o espectador precisa desse tempo para perceber que a fala teve início e dirigir a visão para onde a legenda aparece, enquanto outros preferem justamente o contrário, inserindo a legenda alguns
quadros antes do início da fala, de modo que nesse espaço de tempo o espectador perceba o surgimento da legenda e inicie sua leitura ao mesmo tempo em que o enunciado oral tem início.
Quanto à saída, geralmente a legenda permanece na tela por algumas frações de segundo após o
fim da fala, podendo estender-se por até 1 segundo a mais (desde que não tenha se iniciado outra
fala imediatamente subsequente). (CARVALHO, 2005, p.113 e 114).
O intervalo entre legendas costuma aproveitar as pausas feitas no discurso oral. Para ser lido
rapidamente, o texto de cada legenda é escrito de forma sintaticamente simples, conforme o ritmo da fala. Na medida do possível, tenta-se fazer com que uma legenda inclua um período completo ou uma oração. Caso isto não ocorra, procura-se manter juntos os sintagmas de ordem mais
alta na estrutura da sentença, de forma que cada legenda transmita uma ideia fechada e coerente.
(CARVALHO, 2005, p. 114).
Ainda segundo essa autora (Carvalho, op.cit., p. 117 e 118), as estruturas sintáticas e simplificações frequentemente empregadas em cursos e manuais sobre legendagem são:
* componentes sintáticos em ordem direta em vez de inversa ou intercalada;
* orações coordenadas em vez de subordinadas;
* construções ativas em vez de passivas;
* construções positivas em vez de negativas;
* verbos simples em vez de compostos;
* elipses em vez de sujeitos ou verbos repetidos na mesma oração;
* interrogações em vez de perguntas indiretas;
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
* imperativo em vez de solicitações indiretas.
Abreviações, siglas, símbolos e numerais também são permitidos a fim de se reduzir o número
de caracteres, respeitando-se sempre os critérios, se estabelecidos pelos clientes.
Se necessário for, o tradutor pode omitir parte do que foi pronunciado para que a legenda não
ultrapasse o número de caracteres permitidos, procurando manter na legenda os itens lexicais
entendidos como mais carregados de sentido e relevantes para a compreensão do filme. Sendo
assim, em caso de omissões, os componentes geralmente considerados mais redundantes e, portanto, dispensáveis são:
* vocativos, quando já se conhece o nome das pessoas envolvidas;
* pronomes demonstrativos, quando o objeto demonstrado está explícito (alternativamente,
pode-se manter o pronome e omitir o substantivo referente ao objeto demonstrado);
* hesitações, gaguejos, vícios de linguagem e autocorreções na enunciação, desde que não
sejam considerados relevantes;
* falas em segundo plano, pouco audíveis ou sem relevância para o texto principal;
* onomatopeias;
* respostas sucintas e formalmente semelhantes à língua da tradução, tais como “sim”, “não”,
“tchau”, “obrigado”, “ok”;
* construções redundantes ou desnecessariamente longas, tais como sequências de adjetivos
ou advérbios (particularmente comuns em língua inglesa), ou advérbios terminados em mente (frequentes em português, espanhol e outras línguas latinas).
Também é frequente, por ordem dos clientes e mesmo por escolha dos tradutores, amenizar-se
o uso de linguagem de baixo calão. Como explica Mahomed Bamba (1997 apud CARVALHO,
2005, p. 120), o texto das legendas “tenta manter um duplo compromisso com as variantes linguísticas e discursivas da língua escrita e da língua falada” — porém, para Carvalho (op.cit), no
contexto brasileiro o compromisso maior é com a primeira.
Algumas normas são impostas pelos clientes que encomendam, revisam e remuneram os serviços de tradução.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Podem ser fornecidas ao tradutor instruções específicas referentes à:
* convenções tipográficas — uso de aspas, itálico e caixa-alta;
* uso ou não de reticências ao fim de legendas inconclusas (que continuam na legenda seguinte);
* normas sobre o uso de abreviações, siglas, símbolos e numerais;
* grau de permissividade com respeito ao uso de linguagem de baixo calão;
* grau de prioridade da norma culta sobre registros mais coloquiais — corruptelas e contrações (“pra”, “tá”...), mistura de pessoas e conjugações verbais ( “você” e “tu”).
No caso de alterações significativas com relação ao original, adaptações culturais ou reescritas mais “criativas” que possam gerar indagações do controle de qualidade ou do cliente final,
pede-se que o tradutor faça essas observações no relatório que deve ser enviado juntamente com
o arquivo de legendas. Há casos frequentes também cujas as normas não são detalhadas pelos
clientes e, geralmente, quando isso ocorre, depois de entregue o trabalho, uma das instituições
envolvidas na pós-produção ou distribuição do material pode discordar de alguma escolha do
tradutor ou impor uma regra antes não explícita.
Consoante defende Carvalho (2005, p.150), o importante é demonstrar com transparência a
intenção de reescrever o texto e apresentar as justificativas para tal decisão, ficando caracterizado o bom caráter do profissional de tradução, bem como evitando que referida mudança seja interpretada como um erro de compreensão ou uma distração. O controle de qualidade do cliente
direto ou indireto pode nem sempre concordar com a decisão tomada, mas ao menos as qualificações profissionais do tradutor não ficam abaladas, o que comprometeria a continuidade da relação com seu cliente.
Tendo explicitado, ainda que brevemente, as normas aplicadas na tradução, especificamente
para legendas de filmes em DVD, passaremos a discussão desse processo envolvendo a questão
da fidelidade e da visibilidade do tradutor. Faremos isso trazendo a baila considerações acerca
do processo tradutório, de uma perspectiva mais tradicional, logocêntrica, e de outra, pósmoderna, influenciada pelo movimento desconstrutivista.
2.
A
VISIBILIDADE
E
A
FIDELIDADE
DO
TRADUTOR
À
LUZ
DO
LOGOCENTRISMO E DO DESCONSTRUTIVISMO
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
É sabido que em todo e qualquer processo tradutório evidencia- se o peso de fatores pessoais
e subjetivos em diversas decisões tomadas pelo tradutor e na legendagem não é diferente.
Para Almeida (2007) é inevitável a visibilidade do tradutor em sua obra, pois ele é entendido
como um sujeito inserido num contexto cultural, ideológico e psicológico que não pode ser ignorado ao elaborar uma tradução. A fidelidade na tradução não é mais vista como aquela pretendida pelas teorias de tradução de base logocêntrica, na tentativa de “reproduzir” o texto da língua
de origem, mas está relacionada à inevitável interferência por parte do tradutor, à sua interpretação e manipulação do texto.
De acordo com Arrojo (1993, p. 137), se a tradução fosse transparente e não sofresse interferência do tradutor, não haveria sentido em se ensinar a traduzir, pois não haveria nada específico
a ser ensinado; somente o conhecimento nas línguas envolvidas seria o bastante.
Sendo assim, na tradução de um texto, de um roteiro, por exemplo, o tradutor ou legendista
não pode ignorar as normas técnicas da legendagem, o que com certeza implicaria no fracasso
de todas as etapas envolvidas no processo, nem tampouco deixar de lado o que ele é e o que
pensa quando se relaciona com o mundo real, assim como não pode ler o roteiro, sem que projete nessa leitura as circunstâncias e os padrões que o constitui enquanto leitor e membro de uma
determinada comunidade.
Portanto para essa autora, essas afirmações re-significam o conceito de fidelidade no processo
de tradução audiovisual:
Assim, nenhuma tradução pode ser exatamente fiel ao “original” porque o “original” não
existe como um objeto estável, guardião implacável das intenções originais de seu autor.
Se apenas podemos contar com as interpretações de um determinado texto, leituras produzidas pela ideologia, pela localização temporal, geográfica e política de um leitor, por
sua psicologia, por suas circunstâncias, toda tradução somente poderá ser fiel a essa produção. (ARROJO, 1993, p.19).
A concepção tradicional de fidelidade que leva o tradutor a sentir-se culpado, quando inevitavelmente interfere no texto que traduz, é eliminada dentro dos pressupostos desconstrutivistas,
pois estes reconhecem a visibilidade do tradutor, responsável pela sobrevivência do original. A
ele compete o papel de “outro” autor, e é ele que permite a travessia não só da língua em si, mas
também da cultura e dos elementos estrangeiros. (ALMEIDA, 2007).
A questão da fidelidade na tradução, de acordo com bases tradicionais-logocêntricas, pode
ser questionada por não levar em conta que cada indivíduo fará uma leitura diferente de um
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
texto. Portanto, nenhuma tradução pode ser fiel ao texto dito “original”, pois seus significados
não são estáveis, mas são interpretados por cada indivíduo de maneiras diferentes.
Carvalho (2005, p.137) diz que a tradução é uma atividade sociocultural, pois sua própria razão de existir é o contato entre sociedades e culturas:
O tradutor, como qualquer indivíduo, passou a ser entendido como sobredeterminado pela cultura na qual está inserido, por valores ideológicos, por suas experiências, por todos
os textos que leu e conhecimentos que detém, disso resultando a impossibilidade de se
desconsiderar a intervenção que ele necessariamente opera no texto ao empreender sua
tradução. (CARVALHO, 2005, p. 139).
Como aponta Wyler (2003, p.19 e 20), “do nascimento à morte, todo o indivíduo acumula
dentro de si uma carga ideológica, que determina suas atitudes e preferências nas esferas social e
profissional, e permeia mesmo inconscientemente a sua escolha de palavras”.
Sendo assim, e considerando-se a questão da visibilidade do tradutor no processo tradutório,
não é cabível exigir dele o seu próprio apagamento, ou seja, é inviável a produção de um texto,
tradução de outro, em que a presença do tradutor não seja manifesta. Ele terá de tomar decisões
nos mais diversos níveis: comunicativo, linguístico e técnico. É, inegavelmente, agente, elemento ativo, produtor de texto e de discurso. Portanto, em última análise, o texto traduzido portará
as marcas dessa opção pessoal. (AUBERT, 1994, p. 80 e 81).
A comparação por parte dos telespectadores entre o texto das legendas e os enunciados ouvidos é praticamente inevitável. Como destaca Díaz Cintas (1997 apud CARVALHO, 2005,
p.144) a presença do áudio em língua estrangeira associada à segmentação e à sincronia das legendas facilita o contraste entre ambos, tornando a legendagem vulnerável não só à avaliação
dos críticos, mas sobretudo à opinião do público, geralmente pertencente à elite cultural que tem
acesso a salas de cinema, e canais de televisão por assinatura. O público, por partilhar do senso
comum, ao ver a tradução como simples transferência, sente-se ainda mais indignado ao detectar
algo que considera um “erro” de tradução.
Neste caso, as legendas podem ser julgadas como “ruins” ou “erradas”, pois é cobrado, normalmente, do legendista uma “fidelidade” ao “texto original”, ou seja, às falas das personagens.
A expectativa de “fidelidade” ao texto “original” denota uma concepção de tradução de base
tradicional subjacente. Neste cenário, não é de se surpreender que a atividade desse profissional
tenha sido sempre associada ao fracasso e à incompetência.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
Como aponta Arrojo (1993), se a tradução “falha” ao tentar reproduzir o “original”, é exatamente porque não existe essa totalidade explícita no texto e imune à mudança de contexto, desestabilizando, portanto, a crença na possibilidade de significados estáveis no jogo linguístico.
O público, a maioria leigo (desconhecedor das normas que norteiam todo o processo tradutório), frequentemente, também julga a qualidade do trabalho do tradutor ao observar a diferença
entre o volume do texto falado e o do escrito. Porém, como o tempo de permanência da legenda
na tela é bem escasso, conforme foi explicado anteriormente, o legendista precisa reduzir as falas ao máximo, contanto que consiga transmitir a mensagem.
É evidente e cabe aqui salientar, que esses fatores não anulam o fato de não existirem traduções equivocadas. O que estamos abordando, aqui, é a questão da fidelidade e das críticas feitas
por pessoas sem nenhum embasamento em teorias da tradução ou até mesmo em técnicas de legendagem.
A seção seguinte permitirá uma reflexão sobre o posicionamento derridariano, conhecido como Desconstrução, preferencialmente nomeado por alguns praticantes como “produtividade
afirmativa”. (GENTZLER, 2009).
Segundo Arrojo (1993, p. 16), as teorias da linguagem que surgem do Ocidente, alicerçadas
no logocentrismo têm considerado o texto de partida como um objeto definido, congelado, de
significados estáveis, geralmente identificados com as intenções de seu autor.
Em oposição a todo esse postulado logocêntrico, emergem algumas correntes do pensamento
contemporâneo: “a ‘arqueologia’ de Michel Foucault, a ‘semioclastia’ de Roland Barthes e, sobretudo, a ‘desconstrução’ de Jacques Derrida”. (ARROJO, 1993, p.16 e 17).
O propósito da desconstrução é “desmontar” um texto, uma teoria, um raciocínio.
Segundo Viccino (2007, p. 3) “os modelos de tradução surgem para tentar explicitar como um
texto deve ser traduzido já que a forma literal não era a mais apropriada”.
“Derrida questiona qualquer definição de tradução como transporte, reprodução, representação ou comunicação do “significado” do original”. (GENTZLER, 2009, P. 201).
Derrida (1981 apud GENTZLER, 2009, p. 207) prefere o termo “transformação regulada” ao
termo tradução, pois defende a ideia de que jamais teremos – na verdade, nunca tivemos – de
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
lidar com o “transporte” de puros significados de uma língua para outra, ou dentro de uma mesma língua que o instrumento significante deixaria virgem e intocada.
Broeck e Culler (1988 e 1983 apud GENTZLER, 2009, p. 210) compartilham a ideia de que
“a desconstrução não é um ato de destruição, mas de deslocamento, um ato que desafia as oposições tradicionais ou até inverte tais oposições.”
Viccino (2007) argumenta que a perspectiva pós-moderna, à qual pertence o francês Derrida,
alivia o peso das críticas mal fundamentadas das quais o tradutor foi alvo por tanto tempo e coloca autor e tradutor, texto “original” e traduzido em um mesmo patamar.
Identificados a uma teoria da tradução de base logocêntrica, os tradutores almejam a conquista do impossível, a produção de uma tradução que sobreviva à passagem do tempo e a qualquer
mudança de contexto.
Neste cenário, tradutores nunca recebem o merecido reconhecimento. Seu “sucesso” tem sido
tradicionalmente medido pelo seu grau de “invisibilidade”. Como Lawrence Venuti tem observado: esse conceito de invisibilidade – reforça a noção logocêntrica de que, enquanto um original é o resultado da criatividade de seu autor, um texto traduzido é sempre uma mera reprodução. (ARROJO, 1993, p. 137 e 138).
Contudo, na visão contemporânea, desconstrutivista, as atividades do tradutor deixam de ser
supostamente “marginais” e “secundárias” para se tornarem a preocupação central do pensamento pós-estruturalista sobre a linguagem e a cultura. (ARROJO, 1993, p. 138 e 139).
Assim, quanto mais visível a figura do tradutor se tornar, seja em qual for o processo tradutório, menores serão as chances de que ele seja ignorado, marginalizado e indignamente remunerado.
Podemos comparar, por exemplo, a legenda do filme inglês que estamos analisando:
Terminator 2, metaforicamente, com um “palimpsesto” 1, pois ela passa a ser o texto que se
apaga, em cada comunidade cultural e em cada época, para dar lugar a outra tradução/legenda
do mesmo filme, já que foi traduzido para o português, chinês e espanhol.
_______
1
Arrojo, 2000, p. 23. Segundo os dicionários, o substantivo masculino palimpsesto, do grego palímpsestos
(“raspado novamente”), refere-se ao “antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão
de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes [...] mediante raspagem do texto anterior”.
Observaremos na próxima seção, como essa produção textual nova se dá no trabalho de legendagem do filme em questão.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
3. ANÁLISE DO FILME: TERMINATOR 2 (JUDGMENT DAY): O EXTERMINADOR
DO FUTURO 2 (O JULGAMENTO FINAL)
Com base nas técnicas e teorias referidas anteriormente, serão apresentados e analisados alguns trechos da legendagem do filme norte-americano Terminator 2 (Judgment Day), traduzido
para o português do Brasil como O Exterminador do Futuro 2 – O julgamento final.
A legenda de todo esse filme é centralizada, encontra-se na cor amarela e, segundo o parâmetro linguístico, é classificada como interlingual, pois foi realizada a tradução, na língua de chegada (português do Brasil), em forma de código escrito, dos diálogos do filme em língua estrangeira (inglesa) (ARAUJO, 2006).
Quanto ao aspecto técnico, ela se classifica como aberta, pois sempre aparece na tela e não
depende de um decodificador para ser acionada. (ARAUJO, 2006).
Exemplo 01:
Dr. Silberman: “This next patient is interesting”.
Tradução:
Dr. Silberman: “A próxima é interessante”.
A palavra “paciente” foi omitida pelo tradutor, pois o médico estava caminhando, mostrando
e comentando com outras colegas de profissão sobre os vários pacientes internados no Pescadero State Hospital e quando ele menciona “a próxima é interessante” fica subentendido que se
trata da “paciente”, até porque eles estavam se dirigindo ao quarto onde ela estava internada.
Esta omissão não compromete o entendimento da cena. A esse respeito, Díaz Cintas (1997 apud
CARVALHO, 2005, p. 119) diz:
É através das imagens e do texto oral que os espectadores complementam a coesão que
falta ao texto, confirmando quem são os interlocutores, a que objetos se referem, quais as
emoções e intenções subjacentes a um enunciado, etc.
Outro exemplo de omissão está no seguinte trecho:
Exemplo 02:
Médico: “See she takes her Thorazine”.
Auxiliar: “Sure, Dr.Silberman. I will take care of it.”
Tradução:
Médico: “Dê-lhe Thorazine”.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Auxiliar: “Cuidarei disso”.
O Dr. Silberman, médico e diretor do hospital, solicitou a um funcionário, provavelmente um
auxiliar de enfermagem, que desse “Thorazine” (tranquilizante antipsicótico) à paciente Sarah
Connor como forma de punição por ela ter desarrumado seu quarto.
O tradutor optou por omitir o nome do médico na legenda e resumir a fala, pois alguns componentes considerados redundantes, tais como vocativos são dispensáveis, já que o nome do diretor havia sido mencionado na legenda anterior e também levando em consideração, como
afirma Machado (2007, p.127), que “o objetivo primordial das legendas é a economia de espaço”. O tradutor poderia ter traduzido o nome do remédio para Amplictil, mas preferiu preservar
o nome norte-americano da substância.
No tocante a esse aspecto, Díaz Cintas (1997 apud CARVALHO, 2005, p.145) comenta que a
“brevidade e a efemeridade das legendas são sua única vantagem, pois o espectador tem muito
pouco tempo para dedicar maior atenção ao texto”.
Exemplo 03:
Sarah Connor: “So What is your story?”. Ela pergunta ao Exterminador do Futuro T101.
Tradução:
Sarah Connor: “O que faz aqui?”
Exemplo 04:
Sarah Connor: “I didn´t need your help. I can take of myself.” Ela diz ao seu filho John.
Tradução:
Sarah Connor: “Sei cuidar de mim”.
Em ambos os exemplos, o legendista não optou pela tradução literal, ou seja, não reproduziu
as falas dos personagens em sua integridade, e sim reconstruiu o diálogo, mostrando a tradução
como algo criativo, com a sua marca, através da síntese das falas, a fim de se adaptar às regras
de legendagem, como aquelas apresentadas por Hough (1998 apud VICCINO, 2007, p. 3) de
que apenas o essencial tem que ser dito, contanto que o público compreenda a mensagem da cena.
Partindo do pressuposto de que a tradução seria praticamente impossível se esperássemos dela uma transferência de significados estáveis, nesses exemplos, também, podemos afirmar que
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
poderia haver outras traduções permitidas e coerentes e que a escolhida pelo legendista era correta e não exata, pois poderia haver outras possibilidades também aceitáveis.
Conforme destaca Campos (2004), nenhuma tradução pode substituir o original, pois ela é somente uma das diversas possibilidades de recriação dele. De um texto poderão existir quantas
traduções aceitáveis forem os objetivos a que ele puder servir. E essa diversidade de traduções
de um mesmo arquivo fonte elimina a ideia de exatidão da tradução, pois se todas fossem exatas
deveriam ser todas iguais e assim, nunca poderia o mesmo tradutor chegar a soluções distintas e
todas aceitáveis e coerentes.
Vejamos o exemplo a seguir:
Exemplo 05:
John: “Yes. Piece of cake”.
Tradução:
John: “Bico”.
Após John e seu amigo conseguirem sacar dinheiro com um cartão de débito roubado, John
diz: “Yes. Piece of cake” que traduzido literalmente seria: “Sim. Pedaço de bolo”. Porém neste
caso, o tradutor utilizou uma técnica chamada de equivalência funcional, que ocorre quando duas sentenças, o original e sua tradução dão conta de uma mesma situação, utilizando-se de recursos linguísticos e estruturais completamente diferentes (CAMPOS, 2004, p. 38 e 39).
É um procedimento que substitui expressões idiomáticas equivalentes e consolidadas entre a
língua-origem e a língua-destino. (FREITAS, 2011, p. 23). Outras opções utilizadas no português do Brasil que também se encaixariam nesta expressão seriam: moleza; é sopa ou é mamão
com açúcar. Portanto, a legenda, assim como qualquer texto traduzido, deve se incorporar ou se
adaptar ao contexto cultural da língua-alvo.
Exemplo 06:
John: “She tried to blow up a computer factory but got shot and arrested”.
Amigo de John: “No shit.”
Tradução:
John: “Ela tentou explodir a fábrica de computadores e foi presa”.
Amigo de John “Sério?”.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
Segundo o site: http://www.tradukka.com, a tradução de “no shit” corresponderia a “Que merda”, mas para aliviar o uso de palavras de baixo calão o tradutor optou por “Sério?” e poderia
ter mencionado também “Não acredito!”, termo muito comum utilizado pelos brasileiros. Vejamos outros exemplos nesse sentido:
Exemplo 07:
Sarah: “What the fuck is it? What the fuck is going on?”
Tradução:
Sarah: “O que é isso? O que está havendo?”
Exemplo 08:
Policial feminina: “Son of a bitch!”
Tradução:
Policial feminina: “Droga!”
Exemplo 09: (Quando John viu que o Exterminador T101 foi atingido por várias balas de armas
de fogo, mas continuava vivo):
John “Holy Shit!”
Tradução:
John: “Caramba!”
Exemplo 10: (Quando John ajudou o Exterminador T101 a levantar-se e viu que ele estava todo
machucado, além de ter parte do braço esquerdo arrancada):
John: “Holy shit!”
Tradução:
John: “Que estado!”
Nos exemplos 07 a 10, se o tradutor fosse traduzir na íntegra, palavra por palavra, ficaria, de
acordo com os sites de traduções: http://www.wordreference.com e http://www.tradukka.com,
assim:
Exemplo 07: Que porra é esta? Que diabos está acontecendo?
Exemplo 08: Filha de uma puta.
Exemplo 09 e 10: Puta merda.
Conforme Machado (2007, p. 86) menciona:
O uso de palavrões, motivado por qualquer que seja a razão – muita raiva ou muita alegria – é considerado tabu social, ou seja, publicamente, seu uso é considerado inapropriPROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
ado, ou mesmo, inaceitável. Pessoas que ocupam posições de destaque em qualquer instituição ou grupo social não devem fazer uso de tais expressões sob pena de ofender até
mesmo pessoas às quais o termo não foi dirigido.
O uso de palavrões está mais relacionado ao grau de intimidade e privacidade em que o
indivíduo se encontra. Por exemplo, um palavrão pode ser aceito se proferido por um
amigo, porém, rejeitado se for usado por outra pessoa; ele pode ser usado sem causar
constrangimento ao ouvinte em ambientes mais íntimos ou em um grupo reduzido de
amigos ou conhecidos, por outro lado, pode ofender ou constranger outrem caso seja
usado em lugares públicos ou entre pessoas estranhas.
A palavra “shit”, por exemplo, tem diversos significados e pode ser usada em várias situações,
sozinha ou combinando expressão.
Por meio dos exemplos 06, 09 e 10 é possível notar que , embora seja um palavrão, “shit” não
está sendo usado para ofender ninguém, porém para referir-se ao tipo de conversa que alguém
está tendo.
No exemplo 08, a policial expressa sua raiva por meio de uma exclamação de desgosto, de
descontentamento ao ver que a paciente Sarah está usando o médico e diretor do hospital como
refém.
Neste caso, o tradutor preferiu utilizar a palavra “droga” na legenda, na qual poderia também
ser substituída por “filha da mãe”; ambas com uma conotação semântica mais amena.
De modo geral, essas legendas apresentaram a linguagem formal (na medida do possível) e
quando não, a suavização e o corte de palavrões como estratégias de tradução, conforme mostramos na seção “Normas da legendagem” deste trabalho.
Dessa forma, conclui-se que as expressões foram traduzidas de forma mais amena levando em
consideração o público que receberia esse material em DVD.
Exemplo 11:
Médico: “The usual indicators: depression, anxiety, violent acting out, delusions of persecution”
Tradução:
Médico: “Sinais habituais: depressão,
Ansiedade, violência, paranóia...
A tradução da legenda ficou exatamente como descrito acima. Ela foi dividida em duas linhas,
sendo a primeira até a palavra depressão e a segunda até as reticências.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
O legendista poderia ter traduzido “delusions of persecution” como delírios de perseguição,
mas preferiu um termo mais enxuto: a palavra “paranoia” devido ao limite de caracteres por linha.
A partir dessa análise, sob o enfoque de teorias da linguagem de visão mais tradicional e imanentista e à luz de uma das correntes do pensamento contemporâneo, a desconstrução, é perceptível a impossibilidade de se conceber o ato tradutório e o processo de produção de legendas
como tarefa de simples transposição de sentidos de uma língua para outra. Há regras próprias da
legendagem, normas de uso da língua (evitar palavrões, por exemplo), entre outras, que permitem observar o processo tradutório como algo rico, muito mais “criativo” do que conservador,
muito mais produtor do que “protetor”.
4. CONCLUSÃO
Este artigo apresentou uma visão descritiva da tradução para legendas de filmes, em DVD,
com foco no mercado brasileiro.
Após a análise de trechos do filme e da reflexão sobre concepções de tradução com base em
uma perspectiva mais tradicional, logocêntrica, e sob outra pós-moderna, influenciada pelo movimento desconstrutivista, abordando a questão da visibilidade e fidelidade do tradutor, pode-se
concluir que não podemos considerar o processo tradutório como um repertório controlável e
congelado de palavras.
Ressaltou-se também a idéia de que o tradutor precisa saber transitar em múltiplos sistemas,
interagir com outra(s) língua(s) e cultura(s) diferente(s) de sua língua/cultura materna, ter a sensibilidade para perceber quando deve ou não manter a literalidade, ampliar sempre seus conhecimentos, de modo a produzir resultados de qualidade que sirvam aos propósitos de cada um dos
envolvidos nesse jogo linguístico.
Percebeu-se também que há realmente questões nas teorias tradicionais que não dão conta de
todo processo tradutório, ou seja, é impossível seguir à risca tudo que essa teoria preconiza. Para
isso a desconstrução emerge como um pensamento mais realista do processo tradutório, dando o
merecido reconhecimento ao tradutor que é desvalorizado na visão logocêntrica.
No entanto, é necessário ter em mente que a desconstrução não visa admitir cegamente tudo
em uma tradução, pois pode haver sim o erro por parte do tradutor. O que a desconstrução pro-
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
As Especificidades do Trabalho de Tradução na Legendagem: uma Análise desse Processo no Filme: terminator two (judgment day)
porciona é uma desmontagem do processo tradutório, abrindo mão do sonho da interferência
intacta do texto de uma língua para outra.
Para a carreira do tradutor, é fundamental que ele mantenha uma boa relação com seus clientes diretos e indiretos. Portanto, foi visto que respeitar as normas estabelecidas e preferências do
cliente é de suma importância para a permanência desse profissional no mercado.
Neste complexo ofício da tradução, não há regras infalíveis, nem tampouco fórmulas
secretas que garantam uma boa tradução. Assim como não basta apenas ter o domínio de
uma língua estrangeira, pois se fosse simples, assim, com certeza as máquinas de traduzir
já teriam substituído o tradutor.
Eu, Vanessa Algarra Dias Socoloski, autorizo que meu artigo: "As especificidades do trabalho de
tradução na Legendagem: Uma análise desse processo no filme: Terminator Two Judgment Day"
realizado para a conclusão do curso de Tradução Inglês Português da UNINOVE em 2012, sob a
orientação da Prof.ª Drª Débora Cristina Mantelli Baghin Spinelli, seja publicado na versão online
da PROFT em Revista 2012. Estou ciente de que não receberei nenhum tipo de remuneração, nem
terei qualquer tipo de despesas com a publicação do texto. Estou ciente, ainda, de que a veracidade
das informações, autenticidade das citações e ineditismo do texto são de total e inteira
responsabilidade minha enquanto autora do texto
Como citar:
SOCOLOSKI, Vanessa A.D.. AS ESPECIFICIDADES DO TRABALHO DE
TRADUÇÃO NA LEGENDAGEM: UMA ANÁLISE DESSE PROCESSO NO FILME:
TERMINATOR TWO (JUDGMENT DAY). PROFT em Revista: Anais do Simpósio
Profissão Tradutor 2011, v. 2, n. 2, p. 151-171. jun. 2012.
Referências
ALMEIDA, Mariana Mininel de. Legendagem: Por um Diálogo entre a Tradução Audiovisual e a “Fidelidade” do Tradutor. 2007. 6f. Centro de Comunicação e Letras – Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
ARAÚJO, Vera Lúcia Santiago. O processo de legendagem no Brasil. 2006. 6f. Universidade
Estadual do Ceará, Ceará, 2006.
ARROJO, Rosemary. Oficina de Tradução: a teoria na prática. 1. ed. de 1986. São Paulo:
Ática, 2000. 85 p.
___________. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993. 212 p.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Vanessa Algarra Dias Socoloski
AUBERT, Francis Henrik. As (In) Fidelidades da Tradução: servidores e autonomia do tradutor. 2. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994. 89 p.
CAMPOS, Geir. O que é tradução. 1ª reimpr. da 2. ed. de 1987. São Paulo: Brasiliense, 2004.
86 p.
CARVALHO, Carolina Alfaro de. A tradução para legendas: dos polissistemas à singularidade do tradutor. 2005. 160f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2005.
FREITAS, Rodrigo Almeida. NFPA 1 handbook translated into Portuguese: fire safety engineering and fire codes. 2011. 116f. Projeto Final do Curso de Tradução – Instituto de Letras,
Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
GENTZLER, Edwin. Teorias Contemporâneas da Tradução. 2. ed. rev. – São Paulo: Madras,
2009. 296 p.
MACHADO, Simone dos Santos. Linguagem formal e modelos cognitivos idealizados: um
estudo sócio cognitivo na tradução para legendas. 2007. 178f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2007.
TRADUKKA. Dicionário on-line. Disponível em < http://www.tradukka.com>. Acesso em: 04
fev. 2012.
VICCINO, Vivian Marques. Sex and the City: Uma análise da Tradução para Legendas sob
as Perspectivas Logocêntrica e Desconstrutivista. 2007. 7f. Centro de Comunicação e Letras
– Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007.
WORDEREFERENCE. Dicionário on-line. Disponível em <http://www.wordreference.com>.
Acesso em: 04 fev. 2012.
WYLER, Lia. Línguas, Poetas e Bacharéis: uma crônica da tradução no Brasil. São Paulo:
Rocco, 2003. 160 p.
PROFT em Revista
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2011
Download

as especificidades do trabalho de tradução na legendagem