A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
DOS ALUNOS SURDOS: UM ESTUDO DE CASO
Letícia de Sousa Leite1 - UFU
Resumo
As problematizações apresentadas neste trabalho dizem respeito à formação de professores
para atuar na educação dos alunos surdos, na perspectiva de uma escola inclusiva. O presente
trabalho tem como objetivo geral analisar as questões relacionadas ao processo de formação
de professores para a educação inclusiva, em especial na educação dos alunos surdos, em face
das observações, interlocuções, e constatações do que vêm ocorrendo nos espaços escolares.
Especificamente, pretende-se investigar as lacunas entre teoria na formação e prática em sala
de aula, discutir questões referentes ao desafio da escola inclusiva na perspectiva da educação
dos alunos surdos e refletir sobre as práticas educativas inclusivas em sala de aula. Esta
pesquisa, direcionada com base na metodologia de pesquisa qualitativa cujo procedimento foi
o Estudo de Caso, complementada por análise documental e entrevista com professores e
alunos surdos, empreendendo uma investigação em uma escola da Rede Estadual de uma
cidade da região. A fim de buscar suporte à temática envolvida no presente estudo, trabalhos
como os de Bogdan e Bikle (1994), Blanco (2002), Santos (2003), Skliar (2003), Mantoan
(2005), Martins e Machado (2009) e ainda alguns documentos oficiais, tais como, a Lei
10.436/02 e o Decreto 5.626/05 fundamentaram nossas discussões. Os resultados indicaram
algumas dificuldades que se repetem na prática pedagógica dos professores. O despreparo
desses profissionais em atuar na educação dos alunos surdos foi apontado como unanimidade
pelos entrevistados. Tais dados revelam que a formação inicial dos professores não os
preparou para a diversidade que compõe o cenário atual nas instituições escolares.
Palavras-chave: Formação de Professores. Educação dos Alunos Surdos. Educação
Inclusiva.
Introdução
As discussões em torno do processo de inclusão dos alunos surdos e da formação dos
profissionais para atuarem na educação de tais é recente, mas só passaram a ser amplamente
1
Especialista em Educação Especial com ênfase em Atendimento Educacional Especializado pela Universidade
Federal de Uberlândia – UFU. Intérprete de Libras da UFU vinculada ao Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e
Atendimento em Educação Especial – CEPAE/UFU e membro do e membro do Grupo de Pesquisas em Estudos
da Linguagem, Libras, Educação Especial e a Distância e Tecnologias (GPELEDT). [email protected]
disseminadas a partir de 2002, quando a Língua de Sinais Brasileira - Libras foi oficializada
mediante a promulgação da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, garantindo status linguístico
a Libras. Essa Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 que
confere à comunidade surda brasileira o direito ao ensino e apropriação das duas línguas, a
Línguas de Sinais como sua língua materna e a Língua Portuguesa, como segunda língua na
modalidade escrita.
O referido Decreto regula, além de outras ações, a questão da formação do Professor de
Língua Portuguesa para atuar no Atendimento Educacional Especializado. Em seu artigo 14
estabelece que as instituições federais de ensino devem prover as escolas com professor para
o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas. Além disso, o artigo
11 prevê que o Ministério da Educação promoverá programas específicos para a criação de
cursos de graduação em Letras: Libras/Língua Portuguesa, como segunda língua para surdos.
O Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005 regula também em seu artigo 13 que:
O ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua
para pessoas surdas, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos
de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais
do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de
licenciatura em Letras com habilitação em Língua Portuguesa (BRASIL,
2005).
Mesmo existindo a determinação legal que prevê a formação de tais profissionais, é
perceptível atualmente a escassez de professores para atuar no AEE no ensino de Língua
Portuguesa para surdos. Levantamentos prévios apontaram a ausência de formação de
professores de Língua Portuguesa para atuar nessa área. Esse mesmo levantamento apontou
que não é a surdez responsável pelo baixo desempenho dos alunos surdos na aprendizagem da
Língua Portuguesa, mas a maneira como esta língua tem sido ensinada nas escolas. Essa
lacuna é advinda da insuficiência de profissionais para atuar no ensino de Língua Portuguesa
para surdos, consistindo em um entrave para atender a determinação legal.
As aulas são faladas e as relações estabelecidas por meio de uma língua que é oral e
auditiva. Os alunos surdos, em função da ausência da experiência auditiva, desconhecem a
Língua Portuguesa, também em sua modalidade escrita. Quando tais sujeitos são inseridos no
espaço escolar, com acesso à educação sistematizada, esse aspecto interfere no processo de
aprendizagem, já que eles não têm aquisição da Língua Portuguesa. Quando o aluno surdo
não domina a língua pela qual o conhecimento na escola é mediado e as relações são
estabelecidas, o que ocorre é um processo educativo excludente.
O reconhecimento e o respeito às diferenças humanas exigem o envolvimento de toda
a sociedade para a sua aceitação e, mais que isto, empenho para transformar o ambiente
educacional para um público alvo de múltiplas manifestações culturais, sociais e linguística.
Com efeito, é importante questionar o quão desafiador é o diálogo da diversidade no contexto
escolar a fim de efetivar a educação inclusiva.
As problematizações apresentadas neste trabalho dizem respeito à formação de
professores para atuar na educação dos alunos surdos, na perspectiva de uma escola inclusiva.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as questões relacionadas ao processo de
formação de professores para a educação inclusiva, em especial na educação dos alunos
surdos, em face das observações, interlocuções, e constatações do que vêm ocorrendo nos
espaços escolares.
Especificamente, pretende-se investigar as lacunas entre teoria na formação e prática em
sala de aula, discutir questões referentes ao desafio da escola inclusiva na perspectiva da
educação dos alunos surdos e refletir sobre as práticas educativas inclusivas em sala de aula.
Esta pesquisa, direcionada com base na metodologia de pesquisa qualitativa cujo
procedimento foi o Estudo de Caso, complementada por análise documental e entrevista com
professores e alunos surdos, empreendendo uma investigação em uma escola da Rede
Estadual de uma cidade da região.
Somos motivados pelo desejo de apreender a problemática que envolve a formação dos
professores no que se refere à educação inclusiva dos alunos surdos. Nessa direção, o presente
estudo se justifica por constatarmos a importância da educação que considere a condição
linguística dos alunos surdos. Tal consideração aponta para a relevância da pesquisa ao
sistematizar informações referentes ao processo de formação dos professores para atuar na
educação inclusiva com os alunos surdos.
A fim de buscar suporte à temática envolvida no presente estudo, trabalhos como os de
Bogdan e Bikle (1994), Blanco (2002), Santos (2003), Skliar (2003), Mantoan (2005),
Martins e Machado (2009), dentre outros autores, e ainda alguns documentos oficiais, tais
como, a Lei 10.436/02 e o Decreto 5.626/05 fundamentaram nossas discussões.
Para fins didáticos, esse estudo está organizado em quatro partes, sendo que
primeiramente, explicitamos as nossas leituras a respeito da temática envolvendo a educação
inclusiva e a formação de professores. Posteriormente, apresentamos as trajetórias da
pesquisa, assim como o cenário da coleta de dados. Depois, demonstramos a apresentação,
discussão e análise dos dados, e, por último, nossas considerações finais.
Educação inclusiva e formação de professores
Ao regulamentar a Lei 10.436/02, o Decreto 5.626/05 instaura a política linguística que
reconhece a Libras como segunda língua oficial, “meio de comunicação objetiva e de
utilização corrente das comunidades surdas do Brasil”. O capítulo IV do referido Decreto
prevê um planejamento linguístico para a difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o
acesso das pessoas surdas à educação. No que tange à formação docente para atuar na
educação dos surdos, o Decreto 5.626/05 atribui ao poder público e às demais instituições de
ensino credenciadas ao MEC, tal responsabilidade. Mesmo após 10 anos da regulamentação
da Lei 10.436/02 as iniciativas ainda se mostram tímidas diante da demanda pungente.
Por inúmeras vezes os professores são encaminhados para a sala de aula
desconhecendo as particularidades dos alunos, isto é, não são formados adequadamente. Em
conformidade com o posicionamento destacado, Botelho (2002) faz uma crítica ao ensino nas
escolas comuns, pontuando que a maioria dos estabelecimentos desconhece o aluno surdo e as
consequências da surdez. Nessa direção, Blanco (2002) afirma que a escola deve estar
preparada para receber todas as pessoas, de modo que se tenha lugar para todas as diferenças
individuais, inclusive aquelas associadas a alguma deficiência.
Orientando-nos pelas proposições teóricas de Skliar (2003), percebemos que prevalece
a ideia de que todos são iguais e que o currículo central ainda é pensado no mito da igualdade
confundido com a mesmidade. Outro desafio, segundo este autor, é a conquista de um mesmo
espaço social ao se perceber semelhante aos demais, contudo, sem perder a identidade que
assegura a sua diferença pertencente a outro grupo. Existe a necessidade de (re) elaboração do
Currículo que contemple as diferenças educacionais dos surdos, além de investir na formação
do educador, possibilitando-lhe uma concepção teórica diferenciada da eurocêntrica.
Refletindo com Martins e Machado (2009), ao levar em conta que o aluno surdo
apresenta uma condição linguística diferente é preciso que os educadores estejam preparados
para desenvolver estratégias assertivas, oportunizando que as diversas esferas simbólicas
sejam utilizadas para a construção de um novo conhecimento a partir da Libras. Nessa
perspectiva, Santos (2003) defende que há de se levar em conta que as pessoas têm direitos
iguais, contudo, apresentam características que as diferenciam. A escola carece de estar
preparada para lidar com todas as diferenças, propondo maneiras diferentes de assegurar o
princípio democrático de educação para todos.
Dessa forma, deve-se alimentar o respeito ao limite do outro, aceitando suas diferenças
apresentadas de acordo com a particularidade de cada um. A escola que propõe uma educação
inclusiva deve considerar as necessidades de todos os alunos com ou sem deficiência. No
contexto da Educação Inclusiva, Mantoan (2005) enfatiza o discurso inclusivo ao pontuar que
inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças. A partir desse pressuposto, necessário
se faz repensar a formação de professores para atuar nesta escola.
Trajetórias da pesquisa
O presente estudo abrange a coleta de dados através da metodologia qualitativa com a
utilização de questionários, apresentando questões mistas - abertas e fechadas - aos sujeitos
envolvidos no processo de educação dos alunos surdos. A investigação qualitativa em
educação tem o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como
instrumento chave; “ao apreender as perspectivas dos participantes, a investigação qualitativa
faz luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frequentemente invisível
para o observador exterior” (BOGDAN e BIKLE, 1994, p. 51).
Desse modo, buscamos desenvolver uma leitura crítica da realidade, tendo em vista
que os fenômenos a serem apreendidos por esta pesquisa se situam em um momento histórico
em que os alunos surdos se encontram inseridos na sala de aula com os alunos ouvintes.
Como resultado da pesquisa de campo, chegou-se à conclusão de que é preciso considerar que
em nenhum momento, a possibilidade da educação inclusiva é separada da construção de uma
sociedade inclusiva.
A escola selecionada para o cenário de investigação foi instalada em uma cidade do
interior mineiro, no ano de 1972. Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP), atualmente a
escola atende mil e quinhentos alunos oriundos de diversas classes sociais, sendo três alunas
surdas. Duas alunas surdam cursam o sétimo ano do ensino fundamental e uma aluna cursa o
primeiro ano do ensino médio. A escola oferece do quinto ano do ensino fundamental ao
terceiro ano do ensino médio.
Atuam nesta unidade de ensino sessenta professores, dois intérpretes de Libras, dois
vice-diretores, quatro especialistas em educação, vinte e três servidores do quadro técnicoadministrativo e a diretora eleita pela comunidade escolar. Realizamos um questionário com o
universo de professores que atuam nas salas de aulas que atendem as alunas surdas. Foram
catorze questionários entregues. Destes, doze professores participaram a fim de evidenciar o
seu fazer pedagógico frente ao processo inclusivo dos alunos surdos inseridos na sala regular
de ensino. Durante a pesquisa dois docentes desistiram de participar da investigação. O tempo
de docência dos professores colaboradores de nossa investigação variou entre quatro a
dezenove anos de experiência.
Ampliando a discussão dessa temática, as três alunas surdas inseridas no contexto de
sala de aula inclusiva participaram da entrevista e a comunicação foi mediada pelo
profissional intérprete de Libras. Nesse cenário, as entrevistas permitem o aprofundamento
dos pressupostos levantados pela interação que a mesma propícia permitindo assim ao
investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos
interpretam aspectos do mundo pelo seu caráter de sugerir diálogos e retomadas de aspectos
do passado coloca “a entrevista como uma relação social entre pessoas” (THOMPSON,
2002).
Apresentação, discussão e análise dos dados
Após a coleta de dados, iniciou-se o processo de análise dos resultados, procurando
estabelecer uma relação dialógica entre as respostas dos professores, das alunas surdas e da
realidade pesquisada. Isso posto, apresentamos as considerações dos sujeitos entrevistados em
relação às práticas educativas inclusivas envolvendo a formação do professor e o aluno surdo
inserido nesse contexto.
Ao serem questionados sobre a sua formação específica para a sala de aula inclusiva no
que tange à educação dos surdos todos os doze professores responderam que não tiveram a
Libras inserida como disciplina curricular no curso de formação inicial. Além disso, foram
unânimes em pontuar que, em função da sobrecarga que o trabalho docente exige, eles não
têm condições de aprimorar o conhecimento por meio da formação continuada.
Outro questionamento direcionado aos professores diz respeito à relação e comunicação
com os alunos surdos. Dentre as possibilidades de resposta, eles poderiam escolher dentre os
seguintes conceitos: boa, regular, muito boa e excelente. Nove professores assinaram a
alternativa boa, dois deles assinalaram regular e um professor escolheu a opção muito boa.
Frente a essa dificuldade na comunicação com as alunas surdas, um dos professores que
assinalou a opção regular expressou a sua apreensão no excerto a seguir:
Fico muito angustiado porque não sei se as minhas alunas estão entendendo
o conteúdo das minhas aulas. O intérprete de Libras está presente o tempo
todo na aula e percebo que ele se preocupa também em interpretar os textos
e as minhas falas da melhor maneira possível. Mas o ideal seria que eu me
comunicasse diretamente com elas, pois são minhas alunas. O máximo que
consigo falar com elas é o sinal de “entendeu” que uma das alunas me
ensinou, e outros sinais básicos, tais como “bom dia” e “obrigado”.
Mesmo frente à realidade apontada acima, alguns professores afirmaram que em certos
momentos possuem facilidades, como é possível perceber nos recortes de depoimentos a
seguir:
Apesar de não ter tido preparação específica tenho facilidade em me
relacionar e trabalhar com as alunas surdas (Professora de Ciências).
Em certos momentos percebo que elas – as alunas surdas - me entendem.
Mas às vezes, tenho minhas dúvidas. E isso me angustia bastante (Professora
de Língua Portuguesa).
Sinto-me um pouco preparada, pois quando gostamos do que fazemos
conseguimos desenvolver estratégias considerando as necessidades dos
alunos. Contudo, é importante ressaltar o papel imprescindível do intérprete
de Libras. (Professora de Matemática).
Em relação à problemática apontada, uma hipótese a ser considerada é a intervenção
através de palestras ministradas aos professores pontuando sobre as especificidades do aluno
surdo no processo de ensino-aprendizagem, abordando a atuação do intérprete educacional de
Libras. Além disso, é relevante o incentivo para que os educadores aprendam a Língua
Brasileira de Sinais para fundamentar a sua prática pedagógica com os aprendizes surdos.
Essas palestras ou seminários promovidos pela escola em parceria com a Superintendência
Regional de Ensino poderiam compor a carga horária destinada aos módulos em que os
professores devem cumprir a carga horária na instituição.
Apresentamos outro questionamento referente às dificuldades das alunas surdas. Todos
os professores apontaram como principal entrave para a aprendizagem de tais estudantes a
dificuldade em relação à Língua Portuguesa. Aspectos relacionados à compreensão e
interpretação dos textos e à escrita também foram citados por dez professores. Dois
participantes responderam também que a interação com o professor e com os alunos poderia
ser considerada como uma dificuldade a ser superada.
Após abordar a problemática supracitada, questionamos aos professores sobre as suas
dificuldades em relação ao seu fazer pedagógico em sala de aula inclusiva. Todos foram
unânimes em apontar a comunicação como principal entrave, como consequência do
desconhecimento da Língua Brasileira de Sinais. Além disso, sete professores pontuaram
ainda sobre a dificuldade no planejamento das aulas. Outros cinco apontaram a questão do
tempo das aulas não ser suficiente para atender a demanda de alunos surdos e ouvintes
inseridos no mesmo espaço.
A seguir, alguns excertos das respostas sinalizando as dificuldades dos professores:
Sem dúvida alguma! A minha principal dificuldade em relação às meninas
surdas é a comunicação. Percebo que elas são eloquentes quando me contam
algo e caso o intérprete não esteja em sala porque foi ao banheiro ou coisa
parecida, eu fico apavorada porque não entendo nada do que estão falando. É
muito angustiante. (Professor de História)
Tenho dificuldades no planejamento das aulas porque gostaria muito de
transmitir o conteúdo em Libras, mas não consigo. Então, procuro utilizar
diferentes recursos visuais para contextualizar com o conteúdo abordado.
Mas também penso em estratégias para a turma toda, e não somente para as
alunas surdas. Sinto que preciso de orientações específicas para nortear a
minha prática em sala de aula. (Professora de Artes)
Fico muito preocupada em relação ao pouco tempo que tenho com cada
turma. As alunas surdas participam bastante das minhas aulas. Quando vou
dar atenção a elas, percebo que os demais alunos ficam dispersos.
(Professora de Língua Portuguesa)
As respostas indicaram algumas dificuldades que se repetiram na prática pedagógica
dos professores. A fim de intervir na referida situação-problema, necessário se faz investir em
políticas públicas para promover uma formação acadêmica que prepare o profissional o para
atender ao princípio democrático e igualitário de educação para todos. Além disso, existe o
pressuposto legal do Decreto nº 5.626/05 que dispõe sobre a inclusão da Libras como
disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores.
Em relação ao apoio pedagógico, é preciso que a escola definitivamente promova o
acesso à educação, assegurando a permanência dos alunos surdos, sendo necessário que todos
os agentes envolvidos nesse processo efetivem a inclusão de tais sujeitos. Diante das respostas
dos docentes, vislumbra-se a possibilidade da equipe pedagógica solicitar recursos municipais
e estaduais através de salas que oferecem o atendimento educacional especializado. Dessa
forma, será possível efetivar também o ensino da Língua Portuguesa enquanto segunda língua
na modalidade escrita para os alunos surdos, em que as dificuldades relacionadas à
compreensão e interpretação poderão ser amenizadas.
Outro questionamento apresentado aborda as adequações curriculares utilizadas pelos
professores para atender as particularidades das alunas surdas. Dez professores responderam
que utilizam avaliações diferenciadas, além de fazerem uso de recursos visuais em suas aulas
e também nas atividades avaliativas. Um professor pontuou que não desenvolve nenhum
recurso específico em suas aulas, ele afirma que “Na inclusão, todos os alunos são iguais.
Então, desenvolvo um plano de aula para atender toda a demanda. Acredito que o intérprete
de Libras possui condições para passar todo o conteúdo”.
Os dados apontam para a urgência de uma educação pautada nas necessidades dos
sujeitos surdos, com adaptações curriculares significativas, ensino da Língua Portuguesa
como segunda língua, Atendimento Educacional Especializado - AEE em Libras e de Libras,
professores bilíngues, dentre outras propostas de intervenção. Diante da análise dos
resultados, é urgente que os gestores escolares solicitem à Superintendência de Ensino
Regional subsídios que forneçam condições para o professor trabalhar na diferença,
pressupondo a utilização de estratégias e metodologias adequadas às necessidades individuais
da formação e da aprendizagem.
Com efeito, cabe relembrar que não existe, na Educação, uma fórmula pronta sobre o
fazer pedagógico. Assim sendo, as oficinas práticas devem mais orientar e menos apresentar
receitas prontas. Diante do exposto, a fim de intervir nessa situação, novamente reiteramos
sobre a necessidade de formação adequada dos profissionais (prevista em Lei) e a urgência de
encaminhamento dos alunos surdos ao Atendimento Educacional Especializado - AEE
oferecido pela rede estadual e municipal de ensino.
Por fim, o último questionamento sugere uma avaliação do processo inclusivo dos
alunos surdos inseridos na sala de aula com os alunos ouvintes. Seis professores avaliaram
este processo como ruim. Outros quatro participantes escolheram o conceito regular. E
somente dois professores avaliaram a inclusão como sendo boa. Nessa direção, entende-se
que a inclusão implica que todos os professores e escolas estejam preparados para receberam
e atenderem a todos em suas diferenças.
Para lidar com a formação de educadores que consigam efetivar o trabalho com alunos
que apresentem diferenças educacionais na escola comum, cada um deverá identificar os
mecanismos articuladores entre a teoria e a ação educativa. Apesar dos impasses e das
dificuldades diagnosticadas, a proposta é promover a construção de conhecimentos
relacionados à totalidade que a docência representa, formando e capacitando os profissionais
da educação para lidar com as demandas educacionais e sociais.
A fim de coletar dados subjetivos considerando a visão dos sujeitos inseridos no
contexto escolar, escolhemos dar voz às alunas surdas e saber como elas se relacionam com
os valores, as atitudes e as opiniões dos que fazem parte dessa proposta inclusiva. Duas alunas
surdas cursam o sétimo ano do ensino fundamental e uma aluna cursa o primeiro ano do
ensino médio. Reiteramos que a entrevista ocorreu em Libras e foi mediada pelo profissional
intérprete de Língua Brasileira de Sinais.
Como primeiro questionamento, indagamos as alunas em relação às dificuldades dos
professores em sala de aula. As três responderam que gostam bastante dos professores, mas
percebem que eles têm muita dificuldade na comunicação com elas. Além disso, pontuaram
que a maioria dos educadores se esforça para atender as suas necessidades, contudo,
acreditam que eles não tiveram formação específica que os preparassem para ministrar aulas a
alunos surdos.
Abaixo, um trecho da resposta de uma aluna surda, referente ao questionamento
proposto:
“O professor de história é muito divertido! Acredita que ele aprendeu uma
piada em Libras no You Tube? Além disso, percebo que ele utiliza imagens
e outros recursos visuais em suas aulas para que eu entenda melhor sobre
História. Outro dia, ele passou um filminho na sala e teve o cuidado de
colocar legenda para eu entender. Ele também me falou que quer aprender
Libras, porque já formou faz um tempo e na época ninguém não teve essa
disciplina no seu curso de graduação”. (aluna do sétimo ano)
Em relação às principais dificuldades dos professores, elas pontuaram sobre a ausência
de formação, comunicação e desconhecimento da Libras, e questões relativas à surdez. No
que tange aos problemas enfrentados por elas, as alunas apresentaram como principal entrave
a aprendizagem da Língua Portuguesa, a compreensão e interpretação dos textos, a escrita da
LP. Além disso, duas alunas elencaram alguns problemas existentes na interação com os
professores e com os intérpretes de Libras.
Questionamos às alunas sobre a educação inclusiva e a inserção dos alunos surdos na
sala de aula com os alunos ouvintes. O trecho abaixo apresenta a resposta a de uma das
alunas:
O grande problema que percebo é que a educação inclusiva não dá conta de
atender a todas as diferenças em sala de aula, porque os professores não têm
formação adequada. Acredito que seja possível estudar com alunos ouvintes,
sim. Mas o ideal seria que as aulas fossem em Libras ou que pelo menos os
professores e alunos soubessem se comunicar comigo e com as outras
colegas surdas por meio da Língua de Sinais. Eu aprendo da mesma maneira
que os meus colegas, a única diferença é que a minha língua é diferente da
língua deles. E a surdez compreende também a minha cultura, identidade e a
valorização da Libras”. (Aluna do ensino médio)
Para intervir significativamente no intuito de modificar essa situação, necessário se faz
que os gestores da educação participem com urgência de cursos de formação continuada que
atualmente são disponibilizados pela SEE/MG e pela Universidade local. Uma vez que a
educação inclusiva é responsabilidade de todos os profissionais envolvidos no contexto
escolar, é importante que os gestores promovam a disseminação das informações contidas no
Projeto Incluir da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais.
A título de informação, na Universidade Federal de Uberlândia é aplicado o Projeto
Incluir2. Trata-se de um grande programa de inclusão fomentado pelo Ministério da Educação
– MEC que tem por princípio promover a acessibilidade e permanência do aluno com
qualidade na Educação Superior, mas a Secretaria de Educação Básica também possui e
aplica esse projeto.
Considerações finais
Buscamos argumentar nesse estudo sobre a relevância da formação de professores para
atuar na educação dos alunos surdos, inseridos em sala de aula inclusiva. A proposta de uma
educação voltada para as necessidades de tais educandos coloca a todos o grande desafio de
estar atentos às diferenças linguísticas, culturais e identitárias de tais sujeitos, além de buscar
o domínio de um saber crítico que permita interpretá-las. Diante do exposto, a inclusão para o
aluno surdo depende de uma mudança política linguística não somente na escola, mas em todo
o sistema da educação.
Reconhecer a diferença linguística do aluno surdo é essencial para que o seu processo
avaliativo ocorra nas mesmas condições que para os demais alunos. Quando os profissionais
da educação desconhecem as implicações acerca da surdez, esse fator compromete o ensino, a
aprendizagem e as possibilidades avaliativas. Como resposta a esses desafios, os professores
necessitam de uma formação e informações sobre o que é a surdez e o que ela demanda em
função da educação dos alunos surdos (FERNANDES, 2007).
A inclusão implica que todos os professores estejam preparados para atender a todas as
diferenças. Para lidar com a formação de educadores que consigam efetivar o trabalho com
alunos que apresentem diferenças educacionais na escola comum, cada um deverá identificar
os mecanismos articuladores entre a teoria e a ação educativa. Entretanto, vemos instaurado
um grande equívoco, pois algumas propostas efetivadas ferem os preceitos do paradigma
inclusivo, no qual a compreensão das identidades e das diferenças humanas é a base de
entendimento do que seja inclusão.
Nesse sentido, retomamos Martins e Machado (2009), ao levar em conta que o aluno
surdo apresenta uma condição linguística diferente é preciso que os educadores estejam
2
Para maiores esclarecimentos sobre o Projeto Incluir da Universidade Federal de Uberlândia – UFU, acesse:
http://www.proex.ufu.br/programa-ensino-pesquisa-extens%C3%A3o-e-atendimento-emeduca%C3%A7%C3%A3o-especial
preparados para desenvolver estratégias assertivas, oportunizando que as diversas esferas
simbólicas sejam utilizadas para a construção de um novo conhecimento a partir da Libras. A
esse respeito, a língua de sinais confere significado às palavras escritas na Língua Portuguesa,
contribuindo para a concepção da cultura e identidade surdas.
Os professores desconhecem as implicações da surdez no processo de aprendizagem.
Logo, as instituições formadoras não estão formando profissionais que estejam preparados
para lidar com a diferença no contexto educacional. Nessa perspectiva, urge a elaboração de
um Currículo a partir de uma perspectiva bilíngue levando em conta a Libras enquanto língua
materna dos surdos. Além disso, a problemática aqui discutida trouxe à baila a discussão
latente da formação do professor para atuar na educação dos alunos surdos.
A lógica da argumentação trazida aqui sobre a ótica da educação inclusiva, leva à
conclusão de que a formação de professores se distancia de uma proposta que considere as
particularidades dos alunos surdos. Com base na coleta de dados, foi possível observar que o
processo de formação de professores para atuar na educação inclusiva deve considerar
concepção de que a surdez é caracterizada por uma experiência visual e os sujeitos surdos
fazem parte de uma comunidade linguístico-cultural específica. A falta de profissionais para
atuar na educação inclusiva implica na ausência de formação desses profissionais.
Nessa direção, retomamos Skliar (2003) ao afirmar que o currículo central ainda é
pensado no mito da igualdade, confundido com a mesmidade. O currículo monocultural que
impera nas realidades pesquisadas não atende às particularidades educacionais dos alunos
surdos. Os caminhos percorridos até então nos mostram que muito há por ser feito com
relação à formação dos professores e, consequentemente, na avaliação dos alunos surdos. No
entanto, apesar dos impasses e das dificuldades diagnosticadas, a proposta é promover a
construção de conhecimentos relacionados à totalidade que a docência representa, formando e
capacitando os profissionais da educação para lidar com as demandas educacionais e sociais.
Essas considerações permitem evidenciar que a formação dos professores apresenta
desafios a serem superados. Convém pensarmos que esse processo deve considerar concepção
de que a surdez é caracterizada por uma experiência visual e os sujeitos surdos fazem parte de
uma comunidade linguístico-cultural específica. Essa temática se apresenta como uma
importante pauta a ser desencadeada com uma discussão entre as universidades públicas, no
que se refere ao processo de formação do professor para atuar na educação dos alunos surdos,
na perspectiva inclusiva.
Os resultados indicaram algumas dificuldades que se repetem na prática pedagógica dos
professores. O despreparo desses profissionais em atuar na educação dos alunos surdos foi
apontado como unanimidade pelas entrevistadas. Tais dados revelam que a formação inicial
dos professores não os preparou para a diversidade que compõe o cenário atual nas
instituições escolares. Além disso, é preciso considerar que a comunidade escolar é também
responsável pela inclusão de todos os alunos.
É fundamental que a escola compreenda e dissemine as peculiaridades das funções dos
profissionais envolvidos no processo educacional dos alunos surdos, onde a centralidade do
currículo passa a ser o sujeito, sua cultura e o seu ritmo de aprendizado. O fazer e o avaliar
pedagógico, em uma perspectiva inclusiva, compreende a gestão escolar enquanto promotora
de condições para o professor trabalhar na diferença, pressupondo a utilização de estratégias e
metodologias adequadas às necessidades individuais da formação, avaliação e da
aprendizagem.
REFERÊNCIAS
BLANCO, R. Aprendendo na diversidade: implicações educativas. Disponível em: <
http://entreamigos.com.br/sites/default/files/textos/Aprendendonadiversidade.pdf.> Acesso
em: 16 set. 2015.
BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436/02 que
dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Brasília, DF. Disponível em
<www.planalto.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2015.
______. Lei n. 10.436, de 24 de Abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais –
Libras e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em <www.planalto.gov.br>Acesso
em: 15 set. 2015.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. - Características da investigação qualitativa. In: Investigação
qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto, Porto Editora, 1994.
BOTELHO, P. Linguagem e Letramento na educação dos surdos: Ideologias e práticas
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