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Campinas, 26 de setembro a 2 de outubro de 2011
Com sabor,
mas sem glúten
Fotos: Antoninho Perri/Divulgação
Pesquisadora
desenvolve
bolo de cenoura
sem a proteína
que afeta os
celíacos;
alimento também
não contém
sacarose
E
MANUEL ALVES FILHO
Bolos produzidos durante a pesquisa: testes sensoriais aprovaram maciez, doçura e aparência
[email protected]
studos científicos indicam que
o Brasil abriga uma população
equivalente à da cidade de
Campinas (SP) de portadores
de doença celíaca, o que representa perto de um milhão
de pessoas. Embora não seja
pequeno, esse contingente não tem
justificado, no entender da indústria
alimentícia nacional, o desenvolvimento de uma linha extensa de produtos
isentos de glúten, proteína presente no
trigo, aveia, centeio e malte, e à qual
os celíacos são intolerantes. A despeito dessa “resistência”, a nutricionista
Angélica Aparecida Maurício desenvolveu para a sua tese de doutorado
um bolo de cenoura isento de glúten e
sacarose, com aparência e sabor semelhante ao do alimento convencional. O
trabalho, apontado em meados de 2010
como o melhor na área de Marketing e
Tecnologia pelo Congresso Brasileiro
de Nutrição (Conbran), foi apresentado à Faculdade de Engenharia de
Alimentos (FEA) da Unicamp, sob a
orientação da professora Helena Maria
André Bolini.
De acordo com Angélica, a disponibilidade de alimentos industrializados
sem a presença de glúten ainda é muito
pequena no país, ao contrário do que
ocorre no exterior, onde a diversidade
é muito maior. Aqui, se um celíaco
quiser elaborar um cardápio para o almoço e jantar e tiver que comprar tudo
no supermercado, por exemplo, ele
certamente encontrará muitas dificuldades. “Ou então, terá que passar por
um quadro de repetição de alimentos”,
afirma a autora da tese. Isso acontece,
segundo ela, porque a indústria entende
que o número de portadores de doença
celíaca não constitui um mercado que
justifique o lançamento de uma grande
variedade de produtos.
Atualmente, informa Angélica, os
alimentos mais procurados pelos celíacos pertencem aos segmentos de massa
e panificação. “Em relação a esses
alimentos, ainda é possível encontrar
alguma coisa no mercado. Nesse caso,
a farinha de trigo normalmente é substituída por farinha de arroz, polvilho e
amido de milho. O dado negativo é que
esses produtos costumam ser mais caros do que os convencionais”, assinala
a nutricionista. A pesquisadora diz que
procurou contemplar na sua pesquisa
uma parcela ainda mais restrita da
população, que é o celíaco diabético.
Assim, ela buscou desenvolver uma
receita que fosse isenta tanto de glúten
quanto de sacarose.
Angélica conta que optou pelo bolo
de cenoura por se tratar de um alimento
que não leva leite na sua preparação
(é isento de lactose) e que conta com
maior concentração de vitamina A,
proporcionada pela cenoura. Conforme
a pesquisadora, os celíacos costumam
apresentar deficiência de vitaminas
lipossolúveis, como é o caso da vitamina A. Para chegar a um resultado que
ficasse próximo ao do bolo comum, a
autora da tese teve que promover vários
testes até chegar a uma formulação que
oferecesse as características desejadas
por ela. “Eu substituí a sacarose pela
Bolos expostos em prateleira de supermercado: pequena oferta de produtos isentos de glúten causa problemas aos celíacos
sucralose. Também desenvolvi um mix
de farinhas que pudesse proporcionar a
consistência e a maciez próximas das
do bolo de cenoura convencional. Usei
basicamente farinha de arroz, fécula de
batata, amido de milho e fubá, em diferentes proporções. Foram inicialmente
45 preparações. A partir dos melhores
resultados de cada ingrediente, cheguei
à formulação final”, explica.
Os bolos produzidos a partir dessa receita foram submetidos a testes
sensoriais, dos quais participaram
tanto potenciais consumidores quanto
equipes treinadas para testes como
o de Análise Descritiva Quantitativa
(ADQ). “A avaliação foi muito positiva, principalmente quanto à maciez, doçura e aparência. As pessoas
destacaram que eles ficaram muitos
parecidos com o bolo convencional”,
assinala Angélica. De acordo com a
nutricionista, a expectativa agora é que
a tecnologia deixe a escala de bancada
e possa ser aproveitada pela indústria.
“Para isso, serão necessários alguns
aperfeiçoamentos e ajustes. Precisamos
testar inicialmente em escala piloto,
antes que o produto possa ser fabricado
em escala industrial. Eu mesmo tenho
interesse em continuar trabalhando no
aprimoramento da tecnologia”, adianta ela, que atualmente é professora
da Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
A pequena oferta de produtos isentos de glúten causa diversos problemas
aos celíacos, como observa a autora
da tese. O primeiro e mais visível é
a dificuldade de compor uma dieta
diversificada. Outra questão refere-se
à sociabilidade desse grupo. Como os
restaurantes também não têm grande
preocupação em oferecer pratos sem
a presença da proteína, os portadores
de doença celíaca dificilmente saem
para comer. “Eles também evitam ir a
festas nas casas de amigos pelo mesmo
motivo. Quando o fazem, ou se alimentam antes em casa ou levam uma
espécie de marmita”, relata Angélica,
que contou com bolsa cedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
A nutricionista Angélica Maurício:
são poucas as opções de
alimentos industrializados
aos celíacos e aos diabéticos
Científico e Tecnológico (CNPq), órgão
do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI).
A doença
A Associação dos Celíacos do Brasil
(Acelbra) estima, baseada em estudo
da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), que exista um portador de
doença celíaca para cada 214 habitantes. Tomando-se como referência uma
população de 190 milhões de pessoas,
o Brasil teria, portanto, 892 mil celíacos. Esse contingente é intolerante
ao glúten, proteína presente no trigo,
aveia, centeio e malte. A substância
afeta o intestino delgado de crianças e
adultos, podendo acarretar problemas
como diarreia, dificuldade de absorção
de vitaminas, sais minerais e água, além
de causar fadiga.
O tratamento consiste na adoção de
uma dieta totalmente isenta de glúten.
Os portadores da doença não podem
ingerir alimentos convencionais como
pães, bolos, bolachas, macarrões, salgadinhos, cervejas, uísques e vodca,
entre outros. Por causa da exclusão de
pratos ricos em carboidrato e fibras, o
cardápio dos celíacos frequentemente
privilegia as gorduras, o que pode levar
a pessoa a um aumento significativo de
peso. Por isso, é recomendável que o
portador da doença celíaca tente fazer
uma dieta mais equilibrada, ampliando
o consumo principalmente de frutas,
legumes, verduras e sucos naturais.
Uma das primeiras referências à doença remonta ao século II. Na ocasião,
o médico grego Aretaeus da Capadócia
descreveu pessoas que apresentavam
um determinado tipo de diarreia usando a palavra “Koiliakos” (aqueles
que sofrem do intestino). Em 1888, o
médico e pesquisador inglês Sanuel
Gee também descreveu os sintomas da
moléstia, associando-a ao consumo de
farinhas. Ele a designou de “afecção
celíaca”, a partir do termo empregado
por Aretaeus. “(...) se o doente pode
ser curado, há de sê-lo através da dieta
(...)”, registrou Gee.
Um dado curioso é que a Segunda
Guerra Mundial contribuiu, por assim
dizer, para que doença celíaca fosse
diagnosticada. Na Europa, em decorrência do racionamento de alimentos
imposto pela ocupação nazista, o
fornecimento de pão à população foi
drasticamente reduzido. Na Holanda, o
médico Willem Karel Dicke notou que
a queda no consumo de produtos à base
de trigo reduziu o número de casos da
doença. Dicke criaria, no começo de
1950, a primeira dieta livre de glúten
para pacientes com doença celíaca, que
permanece sendo o único tratamento
disponível até hoje.
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■ Publicação
Tese: “Desenvolvimento de bolo de cenoura sem glúten
com sacarose e diet e estudo do impacto do edulcorante
no perfil sensorial e na aceitação do consumidor”
Autora: Angélica Aparecida Maurício
Orientadora: Helena Maria André Bolini
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
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