X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
A EXPERIÊNCIA NO ENSINO E APRENDIZAGEM MATEMÁTICA PARA
ALUNOS SURDOS
Marcílio de Carvalho Vasconcelos
Universidade Estadual de Feira de Santana
[email protected]
Resumo: A minha participação nesta Mesa Redonda pretende colocar um contraponto na
visão da pesquisa sobre a aprendizagem da Matemática por alunos surdos. Como surdo e
professor de Matemática vivenciei as duas faces do problema: primeiro, como aluno na
escola básica e na universidade, na Licenciatura em Matemática e, depois enquanto
professor de Matemática de alunos surdos. Por quase dez anos vivenciei a angústia de
ensinar Matemática para alunos surdos na classe especial e em seguida nos centros de
apoio especializado. Os alunos chegam à escola com sérias defasagens de conhecimento de
base. Ao longo desse tempo tenho buscado alternativas para tornar mais fluente à
comunicação entre o professor ouvinte e o aluno surdo.
Palavras chaves: Ensino de Matemática; Alunos surdos; LIBRAS.
Minha história de vida
Sou surdo, conto com apenas 50% de audição no ouvido direito. Comecei a estudar
na Educação Básica aos sete anos de idade por causa da surdez, a escola não me aceitou
antes porque eu tinha uma perda auditiva profunda em um ouvido e perda severa no outro
comprometendo a dicção. Na 1ª série do Ensino Fundamental I, hoje 2º ano, a professora
tinha “pena” de mim por causa da surdez e “passou a mão pela minha cabeça”,
comprometendo o meu aprendizado. No ano seguinte, na 2ª série (3º ano) a professora era
muito “rigorosa” e comprometida com a educação, o que contribuiu para que eu
aprendesse a importância de estudar e como estudar. A partir desse momento, passei a ser
um aluno dedicado e as dificuldades foram sendo solucionadas gradativamente.
Ainda licenciando de Matemática, na Universidade Estadual de Fe ira de Santana –
UEFS, um momento que me trazia constrangimento, devido ao meu problema na dicção,
era a hora de apresentar seminários, porque não queria avisar aos professores e colegas da
minha surdez e tinha que falar por muito tempo.
Atualmente, estou cursando Letras/Libras na Universidade Federal da Bahia –
UFBA, um curso que assimilo o conhecimento com maior facilidade pelo fato de ser a
Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, a minha primeira língua.
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Por falar em LIBRAS, tenho dois irmãos surdos profundos em que a comunicação
acontecia com a utilização de gestos e mímicas, porque a LIBRAS naquela época não era
conhecida e divulgada. Aos doze anos de idade, conheci uma Surda de Barreiras que com
todo o empenho me ensinou LIBRAS, a quem agradeço até hoje por ter compartilhado a
alegria de aprender a nossa língua.
Minha trajetória profissional se inicia com a Licenciatura em Matemática, cursado
na UEFS e concluído em 1999. No ano seguinte, 2000, fui aprovado no Concurso Público
para Professor do Estado e fui regente na classe especial com alunos surdos, de 2000 a
2001. Era uma turma heterogênea na faixa etária e nas séries, foi muito difícil. De 2001 a
2009 fui professor na área de Surdez da Sala de Apoio Pedagógico, hoje Centro de Apoio
Pedagógico, CAP, de Feira de Santana. Em 2007 conclui a especialização em Educação
Inclusiva e, atualmente, sou graduando em Letras-LIBRAS (7º Semestre) e Pós-graduando
em LIBRAS, a concluir em maio de 2010.
Em 2009 fui aprovado no Concurso Público para Professor Auxiliar de LIBRAS na
UEFS, onde atualmente trabalho em regime de Dedicação Exclusiva.
No CAP trabalhei em várias áreas para atendimento de alunos surdos, dando
reforço em todas as disciplinas (2001 – 2002); apoio Pedagógico Matemático (2003 2006); curso de LIBRAS (2006 - 2008); Curso de Capacitação para Instrutor de LIBRAS
(2007 – 2008); fortalecimento da Comunidade Surda (2007 – 2008) e Curso de SW –
SignWriting (Escrita de Sinais) (2008).
Ensino de matemática para surdos
Enquanto aluno da escola básica aprendi matemática com uma metodologia ouvinte
e enquanto licenciando de Matemática também não aprendi formas apropriadas de ensinar
para alunos surdos. Assim, tive grandes dificuldades na minha prática profissional na
classe especial e no centro de apoio para ajudar estes alunos a compreenderem os
conceitos. Para mim, os principais entraves na Educação Matemática de surdos são:
1) Poucos Professores de Matemática são surdos;
2) Os professores de surdos continuam usando as metodologias feitas para
ouvintes, o que dificulta o desenvolvimento do aprendizado dos surdos;
3) Falta de sinais específicos de Matemática em LIBRAS;
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4) Dificuldade em reconhecer as quatro operações Matemáticas;
5) Surdos sempre ficam prejudicados em Sala de Aula por dificuldades óbvias de
Comunicação.
Também, posso pontuar que explicar o conteúdo por meio apenas da sintaxe
matemática específica constitui uma barreira à aprendizagem, mesmo que o professor seja
usuário da língua de sinais ou que haja um intérprete na classe. Para que o aprendizado se
realize em uma classe de surdos o educador deve estar apoiado em um tripé educacional.
Devem estar presentes: a Língua de Sinais, o conhecimento matemático e uma
metodologia apropriada.
Como ensinar matemática para surdos sem saber os sinais específicos da área? O
professor deve ter o cuidado de refletir sobre a maneira de ensinar, buscando ser um
instrumento facilitador para que o educando desenvolva suas potencialidades, respeitando
suas especificidades, „descobrindo‟ como aprendem e, assim, fazendo-os „aprender a
aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver junto‟.
Vale a pena ressaltar que mesmo em escolas que contam com intérpretes, com uma
sala de recursos,
é de fundamental importância que o aluno sinta que seu
professor está se esforçando para se aproximar dele, tentando
encontrar maneiras de interagir com ele. O professor também
pode intermediar a aceitação do aluno surdo pelos outros
alunos, para que ele se sinta parte da classe. Na nossa sociedade
a interação se dá pela linguagem. Não basta uma aproximação
física (REILY, 2004).
Em relação ao ensino de Matemática, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997) apontam que não existe um caminho único e melhor para o ensino da
Matemática, no entanto, conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de aula é
fundamental para que o professor construa sua prática. E voltando para a educação de
surdos na sala de aula inclusiva, de acordo com minha experiência, recomendo que para
ensinar matemática para alunos surdos, os professores precisam ter em mente os seguintes
objetivos:
1.
Discutir a importância da Matemática para alunos surdos. Como qualquer outro
aluno, o surdo precisa também se conscientizar do papel da matemática na sua vida para o
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verdadeiro exercício da cidadania. Além disso, o professor deve mostrar as relações
importantes com o cotidiano, trazer a experiência da rua para a sala de aula.
2.
Estimular a leitura e a interpretação em LIBRAS das situações problemas; mesmo
que o professor não saiba LIBRAS, com a ajuda do intérprete, o aluno precisa ler e
compreender os enunciados dos problemas na sua língua, com certeza facilitará a resolução
dos problemas. E, se o aluno ainda não tem domínio em LIBRAS, os exemplos, imagens,
material concretos são muito importantes.
3.
Utilizar sempre recursos visuais e atividades concretas, como exemplos: o mapa de
uma cidade, a planta de uma residência, o desenho de um trajeto, dentre outros, pois
auxiliam no desenvolvimento da percepção espacial, comunicação visual e etc.
4.
Utilizar o recurso aos jogos matemáticos. Os jogos constituem uma forma
interessante de propor problemas, pois, permitem que estes sejam apresentados de forma
atrativa e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução. Um aspecto
relevante nos jogos é o desafio genuíno que eles provocam no aluno, que gera interesse e
prazer. Por isso, é importante que os jogos façam parte da cultura escolar, cabendo ao
professor analisar e avaliar a potencialidade educativa dos diferentes jogos e o aspecto
curricular que se deseja desenvolver (PCN, 1998).
O recurso aos jogos matemáticos
O interesse dos jogos na educação não é apenas divertir, mas sim extrair dessa
atividade matérias suficientes para gerar um conhecimento, interessar e fazer com que os
estudantes pensem com certa motivação.
O jogo Fecha Caixa
A seguir apresentamos como exemplo o jogo “fecha caixa”, que é um jogo
adaptado para LIBRAS e pode ser jogado com dois ou mais integrantes. Constitui-se num
tabuleiro (Figura 1) com “casas” numeradas de 1 a 9 em LIBRAS.
Apresentamos a seguir como jogar o Fecha caixa (ALBRES; NEVES, 2008).
Lança-se dois dados e com os números que saírem faz-se uma operação matemática
que fornece o resultado mais interessante para o fechamento das casas.
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 Segue-se, assim, até que com o resultado dos dados fique impossível fechar mais
casas, pois o valor do resultado dos dados tem que ser igual ao das casas a serem
fechadas.
 Fechadas as casas 7, 8 e 9 passa-se a lançar somente um único dado.
 Finda a jogada, soma-se as casas abertas e passa-se a vez do adversário.
 Ganha quem fechar todas as casas ou quem tiver o menor número no somatório
das casas que sobraram abertas.
 Você deve fazer todo o cálculo em LIBRAS.
Figura 1. Tabuleiro do jogo “Fecha Caixa”.
O recurso à resolução de problemas matemáticos
Os PCN (1998) recomendam a resolução de problemas matemáticos como ponto de
partida da atividade matemática. Com essa abordagem, o conhecimento matemático ganha
significado quando os alunos se deparam com situações desafiadoras para resolver e
trabalham para desenvolver estratégias de resolução. Contudo, nem sempre este recurso é
utilizado como uma possibilidade de construção do conhecimento, sendo trabalhado
apenas como forma de aplicação de conhecimentos trabalhados anteriormente.
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Seja qual forma, a abordagem na resolução de problemas matemáticos, exigirá do
aluno uma grande dose de leitura e interpretação de texto. Muitos professores atribuem às
dificuldades dos alunos nos problemas matemáticos apenas às dificuldades de leitura e
interpretação da língua materna. E quando o aluno é surdo esta afirmação se torna mais
enfática. Mas não basta atribuir as dificuldades dos alunos em ler problemas matemáticos
às suas habilidades de ler nas aulas de língua materna, pois:
a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização que o leitor faz, no ato de ler do conhecimento que ele
adquiriu durante sua vida: o conhecimento lingüístico, o
conhecimento textual, o conhecimento de mundo. Para aprender
algo novo durante a leitura é preciso que co nhecimentos anteriores
sejam ativados (SMOLE; DINIZ, 2001, p.70).
As autoras ainda acrescentam que todas as áreas de conhecimento devem tomar
para si a responsabilidade de formar o leitor, inclusive a Matemática.
No caso dos alunos surdos, a escola deve formar bons leitores na Matemática,
mediados pela LIBRAS. Se o anunciado dos problemas for bem interpretado para a
LIBRAS, os alunos poderão apresentar seu verdadeiro conhecimento na área da
Matemática.
LIBRAS como auxílio no ensino de Matemática
A metodologia do ensino da Matemática utilizada no ensino dos surdos, não é
muito diferente do ensino que se usa com os alunos ouvintes, embora a linguagem seja
diferente. Os métodos aplicados às séries iniciais são os mesmos, principalmente, o uso de
recursos ilustrativos como figuras, e o letramento dos alunos para entendimento dos
problemas. Via de regra, para os alunos surdos, o professor necessita trabalhar a leitura
com mais persistência, uma vez que para isso, não deve formar copistas, uma vez que a
dificuldade do aluno surdo é a decodificação do código lingüístico.
Assim, mais uma vez, a questão comunicativa está presente na elocução dos fatos
que compõem a função social dos surdos. Apesar deste detalhe, ainda há possibilidade de
se chegar até o raciocínio lógico-matemático dos surdos, com pequenas adaptações como o
uso de uma língua (a LIBRAS), que serve como ponte entre conhecimento do professor
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ouvinte e o silêncio dos surdos. Dentre as vantagens está à mudança na concepção dos
próprios surdos sobre a sua capacidade.
O sinal mate mático e m libras
O sinal de matemática e m
LIBRAS
foi
convencionado
(combinado e ajustado) conforme a
necessidade dos alunos no momento
das aulas de ver contextualizada, a
matemática
através
da
LIBRAS
fazendo assim uma leitura visual
dupla, que em destaque é a língua de
sinais, os números e os sinais usados
na Matemática.
Por exemplo, Zanúbia Dada,
professora surda de Matemática do
CAS (Centro de Atendimento para
Surdos) tem criado alguns sinais
matemáticos (Figura 2 e 3), que vem
compartilhando com a comunidade
surda da Cidade de Campo Grande.
Em 2008, conheci a professora
através do Orkut, trocamos idéias, discutimos
Figura 2. Alguns sinais matemáticos nas LIBRAS.
sobre os sinais e modificamos alguns deles.
A falta da LIBRAS como língua materna (primeira língua-L1) dos alunos surdos
que precisam de comunicação alternativa ou conforme as suas necessidades quando
chegam ao setor de matemática. Os alunos chegam ao atendimento muitas vezes com uma
comunicação defasada ao conteúdo a ser atingido, necessitando de mais tempo para
aquisição da LIBRAS, além do conteúdo de Matemática.
As respostas dadas pelos alunos demonstram a compreensão do conteúdo, porém,
notamos que utilizam sinais convencionados com os intérpretes da sala de aula,
diferenciados entre si. Os surdos aprendem durante os estudos matemáticos em LIBRAS,
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às vezes começam com a resposta em língua portuguesa- LP e terminam em LIBRAS ou
vice-versa.
Figura 3. Mais sinais matemáticos na LIBRAS.
Fonte: DADA (2009).
Considerações finais
Espero que minha participação nesta mesa redonda contribua, de um lado para que
os pesquisadores ouvintes ao investigarem os processos de aprendizagem da Matemática
por alunos surdos levem em consideração a importância de se “ouvir” o surdo e, de outro
lado, espero que ao conhecer melhor a pesquisa nesta área, eu também possa contribuir no
desenvolvimento dessas investigações.
Espero que se formem redes de pesquisadores ouvintes e surdos e que juntos
procurem soluções e, que essas pesquisas cheguem às escolas, para que amanhã, outros
surdos se transformem em professores e, por que não, pesquisadores e que ajudem a
construir um caminho viável para a aprendizagem matemática dos surdos.
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Referências
ALBRES, N. e NEVES, S. De sinal em sinal: Comunicação em LIBRAS para
aperfeiçoamento do ensino dos componentes curriculares. 1ª edição. São Paulo – FENEIS
– Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998.
DADA, Z. Matemática em LIBRAS. CAS/SED/MS - Campo Grande/MS, 2009.
GIL, R. S. A. Educação matemática dos surdos: um estudo das necessidades formativas dos
professores que ensinam conceitos matemáticos no contexto de educação de deficientes
auditivos. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Científica e Matemática, Programa de Pós-Graduação em
Educação
em Ciências e Matemática,
Belém, 2008.
Disponível em:
http://www.ufpa.br/ppgecm/media/dissertacao_Rita%20Sidmar%20Alencar%20Gil.pdf.
Acesso em: 20/03/2010.
REILY, L. Escola Inclusiva: Linguagem e mediação. Campinas: Papirus, 2004.
SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
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