Sobre a revista excecional. Aspetos práticos. 1. - A figura da revista excepcional foi introduzida no nosso sistema de recursos pela Reforma de 2007, no âmbito das medidas tomadas com a confessada intenção de “racionalização do acesso ao STJ, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência … procurando dar resposta à notória tendência de crescimento dos recursos cíveis entrados neste Tribunal”, como se pode ler no preâmbulo do DL n.º 303/2007, de 24-8. Entre essas medidas – as outras foram a subida do valor da alçada dos Tribunais da Relação e a obrigatoriedade de fixação do valor da causa pelo juiz – avulta a regra da “dupla conforme” da qual a criação de um regime de excepcionalidade de admissibilidade do recurso de revista é consequência como elemento mitigador de ficar vedado às partes lançarem mão do recurso para o Tribunal de revista quando confrontadas com acórdão da Relação que, por unanimidade, confirmasse a decisão proferida na 1ª instância (art. 721º-3 CPC). A regra da “dupla conforme” foi mantida pelo Novo CPC, mas, agora, integrada por um novo requisito: – além da unanimidade do acórdão confirmatório, exige-se que a confirmação da decisão da 1.ª instância ocorra “sem fundamentação essencialmente diferente” – art. 671º-3 CPC. Restringem-se, por essa via, os casos em que, havendo embora coincidência de decisões, estas assentem em quadros ou interpretações normativos no fundamental diferentes dos 1 utilizados pela 1ª Instância para alcançar a mesma solução jurídica da lide. Ocorrendo a dupla conformidade de decisões, o recurso fica, em regra, vedado, salvo se o requerente da impugnação demonstrar, com êxito, concorrer alguma das três excepções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 672º. Trata-se de proceder ao preenchimento de cláusulas gerais e conceitos indeterminados - clara necessidade da (re)apreciação da questão para uma melhor aplicação do direito, dada a sua relevância jurídica, estarem em causa interesses de particular relevância social – ou de demonstrar ocorrer contradição entre o acórdão impugnando e outro, do STJ ou das Relações, transitado em julgado, impondo-se, em qualquer caso, ao requerente, relativamente a cada um desses pressupostos, o cumprimento dos ónus constantes nas correspondentes alíneas do n.º 2 do mesmo art. 672º. Assim, a revista excepcional não configura uma nova ou autónoma espécie de recurso, continuando a inserir-se no recurso ordinário de revista, apenas com a admissibilidade condicionada à verificação de certos pressupostos específicos, a avaliar pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do artigo 672º. Se o recurso de revista nos termos gerais não for admissível, tendo em consideração os critérios gerais de recorribilidade, a espécie da decisão impugnanda e o elenco das hipóteses enunciadas no art. 671º, a revista excecional, porque pressupõe que seja a dupla conforme o único obstáculo à admissão do recurso nos termos gerais, também o não poderá ser. 2 2. - No tocante aos critérios de preenchimento dos pressupostos da excecional admissibilidade do recurso, quer a doutrina quer a formação de juízes adstrita à sua verificação, na sua tarefa de preenchimento ou densificação das cláusulas gerais, vem reafirmando, desde os primeiros tempos de funcionamento, jurisprudência que se pode considerar já relativamente estabilizada. Assim, quanto ao conteúdo do conceito vertido na alínea a) – estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito -, vem-se sedimentando o entendimento de que a relevância jurídica de uma questão, apresentando-se como autónoma, deve revelar-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade que aconselhem a respetiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão suscetível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora. Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência, em busca da obtenção de “um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução”, havendo a necessidade de apreciação de “ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo”. No que concerne à determinação dos interesses de particular relevância social, de bem menos frequente verificação, vem sendo jurisprudência da mesma formação, preencher-se o requisito 3 quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa por estar “relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação”, em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão suscetível de afetar um grande número de pessoas, designadamente consumidores, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto (acs. de 02/9/2014, procs. 391/08.5TBVPA.P1.S1; 10731/10.1TBVNG.P2.S1). Em qualquer dos casos, vem sendo reiteradamente afirmado que a relevância da questão, para além da complexidade ou novidade e das divergências doutrinais e/ou jurisprudenciais, deve necessariamente extravasar as fronteiras do concreto processo em que é suscitada e das partes nele envolvidas, ou seja, interessar à sociedade em geral ou a um grupo relevante desta, pois que o escopo prosseguido pelo legislador foi o de só excecionalmente, em situações de reconhecida importância, em que “possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”, facultar o acesso a um 3º grau de jurisdição (ac. de 14/5/2015 – proc. 217/10.TBPRD.P1.S1). Por último, sobre a oposição de acórdãos, revela-se também pacífica a exigência cumulativa de requisitos como: - ocorrer a convocada contradição entre o acórdão que se pretende impugnar e um outro – e apenas um -, já transitado em julgado, do STJ ou das Relações; ser a oposição frontal, relativa a questões 4 apreciadas e não meramente implícitas ou pressupostas; haver identidade, em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e de normas jurídicas interpretandas ou aplicandas; a sua essencialidade para determinar o concreto resultado da decisão num e noutro dos acórdãos, isto é, para condicionar em termos decisivos a solução da questão; e, assentarem as concretas decisões em confronto em idêntico quadro normativo. No que particularmente se refere ao requisito de se demonstrar ter transitado em julgado o acórdão-fundamento, não repugnaria aceitar a sua dispensa, quanto a acórdãos do Supremo, presumindo-se o trânsito como acontece relativamente ao recurso para uniformização de jurisprudência (art. 688º-2). Não se vislumbram razões ponderosas que justifiquem a diversidade de tratamento, a não ser as inerentes ao próprio regime restritivo inerente à excecionalidade de admissibilidade do recurso e ao elevado número de recursos interpostos a coberto desse fundamento, a fazer recair sobre o interessado o dever de demonstrar que, por via de reforma ou arguição de nulidade, o acórdão não sofreu modificação. Certo é que, a questão foi colocada no domínio do anterior artigo 721º-A e, apesar disso, o legislador, que provavelmente a não ignorava, transpôs para a atual e correspondente al. c) a mesma redação, afastando a interpretação mais permissiva. 3. - De alguma utilidade parece revestir-se pôr em evidência, quanto a este ponto, os ónus que impendem sobre os recorrentes e que, com frequência, surgem incumpridos. Com efeito, não raramente se depara com situações em que o requerente se limita a escrever que interpõe recurso de revista excecional, ao abrigo de uma ou mais alíneas do art. 762º-1 CPC, 5 sem que, nas alegações que se seguem ofereça qualquer justificação tendente a indicar os motivos pelos quais se justifica a excecional reapreciação da causa pelo Tribunal de revista. Mais frequente, porém, é o requerente ficar-se, em sede de justificação destinada ao cumprimento dos ónus previstos pelo n.º 2 do artigo, pela mera reprodução das fórmulas constantes das alíneas, acrescentando-lhes ou não juízos conclusivos e de valor, que, para os fins em vista, em termos argumentativos, nada lhes acrescentam. Tudo a par da frequente omissão da identificação da questão relativamente à qual se entende verificar-se o pressuposto de excecionalidade e que se pretende ver reapreciada, à qual deve ser dirigida a justificação sobre a pretendida reapreciação - e em função da qual ou das quais deve fazer-se o juízo de admissibilidade do recurso excecional e deixar delimitado o objeto da revista -, apesar de o objeto do recurso, segundo a alegação, incidir sobre uma pluralidade questões. Ora, a lei aponta decisivamente no sentido da imposição ao requerente de alegar e justificar, mencionando razões objetivas e concretas pelas quais a relevância da questão que seleciona, identificando-a, se revela, e a sua apreciação, a título excecional, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Nada impede que o requerente eleja mais que uma questão, sendo que o objeto da revista se afere pela questão ou questões efetivamente selecionadas relativamente às quais se julgue verificado o requisito de excecionalidade. Ainda em tema de (in)cumprimento de ónus, não será impertinente deixar referido o que recorrentemente se constata na instrução do requisito contradição de acórdãos. 6 Não só as partes continuam a apresentar cópias, com proveniências várias, do acórdão-fundamento, como apresentam uma pluralidade de cópias, como se coubesse à formação eleger de entre essa pluralidade um acórdão, como prevê a lei, esquecendo, desde logo, o respeito pelo princípio de igualdade das partes a que está vinculado o julgador. 4. - De resolução mais delicada se apresentam certas questões atinentes à “dupla conforme”, como pressuposto negativo geral da revista nos termos gerais e específico da revista excecional. A “dupla conforme” não é sinónimo de identidade de resultados das decisões das instâncias. Esta pode ocorrer sem que se verifique dupla conformidade, tal como podem ter sido produzidas decisões com resultado não inteiramente sobreponível e encontrar-se preenchido o conceito de “dupla conforme”. Seguramente que se está perante uma dupla conformidade de decisões quando ocorrem duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira (art. 671º-3 CPC). No domínio do anterior Código, desenharam-se dois posicionamentos sobre o conceito de dupla conformidade. Um, então adotado pela formação, que a tinha por verificada sempre que a Relação confirmasse “de forma unânime e irrestrita” o julgado da 1ª instância, mantendo-o na íntegra, salvo quanto à fundamentação, que poderia ser diferente, isto é, desde 7 que o segmento decisório daquela coincidisse em relação de total sobreponibilidade com o desta, e sempre que tal acontecesse. Mas, divergentemente, havia já quem entendesse que a “dupla conformidade”, como conceito jurídico, deveria ser preenchido à luz de um critério normativo, com apelo às regras de hermenêutica jurídica consagradas no artigo 9º do C. Civil, sob pena de se dar acolhimento a um regime de incoerência e arbitrariedade no sistema de recursos no tocante ao acesso ao Supremo. Assim, não sendo possível lançar mão de um critério geral e abstrato, não poderá, deixar de confrontar-se o concreto objeto do recurso ou da impugnação do recorrente, relativamente às questões que o Supremo possa conhecer, com a necessária comparação das decisões das instâncias, em prognose de averiguação da aptidão do recurso para modificar aquilo em que as decisões sejam desconformes. Não pode, pois, desconsiderar-se a eventual presença de questões e correspondentes decisões autónomas e cindíveis relativamente a outras, revelando-se por diferentes pretensões igualmente autónomas. Em tal contexto, impõe-se que o julgador aprecie em relação a cada uma das respostas a essas questões e pretensões ou pedidos o grau de identidade entre as decisões das instâncias, vale dizer, os termos da respetiva conformidade. Na verdade, como se afirma em acórdão relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego (de 10-5-2012, no proc. 645/08.0TBALB.C1.S1), “não pode deixar de se verificar, em concreto, qual a exata configuração de cada um dos casos sub juditio, não sendo possível desligar em absoluto a referida exigência de coincidência total das decisões da particular fisionomia da situação concreta em apreciação”. 8 Nas mesmas águas navega o Conselheiro Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo CPC”, 2ª ed., 305), aderindo à posição defendida pelo Prof. Teixeira de Sousa, segundo o qual, a “conformidade” ou “desconformidade” das decisões das instâncias não é um conceito unitário, mas antes um conceito divisível ou fracionável pelas partes, podendo ser “conformes” para uma e “desconformes” para outra, concluindo e propondo, como critério geral, que “sempre que o apelante obtenha uma procedência parcial do recurso na Relação, isto é, sempre que a Relação pronuncie uma decisão que é mais favorável – tanto no aspecto quantitativo como no aspecto qualitativo – para esse recorrente do que a decisão recorrida proferida ela 1ª instância, está-se perante duas decisões “conformes” que impedem que essa parte possa interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”. Vai, sem reservas, neste sentido a atual jurisprudência da formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672º, como o revelam as decisões proferidas. Como corolário do expendido, não só cabem na “dupla conforme” as mais frequentes situações, referentes a obrigações pecuniárias, em que Relação revê em baixa os montantes da condenação, resultando numa situação mais vantajosa para o recorrente, quantitativamente consumida pela fixada na 1ª instância ou nela incluída, como aquelas em que poderão verificar-se, no mesmo acórdão, decisões conformes e desconformes, como acontece quando tenha sido deduzida uma pluralidade de pretensões ou de pedidos cumulados e, relativamente a uma ou algumas, haja apreciação confirmatória da primeira decisão, enquanto relativamente a outra ou outras ocorra divergência. 9 É o que sucede, por exemplo, no caso de a Relação confirmar a sentença da 1ª instância que reconhece a extinção, por caducidade, de um contrato de arrendamento do imóvel vendido em ação executiva, mas revogá-la quanto à absolvição do pedido de indemnização, condenando por privação do uso. Está-se perante decisões distintas, independentes e autónomas, resultantes de uma cumulação de pedidos, emergentes também de distintas causas de pedir, em que a circunstância de a procedência de um pedido ser pressuposto do reconhecimento do outro, não briga com a autonomia dos pedidos cumulados, respeitantes a distintas relações jurídicas, enformadas por diferentes institutos (a relação locativa e a responsabilidade civil). Mais uma vez, careceria de racionalidade poder decorrer o direito ao recurso de uma decisão que, se proferida sobre pedido único, estaria vedada, da prolação de uma outra insuscetível de nela ter repercussão, fazendo, por via da mera circunstância de se haver formulado um qualquer pedido cumulado, «nascer» a faculdade de obtenção da sua alteração. Ainda em tema de “dupla conforme”, uma alusão ao recurso de revista sobre a matéria de facto. É frequente a interposição de revista excecional fundada na oposição de acórdãos (al. c) do art. 672º-1), nomeadamente quando o Tribunal da Relação, em recurso de apelação que tem por objeto a impugnação da matéria de facto fixada na 1ª instância, a mantém. Arranca-se, para tanto, da ideia de que, persistindo inalterado o quadro factual considerado na sentença, se estará perante uma situação de “dupla conformidade”. 10 Ora, estando em causa a valoração da matéria de facto de livre apreciação, que não seja alterada, não se coloca qualquer problema de “dupla conforme” ou de revista excecional pela óbvia razão de que não se está perante uma questão de direito – não sendo caso de prova vinculada -, sendo o objeto de um tal recurso o não uso de poderes da Relação que só a ela competem e dela são privativos quanto à última palavra sobre a apreciação da prova não vinculada. Não haverá, a montante, recurso de revista nos termos gerais, pelo que a excecional estará igualmente arredada (art. 674º-3 CPC). Diferentemente, porém, quando o recorrente imputa à decisão que impugna a violação de lei processual, nomeadamente os arts. 640º e 662º-1 do CPC, por indevida rejeição do recurso de apelação na parte respeitante à reapreciação da prova, em conformidade com a impugnação feita da decisão da 1ª Instância. Também aqui o Tribunal da Relação se move no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos nessas normas, em ordem a assegurar um efetivo segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. Esses poderes da Relação não encontram, porém, correspondência na decisão da 1ª instância sobre a mesma matéria, independentemente da convergência ou divergência sobre o julgamento dos vários pontos de facto, por isso que também são diferentes as normas processuais por que se regem os respetivos julgadores, não podendo falar-se em duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, em que a segunda seja confirmatória da primeira, como exige a dupla conformidade. Assim, embora haja uma decisão sobre a matéria de facto e outra que recai sobre o seu julgamento, mantendo-a, não poderá afirmar-se que, quando se questione o respeito pelas normas 11 processuais dos arts. 640º e 662º pela Relação, que só esta pode violar, se possa falar de uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões sucessivas conformes. Não se perfila, portanto, em qualquer dos casos, um problema de “dupla conformidade” e de revista excecional. 5. - O Novo CPC introduziu no conceito de “dupla conforme” um novo requisito negativo que consiste em a decisão confirmatória ter sido proferida “sem fundamentação essencialmente diferente” – art. 671º-3. Consequentemente, perante a restrição acolhida, não haverá “dupla conforme” quando o Tribunal da Relação, apesar da coincidência do segmento decisório do acórdão, tenha utilizado “fundamentação essencialmente diferente”. O significado e alcance da restrição não têm suscitado divergências de entendimento relevantes. Na determinação do sentido com que deve valer o novo conceito indeterminado, todos fazem apelo a uma fundamentação ou motivação jurídica que contemple “um quadro normativo substancialmente diverso, um diverso enquadramento jurídico”, assente ou não num idêntico quadro factual, desconsiderando-se divergências secundárias que “não representem efetivamente um percurso jurídico diverso (…), não aceitação de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou admitido” (ABRANTES GERALDES, ob. cit., 301). A verificação de uma “fundamentação essencialmente diferente”, para efeito de afastamento da “dupla conformidade” de 12 decisões, pressuporá, portanto, que a solução jurídica perfilhada pela Relação, e em termos determinantes para a mesma, decorra da convocação, interpretação e aplicação de normas ou institutos jurídicos em termos “perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida na 1ª instância” – cfr., v.g., acs. de 19-02-2015 (proc. 302913/11.6YIPRT.E1.S1), de 30-42015 (proc. 1583/08.2TCSNT.L1.S1). Ainda a propósito da “dupla conforme”, caberá fazer menção do particular tratamento que vem merecendo os recursos integráveis na previsão do artigo 14º-1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) que, preexistindo à figura da revista excecional, não foi objeto modificação ou adaptação. Segundo esta norma, “no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença declaração de insolvência, não é admissível recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo jurisprudência com ele conforme”. Perante um tal preceito, tal como o da al. c) do n.º 1 do artigo 672º, restringindo o recurso de revista às situações de demonstração de contradição de acórdãos, mas prescindindo do pressuposto geral da “dupla conformidade”, coloca-se o problema conciliação das duas normas, designadamente em termos de saber 13 se em caso de “dupla conforme” caberia à formação do artigo 672º-3 apreciar a existência de contradição e admitir ou não a revista excecional, coexistindo uma dualidade de competências a depender do teor decisão recorrida, bem como a questão de saber se, perante um pressuposto comum de admissibilidade da revista nas decisões abrangidas por aquele artigo 14º-1, apenas seria de considerar a possibilidade de lançar mão da revista excecional se, além da existência da oposição, se verificasse, cumulativamente com ele, outro requisito específico, o da alínea a) ou b). As dúvidas e hesitações, geradoras de perturbação na desejável certeza da aplicação do direito, que só a adoção de um critério orientador permitiriam ultrapassar, foram, por consenso entre a formação e os Juízes que compõem a 6ª Secção Cível, à qual são distribuídos os recursos de revista relativos questões de comércio, nos termos do artigo 54º-2 da LOSJ (Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013), resolvidas no sentido de, quanto aos recursos incluídos no campo de aplicabilidade daquela norma do CIRE - por se estar perante lei especial que, por isso, estabelece um regime também especial, de aplicação direta e autónoma -, a respetiva admissibilidade não estar condicionada ao regime específico da revista excecional, ocorrendo, portanto, independentemente da dupla conformidade das decisões das Instâncias. A limitação da impugnação por via do recurso de revista previsto no artigo 14º-1, perante o critério seguindo, será, portanto, apenas, a que o próprio CIRE, especial e autonomamente, estabelece. 6. - A decisão da formação de juízes do STJ, quanto à verificação dos pressupostos da revista excecional, deve ser sumariamente fundamentada e é definitiva, não sendo suscetível 14 de reclamação ou recurso, como estabelecem os n.ºs 3 e 4 do artigo 672º. Apresentado o recurso na Relação, deve o relator apreciar a presença dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista e, em conformidade com o resultado dessa apreciação, a aferir pela satisfação do preceituado nos artigos 629º-1, 641º e 671º-1, rejeitá-lo ou admiti-lo, deixando sempre ao Supremo a apreciação dos requisitos específicos da revista excecional. Admitido o recurso pelo Relator, segue-se a remessa ao STJ e a distribuição, como previsto nos artigos 213º e 215º do CPC, em cujas espécies, note-se, não consta qualquer alusão a revista excecional. Assim, o recurso deve ser distribuído como revista, cabendo ao relator proceder à apreciação liminar sobre o prosseguimento e saneamento da instância de recurso, nos termos previstos pelos artigos 679º e 652º do CPC. Aí se incluirá a tarefa de verificar se ocorre, como pressuposto geral excludente da revista nos termos gerais, uma situação de “dupla conforme”, a declarar e ditar a rejeição do recurso ou a sua apresentação à formação, a quem está deferida a competência para decidir sobre a admissibilidade da revista excecional, no caso de esta ter sido requerida, exclusiva ou subsidiariamente. É claro que a decisão do relator deve estar sujeita à normal impugnação, desde logo para a conferência, nos termos do art. 652º-3, devendo o processo ser remetido à formação apenas quando a decisão sobre o concurso dos requisitos de admissibilidade da revista nos termos gerais e do da dupla conformidade se tiver consolidado. 15 Só assim, isto é, só quando entendida como limitada à competência funcional fixada no n.º 3 do artigo 672º, restrita verificação dos pressupostos específicos da revista excecional – que não quanto ao que bula com a apreciação de pressupostos gerais, positivos ou negativos, natural e originariamente deferidos ao relator encontrado na distribuição -, se compreende a definitividade da decisão de apreciação sumária do coletivo que integra a formação. Acontece, porém, que, desde a introdução da revista excecional, pela Reforma de 2007, a prática seguida no Supremo consiste na imediata “distribuição” pelos juízes da formação dos processos em que tenha sido requerida a revista excecional, mesmo subsidiariamente, levando-os diretamente à sua apreciação, tendo a distribuição normal lugar se a revista excecional for admitida ou se a formação entender que não há obstáculo à revista nos termos gerais, designadamente por não existir “dupla conforme”. Reconhece-se que, nos casos em que os pressupostos do recurso estão presentes, sendo líquida, desde logo, a existência de “dupla conforme”, há ganhos em sede de economia processual. Mas, desse procedimento resulta, pelo menos reflexamente, a imposição à formação de, como questão prévia, emitir pronúncia sobre os pressupostos de recorribilidade nos termos gerais – valor, sucumbência, legitimidade do recorrente, objeto do recurso, etc. – bem como sobre a “dupla conforme” como pressuposto geral condicionante da admissibilidade excecional do recurso, razão de ser da sua própria convocação para intervenção, sem que tal competência lhe esteja atribuída pelas normas do art. 672º, cujos números 3 e 4 são bem claros na definição do objeto, âmbito e limites do julgamento que lhe é cometido: – o da 16 verificação do concurso de um ou mais dos específicos fundamentos enunciados no seu número 1, do mesmo passo subtraído à competência geral do relator. Ora, a consagrada definitividade da decisão da formação revela-se, a meu ver, de difícil compatibilização com a prática que vem sendo seguida, pois que não só não parece razoável suprimir a possibilidade de reação do recorrente contra uma primeira e única decisão que lhe não reconheça o direito ao recurso ausência de requisitos gerais, contrariando o regime regra, como, não sendo impossível ocorrer contradição de julgados entre a decisão da formação, por um lado, e a do relator e respetiva conferência, por outro, essa contradição quando tivesse lugar haveria de verificar-se sempre entre acórdãos de conferências, a resolver nos termos gerais. Assim se obstaria a situações, já ocorridas, e para as quais não se vê solução com cobertura legal prevista, em que depois de a formação ter proferido decisão no sentido de não haver “dupla conforme”, enviando o processo para apreciação como revista nos termos gerais, o relator e a respetiva conferência, decidiram só ser possível a revista excecional por ser caso de dupla conformidade, o que acabou por resultar na rejeição da revista “normal” e na não apreciação da admissibilidade do recurso a título excecional. O remédio parece não poder ser outro que não seja considerar que a “definitividade” da decisão da formação não implica a formação de caso julgado sobre essa decisão quando decida sobre os pressupostos gerais do recurso de revista, maxime da inexistência de dupla conforme, não se impondo ao relator a quem venha a caber a verificação desses requisitos gerais, nos termos do artigo 652º. 17 As decisões da formação são definitivas no que concerne ao uso da sua competência única, mas quando está em causa pronúncia sobre questões que extravasam a competência que lhe está exclusivamente atribuída aquela definitividade não se impõe, não havendo impedimento a que sobre essas questões caiba, de pleno, ao relator a quem o processo for distribuído decidir, “abrindo aqui mais uma exceção à intangibilidade do caso julgado, com o fundamento pertinente de que deve caber a quem tem competência para apreciar o mérito do recurso a decisão final sobre a sua admissibilidade” (ac. TC, de 4-5-2015). A formação atualmente em funções, confrontada com a incontornabilidade de apreciação dos requisitos gerais, por via do referido chamamento direto e imediato decorrente do procedimento de distribuição adotado, também assim o vem entendendo, deferindo à decisão do relator a quem o processo seja distribuído prevalência sobre os termos em que se ela própria se tenha pronunciado sobre essas questões prévias de natureza geral. Por esta via vem sendo superada (harmonizada) uma questão de “competências” jurisdicionais, cuja solução se encontraria a montante, por via da alteração do procedimento de “distribuição” em vigor, alteração que já se defendeu antes do atual CPC (no domínio dos anteriores artigos 721º e 721º-A), e que agora tem resultados agravados com a introdução do requisito “fundamentação essencialmente diferente”, resultados não desejáveis, que as sobreditas razões de economia não compensarão. Lisboa, 25 Junho 2015 (António A. M. Alves Velho) 18