Afogamento e quase-afogamento Internato de Pediatria – HRAS Turma 2002 Aluna: Milena de Andrade Melo ABRIL 2006 Coordenação: Elisa de Carvalho/Paulo R. Margotto Definição Afogamento: Morte em até 24 horas após acidente por submersão em meio líquido. Quase-afogamento: Episódio de suficiente gravidade após submersão que exige atenção médica a vítima que pode evoluir com alguma morbi-mortalidade. Afogamento secundário:Morte decorrente de complicações ou acidente por submersão. Síndrome da submersão: Morte súbita, provavelmente mediada pelo vago, devido à parada cardíaca após contato com água gelada. Epidemiologia • Estima-se que 500 mil pessoas se afogam a cada ano em todo o mundo -1 pessoa a cada minuto • 1998 (OMS): Taxa de mortalidade por afogamento de 8,4/100000 • Como causa de morte: – Crianças menores que 5 anos: 11° lugar – Crianças entre 5-14 anos: 4° lugar • Crianças menores de 5 anos respondem por aproximadamente 40% das mortes por afogamento Epidemiologia • Fatores de risco – Idade: Taxas de afogamento são mais altas em crianças menores que 5 anos (42%) e, a seguir, no grupo entre 15-19 anos (29%) – Sexo: Vítimas masculinas predominam em todas as idades totalizando 74% das mortes • Relação homens:mulheres aumenta de 2:1 em crianças para mais de 10:1 em adolescentes – Raça: 2 a 3 vezes mais em negros – Doenças associadas - Epilepsia: risco 4 a 13 vezes maior de afogamento Epidemiologia • Local de afogamento: – Mais de 50% dos lactentes sofrem submersão em banheiras – Crianças menores que 5 anos, o afogamento é comum em baldes, vasos sanitários, lavadoras, pias e piscinas residenciais – Crianças mais velhas e adolescentes: até 70% ocorrem em locais com água abertos como lagos, rios, tanques • Mais de 50% associados ao uso de álcool/drogas Fisiopatologia • A maioria das vítimas pediátricas afoga-se silenciosamente – Crianças pequenas podem lutar apenas 1020 s antes que ocorra o evento final de submersão • Ocorrendo a submersão, todos os órgãos e tecidos estão em risco de hipóxia • A gravidade da lesão depende da duração da exposição ao mecanismo de lesão. Fisiopatologia Submersão Hipercapnia Narcose Agitação Laringoespasmo Apnéia Voluntária Respiração voluntária Aspiração Apnéia secundária Parada respiratória Hipóxia Parada Cardíaca MORTE CEREBRAL Fisiopatologia • Lesão anóxico-isquêmica – Alterações cardiovasculares: • Liberação intensa de catecolaminas Taquicardia inicial seguida seguida por hipertensão grave e bradicardia reflexa • Após 3-4 min: A circulação falha abruptamente hipóxia miocárdica arritmias perfusão ineficaz • Lesão rápida, progressiva e irreversível impossibilidade de ressuscitação bem sucedida Fisiopatologia • Lesão anóxico-isquêmica: • O cérebro é extremamente sensível à lesão hipóxicoisquêmica Lesões irreversíveis em 3-5 min • Maior causa de morbi-mortalidade a longo prazo – Alterações cerebrais • O cérebro apresenta reservas mínimas de energia Após 2 min de anoxia o ATP está criticamente esgotado • Na parada cardiopulmonar, aberrações do FSC e a auto-regulação prejudicada podem persistir após ressuscitação: Após ressuscitação FSC aumentado (15-30 min) Hipoperfusão retardada (horas-dias) comibinada ou não com a demanda metabólica lesão adicional Fisiopatologia • Lesão anóxico-isquêmica – Alterações cerebrais • Lesões secundárias durante a reperfusão: Liberação de Glutamato e aminoácidos excitatórios Ativação de receptores na membrana de células neurais Ativação de receptores metabolotrópicos Influxo de cálcio e sódio Disparam sistemas de segundo mensageiro e levam a liberação de cálcio de reservas intracelulares Via final pra lesão celular irreversível e morte Fisiopatologia • Lesões anóxico-isquêmicas: – Alterações demais órgãos: • Pulmão: – Lesão endotelial Aumenta permeabilidade vascular SARA • Disfunção miocárdica: – Hipotensão arterial Débito cardíaco diminuído Choque – Arritmias e IAM também podem ocorrer • Rins: – Necrose tubular aguda ou necrose cortical: complicações comuns em grandes eventos hipóxico-isquêmicos • Lesão endotelial vascular: – CID, hemólise e trombocitopenia Fisiopatologia • Lesão anóxico-isquêmica – Alterações demais órgãos: • Lesão gastrintestinal – Diarréia sanguínea com esfacelo de mucosa pode ser vista após eventos hipóxico-isquêmico graves: muitas vezes prognóstico de lesão fatal • Concentrações de transaminases hepáticas e enzimas pancreáticas séricas muitas vezes tornam-se elevadas agudamente • A violação de barreiras protetoras mucosas normais predispõe a vítima a bacteremia e sepse Fisiopatologia • Aspiração e lesão pulmonar: – Aspiração: • Ocorre na grande maioria das vítimas • Geralmente aspiram pequena quantidade • A quantidade e composição do material aspirado podem afetar a evolução clínica do paciente: – Conteúdo gástrico, água salina, organismos patogênicos, substâncias tóxicas podem lesar o pulmão ou causar obstrução de via aérea – Aspirações volumosas aumentam a probabilidade de disfunção pulmonar grave • O tratamento clínico não é significativamente alterado pela aspiração de água do mar ou água doce Fisiopatologia • Aspiração e lesão pulmonar: – Hipoxemia e insuficiência pulmonar: • Resultam do desequilíbrio ventilação/perfusão, aumento do shunt intrapulmonar, diminuição da complacência pulmonar e aumento da resistência das pequenas vias aéreas • A aspiração de 1-3 ml/kg pode levar a hipoxemia acentuada e uma redução de 10-40% na complacência pulmonar Fisiopatologia • Aspiração e lesão pulmonar: – Lesões pulmonares: • Edema pulmonar e SARA – Consequentes à aspiração de líquido ou material estranho, hipóxia-isquemia ou hipotermia acentuada – Pode ser cardiogênico, ou, incomumente, neurogênico • Pneumonia – Decorrente da aspiração de material contaminado • Lesão direta das vias aéreas – Aspiração de suco gástrico ou agente cáustico • Lesão pulmonar associada a ventilador: – Uso de volumes correntes ou pressões excessivos ou exposição prolongada a altas concentrações de O2 Fisiopatologia • Hipotermia (temperatura central < 35°C) – É comum após submersão – Decorrente: • Contato prolongado da superfície corporal com água fria • Aspiração ou deglutição de grandes quantidades de líquido muito frio • E quedas adicionais de temperatura após remoção da água : ar frio, roupas molhadas, hipóxia – Crianças têm elevado risco de hipotermia: • Relação relativamente alta de área de superfície para massa corporal • Menos gordura subcutânea • Capacidade termogênica limitada Fisiopatologia • Hipotermia – Hipotermia moderada (temp. central 32-35°C) • Atuação de mecanismos de compensação Aumento no consumo de O2 Termogênese por tremor e tono simpático aumentado – Hipotermia grave (temp. central < 32°C) • Termorregulação falha e reaquecimento não ocorre: O tremor cessa e a taxa metabólica celular diminui 7% por °C na ausência de termogênese ativa Fisiopatologia • Hipotermia (moderada a grave) – Alterações cardiovasculares: • Bradicardia progressiva, contratilidade miocárdica prejudicada e perda do tono vasomotor perfusão inadequada hipotensão choque Abaixo de 28°C: Bradicardia extrema e propensão à FV espontânea ou assistolia – Alterações respiratórias: • Depressão do centro respiratório hipoventilação e apnéia – Alterações neurológicas: • Coma profundo com pupilas fixas e dilatadas e reflexos ausentes falsa aparência de morte (hipotermia grave) Fisiopatologia • Hipotermia – Outras consequências sistêmicas: • SARA: Pode ser vista na ausência de submersão e aspiração • Metabolismo hepatorrenal diminuído redução da depuração de drogas • Hipoglicemia: Exaustão das reservas de glicogênio • Hiperglicemia: Liberação de catecolaminas liberação alterada de insulina pancreática e utilização periférica reduzida de glicose • Trombocitopenia, disfunção de plaquetas e CID • Comprometimento da função de neutrófilos e retículo endotelial Maior suscetibilidade à infecção bacteriana, fúngica e sepse Manifestações clínicas e tratamento • Evolução clínica é determinada: – – – – Circunstâncias do incidente Duração da submersão Velocidade de salvamento Eficácia de forças ressuscitativas • Tratamento inicial: – Tratamento pré-hospitalar coordenado e experiente obedecendo ao ABC de ressuscitação de emergência • Tratamento subsequente – No setor de emergência e UTIP • Envolve estratégias avançadas de suporte de vida • Tratamento de disfunção de múltiplos órgãos Monitorização Sistema Respiratório • Gasometrias arteriais seriadas • Radiografia de tórax • Amostra de Gram e cultura em caso de secreção brônquica Sistema Cardiovascular • Pele (coloração, temperatura, perfusão) • FC • ECG Monitorização Sistema neurológico • Escala de Glasgow PIC Temperatura corpórea Monitorização de rotina: • Função renal com débito urinário, hematúria e proteinúria • Dosagem sérica de uréia e creatinina • Função hepática com coagulograma, transaminases • Glicemia Tratamento Insuficiência Respiratória Oferecer O2 suplementar para atingir PaO2>100mmHg Manter PaCO2 entre 25 e 35 mmHg Intubação endotraqueal e ventilação mecânica podem ser necessárias Pacientes com insuficiência grave Oferecer grande quantidade de volume corrente (12 a 15 ml/Kg) e alto PEEP Garante oxigenação e ventilação adequadas Tratamento Insuficiência Cardíaca Por ser secundária à hipotermia, hipóxia e acidose, é reversível. Adequação de volume intravascular: reposição de volume e, se necessário, uso de drogas vasoativas Principalmente quando paciente recebe ventilação com grande quantidade de volume corrente ou altos níveis de PEEP cursa com prejuízo no DC. Tratamento Lesão Cerebral Busca prevenção da progressão da lesão hipóxico-isquêmica Manter a normotermia Garantir ótima oferta de O2 cerebral Manter Ht acima de 30% Ofertar glicose e calorias para restabelecimento de metabolismo celular normal Tratamento Lesão Cerebral Prevenir convulsões principalmente nos pacientes com lesões cerebrais graves Controle da PIC não melhora evolução, porém, deve-se realizar hiperventilação leve, sedação, balanço hídrico rigoroso, elevação de cabeceira, limitar pressões de sucção e tosse. Tratamento Correção de hipotermia Reaquecimento ativo em todos os pacientes com T< 32ºC: Lavagem gástrica ou peritoneal com soro morno; Administração de fluidos via intravenosa e O2 úmido aquecidos a 40 ºC Pacientes com T> 32ºC e estáveis hemodinamicamente: Podem ser aquecidos com cobertores e aquecedores externos O reaquecimento deve ser interrompido quando se atinge temperatura entre 34ºC e 35ºC. Prognóstico • Globalmente, cerca de 80% das vítimas sobrevivem – 92% destes têm uma recuperação completa • Crianças com tratamento em UTIP: – 50% sobrevive neurologicamente intacta – 7-27% apresentam lesão cerebral grave – 13-35% morrem • A maioria das crianças apresentam bons ou maus resultados, poucos com lesão neurológica intermediária Prognóstico • Fatores preditivos: – Variáveis históricas: • Duração da submersão • Intervenção no local • Tempo de hipotermia – Variáveis de tratamento: • Necessidade de RCP Apnéia, ausência de pulso, duração da ressuscitação • ECoG: e progressão: < 5 mau prognóstico • Resposta pupilar e reflexo do tronco cerebral: melhora durante as primeiras 24-72h bom prognóstico – Exames de laboratório: • pH • glicemia Prognóstico • Melhores parâmetros de prognóstico a longo prazo do SNC: – Exame neurológico e melhora durante as primeiras 24-72h: • Crianças que recuperam a consciência dentro de 72h, mesmo após ressuscitação prolongada, tendem a não apresentar sequelas neurológicas graves Prevenção “A melhor esperança de ‘cura’ do afogamento e suas consequências reside na prevenção” • Pediatra: papel crucial na prevenção • Educar pais sobre risco de artefatos comuns: banheiras, baldes, vaso sanitário e máquina de lavar • Piscinas residenciais devem ser foco de esforço preventivo: – Cercas de isolamento apropriadas podem prevenir até 80% do afogamento de crianças pequenas – Capas de piscina Prevenção • Atentar sobre necessidade de supervisão de um adulto 24 horas • Treinamento da população quanto a RCP básica • Natação: • Aconselhada para crianças maiores de 4 anos • Adolescentes: • Atentar sobre o uso de álcool e drogas • Proteção individual OBRIGADA!