IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO 1 O Trabalho e as novas dinâmicas local-global ANAIS 26 a 28 | maio | 2010 Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande – Paraíba - Brasil A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA 2 TRABALHO & SINDICALISMO O Trabalho e as novas dinâmicas local-global ANAIS ISSN 2177-6881 Instrução Para localizar o título do trabalho/autor, digite-os na ferramenta localizar/pesquisar do seu visualizador de arquivo pdf, geralmente localizada na barra de menu. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFCG R444 Reunião Intermediária Trabalho e Sindicalismo – ANPOCS (4: 26 a 28 maio 2010.: Campina Grande, PB) Campina Grande, 2010. O trabalho e as novas dinâmicas local-global na 4º Reunião Intermediária Trabalho Sindicalismo ANPOCS / ANPOCS. – Campina Grande: UFCG, 2010. 1. Teoria do Trabalho. 2. Sindicalismo. 3. Dinâmica Trabalhista. I. ANPOCS. II. Título. CDU 331.1(061.3) ISSN 2177-6881 3 Estes Anais contêm os trabalhos apresentados na IV Reunião Intermediária Trabalho & Sindicalismo (Anpocs) que foram aceitos para apresentação oral pela Comissão Científica do Evento. As informações, opiniões e conteúdo aqui veiculados são de inteira responsabilidade de seus autores. Distribuição gratuita. Campina Grande, maio de 2010. Universidade Federal de Campina Grande. Instruções Técnicas: Para conferir os arquivos digitais utilize um visualizador de arquivos formato PDF Adobe Reader ou versão compatível. Reprodução permitida desde que citada à fonte. Projeto Gráfico do CD-ROM, Anais em PDF, Folder, Cartaz e Banner de divulgação: Eugenio Pereira Nt. & Kaliny Nepomuceno de Lima | e-mail: [email protected] | [email protected] e-mail contato e inscrição: [email protected] Promoção GT Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea da ANPOCS Convênio PROCAD de Cooperação entre o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG e o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) Apoio Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFCG/CNPq) Editora Universitária da UFCG (Edufcg) Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Coordenação do Evento Roberto Véras de Oliveira (UFCG) Marco Aurélio Santana (UFRJ) Ângela Araújo (UNICAMP) Membros da Organização do Evento Alexandre Santos Lima (Mestrando em Ciências Sociais PPGCS-UFCG) Állis Karla Bezerra Medeiros (Graduando em Filosofia – UEPB) Annahid Burnett (Doutorando em Ciências Sociais PPGCS-UFCG) Bruno Mota Braga (Graduando em Ciências SociaisPIBIC-UFCG) Emanuela Costa Henrique (Graduando em FilosofiaUEPB) Eugenio Vital Pereira Neto (Mestrando em Ciências Sociais PPGCS-UFCG) Jéssica Sobreira (Graduando em Ciências Sociais-PIVICUFCG) Marcelo Alves Pereira Eufrásio (Doutorando em Ciências Sociais PPGCS-UFCG) Patrícia dos Santos Melo (Mestrando em Ciências Sociais PPGCS-UFCG) Kátia Machado de Medeiros (Graduando em Ciências Socias – UFCG) Prof. Dr. Waltimar Batista Rodrigues Lula (UEPB) Prof. Ms. Diogo Fernandes da Silva (UFPB) Prof. Ms. Jucelino Pereira Luna (UEPB) Comissão Científica de Seleção de Trabalhos Roberto Véras de Oliveira (UFCG) Eliana Monteiro Moreira (UFPB) Darcilene Gomes (FUNDAJ) Sérgio Pereira (UFMA) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 4 SUMÁRIO SOBRE O EVENTO .............................................................................. 07 PROGRAMAÇÃO ................................................................................ 13 RESUMOS EXPANDIDOS DAS COMUNICAÇÕES E PAINÉIS APRESENTADOS ...... 15 SESSÃO 1: O TRABALHO FRENTE DESENVOLVIMENTO AOS NOVOS DESAFIOS TECNOLÓGICOS E DO 1. As Profissões Informacionais no Brasil Luciana Garcia de Mello – Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS 2. Desenvolvimento, Trabalho e Território: Estudo do Caso de Duque de Caxias Rosangela Nair de Carvalho Barbosa – Profª Drª PPGSS/UERJ 3. Da Instrução Profissional à Formação Cidadã Rejane Gomes Carvalho - Doutoranda do PPGS/UFPB Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB 4. Teletrabalho a Domicílio e as Transformações do Trabalho Márcia Regina Castro Barroso - Mestranda do PPSD/UFF 5. O Mundo do Trabalho: a Formação, a Qualificação Profissional e o Jovem Deficiente Michele Paitra Alves dos Santos – Mestranda do PPGS/UFPR Painel 1: Transformações no Mundo do Trabalho: Considerações sobre o Modelo de Competências Dayane Gomes da Silva – Mestranda do PPGS/UFPB Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB SESSÃO 2: MANIFESTAÇÕES E FORMAS DO TRABALHO PRECARIZADO 1. Alienação no Trabalho Docente? O Professor no Centro das Contradições Denise Lemos – Profª Drª CRH/UFBA 2. A Distribuição Espacial do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba William E. Nunes Pereira – Prof. Dr. do Dep. de Economia/UFRN 3. Considerações sobre a terceirização e seus efeitos na Companhia Siderúrgica Nacional Sabrina de Oliveira Moura Dias – Doutoranda do PPGSA-UFRJ A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 5 4. Trabalho Análogo ao Escravo e o Limite da Relação de Emprego no Brasil Vitor Araújo Filgueiras – Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA 5. Os Discursos Teóricos e as Justificativas dos Atores Sociais Perante os Acidentes de Trabalho Roberto Mendoza - Doutorando e Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG Adailton S. de Andrade - Aluno-Bolsista de Graduação PM-UAAC 6. A Reconfiguração da Informalidade nas Relações de Trabalho: um Estudo Sobre os Trabalhadores de Moto-Táxi em Campina Grande – Pb Jucelino Pereira Luna – Doutorando do PPGCS/UFCG Painel 2: Confeccionando a Saúde no Trabalho: Condições de Trabalho e Políticas Públicas no Âmbito do SUS/PSF em Santa Cruz do Capibaribe/Pe Thaisa Santos de Almeida – Profª Ms Substituta da UFRN SESSÃO 3: TRABALHO PRECÁRIO URBANO E FORMAS DE RESISTÊNCIA ENTRE O RURAL E O 1. Revoltas dos Trabalhadores Canavieiros e Desmobilização Sindical no Setor Sucroalcooleiro do Nordeste: a Experiência de Alagoas Paulo Candido da Silva – Doutorando do PPGCS/UFCG 2. Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008) José Fernando Souto Junior – Prof. Dr. UNIVASF 3. Práticas de Resistência dos Migrantes Paraibanos nos Canaviais do Estado de São Paulo Marcelo Saturnino da Silva - Doutorando - PPGCS/UFCG Marilda A. Menezes - Profª Drª da PPGS/UFCG 4. Salário por Produção: Precarização e Ilicitudes no Setor Sucroalcooleiro Dra. Marilda A. Menezes – Profª Drª do PPGCS/UFCG Marcos Antonio F. Almeida - Mestrando do PPGCS/UFCG Maciel Cover - Mestrando do PPGCS/UFCG 5. O Trabalho Domiciliar no Contexto do Processo de Globalização Edilane do Amaral Heleno – Doutoranda do PPGS/UFPB Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB Painel 3: Migrantes e Jovens: os Trabalhadores das Usinas de Cana de Açúcar José Aderivaldo S. da Nóbrega - Mestrando do PPGCS/UFCG Giovana A. Nascimento – Graduanda Ciências Sociais UFCG Jaqueline M. F. Martins – Graduanda Ciências Sociais UFCG Painel 4: Mudanças e Permanências: Sentidos e Identidades do Trabalho de Lavagem de Roupas em uma Economia Tradicional e uma Economia de Serviços Moderna Andréa Monteiro da Costa - Mestranda do PPGCS/UFCG A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs SESSÃO 4: PRÁTICAS SINDICAIS URBANAS REVISITADAS 1. A Inovação das Relações de Trabalho Subordinado e a Revogação da Portaria MME N. 865/1995: O Papel da Autonomia Privada Coletiva No Brasil Beatriz Cardoso Montanhana – Doutoranda da Faculdade de Direito da USP 2. Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical: A experiência dos Portos do Rio de Janeiro e de Santos Maria Dalva Casimiro da Silva - Doutoranda em Serviço Social pela UFRJ 3. A Violência Anti-sindical como Fenômeno Regulador dos Conflitos Sociais, Territoriais e Trabalhistas - Um Estudo Comparativo dos Casos da Colômbia e da Venezuela Jana Silverman - Doutoranda do Instituto de Economia da UNICAMP 4. Conflitos Trabalhistas Coletivos: Mobilização, Interesses e Lutas por Reconhecimento José Luiz de Oliveira Soares - Doutorando do PPGSA/UFRJ 5. Sou Metalúrgico, Mas não Sou de Ferro: a Relação entre a Justiça e Sindicato no Caso Sermetal Luisa Barbosa Pereira – Doutoranda do PPGSA/UFRJ 6. Os Sentidos da Judicialização da Relação Capital-Trabalho e seus Efeitos na Dinâmica Sindical Antonio Teixeira Lima Junior – Mestrando do PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA Carla Gabrieli Galvão de Souza - Mestranda do PPGSD/UFF Selma Cristina Silva de Jesus – Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA 7. Práticas Sindicais na Toyota do Brasil: os Casos de São Bernardo do Campo (SP) e Indaiatuba (SP) Gustavo Takeshy Taniguti - Mestrando do PPGS/USP TRABALHOS COMPLETOS PUBLICADOS ................................................ 62 6 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 7 Sobre o Evento Por meio deste Cd-Rom publicamos os Anais da IV Reunião Intermediária do Grupo de Trabalho “Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea” da Anpocs, realizado em Campina Grande, Paraíba, no campus da Universidade Federal de Campina Grande, entre os dias de 26 a 28 de maio de 2010. Nele disponibilizamos o “resumo expandido” de 23 comunicações e 4 painéis, dos quais, 23 estão publicados com texto integral. Participaram da organização deste Evento, além do referido GT Anpocs, o convênio PROCAD entre o PPGCS/UFCG e o PPGSA/UFRJ; a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET); a Fundação Joaquin Nabuco (FUNDAJ). O Evento também contou com o apoio operacional do Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFCG/CNPq) e com apoio da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). A todos que estiveram empenhados na realização desta iniciativa, os mais sinceros agradecimentos. A Coordenação. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 8 Apresentação da Proposta do Seminário A proposta deste seminário, por um lado, é analisar as novas configurações do trabalho em uma situação social marcada por processos de flexibilização, precarização e informalização do trabalho, assim por como pelas diversas formas de resistência a esses processos. Por outro lado, pretende discutir as dificuldades e estratégias dos sindicatos e de outras formas de ação coletiva, nesse novo contexto, dando ênfase às experiências desenvolvidas a partir do questionamento ao corporativismo, da preocupação com os desempregados e com os trabalhadores em situações precárias, bem como do empenho na busca de novas orientações e formas de atuação, como por exemplo, a (re)organização das centrais e dos organismos internacionais, a incorporação crescente das temáticas de gênero, raça/etnia e da juventude, a participação em projetos de políticas públicas e sociais. Em terceiro lugar, objetiva discutir as novas tendências das políticas públicas referidas às novas configurações do trabalho, em um contexto mundial de crise da referência do Estado Social e de desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, dando destaque ao que vem ocorrendo no caso brasileiro a partir dos anos 1980, e suas reverberações na realidade nordestina, tendo como marcos principais a Constituição de 1988, as Privatizações e Reformas Constitucionais da década de 1990 e as novas situações trazidas com a eleição de Lula para Presidente. A Justificativa e Histórico das Iniciativas do GT Anpocs s transformações sócio-econômicas das últimas décadas, associadas a um intenso processo de globalização, vêm impondo importantes mudanças às relações de trabalho, às estratégias e formas de organização dos trabalhadores e às políticas públicas referidas a trabalho, emprego, renda e cidadania. A reestruturação das empresas para enfrentar o aumento da competição no mercado nacional e global inaugurou um novo tempo de instabilidades. O mundo do trabalho, principalmente nos países desenvolvidos, modificou-se rapidamente, colocando em xeque o consenso protetor do Estado de Bem Estar Social, que foi substituído pelas políticas do Estado mínimo. O silogismo brazilianização passou a ser descritivo dos processos de precarização das relações de trabalho e de crescente informalização desencadeados a partir dos países mais desenvolvidos. Não tardou para que essa experiência transbordasse para os países periféricos, agravando mais ainda a já histórica precariedade a que estão submetidos, nesses casos, os trabalhadores e trabalhadoras. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 9 O processo de reestruturação capitalista expresso, principalmente, nas transformações na organização do trabalho e na introdução de novas tecnologias de base microeletrônica, bem como na busca da melhoria de qualidade de bens e serviços e no incremento da produtividade, trouxe dificuldades inauditas para os trabalhadores e para a ação de suas organizações. A bibliografia sobre o tema, discutindo tanto as experiências dos países de capitalismo maduro quanto dos países em desenvolvimento, mostra a ampla repercussão para a sociedade das mudanças que se desenvolveram no âmbito produtivo e nas relações capital/trabalho. O assalariamento, que de certa forma caracterizou a relação capital/trabalho durante largo período, criou as condições de agregação de direitos sociais aos contratos de trabalho. Já a flexibilidade, propiciada pela revolução tecnológica e pelos novos métodos de gestão da produção e do trabalho, ao mesmo tempo em que desterritorializou a produção e o trabalho, internacionalizando os mercados, promoveu um intenso processo de precarização e informalização do trabalho, através da terceirização e da redução ou alteração de direitos trabalhistas. Desse modo, a flexibilização das relações de emprego e das condições de trabalho desorganizou identidades coletivas fundadas no local, no regional e no nacional. As empresas, por vezes, atuam globalmente, acima dos Estados nacionais. De outra parte, tentam adequar suas políticas na atração de investimentos e procuram se inserir no processo de internacionalização, percebido como inexorável. A noção de “desenvolvimento nacional” vinculado à industrialização é superada pela necessidade de inserção produtiva a redes globais. Ser competitivo significa ter menores custos e acompanhar as inovações tecnológicas. Menores custos representam o corte de trabalho vivo, buscando-o onde é mais barato. É possível dizer que, em alguma medida, as mudanças que estão em curso no mundo do trabalho torna a vida dos trabalhadores umbilicalmente ligada às vicissitudes da empresa, o que estaria levando a uma mudança radical das relações trabalhistas e da ação sindical no mundo contemporâneo. A ação sindical viveu, a partir dos anos de 1950, momentos de fundamental importância quando a instituição trabalhista foi amplamente reconhecida e seu poder se consolidou enormemente Nos anos recentes, no entanto, as grandes organizações sindicais que, em alguma medida, representavam a força do trabalho organizado foram ficando, paulatinamente, obsoletas. Competição global, recessão e incertezas econômicas crescentes, em alguma medida, colocaram em crise o sindicalismo e as bases institucionais nas quais ele se desenvolveu. Essas mudanças têm trazido enormes desafios para o sindicalismo. Em linhas gerais, pode-se dizer que os obstáculos à ação sindical se colocam, principalmente, em decorrência de que, historicamente, as ações trabalhistas sempre se pautaram pela demanda de acesso a bens e/ou poder públicos e privados para o trabalhador nacional. Por isso, os sindicatos têm encontrado muitas dificuldades para enfrentar as conseqüências da chamada reestruturação do capital e o fenômeno da globalização. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 10 Além disso, nos últimos anos, as alterações no mundo do trabalho têm como um dos seus principais resultados o crescimento de uma legião de desempregados, empregados precários, parciais, temporários, trabalhadores informais etc. Nesse início do século XXI, esse é um obstáculo adicional ao trabalho organizado. Assim, o trabalho assumiu novos formatos e os atores sociais parecem não mais se identificar nos marcos genéricos da classe e de seus correlatos organismos de representação de interesses, como partidos e sindicatos. A segurança do pleno emprego foi substituída pelo desemprego de tom perene, cuja extensão no corpo social e duração no tempo, têm levado mesmo a uma re-significação do termo. Formas de contratação flexíveis, antes consideradas atípicas, passaram a ser a regra, trazendo para o vocabulário cotidiano termos como subcontratação, terceirização, contrato temporário, trabalho em tempo parcial, contratos pessoa jurídica, trabalhadores autônomos, trabalho associado em cooperativas de trabalho. Aprofundou-se, igualmente, a dualização do assalariamento, a fragmentação do mercado de trabalho e as desigualdades de gênero, de raça e de geração. Dentre os segmentos mais vulneráveis, estão predominantemente as mulheres, os/as negros/as, os/as jovens e os/as trabalhadores/as com mais de 45 anos. A formalização de contratos e relações de trabalho passou a ser vista como obstáculo, ao qual só a informalização radical seria o antídoto. As políticas de proteção social ao indivíduo, dentro e fora do trabalho, foram sendo substituídas por políticas de aumento da competitividade. O trabalhador passou a ser responsável por sua própria “empregabilidade”. Tais mudanças tiveram repercussão tanto no processo organizativo dos trabalhadores, como na relação capital/trabalho. Ganhos sociais resultantes de lutas de um século foram perdidos em nome da competitividade global. Os organismos sindicais, um dos pólos mais ativos no espectro de ações coletivas dos trabalhadores na defesa de seus interesses, passaram a ter muita dificuldade em dar conta do novo cenário, que lhes reduziu grandemente os espaços de manobra, colocando em risco as formas de ação e conquistas desenvolvidas ao longo do século XX. Os novos tempos parecem trazer um tipo de sociabilidade que se contrapõe, sobrepujando, quaisquer possibilidades de participação mais efetiva nos âmbitos coletivo e público. A classe, enquanto ator coletivo, perdeu importância na mudança social, por sua fragmentação, dispersão geográfica e crescente vulnerabilidade social. As utopias perderam força. Assim, novos desafios foram colocados à ação coletiva exigindo um repensar do trabalho em suas novas-velhas formas e em sua complexidade. No caso brasileiro, que não fugiu à regra em termos das transformações, é importante discutir tanto as novas configurações do trabalho, quanto a lógica das ações sindicais no novo contexto da realidade do trabalho e sobre como vem se comportando as políticas públicas relacionadas à nova questão social e do trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 11 Em resumo, o cenário que se constrói propõe algumas questões: qual o lugar do trabalho na sociedade do século XXI, comparando-se com a realidade do século XX? É possível pensar um desenvolvimento de corte mais social que, escapando de preocupações meramente econômicas, garanta proteção à sociedade e aos trabalhadores para além de seus vínculos de trabalho? Estariam os trabalhadores e sindicatos preparados para enfrentar os marcos trazidos pela flexibilização, agora possivelmente chancelada em termos legais? Qual o papel do governo no que se refere à proteção aos trabalhadores e à concessão de benefícios diretos (e indiretos) não mais vinculados somente à formalização do mundo do trabalho, que lhes dê mais segurança em um quadro de crescente instabilidade e precarização? Como avaliar os resultados concretos das políticas governamentais de geração de trabalho e renda ? Quais os limites e as possibilidades das práticas empresariais em um cenário em que a empresa assume papel de destaque não só em termos produtivos e competitivos, mas também em termos de preocupações sociais? Como vem se desenvolvendo a relação entre sindicatos e Estado no contexto de um governo oriundo do movimento sindical? Essas são algumas das muitas questões colocadas na ordem do dia, que exigem um debate sociológico mais profundo, o qual pretendemos continuar discutindo a partir de estudos que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores da área. A proposta deste GT é, por um lado, analisar as novas configurações do trabalho em uma situação social marcada pela reestruturação das atividades produtivas e sua articulação em rede além de seus desdobramentos em termos de flexibilização, precarização e informalização do emprego. Por outro lado, pretende discutir as dificuldades e estratégias dos sindicatos nesse novo contexto, dando ênfase aos mecanismos de ação coletiva acionados a partir do questionamento ao corporativismo, da preocupação com os desempregados e com os trabalhadores em situações precárias, bem como do empenho na busca de novas orientações e formas de atuação, como por exemplo, a (re)organização das centrais e dos organismos internacionais, a incorporação crescente das temáticas de gênero, raça/etnia e da juventude, a participação em projetos de políticas públicas e sociais. Em terceiro lugar, objetiva discutir as novas tendências das políticas públicas referidas às novas configurações do trabalho, em um contexto mundial de crise da referência do Estado Social e de desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, dando destaque ao que vem ocorrendo no caso brasileiro a partir dos anos 1980, tendo como marcos principais a Constituição de 1988, as Privatizações e Reformas Constitucionais da década de 1990 e as novas situações trazidas com a eleição de Lula para Presidente. A presente proposta de Seminário Intermediário é um desdobramento do GT - Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea, da ANPOCS, o qual tem apresentado resultados de pesquisas voltados para a análise do trabalho e do movimento sindical contemporâneo no Brasil e em outros países – principais tendências, relações com o sistema político, movimento trabalhista, movimento sindical, análise da estrutura sindical e da organização interna dos sindicatos –, trabalhos teórico-metodológicos que discutem, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 12 de uma perspectiva crítica, os fundamentos da crise da sociedade do trabalho, bem como estudos históricos que, reconstruindo a formação de atores coletivos, têm apontado para a diversidade de trajetórias da ação coletiva em nível regional em nosso país. Além disso, a partir da segunda metade dos anos 1990, têm sido relevantes os estudos no interior do referido GT da ANPOCS que focalizam o processo de globalização e seus impactos no mundo do trabalho, em particular a questão da reestruturação industrial e suas repercussões sobre os atores sociais envolvidos. A partir do ano 2000, o GT passa a ser o único a discutir a questão do trabalho no âmbito da ANPOCS ampliando sua reflexão com temáticas relacionadas à nova questão social, aos desafios do desenvolvimento, tanto no âmbito local e/ou regional quanto nacional e o papel que os trabalhadores e a instituição sindical podem desempenhar nestes novos espaços de atuação. O GT se transformou em um espaço fundamental à reflexão, ao debate e ao intercâmbio de idéias no que tange a pesquisas que discutem os temas do trabalho, da ação sindical e das políticas públicas de emprego e renda. Isso se expressa, por exemplo, pela quantidade de eventos que organizou, além das sessões e mesas na ANPOCS, de publicações de seus participantes na forma de livros e artigos em revistas acadêmicas no Brasil e no exterior (exemplos: O Sindicalismo brasileiro nos anos 80, São Paulo, Paz e Terra, 1991, organizado por Armando Boito Júnioe; O Novo Sindicalismo: vinte anos depois, organizado por Iram Jácome Rodrigues e publicado pela Editora Vozes, em 1999; Além da Fábrica: trabalhadores, sindicatos e a nova questão social, São Paulo, Boitempo, 2003, organizado por Marco Aurélio Santana e José Ricardo Ramalho; O sindicalismo equilibrista; entre o continuísmo e as novas práticas, Curitiba, UFPR, 2006, organizado por Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi e Marcos Ferraz). Faz nove anos que o referido GT edita o Boletim Eletrônico Sindicalismo e Política. Esses aspectos evidenciam um amadurecimento do GT, que se apóia em um núcleo de pesquisadores - das mais variadas regiões do País – com pesquisas e publicações conjuntas e que tem ajudado na formação e desenvolvimento de novos estudiosos dos temas ligados à problemática em questão. Os pesquisadores do GT têm participado como organizadores de grupos de trabalho na SBS, LASA, ALAST , ISA, CISO, entre outros eventos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 13 Dia 26/05 Quarta Feira 18:30 horas – Mesa de Abertura Ângela Araújo – GT Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea da ANPOCS Elina Pessanha - PPGSA/UFRJ Rodrigo Grünewald – PPGCS/UFCG Ivan Targino – ABET/UFPB Darcilene Gomes - FUNDAJ Roberto Véras de Oliveira – Coordenador Programação 19:30 horas – Mesa “A Crise Global e suas Implicações sobre o Trabalho” Ivan Targino (UFPB) Dari Krein (UNICAMP) Luis Campos (FUNDAJ) Debatedor – José Ricardo Ramalho (UFRJ) Coordenador – Darcilene Gomes (FUNDAJ) Dia 27/05 Quinta Feira 08:30 horas – Mesa “As Novas Configurações do Trabalho: desafios ao Pensamento Sociológico” Márcia Costa (UFPB) Ângela Araújo (UNICAMP) Graça Druck (UFBA) Alexandre Barbosa (USP) Debatedor – Maria Rosilene Alvim (UFRJ) Coordenador – Eliana Moreira (UFPB) 14:30 horas – Sessão de Apresentação de Trabalhos Sessão 1: O Trabalho Frente aos Novos Desafios Tecnológicos e do Desenvolvimento Coordenador: Marilda Menezes (UFCG) Debatedor: Dari Krein (UNICAMP) Sessão 2: Manifestações e Formas do Trabalho Precarizado Coordenador: Fernando Souto (UNIVASF) Debatedora: Eliana Moreira (UFPB) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 14 Dia 28/05 Sexta Feira 08:30 horas – Mesa “As Práticas Sindicais Reinventadas” Sérgio Pereira (UFMA) Elina Pessanha (UFRJ) Roberto Véras de Oliveira (UFCG) Jair Batista da Silva (UFPB) Debatedor – José Ricardo Ramalho (UFRJ) Coordenador – Marilda Menezes (UFCG) 14:30 horas – Sessão de Apresentação de Trabalhos Sessão 3: Trabalho Precário e Formas de Resistência entre o Rural e o Urbano Coordenador: José Marçal Jakcson Filho (FUNDACENTRO) Debatedor: Ângela Araújo (UNICAMP) Sessão 4: Práticas Sindicais Urbanas Revisitadas Coordenador: Graça Druck (UFBA) Debatedor: José Ricardo Ramalho (UFRJ) Resumos Expandidos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 15 Sessão 1 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 16 O TRABALHO FRENTE AOS NOVOS DESAFIOS TECNOLÓGICOS E DO DESENVOLVIMENTO Coordenador: Marilda Menezes (UFCG) Debatedor: Dari Krein (UNICAMP) 1. As Profissões Informacionais no Brasil Luciana Garcia de Mello (Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS) A crise da sociedade salarial que começa a ocorrer na década de 1970 produz um intenso debate sobre a centralidade do trabalho. Essa discussão está presente na obra de autores como Claus Offe1, André Gorz2, Dominique Schnapper3, entre outros, em um nível mais político e filosófico. Há também trabalhos que, embora relacionadados com essa mesma questão, focalizam de modo mais direto as formas de flexibilização, a precarização, a formação de novos padrões de desigualdade no mercado de trabalho, entre eles pode-se citar os estudos de Jeremy Rifkin4, Manuel Castells5, David Harvey6. O foco de investigação está nas transformações que ocorreram no mercado de trabalho com a intensificação do processo de globalização e a entrada em uma nova fase do sistema capitalista. Trata-se do surgimento da nova economia e da sociedade pósindustrial. De acordo com Krishan Kumar7, o pioneiro da teoria do pós-industrialismo foi Daniel Bell, seguido por Peter Drucker e Alvin Toffler. Esses autores afirmam que há uma transição, provavelmente “incômoda” para uma nova sociedade que difere da sociedade industrial, tanto quanto esta se distancia da sociedade agrária. Há um diagnóstico que prevê o fim do industrialismo e a diminuição drástica do emprego no setor industrial. Manuel Castells concorda com a visão das teorias do pós-industralismo de que há um deslocamento da produção de bens para o setor de serviços. Contudo, esse autor prefere falar em informacionalismo, pois, em seu ponto de vista, as sociedades serão informacionais porque passarão a organizar seu sistema produtivo em torno de princípios de maximização da produtividade baseada em conhecimentos, através do desenvolvimento e da difusão de tecnologias da informação e pelo atendimento dos pré-requisitos para sua utilização. Há uma ênfase na importância das novas tecnologias da informação para a economia. Um aspecto fundamental é a substituição do fordismo e da 1 OFFE, Claus. Capitalismo Desorganizado. Transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. 2 GORZ, André. Adeus ao proletariado – para além do socialismo. Rio de Janeiro: forense Universitária, 1987. 3 SCHNAPPER, Dominique. Contra o fim do trabalho. Lisboa: Terramar, 1998. 4 RIFFIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995. 5 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999. 6 HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1999. 7 KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-moderna. Novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 17 produção em massa, por formas de produção mais flexíveis. A questão que emerge é como se configura a organização do trabalho nesse novo paradigma. A literatura sobre o tema tem apontado para uma polarização da estrutura ocupacional: por um lado, há profissões que exigem alto conhecimento e especialização, seria o caso dos trabalhadores que atuam diretamente no processo decisório, e outros que teriam um papel mais coadjuvante nesse processo. Os primeiros realizam atividades ricas em conteúdo e, como sublinha Castells, tornam-se essenciais para a atual fase. Uma discussão que pode ser atrelada ao diagnóstico de Manuel Castells sobre a diversificação da classe trabalhadora é realizada por David Harvey que sublinha a polarização do mercado de trabalho, destacando justamente a existência de um mercado dinâmico e competitivo e que potencialmente pode oferecer vantagens, em oposição a um mercado que reúne as atividades rotineiras, repetitivas. Jeremy Rifkin por sua vez adota uma visão bem mais pessimista das transformações recentes. O autor considera que o impacto das inovações sobre o emprego é bem maior e que o problema não é conjuntural e sim estrutural. O problema é que anteriormente quando novas tecnologias substituíram trabalhadores em alguns setores, outros surgiam para absorver os trabalhadores demitidos, mas não é o que ocorre na nova configuração. O único setor emergente é o de conhecimento, formado por uma pequena elite de empreendedores, cientistas, técnicos, programadores de computador, profissionais, educadores e consultores, porém esse novo setor tem pouca capacidade de absorção de mão-de-obra. Há uma polarização da população mundial, ficando de um lado os analistas simbólicos que controlam as tecnologias e as forças da produção e de outro, um crescente número de trabalhadores permanentemente demitidos sem perspectiva de empregos significativos na nova economia global de alta tecnologia. O autor argumenta também que embora estejam sendo criados alguns novos empregos, eles estão em faixa de remuneração inferior e são temporários. Independentemente dos pontos de discordância entre diversos autores que discutem as mudanças na sociedade salarial, é inegável que os empregos passaram por uma mudança que é tanto qualitativa, quanto quantitativa e isso parece ser válido para todos os países. Esse artigo, através dos dados da PNAD de 2006, analisa a atual estrutura ocupacional do Brasil, procurando identificar o peso das profissões informacionais. Ao mesmo tempo, o artigo visa caracterizar a configuração desse setor, por meio da identificação dos tipos de profissões existentes, sua distribuição nas diferentes regiões e questões relativas a natureza de contratos de trabalho, rendimentos, escolaridade dos ocupados e perfil demográfico dos ocupados. Palavras-chave: sociedade informacional, nova economia, mercado de trabalho, organização do trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 18 2. Desenvolvimento, Trabalho e Território: Estudo do Caso de Duque de Caxias Rosangela Nair de Carvalho Barbosa (Profª Drª PPGSS/UERJ) O trabalho aborda parte da pesquisa sobre desenvolvimento regional em Duque de Caxias (Rio de Janeiro), observando as institucionalidades criadas para gestão da aglomeração produtiva e da ação política dos sujeitos sociais em favor da negociação e ampliação dos direitos sociais dos moradores na cidade, no quadro da mundialização capitalista. A unidade de análise da pesquisa é o Pólo de Desenvolvimento Gás Químico de Duque de Caxias (Rio de Janeiro) no contexto da flexibilização produtiva. Na região geográfica em exame se entrelaçam diversas escalas territoriais complexificando sobremaneira a vida social. Em Duque de Caxias se misturam estratégias corporativas transnacionais, nacionais e dinâmicas locais, que induzem o desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo asseveram as desigualdades sociais. Seguidamente, é pertinente situar que na região se alongou sobremaneira a tradição privatista do espaço da cidade por meio de uma política local que sempre misturou assistencialismo e violência. Mas, não é um território economicamente arcaico ou virgem em experiências fabris. A história industrial da cidade se inicia com a FNM (Fábrica Nacional de Motores) no Governo Getúlio Vargas, prolongando-se com a refinaria de petróleo (Reduc) na década de 1960, além de um conjunto de outras iniciativas que foram se somando ali. Mas, a dinamização regional da localidade, de fato, vem sendo tocada desde 1999 como aglomeração gás química, o que tornou a região mais atrativa para variadas empresas da área. Todavia, o incremento de demanda por força de trabalho, por exemplo, não atende à população da cidade na medida em que o perfil de qualificação requerido não é facilmente presenciado no local. Então, os resultados da pesquisa apontam para a caracterização da repercussão desse reordenamento produtivo para os moradores da cidade, a ação dos sindicatos nesse processo e as possíveis interferências políticas nos rumos do modelo de desenvolvimento em execução na região. Na análise dos dados foi possível perceber que a experiência produtiva recente sinaliza que a dinamização dos territórios precisa ser focada mais densamente pelo pensamento crítico também como uma necessidade para “valorização do valor” que tem consequências para o pacto federativo na medida em que promove disputa entre territórios no âmbito da nação, além de alargar os problemas de urbanização e do trabalho, sem nem sempre significar campo de ação dos sindicatos. O propósito deste texto é destacar alguns elementos a respeito do reordenamento contemporâneo desejando com isso argumentar sobre a relevância da instrumentalização dos sujeitos políticos para atuarem nessa dimensão da dinâmica capitalista e confrontarem os caminhos tomados pelo desenvolvimento econômico nos territórios. Palavras-Chaves: Desenvolvimento Regional; Território; Trabalho; Duque de Caxias A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 19 3. Da Instrução Profissional à Formação Cidadã Rejane Gomes Carvalho (Doutoranda do PPGS/UFPB) Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB) A política pública de emprego e, em especial, os programas de qualificação profissional sofrem críticas por admitir, como parte de um mesmo processo político-pedagógico a formação social e profissional concomitante a promoção da instrução técnica da mão-de-obra, esta como um princípio da competência, estimulando o individualismo e o empreendedorismo pessoal da força de trabalho. Na sua fase mais recente, o programa de qualificação profissional destaca, em suas diretrizes, o processo de construção social da política pública e a formação cidadã dos sujeitos. Contudo, a participação efetiva dos sujeitos nos espaços criados para o controle social das políticas públicas, enquanto ação consciente e propositiva, pode ser prejudicada diante dos impasses criados com as disputas políticas, além do agravamento do problema do emprego que traz o imperativo do sujeito buscar uma instrução técnica para conseguir ou se manter num emprego. Para se pensar a qualificação profissional, como parte da política pública de emprego e renda no Brasil, se faz indispensável localizá-la no contexto das transformações recentes do mundo do trabalho. A desregulamentação e a flexibilização do trabalho entre os anos de 1980 e 1990, além de provocarem mudanças significativas nas sociabilidades, de um modo geral repercutiram na reformulação e na perda de direitos e lugares sociais, modificando as identidades dos sujeitos e pulverizando suas dignidades. Considerando que a sociedade brasileira sempre apresentou um desenvolvimento marcado pela desigualdade e pela carência de direitos sociais, as transformações na dimensão das relações do trabalho vieram aprofundar a situação de desemprego e pobreza, constituindo-se num entrave ao próprio desenvolvimento social. Por outro lado, a reforma do Estado nos anos de 1990, orientada pela ideologia neoliberal, serviu para “modernizar” o conteúdo da política pública de emprego e da política social, adaptando-as ao projeto macroeconômico de contenção e equilíbrio fiscal, de modo a ressaltar a noção de eficiência produtiva concomitante ao assistencialismo dos excluídos. A política pública de emprego, destacando-se os programas de qualificação profissional, são alvo de críticas por proporem, como parte de um mesmo processo político-pedagógico, a formação social e profissional, ao mesmo tempo em que visam a instrução técnica da mão-de-obra, esta como um princípio da competência, atendendo as necessidades do setor produtivo e estimulando o individualismo e o empreendedorismo pessoal da força de trabalho. A visão tradicional sobre a inserção/(re)inserção social privilegia, sobretudo, a dimensão do mercado, como sendo um problema somente de adaptação da mão-de-obra, dando pouco realce para os efeitos subjetivos da perda de sociabilidade dos sujeitos por meio das mudanças em torno do trabalho humano. Em sua fase mais recente, a política de qualificação profissional, traz em suas diretrizes a preocupação com a formação cidadã, na medida em que visa aprofundar o conteúdo sobre questões de cidadania. Visto por este lado, tal abordagem reflete preocupação em aproximar-se das lacunas, limites e dificuldades das políticas de emprego e de inclusão social encaminhadas nos anos 2000. Esta tônica dada à inclusão social cidadã, tem sido o principal desafio da política pública de emprego e renda na atualidade, refletindo o enfrentamento do setor público diante do crescer da A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 20 pobreza e da exclusão social. Ao propor a ativação dos sujeitos excluídos com ênfase nos critérios da qualificação enquanto instrução, da eficiência, o programa de qualificação profissional pode estar contribuindo para renovar os princípios do individualismo e do empreendedorismo, colaborando para minar a solidariedade e a participação política que as relações coletivas gestadas no espaço do trabalho são capazes de proporcionar. Diante da fraca capacidade de criação de novos postos de trabalho, como característica do capitalismo contemporâneo, ao Estado é relegada a responsabilidade de dar respostas à crise do emprego e criar alternativas de inserção social, o que pode ocorrer em detrimento dos direitos sociais e da perda de qualidade dos mesmos. Com o avolumar de desinserções no trabalho, qualquer política social pode ressoar como uma alternativa de inclusão, mesmo que em alguns casos as ações visem apenas a aquisição de uma competência e a manutenção de uma renda mínima, impedindo uma ação mais voltada para a construção de uma participação e de uma ação cidadã, enquanto sujeitos conscientes e propositivos, e dificultando a participação efetiva dos sujeitos na construção das políticas públicas. Palavras-chave: Qualificação profissional, Política pública, Participação, Cidadania. 4. Teletrabalho a Domicílio e as Transformações do Trabalho Márcia Regina Castro Barroso (Mestranda do PPSD/UFF) Este trabalho busca analisar o chamado teletrabalho, mas especificamente o que é exercido à domicílio. Inserido num contexto de reestruturação global da economia, e de flexibilização das relações de trabalho, iniciado na década de 1970 e intensificado após os anos 80/90, o teletrabalho apresenta-se como uma experiência emblemática de novas tendências numa sociedade em que se prioriza o conhecimento. Com o processo de reestruturação global da economia, principalmente a partir da década de 1980, novos padrões organizacionais e tecnológicos foram adotados pelas empresas. Conseqüentemente, novos elementos de organização social do trabalho foram introduzidos como a utilização da informatização produtiva e do sistema just-in-time. Sendo assim, podemos perceber um processo crescente de desestruturação da empresa fordista e o fortalecimento de um modelo nas relações de produção orientado pela generalização do processo de terceirização, pela compressão dos níveis hierárquicos, pelo desenvolvimento de estratégias gerenciais com o intuito de efetivar uma mobilização permanente da força de trabalho, pela cooperação constrangida dos assalariados, pela administração por metas, bem como pela fragmentação da relação salarial. Neste sentido, já na década de 1990 percebemos o coroamento de um novo modelo produtivo representado pela empresa neoliberal. As empresas num processo de terceirização desestruturam grandes coletivos de trabalho e o espaço produtivo passa a ter uma concepção reestruturada. Mas o que é o teletrabalho? Como podemos conceituá-lo? Para o código de trabalho português considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 21 empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.8 O teletrabalho pode-se apresentar de diversas formas. Nele está subjacente a idéia de flexibilidade organizacional, produtiva e contratual. Dentre as suas modalidades podemos citar: teletrabalho no “domicílio” (desenvolvido “em” e a “partir” da casa do trabalhador); “móvel” (desenvolvido conforme a função que desempenha); “deslocalizado” (realizado para várias empresas estrangeiras); “telecentro” (funcionários da mesma ou de várias empresas ocupam um escritório alugado, distante da organização principal).9 Feita essa explanação inicial do meu objeto de pesquisa agora farei uma exposição das idéias principais da proposta deste trabalho. Primeiramente gostaria de dizer que o trabalho realizado a domicílio não é uma novidade no mundo do trabalho. O próprio Marx, no século XIX já fala da existência dessa atividade domiciliar que se converteu na seção externa da fábrica, no seu caso de estudo, na indústria têxtil.10. O tema, portanto, não é novo. Vários pesquisadores da área do trabalho já se dedicaram a análise das atividades que são exercidas à domicílio11. Entretanto pensamos que a “novidade” não se dê somente com a introdução dos meios telemáticos nessa atividade. A intenção aqui é entender os mecanismos sociais que permitiram a efetivação deste tipo específico de trabalho na contemporaneidade. Nesta pesquisa procuro, portanto, desenvolver principalmente dois aspectos. Primeiramente analiso o teletrabalho inserido numa tradição sócio-histórica do Trabalho a domicílio. No segundo aspecto, reflito sobre a sua inserção num conjunto de concepções organizacionais das empresas que de certa forma repensam as utilizações do tempo e do espaço na execução do trabalho. Nesse ponto, a ênfase será teórica, onde utilizarei preferencialmente as reflexões de Luc Boltanski e Ève Chiapello12 e de Manuel Castells13 acerca das transformações do mercado de trabalho. E ainda, de forma breve, faço algumas reflexões acerca de possíveis formas de organização coletiva dos teletrabalhadores: se as redes telemáticas são os principais instrumentos para a execução do trabalho, não poderiam também se tornar em poderosos instrumentos de organização coletiva? Poderiam os sindicatos criar novos dispositivos para facilitar o engajamento dos trabalhadores de forma on-line? Palavras-chave: teletrabalho, globalização, trabalho a domicílio. 8 Código do Trabalho Português, 2009. Disponível em: <http://www.legix.pt/docs/CT0915_Set_2009.pdf>, p. 76. E. Araújo e S. Bento. Teletrabalho e Aprendizagem: contributos para uma problematização. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Fundação para a Ciência e a Tecnologia: 2002. p. 17. 10 Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: 2006. P. 524. 11 Ver os artigos de Alice Rangel, Bila Sorj e Roberto Ruas in: ABREU, Alice R. e SORJ, Bila. O trabalho invisível. Rio Fundo Editora, Rio de Janeiro: 1993. 12 BOLTANSKI, Luc e CHIAPELO, Ève. O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes, São Paulo: 2009. 13 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1999. 9 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 22 5. O Mundo do Trabalho: a Formação, a Qualificação Profissional e o Jovem Deficiente Michele Paitra Alves dos Santos (Mestranda do PPGS/UFPR) Pensando nos desafios da modernidade, na própria transformação e adequação dos indivíduos ao mundo do trabalho, e de acordo com a nova conjuntura econômica, política, cultural e social do século XXI, numa nova dinâmica entre o local e o global, esta pesquisa pretende analisar sociologicamente a inserção do deficiente jovem no mercado de trabalho, enquanto condição social – para além da doença como individualidade do ser, e buscando a influência do meio social sobre o indivíduo – este é fruto das relações sociais; aproxima-se assim experiências de formação a práticas laborais. Constitui-se de uma análise preliminar e conceitual do que seja formação e qualificação profissional no mundo do trabalho por meio das políticas públicas a partir da década de 1990, principalmente no Brasil. Mais pontualmente, pretendo acrescentar à problemática da questão sociológica o deficiente jovem discutido nas políticas públicas de inserção no mundo do trabalho, por meio da formação e qualificação profissional. Esta é uma primeira etapa da pesquisa e visa fazer aproximações das experiências de formação para o mercado de trabalho formal, de jovens deficientes das escolas especiais municipais de Curitiba. Sendo assim, a qualificação profissional é um tema “neufrálgico” (Carrillo, Iranzo) para a sociologia por incluir implicações profundas que relacionam o sistema de ensino ao mundo produtivo do trabalho. Quando pensada a formação e a qualificação profissional na modernidade temos como um dos públicos alvos o jovem, que recém saído do sistema educacional busca sua inserção no mundo do trabalho. Neste sentido, se destaca o jovem “especial” e ainda pouco visualizado pela problemática sociologia: o deficiente. No Brasil, por meio das políticas públicas, principalmente advindas da Constituição Federal de 1988, ele vem ganhando voz, ainda pelos outros e sendo constantemente encaminhado ao mundo do trabalho pela formação e qualificação profissional para exercer atividade remunerada. Para isto, precisa passar pelas políticas de inclusão e as oficinas protegidas no interior das escolas especiais principalmente quando nos referimos ao deficiente intelectual. O tema a ser desenvolvido no presente estudo é uma da análise sociológica mediante revisão de literatura dos caminhos da formação e qualificação profissional no Brasil, e o estudo das políticas públicas da década de 1990 destacando como sujeito, o deficiente jovem, nesse processo. A justificativa para a escolha do tema refere-se a grande complexidade que a temática da formação e qualificação profissional apresenta para a sociologia do trabalho, integrando contextualmente as discussões da reestruturação produtiva, da flexibilização, das novas exigências para os postos de trabalho pela formação incipiente e pela necessidade de qualificação profissional. O objetivo é o de analisar por meio de revisão de bibliografia a visão de alguns autores latinos americanos e brasileiros da sociologia do trabalho e alguns documentos desenvolvidos pelos legisladores, o discurso das políticas públicas brasileiras, para perceber os enfoques dados à formação e qualificação profissional. Separo os termos formação, qualificação profissional e capacitação, nos textos Latino Americanos, por não entender tais termos como sinônimos, como em alguns casos que aparecem nos textos, mas sim como complementares, pois podemos formar, por um sistema A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 23 de ensino, num processo mais longo e qualificar ao longo da vida profissional os sujeitos- atores, por meio de cursos de curta duração e de uma formação continuada para o mundo do trabalho. Os caminhos metodológicos a serem seguidos pela pesquisa, além do estudo teórico, será o de aprofundamento das questões metodológicas e empíricas, pela pesquisa qualitativa e o desenvolvimento de técnicas interpretativas científicas e de obtenção de novos conhecimentos no campo social, acerca do sistema complexo de significados que constitui o mercado de trabalho e a deficiência. O foco da pesquisa serão os jovens deficientes, recém saídos das escolas especiais municipais de Curitiba e encaminhados ao mercado de trabalho. Pretende-se também realizar uma pesquisa documental tanto da Secretaria Municipal de Educação e do Trabalho e Emprego. A leitura e análise de alguns materiais sobre o tema com enfoque social, reexaminando-os sob novas possibilidades de interpretação e/ou complementando as já existentes. Também pretendo realizar um registro de relatos de experiências individuais por meio de histórias de vida dos agentes deficientes jovens, buscando em algumas trajetórias pessoais a interpretação para a explicação do dinamismo para a superação ou não de barreiras quanto ao ingresso no mercado de trabalho formal. Palavras-chave: mundo do trabalho – qualificação profissional – deficiente. Bibliografia ARAÚJO, Eliane Aparecida et al. Programa de suporte comunitário: alternativa para o trabalho do adulto deficiente mental. In: Revista Brasileira de Educação Especial, v. 12, nº 2. Marília, maio/ ago., 2006. BARTALOTTI, Celina Camargo. Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paulus, 2006. (coleção questões fundamentais da saúde) CERIGNONI, Francisco Núncio & RODRIGUES, Maria Paulo. Deficiência: uma questão política? São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção questões fundamentais do cotidiano) COSTA, Cândida de. Do PLANFOR ao PNQ: mundo do trabalho, qualificação profissional e políticas públicas. In: OLIVEIRA, Roberto Véras de. (Org.) Qualificar para que? Qualificação para quem? São Paulo: UNITRABALHO & Campina Grande: UFCG, 2006. GALLART, María Antonia. La formación para el trabajo y los jóvenes en América Latina. In : Revista Latinoamericana de Estudo del Trabaljo : Empleo y formación en la década del noventa. Año 7, n° 14, 2001, p. 55- 89. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4 ed. Curitiba : Positivo, 2009. MARQUEZAN, Reinoldo. O deficiente no discurso da legislação. Campinas, SP : Papirus, 2009. (Série Educação Especial) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 24 OLIVEIRA, Roberto Véras de. Qualificação profissional: um campo em disputa. In: OLIVEIRA, Roberto Véras de. (Org.) Qualificar para que? Qualificação para quem? São Paulo: UNITRABALHO & Campina Grande: UFCG, 2006. OLIVEIRA, Roberto Véras de. A qualificação profissional como política pública. Brasília: MTE, SPPE, DEQ, 2005. v.3. (Coleção Qualificação Social e Profissional) PARANÁ. Trabalhador com deficiência e mercado de trabalho. Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, s/d. PEREIRA, Elizabeth Aparecida & TIBOLA, Ivanilde Maria (org.) Direitos da pessoa com deficiência: conhecer para exigir. Brasília: Senado Federal, gabinete do Senador Flávio Arns, 2008. PRESTES, Emília M. da T. Considerações sobre o PLANFOR e suas experiências de avaliação. In: OLIVEIRA, Roberto Véras de. (Org.) Qualificar para que? Qualificação para quem? São Paulo: UNITRABALHO & Campina Grande: UFCG, 2006. POCHMANN, Márcio. O desemprego tem cura no Brasil. In: O emprego na globalidade: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo : Boitempo, 2001. Painel 1: Transformações no Mundo do Trabalho: Considerações sobre o Modelo de Competências Dayane Gomes da Silva (Mestranda do PPGS/UFPB) Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB) Este artigo analisa as mudanças no âmbito da qualificação profissional, impostas pelo atual contexto de flexibilidade produtiva, dando ênfase ao surgimento e a propagação do modelo de competências frente a um modelo de qualificação formal, discutindo algumas de suas implicações ao mundo do trabalho. Já há algum tempo o paradigma da qualificação vem fazendo-se presente nas análises acerca do mundo do trabalho, especialmente para áreas como a Sociologia e a Educação. Este debate tem-se tornado cada vez mais atual diante as mudanças na organização da produção. A partir da crise do modelo taylorista/fordista e a emergência da produção flexível, os estudos a respeito da qualificação profissional ganharam notável destaque. O ideal taylorista de separação entre concepção e execução das tarefas, entre o trabalho mental e o manual, conforme acentuado por Braverman (1987) promoveu um tipo de desqualificação gradual do trabalhador na medida em que a divisão do trabalho foi aprofundada. A noção de qualificação como ligada ao conhecimento científico, técnico, passou a ser concentrada especialmente nas mãos da gerência, da administração, e não dos trabalhadores braçais, paras os quais a visão de qualificação esteve sempre ligada ao desenvolvimento de uma habilidade específica, repetitiva e limitada. Demandava-se do trabalhador a capacidade de cumprir o que lhe fora ordenado. Logo a qualificação exigida ligava-se a capacidade de realização, em cada posto de trabalho, do que fora prescrito. Como bem acentuou Veras (2006), dos anos 1971 para 1980, com a crise do taylorismo A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 25 e do fordismo e a introdução de novos modos de organização da produção, denominados por Harvey (1992) como acumulação flexível, o mundo do trabalho vem sofrendo significativas mudanças no sentido da flexibilização. Demanda-se do trabalhador que ele contribua de forma criativa e comprometida com a empresa, realçando-se o aspecto individual. Num contexto de desemprego crescente, e da necessidade de uma inserção mais eficiente frente a crescente competitividade do mercado, é cobrada ao trabalhador uma qualificação mais ampla, versátil e continuada, capaz de garantir sua entrada e permanência num mercado de trabalho cada vez mais seleto. Tais mudanças trouxeram a tona o debate sobre a qualificação profissional, com destaque para o surgimento da noção de competência. É como se a idéia de qualificação estivesse para o paradigma taylorista/fordista como a de competência para o da acumulação flexível. Este artigo propõe-se a analisar as mudanças ocorridas no papel da qualificação profissional, a partir da possível superação desse conceito pelo de competências. Ele está dividido em quatro seções além desta parte introdutória. Primeiramente retrata-se, resumidamente, as características do modelo taylorista, fordista e da reestruturação produtiva. Na segunda seção discute-se o modelo de competências a partir da interlocução com o de qualificação. Logo depois, apresentam-se algumas implicações do modelo de competências. Por fim são tecidas algumas considerações finais. Palavras-chave: Competência, Qualificação, Trabalho. Sessão 2 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 26 MANIFESTAÇÕES E FORMAS DO TRABALHO PRECARIZADO Coordenador: Fernando Souto (UNIVASF) Debatedora: Eliana Moreira (UFPB) 1. Alienação no Trabalho Docente? O Professor no Centro das Contradições Denise Lemos (Profª Drª CRH/UFBA) O objetivo geral do estudo é analisar o processo de trabalho docente no âmbito da Universidade Federal da Bahia Brasil, no contexto das transformações operadas à luz das políticas neoliberais do estado, buscando identificar se existe a configuração de um processo de alienação do trabalho docente, a despeito de ser um trabalho, cujo objetivo é emancipar o ser humano. Caracteriza o processo de flexibilização e precarização do trabalho, a partir da implantação progressiva dessas políticas no ensino superior, que atingem de forma significativa o papel da Universidade de produtora do conhecimento. O estudo demonstra que o professor da UFBA se encontra no centro da contradição da crise universitária no momento em que se percebe com plena autonomia e não percebe os mecanismos crescentes de controle institucional, configurando a alienação no trabalho docente (palavras chave: trabalho docente,alienação, autonomia, flexibilização e precarização do trabalho). A Universidade brasileira vive hoje um momento muito especial no que diz respeito à definição da sua razão de ser social. Por um lado, percebe-se um processo de privatização e de orientação da produção do conhecimento a partir da racionalidade do mercado, por outro, a luta e a resistência do movimento docente que, embora não tenha conseguido impedir a implementação de algumas regras de cunho neoliberal na educação superior, obteve algumas vitórias decisivas na luta para impedir a perda de direitos dos docentes e a privatização completa da instituição, defendendo um modelo de Universidade emancipadora, voltada para o atendimento das necessidades sociais.Diante desse quadro, emerge a necessidade de investigar o trabalho docente, por ser na sua essência ou na sua definição clássica, um trabalho a serviço da emancipação humana, do desenvolvimento das capacidades humanas, da crítica da realidade, da produção do conhecimento para transformação da vida social. Desenvolvi uma pesquisa de doutorado com a finalidade de pensar o trabalho do professor universitário na Universidade pública dentro de um contexto de crise, que pela sua caracterização atinge os pilares fundamentais do exercício do papel profissional, ou seja, a autonomia, a capacidade crítica e criativa, a referência nas necessidades sociais.O objeto da análise foi o processo de trabalho docente no âmbito da Universidade Federal da Bahia, no contexto das transformações operadas à luz das políticas neoliberais do Estado, tendo como pergunta central : É possível identificar dimensões alienantes do trabalho docente, mesmo considerando que a sua função é a emancipação das capacidades humanas? As dimensões analisadas incluíram as condições, a A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 27 organização, as relações, com o foco nas categorias conceituais da alienação e autonomia no trabalho.A amostra intencional foi estruturada a partir das classes na carreira, titulação, área científica de atuação, década de ingresso na UFBA e cargos administrativos exercidos. Foram realizadas 30 entrevistas distribuídas em todas as áreas do conhecimento: Ciências Humanas, Ciências Exatas, Ciências da Saúde, Letras e Artes. A temática da autonomia foi sendo configurada,a partir da percepção dos professores, como a principal contradição vivida, na perspectiva da análise da alienação no trabalho docente. Essa contradição é expressa de diversas formas: de um lado a autonomia é valorizada como o aspecto mais fundamental na motivação para o trabalho, mas essa mesma autonomia gera um não cumprimento, por parte de alguns, das regras coletivas, que, por sua vez, também não estão claras. Se de um lado, a autonomia implica em liberdade na definição do conteúdo do trabalho, esse mesmo exercício isola e impede de conhecer o trabalho do outro, o que gera, possivelmente, conflitos de saber e poder. Dessa forma, a contradição invisível é o fato de que o grau de autonomia percebido pelos professores não corresponde ao grau de autonomia existente, quando se considera todos os âmbitos da vida institucional, ou seja, a autonomia percebida não é a autonomia exercida. A análise apresentada, vai caracterizando um quadro que apresenta a Universidade e o ensino superior como submetidos à mesma lógica da reestruturação produtiva e da precarização que se deu no mundo do trabalho dentro das empresas. De um lado, a fragmentação do conhecimento e a limitação da capacidade de decisão, do outro a flexibilização dos contratos de trabalho, dos cursos (curta duração), da metodologia (ensino à distância), diminuição de prazos de conclusão das teses, prestação de serviços às empresas. É o conhecimento sendo tratado como mercadoria numa Universidade cada vez mais neoliberal. O professor, dentro desse processo, vai ficando progressivamente imprensado por uma superposição de contradições que chegam até ao cotidiano do seu trabalho. Todos os níveis institucionais exercem um tipo de controle sobre a sua vida na academia, do Presidente da República ao aluno.Ele reage a esse super controle isolandose, reproduzindo o modelo autoritário, inserindo-se na corrida pela titulação e publicação, competindo com os pares, enfim,criticando algumas dimensões, mas lutando, dirigindo suas energias na busca da sua inserção no modelo proposto. E esse esforço, essa busca são permeados de contradições: a carreira não o desenvolve como professor e sim como pesquisador; para pesquisar precisa acionar a habilidade de captador de recursos, para a qual não foi habilitado; quando consegue recursos externos, corre o risco de ser visto como possuindo uma “vida dupla”; se não consegue recursos, sente-se desprestigiado e revoltado por possuir uma alta qualificação profissional e uma precária condição de trabalho. E a despeito de todo esse esforço, muitas vezes, é colocado no papel de “bode expiatório” do sistema universitário,quando é percebido como “sem compromisso”, inclusive pelos próprios pares. A alienação no trabalho docente vai sendo demonstrada no momento em que a conseqüência do encadeamento dessas contradições opera no sentido de transformar o produto do trabalho intelectual progressivamente em mercadoria a ser apropriada, pelas empresas ou pelo Estado, que cada vez mais, define a demanda, retirando do professor essa prerrogativa; na medida em que o Estado orienta a carreira para a pesquisa (através de recursos e recompensas), transformando o ensino em algo menos importante, até A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 28 mesmo aversivo para alguns professores; quando através do financiamento individual externo e do sistema meritocrático é estimulada a competição, que gera o esgaçamento do vínculo social e conflitos interpessoais, criando, muitas vezes, um clima de trabalho desfavorável a integração do conhecimento. Palavras-chave: Processo de trabalho, alienação, trabalho docente. 2. A Distribuição Espacial do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba William E. Nunes Pereira (Prof. Dr. do Dep. de Economia/UFRN) A origem da atual conformação da indústria e do emprego no segmento calçadista da Paraíba inicia-se no interior do estado, em cidades que atuavam como entreposto tropeiro e algodoeiro, mais especificamente em Campina Grande. O município foi durante muito tempo um pouso de tropeiro e centro comercial algodoeiro (PEREIRA, 1998). A cultura do algodão e as atividades conexas estimularam o desenvolvimento econômico e urbano de Campina Grande (PEREIRA, 2004). Dentre as atividades que foram estimuladas pelo desenvolvimento econômico e urbano, encontra-se a atividade coureiro-calçadista, beneficiada pelas externalidades positivas do processamento do algodão e de suas sementes. Inicialmente a produção coureira se destinava à confecção de selas e artefatos de couros, posteriormente de calçados. Esse tipo de atividade se constituiu em pré-condição para a produção de calçados e afins de couro (LEMOS; PALHANO, 2000). A produção no estado somente apresentou crescimento mais expressivo nos anos 1980, devido à entrada de aproximadamente 80% do total de empresas atuantes na década seguinte. Além de haver se estendido rapidamente no mesmo período por várias áreas do estado. Sem dúvida, o fator-história pesou na consolidação da indústria calçadista paraibana, devido a seu desenvolvimento histórico-produtivo para o segmento calçadista. Esse fato se deve ao grande contingente de sapateiros e produtores informais e às empresas existentes e entrantes formais e informais. Segundo Lemos e Palhano (2000, p. 05) o “crescimento do arranjo em número de empresas na década de 80 não se deve ao recente processo de relocalização de empresas das regiões Sul e Sudeste para a região Nordeste.” No entanto, essa última empresa mencionada pelos autores, que se instalou no município em 1983, foi fechada em 1997, por não terem sido renovados os incentivos fiscais oferecidos, induzindo sua relocalização na Bahia (PEREIRA, 1997 e LEMOS; PALHANO, 2000). Essa relocalização ocorre, portanto, no contexto do processo recente de relocalização das empresas devido à reestruturação produtiva e guerra fiscal dos anos 1990. A configuração espacial da indústria calçadista na Paraíba mostra a existência de três pólos produtivos localizados no litoral, no agreste e no sertão. As evidências apresentadas por Pereira (1997) e Lemos e Palhano (2000) mostram que o pólo do agreste paraibano, constituído por Campina Grande e cidades circunvizinhas, apresenta em sua constituição fatores históricos, enquanto o pólo do litoral é muito mais expressividade do processo de relocalização da indústria calçadista nos anos 1990. O pólo localizado no sertão, liderado pela cidade de Patos é, embora expressivo para a micro-região, inexpressivo para o Nordeste e de baixo nível de geração de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 29 empregos formais. No entanto, é fonte geradora de empregos informais. A indústria calçadista da Paraíba possui apenas uma única empresa de grande porte (com mais de mil empregados), localizada em Campina Grande. O índice de dispersão geográfica é muito baixo (7,6%), bem inferior ao Ceará e a Bahia, ou seja, apenas 17 municípios apresentam a presença de indústrias calçadistas no estado. O estado ampliou, principalmente entre 1985 e1995, sua participação no número de indústrias calçadistas na região Nordeste. No entanto, entre 1995 e 2005, reduziu em aproximadamente 4% sua participação, mas encontra-se participando com 19,7% do número de estabelecimentos industriais calçadistas na região, um pouco a frente da Bahia (PEREIRA, 2008). O contexto da distribuição do emprego formal na indústria calçadista paraibana mostra-se muito similar ao da indústria no seu conjunto, demonstrando que a mesma é composta em sua maior parte por micro e pequenas empresas. No entanto, o estado já foi responsável por mais de 39% do emprego formal nessa indústria, em 1990, reduzindo sua participação nos anos seguintes para pouco mais de 10%, mas ainda ficando com a terceira posição na participação no emprego formal dessa indústria. Na última década o estado perdeu aproximadamente 75% de sua participação no emprego formal na indústria calçadista nordestina. Independente da perda relativa, a Paraíba vem ampliando o emprego formal no segmento em números absolutos, alcançando um volume de 8.461 trabalhadores formais no ano de 2005. Esse volume absoluto implica no quarto maior crescimento relativo do emprego desse segmento no Nordeste, ficando atrás apenas de Sergipe, da Bahia e do Ceará. Nesse contexto de distribuição geográfica do emprego e de estabelecimentos da indústria calçadista formal, pode-se detectar a partir dos dados da RAIS/MTE, as dez cidades com as maiores proporções de emprego e indústrias no setor calçadista. Essas dez cidades são responsáveis por mais de 57,8% de todo o emprego formal da indústria calçadista do Nordeste. Das dez cidades que apresentam o maior volume de emprego, somente Campina Grande apresenta fatores históricos na formação da indústria calçadista. As demais são resultados dos recentes incentivos e das políticas fiscais e financeiras. Sobral, de elevada participação no emprego formal, apresentou crescimento industrial recente, e a indústria calçadista se instalou em 1993. A indústria calçadista de Itapetinga se constitui fundamentalmente da empresa que se relocalizou de Campina Grande em 1997. Quanto a Horizonte, a indústria calçadista também é recente, da segunda metade dos anos 1990. As demais cidades integram o rol das cidades cujo elevado volume de emprego é, normalmente, gerado por uma grande empresa, que se instalou nos anos 1990. Dessa forma, pode-se concluir preliminarmente que as políticas fiscais e financeiras agressivas têm impacto significativo na atração de empresas calçadistas, principalmente se a esse fator agregar-se uma mão de obra de custo baixo e quase nula em organização sindical.Afinal, dessas dez cidades, sete se encontram no Ceará. No que se refere ao número de estabelecimentos industriais, duas cidades são capitais e as demais são do interior. Das nove cidades, três (Juazeiro do Norte, Campina Grande e Feira de Santana) detêm fatores históricos importantes, que contribuem para explicar o número de estabelecimentos existentes. Foram entrepostos comerciais importantes até a primeira metade do século XX. È importante observar a dissociação entre as dez cidades que agregam mais empregos e as que possuem maiores volumes de estabelecimentos. Esse fato se explica em razão de que muitas das cidades, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 30 em especial as do Ceará, possuem em média um único grande estabelecimentos, que em sua totalidade gera mais emprego do que os pequenos estabelecimentos das demais cidades. Explicitando assim o resultado de uma política de incentivos fiscal-financeiros e para-fiscais estabelecido pelos governos nos entre os anos 1980 e 2000. Palavras-Chave: Emprego formal, Indústria calçadista, Campina Grande, relocalização industrial. 3. Considerações sobre a terceirização e seus efeitos na Companhia Siderúrgica Nacional Sabrina de Oliveira Moura Dias (Doutoranda do PPGSA-UFRJ) Este trabalho tem por objetivo analisar as representações dos trabalhadores sobre as mudanças nas relações de trabalho e emprego na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a partir da expansão da terceirização de suas atividades e funções. A definição de “atividade meio” em 1993 possibilitou a expansão da prática da terceirização de efetivos permanentes pelo interior das indústrias e do processo de produção. O trabalhador terceirizado permanente inaugura uma nova situação dentro da fábrica: não é trabalhador do quadro direto, embora desempenhe suas atividades cotidianamente no interior da contratante; e, por outro lado, não é o trabalhador terceirizado temporário, pois seu contrato de trabalho é por prazo indeterminado, embora o contrato entre as prestadoras de serviços e a CSN seja por prazo determinado. Portanto, o trabalhador terceirizado permanente está sujeito a uma multiplicidade de referências. A terceirização de atividades anteriormente consideradas “estratégicas” às empresas abriu um precedente para a complexificação das relações entre os trabalhadores motivando aproximações e diferenciações que implicaram em novas formas de organizar e conceber os grupos e coletivos dentro da usina. Além das diferenças objetivas - de salários e direitos - a terceirização estabeleceu uma cisão subjetiva na consideração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN, a qual tem implicações no forjamento de sua identidade tanto no mundo trabalho, como enquanto cidadão de Volta Redonda. Através de entrevistas realizadas com sindicalistas, trabalhadores e extrabalhadores, buscamos compreender a maneira como os funcionários da CSN, e principalmente das firmas terceirizadas, entendem a sua condição e a de seu grupo em relação à condição de outros trabalhadores e grupos dentro da indústria. A maneira como os empregados da CSN e os empregados terceirizados concebem sua condição e seu papel dentro da produção, em comparação com os papéis de outros empregados, contribui para o forjamento de múltiplas identidades dentro da categoria. A coexistência dentro de um mesmo espaço fabril de trabalhadores com funções similares ou idênticas, sujeitos à empregadores e acordos coletivos diferenciados cria situações de impasse e desafios às estratégias sindicais de mobilização e de coesão da categoria. O desafio torna-se ainda maior se considerarmos que a divisão entre estes trabalhadores não se limita ao binômio trabalhador terceirizado / trabalhador da CSN, mas também à pulverização de estatutos, direitos e benefícios desfrutados por trabalhadores terceirizados permanentes ou temporários de diferentes empresas. No caso do Sindicato dos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 31 Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR) a dificuldade em reunir trabalhadores com graus variados de benefícios, direitos e condições apareceu como um obstáculo à tentativa de greve conjunta de todos trabalhadores da Usina Presidente Vargas. A evasão prematura dos trabalhadores da CSN da greve unificada de 2007 motiva uma série de interpretações para explicar o esvaziamento do perfil grevista dos trabalhadores do quadro direto da empresa. Dentre estas interpretações, destaca-se a idéia de que a terceirização, ao criar e expandir a figura do trabalhador com condições defasadas de direitos e benefícios, representaria um permanente risco à condição do trabalhador direto. A consciência de uma vantagem relativa dos trabalhadores da CSN em relação a seus companheiros terceirizados foi uma das razões alegadas para a recusa em utilizar a greve com o objetivo de galgar melhorias de fato. Por outro lado, o recurso à greves prolongadas como forma de reivindicação das demandas pelos trabalhadores terceirizados nos anos de 2005, 2006 e 2007 sugere a emergência de uma categoria coesa e combativa, em contraposição à idéia de trabalhadores precarizados como passivos e desorganizados. Os acontecimentos sumariamente descritos favorecem a consideração de uma série de questões para a avaliação das recentes mudança nas relações de trabalho: em que medida a terceirização afeta a conduta e a identidade do próprio trabalhador do quadro direto? Até que ponto a convivência diária de trabalhadores que desempenham as mesmas atividades os torna solidários ou não às causas uns do outros? Podemos considerar trabalhadores terceirizados como um mesmo bloco, com uma mesma identidade? De que maneiras a linha que divide trabalhadores terceirizados e diretos é considerada saliente e em que aspectos ela pode ser vista como intermitente na atual conjuntura do mercado de trabalho? Neste trabalho proponho a apresentação de parte dos resultados de minha pesquisa de mestrado que tem como foco a análise dessas questões. Em síntese, é importante ressaltar que a expansão e acomodação da terceirização e os novos sentidos à ela conferidos tem consequencias abrangentes e permanentes sobre os novos arranjos que caracterizam o mundo do trabalho. Palavras-chave: terceirização; precarização; Companhia Siderúrgica Nacional; identidade. 4. Trabalho Análogo ao Escravo e o Limite da Relação de Emprego no Brasil Vitor Araújo Filgueiras (Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA) O presente texto analisa o trabalho análogo ao escravo no Brasil. O objetivo do trabalho, produto de pesquisa efetuada entre os anos de 2008 e 2010, é apresentar a natureza do trabalho análogo ao escravo e explicar como o Estado brasileiro prescreve e tenta efetivar controles da exploração do trabalho com base em limites à existência da própria relação de emprego. Mais especificamente, o Estado prescreve um limite externo à relação de assalariamento no Brasil, que contempla o tipo de coerção específica do capitalismo, pois independe da coerção individual do comprador da força de trabalho para se estabelecer. Os desafios à eliminação da condição de trabalho análoga à escrava são colossais, e incluem resistências desde os próprios aparelhos do Estado. Aproximadamente 33 mil trabalhadores foram resgatados pelo Estado em situação A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 32 análoga à de escravos entre 1995 e 200814. Este texto pretende demonstrar como e por que esse fenômeno se constitui como o limite da relação de assalariamento no Brasil. O assalariamento se institui historicamente a partir da dupla liberdade que atinge a parcela majoritária da população. Livre dos laços de dependência específicos de outros modos de produção, “livre” do controle sobre os meios de produção15. O corolário, para a população que trabalha, é um destino compulsório: a necessidade da venda de sua força de trabalho como meio para sua reprodução. Os compradores da força de trabalho são os proprietários dos meios de produção, cujo objetivo no bojo de tal relação social é a obtenção incremental do excedente produzido, que nesta sociedade ganha a forma de lucro monetário. Como o lucro é extraído do trabalho, este é vítima necessária e preferencial dos processos de racionalização do capital sobre atributos indesejáveis à sua reprodução. O trabalho, por seu turno, dependente da venda da sua força de trabalho para sobreviver (já que sua transformação em mercadoria elimina o “direito à vida” 16), está potencialmente exposto a todo tipo de submissão. Portanto, dada a compulsão do capital e a “liberdade” do trabalho, não há um limite inerente às condições de venda e uso da força de trabalho (à relação de assalariamento), ou seja, sem trabalho organizado ou intervenção externa podem emergir, inclusive, padrões de uso que seriam próprios de outros modos de produção. Ocorre que, no Brasil, o assalariamento possui um limite prescrito. Transgredido esse limite, o Estado desconhece e desfaz a própria relação. Esse limite imposto ao assalariamento é a situação análoga à de escravo, manifesta no art. 149 do código penal, que prevê as seguintes hipóteses de configuração: restrição da locomoção em razão de dívida; cerceamento do uso de meio de transporte; manutenção de vigilância no local de trabalho ou retenção de documentos do trabalhador para mantê-lo no local. A despeito de as referidas hipóteses serem verificadas no Brasil17, há outra hipótese, esta fundamental, no art. 149: o conceito de trabalho degradante como caracterizador do trabalho análogo ao escravo. Esse conceito, por independer da intencionalidade do capitalista singular, transcende o aspecto coercitivo direto imposto ao trabalho. A coerção do capitalista individual pode existir nas relações contemporâneas análogas à de escravo, contudo, com o conceito de trabalho degradante essa coerção individual deixa de ser necessária para a configuração da analogia à escravidão. A coerção do mercado de trabalho é a coerção específica do modo de produção vigente (a necessidade da venda da força de trabalho) e é isso que o art. 149 incorpora, ao considerar condições de uso desumanas da força de trabalho como crime de redução à situação análoga à escravidão. É a coerção coletiva do capital (via mercado de trabalho) que engendra os alojamentos de lona, a retenção dos salários, o fornecimento de comida estragada, enfim, submete trabalhadores a condições que seriam típicas de modos de produção pretéritos. Destarte, além dos limites presumíveis (formas de coação direta) prescritos pelo Estado (próprios da condição individual da liberdade formal normalmente 14 Dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br). MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Civilização Brasileira, 2002, p.828. 16 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro, 2000. 17 O aspecto coercitivo do trabalho análogo ao escravo no Brasil é também tributário da pessoalização das relações sociais, mesmo aquelas que a princípio seriam impessoais (como o mercado), fenômeno típico da nossa cultura, conforme identificado por Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 1995). Nesse terreno, são férteis as falsas promessas e a crença na ilusória dívida contraída. 15 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 33 contemplada pelos Estados capitalistas), há um limite qualitativo ao uso da força de trabalho no Brasil (que limita as conseqüências da “liberdade” frente aos meios de produção). Contudo, combatido por um número extremamente reduzido (8 grupos) de agentes de Estado, não é possível sequer mensurar quantos trabalhadores tratados com escravos existem no Brasil, mais difícil ainda será eliminar o fenômeno, pois mesmo no interior dos aparelhos de Estado existe resistência à incorporação do conceito de trabalho degradante como caracterizador do trabalho análogo ao escravo. Não bastasse, a reincidência da submissão dos trabalhadores é provável, pois inexistem instrumentos no Estado que lhes dêem suporte, o trabalho organizado é frágil, e os capitalistas pouco temem as ações do Estado. Palavras chave: Trabalho análogo ao escravo, assalariamento, direito do trabalho. 5. Os Discursos Teóricos e as Justificativas dos Atores Sociais Perante os Acidentes de Trabalho Roberto Mendoza (Doutorando e Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG) Adailton S. de Andrade (Aluno-Bolsista de Graduação PM-UAAC) O anuário estatístico 2008 mostra que os índices de acidente de trabalho (AT) no Brasil são elevados e tem aumentado nos últimos anos. No país, se produzem anualmente 747.663 AT, com uma taxa de mortalidade anual p/100 mil AT, de 9,49. No nordeste, a prevalência é de 83.818 y na Paraíba de 4.229 casos. As Políticas Publicas sobre os AT tem evoluído de uma perspectiva da culpa a principio do século XX até a perspectiva do risco no S. XXI. Igualmente, as explicações teóricas dos AT tem variado de acordo com a disputa entre capital e trabalho. A principio de século XX, as “teorias” que tentavam explicar os AT, estavam hegemonizadas pelas explicações jurídicas que se sustentavam nos conceitos de “falta Professional”, isto é, os próprios acidentados eram responsabilizados pelos acidentes. Na década do 30 começam as tentativas de explicação cientifica. Os psicólogos experimentais conceitualizaram que os AT se deviam basicamente a causas psicopatológicas e/ou neuropsicológicas individuais dos próprios acidentados. Os protocolos experimentais mostravam uma tendência á poli-acidentabilidade de um numero determinado de trabalhadores (TIFFIN,1967). Teorias opostas surgem a partir da década dos 60, onde o Contexto de trabalho aparece como único responsável dos AT. HACBERG (1960), comparando situações de trabalho similares com e sem ocorrência de acidentes, assinala uma longa lista de fatores causais dos acidentes, que envolve varáveis relacionadas com o contexto do trabalho, com baixa significância dos fatores psicológicos pessoais. Outra abordagem semelhante, a Teoria Sistêmica da Fiabilidade, considera o AT uma saída indesejada: “O estudo do AT na realidade envia ao estudo das características do processo de produção suscetíveis de engendrarem uma série de disfunções das quais os acidentes são apenas uma das indicações dentre várias outras igualmente passíveis de exame” (LEPLAT E CUNY, 1979). Finalmente na década dos 90 e 2000, surge a perspectiva sociológica dos AT (DWYER, 2006). O autor diz que a causa dos AT temos que as buscar na Relações Sociais de trabalho. Ele propõe um modelo sociológico que considera quatro níveis de analise inter-relacionados para o estudo dos AT A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 34 operacionalizados concretamente em: O nível organizacional, o nível de recompensa, o nível de comando e o nível do próprio individuo. Diversas pesquisa de campo e experimentais demonstram que cada um destes níveis é responsável específico pelo aumento ou diminuição dos AT. O objetivo desta pesquisa é analisar as justificativas dos diversos atores sociais envolvidos nos processo dos AT (Empresários, Trabalhadores acidentados, Técnicos das empresas e do Ministério do trabalho e Sindicalistas) e como estas justificativas tendem a coincidir ou não, com os discursos teóricos aqui expostos. Para tanto, fizemos uma analise das argumentações (Analise do discurso e atribuições de causalidade) que esses atores sociais expressam num detalhado documentário sobre os AT elaborado pela rede Globo em colaboração com MTPS no ano 2000. Os resultados mostram que os empresários e os técnicos das empresas (engenheiros, etc.), adotam o discurso da “teoria” jurídica de principio do século XX de falta profissional ou psicológica, de imperícia psiconeurologica, isto é, atribuem a responsabilidade do AT ao próprio trabalhador. Os trabalhadores acidentados tendem a dividir seus discursos entre a resignação, à sorte e destino, por um lado, e a responsabilização das maquinas que não estavam em boas condições de segurança, por outro. Isto é, atribuem à responsabilidade a sim próprio, ou a um fator externo, a maquina. Uma parte dos acidentados tende a coincidir com a explicação das teorias técnicas sobre os AT, especialmente sim eles tiveram algum contato com o Sindicato. Os técnicos do MTPS (médicos, engenheiros), tendem a coincidir com o discurso das teorias técnicas, isto é, atribuem a responsabilidade dos AT principalmente a fatores externos, as maquinas. Finalmente os sindicalistas atribuem os AT a fatores externos, isto é, que no depende dos trabalhadores senão, pelo contrario da empresa, particularmente as má condições de maquinas e ferramentas, etc. São os que mais perto estão da teoria das relações sociais sobre os AT, não entanto, isto não fica totalmente explicito. Em geral comprovamos que as teorias analisadas (com exceção da teoria sociologia), não levam em conta as relações de produção como causa dos AT. As quatro primeiras teorias analisam a relação Operador-Maquina e atribuem a responsabilidade ao operador individual, isto é o operário ou a maquina, pressupondo que a relação principal numa empresa é entre o trabalhador individual com um objeto complexo que é a maquina, e não entre pessoas, atores sociais que estabelecem relações sociais de produção. Por outra parte, observamos que os próprios atores sociais tendem a coincidir com as teorias analisadas. Nas Políticas Publicas, as teorias técnicas do risco tendem a prevalecer, monetarizandose o trabalho inseguro de acordo ao nível de gravidade dos AT: cada órgão do corpo lesionado tem um valor, um preço determinado, o que de mostra que os atores sociais consideram o AT como inevitável. Palavras-Chaves: A. de Trabalho, Atores sociais, Discursos, Atribuição de causalidade. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 35 6. A Reconfiguração da Informalidade nas Relações de Trabalho: um Estudo Sobre os Trabalhadores de Moto-Táxi em Campina Grande – Pb Jucelino Pereira Luna (Doutorando do PPGCS/UFCG) A presente pesquisa tem como objetivo discutir sobre como vem se colocando a questão da informalidade no âmbito das relações de trabalho, particularmente no setor de serviços - a partir do caso mototaxismo - e em uma cidade nordestina de porte médio, Campina Grande. A problemática envolvida não é nova, visto que é constitutiva do padrão de relações de trabalho que se estabeleceu com a industrialização do país. Entretanto, vem ganhando novas conformações a partir de mudanças pelas quais vem passando o mundo do trabalho em termos globais. Novos setores surgem marcados pela informalidade, como o do "transporte alternativo" nas médias e grandes cidades. Novas situações contribuem para a reprodução das relações informais de trabalho como o recurso da subcontratação e discurso da apologia do "trabalho autônomo". Novas políticas públicas são geradas para lidar com tal problema, com destaque para ações no âmbito municipal, como as diversas tentativas de regulamentação do "transporte alternativo", das atividades dos camelôs, com a criação dos "shoppings populares" da atividade dos "flanelinhas" etc.Diante disso, as Ciências Sociais se vêem provocadas a discutirem:Quais as novidades que quanto a isso vêm se apresentando? Que novos tipos de trabalho e de trabalhadores informais têm surgido? O que se altera quanto à dinâmica própria das relações de trabalho informais, frente à dinâmica anterior, e quanto à relação entre as dimensões formais e informais do atual padrão de relações de trabalho? Faz sentido falar-se em uma nova informalidade?Quais os impactos desse processo sob a solidariedade e a identidade desses trabalhadores enquanto classe? Qual o lugar do trabalho nessa nova configuração? Qual o papel do Estado nesse processo? O que se pretende não é oferecer respostas definitivas para as questões levantadas, mas tão somente trazer elementos de reflexão sobre o fenômeno da "nova informalidade" à partir da abordagem das relações de trabalho no âmbito do moto-taxismo na cidade de Campina Grande, Paraíba. O mototaxismo surgiu, na cidade, em 1996. Até então não havia nenhuma regularização pública da atividade. Bastava dispor de uma moto e sair pela cidade em busca de passageiros. Mas, paulatinamente a atividade foi ganhando dimensões significativas, convertendo-se no refúgio dos "sem trabalho". Com a expansão da atividade dos moto-taxistas surgiram algumas pequenas empresas para explorar o serviço. O moto-taxista proprietário de uma moto cadastrava-se junto a uma das empresas atuante no setor, passando a pagar uma taxa diária (em média 5,00R$) em troca recebia uma credencial de autorização para transportar passageiros, além de uma jaqueta padronizada. A maior dentre essas empresas (CG Moto-Táxi), chegou a ter, em 1999, em torno de 600 (seiscentos) moto-taxistas cadastrados. Atualmente, os moto-taxistas, atuantes na cidade, está distribuido em três segmentos: a) aqueles regularizados pela Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos - STTP (com base na lei municipal N.3768/99, que estabeleceu um teto de 727 moto-táxistas permissionários)e devem está filiados ao Sindicato dos Moto-Táxistas e Entregadores de Encomendas em Motocicleta e Similares (SINDIMOTOS-CG);b) os vinculados à empresa CG Moto-Táxi, que foi criada em 1996 e passou a funcionar sob Mandato de Segurança, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 36 desde então; c)os clandestino,aqueles que circulam na cidade sem o alvará de tráfego. A pesquisa ainda busca apreender que tipos de relações de trabalho e formas de sociabilidade estão na base de constituição desse novo segmento de trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de relações de trabalho que estão na atualidade compondo o mundo do trabalho. Para tanto, requer situar os termos atuais da flexibilização das relações de trabalho, como tendência mundial, ao mesmo tempo buscando realçar suas repercussões específicas em países que, como o Brasil, traz nesse campo a marca da precariedade e da informalidade. Faz-se necessário, ainda, explorar com especial atenção as práticas e percepções sociais, em construção, em conflito, entre os atores sociais envolvidos na atividade do moto-taxismo, como se veêm e são vistos, sobre como dialogam (conformando-se, resistindo e reinventando-se) com as condições que lhes são impostas por tal situação. A fundamentação teórica da pesquisa foi pautada, desde contribuições de autores referidos a um debate teórico mais geral até aportes mais especificamente relacionados ao tema. São exemplos: a noção de "experiência" Edward P. Thompsom; a discussão sobre "produção flexível” trazida por David Harvey; a ideía de "fordismo periférico" de Alain Lipietz; a crítica da "razão dualista" por Francisco de Oliveira; as abordagens sobre o trabalho informal e precário no Brasil, por Cristina Cacciamali, Márcio Pochmann, Ricardo Antunes, Graça Druck,Márcia Leite, Jacob Carlos Lima, Angela Araújo entre outros. Além desse conjunto de aportes teóricos, utilizamos a pesquisa documental e, ainda um conjunto de 12 (doze) entrevistas, 9 (nove) entrevistas, 3 (três) em cada segmento de trabalhadores e mais 3 (três), uma com o representante do Sindicato, uma com o gestor da STTP (Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos) e por último com o proprietário da empresa CG Motos. Além disso, como estratégica metodológica complementar aplicamos um total de 207 questionários com 25 (vinte e cinco) perguntas cada nos três segmentos de trabalhadores, com o objetivo de captar questões que não foram possíveis de serem apreendidas nas entrevistas. Palavras-chave: Relações de trabalho, informalidade, transporte alternativo, moto-taxista. Painel 2: Confeccionando a Saúde no Trabalho: Condições de Trabalho e Políticas Públicas no Âmbito do SUS/PSF em Santa Cruz do Capibaribe/Pe Thaisa Santos de Almeida (Profª Ms Substituta da UFRN) Tendo em vista o modo como o mundo do trabalho vem reestruturando suas relações, inclusive com outras esferas, como com o processo de intensificação do trabalho, com as formas de adoecimento dos trabalhadores e com a proteção social, no Brasil delineia-se um panorama de privilégio às diretrizes do mercado de consumo e de diminuição dos custos sociais, com consequente desistitucionalização dos direitos sociais e alterações no pacto de solidariedade social, priorizando não a situação do cidadão no mercado de trabalho, mas a condição de cidadão de consumo. A saúde, no entanto, não se configura apenas como um serviço, mas um como um direito social que deve ser garantido não apenas pelas leis formais, mas por princípios reguladores de práticas sociais. Como forma de sociabilidade e regra de reciprocidade que se constrói num A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 37 panorama em que, de um lado, apresenta-se a flexibilização das relações de trabalho propiciando correlações de forças diferenciadas, inclusive no modo de regular o padrão de proteção social. E de outro, uma série de mudanças no escopo e rol de procedimentos específicos a consolidação dos bens coletivos por meio de políticas públicas de corte social. Pesquisas recentes mostram que a reestruturação produtiva, com a precarização das relações de trabalho e a intensificação do trabalho têm ampliado e agravado o quadro de doenças e riscos de acidentes nos espaços socioocupacionais. Nesse contexto, a saúde do trabalhador além de formalmente incorporada ao SUS está diretamente relacionada à possibilidade de sua assimilação pela estratégia saúde da família. Ou melhor, ao acolhimento dos trabalhadores para investigação do trabalho como fator determinante dos processos saúde-doença, a avaliação e o manejo das situações de risco no trabalho. Estratégias como o Saúde da Família (ESF) são apresentadas a partir da década de 90 como uma tentativa de reorientação do modelo de atenção à saúde no qual se prioriza, entre outras coisas, a saúde comunitária com base territorial. Portanto, como porta de entrada no sistema de saúde, aonde o controle da qualidade de serviços prestados e a avaliação do desempenho da equipe deveria ser realizado por grupos de supervisão, pelos Conselhos de Saúde e pelas comunidades atendidas. Acrescenta-se a essa conjuntura uma diversidade epidemiológica de agravos à saúde dos trabalhadores, agravos que variam desde as doenças provocadas pela introdução das novas tecnologias e pela organização do trabalho, passando pelas exposições ambientais a agentes cancerígenos, solventes e metais pesados, pela surdez de milhares de operários dos mais diversos ramos da produção, pela silicose dos cavadores de poços artesianos, pelo gravíssimo problema das intoxicações por e acidentes com máquinas agrícolas nas atividades rurais, até chegar aos efeitos à saúde do trabalho de menores e mulheres. No caso em particular de Santa Cruz do Capibaribe apresenta-se como um dos maiores pólos econômicos existentes atualmente, particularmente no setor de confecções, em que a atividade e o trabalho informais têm sido marcas decisivas. A ESF incursa nesse município a partir de 1998 e conta atualmente com 10 equipes de saúde da família para um total de 78.410 habitantes, que são: as ESF de Santa Tereza e Palestina, existente desde 2000, sendo implementadas nos anos subseqüentes as unidades de Bela Vista, COAHB, Dona Dom, Rio Verde, Dona Lica, São Miguel, Santa Cruz e Santo Agostinho. Assim a explicitação de problemas de saúde relacionados mais diretamente ao exercício do trabalho no Pólo, a partir da análise de discurso de uma rede atores sociais composta por gestores públicos, profissionais de saúde e trabalhadores beneficiários do SUS/PSF, atuará como ferramenta de compreensão da produção de sentidos simbólicos em condições sociais dadas, bem como do “lugar” que o sujeito ocupa para ser sujeito do que diz e se relacionar com o quadro social de sua existência, entendido não como imagem estática, mas complexa e desencadeadora de várias séries. Em suma, o solapamento da proteção social constitui mais um desfecho dos arranjos flexíveis no qual o processo de implantação de políticas de saúde não tem acompanhado essas mudanças na atenção à saúde,o que torna precípuo, a partir de uma perspectiva sociológica, estudar as configurações da atenção à saúde dos trabalhadores do pólo de confecções de Santa Cruz do Capibaribe/PE de modo a permitir uma melhor compreensão da experiência desses trabalhadores no que tange a saúde frente aos desafios que se configuram no A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 38 mundo do trabalho e das doenças decorrentes desse, bem como as particularidades e especificidades de tal experiência junto ao SUS/ PSF. Questiono então, em que medida o SUS/AB/ESF tem se constituído enquanto política pública de saúde capaz de propiciar a identificação, o diagnóstico e a explicitação pública de problemas de saúde? Especificamente como constitui-se essa política de saúde no Pólo de Confecções do Agreste de Pernambuco/PE? Atua no sentido de ocultar/reproduzir o caráter precário das condições e relações de trabalho ou de buscar estratégias que assegurem a saúde do trabalhador? Como as políticas de saúde se posicionam frente a isso os distintos atores sociais: gestores públicos, profissionais de saúde e trabalhadores beneficiários dessa rede de serviços? Palavras-chaves: políticas de saúde, saúde do trabalhador, reestruturação do mundo do trabalho. Sessão 3 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 39 TRABALHO PRECÁRIO E FORMAS DE RESISTÊNCIA ENTRE O RURAL E O URBANO Coordenador: José Marçal Jakcson Filho (FUNDACENTRO) Debatedor: Ângela Araújo (UNICAMP) 1. Revoltas dos Trabalhadores Canavieiros e Desmobilização Sindical no Setor Sucroalcooleiro do Nordeste: a Experiência de Alagoas Paulo Candido da Silva (Doutorando do PPGCS/UFCG) O presente trabalho propõe fazer uma análise sobre a resistência dos trabalhadores rurais, contratados para o corte da cana-de-açúcar, no contexto das mudanças provocadas pelo avanço da produção de etanol no Brasil. Trata-se de um estudo sobre as mobilizações dos trabalhadores assalariados canavieiros de Alagoas, ocorridas nas safras de 2007/2008 e 2008/2009. As mobilizações têm assumindo inicialmente um caráter de lutas espontâneas que vêm ocorrendo face às condições precárias de trabalho no corte de cana naquele Estado. Examina-se aqui o caso de Alagoas, cujo parque de usinas é considerado um dos mais “modernos” e tido como um dos mais eficientes do país. Quanto à situação dos trabalhadores, observa-se um novo processo social em que estes, por meio de mobilizações espontâneas, não só vêm reagindo às péssimas condições de trabalho no corte da cana, mas também têm expressado resistência às formas de dominação vigentes. Nesse cenário de forte conflito de interesses, as formas de atuação do Estado também representam uma novidade: tem se firmado uma prática de ação fiscalizadora do cumprimento das normas legais e dos acordos trabalhistas, de modo a pressionar as empresas ao cumprimento das exigências contratuais e legais. Além de examinar e discutir o aparecimento das mobilizações e seus efeitos sobre os órgãos fiscalizadores do trabalho. Faremos aqui considerações sobre o impacto que estas mobilizações vêm tendo sobre a estrutura oficial e burocratizada dos sindicatos dos trabalhadores rurais. Pretende-se com isso, abordar os desafios atuais à ação sindical no campo diante das experiências de lutas espontâneas travadas pelos trabalhadores canavieiros nesse novo contexto de resistências aos processos de intensificação da precariedade das condições de trabalho no corte de cana, bem como diante da nova configuração das relações de dominação existentes no setor canavieiro. Nesse sentido, pretende também discutir e analisar como a estrutura sindical no campo e, em particular no estado de Alagoas, se desenvolve e se manifesta no atual contexto desvinculado de uma noção de classe ou de interesse de classe, ou seja, como a representação sindical vai se desenvolver sem que os trabalhadores canavieiros tivessem experimentado qualquer forma de luta social, configurando um processo de “luta de classe sem classe”. E num processo em que os trabalhadores experimentam uma “negociação A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 40 coletiva através da revolta” a mesma estrutura sindical se coloca como incapaz de levar adiante o conflito entre o capital e o trabalho no campo uma vez que as “lideranças sindicais” não desfrutam de legitimidade por parte dos trabalhadores canavieiros. Uma evidência dessa imobilidade do STR pode ser percebida através da rejeição dos trabalhadores canavieiros a presença da representação sindical nos momentos de revoltas. Assim, este trabalho pretende mostrar, a partir de uma experiência social de manifestação espontânea dos trabalhadores canavieiros, alguns aspectos importantes evidenciado pela ação direta dos trabalhadores, a saber: a reação as condições precárias de trabalho no corte de cana através de uma compreensão de direito e de “justiça popular”. Outro aspecto diz respeito à ação estatal diante das revoltas dos trabalhadores, pois os agentes públicos à medida que exercem a mediação do conflito entre capital e trabalho oferecem o reconhecimento à luta dos trabalhadores. E um último aspecto diz respeito ao fato de que a fragilidade e imobilidade do sindicalismo dos trabalhadores rurais ter sido formado sem que fosse resultado do acúmulo das lutas dos trabalhadores canavieiros, mas como um instrumento de controle das lutas dos trabalhadores exercido pelo patronato através de indivíduos das próprias classes subalternas. Palavras-chave: Trabalhadores canavieiros; Assalariados rurais; Lutas sociais no campo; Ação estatal no campo; Sindicalismo rural. 2. Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008) José Fernando Souto Junior (Prof. Dr. UNIVASF) O objetivo é entender a dinâmica sindical rural em Petrolina, seu papel e sua relação com os poderes locais e os seus associados; a ação unificada entre os sindicatos rurais que constroem a Convenção Coletiva de Trabalho dos Trabalhadores Rurais do Vale do São Francisco, nos estados da Bahia e Pernambuco, e o chamado Pólo sindical, que agrega sindicatos pernambucanos e mantém uma em atuação comum. No Vale do São Francisco surge uma mística que tem como ênfase o desenvolvimento econômico acima da média nacional, construindo imagens da região como terra de vastas oportunidades de emprego e investimento. Vários estudos retratam a convergência dos fatores climáticos, do papel do Estado e de uma ação empresarial como propulsores desse desenvolvimento. Segundo Silva (2009: 80), os investimentos captaneados pelo Estado para a construção de grandes projetos de irrigação nos anos 1970, associados aos incentivos fiscais e financeiros de agências governamentais como SUDENE e BNB. A criação das usinas hidroelétricas da CHEFS foi um dos elementos propulsores desse desenvolvimento e que tornou essa região um pólo atrativo de imigrantes. Aceitando esse pressuposto de desenvolvimento acima da média, em quase todos os estudos encontrados aqui, a região é reconhecidamente palco do desenvolvimento regional e um pólo de atração de investimentos, sob diferentes óticas encontramos pelo menos três perspectivas: a) estudos que têm seu foco voltado para a dinâmica das empresas e avaliam o desenvolvimento da região como um lócus privilegiado de oportunidades de negócios, entre as suas ênfases está a busca de estratégias singulares A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 41 adotadas pelo empresariado para atuar na região (OLIVEIRA, 2007; SOUZA, BRITO, NETO, SOARES & NASCIMENTO, 2001; LIMA & MIRANDA, 2001); b) outra perspectiva analisa a dinâmica de atuação dos diversos atores políticos e o desenvolvimento da fruticultura irrigada, procurando compreender o sentido das ações e sugerir correções (CORREIA, ARAÚJO & CAVALCANTI, 2001; SILVA, 2001 e 2009; MARINOZZI & CORREIA, 1999); c) por fim, aqueles estudos que procuram compreender a dinâmica desse desenvolvimento e seus efeitos nas relações de trabalho e na ação dos sindicatos (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; CAVALCANTI, 1997, 2003; CAVALCANTI & PIRES, 2009; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000; RODRIGUES, 2009). Constatou-se, a partir da pesquisa, que vários sindicatos da região formaram um pólo sindical com o objetivo de organizar a luta contra os desmandos da CHESF por conta das populações ribeirinhas retirados de suas casas com a criação de barragens para as hidroelétricas. (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000). Os dados coletados no STR de Petrolina revelam que essa experiência foi importante para a construção da unidade em torno da preparação da primeira convenção coletiva dos trabalhadores rurais do Vale do São Francisco, em 1994, que negociam anualmente o acordo coletivo da categoria para todo o Vale, atualmente com mais de 15 sindicatos rurais da região. Se o pólo foi importante para os atingidos por barragens, essa experiência desdobrou a construção da unidade em torno das convenções coletivas em 1994. Por outro lado, o pólo também sofre com as conseqüências do narcotráfico, já que o polígono da maconha fica exatamente na área de atuação desses sindicatos. Isso se desdobra em preocupações com a juventude rural, o aumento da violência no campo e até a política agrícola, entre outros (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002). Palavras-chave: sindicalismo rural; pólo sindical; fruticultura. Bibliografia ARAÚJO, Maria Lia Corrêa de; NETO, Magda de Caldas & LIMA, Ana Elisa Vasconcelos. (2000), Sonhos submersos ou desenvolvimento? Impactos sociais da barragem de Itaparica. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana. _____. (1990), Na margem do lago: um estudo do sindicalismo rural. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana. CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa. (1997), Frutas para o mercado global. Estudos Avançados 11 (29). _____. (2003), Os trabalhadores no contexto da globalização dos alimentos. GT Anpocs Trabalhadores, Sindicatos e a Nova Questão Social Seminário Intermediário. USP. _____. & PIRES, Luiza Lins e Silva. (2009), Cooperativismo, fruticultura e dinâmicas sociais rurais: uma nova onda de cooperativas no Vale do São Francisco. In. SILVA, Aldenor Gomes da; CAVALCANTI, Josefa Salete B.; WANDERLEY, Maria de Nazareth B. (Orgs). Diversificação dos espaços rurais e dinâmicas territoriais no Nordeste do Brasil. João Pessoa: Editora Zarinha Centro de Cultura. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 42 CORREIA; R. C.; ARAÚJO, J. L. P.; CAVALCANTI, E. B. (2001), A fruticultura como vetor de desenvolvimento: o caso dos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). IULIANELLI, Jorge Atílio S. (2000), O gosto bom do bode: juventude, sindicalismo, reassentamento e narcotráfico no Submédio. In. IULIANELLI, Jorge Atílio S. & RIBEIRO, Ana Maria Motta (Orgs.), Narcotráfico e violência no campo. Rio de Janeiro: KOINONIA/DP&A. LIMA, João Policarpo Rodrigues; MIRANDA, Érico Alberto de A. (2001), Fruticultura irrigada no Vale do São Francisco: incorporação tecnológica, competitividade e sustentabilidade. Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza. V 32. MALAGODI, Edgard. (2004), O sindicato rural e seus parceiros. In. WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel (Org.). Globalização e desenvolvimento sustentável: dinâmicas sociais rurais no Nordeste brasileiro. PP: 161-171. MARINOZZI, G.; CORREIA, R.C. (1999), Dinâmicas da agricultura irrigada do Pólo Juazeiro – BA/ Petrolina – PE. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 37, 1999, Foz do Iguaçu. Anais. Brasília: SOBER. CD-ROM. RIBEIRO, Ana Maria Motta. (2002), “Sindicalismo, barragens e narcotráfico”. In. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho & MOREIRA, Roberto José. (Orgs.), Mundo Rural e Cultura. Rio de Janeiro: MAUAD. OLIVEIRA, Brigitte R. B. de. (2007), Análise do processo de formação de estratégias internacionais da fruticultura brasileira: o caso do Grupo Fruitfort. Orientador: Walter Fernando Araújo Moraes. Recife: UFPE. Dissertação de mestrado (Mestrado em Administração). RODRIGUES, Victor de Oliveira (2009), Globalização da agricultura e mudança no mundo do trabalho: os trabalhadores rurais do Vale do São Francisco. Orientadora: Josefa Salete Barbosa Cavalcanti. Recife: UFPE. Monografia (Graduação em Ciências Sociais). SILVA, Pedro Carlos Gama da. (2009), “Dinâmica e crise da fruticultura irrigada no Vale do São Francisco”. In. SILVA, Aldenor Gomes da; CAVALCANTI, Josefa Salete B.; WANDERLEY, Maria de Nazareth B. (Orgs). Diversificação dos espaços rurais e dinâmicas territoriais no Nordeste do Brasil. João Pessoa: Editora Zarinha Centro de Cultura. _____. (2001), Articulação dos interesses públicos e privados no pólo Petrolina-PE/Juazeiro-BA: em busca de espaço no mercado globalizado de frutas frescas. 2001. 245f. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. SOUZA, Gustavo H. F. de; BRITO, Ricardo A. L.; NETO, José Dantas Neto; SOARES, José M.; NASCIMENTO, Tarcizio Nascimento. (2001), Desempenho do distrito de irrigação senador Nilo Coelho. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. v.5. n.2. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 43 3. Práticas de Resistência dos Migrantes Paraibanos nos Canaviais do Estado de São Paulo Marcelo Saturnino da Silva (Doutorando - PPGCS/UFCG) Marilda A. Menezes (Profª Drª da PPGS/UFCG) A crescente demanda por etanol brasileiro tem propiciado uma expansão considerável do agronegócio, especificamente, do setor canavieiro. Expande-se também, nos círculos acadêmicos uma literatura que visa abordar as conseqüências do aumento da plantação de cana-de-açúcar e, assim, chamar a atenção para o alto preço do “progresso”, representado na destruição ambiental; na alta de preços de alimentos com o conseqüente aumento da fome. Vários estudos identificam a alta exploração a que são expostos os trabalhadores das usinas de cana de açúcar, especialmente os migrantes que cortam cana. Conforme especificado por Silva (1999), O ato de cortar cana resume-se à seqüência de gestos, curvatura do corpo, manejo do podão, destreza, rapidez, dispêndio de força. É necessário cortar um certo quantum de cana, diariamente, que é determinado pela usina. Ademais, exige-se um corte de boa qualidade, alguns centímetros acima do chão para facilitar uma excelente rebrotação, o aparar as pontas, montes ordenados para facilitar o carregamento feito por máquinas. Tudo se passa de forma combinada. Corta-se, formando vários montes. No final da rua,volta-se e se aparam as pontas. Reinicia-se o processo nas outras cinco ruas, até acabgar o talhão (p. 201). Mesmo considerando a mecanização em curso no setor, estudiosos têm chamado a atenção para o fato de que as novas tecnologias não têm representado uma diminuição da penosidade, insalubridade e periculosidade do trabalho, mas exatamente o contrário. Nas palavras de Scopinho (2000), a introdução da colhedeira mecânica no corte da cana-de-açúcar não diminui as cargas de trabalho do tipo físico, químico e mecânico existentes no ambiente de trabalho e ainda acentua a presença de elementos que configuram as cargas do tipo fisiológico e psíquico, porque intensificam o ritmo de trabalho. Por exemplo, as jornadas de trabalho dos operadores de máquinas agrícolas variam de 12 até 24 horas, durante a safra. O trabalho no corte mecanizado da cana é organizado em turnos de 8 ou 12 horas e, na época do revezamento, a jornada estende-se até 24 horas de trabalho, com pequenas pausas para descanso e para fazer as refeições no próprio local de trabalho (p. 97). Estamos, pois, diante de um processo de trabalho marcado pela alta exploração dos trabalhadores cuja eficácia demanda a elaboração de sutis mecanismos de controle por parte das usinas no sentido de garantir um corpo que seja, concomitantemente, dócil e útil ou, em outras palavras, adestrado de tal maneira que execute o mínimo gesto com o máximo de eficiência e eficácia, e seja, ao mesmo tempo, um corpo “educado”, isto é, obediente, controlado, resignado diante de toda e qualquer exploração. Os trabalhadores estão envolvidos em formas de dominação, que muitas vezes os colocam em situações de violência física (Freitas, 2003: 54), trabalho análogo à escravo (Silva, 2007; 2006) ou instituições de vigilância total, como é o caso dos alojamentos (Menezes, 2002). No entanto, há, também, formas de resistência que são tecidas nos meandros, brechas das relações de dominação. Neste texto, pretendemos abordar, como os migrantes paraibanos que são cortadores de cana-de-açúcar nos canaviais do Estado de São Paulo constroem formas de resistência às condições de exploração utilizadas pelas usinas de cana-de-açúcar do A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 44 Estado de São Paulo. Buscaremos compreender as brechas de resistência através da narrativa dos arregimentadores quando expressam que os trabalhadores migrantes “dão trabalho” ou “dão problema” e das narrativas dos migrantes sobre as normas da usina, especificamente, aquelas relativas ao corte de cana. Buscando ler estas falas pelo avesso, propomos uma inversão de sinais que torne possível considerar o “dar problema” ou a não aceitação automática das regras de organização do trabalho como formas de resistência. Estamos aqui nos fundamentando na concepção de ‘resistência cotidiana’ proposta por James Scott (1985, 1990, 2002) e Menezes (2002), para compreender as práticas sociais que são difusas, fragmentadas, não publicas, diferentemente das ações coletivas e institucionais, por exemplo, mediadas pelos sindicatos ou movimentos sociais. Esperamos, assim, contribuir para compreender que esses trabalhadores não se reduzem a um lugar de passividade, conformismo, imobilismo frente ao sistema de exploração em que estão envolvidos, mas são sujeitos de sua história, uma historia que se faz não como se quer, mas a partir de seus campos de possibilidades. Palavras-chave: Trabalho na cana-de-açucar, trabalho precário, resistência, migração. Bibliografia MENEZES, Marilda Aparecida de. O cotidiano camponês e a sua importância enquanto resistência a dominação: a contribuição de James C. Scott. In: Raízes. Vol 21, n. 01, Jan/Jun 2002a, p. 32-44. _____. Redes e enredos nas trilhas dos migrantes: um estudo de famílias de camponesesmigrantes. Rio de Janeiro: Relume Dumará; João Pessoa: UFPB, 2002b. SCOPINHO, Rosemeire Aparecida. Qualidade Total, Saúde e Trabalho: uma análise em empresas sucroalcooleiras paulistas. Disponível in: http://www.anpad.org.br/rac/vol_04/dwn/rac-v4-n1ras.pdf SCOTT, James C. Formas Cotidianas de Resistência Camponesa. (Tradução: Marilda Aparecida de Menezes e Lemuel Guerra). In: Raízes. Vol 21, n. 01, Jan/Jun 2002, p. 10-31. Scott, J.C. Weapons of the weak: everyday forms of peasant resistance. Massachusetts: Yale University, 1985. Scott, J.C. 'Everyday forms of peasant resistance'. The Journal of Peasant Studies, Vol. 13, No. 2, January 1986, pp.5-35, 1986. Scott, J.C. (1990) Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. New Haven and London: Yale University Press. SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 45 4. Salário por Produção: Precarização e Ilicitudes no Setor Sucroalcooleiro Dra. Marilda A. Menezes (Profª Drª do PPGCS/UFCG) Marcos Antonio F. Almeida (Mestrando do PPGCS/UFCG) Maciel Cover (Mestrando do PPGCS/UFCG) No Brasil, a produção de cana-de-açúcar vem sendo impulsionada por sua crescente valorização no mercado internacional, de tal sorte que o setor sucroalcooleiro representa, atualmente, parte considerável da economia do país. O crescente volume de recursos aportados no setor não tem se refletido, todavia, na melhoria da qualidade das práticas trabalhistas vigorantes nesse segmento econômico. Ao revés, o setor sucroalcooleiro vem vivenciando um contexto de precarização das relações de trabalho. Este trabalho busca analisar a precarização das relações de trabalho no setor sucroalcooleiro, a partir da sistemática de pagamento por produção, observando também a atuação das instituições estatais neste contexto, notadamente no que toca à aplicação da legislação aplicável ao tema. Analisaremos, a partir da literatura acadêmica sobre o tema, agregando dados primários de entrevistas realizadas em recente visita a campo, a contratação de trabalhadores migrantes da região de São José de Piranhas/PB e Cajazeiras/PB pelas Usinas Pilon e São José, localizadas no Estado de São Paulo. Atualmente, o sistema remuneratório dos cortadores de cana-de-açúcar contempla, como regra, o pagamento de determinado preço pela quantidade de cana cortada por cada trabalhador, através da conversão da metragem da área cortada em toneladas diárias. De fato, a aferição do peso da cana cortada é incalculável a primeira vista, eis que a massa da cana está sujeita a diversas variáveis - como a variedade da cana ou a época do corte -, de tal sorte que a valoração do dia trabalhado passa a depender de grandes balanças que estão localizadas no interior das usinas, impossibilitando o acompanhamento do trabalhador. Em síntese, tem-se um sistema de aferição da produção e de cálculo da remuneração em que o trabalhador perde a noção do valor do seu dia de trabalho. Assim, para garantir os recursos financeiros necessários para seu sustento e de sua família, especialmente durante o período da entressafra, a conseqüência deste sistema é que o empregado trabalhará até o limite de suas forças, o que, sob a ótica do empregador, maximiza os lucros. A sistemática de pagamento por produção já fora, de certa forma, analisada por Marx (1983), que afirma que o salário por peça “[...] é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois com isso sobe o seu salário diário ou semanal”. A prática permanece até os dias atuais, encontrando certo respaldo jurídico na medida em que a Constituição assegura a liberdade dos indivíduos de agir e contratar desde que não seja proibido pela lei (art. 5º, II) e na medida em que a legislação assimila o salário variável. De fato, embora admita o sistema de remuneração variável, a legislação não veicula vedação expressa ao sistema remuneratório por produtividade calculada a partir da massa produzida. A lacuna legal não revela um silêncio eloqüente, mas em imprevisão histórica e técnica, seja porque jamais se cogitou, à época da edição da legislação vigente, a maciça utilização da remuneração por toneladas em um dado setor econômico, seja porque qualquer lei não se mostra capaz de prever cada particularidade das múltiplas parcelas da existência humana. Qual seria, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 46 então, o fundamento jurídico que desautorizaria a implementação de um sistema remuneratório para o setor sucroalcooleiro embasado nas toneladas de cana diariamente cortada por cada empregado? Para tanto, deve-se lançar mão dos princípios e vetores axiológicos do Estado Democrático de Direito brasileiro, especialmente aqueles que incidem diretamente nas relações de trabalho, a exemplo dos princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência do valor social do trabalho, do princípio da lealdade e boa-fé, do direito fundamental à vida, à saúde e à segurança, do direito social à redução dos riscos inerentes ao trabalho, do princípio da vedação à discriminação salarial e do princípio da função social da propriedade rural. É à luz de tais princípios que algumas linhas investigativas se impõem na aferição da licitude do sistema remuneratório por tonelada no setor sucroalcooleiro: (a) verificar se existe um direito de informação na relação de trabalho e se tal sistema remuneratório viola tal direito; (b) verificar até que ponto a liberdade de opção patronal pela remuneração variável não se transfere os riscos da atividade econômica para os trabalhadores, tal como proibido pela CLT; (c) analisar se tal sistema remuneratório colide com a vedação a critérios discriminatórios na definição de salários. Enfim, se uma análise jurídica mais aprofundada acaba por revelar a ilicitude do sistema de pagamento por produção, e na medida em que a abolição de tal prática não ocorre em virtude da inexistência de uma regra proibitiva explícita, não caberia ao Estado de Direito elaborar tal regra para ser coerente com os princípios que o rege? Palavras-chave: Salário por produção, Legislação Trabalhista, Trabalhador Migrante, Usinas de Cana de Açúcar. 5. O Trabalho Domiciliar no Contexto do Processo de Globalização Edilane do Amaral Heleno (Doutoranda do PPGS/UFPB) Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB) As mudanças ocorridas na economia global nos últimos anos e a reestruturação produtiva têm provocado impactos significativos sobre o setor produtivo e, em conseqüência, nas relações sociais, especialmente nas relações de trabalho. Um dos setores mais duramente atingidos por essas transformações foi o setor têxtil, onde se pode verificar os seus reflexos na organização técnica, nas formas de comercialização, nas relações de produção, no apelo a terceirização, na ampliação da precarização e da informalização do trabalho. Nosso olhar volta-se para a realidade paraibana, tomando como referência a produção domiciliar do fabrico de redes de dormir no município de São Bento, localizado no Sertão, por constitui-se numa atividade econômica das mais tradicionais do Estrado. O estudo centra-se num dos momentos dessa produção – o acabamento, procurando ver os impactos dessas mudanças acima referidas sobre esta etapa produtiva, os deslocamentos de papeis e/ou atribuições dos integrantes da produção, a ressignificação dos vínculos familiares e as possíveis transformações na identidade dos sujeitos envolvidos no trabalho domiciliar. As transformações vivenciadas no mundo do trabalho nas últimas três décadas do século XX e, em especial, na década de 1990, provocaram marcas significativas sobre as relações sociais, não deixando de interferir no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Essas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 47 mudanças ocorreram dentro da lógica da acumulação flexível, que passa a delinear o processo de acumulação no cenário global. É, portanto, a busca em compreender as alterações trazidas pela globalização ao processo produtivo que vem se orientando esta nossa pesquisa, observando, por um lado, o impacto do global sobre o local, e por outro lado, no tocante ao nosso objeto de estudo – a produção paraibana de redes de dormir em São Bento, procurando apreender as reverberações que vêm se delineando a partir desse quadro da globalização no que diz respeito à re-configuração do trabalho familiar, que sempre marcou a estruturação desses espaços produtivos. Há indícios de possíveis desdobramentos sobre a subjetividade dos sujeitos envolvidos, no que se refere ao domínio do saber, a questão da autonomia, da segurança, do controle do processo produtivo, do deslocamento de competências, de atribuições, exigindo por isso mesmo, um olhar mais cuidadoso em nossas investigações. Pelo que a nossa caminhada investigativa tem permitido descortinar, podermos reafirmar que contemplar esses aspectos da subjetividade constitui frente de toda importância dando ao tema um novo olhar, por procurar justamente dar destaque a esta dinâmica do global no local e suas implicações recíprocas, visando averiguar o que muda e o que permanece frente a este contexto. Diante do que podemos observar de nossos primeiros contatos com os espaços produtivos, estes estão organizados nas próprias residências e envolvem, não só, o trabalho da mulher, mas também o trabalho dos homens, dos idosos da família, das crianças e adolescentes, ou seja, toda a família acaba participando do processo produtivo. Tradicionalmente a produção de redes de dormir tem esta organização, daí o nosso interesse em buscar observar se as inovações técnicas adotadas têm interferido na divisão do trabalho, provocado algum deslocamento de papéis e atribuições entre os sujeitos produtores, apreendendo, portanto, o que se modificou ou está permanecendo na estruturação das atividades deste setor, após a sua inserção na dinâmica da globalização. É importante ressaltar que nos levantamentos iniciais realizados sobre essa realidade, não encontramos estudos na região privilegiando estas questões, o que vem reforçando ainda mais a significação de levarmos a frente as nossas buscas e ficarmos atentos às discussões que delineiam em torno de um tema tão instigante, qual seja, as relações de trabalho, em especial, do trabalho domiciliar, procurando ver como se apresentam as relações familiares na atualidade, analisando o que isto representa a nível local numa economia hoje sobre a batuta dos ditames da globalização. Palavras-chave: globalização; relações familiares; identidade. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 48 Painel 3: Migrantes e Jovens: os Trabalhadores das Usinas de Cana de Açúcar José Aderivaldo S. da Nóbrega (Mestrando do PPGCS/UFCG) Giovana A. Nascimento (Graduando Ciências Sociais UFCG) Jaqueline M. F. Martins (Graduando Ciências Sociais UFCG) A expansão da agricultura canavieira no Estado de São Paulo se intensificou na década de 50 com a valorização do açúcar no mercado internacional, proporcionando o crescimento do mercado interno e o direcionamento de investimentos, antes alocado na cafeicultura e em outros setores econômicos. Houve implantação de novas usinas açucareiras, aquisição de terra para o plantio da cana,bem como a modernização do processo produtivo (Novaes, 2007). Isso ampliou o mercado de trabalho e a contratação de trabalhadores migrantes. A modernização do setor canavieiro não extinguiu a necessidade da força de trabalho manual, mas passou a exigir que os trabalhadores do corte fossem hábeis, resistentes, fortes, capazes de atender as regras de qualidade e quantidade de cana cortada. Os trabalhadores desejáveis para este trabalho, pelo que identificamos na pesquisa, são migrantes, em geral, jovens, provenientes de regiões caracterizadas pelo acesso precário à terra e pela produção orientada primordialmente para o auto-consumo. São trabalhadores socializados no trabalho agrícola e, portanto, tem o corpo disciplinado para as exigências do corte de cana. Na pesquisa “As migrações sazonais dos jovens rurais” realizada no ano de 2008, coordenada por Marilda Aparecida de Menezes, analisou-se o processo de migração entre moradores das áreas rurais e urbanas dos municípios de São José Piranhas e Tavares,no Sertão Paraibano e identificamos que a migração para a região metropolitana de São Paulo, que no período de 1950 a 1980 era direcionada para empregos urbanos. Na década de 90, a reestruturação do setor sucro-alcooleiro transformou o Estado de São Paulo no principal produtor de cana-de-açúcar do Brasil, proporcionando um re-direcionamento do processo migratório do sertão paraibano para regiões canavieiras. Se para as usinas, a força de trabalho dos jovens migrantes é fundamental para garantir altas taxas de produtividade da atividade canavieira, para os jovens, a migração tem outros significados. Assim, o objetivo principal desse artigo é verificar, de um lado, os critérios utilizados pelas usinas na contratação de jovens migrantes para o corte da cana em usinas em São Paulo e, de outro lado, compreender os significados do trabalho nas usinas para a autonomia dos jovens e reprodução social de suas famílias. Trata-se de uma estratégia de reprodução da família e busca de autonomia do jovem, tanto para atendimento de suas necessidades sociais, especialmente itens de consumo, quanto de realização de investimentos em suas localidades. (MENEZES, 2007; MORAES, 2007 apud NOVAES, 2007). Identificamos que são na maioria jovens com idade entre 18 a 29 anos e baixa escolaridade. Tradicionalmente, a migração temporária para safras agrícolas é de caráter sazonal, ou seja, em torno de 6 meses por ano. No entanto, os processos de modernização do plantio, limpa, colheita da cana estão prolongando a safra para até 9 meses e isso influencia diretamente o tempo de separação dos homens de suas namoradas, esposas, mães e demais familiares, vizinhos e amigos. Quando retornam para suas localidades, os trabalhadores tem se dedicado não mais ao trabalho no roçado da família, mas buscam repor as energias, se recuperar de lesões e se preparar para próxima safra. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 49 Referências Bibliográficas ALVES, Franciso. Migração de trabalhadores rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo. In: NOVAES, J.R. e ALVES, F. (orgs). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos EdUFSCAR, 2007, p.21 54 ALVES, F. et al. Políticas públicas para o desenvolvimento auto-sustentável da bacia hidrográfica do rio Mogi-Guaçu. São Carlos: UFSCar/DEP, 2003. Relatório de Pesquisa FAPESP (mimeo). BOURDIEU, Pierre. “A juventude não é mais que uma palavra”. IN: BOURDIEU, P. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1983. P. 112-121 ______. “Introdução a uma sociologia reflexiva”. IN: BOURDIEU, Pierre. O poder Simbólico. Rio de Janeiro. Editora Bertrand Brasil S/A, 1989 BOURDIEU, Pierre. CHAMBOREDON J. C., PASSERON, J.C. Epistemologia e Metodologia. IN BOURDIEU et al. A profissão de sociólogo. Preliminares espistemológicas. Petrópolis, Vozes, 1999. BOURDIEU, Pierre. "O Camponês e seu corpo”. In: Revista de Sociologia e Politica. Curitiba. Rev. Sociol. Polit. n.26, 2006. DURHAN, Eunice R. 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Redes e enredos nas trilhas dos migrantes: um estudo de famílias de camponesesmigrantes. Rio de Janeiro: Relume Dumará; João Pessoa: UFPB, 2002. MORAES, Maria Dione Carvalho de et alliAndando pelo mundo – significados da migração temporária do Piauí para a agroindústria canavieira paulista. In: NOVAES, J.R. e ALVES, F. (orgs). Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos EdUFSCAR, 2007. P 215-232 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 50 NOVAES, J.R.P. et all. Migrações dos trabalhadores do Maranhão e do Piauí para o trabalho na lavoura canavieira de São Paulo e Rio de Janeiro; Projeto de Pesquisa, 2005 NOVAES, José Roberto Et all. Situações tipo e organizações sociais, Pesquisa Juventude e Integração Sul Americana, realizado por meio de uma parceria entre IBASE/POLIS/IDRC. 2007. UFRJ GARCIA JÚNIOR, Afrânio Raul. 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O que iremos analisar é um processo concreto de mudança de sentidos e de redefinição identitária de uma atividade laboral, no caso a lavagem de roupas, com base na trajetória de atores sociais bem identificados. No caso, as próprias lavadeiras. Os referentes empíricos que embasam o presente trabalho originam-se das seguintes aventuras de investigação social: a) um trabalho etnográfico sobre uma A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 51 matriarca de uma família residente na localidade de Moita Verde, área rural engolida pela mancha urbana da região metropolitana de Natal, situada no município de Parnamirim, e, há alguns anos, identificada pelo INCRA e por algumas ONGs locais como “comunidade quilombola”; b) as observações etnográficas e os registros que captamos quando participei como pesquisadora auxiliar de uma pesquisa não diretamente relacionada ao mundo do trabalho, mas na qual essa temática não deixava de aparecer fortemente (trata-se da pesquisa “Saúde e sofrimento social: a inserção da população negra do RN no SUS”; c) por último, e mais significativo, nos registros já realizados da história de vida da filha mais velha da matriarca acima mencionada os quais servem(servirão) de referentes empíricos para o nosso trabalho de dissertação. A articulação com os contextos sócio-econômicos é feita não tendo como base discussões gerais e moduladas por proposições teóricas estruturais, mas a partir de uma abordagem que poderíamos identificar como micro-sociológica. Duas mulheres, mãe e filha, uma nonagenária e uma sexagenária, são as personagens que dão sentido à narrativa. Dona Nazaré e Dona Miúda, matriarcas de uma família na qual as mulheres mais jovens transitaram das atividades agrícolas para o trabalho doméstico em casas das cidades de Natal e Parnamirim. O que era o trabalho de lavagem de roupas em um contexto sócio-econômico tradicional, no qual o trabalho em casas de família como empregadas domésticas ou de lavadeiras de roupa a domicilio era um complemento da renda familiar, assentada ainda, em grande parte, no trabalho agrícola? Como o viés étnico e de gênero modulava as experiências de trabalho e fornecia os aportes para as identidades das mulheres da comunidade (Moita Verde)? Que sentidos essas mulheres atribuíam ao seu trabalho e ao lugar no mundo? Como o mesmo trabalho de lavagem de roupas é redefinido quando passa a ser organizado como uma prestação de serviços, agora executado pela “Lavanderia Mãe e Filhas”? Essas perguntas apontam os eixos que estruturarão o texto que servirá de base para a apresentação. A primeira parte do título deste resumo já indica uma de nossas influências teóricas. “Mudanças e permanências” é o título de um dos capítulos de “A dominação masculina”, de Pierre Bourdieu. Deste autor, reteremos a noção de habitus. Articulação entre as “disposições in-corporadas” e os “esquemas de percepção” de um agente social, o habitus fornece-nos importantes elementos sobre a trajetória do trabalho de lavagem de roupas em Moita Verde. Esse o caso, por exemplo, da relação entre o trabalho das mulheres da comunidade como domésticas e a aquisição dos requisitos exigidos para o trabalho sob nova regulamentação exigido quando da instituição da “Lavanderia Mãe e Filhas”. Articulando com as elaborações de um clássico da sociologia brasileira (Florestan Fernandes), teremos elementos para entender porque os homens da comunidade não conseguiram se encaixar nas atividades da Lavanderia. À primeira vista, essa “inadaptação” parece expressar mapas mentais baseados nas relações de gênero. Entretanto, problematizando para além das conexões fáceis e dos esquemas de leituras fornecidos pelo habitus acadêmico “politicamente correto”, trata-se de ir além. Nesse sentido, devemos nos perguntar, atualizando questões propostas pelo autor de “A integração do negro na sociedade classes”, sobre a ausência, entre os homens de Moita Verde, dos “pré-requisitos sócio-psíquicos” para a navegação social em um mundo do trabalho flexível. Palavras-chave: trabalho, serviços, comunidade, mercado, relações de gênero e quilomb Sessão 4 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 52 PRÁTICAS SINDICAIS URBANAS REVISITADAS Coordenador: Graça Druck (UFBA) Debatedor: José Ricardo Ramalho (UFRJ) 1. A Inovação das Relações de Trabalho Subordinado e a Revogação da Portaria MME N. 865/1995: O Papel da Autonomia Privada Coletiva No Brasil Beatriz Cardoso Montanhana (Doutoranda da Faculdade de Direito da USP) O objeto do estudo proposto é abordar a importância da avaliação da adequação dos instrumentos coletivos de trabalho à legislação trabalhista vigente, em especial à proteção constitucional dos direitos sociais. O principal objetivo é analisar como, em nome da proteção da autonomia privada coletiva, o sistema juslaboral arriscou a garantia de proteção dos direitos sociais, com fundamento na Portaria MTE n. 865/1995, afastando do crivo da fiscalização do trabalho a discussão do mérito das cláusulas de instrumentos normativos coletivos. Como objetivo secundário, contempla-se a fragilização do movimento sindical e do poder de barganha, em razão das inovações impostas pelos novos modelos de contratação e pelas circunstâncias econômicas que acompanharam o processo denominado por “flexibilização trabalhista”. Enfim, no contexto das disputas financeiras e comerciais, o capital, muitas vezes, impõe seu código – lucro/prejuízo – para gerenciar as relações humanas que envolve, sendo uma delas a trabalhista. Porém, se o código do capital é objetivo e mensurável matematicamente, as necessidades humanas são previsíveis, mas nem sempre adaptáveis a um balanço contábil. Disso resulta a importância de determinadas normas de proteção ao trabalhador, que correspondem a direitos fundamentais, razão pela qual não são renunciáveis. Será utilizado o método dogmático-jurídico para avaliar as transformações legais e as decisões judiciais relacionadas com o fenômeno a ser estudado: o impacto da Portaria MTE n. 865/1995. Para tanto, recorrer-se-á a textos legais (pesquisa documental) e doutrina (pesquisa bibliográfica). Quanto ao objetivo secundário, será empregado o método de análise sócio-jurídica, para identificar os problemas que as transformações operadas na sociedade de trabalho – por exemplo, terceirização e automação – promoveram no movimento sindical brasileiro. O resultado a ser alcançado é a constatação de que o movimento sindical brasileiro, na maioria das categorias econômicas representadas, não detém poder de barganha suficiente para promover implementos nas condições de trabalho. No mais das vezes, a tendência é tentar adequar a legislação vigente aos interesses imediatos da economia em transformação, como se observa, por exemplo, com a fixação da jornada de 12X36. O fator a ser destacado, resultante desse contexto, foi a vigência da Portaria MTE n. 865/1995 por quase 10 (dez) anos, dado que sua revogação se deu em abril de 2004. O que se busca concluir, ao fim, é que uma prática habitual do dano à saúde, “consagrada em instrumento coletivo”, afronta direitos sociais A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 53 constitucionalmente garantidos no artigo 6º da Constituição Federal. É cediço que o ordenamento jurídico confere aos sindicatos das categorias econômicas e profissionais ou ao sindicato profissional e a empresa a possibilidade de celebrarem convenções ou acordos coletivos, respectivamente. Trata-se de normas decorrentes do exercício da denominada autonomia privada coletiva e constituem, substantivamente, normas jurídicas típicas. O reconhecimento de a fiscalização do trabalho avaliar a adequação do instrumento coletivo à dinâmica constitucional permite conferir maior garantia para os trabalhadores e até mesmo para as entidades sindicais, que, motivadas pelas contingências, poderiam adotar medidas inadequadas à proteção da vida e da saúde humanas. A solução é a aplicação harmônica dos princípios e normas constitucionais, na medida em que os representantes sindicais, ao exercitar o poder jurígeno conferido constitucionalmente, não olvidem um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores sociais do trabalho. Palavras-chave: autonomia privada coletiva, flexibilização, movimento sindical, fiscalização do trabalho. 2. Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical: A experiência dos Portos do Rio de Janeiro e de Santos Maria Dalva Casimiro da Silva (Doutoranda em Serviço Social pela UFRJ) O presente artigo é o desdobramento de um estudo realizado na dissertação de mestrado defendida na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro no ano de 2007. Nela foram apresentados alguns aspectos que definem a relação de trabalho no cais do porto do Rio de Janeiro levando-se em consideração o perfil dos trabalhadores portuários avulsos. Neste sentido, foram considerados os aspectos histórico-culturais, políticos e sócio-econômicos tendo como ótica a inserção desses trabalhadores em um novo cenário configurado pelo processo de Reestruturação Produtiva e de Globalização que passam a determinar as relações entre capitaltrabalho. Interessa-nos aqui discutirmos sobre as relações de trabalho que ocorrem em um ambiente de constante tensão, cujas reivindicações e negociações colocam em destaque a figura dos sindicatos. Para tanto destacaremos os portos e os sindicatos do Rio de Janeiro e de Santos por carregarem em sua historicidade a marca de um cenário de constantes lutas, resistências e reivindicações. Destarte, o objetivo desse trabalho é apresentar uma análise sobre as mudanças que vêm ocorrendo no sistema portuário, explorando o papel que os sindicatos vêm empenhando nesse processo, bem como destacar questões pertinentes à identidade operária e à tradição e capacidade de lutas dos trabalhadores. Dessa forma, é importante sinalizar o significativo surgimento das Uniões de Operários, que no século XIX demarcaram o início da organização dos trabalhadores, mais precisamente dos estivadores, em torno da luta por direitos sociais, dando origem para tanto e posteriormente, aos sindicatos e à Federação Nacional dos Estivadores na primeira metade do século XX. Apresentar o modo como os trabalhadores, bem como os seus sindicatos de classe, estão vivenciando o processo atual de mudanças é, de certa forma, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 54 considerar necessariamente os embates cotidianos entre capital-trabalho, dessa forma materializados pelos próprios, de um lado, e de outro, pelos seus empregadores no processo produtivo. Nesse sentido, torna-se de grande monta situarmos o trabalhador dentro desse processo, podendo considerá-lo enquanto sujeito do processo de trabalho. Interessa-nos, portanto, discutirmos sobre as relações de trabalho em um ambiente de constante tensão, provocadas pelas mudanças já postas em questão e que coloca no centro das relações, tanto de reivindicações quanto de negociações, a figura do sindicato que, cumprindo ou não em sua cotidianidade papel essencial na vida dos trabalhadores portuários avulsos, tem a sua importância pela sua historicidade, lutas e conquistas já obtidas no panorama nacional. Palavras-chave: Sindicatos, trabalhadores, modernização, resistência, relações de trabalho. 3. A Violência Anti-sindical como Fenômeno Regulador dos Conflitos Sociais, Territoriais e Trabalhistas - Um Estudo Comparativo dos Casos da Colômbia e da Venezuela Jana Silverman (Doutoranda do Instituto de Economia da UNICAMP) Apesar dos avanços normativos no direito internacional do trabalho e a propagação de conceitos como a “responsabilidade social empresarial” que em algumas das suas formas apregoam pela instauração de relações trabalhistas mais abertas, o fenômeno da violência anti-sindical segue atingindo, açoitando, e transformando as realidades dos trabalhadores sindicalizados em vários dos paises da América Latina. Segundo a Confederação Sindical Internacional (CSI), a Colômbia continua sendo o país mais perigoso no mundo para realizar o trabalho sindical, com outros paises latino-americanos como a Guatemala e a Venezuela seguindo-la nesta lista da infâmia. Esta violência sistemática e sustenido no tempo age para inibir que os dirigentes e ativistas sindicais exercem suas lideranças em defesa dos direitos trabalhistas e humanos tanto dentro dos lugares do trabalho como na sociedade em geral. Em particular, a ameaça e a realização de fatos violentos que violam os direitos fundamentais a vida, liberdade e a integridade pessoal dos trabalhadores sindicalizados - que costuma ocorrer com mais freqüência precisamente em momentos de conflitos trabalhistas como greves e negociações coletivas - servem para reconfigurar as relações entre os sindicatos, empresas e Estado, assim criando uma nova forma de regulação dos conflitos no trabalho através do terror e o medo, fora do arcabouço jurídico nacional e internacional. Alem disso, a violência anti-sindical é utilizada como uma estratégia chave nas lutas por controle territorial em espaços onde atores semi-estatais e nao-estatais como grupos paramilitares e máfias procuram se estabelecer como poderes hegemônicos no âmbito econômico, político, e cultural. Através deste mecanismo cru e bárbaro da eliminação física dos sindicalistas, estes poderes territoriais emergentes e ilegítimos não só consigam silenciar os reclamos para melhores condições trabalhistas e mais transparência na gestão das empresas e a administração publica, senão também quebrar o tecido social (e os valores éticos, princípios políticos, e memória histórica encarnada em ele) construído pelas organizações sindicais e sociais A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 55 da região em disputa. Com um olhar especifico nos casos da Colômbia e a Venezuela, este paper tentará analisar como a ausência, ineficiência ou parcialidade dos atores estatais, combinada com o desprezo empresarial da atividade sindical, incorre na utilização da violência anti-sindical como mecanismo regulador e punitivo em distintos territórios. Em particular, a pesquisa se concentrará na dinâmica da violência anti-sindical nas regiões de Magdalena Medio na Colômbia e o estado de Bolívar na Venezuela, onde atores estatais, não-estatais, e empresariais competem para o controle político e econômico sobre o território e seus recursos naturais abundantes, como petróleo e ferro. Nestas duas regiões, se analisará como a desregulamentação e flexibilização do mercado do trabalho complementa a estratégia da violência anti-sindical para frear o desenvolvimento social local e concentrar ainda mais o poder e a riqueza nas mãos da classe dirigente. Finalmente, este paper apresentará as propostas oferecidas pelo movimento sindical para quebrar o circulo vicioso da violência e instaurar processos de dialogo social e democratização nos territórios atingidos. Palavras-chave: violência anti-sindical, América Latina, relações trabalhistas, diálogo social, disputas territoriais. 4. Conflitos Trabalhistas Coletivos: Mobilização, Interesses e Lutas por Reconhecimento José Luiz de Oliveira Soares (Doutorando do PPGSA/UFRJ) A pesquisa tem por objetivo compreender como os trabalhadores dos anos 2000 vêm conduzindo suas ações em conflitos trabalhistas coletivos, em especial aquelas desenvolvidas em meio a negociações diretas com o patronato e a recorrência à Justiça do Trabalho. Tem-se por intenção lançar luz sobre as relações existentes entre a identidade de grupo dos trabalhadores, a cultura política e de direitos dos mesmos e as práticas sindicais no sentido de dirimir conflitos coletivos nas relações de trabalho. Nesses termos, interessam-nos os procedimentos organizados de mobilização dos mesmos, as negociações coletivas em trânsito com o Estado ou com o patronato, as práticas cotidianas de resistência e, de uma forma geral, os elementos presentes na constituição da ação coletiva no movimento sindical dos anos 2000. A pesquisa, ainda em fase inicial, tem por intuito se deter sobre o processo (o percurso, o “trânsito”) de definição de estratégias interno às correntes e organizações sindicais, isto é, sobre conflitos e sinergias, disputas e compromissos firmados ao longo da história recente do movimento sindical entre diferentes preferências dos envolvidos na constituição da política sindical (dirigentes de entidades sindicais, militantes destacados, lideranças de oposição, as bases sindicais etc.) num dado horizonte institucional de relações de trabalho. Optamos por analisar as experiências, práticas e valores de duas categorias: os metalúrgicos e os bancários. A escolha se justifica, de um lado, por estas categorias estarem entre os setores mais fortes e mobilizados no movimento sindical brasileiro; de outro, pelo fato dos metalúrgicos terem a tradição de conduzirem as negociações coletivas diretamente na interação com o empresariado e no plano local, do que se diferem os bancários, os quais conduzem a negociação coletiva no plano nacional e com uma maior tradição A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 56 de recorrer à Justiça do Trabalho para dirimir conflitos trabalhistas. Acreditamos que a comparação entre tais situações diferenciadas pode ser reveladora de continuidades e descontinuidades nas práticas e concepções dos trabalhadores. Procuraremos entender como os metalúrgicos e bancários têm conduzindo ações coletivas atentando para duas matrizes de análise dos movimentos sociais e de explicação dos motivos que levam ao protesto, à rebelião e à resistência. A primeira é a dos “interesses”, segundo a qual as lutas sociais obedecem mais ou menos à persecução de interesses coletivos. Nesses casos, a coletividade se mobiliza em nome de interesses materiais e do resguardo de suas condições de sobrevivência econômica. Os interesses se tornam uma questão coletiva na medida em que os sujeitos de um dado grupo tomam consciência de compartilharem a mesma situação social e se vêem por isso confrontados com o mesmo tipo de metas e tarefas vinculadas à reprodução social. A segunda é aquela que se detém sobre a importância da experiência “moral” de desrespeito e da “luta por reconhecimento” para explicar os processos de surgimento dos movimentos sociais. Nesse caso, os homens se empenham em atos coletivos de resistência e de rebelião como reação ao desrespeito a expectativas que possuem quanto a seus valores, formas de vida e elementos identitários. Os sentimentos de desrespeito (ou de injustiça) podem ganhar expressão de um conflito coletivo e se tornar um assunto público na medida em que envolve princípios normativos e representações axiológicas sociais compartilhadas por sujeitos que em alguma medida experienciam uma situação social homóloga. Sendo assim, a experiência do desrespeito pode ser interpretada por eles como uma ferida crucial para todo um grupo e se tornar uma fonte emotiva e cognitiva de resistência social e de protestos coletivos pelo reconhecimento de relações que considerem mais justas. A pesquisa deve ser realizada a partir de: 1) pesquisa bibliográfica (incluindo aí dados fornecidos pelo DIEESE); 2) fontes documentais junto aos organismos sindicais (boletins, jornais, periódicos, materiais de campanhas etc.); 3) fontes documentais junto a instituições jurídicas e políticas, tais como procedimentos internos, procedimentos extrajudiciais, dissídios coletivos e ações civis públicas trabalhistas escolhidos por amostra qualificada; 4) entrevistas com atores selecionados; e 5) observação etnográfica em situações que se revelem convenientes de acordo com os objetivos da pesquisa, tais como plenárias, reuniões, mobilizações e julgamentos na Justiça do Trabalho. Palavras-chave: Metalúrgicos, Bancários, Ação Coletiva, Interesses, Desrespeito, Luta por Reconhecimento. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 57 5. Sou Metalúrgico, Mas não Sou de Ferro: a Relação entre a Justiça e Sindicato no Caso Sermetal Luisa Barbosa Pereira (Doutoranda do PPGSA/UFRJ) A crise da dívida externa marcou o desempenho da economia nacional nos anos 80 e trouxe implicações para o mercado de trabalho (KREIN, 2007). Tal cenário serviu como pano de fundo para a “avalanche neoliberal” nos anos 90 e o estímulo à flexibilização do mercado de trabalho (CARDOSO, 2003a). Contudo, acabávamos de construir uma vitória substantiva na esfera da proteção social. A Constituição de 1988 avançou na capacidade de proteção do Estado aos trabalhadores e na consolidação da democracia no Brasil (WERNECK VIANNA, 2008). Também estimulou o protagonismo do Ministério Público do Trabalho, que passou a ser um órgão ativo, defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis (SADEK, 2008). Nesse cenário vimos um aumento de dissídios individuais, mostrando a tentativa do trabalhador em garantir seus direitos conquistados institucionalmente e burlados no interior do ambiente de trabalho (CARDOSO, 2003b). Os sindicatos, progressivamente, passam também a explorar as esferas da Justiça. Incrementam seus departamentos jurídicos, demandam fiscalização do Ministério Público do Trabalho e cada vez mais buscam sensibilizar a Justiça do Trabalho em sua defesa. Compreendendo essas questões, tomou-se como objeto central dessa pesquisa perceber de que maneira um sindicato tradicional têm buscado novas estratégias nos anos recentes para garantir os direitos dos trabalhadores de sua base e a proteção social do Estado a partir do protagonismo do Poder Judiciário. Tal objetivo foi perseguido através do estudo de um caso emblemático que envolveu cerca de 1.000 trabalhadores do setor naval – os quais entre os anos 2006 e 2009 tiveram seus direitos trabalhistas descumpridos constantemente –, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a empresa Sermetal Estaleiros, e suas subsidiárias. O Sindicato atuou como substitutivo processual, representando os trabalhadores frente à Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Tal postura evidenciou um processo rico e contraditório em que trabalhadores e o Sindicato fizeram escolhas, avaliaram opções de encaminhamento para a resolução do caso, buscaram esgotar as possibilidades de negociação com a empresa, promoveram denúncias ao Ministério Público do Trabalho, procuraram a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e, por fim, a Justiça do Trabalho. A última ação do Sindicato e dos trabalhadores mostrou uma postura ousada frente à empresa: a rescisão indireta do contrato de trabalho. Os trabalhadores adotam a “palavra de ordem” justa causa pro patrão e acusam o Estaleiro Sermetal de descumprir suas obrigações como empregador. O Sindicato procurou resistir à intermediação da Justiça do Trabalho. Contudo, recorre a ela após inúmeras tentativas de negociação e denúncias ao Ministério Público do Trabalho. Os trabalhadores do Estaleiro Sermetal já somavam cerca de seis meses sem receber salário e a assessoria jurídica do Sindicato sugeriu, como única saída, a rescisão indireta do contrato de trabalho para a garantia imediata da liberação do Fundo de Garantia e o pagamento das verbas rescisórias. Por fim, a estratégia do Sindicato é vitoriosa e toda sua movimentação política ao longo do caso – promovendo manifestações, audiências com atores da Justiça e do poder A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 58 legislativo, negociações com a empresa e suas subsidiárias – foi fundamental para isso. A presente pesquisa mostrou uma imensa capacidade de articulação de um sindicato através da combinação de novas estratégias – como as denúncias ao Ministério Público do Trabalho – com estratégias mais tradicionais – tais como as paralisações na empresa. O ambiente de consolidação democrática e de fortalecimento das instituições foram também elementos fundamentais para o desdobramento do caso, que evidência ainda, a necessidade de investigação mais profunda sobre o tema, aliando a pesquisa no campo do sindicalismo e da sociologia do trabalho aos estudos sobre direitos e judicialização. Palavras-chaves: Sindicato; Justiça; Trabalho. 6. Os Sentidos da Judicialização da Relação Capital-Trabalho e seus Efeitos na Dinâmica Sindical Antonio Teixeira Lima Junior (Mestrando do PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA) Carla Gabrieli Galvão de Souza (Mestranda do PPGSD/UFF) Selma Cristina Silva de Jesus (Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA) Resultante da articulação de pesquisa bibliográfica e de levantamento de dados secundários do Tribunal Superior do Trabalho (TST), este estudo analisa o fenômeno da judicialização da relação capital-trabalho nos âmbitos individual e coletivo e seus reflexos para a dinâmica sindical, levando em conta o contexto de flexibilização da legislação e de precarização do trabalho. A transferência da solução dos conflitos entre capital e trabalho para a Justiça resulta, em grande medida, do aumento das demandas trabalhistas individuais. Este aumento expressa um duplo movimento: de um lado, temos a deslegitimação da norma jurídica entre o empresariado e de outro, a tentativa por parte dos trabalhadores de fazerem valer seus direitos. Os dados do TST revelam um crescimento acentuado das ações trabalhistas entre os anos 1986-1990, passando de 4.232.785 novos processos recebidos (em 1981-1985) para 5.582.119 (1986-1990), representando um aumento de 6,8% de novos casos. Não por acaso, neste período inicia-se uma profunda recessão na economia brasileira e, nos anos 1990, o movimento sindical brasileiro começa a sofrer os impactos da reestruturação capitalista. Nestes dois períodos cresce o número de movimentações processuais na Justiça do Trabalho numa curva ascendente que persiste ao logo dos anos 2000, incorporando o reflexo do aumento do desemprego na década de 90. Estes dados revelam que o incremento da taxa de judicialização da relação capital-trabalho é oriundo especificamente do aumento das demandas individuais, pois desde meados de 1990, constata-se uma queda no número de demandas coletivas. Os dados do Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas do Dieese confirmam a trajetória declinante da taxa de judicialização da negociação coletiva a partir de 1995. No período 1993-1994, esta taxa passou de 23% para 28,4%, momento em que alcançou o seu pico. E, a partir daí, há uma queda acentuada até chegar, em 2004, ao patamar ínfimo de 1,1%. Um dos fatores explicativos dessa redução é o caráter refratário da Justiça do Trabalho, uma vez que a diminuição do recurso à via judicial é proporcional à crescente rejeição dos juízes em julgar o mérito dos dissídios coletivos. Se nos anos 80, a Justiça do Trabalho A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 59 respondeu bem às conquistas dos trabalhadores pela via coletiva, na década de 90, esse cenário sofreu transformações, o que deu ensejo à conclusão de que “no campo do direito coletivo e da organização dos trabalhadores a Justiça do Trabalho criou obstáculos a uma condição de avanço”(KREIN; BIAVASCHI, 2007, p. 8). Ocorre que o TST tratou de limitar a função normativa da Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o uso do Judiciário na solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Horn (2006), ao analisar os “requerimentos processuais para a solução judicial dos conflitos coletivos”, afirma que até os anos 90 havia menos formalidade para a admissão dos dissídios, tendência revertida a partir de 1993, quando o TST publicou a Instrução Normativa n° 4, a qual abrigava uma maior formalidade procedimental. Foi, portanto, a partir de meados de 90 que o tribunal adotou o caminho da formalidade procedimental no que tange aos dissídios coletivos, ao cancelar precedentes normativos positivos e modificar o conteúdo de outros, gerando as altas taxas de decisões sem o julgamento do mérito. A mudança de posicionamento do tribunal refletia a conjuntura de então. A valorização das negociações entre as partes na relação laboral não repercutia apenas nas relações individuais. Com o novo posicionamento do TST, a regulação das relações coletivas de trabalho fica a cargo da literalidade da lei e dos consensos entre patrões e empregados. Desse modo, a redução da taxa de judicialização das negociações coletivas tem relação direta com o fortalecimento da negociação pela via administrativa. Uma das expressões deste processo é o aumento das convenções e acordos coletivos realizados pelas entidades patronais e de empregados sem interferência da Justiça. Krein (2004, p. 46), ao analisar as negociações coletivas na década de 90, afirma que a maioria dos temas em pauta na mesa de negociação tinha relação com a flexibilização e que não se havia obtido, por esta via, novos direitos ou conquistas. Importante salientar que os dados acerca do acionamento da Justiça do Trabalho por trabalhadores individualmente revelam um nítido processo de busca de concretização de direitos trabalhistas e, conseqüentemente, o não cumprimento contínuo à legislação pelos empregadores - seja pelo desrespeito a direitos, seja pela negativa de vínculo ou pela despedida sem pagamento das verbas rescisórias. São condutas que forçam os trabalhadores a ingressarem no judiciário como único meio de efetivar seus direitos, arcando com o ônus de provar seus pedidos e com a realidade da espera de meses ou anos. Atrele-se a estas condutas o fato de os empregadores valerem-se das condições de necessidade do desempregado para fazerem acordos lucrativos, prática que contribui para a idéia de que a Justiça do Trabalho transformou-se em um “balcão de negócios”. Tem-se, portanto, um contexto que desafia o caráter benéfico da judicialização, apresentando elementos que demonstram o uso do judiciário como estratégia capitalista de dominação sobre o trabalho. Contexto este que revela os reflexos de uma judicialização ao revés para os dissídios coletivos e a obrigatoriedade das negociações coletivas como caminho para a atuação sindical. Palavras-chave: judicialização, legislação trabalhista, precarização do trabalho e sindicatos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 60 7. Práticas Sindicais na Toyota do Brasil: os Casos de São Bernardo do Campo (SP) e Indaiatuba (SP) Gustavo Takeshy Taniguti (Mestrando do PPGS/USP) Este texto analisa as formas pelas quais os sindicatos metalúrgicos de duas unidades produtivas de uma mesma empresa automobilística organizaram suas ações a partir de um contexto de grandes mudanças, iniciado a partir da década de 1990. São objetos de análise os trabalhadores de duas unidades da Toyota Motors Co. do Brasil: a de São Bernardo do Campo, localizada na região do ABC paulista, e a de Indaiatuba, localizada na região de Campinas-SP. Procuramos colocar em discussão as práticas do Sindicato dos metalúrgicos do ABC, localizado em uma tradicional região industrial e também as do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, que representa um novo território produtivo brasileiro. No contexto das recentes transformações ocorridas no setor automotivo brasileiro, especialmente a partir da década de 1990, as estratégias de racionalização do processo produtivo desconfiguraram as formas tradicionais de ação sindical e de organização do trabalho, fazendo com que os atores sociais se repensem nesse contexto de mudanças. Ao mesmo tempo em que os sindicatos discutem novas possibilidades de atuação, as empresas do setor buscam adaptar os trabalhadores ao formato da fábrica “enxuta”. Esta pesquisa procura sistematizar uma discussão a respeito dos trabalhadores e dos sindicatos da Toyota do Brasil no contexto recente de abertura de novas plantas produtivas e de transformações na atuação dos sindicatos metalúrgicos, que tem início a partir da metade da década de 1990. Dentro deste debate sindical, a atenção se volta para aqueles que representam os trabalhadores da Toyota: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. Em ambos os casos, o objetivo é se debruçar sobre as atividades sindicais nesta empresa, relacionando-as a movimentos sindicais mais gerais. De uma forma geral, no caso do ABC Paulista, essas atividades dizem respeito a práticas que surgiram como alternativa a um novo contexto da indústria automobilística brasileira, marcado em grande parte por demissões, processos de reestruturação, modernização, adoção de novas tecnologias e pela desterritorialização de unidades produtivas. Quanto ao Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, as práticas sindicais em questão dizem respeito às suas principais formas de atuação a partir do crescimento de um novo contingente de trabalhadores frente a um cenário anterior caracterizado pelo desemprego e por processos de modernização produtiva. Argumenta-se que com o crescimento das atividades da Toyota no Brasil houve uma ampliação na atuação sindical de seus trabalhadores, mas percorrendo dois caminhos distintos. Um breve esboço daquilo que sugiro chamar de dois “padrões de sindicalismo” nos oferece pistas para compreender quais foram as alternativas colocadas em prática por estes sindicatos. Por um lado, as atividades sindicais na unidade da Toyota de São Bernardo do Campo desenvolveram-se especialmente a partir da metade da década de 1990, acompanhando a tendência de organização por local de trabalho e negociação por empresa do sindicalismo do ABC. Por outro lado, na unidade da Toyota de Indaiatuba, as atividades sindicais mais expressivas têm início no final daquela década e, apesar de ali também haver uma tendência às negociações por empresa desde os anos 80, a maioria dos temas negociados ainda dizia respeito aos salários (reajuste, reposição de perdas, aumento real, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 61 piso salarial) e às condições de trabalho (refeitório, convênio médico, condições de trabalho insalubres e perigosas, renovação de benefícios sociais) (ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001). Quanto à estrutura de representação interna e à organização sindical, também há diferenças marcantes entre o sindicalismo do ABC e o de Campinas: no primeiro vigora atualmente um modelo “híbrido” de representação interno às fábricas, que contempla as comissões de fábrica e os comitês sindicais de empresa. Já no segundo caso, oficialmente não há representação sindical interna, o sindicato atua, portanto, fora dos portões das fábricas. Em um primeiro momento do artigo introduzo um debate sobre a indústria automobilística brasileira, localizando a discussão sobre os trabalhadores e seus sindicatos. Em seguida, apresento o contexto geral que envolveu o sindicalismo metalúrgico durante a década de 1990, ressaltando os casos do ABC Paulista e de Campinas. Baseado nos dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho), realizo uma breve caracterização das regiões de Campinas e do ABC Paulista em termos de emprego e mão-deobra do setor. Por fim, busco demonstrar quais foram as principais ações sindicais mais recentes na Toyota do Brasil. Assim, algumas questões podem ser levantadas: quais foram os caminhos percorridos pelos sindicatos metalúrgicos face às dificuldades encontradas durante a década de 1990? Quais os impactos que a abertura de novas plantas produtivas teve para a ação sindical de antigas e novas localidades? Quais foram as demandas e as ações dos trabalhadores da Toyota nesse período? Palavras-chave: Toyota; Reestruturação produtiva; Sindicalismo; Indústria automobilística; Antigos e novos territórios produtivos. Trabalhos Completos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 62 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 63 As Profissões Informacionais no Brasil Luciana Garcia de Mello18 Apresentação Após o término da Segunda Guerra Mundial o fordismo se impôs como um novo modo de regulação do sistema capitalista. Além de aumentar a produtividade e o lucro, obteve-se com o fordismo o aumento do consumo. A ideia era produzir em grande escala para um mercado consumidor massificado. Ao mesmo tempo em que o fordismo foi implementado, adotou-se a política keynesiana do pleno emprego e houve o fortalecimento do Estado, que passou a desenvolver uma série de políticas sociais universalistas em diferentes áreas, tais como saúde e educação. Offe (1991) sublinha que o Estado Social serviu como a mais importante fórmula de paz para as democracias desenvolvidas. Essa fórmula consistia basicamente na obrigação explícita do mecanismo estatal de proporcionar assistência e apoio (seja em dinheiro, seja em serviços) aos cidadãos que caem na miséria ou sofrem riscos especiais, característicos da sociedade de mercado. De acordo com Hobsbawm (2000), Estado de Bem Estar, no sentido literal da palavra, isto é, aquele em que a despesa com a seguridade social se tornou a maior parte dos gastos públicos, aparecem efetivamente por volta da década de 1970. Ainda segundo o autor, no fim dessa mesma década, todos os estados capitalistas avançados haviam adotado essa configuração. Quanto à economia, o panorama também se mostrava bastante favorável. Os sinais de prosperidade, nos países europeus e mesmo em alguns países do então chamado Terceiro Mundo, eram evidentes. De um modo geral, a economia estava em plena expansão e os Estados Unidos assumiu a hegemonia da produção industrial. O sistema capitalista estava “organizado”, pois as alterações nos ciclos de prosperidade e depressão tornaram-se mais brandos e o Estado tinha um papel fundamental na regulação e no funcionamento do mercado, bem como na regulação do conflito entre o capital e o trabalho. Entre os anos 50 e 70, fase de reestruturação e reforma do sistema capitalista, já começava a ocorrer um avanço no processo de globalização e internacionalização da economia, que propiciou o fortalecimento do mercado mundial, tendo em vista o aumento das importações e das exportações. A Revolução Industrial deixou de ficar restrita aos países capitalistas avançados. 18 Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 64 Ainda assim, foi nesse período que houve o desenvolvimento pleno da sociedade salarial (CASTEL, 1998). O crescimento da economia nos países industrializados fez com que a classe operária aumentasse quantitativamente. Novos contingentes de mão-de-obra foram atraídos da zona rural e da imigração estrangeira; elevou-se a participação das mulheres no mercado de trabalho. Cumpre salientar ainda que no mundo desenvolvido (com exceção dos Estados Unidos), o desemprego era quase inexpressivo, sendo que a média europeia era de 1,5% e o Japão apresentava uma taxa de 1,3% na década de 1960 (HOBSBAWM, 2000). Se por um lado, como afirma Harvey (2009), os movimentos operários radicais foram duramente combatidos, por outro a classe trabalhadora obteve conquistas, em termos de rendimento e de direitos, sem precedentes na história do capitalismo. Esse período se estendeu até meados da década de 1970, sendo conhecido como a “Era de Ouro” do sistema capitalista. A combinação do fordismo com a política keynesiana do pleno emprego começou a mostrar sinais de fraqueza já nos anos 1960. Há vários motivos para a crise desse modelo. Um fator importante era a forte desigualdade. Harvey (2009) destaca que o fordismo não se disseminou da mesma forma em todas as localidades. As diferenças podem ser explicadas internamente pela situação das relações de classe e externamente pela posição hierárquica dos Estados na economia mundial. Deve-se considerar também as disparidades entre os países ricos e pobres e entre a população dos países desenvolvidos que foi integrada e aquela que não obteve o mesmo êxito. Todavia, o fator crucial para a crise foi a acentuação das contradições do sistema capitalista. Em meados dos anos 1960, o poder dos Estados Unidos de regular o sistema financeiro internacional entra em declínio e a onda de industrialização fordista intensifica a competitividade entre os países. Na década seguinte, ocorreu o choque do petróleo em 1973, houve uma forte deflação entre 1973 e 1975 e o Estado foi atingido por uma crise fiscal. O sistema capitalista entrou em uma nova fase. Tem-se agora um capitalismo desorganizado, retomando a expressão cunhada por Lash e Urry e citada por vários autores. Houve o desenvolvimento de um mercado mundial integrado, desconcentração do capital e descartelização, o Estado-Nação já não é a referência principal, o fordismo é substituído pela acumulação flexível e há um processo de desindustrialização (KUMAR, 1997). Harvey (2009) não concorda com essa visão de capitalismo desorganizado e considera que o sistema está se organizando através da dispersão, da mobilidade geográfica e da flexibilização do mercado de trabalho, do consumo e da produção, tudo isso acompanhado por pesadas doses de inovação. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 65 Ainda segundo o autor, a organização tornou-se mais coesa por causa das informações precisas e atualizadas que são agora uma mercadoria muito valorizada. E um elemento ainda mais importante foi a completa reorganização do sistema financeiro global e a emergência de poderes imensamente ampliados de coordenação financeira. De um lado, houve formação de conglomerados e corretores financeiros de extraordinário poder global e, de outro, ocorreu uma proliferação e descentralização das atividades e fluxos financeiros inéditos. Castells (1999) também partilha da mesma opinião de Harvvey em relação à globalização do capital e de sua estruturação em fluxos financeiros e ainda salienta que a capacidade de investimento tornou-se ilimitada. Assim, com a ascensão do capitalismo financeiro, praticamente todos os setores de atividade podem ser alvo de investimento. As mudanças não se restringiram à economia, atingindo o conjunto da sociedade. Assim, no final da década de 1960 e início da década de 1970, surgiram novas teorias sobre a mudança social, que enfatizavam o desenvolvimento de um processo de ruptura que levaria a uma sociedade pós-industrial ou pós-moderna. O objetivo desse artigo é apresentar os pontos em discussão sobre a sociedade pós-industrial, focalizando, sobretudo, as questões referentes às mudanças no trabalho. Em uma segunda etapa, apresenta-se uma análise pautada no contexto brasileiro e, utilizando-se os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2006, mostra-se um quadro do mercado de trabalho da nova economia. 1. A sociedade pós-industrial e o trabalho De acordo com Kumar (1997), Daniel Bell foi o primeiro estudioso a rotular a sociedade moderna como “pós-industrial”, mas há outros proponentes dessa teoria. Daniel Bell expôs suas ideias, sobretudo, no livro The Coming of Post Indusrtrial Society (1973), já Peter Drucker escreveu, em 1969, The Age of Discontinuity e Alvin Tofler publicou, em 1970, a obra O Choque do Futuro. Essas obras tinham em comum, ainda segundo Kumar, o fato de indicar uma transição provavelmente incômoda para uma nova sociedade que seria tão diferente da sociedade industrial quanto esta fora da sociedade agrária. A principal característica da sociedade pós-industrial está no desenvolvimento da nova tecnologia da informação e da comunicação. Desse modo, diversos autores enfatizam que na nova sociedade, o modo como o conhecimento e a informação são distribuídos, bem como a maneira que esses elementos são acessados, determina a organização social e as hierarquias sociais. Mas a ideia de pós-industrial enfatiza também a superação de um A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 66 modelo de sociedade que tinha por núcleo as atividades industriais e o trabalho industrial. Kumar afirma que há teorias que chamam a sociedade pós-industrial de pós-fordista para indicar a ruptura com os padrões e práticas capitalistas até então vigentes; e outras que são mais abrangentes que categoriza a nova formação social de pós-moderna, sublinhando as transformações culturais, políticas e econômicas. Castells (1999), por sua vez, sublinha que há um padrão de organização não apenas da economia, mas também da sociedade, que se configura como uma rede. A rede representa um conjunto de nós interconectados. Os nós podem ser definidos de várias maneiras, dependendo do tipo de rede que fazemos referência. Assim, os nós podem ser mercados de bolsas de valores, conselhos de ministros, laboratórios clandestinos, sistemas de televisão, etc. A topologia em redes determina que distância entre dois pontos (ou posições sociais) é menor se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem à mesma rede. Em outras palavras, a inclusão na rede diminui a distância, sendo algo preferível à exclusão. Assim, na perspectiva do autor essa estrutura apresenta uma série de benefícios para a sociedade. Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. Redes são instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação, globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução contínua; para uma política destinada ao processo instantâneo de novos valores e humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e invalidação do tempo (CASTELLS, 1999, p.498). O autor salienta também que a morfologia da rede é uma fonte de considerável reorganização das relações de poder. As conexões que ligam as redes são instrumentos privilegiados de poder, ou seja, os conectores são os detentores de poder. De qualquer modo, as teorias clássicas do pós-industrialismo apresentam alguns diagnósticos em comum, como sublinha Castells (1999): A fonte de produtividade e do crescimento está no conhecimento estendido a todas as áreas da atividade econômica; Existe uma tendência econômica mundial de transição da produção de bens para a prestação de serviços; A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 67 O emprego rural entrará em extinção e o emprego industrial declinará; quanto mais avançada é a economia, maior o desenvolvimento do setor de serviços na sociedade. A nova economia dará ênfase nos empregos que necessitarem maior conhecimento e técnica. Essas afirmações ocasionam uma série de discussões. Alguns elementos parecem inquestionáveis na nova configuração social. Um deles é a importância crucial das novas tecnologias de comunicação e informação. Como afirma Kumar (1997) as empresas multinacionais vivem da comunicação, visto que é ela que lhes confere identidade. “Computadores e satélites são tão essenciais ao seu funcionamento quanto os operários e as fábricas que produzem bens e serviços” (KUMAR, 1997, p. 20). Além disso, a intensificação do processo de globalização, em suas múltiplas dimensões, está inextricavelmente ligada a essas tecnologias. Por outro lado, há um debate mais acirrado que focaliza o impacto dessas tecnologias sobre a organização do trabalho e sobre os empregos. Um dos pontos essenciais é que a fonte de riqueza não está no trabalho de transformação da natureza e de produção de bens tangíveis, mas sim no trabalho capaz de agregar valor, através da informação e do conhecimento. Passa-se para uma etapa de altíssima valorização de bens intangíveis. Nesse sentido, a cultura passa a ter um aspecto fundamental. Rifkin (2001) propõe uma diferenciação entre a sociedade industrial e a pós-industrial. O autor afirma que “[...] relações de propriedade são compatíveis com um mundo em que a tarefa primária da vida econômica é o processamento, a manufatura e a distribuição de bens materiais”(RIKFIN, 2001, p. 111). Assim na sociedade industrial os bens materiais podem ser quantificados, podem ser trocados, podem ser exclusivos e podem ser sujeitos a preços. Sem esquecer de mencionar a autonomia desses bens. Na nova economia cultural tem-se “[...] um mundo de símbolos, webs, laços de feedback, conectividade e interatividade, em que os limites e as fronteiras se tornam indistinguíveis e tudo que é sólido começa a se desmanchar” (RIFKIN, 2001, p. 111). Em relação ao futuro dos empregos, as opiniões se dividem. Castells (1999), por exemplo, concorda com a visão das teorias do pós-industralismo de que há um deslocamento da produção de bens para o setor de serviços, mas adverte que isso não significa que as indústrias estejam desaparecendo ou que a estrutura e a dinâmica da atividade industrial sejam indiferentes à saúde de uma economia de serviços. Muitos serviços dependem de sua conexão direta com a indústria e A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 68 a atividade industrial (diferentemente do emprego industrial) é importantíssima para a produtividade e a competitividade da economia. O autor prefere falar em informacionalismo, pois, em seu ponto de vista, as sociedades serão informacionais porque passarão a organizar seu sistema produtivo em torno de princípios de maximização da produtividade baseada em conhecimentos, através do desenvolvimento e da difusão de tecnologias da informação e pelo atendimento dos pré-requisitos para sua utilização (CASTELLS, 1999, p. 226). O que caracterizaria a sociedade informacional, segundo Castells (2002), são os seguintes fatores: eliminação gradual do emprego rural; declínio estável do emprego industrial tradicional; aumento dos serviços relacionados à produção e dos serviços sociais; crescente diversificação das atividades no setor de serviços; rápida elevação do emprego para administradores, profissionais especializados e técnicos; a formação de um proletariado de escritório (funcionários administrativos e de vendas); relativa estabilidade de uma parcela substancial do emprego no comércio varejista; crescimento simultâneo dos níveis superior e inferior da estrutura ocupacional; valorização relativa da estrutura ocupacional ao longo do tempo, com uma crescente participação das profissões que requerem qualificações mais especializadas e nível avançado de instrução em proporção maior que o aumento das categorias inferiores. O resultado específico da interação entre a tecnologia da informação e o emprego depende amplamente de fatores macroeconômicos, estratégias econômicas e contextos sócio-políticos. A tecnologia da informação em si não causa desemprego, conforme Castells (1999), mas sob o paradigma informacional os tipos de emprego mudam em quantidade e qualidade. O emprego “normal” (jornada de 35 – 40 horas; compromisso com permanência futura; contrato entre patrão e empregado com direitos bem definidos; níveis padronizados de salário; plano de carreira; etc.) está em declínio no mundo inteiro, favorecendo a flexibilidade: ao invés de estabilidade o trabalho é regido por tarefas, trabalho fora da empresa, sub-contratação. A tendência geral é tornar o mercado de trabalho cada vez mais flexível, e isso deve ser entendido em todos os sentidos, ou seja, a flexibilidade atinge a produção, os contratos, os salários e tudo o mais que está relacionado a essa esfera social. Rifkin (1995) adota uma postura bem mais negativa no que se refere ao futuro dos empregos. O autor considera que o impacto das inovações sobre o mercado de trabalho é expressivo, provocando uma situação de desemprego estrutural e não apenas conjuntural. Rifkin salienta que milhões de trabalhadores já foram eliminados de forma definitiva do processo econômico e A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 69 funções e categorias de trabalho inteiras já foram reduzidas, reestruturadas ou desapareceram. Isso porque, anteriormente quando novas tecnologias substituíram trabalhadores em alguns setores, outros surgiam para absorver os trabalhadores demitidos, mas agora todos os três setores tradicionais da economia – agricultura, indústria e serviços – passam por um deslocamento tecnológico que leva milhares de trabalhadores para o desemprego. O único setor emergente é o de conhecimento, formado por uma pequena elite de empreendedores, cientistas, técnicos, programadores de computador, profissionais, educadores e consultores, porém esse novo setor tem pouca capacidade de absorção de mão-de-obra. Há uma polarização da população mundial, ficando de um lado os analistas simbólicos que controlam as tecnologias e as forças da produção e de outro, um crescente número de trabalhadores permanentemente demitidos sem perspectiva de empregos significativos na nova economia global de alta tecnologia. O autor argumenta também que embora estejam sendo criados alguns novos empregos, eles estão em faixa de remuneração inferior e são temporários. A ideia de polarização do mercado de trabalho tem ganhado cada vez mais adeptos. Harvey (2009) destaca justamente a existência de um mercado dinâmico e competitivo e que potencialmente pode oferecer vantagens, em oposição a um mercado que reúne as atividades rotineiras, repetitivas. O próprio Castells (1999) admite a ocorrência desse fenômeno de polarização. Na interpretação do autor as atividades ricas em conteúdo são essenciais para a sociedade informacional, tendo em vista que a forma organizacional mais importante da economia é a empresa em rede, que é capaz de gerar conhecimentos e, ao mesmo tempo, processar informações com eficiência; adaptar-se à geometria variável da economia global, ser suficientemente flexível para transformar seus meios tão rapidamente quanto mudam os objetos sob o impacto da rápida transformação cultural, tecnológica e institucional. Na empresa em rede a inovação é a arma competitiva. As possibilidades de inserção nesse tipo de empresa são variadas. O profissional pode ter uma inserção ativa e atuar na construção e no processo decisório ou permanecer nessa rede de modo passivo. O primeiro tipo de trabalhador é altamente valorizado, tendo em vista que os recursos do cérebro humano e da inteligência tornam-se fatores cruciais (FRIEDMAN ,1956; TOURRRAINE 1955; CORIAT , 1990). Por outro lado, ele não está livre da tendência de flexibilização que existe no mercado de trabalho atualmente. Na opinião de Castells (1999), a flexibilização pode trazer benefícios tanto para a empresa quanto para o trabalhador. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 70 Esses benefícios podem se refletir na qualidade do trabalho, na possibilidade de gerir o próprio trabalho e manter uma relação de maior autonomia em relação a ele e mesmo no rendimento. Ainda em relação ao debate da polarização. Pode-se acrescentar a afirmação de Rosenfield (2009) de que nas empresas ligadas as tecnologias da informação e da comunicação são valorizados os trabalhadores que possuem capacidade constante de adaptação, de flexibilidade e, simultaneamente, de gestão de suas “empregabilidades”, engajando-se em projetos que são sempre transitórios. De acordo com a autora, Boltanski e Chiapello (1999)19 denominam esse modo de “cité par projets” que seria um novo regime de justificação em que o importante é criar e se inserir em redes, ser móvel e polivalente. Retomando Honneth (2006)20, Rosenfield afirma ainda que nesta nova fase do capitalismo, as pessoas valorizadas também demonstram capacidade de agir de maneira autônoma, sendo dignas de confiança. Há um aspecto crucial em Honneth, na medida em que o autor afirma que as aquisições institucionalizadas, bem como os ganhos da era social-democrata do pós-guerra são utilizados no capitalismo flexível como uma forma de proteção. Haveria quatro aquisições: a) o individualismo como um modo predominante de auto-representação; b) a noção de igualdade universal como forma de regulação jurídica; c) a noção de performance, entendida como atribuição de status; d) a noção de amor romântico como avanço emocional dos elementos institucionalizados da vida cotidiana (ROSENFIELD, 2009). Há perspectivas mais céticas em relação às mudanças na qualidade do trabalho. Kumar (1997) relembra que Harry Braverman já havia demonstrado que a maior parte do trabalho em serviço estava tão “taylorizada” quanto na indústria de transformação. O escritório poderia ser industrializado tal qual uma oficina e o trabalho de colarinho branco havia sido submetido à mesma rotinização, fragmentação e desqualificação que o trabalho braçal. Assim, Braverman conclui que a disseminação de um novo princípio de trabalho na sociedade de serviços ou de uma nova ética de profissionalismo não tinha qualquer fundamento. Kumar afirma que, entre os princípios do taylorismo, tem-se a idéia de que o conhecimento e a administração científica devem ficar apenas no setor mais especializado, encarregado de planejamento. Com o desenvolvimento da computadorização, o autor acredita que o taylorismo que estava restrito até meados do século XX à indústria de transformação e aos trabalhadores braçais passou para as esferas de atividades e grupos até então imunes a esse modo de organização do trabalho. A grande questão hoje é se nas 19 20 BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Le nouvel espirit du capitalism. Paris: La Decouverte, 1999 HONNETH, Axel. La société du mépris. Paris: La Decouverte, 2006. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 71 ocupações altamente qualificadas do setor informacional irá se repetir a mesma tendência de desqualificação. 2. A sociedade informacional no Brasil A sociedade da informação não se disseminou do mesmo modo nos diferentes países, uma vez que o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação ocorre de forma diferenciada de acordo com cada contexto. Na percepção do governo brasileiro21 a globalização e as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) são uma via de mão dupla. Em termos gerais, as TICs são vistas como um meio de promover o desenvolvimento econômico, social e cultural, bem como democratizar o acesso à informação e ao conhecimento. Do ponto de vista econômico, considera-se que a revolução tecnológica viabilizou a expansão das atividades das empresas em mercados distantes, mas simultaneamente amplia a demanda por produtos e serviços de rede tecnologicamente mais avançados. Um ponto essencial é que as empresas passam a definir suas estratégias a partir de vários critérios (disponibilidade e capacitação da mãode-obra, benefícios fiscais e financeiros, regulamentações existentes, etc.), estabelecendo unidades produtivas em locais mais vantajosos, independentemente de fronteiras geográficas. Esse cenário coloca uma série de desafios para o governo brasileiro. Uma das características do desenvolvimento industrial do Brasil é que ele foi pautado no modelo de substituição das importações, buscando a proteção da produção local. Assim, a indústria brasileira tinha o monopólio do mercado interno e se desenvolveu sem ter que concorrer com outras empresas multinacionais ou transnacionais. Outra característica importante do desenvolvimento industrial é que a tecnologia empregada nas fábricas era majoritariamente importada, havendo um baixo desenvolvimento de inovação tecnológica. A intensificação do processo de globalização e a mundialização da economia começaram a causar impacto desfavorável nas indústrias brasileiras na década de 1980 e, sobretudo, de 1990. Cumpre salientar que no início dos anos 1990, o governo brasileiro se insere no processo produtivo globalizado, abrindo seu mercado, criando a necessidade das empresas se reestruturarem para aumentar a produtividade e agregar valor aos seus produtos, através da inovação e da tecnologia. Essa 21 Fonte: MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Tadao Takahashi (org.). Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 72 transição para a nova economia afeta não apenas as empresas, mas também os trabalhadores. Uma das questões salientadas por Pochmann (1999) é que o Brasil nunca teve um mercado de trabalho organizado tal como o dos países ocidentais, mas, entre 1940 e 1970, houve o crescimento do emprego formal e a expansão das contratações. No período atual, segundo o autor, a capacidade de gerar empregos diminui e paralelamente tornam-se mais precárias as formas de inserção da população já ocupada. Reconhecendo esse panorama, em 1999, foi lançado pelo governo federal o programa Sociedade da Informação, que tem por meta principal integrar a população a nova sociedade, promover a competitividade das empresas nacionais e a expansão das pequenas e médias empresas, apoiar a implantação do comércio eletrônico e a oferta de formas de novas formas de trabalho por meio do uso intensivo das TICs. Assim, um dos desafios é gerar mais e melhores alternativas de trabalho, que possam chegar à população de baixa renda e às minorias marginalizadas. Visa-se ainda fixar a mão-de-obra qualificada no país, evitando sua migração. Na nova economia faz-se necessário não apenas o domínio da tecnologia, mas também investimentos em pesquisa, ambiente institucional favorável e pessoas capacitadas. 3. O setor da tecnologia de informação e comunicação no Brasil O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou um estudo22 para identificar e/ou mapear o setor da tecnologia da informação e da comunicação no Brasil. A pesquisa parte da ótica da produção e, desse modo, identifica as atividades econômicas do setor das TICs. Não há uma definição unânime para esse setor e o sistema de classificação encontra-se em desenvolvimento, mas a OCDE vem assumindo um papel fundamental na padronização do seu conteúdo. O IBGE adotou as definições da OCDE e procurou adaptá-las a Classificação Nacional de Empresas. Assim, a partir das atividades das empresas, buscou-se classificar as unidades de produção (empresa/estabelecimento) em função da predominância de seus produtos. As empresas do setor TIC, portanto, são aquelas que têm produtos, predominantemente, representativos das novas tecnologia. De forma mais precisa, o IBGE define o setor TIC como a combinação de atividades industriais, comerciais e de serviços, que capturam eletronicamente, 22 Fonte: IBGE. O Setor de tecnologia de informação e comunicação no Brasil – 2003 – 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 73 transmitem e disseminam dados e informações e comercializam equipamentos e produtos intrinsicamente vinculados a esse processo. No ano de 2006, o setor TIC brasileiro era formado por 65.754 empresas que ocupavam 673. 024 pessoas. No período investigado pelo IBGE, entre 2003 e 2006, houve aumento no número de empresas (18,3%) e de pessoas ocupadas (40,7%). Todavia, considerando o universo empresarial em seu conjunto, ou seja, setor TIC e outros setores de atividade econômica, há uma estabilidade, sendo que as empresas TICs representavam 2,4% em 2003 e tiveram ligeiro crescimento para 2,5% em 2006. O setor mostrou crescimento nominal inferior ao restante da economia e o segmento de telecomunicações decresceu em termos de participação nos serviços nos últimos anos. Deve-se considerar ainda que há uma concentração desse setor nas grandes empresas no que se refere ao pessoal empregado, estando 48,2% dos ocupados em empresas com 250 funcionários ou mais. São também as grandes empresas que acrescentam o maior valor adicionado na produção e o maior valor da transformação industrial, atingindo a marca de 76,1% do setor TIC. A produtividade das empresas com 250 ou mais pessoas é 4,8 vezes maior que a das pequenas empresas e elas são mais eficientes na agregação de valor. Nesse ramo destacam-se as empresas de telecomunicações, que prestam serviços altamente intensivos em tecnologia e de elevado valor adicionado com baixa utilização de mão-de-obra. As empresas do segmento TIC se concentram no setor de serviços, sendo o percentual de 95,3% em 2003 e 95,6% em 2006. As empresas industriais representavam 3,3% do total do setor em 2003 e em 2006 houve uma ligeira redução para 3,0%. A menor importância relativa é do comércio com percentuais de 1,4% em 2003 e 1,5% em 2006. Considerando o conjunto das atividades econômicas, as empresas TICs no Brasil ainda são pouco expressivas. As empresas do ramo industrial correspondem a 1,3% do total, as do comércio 0,1% e a dos serviços 6,6%. As empresas em atividade de informática são as que apresentam o maior peso relativo do setor, ainda que tenha ocorrido um recuo no período, passando de 92,4% em 2003 para 89,7% em 2006. Quanto ao pessoal ocupado, em 2006 as atividades do setor estavam concentradas na região sudeste (65,6%). A região sul aparecia em segundo lugar (13,2%) e as outras regiões apresentam números semelhantes em torno e 7%. Todavia, deve-se salientar que analisando-se separadamente a participação das atividades industriais, a região norte se destaca, ficando em segundo lugar com 24% do pessoal ocupado. Isso se deve a indústria do amazonas voltada para a produção de bens eletroeletrônicos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 74 4. O mercado de trabalho no setor da tecnologia da informação e da comunicação Para analisar o mercado de trabalho no setor TIC, através dos dados da PNAD, utilizou-se a definição das atividades do setor de acordo com o estudo do IBGE já mencionado. Assim, a primeira etapa consistiu na construção do setor. Deve-se considerar que os dados da PNAD sobre as atividades econômicas nem sempre apresentam nível de desagregação para que possam ser excluídas atividades que não tem vínculo com o setor. Na segunda etapa, foram selecionadas as ocupações, a partir da Classificação brasileira de ocupações (CBO), típicas ou as novas ocupações vinculadas às TICs. Nesse sentido, buscou-se as ocupações que não existiam até então ou que passaram a ter um papel central na nova economia. Evidentemente que o setor TIC apresenta outras ocupações que complementam essas que possuem um papel de destaque, mas que não podem ser consideradas como atividades representativas da nova fase do capitalismo. Assim, um dos recursos utilizado para selecionar as ocupações foi o título definido pela CBO para cada conjunto. A análise do mercado de trabalho baseou-se na população ocupada com idade entre 15 e 64 anos. A população ocupada no setor TIC é bastante pequena, na região norte apenas 1,3% dos ocupados estão nesse setor, na região nordeste 0,7%, na região sudeste 2,3%, na região sul 1,9% e na região centro-oeste 1,7%. Considerando-se o conjunto das regiões, constata-se que os homens brancos são os que possuem a maior inserção 3,0%, em seguida aparecem as mulheres brancas 1,5%, depois vêm os homens negros (1,2%) e o percentual de mulheres negras é inferior a 1% (mais precisamente 0,8%). A tabela 1 apresenta a distribuição dos ocupados no setor de atividade TIC, de acordo com a raça e o sexo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 75 Tabela 1 - Distribuição dos ocupados por setor de atividade TIC, segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006 (%) Setor de atividade Indústria Comércio Serviços Serviços de comunicação e informática* Locação de equipamentos, máquinas, softwares Assessoria, consultoria e desenvolvimento Manutenção, reparação e instalação Total Total 18,2 25,4 56,3 22,1 Brancos Homens Mulheres 18,8 16,8 24,0 28,8 57,1 54,4 18,0 31,2 Total 22,8 22,2 55,0 25,1 Negros Homens Mulheres 24,6 18,9 19,8 27,5 55,6 53,6 21,0 34,4 2,0 2,6 0,5 2,7 3,3 1,5 22,9 24,6 19,0 16,7 17,9 14,0 9,3 11,7 3,6 10,4 13,5 3,6 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 *Inclui serviços de telefonia, serviços de provedor, entre outros. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD 2006. Elaboração da autora. A análise dos dados da tabela 1 nos permite concluir que a distribuição apresenta variações conforme a raça e o sexo dos ocupados. No setor industrial a presença da população negra é mais expressiva que a da população branca, havendo uma diferença de 4,6 pontos percentuais. Deve-se notar que a diferença na proporção de homens negros em relação aos homens brancos, 5,7 pontos percentuais, é maior que aquela existente entre as mulheres dos dois grupos raciais, que fica em 2,1 pontos percentuais. Já nas atividades de comércio, tem-se uma distribuição mais próxima entre brancos e negros, embora adotando-se o recorte por sexo seja possível afirmar que a proporção relativa de homens negros é nitidamente inferior ao dos outros grupos. Salienta-se ainda que são as mulheres brancas e negras que se apresentam em maior inserção, comparandose aos homens dos seus respectivos grupos. Se na indústria há uma maior proporção dos homens, no comércio há uma proporção maior de mulheres. O setor de serviços, por sua vez, concentra mais da metade dos ocupados. A população branca apresenta um percentual ligeiramente superior ao da população negra, existindo uma diferença total de 1,3 pontos percentuais. Adotando-se a divisão por sexo, constata-se a diferença pouco expressiva. Por outro lado, nas atividades que compõe o setor de serviços, há importantes distinções na distribuição conforme a raça e o sexo. Nos serviços de comunicação e informática, que inclui atendimento ao público entre A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 76 outros, os negros estão em maior proporção, considerando-se o valor total. Todavia, deve-se notar que a proporção de mulheres brancas é bastante superior a dos homens negros, ficando em 31,2% contra 21,0%. Esse subsetor tem predominância feminina. No setor de locação de equipamentos, máquinas, softwares há pouca diferença em relação aos grupos raciais, sendo que o percentual de negros é superior ao dos brancos. Já nas atividades de assessoria, consultoria e desenvolvimento predominam os indivíduos brancos e, sobretudo, os homens brancos (24,6%). Isso pode ser explicado pelas exigências de qualificação do setor, que geralmente envolvem cursos de engenharia ou áreas afins. Por fim nas atividades de manutenção, reparação e instalação notase um equilíbrio de acordo com a distribuição total dos grupos raciais, sendo o percentual de negros ligeiramente superior ao dos brancos, mas, por outro lado, a proporção de mulheres dos dois grupos é bastante reduzida. Dois aspectos precisam ser destacados em relação ao perfil dos ocupados no setor TIC. Em primeiro lugar, esse setor absorve majoritariamente a população na faixa etária dos 20 aos 39 anos. Esse dado é válido para todos os grupos. Assim, entre a população branca que está ocupada no setor TIC, 68,1% estão na faixa etária supramencionada, para os negros esse percentual fica em 76%. Se considerarmos apenas o intervalo dos 20 aos 29 anos, obtêm-se um percentual de 44,4% para os indivíduos brancos e 51,9% para os indivíduos negros. A população com idade entre 51 e 64 anos tem participação bastante baixa no setor, sendo 7,7% o percentual dos ocupados brancos e 4,2% a dos ocupados negros. Esses dados refletem o perfil profissional e as novas exigências de qualificação, que não estavam à disposição da população com mais idade. De um modo geral, as pessoas desses grupos precisam se requalificar para conseguir inserção no setor. Em segundo lugar, deve-se salientar que a média de anos de estudo dos ocupados no setor TIC é bastante elevada se comparada a dos ocupados em outros setores da economia, ficando em torno de 11 anos de estudo para todos os grupos, o que equivale ao ensino médio completo. Analisando-se as ocupações do setor há uma grande heterogeneidade. Para fins de análise dividiu-se as ocupações em cinco grupos a saber: dirigentes e administradores, profissionais das ciências exatas (ocupações que tem por exigência o ensino superior), técnicos (ocupações que exigem ensino profissionalizante), industriários e as atividades subsidiárias. A tabela 2 apresenta a distribuição dos ocupados do setor TIC segundo a raça e o sexo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 77 Tabela 2 - Distribuição dos ocupados por grupos ocupacionais no setor TIC – segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006 Grupos ocupacionais Total 37,5 7,6 1,9 28,0 3,7 Dirigentes e administradores Empregadores Diretores Gerentes Profissionais das ciências exatas Eng. sistema de computação 0,1 1,7 Eng. eletrônico, telecomunicações, industrial e de controle 1,6 Analista de sistemas e processamento de dados 0,3 Programador/webmaster/a dministrador rede Pesquisador em informática 0,1 e computação Técnicos 6,6 Técnicos polivalentes 0,3 Técnicos manutenção 2,5 1,8 Programadores e operadores da área de informática 0,1 Programadores e técnicos de produção Outros técnicos 1,8 Industriários 3,4 Trab. fabricação e instalação 2,0 eletroeletrônica 0,1 Montadores de aparelhos e instrumentos Outros industriários 1,2 Atividades subsidiárias 48,9 Chefes e supervisores 2,2 Comerciante e vendedores 40,2 Digitadores 1,3 1,9 Operadores de telemarketing 1,1 Operadores de telecomunicações Brancos Homens Mulheres Total 40,5 33,0 21,3 9,2 5,2 2,4 1,3 2,8 1,1 30,0 25,0 17,7 5,4 1,3 1,3 Negros Homens Mulheres 24,0 17,4 3,0 1,7 0,6 1,9 20,4 13,9 1,9 0,3 0,1 2,7 0,0 0,2 0,0 0,5 0,0 0,7 0,0 0,1 2,1 0,8 0,7 1,0 0,2 0,4 0,2 0,1 0,2 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 9,3 0,3 3,9 2,5 2,5 0,2 0,4 0,8 6,7 0,2 3,0 1,2 9,9 0,2 4,8 1,7 2,0 0,1 0,4 0,5 0,2 0,0 0,1 0,1 0,0 2,4 4,7 2,9 1,0 1,4 0,7 2,2 5,9 2,9 3,1 8,3 4,2 0,9 2,3 1,0 0,2 0,0 0,3 0,5 0,1 1,6 40,1 2,0 31,9 1,3 1,1 0,7 61,8 2,6 52,3 1,5 3,1 2,7 64,9 2,2 54,4 1,9 2,1 3,7 55,8 2,2 46,0 1,7 0,9 1,2 77,9 2,1 66,5 2,1 3,9 0,4 2,2 1,5 0,4 3,0 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 78 1,4 2,3 0,1 1,7 2,7 0,2 Trab. reparação e manutenção Polimantenedores 0,7 1,2 0,1 1,1 1,9 0,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD 2006. Elaboração da autora. A análise dos dados da tabela 2 nos permite constatar que há uma polarização das ocupações do setor, ficando de um lado as ocupações do grupo de dirigentes e administradores e de outro as atividades subsidiárias. Todavia, não se deve negligenciar que, com exceção dos homens brancos, a inserção maior é no segundo grupo. No grupo dos dirigentes e administradores, há uma proporção maior de indivíduos brancos do que negros, ficando a proporção dos primeiros em 37,5% e a desses últimos em 21,3%, o que resulta em uma diferença de 16,2 pontos percentuais. Deve-se notar que a participação das mulheres negras nesse grupo não corresponde, em termos percentuais, a metade daquela dos homens brancos. A situação dos homens negros é melhor, mas eles possuem menor inserção que os homens e as mulheres brancas. As disparidades continuam no grupo dos profissionais das ciências exatas. Esse grupo incorpora pouca mão-de-obra, sendo que apenas 3,7% da população branca ocupada está nesse setor e 1,3% da população negra. Porém, deve-se considerar que 5,4% dos homens brancos estão nesse grupo. Destaca-se ainda que apenas os homens brancos possuem percentual significativo no grupo dos engenheiros de sistema de computação, mas mesmo assim bastante pequeno (0,1%). Por outro lado, os homens brancos estão mais presentes no grupo dos outros engenheiros e dos analistas, somando 4,8% dos ocupados. As mulheres brancas apresentam um percentual nesses dois grupos de 1,0%, os homens negros de 1,7% e as mulheres negras de apenas 0,3%. Esses dados revelam que há uma predominância masculina nessas ocupações. As outras ocupações do grupo – programador, webmaster e pesquisador – também incorporam um percentual limitado de mão-de-obra. No grupo dos técnicos as disparidades raciais são pouco expressivas considerando o total da população dos dois grupos, mas há uma baixa representatividade das mulheres tanto brancas quanto negras. Entre os ocupados de todos os grupos há uma maior concentração entre os técnicos de manutenção e, em segundo lugar, entre os programadores e operadores da área de informática. Nesses dois grupos há uma proporção de 4,3% de ocupados brancos e 4,2% de ocupados negros. Na categoria dos técnicos polivalentes e programadores e técnicos de produção, há apenas 0,4% dos ocupados brancos e 0,3% dos negros. Cumpre sublinhar que há uma A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 79 proporção expressiva, tomando-se como referência esse grupo, de indivíduos inseridos na categoria “outros técnicos”. No grupo dos industriários mais uma vez observa-se a predominância masculina, sobretudo dos homens negros (8,3%). Dentro desse grupo, há uma presença maior de ocupados nos trabalhos de fabricação e instalação eletroeletrônica. No último grupo, o das ocupações subsidiárias, encontramos o lugar das mulheres, sobretudo das negras, tendo em vista que 77,9% das ocupadas no setor TIC estão nessas ocupações. O percentual de mulheres brancas também é elevado, ficando em 61,8%. O dos homens negros fica em 55,8% e os homens brancos têm a menor inserção nesse setor, 40,1%. Entre as ocupações que foram classificadas nas atividades subsidiárias destaca-se a proporção de ocupados como comerciantes e vendedores. Ocupações “novas”, ou seja, propiciadas pelo desenvolvimento da nova economia, ainda englobam um percentual pequeno de mão-de-obra. Esse é o caso dos digitadores, operadores de telemarketing, operadores de telecomunicações, trabalhadores da reparação e manutenção e os polimantenedores. Essas ocupações em conjunto concentram apenas 6,4% dos indivíduos brancos ocupados e 8,3% dos indivíduos negros. Um outro dado que precisa ser mencionado é a distribuição dos ocupados de acordo com a posição na ocupação, uma vez que ele indica a natureza predominante dos contratos de trabalho. A tabela 3 apresenta essa distribuição, segundo a raça e o sexo. Tabela 3 - Distribuição dos ocupados por posição na ocupação no setor TIC, segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006 Grupo ocupacional Brancos Negros Homens Mulheres Total Homens Mulheres 58,1 71,1 70,4 67,2 77,6 0,0 0,9 0,4 0,4 0,3 14,2 14,5 14,3 15,0 12,5 15,7 6,0 11,1 13,3 6,1 11,3 6,4 3,4 4,1 1,9 0,7 1,2 0,5 0,0 1,6 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Total Empregado com carteira 61,9 Funcionário público 0,3 Empregado sem carteira 14,3 Conta própria 12,9 Empregador 9,9 Outros* 0,8 Total 100,0 *inclui trabalhadores não remunerados Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, 2006. Elaboração da autora. No setor TIC predomina, para todos os grupos, o emprego com carteira assinada. A população negra tem mais vínculo formal que a população branca, sendo o percentual de 70,4% e 61,95 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 80 respectivamente. Porém, adotando-se a divisão por sexo, pode-se constatar que em primeiro lugar são as mulheres negras que possuem a maior proporção com carteira assinada (77,6%), seguidas das mulheres brancas (71,1%), após vêm os homens negros (67,2%) e por fim os homens brancos (58,1%). Possuir carteira assinada não significa necessariamente uma melhor inserção, as teorias apostam justamente na flexibilidade como um fator essencial da nova economia. A não existência de vínculos seria um fator agregador para os profissionais desse setor. Nesse caso, a vantagem estaria com os homens brancos, visto que 27% dos ocupados estão na posição de conta própria ou empregador. Para os homens negros esse percentual é de 17,4% e há uma diminuição significativa para as mulheres ficando em 12,4% para as brancas e 8,0% para as negras. Talvez o fato das mulheres negras apresentarem a menor proporção entre os ocupados sem carteira indique o grau de desvantagem dos vínculos mais fixos. De um modo geral, esse segmento populacional é o que apresenta as menores vantagens no mercado de trabalho. Cumpre salientar ainda, que o setor público, como é possível constatar, praticamente não ocupa profissionais informacionais. Uma explicação plausível está no fato das empresas públicas não se vincularem diretamente ao setor TIC. Um último dado sobre o mercado de trabalho no setor TIC refere-se a remuneração. A pesquisa realizada pelo IBGE indica que houve queda real no salário de 1,6% entre 2003 e 2006. A remuneração média mensal dos serviços TIC tem apresentado uma redução gradativa, acumulando uma perda real de 2,9% no período. Isso é explicado pela influência do segmento de telecomunicações que está passando por um processo de reestruturação com mais contratações, mas com salários inferiores. Por outro lado, a mesma pesquisa sublinha que as atividades de informática têm uma tendência contínua de crescimento salarial, acumulando entre 2003 e 2006, um crescimento real de 5,8%. Além disso, o salário médio dos ocupados no setor TIC supera aquele dos ocupados em outras atividades econômicas. A tabela 4 apresenta o rendimento médio dos ocupados no setor de acordo com os grupos ocupacionais, a raça e o sexo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 81 Tabela 4 – Rendimento médio dos ocupados por grupos ocupacionais do setor TIC, segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006 Brancos Negros Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Dirigentes e administradores 2.767,30 3.122,31 2.119,74 1.856,95 2.062,42 1.436,98 Profissionais das ciências exatas 3.317,64 3.445,94 2.551,09 2.686,99 2.753,15 2.173,39 Técnicos 1.287,65 1.336,77 1.007,73 911,28 936,53 729,51 Industriários 744,79 783,00 563,01 636,18 669,22 465,34 Atividades subsidiárias 801,03 972,43 628,60 580,90 680,02 473,76 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, 2006. Elaboração da autora. Grupo ocupacional Considerando os grupos ocupacionais apresentados na tabela 4, pode-se afirmar que são os profissionais das ciências exatas os mais bem remunerados do setor. Essa constatação é válida para todos os grupos. Os homens brancos são os que possuem maior remuneração nesse grupo, ficando a média em R$3.445,94. Os homens negros recebem em média o equivalente a 80% desse valor, as mulheres brancas um pouco menos, 74% e as mulheres negras apenas 63%. O segundo grupo que apresenta maior remuneração é o das ocupações de direção e administração. Deve-se notar que a diferença em relação ao rendimento médio total dos dois grupos raciais é maior que no grupo anterior, visto que naquele a população negra recebia o equivalente a 81% do rendimento médio da população branca e nesse grupo o valor recebido cai para 74%. Salienta-se ainda que as mulheres brancas têm rendimento superior ao dos homens negros. Na terceira colocação, no que se refere ao rendimento, aparecem os técnicos. Tanto para os brancos quanto para os negros o salário é bastante inferior se comparado ao dos profissionais de nível superior. Os indivíduos negros recebem em média o equivalente a 71% do rendimento dos indivíduos brancos, sendo que o salário médio das mulheres negras equivale a pouco mais da metade do salário dos homens brancos. Nesse grupo, as mulheres brancas também apresentam remuneração média superior a dos homens negros. A população branca recebe o menor rendimento no grupo dos industriários, ainda que o valor médio total seja superior ao dos negros. A população negra, por sua vez, recebe o menor rendimento médio total no grupo das atividades subsidiárias. Todavia, deve-se salientar que adotando-se a divisão por sexo, homens e mulheres negras também são piores remunerados no grupo dos industriários. Por fim deve-se destacar que é no grupo dos industriários que estão as menores disparidades de renda, considerando-se o valor médio total A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 82 dos dois grupos raciais. A população negra nesse caso recebe em média o equivalente a 85% do rendimento dos indivíduos brancos. Considerações finais A sociedade informacional no Brasil ainda se encontra em uma etapa de desenvolvimento bastante incipiente. Saldanha (2006) calculou o grau de desenvolvimento da sociedade informacional em 22 países e o Brasil aparece na décima sétima posição, ficando atrás de países como o México, Chile e Argentina. O primeiro colocado no ranking é os Estados Unidos, seguido do Japão e da Suécia. Isso se reflete, como foi possível constatar, no mercado de trabalho. O setor das tecnologias da informação e comunicação, de um modo geral, concentra poucos ocupados. Além disso, pode-se notar que há uma polarização da população ocupada em dois grupos das ocupações informacionais: o dos dirigentes e administradores e o das atividades subsidiárias. Outro elemento que precisa ser destacado é a baixa inserção das mulheres nas profissões informacionais e a permanência das disparidades tanto de sexo quanto raciais. O aspecto positivo desse incipiente mercado de trabalho é a incorporação expressiva da população jovem. Referências bibliográficas CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999. CORIAT, Benjamin. L’Atelier et le robot. Paris: Christian Bourgois Editeur, 1990. FRIEDMANN, Georges. Le Travail en metties. Paris: Gallimar, 1956. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2009. HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. IBGE. O Setor de tecnologia de informação e comunicação no Brasil – 2003 – 2006. 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Em Duque de Caxias se misturam estratégias corporativas transnacionais, nacionais e dinâmicas locais, que induzem o desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo asseveram as desigualdades sociais num verdadeiro território de acentuados contrastes sociais24. Seguidamente, é pertinente situar que na região se alongou sobremaneira a tradição privatista do espaço da cidade por meio de uma política local que sempre misturou assistencialismo e violência. Mas, não é um território economicamente arcaico ou virgem em experiências fabris. A história industrial da cidade se inicia com a FNM (Fábrica Nacional de Motores) no Governo Getúlio Vargas, prolongando-se com a refinaria de petróleo (Reduc) na década de 1960, além de um conjunto de outras iniciativas que foram se somando ali25. Mas, a dinamização regional da localidade, de fato, vem sendo tocada desde 1999 como aglomeração gás química (Pólo de Desenvolvimento Gás Químico), o que tornou a região mais atrativa para variadas empresas da área. Todavia, o incremento de demanda por força de 23 Professora do Departamento de Política Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Doutoramento em Sociologia do Trabalho na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Programa de Estudos de Trabalho e Política/UERJ. Desenvolve pesquisa sobre trabalho e desenvolvimento regional; e sobre a nova morfologia do trabalho. Endereço Postal: Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão João Lyra Filho, Sala 8034, Bloco D, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil. Endereço Eletrônico: [email protected] 24 Afinal, a posição do município no ranking do IDH é a 52 entre os 92 municípios do estado e a posição 1786 no país (IDH de 0,753). O indice de Gini que mede a desigualdade cresceu nas ultimas duas décadas, embora, o PIB do município seja o segundo maior do estado do Rio de Janeiro e o 15º. do Brasil. 25 A refinaria de Duque de Caxias (Reduc) foi criada em 1961 e dinamizada a partir dos anos 1980 representando uma das grandes refinarias de vanguarda do sistema Petrobrás pela estrutura técnico-produtiva, capaz de produzir 52 produtos na linha de óleos lubrificantes, diesel, gasolina, GLP, nafta, querosene de aviação, parafina, óleo combustível, entre outros produtos. Segundo as fontes consultadas, sua capacidade será expandida com as obras de ampliação que estão em andamento e serão concluídas em 2012. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 85 trabalho, por exemplo, não atende à população da cidade na medida em que o perfil de qualificação requerido não é facilmente presenciado no local. Então, a indagação central aqui é saber o que de novo se apresenta com esse reordenamento produtivo para os moradores da cidade e de que modo é possível interferir nos rumos do modelo de desenvolvimento em execução na região. Traços Sociais Centrais da Região e da Aglomeração Produtiva Duque de Caxias faz parte da ampla área nomeada como Baixada Fluminense26 e possui cerca de 800.000 habitantes. A Baixada Fluminense conta com mais de três milhões de habitantes, conformando a segunda região mais populosa do estado, perdendo somente para capital. Duque de Caxias se relaciona na baixada como centro de negócios diversificados que atende à região toda, por meio de uma teia de vias de circulação públicas. A história de Duque de Caxias se associa organicamente aos ciclos de desenvolvimento do país e do Rio de Janeiro: 1) de um lado, quando atendia à função de passagem na região para comunicação com o Rio de Janeiro nos ciclos do ouro e do café; 2) e, depois, quando a cidade é integrada como espaço urbano subordinado ao núcleo metropolitano (Rio de Janeiro) servindo para alojar seus trabalhadores e paulatinamente também indústrias dentro do modelo de substituição de importações (1930-1980). Todavia a ação de maior protagonismo industrial se acentua no mesmo passo em que se dá o incremento da produção e refino do petróleo nos anos 1990/2000, ou seja, no próprio processo de reestruturação produtiva recente. De fato, a dinamização da economia do petróleo atraiu novos investimentos - transformando o território em campo de encontro de novos sujeitos socioeconômicos - que gravitam em torno da potência que é a cadeia produtiva do petróleo, alavancada pelo aumento da produção e autosuficiência mineral dos últimos anos. Os condicionantes produtivos são muito positivos para os investimentos do capital desse segmento econômico. O município abriga uma das principais refinarias da Petrobrás e está localizado em região dotada de características estratégicas, pois além de sediar o refino do petróleo, a região é entrecortada por duas importantes rodovias (Presidente Dutra e RioPetrópolis), além da Linha Vermelha e da Linha Amarela. A proximidade com o porto, o aeroporto internacional e a vizinhança com a própria capital, Rio de Janeiro, conformam outros relevantes 26 Formada também pelos municípios de Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Mesquita, Magé, Guapimirim, Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 86 atrativos econômicos. Em verdade, um aparato logístico bem significativo para os investimentos produtivos requeridos em estrutura mundializada. O segmento econômico de maior peso (gás químico) envolve uma cadeia marcadamente globalizada de característica vertical onde a Petrobrás, uma empresa estatal, tem papel chave como empresa-mãe seguida por grandes empresas privadas do setor. As relações de terceirização são bem acentuadas, sendo possível contar sete linhas de subcontratação junto à Petrobrás de modo que é exigido um sistema de fornecedores bem afinado para garantir competitividade. Duque de Caxias está já na segunda linha da cadeia produtiva do petróleo com o refino do minério e seguidamente com outras empresas de segunda e terceira geração. A complexificação numérica de contratos na cadeia diz respeito ao amplo conjunto de fornecedores, envolvendo também médias e pequenas empresas. A verticalização da Petrobrás torna as ações da cadeia de tipo limitada, pois se restringem a produzir respostas às demandas da empresa-mãe. Isso é mais enfático entre a média e pequena empresa que efetivamente se voltam para atender às necessidades apresentadas periodicamente pela refinaria. Desdobramentos Sociais da Dinamização Econômica da Região Com efeito, nos últimos anos, evidencia-se um movimento de fixação de práticas e políticas de órgãos públicos, empresas e entidades associativas voltados para o desenvolvimento econômico da localidade. Essa inflexão proporciona mudança na estrutura socioeconômica, sendo ainda necessário, todavia, clarear as características da nova institucionalidade. Imagina-se aqui poder olhar a dinâmica política do espaço social tendo em conta a diferenciação de sujeitos sociais atuantes no processo regional, considerando este como campo de forças de interesses diversos baseados em diferentes recursos de poder e de classe. Focar o problema teórico das relações sociais que atravessam o agrupamento produtivo, tendo em conta a herança da história local e a inserção social dos agentes políticos e econômicos, verificando: sentido das instituições criadas; e, as visões a respeito do desenvolvimento. Trata-se de pensar a capacidade dos sujeitos locais influenciarem a atratividade territorializada da região por meio de arranjos políticos e econômicos, interceptando a fluidez econômica que promove a deslocalização da economia mundializada, os baixos índices de ocupação ou as relações precárias de trabalho. Interessa verificar na prática como se realiza o alargamento da noção de desenvolvimento A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 87 ampliando-se, assim, para esfera da política, para pensar o espaço do comum, o que pode atenuar o espaço do privado ou ao menos torná-lo campo de disputa das forças sociais. A formação sociohistórica de Duque de Caxias se expressa numa paisagem urbana marcada por uma perversa feição social. Conforme, se expandiram à industrialização e a forma de vida urbana, o aspecto segregacional do crescimento e reprodução urbana atingiu mais densamente a região. Na verdade, a rota do desenvolvimento urbano na localidade seguiu piamente o chamado modelo de urbanização fordista periférico, pois a autoconstrução de residências se fez como marca estrutural da fixação dos habitantes atenuando a baixa renda dos trabalhadores e a ausência de financiamento público para moradia. Evidencia-se na história do município acentuada incorporação desse modelo que marcou sobremaneira a periferia urbana capitalista de modo que a questão fundiária é um problema relevante para a população residente na cidade e que repercute negativamente na qualidade da infra-estrutura e serviços urbanos27. Mediando esse processo, ao longo da história do município. Estiveram em operação sofisticados arranjos políticos que associaram violência e clientelismo como forma de acesso ao território e aos bens públicos. Em primeiro lugar, a forte tendência histórica de resolução do conflito social pela repressão aos trabalhadores e pelo fortalecimento de milícias privadas – os jagunços urbanos – era autorizada, legitimada e misturada à coisa pública. Em segundo lugar, a Ditadura Militar entre os anos de 1960 e 1980 continuou interceptando as esferas públicas, pois cerceou a oposição política na região, tanto de líderes locais como de trabalhadores engajados nos movimentos sociais. Nessa época, a lógica do poder local continuou baseada no binômio favor-terror, só que agora sob o controle da caserna. Isso foi mais agressivo na cidade por conta do reforço ao caráter estratégico do município por sediar refinaria de petróleo e estradas federais tornando a área objeto de segurança nacional, portanto, sem autonomia política. 27 “Com a tarifa única implantada nas linhas ferroviárias, o Estado subsidiaria tanto o capital industrial como o imobiliário. Reduzia o custo da reprodução da força de trabalho para a indústria e repassava ao trabalhador a responsabilidade do problema habitacional, fazendo com que a parte do salário anteriormente gasta com os transportes fosse transferida para a compra do lote e auto-construção.” (José Cláudio Souza Alves, Baixada Fluminense, a violência na construção do poder, Tese de Doutorado, São Paulo, USP, 1998, p. 57) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 88 A contestação a isso veio na crise do governo militar no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 junto com o amplo movimento de moradores e comunidades eclesiais de base que romperam o cenário político de modo efetivo e organizado contra a desigualdade social e precariedade da vida urbana. Essa irrupção política trará como temas para agenda pública: a regularização fundiária, a expansão do saneamento, a ampliação da rede de saúde e a segurança pública contra os grupos de extermínio. Ainda que os problemas sociais de fundo persistam como questão social, esse foi um dos primeiros lapsos de expressão política organizada de maior fôlego na cidade. As eleições diretas no município só chegaram em 1986, mas desde então foram perpetuados como prefeitos, herdeiros políticos da velha elite local por força de laços de parentesco e ação política. A historiografia política subseqüente será do rodízio de líderes associados a esse antigo esquema que alia clientelismo e violência. Mudaram as legendas partidárias, mas continuou-se reforçando o mesmo tipo de política que é a da não-política na medida em que o medo e o favor prevaleceram na regulação das relações sociais. Os anos 1990 confirmam essa reprodução política no município sob a bandeira do “moderno” partido PSDB que passou a governar o país, o estado do Rio de Janeiro e o município de Duque de Caxias tendo em voga as diretrizes neoliberais. Isso penalizou ainda mais a região onde a ausência do poder público já era uma marca histórica, e, o assistencialismo se manteve na dobra do desmantelamento ou da ausência de direitos sociais. De forma ambígua, o papel estratégico do município para a economia fluminense e nacional será ressaltado nesse momento evidenciando a presença de conexões globais em seu território, de ampla rede de infra-estrutura e serviços localizados ao entorno. O desenvolvimento econômico de Duque de Caxias aparecerá como ponta de lança dos governos de estado que irão se revezar no poder desde então. Na verdade, a revitalização estrutural da economia se coaduna com uma série de medidas políticas que ao longo das décadas de 1990 e 2000 se fizeram presentes em diferentes governos da administração pública do estado do Rio de Janeiro como, por exemplo, as fortes coalizões políticas no legislativo. Os períodos de convergência de governos nas diferentes esferas favoreceram ação em comum sob o ideário do desenvolvimento e interiorização da economia. Sobretudo, porque eram anos de ausência de política nacional para a indústria e reinavam as ações de privatização de institutos estatais. No estado do Rio de Janeiro, a ação da FIRJAN A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 89 (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) por mais de uma década manteve forte defesa dessa programática fortalecendo ao mesmo tempo essa perspectiva de regionalização do desenvolvimento como metas de revitalização econômica do estado. Na Prefeitura de Duque de Caxias, curiosamente, repetem-se secretários de desenvolvimento que seguem essa programática tendo invariavelmente saído, todos eles, dos quadros da Firjan. Mesmo com alternância de partidos políticos no governo, parece que a estratégia empresarial manteve-se preponderante o que tem fortalecido o território como espaço econômico relevante. A questão teórica a pensar aqui: sendo a região de Duque de Caxias estruturada como bom ativo econômico para competitividade, demandaria, ao mesmo tempo, racionalidades menos econômicas e ação de atores locais no sentido de dar maior fôlego às requisições do desenvolvimento? Em sendo essa ilação positiva maior protagonismo poderia ser requerida da localidade no sentido de agir politicamente nas relações mundo/nação/local, ou seja no modo como se concretizam estratégias corporativas de cadeia mundializada? Nessa linha de raciocínio os processos seriam tensionados no sentido da migração de uma ação meramente de mercado resolvido privadamente para o campo da ação coletiva do território (esfera pública) - imaginandose um campo de forças sociais em disputa ?. O que temos verificado na pesquisa é que as ações não se configuram a partir de fóruns políticos, no sentido de exposição e negociação pública de dissensos entre os diferentes sujeitos da economia e do trabalho. E, isso dificulta interferências nos rumos do desenvolvimento territorial. De fato, existem sim novas institucionalidades em razão da mobilização produtiva da região, mas elas não são de articulação pública de interesses. Aparecem mais como dispositivos técnicos de gestão do sistema de fornecedores da cadeia em razão da proeminente externalização produtiva verificada. O chamado Pólo Gás Químico definido administrativamente como uma aglutinação de produção para refino, processamento de produtos derivados do petróleo e insumos, recebe uma série de incentivos, mas estes seguem definidos pela empresa-mãe (Petrobrás) ou quando muito atendem às necessidades empresariais conectadas ou desejando se conectar interfirmas. Essa relação de poder é absolutamente estruturadora da dinâmica do pólo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 90 Articulação Interna no Pólo de Desenvolvimento Dois instrumentos chaves do arsenal de novas instituições estão sendo examinados hoje na pesquisa: o Fórum do APL (Arranjo Produtivo Local) e o Fórum Promimp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural). Verificamos que não há dinâmica regular e processual de vida política nesses fóruns. Trata-se de uma articulação de instituições sob a influência no primeiro caso do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) que coordena o Fórum do APL cujo objetivo é capacitar pequenas empresas como fornecedoras da Petrobrás (empresa-mãe) atendendo assim suas exigências de qualificação, produtividade e inovação. Queremos enfatizar, então, que não se trata de espaço para negociações, pois o Fórum do APL se volta diretamente para atender demandas da Petrobrás e das grandes empresas. Atende diretamente ao plano anual da Petrobrás que se torna um quase livro de receita empresarial. Para tanto inclusive um dos principais ganhos das ações do fórum é a profissionalização da terceirização por meio do treinamento de empresas e o estabelecimento de um cadastro de fornecedores de bens e serviços para cadeia, por onde se integra a pequena e média empresa no sistema de fornecedores. O outro Fórum (Promimp), se dirige para capacitação de trabalhadores para participarem da cadeia do petróleo. O Promimp é um programa do Ministério de Minas e Energia e seu fórum regional visa articular instituições para atingirem aquele objetivo. Sob coordenação da Refinaria que representa o Ministério de Minas e Energia, o Fórum Promimp realiza projetos de qualificação como são exemplos os de educação de jovens e adultos; e, o Cidade da Solda. Aqui também verificamos a ausência de dinâmica política de esfera pública, sendo as atividades definidas coletivamente, num primeiro momento, e depois seguem sendo executados pelo grupo autor da proposta. Num caso e noutro, os dois fóruns se dedicam às estratégias de qualificação de fornecedores – um para pequena empresa e outro para trabalhadores – visando que a cadeia funcione bem azeitada para a produtividade e competitividade dos negócios. Os achados da pesquisa sinalizam que este tem sido o principal intento das novas ferramentas criadas para dinamizar o pólo de desenvolvimento: a qualificação (de empresas ou de trabalhadores). Um segundo elemento importante é que além de não haver esfera pública nestes fóruns, não há, até o momento, medidas de impacto dos efeitos das ações desenvolvidas. Isso porque não A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 91 se previu estudo de tal natureza, e, também, porque as atividades foram iniciadas recentemente (2006) e ainda estavam em execução até o último levantamento realizado na pesquisa em 2009. O Fórum do APL tem participação restrita às empresas, a Reduc, ao Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Secretaria de Desenvolvimento e aos sindicatos patronais. Não há qualquer interesse em interface com os trabalhadores, pois segundo a coordenação do APL o objetivo é capacitar empresas, pessoas jurídicas e não pessoas físicas, por isso, no entender deles não há interface com sindicatos de trabalhadores, apenas com segmento patronal. Mesmo quando questionado sobre as experiências nacionais e internacionais que conseguiram reunir diferentes segmentos na estrutura de gestão territorial como os sindicatos, o coordenador do APL reitera não ser necessário, embora titubeando um pouco na medida em que a literatura na área sinaliza outra versão. Parece que a ferramenta do APL serve para ser replicada em territórios históricos distintos, mas de acordo com a cultura política de cada localidade e aqui, então, não inclui os trabalhadores e segue um perfil de rede de fornecedores, sem dinâmica de esfera pública. Ou talvez, não se afine a segmentos empresariais verticalizados como esse do petróleo. O Fórum Promimp, contudo, inclui participação dos sindicatos, mas também não há dinâmica pública e o único sindicato com participação orgânica é o sindicato que representa os trabalhadores terceirizados - SITICOMMM28. A ação desse sindicato se vincula à execução do Projeto Cidade da Solda, de sua própria autoria. A participação se limita a essas ações sem nem atuar em reuniões do fórum a não ser que seja para tratar do projeto. Considerados estes contornos, é interessante levantar que no quesito relação cadeia produtiva e território, as duas instituições criadas - Fórum APL e Fórum regional do Promimp – manifestam atenção à localidade. O problema dos resultados do desenvolvimento recaírem sobre a região é mencionado como uma questão-dilema enfrentada pelos membros nas duas ferramentas. Então, o Promimp se dedica à capacitação de mão-de-obra local querendo superar esse limite na medida em que a cadeia não absorve significativamente a força de trabalho caxiense porque esta não atende às necessidades técnicas da cadeia. A coordenação do APL enfatizou para pesquisa que o propósito do arranjo são os empresários locais ( médio e pequeno 28 Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Montagem Industrial, Mármores, Granito, Mobiliário e Vime – SITICOMMM. Esse sindicato foi criado em 1952 e sua base sindical contempla os municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis, Guapimirim e Magé. O corpo de sindicalizados soma 20 mil trabalhadores e o sindicato é filiado a União Geral do Trabalhadores (UGT). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 92 empresário) capacitando para competitividade, gestão e inovação a partir dos planos estratégicos da Petrobrás. Entre os trabalhadores (sindicatos) a visão sobre essas duas instituições (Fórum APL e Fórum PROMIMP) é comum no tocante à baixa dinâmica política presencial para negociação de interesses, planejamento e avaliação da cadeia produtiva. Verificamos, no entanto, que os sindicatos ligados ao núcleo principal da cadeia são os menos envolvidos com essas atividades, como são os casos do Sindipetro29 e Sindiquímicos30. O sindicato que representa a maioria dos trabalhadores terceirizados tem assento no fórum Promimp e também manifesta opinião sobre a ausência de espaço público de discussões; eles são chamados somente para discutir o projeto da Cidade da solda especificamente, o que é raro. Todavia, além dos depoimentos dos sindicatos reforçarem esta ferramenta de desenvolvimento (Arranjo Produtivo Local ou Pólo de Desenvolvimento) como de baixa dinâmica política, eles também nos deixam ver que a tradição tem sido a do aquecimento produtivo local sem incorporação de trabalhadores da cidade de Duque de Caxias nos quadros de emprego e ocupação no Pólo Gás Químico. A base do Sindipetro, petroleiros, por exemplo, não reside em Duque de Caxias. A base do Sindiquímica que reúne os trabalhadores das indústrias de segunda e terceira geração do Pólo Gás Químico também, de maneira geral, é majoritariamente de fora do município sede. Pudemos evidenciar, então, uma série de conseqüências a partir disso, sugerindo inclusive que a dinâmica política eleitoral ou a gestão da cidade não são temas que atingem diretamente os trabalhadores petroleiros e petroquímicos. A primeira vista, o que se depreende é que a cidade segue apenas como locadora dos empreendimentos. Mas, seguindo com a pesquisa evidenciamos que o sindicato que representa os trabalhadores terceirizados, aquele que participa do Fórum do Promimp tem em sua base um conjunto amplo de moradores de Duque de Caxias e áreas adjacentes na Baixada Fluminense. Exatamente, a mão-de-obra que é menos qualificada. Essa é a porta de entrada de parcela dos moradores de Duque de Caxias no pólo de desenvolvimento: nas empresas terceirizadas que lidam com mão-de-obra menos qualificada e estão voltadas para manutenção, conservação e construção civil. 29 Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias, criado em 1961, proximamente a própria criação da refinaria. O sindicato conta com 2 mil trabalhadores sindicalizados e é filiado a Central Única dos Trabalhadores (CUT). 30 Sindicato dos Trabalhadores Petroquímicos de Duque de Caxias, criado em 1963, é filiado a Central Única dos Trabalhadores e conta, hoje, com 1.200 trabalhadores sindicalizados. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 93 Com este sindicato foi possível identificar problemas sobre a cidade e o trabalho no elo fraco da cadeia produtiva, como os dilemas para garantia dos direitos trabalhistas, para a qualificação dos trabalhadores e, de modo geral, ponderações sobre a realidade socioeconômica local. Os depoimentos dos diretores informantes dos outros dois sindicatos do núcleo central produtivo sublinham uma visão política e social do desenvolvimento na localidade, mostrando que há uma efetiva dificuldade do pólo repercutir em retorno social para a cidade. Mencionam os problemas de saneamento, serviços de saúde e, sobretudo destacam o problema da educação em razão da baixa escolarização formal da população e de formação para o trabalho. Mas, esses sindicatos não desenvolvem ou atuam em nenhuma ação coletiva menos corporativa e mais dirigida à cidade. Parece que como as empresas, onde se vinculam seus trabalhadores, também esses sindicatos estão distantes dos problemas do município em suas práticas sindicais. Embora tenham ideação política enfileirada à tradição da CUT e mencionem um passado recente de maior engajamento em movimentos sociais locais, afirmam que isso hoje são lembranças dos anos 1980, pois estão bem desarticulados localmente. De todo jeito, parece que as condições objetivas da base sindical estão longe das terras caxienses e mesmo quando os problemas sociais da cidade aparecem na narrativa é de forma distanciada das práticas políticas dos sindicalistas entrevistados. Com isso, o que temos identificado é que ainda não existem atributos sociais efetivos de agenciamentos políticos coletivos para dirigir, domar e negociar o desenvolvimento no espaço social do pólo de desenvolvimento. Aqui, a experiência de revisão dos papéis dos sindicatos no processo de reestruturação produtiva não atinge esse ponto de alargamento das funções para o território da cidade. O que apareceu com força nos depoimentos foi o esforço que empreenderam cada sindicato desses para representar os terceirizados envolvendo inclusive batalha judicial, mas não foram bem sucedidos no conflito nem no caso de trabalho subcontratado realizado nas dependências da própria empresa. Prevaleceu no argumento judicial uma visão corporativa de categoria e de contratação de serviços e não de ramo produtivo. Além disso, esses três sindicatos (Sindipetro, Sindquímica e Sinticomm) não conseguem ainda realizar lutas conjuntas em favor do trabalho na cadeia produtiva31. 31 Vale dizer que o sindicalismo no segmento do petróleo no Rio de Janeiro parece estar em efervescência por conta dos investimentos para área no estado através do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) que objetiva a partir de 2012 aumentar a capacidade nacional de refino de petróleo pesado e com isso reduzir a importação de derivados, como a nafta, e de produtos petroquímicos. Verifica-se uma densa disputa entre os sindicatos pela representação dos trabalhadores que trabalharão A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 94 Pode colaborar com esse distanciamento a posição dos sujeitos no espaço social da cadeia produtiva: os sindicatos de peso na cadeia, por exemplo, se mantém muito distante da vida política e social local32. Os problemas sociais e de desenvolvimento não entram na agenda dos sindicatos e nem na vida dos trabalhadores do núcleo da cadeia produtiva. Ou ainda, por serem sindicatos de peso na cadeia produtiva, se voltam para os problemas que o elo mantém no conjunto do pólo como segmento mais dominante. O Sindicato dos Petroleiros tem uma agenda sindical centrada nos temas: campanha petróleo é nosso (“defesa da nação”); revisão da quebra do monopólio do petróleo; lutas e processos pela readmissão dos demitidos no processo de privatização e greve. O Sindicato dos Petroquímicos concentram a agenda nos pontos: processos pela readmissão de trabalhadores demitidos no processo de privatização dos anos 1990; tensão sobre as mudanças nas relações de trabalho a partir de fusões de grandes empresas da holding; problemas da geração de jovens trabalhadores químicos escolarizados por não se fixarem na área e não constituírem identidade com a categoria e com o sindicato. Com isso, estando correta essa interpretação, vemos reproduzir então entre esses sujeitos sociais – sindicatos – uma atuação também distanciada dos problemas locais do município, semelhantemente às empresas que dominam as rédeas econômicas do pólo. Considerações Finais A aglomeração produtiva de Duque de Caxias se baseia na interface técnica e de capacitação da rede de fornecedores, visando potencializar a acumulação de capital do segmento gás-químico. Inexiste dinâmica política no pólo como esfera pública de negociação e formação de opinião sobre os destinos e impactos do desenvolvimento. Os empresários, o poder público, as instituições educacionais e o Sistema S se articulam de forma independente, mas voltados para a engrenagem das necessidades setoriais e competitivas. Inexiste também participação dos sindicatos no processo de definição e execução dos investimentos econômicos na aglomeração. Por conseguinte, a visão de desenvolvimento hegemônica do pólo é a de atratividade do território para intensificação e ampliação da economia do petróleo e derivados, baseada numa perspectiva instrumental das mudanças e da relação entre nas novas empresas ou filiais que serão situadas no grande corredor que será estabelecido por vários municípios desde Itaboraí; o que é tanto uma luta política de representação quanto de imposto sindical. 32 A caracterização como sindicato de peso que fazemos aqui diz respeito à importância da categoria de trabalhadores no elo da cadeia produtiva, vinculando-se às funções focais das empresas nucleares. Além disso, são sindicatos com histórico de participação em lutas sociais de ampla mobilização da categoria e em outras de maior alcance social como a de democratização do país. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 95 os diferentes sujeitos sociais. Nesse limite, a dimensão política da expressão de conflitos e lutas sociais é absolutamente esvaziada de sentido na aglomeração. A baixa participação dos moradores de Duque de Caxias na força de trabalho das empresas mais especializadas do pólo conta a favor do distanciamento dos sindicatos mais fortes da cadeia produtiva das demandas locais e da interferência nas forças políticas da cidade. O peso econômico e a influência da Petrobrás na cadeia a tornam um super agente na aglomeração, na medida em que a história da empresa se confunde com a da própria nação e o seu desenvolvimento industrial. Além disso, tem importância estratégica como fonte energética, catalisador de divisa e base de apoio para outras indústrias. Nesse sentido, sua influência dificilmente se limita à unidade subnacional o que seguramente traz problemas para o debate do desenvolvimento regional e da possível ampliação de direitos sociais para a população da cidade. 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Introdução As transformações ocorridas na dimensão do trabalho foram definitivas para a conformação da sociedade brasileira, especialmente na passagem dos anos 1980 aos 1990, representando a abertura e a modernização do país em consonância com os ventos da globalização. Tais mudanças foram marcantes não só do ponto de vista das novas tecnologias introduzidas no processo produtivo e nas relações sociais de trabalho mas, sobretudo, pelas reverberações que se fazem notar sobre a face de uma nova sociabilidade construída com o alargamento do trabalho informal, de situações de precarização do trabalho e pela condição de desemprego de longo prazo. A modernização do processo produtivo não implica simplesmente, apesar de já nefasto, em aumento do exército industrial de reserva, mas ampliação do número de trabalhadores excluídos do trabalho e dos valores éticos construídos enquanto trabalhador ativo. É por isso que, ao se considerar o desemprego e, em conseqüência deste, a pobreza, como a principal questão social da sociedade contemporânea, nos deparamos com o desafio de conjugar o elemento racional da qualificação e da (re)inserção da mão-de-obra no mercado de trabalho com o aspecto ético de reinventar os caminhos para a reconstrução de uma vida social digna por meio do trabalho, garantidor de sentidos para o sujeito na sua existência como cidadão. O enfrentamento dessa problemática tem sido percebido amplamente através da ação das políticas públicas de emprego, apresentando mais visivelmente a preocupação com a intermediação e a formação da mão-de-obra para o mercado de trabalho. Contudo, esse tipo de ação formal pode sofrer limitações e esvaziamentos conjunturais quanto às reais condições de (re)inserção dos trabalhadores diante do agravamento da pobreza. Essas iniciativas orientadas pela política pública de emprego no Brasil, podem representar uma resposta mesmo que focalizada, no sentido tanto da qualificação profissional como de programas de geração de 33 Doutora em Sociologia – Picardie – França e professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia – PPGS/UFPB – [email protected] 34 Doutoranda em Sociologia do Trabalho – PPGS/UFPB e professora do Departamento de Economia – CCSA/UFPB [email protected] A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 97 emprego e renda, interpretadas como intervenções do Estado necessárias à regulação da mão-deobra no momento em que as relações entre o capital e o trabalho vão sendo rearrumadas a fim de dar condições à continuidade da acumulação de capital. Entretanto, apesar de se reconhecer essa funcionalidade do Estado para a reprodução do capital, contraditória e paradoxalmente, também se deve reconhecer, ainda que perversamente, a seleção e reorganização da classe trabalhadora para adaptar-se às novas condições estabelecidas pelo capital sobre o trabalho. Desse modo, ao se tratar a questão da qualificação profissional, posta como política de inserção ou ativação de desocupados, também se está referindo a uma forma moderna e lícita de exclusão, na medida em que se propõe à seleção dos aptos e dos não aptos, dos que servem e dos que não servem para o trabalho. Além do mais, a política de qualificação profissional, pode também confundir-se, às vezes, com o campo da assistência social, no momento em que aparece como oportunidade de inserção nutrida a cada novo curso realizado, sob a ilusão do emprego garantido, como se fosse um serviço social oferecido como paliativo para amenizar a situação de desempregado e alimentar a esperança em meio à exclusão. Levando em conta essas colocações, as reflexões trazidas neste trabalho nos instiga a indagar se a política de qualificação profissional, apresentada como proposta de inserção, não seria mais uma resposta insuficiente, se não se fizer acompanhar de outras políticas socioeconômicas, contra a crescente exclusão social em meio às sempre renovadas formas de exclusão social que fazem parte do modo de acumulação capitalista. Este o maior desafio que, por hora, nos motiva pensar o caráter da intervenção do Estado e as novas configurações da sociabilidade criada pelo trabalho na sociedade atual, frente ao processo de exclusão social que se vem anunciando cada vez mais intenso. 2. Política Pública de Emprego no Brasil: da proteção à competência O modelo de produção flexível iniciado nas economias centrais e, junto com este, as mudanças nas relações sociais de produção também tiveram seus impactos no Brasil. Mas, longe de ser um processo gradual, apresentou-se com uma força maior sobre as relações de trabalho e sobre o movimento sindical recém revigorado. Na segunda metade dos anos 1980, já era possível observar-se um movimento tendencioso para a abertura do mercado brasileiro e para a modernização das empresas, o que veio consolidarse na década de 1990. A noção de economia globalizada passou a ser incorporada às estratégias A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 98 de expansão das empresas que assumiram como prioridade o aumento da produtividade do trabalho por meio dos investimentos em novas tecnologias e do enxugamento dos custos, requisitos fundamentais para competir no mercado global. A adaptação do setor produtivo brasileiro à nova dinâmica do processo de acumulação mundial, provocou a falência daqueles que não acompanharam o salto tecnológico ou não conseguiram manter-se diante da concorrência externa com o mercado aberto, dando margem à expansão, concentração e centralização do capital em vários setores como: alimentos, telefonia, siderurgia, setor bancário, entre outros, movimento reforçado com o projeto de privatização da economia a partir do governo Fernando Henrique Cardoso. Diante das metamorfoses mais recentes no mundo do trabalho, torna-se importante observar como o Estado vem respondendo às novas relações do capital com o trabalho. No tocante ao emprego, as ações governamentais têm se formalizado a partir do Sistema Público de Emprego (SPE), tendo evoluído de acordo com a própria conjuntura econômica, oscilando entre a formação profissional e a intermediação da mão-de-obra e a assistência àqueles considerados excluídos. Importa aqui observar qual a evolução da política pública de emprego e as suas ações diante do crescente desemprego e da flexibilização/precarização das relações de trabalho. De acordo com MORETTO, GIMENEZ e PRONI (2003), nos países desenvolvidos o SPE surgiu num contexto de crescimento e estabilidade econômica, welfare state e pleno emprego, como aprimoramento do sistema de proteção. Já no Brasil, apesar de não haver claramente um planejamento orientado para a geração de empregos, a própria dinâmica da industrialização do país funcionou como um forte gerador de postos de trabalho até o período áureo do milagre econômico, tornando dispensável uma política exclusiva para o estímulo ao emprego e para sua regulamentação. (...) entre 1950 e 1980, o crescimento acelerado da economia brasileira foi capaz de gerar novas ocupações _ incluindo aí não só o emprego em empresas capitalistas e o emprego público, mas também o emprego doméstico, os trabalhadores por conta própria e os pequenos negócios _ numa velocidade superior a taxa de crescimento da PEA. De modo geral não havia desemprego aberto (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 245). Contudo, a partir da década de 1970, a crise econômica nos países desenvolvidos exigiu uma reestruturação produtiva sob novas bases tecnológicas, visando menores custos de produção e promovendo a flexibilização nas relações de trabalho. Diante disso, a forte proteção social A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 99 terminou representando um grande custo social para as empresas e para o Estado, forçando a reorientação da política pública de emprego para a assistência social na busca de amenizar o crescente desemprego e a exclusão. Considerando a análise dos autores: Assim, o conceito originalmente atribuído às políticas de emprego foi esvaziado, particularmente a partir dos anos 80, perdendo de vista o compromisso político em prol do pleno emprego e da ampla incorporação social, que caracterizavam tais políticas no pósguerra. Se no pós-guerra as políticas de emprego nos países centrais tinham como elemento central a promoção do crescimento econômico, conjugado à expansão das estruturas de bem-estar, sob os ditames neoliberais o quadro se alterou. Na agenda de uma ‘nova geração’ de políticas para o mercado de trabalho, ganhou enorme importância a necessidade de mudanças estruturais _ apontando para iniciativas de flexibilização dos marcos regulatórios das relações de trabalho e dos sistemas públicos de emprego, tendo em vista a preservação dos empregos ameaçados pela introdução de novas tecnologias e novas formas de organização da produção (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 239). Nesta fase, o desenvolvimento da economia industrial orientou a conformação das relações de trabalho e criou novas demandas que foram traduzidas na criação de órgãos e programas encarregados de dar forma ao SPE. No caso do Brasil, o sistema de proteção do trabalhador foi se desenvolvendo junto com o processo de industrialização no país, que consolidou o trabalho assalariado urbano e gerou novas demandas sociais. Em 1940, a promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) representou uma importante referência na delimitação de direitos e proteções no mercado de trabalho. Além da legislação trabalhista havia a preocupação com a formação da mão-de-obra, composta em grande parte por imigrantes da agricultura para o trabalho urbano industrial, sendo fundamental o surgimento das instituições de formação profissional por iniciativa do setor privado e mediante o apoio do governo, com o chamado “sistema S”, inicialmente com o SENAI/SESI e o SENAC/SESC35. O surgimento das escolas técnicas também exerceu função importante na qualificação profissional, o que ainda se verifica hoje, junto com o sistema S. Até a década de 1960, a maior preocupação dessas instituições assentava-se na formação da mão-de-obra, uma vez que o período de crescimento econômico parecia ser suficiente para absorver o contingente de 35 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Social do Comércio (SESC). Além desses, hoje também fazem parte do Sistema S o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), o Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Ver: MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 100 trabalhadores atraídos pelo emprego urbano. Em 1966 foi criado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), visando funcionar como instrumento de proteção do trabalhador contra a demissão sem justa causa. O Sistema Nacional de Emprego (SINE) foi criado em 1975, seguindo orientação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de prestar assistência aos desempregados e promover a intermediação da mão-de-obra. O programa do Segurodesemprego, apesar de previsto desde a constituição de 1946, só foi criado em 1986 e regulamentado pela constituição de 1988, sendo viabilizado com a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em 1990, que garantiu parte dos seus recursos ao financiamento do Segurodesemprego e de outros programas de proteção ao trabalhador e de formação profissional. Desse modo, fica claro que o SPE no Brasil está montado na formação e intermediação da mão-de-obra e no seguro-desemprego. Contudo, até a década de 1970, o crescimento industrial e a intensa urbanização do país funcionaram como absorvedores de mão-de-obra, tornando menos evidente os problemas sociais gerados com o crescimento, inclusive a expansão da pobreza, da precarização e informalização do trabalho. Somente a partir da década de 1980, quando se instalou a crise econômica e social, foi que o SINE e o Seguro-desemprego passaram a ter outro significado para a política de emprego, o de assistir aos desempregados, evidenciando sua limitada capacidade de ação diante da conjuntura de crise com baixa geração de empregos. Apesar do SPE no Brasil ter sido montado a exemplo do modelo dos países desenvolvidos (seguro-desemprego, formação profissional e intermediação de mão-de-obra), aqui não foram somente os custos da proteção social que implicaram na limitação do modelo, mas a falta de compreensão e de alcance dos órgãos para com o complexo mercado de trabalho, marcado pela precarização e flexibilização do processo de trabalho. Na década de 1990, a orientação da política neoliberal e a globalização também provocaram reflexos sobre o SPE no Brasil. Ideologicamente construiu-se uma noção de autonomia dos sujeitos no mercado de trabalho e a política pública de emprego terminou por traduzir essa orientação no fortalecimento dos programas de qualificação profissional e nos programas de geração de emprego e renda. Conforme os autores: De toda maneira, o que se observou, nos anos 90, foi um novo enquadramento dos problemas referentes à geração de empregos no país, que veio acompanhado pela proliferação de um conjunto de programas voltados ao mercado de trabalho, importantes no que diz respeito à constituição de um sistema público de emprego, mas visivelmente A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 101 insuficientes vis-à-vis as necessidades da economia brasileira (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 249). Uma das principais frentes de ação do SPE nos anos 1990 foi a qualificação profissional, dadas as novas exigências de adaptação da força de trabalho às mudanças tecnológicas. Contudo, foi o Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR), criado em 1995, que estendeu essa preocupação desde a formação de trabalhadores para ocupações específicas até o treinamento daqueles considerados vulneráveis, desempregados e excluídos do mercado, para torná-los competitivos e recuperar a sua empregabilidade. O PLANFOR expressou com veemência os conceitos de qualificação e competência, presentes no projeto neoliberal que, sutilmente, povoou a nova mentalidade do mercado de trabalho servindo, ao menos, para aumentar os níveis de escolaridade, conforme insistem os mesmos autores: Ao longo da década, a exigência da educação formal tornou-se um dos principais fatores de seleção no mercado geral de trabalho. Porém, menos pelas competências requeridas pelo posto de trabalho a ser ocupado e mais pela maior disponibilidade de mão-de-obra com maior escolaridade e disposta a exercer uma ocupação menos qualificada e com rendimentos inferiores. Grande parte dos cursos de qualificação voltou-se para a tentativa de elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores, ou pelo menos alfabetizá-los _ tarefa importante como direito do cidadão, mas insuficiente para garantir maiores chances na competição por uma vaga no mercado de trabalho (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 259). Ainda na década de 1990, no âmbito do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), foram criados programas de concessão de financiamentos de pequenos empreendimentos no setor urbano e rural para estimular a geração de emprego e renda, o que se consubstanciou no Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER). Este programa contou com recursos do FAT e teve os projetos aprovados e acompanhados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Ainda segundo resolução do CODEFAT, em 1996 foi criado o Programa de Expansão e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO), visando também a criação de emprego e renda, mas com o financiamento de grandes projetos em transportes, saneamento e infraestrutura. Junto com o programa de qualificação profissional, o objetivo dos programas de geração de emprego e renda orientava-se em criar certa autonomia A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 102 empreendedora para os sujeitos no mercado de trabalho, como gestores de sua própria força de trabalho, reforçando o sentido individual/liberal já anteriormente aludido dos sujeitos, responsabilizando-os por sua condição de excluídos e estimulando-os, ainda, a criarem suas próprias condições pessoais de inclusão. Considerando a fase mais recente da política de formação profissional, o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), criado em 2003, traz também em suas diretrizes a preocupação com a inclusão cidadã, na medida em que estimula o ministrar de aulas contemplando as discussões sobre cidadania no conteúdo programático dos cursos de qualificação dos trabalhadores. Visto por este lado, tal abordagem reflete preocupação em aproximar-se das lacunas, limites e dificuldades das políticas de emprego e de inclusão social encaminhadas nos anos 2000, após o resultado sombrio de desmonte pela ideologia neoliberal na década anterior da sociabilidade criada pelo trabalho. Esta tônica dada à inclusão social cidadã já pelo PNQ, tem sido o principal desafio das políticas públicas de emprego e das políticas sociais na atualidade, uma vez que denuncia a placidez do Estado diante do crescer da pobreza e da exclusão social. A defesa pela preservação da cidadania, contemplada pelas políticas públicas, também representa forma de resistência aos interesses destruidores da expansão do capital e dos seus valores individualistas que têm minado as formas de solidariedade. Assim é que a política pública voltada para a geração de emprego, formação profissional e renda, hoje, também tem se orientado para o problema da exclusão social, procurando encontrar mecanismos que promovam a reinserção dos trabalhadores. 3. Políticas públicas, qualificação profissional e cidadania O aumento do desemprego e da pobreza nos anos de 1990, estimulado pelo teor conservador das políticas neoliberais em busca da estabilidade econômica, provocou mudanças necessárias na orientação e na ação da política pública de emprego. Esta, em alguns momentos, passou a confundir-se com as políticas sociais, na medida em que tem na assistência ao desempregado uma forma de amenizar a situação de privação social decorrente da ausência de trabalho. Até então, o Sistema Público de Emprego (SPE) se orientava para a formação e intermediação da mão-de-obra e o seguro-desemprego,36 sustentando-se na idéia de que o crescimento econômico seria suficiente para solucionar os desequilíbrios do mercado de trabalho. 36 Ver MORETTO, GIMENEZ e PRONI (2003). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 103 A passagem para os anos de 1990 idealiza um novo conceito de inclusão nos moldes liberais, atrelando a reinserção no mercado de trabalho à qualificação, competência e empreendedorismo, elementos que alteram significativamente a sociabilidade do trabalhador e o lugar do trabalho no processo produtivo. Desse modo, observa-se que a política neoliberal e as mudanças no mercado de trabalho, privilegiando a flexibilização, provocaram também a reorientação da política pública de emprego, da formação e gestão da mão-de-obra para a sua autonomização e assistência social aos excluídos. Contudo, essa reorientação deve-se à incapacidade do SPE atender a crescente oferta de trabalho frente a tendência relativamente decrescente de emprego, o que tornou cada vez mais complexo o mercado de trabalho com a precarização e a informalização das ocupações, resultado das estratégias de sobrevivência encontradas pelos excluídos e, por outro lado, das formas escusas de extrair mais-valia com que se aproveita o capital na conjuntura de fragilidade da condição do trabalhador na sociedade atual. A atuação do SPE37 no presente reflete muito mais o momento da desproteção do trabalho, ao contribuir com a adaptação da força de trabalho a concepção de autonomia e competência, consubstanciadas nos programas de qualificação profissional e geração de emprego e renda que, por si sós, não garantem a criação de empregos formais e de qualidade e nem a sustentabilidade da renda. Além do mais, o seguro-desemprego alinha-se a outros programas de assistência ao trabalhador desempregado configurando uma tendência que se orienta ao assistencialismo, garantindo renda e inclusão temporária. Para alguns autores38, a crise do desemprego altera profundamente a sociabilidade criada com o trabalho, tendo como principal consequência a desestruturação pessoal dos trabalhadores. Contudo, o crescente não acesso ao trabalho também pode significar uma oportunidade para que os sujeitos se encontrem e construam uma nova identidade, buscando novas formas de participação cidadã, desenvolvendo alternativas de ocupações produtivas e reafirmadoras do seu lugar social em torno do trabalho. Assim, paradoxalmente, apesar de caótico e impreciso, este seria um momento de reconstrução das sociabilidades e de busca de novas identidades. No entanto, a relação de forças que se estabelece entre os sujeitos nesse cenário de transformações é elemento determinante dos novos lugares, sob o risco dos indivíduos excluídos, fragilizados 37 Formado pelo Serviço Nacional de Emprego (SINE), Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), Seguro-desemprego e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outros. 38 Ver ORTEGA et al (2004), TELLES (2001) e NOGUEIRA (2005). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 104 politicamente, serem ideologicamente cooptados pelo comportamento individualista e produtivista dos princípios neoliberais que justificam a não absorção dos sujeitos no trabalho pela sua falta de competência. A política pública de emprego tenta promover inserção social orientada para o fortalecimento da competência dos sujeitos investindo em programas de qualificação profissional e em projetos de estímulo aos pequenos empreendedores, como parte da política de geração de emprego e renda, mas compactuado com os fundamentos individualistas do mercado. Deste modo, é possível perceber o aspecto contraditório deste programa, pois, ao mesmo tempo em que favorece a inserção social pelos moldes do mercado, também desestimula a participação dos sujeitos na construção de uma sociedade mais justa e solidária, dando uma orientação mais para a inserção social e menos para a integração social (ORTEGA et al., p. 249). Em decorrência do processo de flexibilização do trabalho e da perda de direitos sociais, torna-se nítida a mudança de posições e a desqualificação39 dos sujeitos. Assim, observa-se a dura e definitiva passagem: de empregado permanente a desempregado de longa duração; de uma identidade no trabalho à sua autonomização em decorrência das suas ocupações temporárias; da formação profissional, como ofício e história, para a rápida orientação profissional, dando sentido apenas ao conceito de ocupação; da determinação de um lugar social ao não lugar; de identidade e participação cidadã à busca da inclusão a qualquer custo, mesmo que seja a não participação, quando é o mercado que aparece como principal elemento na determinação dos lugares sociais. Com essa desqualificação permanente do trabalhador na sociedade atual, a ação do Estado corre o risco, assim, de concentrar-se na “gestão da exclusão”40 com as políticas públicas de inserção social localizando-se mais no campo da assistência, deixando de lado e até desviando a discussão a respeito do modelo de acumulação e da distribuição de renda desigual. O grande desafio da política pública de emprego é encontrar formas criativas de saída dos atendidos pelos programas de assistência, que promovam a criação de postos de trabalho de qualidade e permitam o resgate da participação dos sujeitos como cidadãos a partir da revitalização das identidades construídas pelo trabalho digno. Por outro lado, os sujeitos excluídos também precisam descobrir novos canais de sociabilidades que resgatem sua dignidade e identidade, desvinculando-se da ilusão de que o mercado é igual para todos e a desigualdade de 39 Sobre o processo de desqualificação social ver PAUGAM (2003). 40 Ver ORTEGA et al (2004). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 105 renda será minorada somente pelo crescimento econômico. É preciso enxergar que neste sistema a estratégia é tornar os sujeitos submissos e invisíveis, fazendo com que sua capacidade de ação seja minada e as forças hegemônicas possam operar livremente, capitulando de seu papel de sujeito “reagente” e propositivo em meio a todo este conjunto de ações imobilizadoras. Uma característica marcante da produção capitalista atual é produzir mercadoria com valorde-uso cada vez mais volátil e valor decrescente, um estímulo permanente ao consumismo para se recriar a necessidade de reprodução de mais mercadorias e, com isso, alimentar o processo de acumulação41. Com a mercadoria força de trabalho ocorre efeito semelhante, pois o trabalhador precisa estar renovando periodicamente o valor-de-uso de sua mercadoria para que ela seja vendável e mantenha o trabalhador incluído no mercado. Se a mercadoria força de trabalho não possuir valor-de-uso para o seu comprador, então será descartável, sem utilidade, sendo o trabalhador levado à zona da exclusão. Desse modo, a ideologia neoliberal e os programas de políticas públicas que estimulam a qualificação profissional parecem dar sentido ao novo caráter do mercado de trabalho incentivando, como referido anteriormente, o processo de empresarialização da força de trabalho e tornando o trabalhador um mercador ou empresário de sua própria força de trabalho, como bem expressa a citação: No hay que olvidar que muchas de estas mismas creencias, y otras parecidas, son las que se dirigen también a los trabajadores ocupados: hay que ser activo y creativo, no limitarse a esperar el salário a fin de mes, hay que tener visión estratégica, anticiparse a los câmbios, capacidad de adaptación; hay que demostrar proximidad psicológica, profesional, cognitiva, técnica, ética hacia la empresa. El nuevo protocolo empresarial es un arma contra cualquier viejo lema del pasado obrero: se recorta espacio al empleo garantizado y se impone la creatividad y las capacidades personales, que determinarán como los más aptos ocuparán los mejores puestos. (ORTEGA et al, 2004, p. 259). Por outro lado, o Estado também incorpora essa noção na medida em que orienta, qualifica e intermedia o trabalhador para o mercado de trabalho, privilegiando os comportamentos individualistas e o desenvolvimento das competências. Não se quer dizer com isso que a formação profissional como política pública não seja importante, mas que, aliado às ações dessa natureza, sejam dadas oportunidades para que os sujeitos tenham espaços para participarem ativamente 41 ANTUNES (2005). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 106 das transformações na sociedade e não sejam apenas receptores passivos e consentidores de sua própria submissão e do processo de acumulação. Para GOHN (2005), a preocupação da sociedade com o desemprego e a pobreza e as suas formas de enfrentamento está inserida no que denomina de novo “protagonismo da sociedade civil”, pauta permanente da questão social a partir dos anos de 1990. Neste cenário de mudanças, a participação cidadã é fundamental para tornar viva a voz dos desassistidos e dos excluídos pela força destruidora do processo de acumulação capitalista. Neste sentido, as reflexões da autora são bastante elucidativas: (...) o compromisso ético e a opção pelo desenvolvimento de propostas que tenham por base o protagonismo da sociedade civil exige uma clara vontade política das forças democráticas organizadas para a construção de uma nova sociedade e de um espaço público diferente do modelo neoliberal, construído em cima de exclusões e injustiças. É preciso que se respeitem os direitos de cidadania e se aumentem progressivamente os níveis de participação democrática de sua população. Esses níveis se expressam em espaços públicos, consolidados em instituições que dêem forma aos direitos humanos e ao exercício da participação cidadã, presentes nos conselhos, plenárias, fóruns e outras possíveis instituições a serem inventadas (GOHN, 2005, p. 113). Ao se abordar a questão da competência e da qualificação profissional como política pública de inserção, surge necessariamente o impasse de que essas ações possam limitar-se a reproduzir a lógica da política neoliberal presente na reforma do Estado nos anos de 1990, incompatível com o sentido de democracia, participação e cidadania42. Sendo assim, há o receio de que as ações de qualificação profissional possam tornar-se seletivas e minimalistas na medida em que privilegiem mais a dimensão das capacidades para o mercado e menos a participação cidadã. Talvez a maior limitação que se tenha verificado nas ações do SPE e das políticas sociais para atacar o problema do desemprego e da pobreza nos anos de 1990 seja o de ter considerado a desigualdade social uma decorrência do fraco crescimento econômico 43 . Essa compreensão estreita terminou por limitar as ações de políticas públicas em torno da dimensão do mercado sobre a oferta de trabalho, quando deveria voltar-se para o entendimento de que a demanda decrescente por trabalho é uma condição da reestruturação do sistema de produção. Como consequência dessa visão reducionista, as políticas públicas de emprego privilegiaram a formação 42 43 Ver DEMO (2003) e IVO (2006). Ver DINIZ (1998). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 107 profissional e a geração de emprego e renda focalizando a dimensão do mercado e deixando de lado a questão política fundamental que é a distribuição e redistribuição de renda, contribuindo para dificultar a participação e a cidadania daqueles que tem diminuídas as oportunidades de penetração na sociedade. Ao atuar sobre formas tradicionais de reinserção no mercado, estas políticas podem estar reproduzindo a idéia de que são as leis do mercado os únicos elementos necessários a inclusão, à determinação da participação e das identidades, a partir dos princípios do individualismo, da eficiência e do empreendedorismo, fazendo com que o Estado reproduza o conteúdo ideologizante do neoliberalismo. Tal conteúdo induz o Estado atuar para o mercado, dada a necessidade de produzir respostas à questão social. Contudo, a sua intervenção não garante, necessariamente, a participação cidadã dos sujeitos, muito menos se capitaneado pelos interesses individualistas do mercado. Assim, é possível observar ambiguidade na orientação das políticas públicas quanto ao enfrentamento da questão social uma vez que elas incentivam as formas de inserção social pelos critérios da qualificação, competência e empreendedorismo ao mesmo tempo em que considera possível a participação cidadã sob os símbolos do mercado. De acordo com as reflexões de Ivo: (...) podemos afirmar, de modo geral, a coexistência, na prática, de vários projetos e forças sociais diferentes e conflituosas no encaminhamento da questão da pobreza: aquela organizada em torno do mercado e a que autopotencializa o desenvolvimento cívico da sociedade civil, na afirmação do poder cidadão, de caráter emancipatório. O desdobramento dessas forças envolve, para as primeiras, uma estratégia de reduzir o Estado a gestor da assistência residual dos “inaptos”; e, no segundo, ao contrário, a busca de alternativas civilizatórias que impliquem mecanismos de segurança e de direitos para essas populações excluídas e submetidas a processos de empobrecimento e exclusão social e de responsabilidade pública do Estado e da sociedade (IVO, 2006, p. 82). De todo modo, é importante reconhecer o momento de construção de novas formas de se pensar as políticas públicas que sirvam de contraponto ao pensamento único neoliberal, ao mesmo tempo em que mais abertas às possibilidades de uma maior participação dos sujeitos. É exatamente e exclusivamente sua capacidade de se fazer presente e influenciar a sociedade que pode gestar o elemento novo para a elaboração de políticas que respeitem os sujeitos e a A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 108 realidade social e, o que é fundamental, tornem-se verdadeiramente efetivas na supressão do processo de privação social a que vêm sendo subordinados. 4. Considerações finais Quando nos propomos pensar a política de qualificação profissional, como parte da política pública de emprego no Brasil, não há como não mencioná-la no contexto das transformações recentes da sociedade e do mundo do trabalho, como consequência da reorientação do modelo de acumulação capitalista. A desregulamentação e a flexibilização do trabalho entre os anos 1980 e 1990, além de provocarem mudanças significativas nas sociabilidades, de um modo geral repercutiram na perda de direitos e lugares sociais, modificando as identidades e pulverizando suas dignidades. Por outro lado, representaram também novas mudanças na relação entre o Estado e a sociedade. Considerando que a sociedade brasileira sempre apresentou um desenvolvimento marcado pela desigualdade e pela carência de direitos sociais, as transformações na dimensão das relações do trabalho vieram aprofundar a situação de desemprego e pobreza, constituindo-se num entrave ao próprio desenvolvimento social. Por outro lado, a reforma do Estado nos anos de 1990, orientada pela ideologia neoliberal, serviu para “modernizar” o conteúdo da política pública de emprego e da política social, adaptando-as ao projeto macroeconômico de contenção e equilíbrio fiscal, de modo a ressaltar a noção de eficiência produtiva concomitante ao assistencialismo dos excluídos. A política pública de emprego, destacando-se os programas de qualificação profissional, são alvo de críticas por proporem, como parte de um mesmo processo político-pedagógico, a formação social e profissional, ao mesmo tempo em que visam a instrução técnica da mão-deobra, esta como um princípio da competência, atendendo as necessidades do setor produtivo e estimulando o individualismo e o empreendedorismo pessoal da força de trabalho. A visão tradicional sobre a inserção/(re)inserção social privilegia, sobretudo, a dimensão do mercado, como sendo um problema somente de adaptação da mão-de-obra, dando pouco realce para os efeitos subjetivos da perda de sociabilidade dos sujeitos por meio das mudanças em torno do trabalho humano. Ao propor a ativação dos sujeitos excluídos com ênfase nos critérios da qualificação enquanto instrução, da eficiência, o programa de qualificação profissional pode estar contribuindo A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 109 para renovar os princípios do individualismo e do empreendedorismo, colaborando para minar a solidariedade e a participação política que as relações coletivas gestadas no espaço do trabalho são capazes de proporcionar. Diante da fraca capacidade de criação de novos postos de trabalho, como característica do capitalismo contemporâneo, ao Estado é relegada a responsabilidade de dar respostas à crise do emprego e criar alternativas de inserção social, o que pode ocorrer em detrimento dos direitos sociais e da perda de qualidade dos mesmos. Com o avolumar de desinserções no trabalho, qualquer política social pode ressoar como uma alternativa de inclusão, mesmo que em alguns casos as ações visem apenas a aquisição de uma competência e a manutenção de uma renda mínima, impedindo uma ação mais voltada para a construção de uma participação e de uma ação cidadã, enquanto sujeitos conscientes e propositivos, e dificultando a participação efetiva dos sujeitos na construção das políticas públicas. Com isso, observa-se lentamente a corrupção de caráteres na construção das solidariedades e o consentimento da sociedade perante as novas formas de dominação do capital sobre o trabalho, disfarçadas no discurso da modernização e da flexibilização das relações de trabalho. O grande desafio das políticas públicas de inserção na sociedade atual é conseguir agir criativamente no desenvolvimento de atividades produtivas alternativas que valorizem o sujeito no mundo do trabalho e que sejam corajosas em não seguir os preceitos do projeto neoliberal, construindo espaços onde a discussão e a participação política responsável seja possível para os excluídos. É preciso resgatar a capacidade de contestação, de pensamento e de ação dos sujeitos e não entregar os espaços sociais a gestão dos interesses privados. 5. Referências bibliográficas ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo, Boitempo, 2005. CASTEL, Robert. As transformações da questão social. In: BELFIORE-WANDERLEY, M., BÓGUS, L. e YAZBEK, M. C. (Orgs.). Desigualdade e a questão social. São Paulo, EDUC, 1997. CHOMSKY, Noam. Democracia e mercados na nova ordem mundial. In: GENTILI, Pablo (Org.). Globalização excludente. Rio de Janeiro, Vozes, 1999. DAGNINO, Evelina. 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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 111 Teletrabalho a domicílio e as Transformações do Trabalho Márcia Regina Castro Barroso44 Este trabalho busca analisar o chamado teletrabalho, mas especificamente o que é exercido a domicílio. Inserido num contexto de reestruturação global da economia, e de flexibilização das relações de trabalho, iniciado na década de 1970 e intensificado após os anos 80/90, o teletrabalho apresenta-se como uma experiência emblemática de novas tendências numa sociedade em que se prioriza o conhecimento. Com o processo de reestruturação global da economia, principalmente a partir da década de 1980, novos padrões organizacionais e tecnológicos foram adotados pelas empresas. Conseqüentemente, novos elementos de organização social do trabalho foram introduzidos como a utilização da informatização produtiva e do sistema just-in-time (Antunes, 2006). Paulatinamente fortalece-se um modelo nas relações de produção, nas empresas de uma forma geral, orientado pela generalização do processo de terceirização, pela compressão dos níveis hierárquicos, pelo desenvolvimento de estratégias gerenciais com o intuito de efetivar uma mobilização permanente da força de trabalho, pela cooperação constrangida dos assalariados, pela administração por metas, bem como pela fragmentação da relação salarial (Braga, 2006:5). Neste sentido, já na década de 1990 percebemos o coroamento de um novo modelo produtivo representado pela empresa neoliberal. As empresas num processo de terceirização reorganizam grandes coletivos de trabalho e o espaço produtivo passa a ter uma concepção reestruturada (Alves e Antunes, 2004). A partir justamente dessas novas concepções organizacionais produtivas é que gostaríamos de inserir o desenvolvimento do chamado teletrabalho. Entretanto, ao selecionarmos como objeto de nossa pesquisa uma das modalidades do teletrabalho, que é a domiciliar, também entendemos que precisamos analisá-lo a partir do desenvolvimento do chamado “Trabalho a domicílio”. 44 Mestranda do Programa de pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense – PPGSD-UFF (Niterói-RJ) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 112 Teletrabalho: definição Mas o que é o teletrabalho? Como podemos conceituá-lo? Para o código de trabalho português, que possui uma legislação específica sobre o teletrabalho, considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.45 Sendo assim, o trabalho é realizado distante da sede da empresa, e as instruções geralmente são passadas via meios telemáticos.46 Destacamos aqui que o teletrabalho não se refere somente aquele que é exercido a domicílio. Ele pode se apresentar de diversas formas. Nele está subjacente a idéia de flexibilidade organizacional, produtiva e contratual. Dentre as suas modalidades podemos citar: teletrabalho no “domicílio” (desenvolvido “em” e a “partir” da casa do trabalhador); “móvel” (desenvolvido conforme a função que desempenha); “deslocalizado” (realizado para várias empresas estrangeiras); “telecentro” (funcionários da mesma ou de várias empresas ocupam um escritório alugado, distante da organização principal) (Araujo e Bento, 2002:17). Manuel Castells nos fornece também uma divisão do teletrabalho em três categorias: a) os substituidores, que são aqueles que substituem o serviço efetuado em um ambiente de trabalho tradicional pelo serviço feito em casa; b) os autônomos, trabalhando on-line de suas casas; c) e os complementadores, que trazem para casa trabalho complementar do escritório convencional (Castells, 1999). Nesta definição nós podemos perceber que ocorre uma ampliação dos tipos de profissionais que poderiam ser chamados de teletrabalhadores, pois ela inclui tanto os empregados (que são subordinados) quanto àqueles que exercem a sua atividade de forma autônoma. Embora sejam muitas as definições para o teletrabalho podemos perceber em todas elas a existência de três elementos principais: a) espaço físico localizado fora da empresa onde se realize a atividade profissional; b) utilização de novas tecnologias informáticas e de comunicação; c) e mudança na organização e realização do trabalho (Estrada, 2006:5). 45 46 Código do Trabalho Português, 2009. Disponível em: < http://www.legix.pt/docs/CT0915_Set_2009.pdf> , p. 76. A Telemática é entendida aqui como o conjunto de tecnologias de transmissão de dados resultante da junção entre os recursos das telecomunicações (telefonia, cabo, fibras ópticas, etc) e da informática (computadores, softwares e sistemas de redes), que possibilitou o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados, em curto prazo de tempo, entre usuários à distância. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 113 No Brasil várias empresas já utilizam essa modalidade de trabalho, onde podemos citar a Dell, a Xerox e a Shell dentre outras.47 Segundo um artigo do Jornal “Estadão”, estima-se que já somam no Brasil cerca de 10,6 milhões de teletrabalhadores (nas suas diversas modalidades).48 Dentre as categorias profissionais que exercem essa atividade podemos citar os profissionais de informática (digitadores, programadores, etc.), jornalistas, tradutores e os prestadores de serviços, principalmente os relacionados ao setor de vendas. Um exemplo da utilização do Teletrabalho dentro de uma estratégia empresarial nós podemos citar a Ticket, uma multinacional que está presente em 40 países e que no Brasil substituiu todos os seus escritórios de vendas por unidades de teletrabalho. Ao todo ela conta com 120 pessoas espalhadas em seus escritórios domiciliares nas principais capitais brasileiras. Entretanto, chamamos a atenção para a dificuldade de se obter estatísticas confiáveis sobre essa atividade laboral. Muitas vezes fica difícil saber os limites entre o “exagero” de quem (organizações empresarias, associações, revistas especializadas em administração e finanças) tem como objetivo a divulgação e a expansão dessa modalidade de trabalho e as informações que representam de fato a realidade. O acesso a esses trabalhadores também se torna dificultado devido ao caráter “deslocalizado” dessa atividade. E quando se trata do trabalho domiciliar essa dificuldade se torna ainda maior. Entretanto, os problemas apontados nos instigam para o aprofundamento do tema e para maiores indagações: onde estão esses trabalhadores? Quais as suas vivências? O que essa experiência pode nos fazer refletir sobre o mundo do trabalho? Este artigo tem como objetivo empreender uma análise teórica a respeito de alguns aspectos do teletrabalho a domicílio. Neste sentido, procuramos inserí-lo em dois processos sociais: de um lado, entendê-lo como pertencente a um processo histórico mais amplo a partir do conceito de “trabalho a domicílio”; e de outro, a partir do processo de reestruturação sócioeconômico-produtiva do capitalismo, com a introdução dos meios telemáticos à atividade laboral. O Trabalho domiciliar e o Teletrabalho As raízes do trabalho industrial a domicílio podem ser encontradas nos séculos XVI e XVII na Europa, onde esteve associado à emergência de uma economia doméstica. Pesquisadores da 47 48 Internet&Cia.Ver:http://www.fenacon.org.br/fenacon_informativos/jornalcom/jornalcomercio07082002a.htm O Estado de São Paulo – 01-06-2008. Disponível em: www.marketanalysis.com.br A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 114 área argumentam que este tipo de trabalho se desenvolveu a partir de uma forte ligação entre a vida familiar e a vida laboral (Abreu e Sorj, 1993:11). Com o advento da Revolução Industrial o trabalho a domicílio tornou-se uma parte do sistema fabril, como já comentava Marx no século XIX, falando sobre as transformações constantes pelas quais o sistema produtivo da sua época estava passando. Ele considerou, ao estudar a indústria têxtil inglesa, a produção a domicílio como uma seção externa da fábrica, da manufatura ou do estabelecimento comercial. Numa interessante comparação Marx fala que: “o Capital põe em movimento, por meio de fios invisíveis, um grande exército de trabalhadores a domicílio, espalhados nas grandes cidades e pelo interior do país.” (Marx, 2006:525). E ao aprofundar a discussão, comentou ainda sobre a diminuição da capacidade de resistência dos trabalhadores por conta do isolamento que acabavam sendo submetidos. Também um grande precursor dos estudos de Sociologia do Trabalho no Brasil, Evaristo de Moraes Filho, dedicou uma grande atenção para o tema. Preocupado com as questões relativas à proteção sócio-jurídica desses trabalhadores, este autor publicou uma interessante e aprofundada análise em 1943 intitulada: Trabalho a domicílio e contrato de trabalho, evidenciando a importância do tema para a sua época. Neste livro, Evaristo também confirma a posição de Marx afirmando que a indústria a domicílio é uma espécie de transbordamento da grande indústria fabril concentrada. Com um tom de denúncia, alerta para as desvantagens do trabalhador onde diz que o seu único benefício é o da relativa liberdade de que goza podendo trabalhar longe do controle direto do seu patrão. O empregador, por sua vez, se beneficia com a economia da despesa das instalações bem como tem a possibilidade de escapar da vigilância dos inspetores do trabalho a respeito das leis trabalhistas (Moraes, 1994:62-63). No Brasil, embora o trabalho a domicílio tenha se desenvolvido em vários setores produtivos, foi no setor manufatureiro que ele mais se destacou. E dentre as características que mais estiveram presentes neste tipo de atividade podemos comentar a expressiva presença do contingente feminino do trabalho a domicílio contemporâneo (Abreu e Sorj, 1993:13). Também esteve intimamente ligado ao processo de reconfiguração industrial, principalmente a partir dos anos 80, inserido em relações de subcontratação, podendo ter favorecido a ampliação de pequenas e microempresas (Ruas, 1993: 25). Entretanto, mesmo observando a presença de elementos comuns que nos permitem fazer uma comparação entre o chamado Trabalho a Domicílio e o Teletrabalho, precisamos ficar atentos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 115 para os aspectos singulares de cada atividade. Apesar da casa do teletrabalhador se apresentar como uma “seção externa da fábrica”, aproveitando a análise de Marx, essa atividade tem um elemento que aqui faz toda a diferença: a utilização dos chamados meios telemáticos. E a questão que podemos colocar é a seguinte: a transformação não se dá no sentido de se introduzir apenas as novas tecnologias em trabalhos que já poderíamos encontrar efetuados a domicílio desde o século XIX. Essa comparação deve ser melhor analisada, pois, por exemplo, a atividade exercida por uma costureira de uma facção é bem diferente daquela que é exercida por um analista de sistemas ao criar um software em sua casa. E a diferença não se encontra apenas no tipo de trabalho realizado, mas nas diferentes relações sociais presentes em cada atividade. A sociedade do final do século XX e início do século XXI tem outros elementos que precisam ser compreendidos para que possamos ter uma clara idéia das dinâmicas sociais presentes no chamado teletrabalho. Embora o tradicional trabalho a domicílio permaneça, devemos nos atentar para o fortalecimento de novos paradigmas organizacionais das empresas nas décadas recentes. A dinâmica produtiva agora é outra. O aumento da produtividade não é visado somente seguindo-se a cartilha do Taylorismo. Atualmente, o paradigma empresarial se dá em torno da capacidade que as empresas têm de administrar as informações em uma rede de empresas, que por sua vez, possuem conexões globais. Sendo assim, apesar do teletrabalho a domicílio ter as suas raízes históricas no chamado trabalho a domicílio, ele possui aspectos singulares, tanto na forma de realização das tarefas, quanto nas concepções organizacionais em que ele se insere. Paralelamente a esse processo econômico-organizacional, podemos também perceber mutações no âmbito sócio-cultural. A sociedade torna-se cada vez mais ágil, as instituições menos solidificadas e a organização do trabalho menos rígida. (Castel, 2006: 572). Nesta perspectiva podemos observar a sociedade moderna (particularmente no mundo Ocidental) tornando-se cada vez mais uma sociedade que se entende formada por indivíduos. Com o crescente processo de individualização e com as alterações na forma com que as pessoas se vêm dentro da sociedade, o controle social está ligado mais do que nunca ao autocontrole do indivíduo (Elias, 1994: 98). Os indivíduos têm que decidir muito mais por si, devendo ser (não como uma opção, mas como uma imposição social) mais autônomos (Elias, 1994:102). Sendo assim esse processo de individualização confere aos sujeitos uma imensa carga de responsabilidade por suas atividades, uma vez que os referenciais coletivos se encontram enfraquecidos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 116 Louis Dumont também comenta sobre o tema afirmando que o individualismo moderno apresenta o indivíduo como um ser moral, independente e autônomo e, portanto, não-social (Dumont, 2006:596). E esse sentimento compartilhado coletivamente de certa autonomia e de responsabilidade por nossos atos, favorece, por outro lado, à percepção da fragilidade de muitos pontos de referência, que poderiam nos trazer “certezas’. Para Bauman, no seu livro A Sociedade Individualizada, nos falta a perspectiva sobre o controle do nosso presente. Segundo o autor, cada vez menos temos a esperança de que coletivamente podemos realizar uma mudança nas regras do jogo. E diante de dificuldades sociais pensamos que tais problemas só podem ser enfrentados apenas por esforços individuais (Bauman, 2001:189). Nesse sentido, percebemos o teletrabalhador a domicílio inserido em concepções sociais que o percebem como um “empresário de si mesmo”, embora emblematicamente mantenha a condição de assalariamento e, portanto, de subordinação ao empregador. Sendo assim, podemos ainda acrescentar que o aprofundamento da temática, tanto do teletrabalho quanto a do Trabalho a domicílio como um todo, pode trazer importantes subsídios para a análise de noções como as de “compromisso” e de “controle” (Abreu e Sorj, 1993, p.16). A questão da subordinação do trabalho a distância e seus mecanismos de efetivação são elementos importantes para o entendimento de relações hierárquicas e de poder neste tipo de trabalho. O Teletrabalho e o “Novo Espírito do Capitalismo” Analisar o desenvolvimento do teletrabalho a domicílio é, sem dúvida alguma, pensá-lo inserido no processo de reestruturação do capitalismo no mundo contemporâneo. Os paradigmas de organização produtiva que vislumbravam um modelo de produção em massa, padronizada com base em linhas de montagem, instituída na grande empresa estruturada nos princípios de integração vertical, passa a ser substituído pelo paradigma do sistema produtivo flexível (Castells, 1999: 212). A grande empresa não deixou de existir, mas passou a controlar uma grande rede entre empresas organizadas em torno do processo produtivo. Sobre esse aspecto Castells nos dá uma interessante definição: “a ‘empresa horizontal’ é uma rede dinâmica e estrategicamente planejada de unidades autoprogramadas com base na descentralização, participação e coordenação.” (1999: 221). Nesse novo paradigma, grande tônica será dada na capacidade que as empresas têm de gerenciar as informações do processo A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 117 produtivo. E nesse aspecto, a transformação organizacional foi extraordinariamente intensificada pelas novas tecnologias de informação (Idem: 230). Nessa nova configuração capitalista os conceitos de “adaptação”, “mudança” e “flexibilidade” ganharam uma amplitude sem precedentes com as transformações constantes das novas tecnologias (Boltanski e Chiapello, 2009: 99). A partir de então o mundo do trabalho sofre uma intensa reorganização acarretando a articulação de serviços terceirizados, trabalhadores temporários, bem como a expansão de serviços provedores da informação e do suporte para aumentar a produtividade e a eficiência das empresas (Castells, 1999: 276). O discurso empresarial é enfático: os próprios trabalhadores devem ser organizados em pequenas equipes pluridisciplinares, onde podem se tornar mais competitivos, flexíveis, inventivos e autônomos. Sendo assim, as “equipes” de trabalho passam a ser percebidas por essa nova organização do trabalho como o lugar da autogestão e do autocontrole. (Boltanski e Chiapello, 2009: 103). Divulga-se, dessa forma, uma visão de auto-organização do trabalho em que o trabalhador adere espontaneamente ao projeto, sem que ninguém precise lhe dizer de forma detalhada o que tem que ser feito. Robert Castel (2006) também nos acrescenta quando diz que a segmentação dos empregos acarreta uma individualização dos comportamentos no trabalho completamente distinta das regulações coletivas da organização fordista. Cabe aos próprios indivíduos a definição da sua identidade profissional, e estes mesmos indivíduos precisam fazer-se reconhecidos através de uma mobilização tanto de um capital pessoal quanto de uma competência técnica geral. Entretanto, este processo de individualização pode ter efeitos diferenciados dependendo do grupo afetado. Para alguns trabalhadores essa dinâmica pode permitir que expressem melhor a sua identidade através do seu emprego, mas para outros, pode significar a fragmentação das tarefas, precariedade, isolamento e perda de proteções. Pensamos que essas reflexões teóricas nos auxiliam na compreensão das dinâmicas sociais presentes no teletrabalho a domicílio. As noções de “autonomia” e de “liberdade” estão presentes tanto nos discursos de quem procura divulgar essa atividade (seja por meio de revistas eletrônicas, associações e outras) quanto daqueles que exercem essa atividade laboral. Nos “discursos”, a ênfase é dada na possibilidade de se trabalhar num horário organizado pelo próprio trabalhador, sem que ele se submeta a um controle de chefia face a face, além de poder conjugar certos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 118 “mimos” cotidianos como almoçar em casa ou se livrar dos congestionamentos dos grandes centros urbanos. Entretanto, queremos destacar aqui que esse mesmo indivíduo, que é entregue a si próprio, à sua criatividade e à sua aplicação, pode ver seu espaço de residência e o seu tempo invadido pelo espaço (material e simbólico) de outras organizações. O teletrabalhador a domicílio é um trabalhador individual, mas ao mesmo tempo é também um trabalhador coletivo, pois seu trabalho está inserido numa grande rede de conexões globais. Sobre a questão da “liberdade”, precisamos também analisá-la de forma crítica, pois o tempo na verdade não foi libertado, mas foi sujeito a novos controles como no diz Sennett (1999: 68) ao se referir ao trabalho domiciliar: Na revolta contra a rotina, a aparência de nova liberdade é enganosa. O tempo nas instituições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de ferro do passado, mas sujeito a novos controles do alto para baixo. O tempo da flexibilidade é o tempo de um novo poder. A respeito do tempo de trabalho, podemos aqui colocar algumas questões. Como calcular o tempo que o trabalhador precisa para realizar uma determinada tarefa? Como saber se ele terá ou não condições de finalizar as suas atividades no prazo estipulado pelo “projeto”? Numa relação, muitas vezes denominada de confiança, o teletrabalhador adere espontaneamente aos objetivos propostos pelos organizadores dos “projetos” e cabe ele mesmo organizar o tempo do seu trabalho. Organização essa que pode acarretar a intensificação dos ritmos do seu trabalho, bem como a utilização dos finais de semana para a finalização das suas tarefas. Intensificação presente não só nos “ritmos” de trabalho, mas também na corrida frenética para alcançar maiores níveis de exigência de qualificação profissional. Sobre a questão do horário de trabalho do teletrabalhador a domicílio, embora este seja estabelecido da mesma forma que é o do trabalhador da sede da empresa, com a mesma jornada de trabalho49, muitas vezes, para se atingir as metas propostas, o teletrabalhador acaba por trabalhar muito mais horas semanais. Antecipando-se sobre futuros problemas jurídicos no que se refere ao pagamento de horas extras, o “capital” está tentando aprovar um projeto de lei, n.4505 49 Sobre os limites da jornada de trabalho ver: Ivan Alemão, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 170-173. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 119 de 2008, que visa à regulamentação do trabalho a distância, onde conceitua e disciplina as relações de teletrabalho.50 Dentre os artigos que são propostos, o que mais nos chamou a atenção foi o que se referia ao não pagamento de horas extras ao teletrabalhador.51 Argumenta-se que devido à dificuldade para o controle da “jornada aberta” do teletrabalho, o trabalhador deveria ajustar a execução das tarefas às horas normais de trabalho. Sendo assim, o teletrabalhador tem que intensificar o seu ritmo de trabalho para poder dar conta de todas as suas atividades. Esse projeto de lei sobre o teletrabalho nos faz lembrar o processo de alterações do artigo 62 da CLT na década de 90. Dentre as alterações, podemos citar também o não pagamento de horas extras à cargos de gerência, tidos como de confiança e exercentes de cargos de gestão, o que proporcionou um aumento significativo dos gerentes em vários postos de trabalho. Podemos assim atualmente encontrar gerentes de todos os tipos e para todas as funções. Ainda sobre a questão da jornada de trabalho e das horas extras, no teletrabalho tais conceitos ficam “embaralhados” e confusos. Apesar de todo o discurso de liberdade e de autonomia, na prática, trabalha-se muito mais, tanto no total de horas trabalhadas quanto da intensificação dos ritmos de trabalho. Considerações finais Procuramos nesse artigo compreender algumas especificidades do novo tipo de capitalismo contemporâneo que permitiu o desenvolvimento do teletrabalho a domicílio. Embora trabalhar em casa possa ser o sonho de muitas pessoas, tentamos neste artigo compreender os mecanismos sociais que permeiam essa atividade e compreendê-la para além da utopia. As noções de autonomia, liberdade e de autocontrole devem ser olhadas de forma crítica, pois não podemos nos esquecer das fontes pelas quais o capitalismo se nutre: do trabalho humano. Dessa forma, a subsunção ao capital, no caso do teletrabalho, ainda está presente. Entretanto, nessas linhas finais queremos também colocar alguns questionamentos que podem nos instigar a futuras reflexões. Embora o teletrabalho a domicílio possa representar um “tipo ideal” para a empresa neoliberal (com trabalhadores subordinados, auto-motivados e 50 No dia 19-05-2010 o projeto de lei teve seu parecer aprovado pela Comissão de Trabalho, de administração e Serviço Público (CTASP) e agora aguarda a realização de uma audiência. Ver:http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=420890 51 Artigo sétimo, parágrafo único. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 120 segmentados), poderia ao mesmo tempo nos fazer ver o reverso da moeda. Se as redes telemáticas são os principais instrumentos para a execução do trabalho, não poderiam também se tornar em poderosos instrumentos de organização coletiva? Poderiam os sindicatos criar novos dispositivos para facilitar o engajamento dos trabalhadores de forma on-line? Um interessante exemplo é o caso do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações do Rio de Janeiro (o Sinttel-RJ), que apesar de não ser o órgão representativo dos teletrabalhadores, representa profissionais que também possuem as suas atividades intimamente ligadas aos meios telemáticos. Recentemente estão investindo nos meios de multimídia para a divulgação de materiais e informações sindicais. Além da formação da TV Sinttel, que está em fase de montagem, estão também presentes nas recentes mídias sociais. Hoje, qualquer trabalhador pode acessar o sindicato pelo Twiter, Blog, Orkut, Facebook, podendo estabelecer contato com outros trabalhadores. Sendo assim, esses trabalhadores podem estabelecer entre si novas formas de comunicação e novos laços de solidariedade. Dentre os inúmeros desafios para a organização sindical, esse é mais um para a organização política dos trabalhadores. Referências bibliográficas ABREU, Alice R. P. e SORJ, Bila. “Trabalho a domicílio nas sociedades contemporâneas – uma revisão da literatura recente”. In: O Trabalho Invisível- estudos sobre os trabalhadores a domicílio no Brasil., Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1993. ALEMÃO, Ivan. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. ALVES, Giovanni e ANTUNES, Ricardo. “As mutações no mundo do trabalho: heterogeneidade, fragmentação e complexificação”. In: Educação & Sociedade. 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No Brasil, por meio das políticas públicas, principalmente advindas da Constituição Federal de 1988, ele vem ganhando voz, ainda pelos outros e sendo constantemente encaminhado ao mundo do trabalho pela formação e qualificação profissional para exercer atividade remunerada. Para isto, precisa passar pelas políticas de inclusão e as oficinas protegidas no interior das escolas especiais, principalmente quando nos referimos ao deficiente intelectual. O tema a ser desenvolvido no presente artigo é uma análise sociológica mediante revisão de literatura dos caminhos da formação e qualificação profissional no Brasil, e o estudo das políticas públicas da década de 1990 destacando o sujeito deficiente jovem, nesse processo. A justificativa para a escolha do tema refere-se a grande complexidade que a temática da formação e qualificação profissional apresenta para a sociologia do trabalho, integrando contextualmente as discussões da reestruturação produtiva, da flexibilização, das novas exigências para os postos de trabalho pela formação incipiente e pela necessidade de qualificação profissional. O objetivo é o de analisar por meio de revisão de bibliografia a visão de alguns autores latinos americanos e brasileiros da sociologia do trabalho e alguns documentos desenvolvidos 52 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em Organização do Trabalho Pedagógico pela UFPR, Cientista Social pela mesma instituição e Pedagoga pela PUCPR. Atualmente é integrante do grupo de trabalho GETS. Desenvolve pesquisa na área de trabalho e a inserção do deficiente jovem, em Curitiba. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 123 pelos legisladores, o discurso das políticas públicas brasileiras, para perceber os enfoques dados à formação e qualificação profissional. Separo os termos formação, qualificação profissional e capacitação, nos textos Latino Americanos, por não entender tais termos como sinônimos, como em alguns casos que aparecem nos textos, mas sim como complementares, pois podemos formar, por um sistema de ensino, num processo mais longo e qualificar ao longo da vida profissional os sujeitos- atores, por meio de cursos de curta duração e uma formação continuada para o mundo do trabalho. 2. Caminhos da formação e Qualificação Profissional: Políticas Públicas Brasileiras A formação53 e qualificação profissional54 apresentam-se no conjunto, como uma temática em voga na sociologia do trabalho, que ganhou nova preocupação e importância devido à crise do paradigma fordista-taylorista. A emergência da produção flexível, expressa-se também nas políticas públicas da década de 1990, devido às novas exigências ligadas às questões sociais e do mundo do trabalho. Para Carrilo e Iranzo, a preocupação com a qualificação profissional do trabalho já estava presente nos clássicos da sociologia, num sentido de formação integral, de valor determinante da aprendizagem, de trabalho fragmentado, parcial e artesanal, em Marx, por exemplo. Pensando o mundo do trabalho para além das mudanças tecnológicas, as formas de contratação também tem se alterado com a reduzida oferta de postos de trabalho. Há uma maior exigência de qualificação profissional, mesmo para postos com baixa remuneração que, juntamente com o que foi apontado, resulta em ampliação da desigualdade social e da insegurança quanto ao trabalho. A qualificação profissional, historicamente no Brasil, a partir da década de 1940 foi ofertada como parceria paga pelos investimentos públicos entre o sistema de ensino e Sistema S (SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o SESIServiço Social da Indústria, o SESC – Serviço Social do Comércio), que correspondia a serviços de 53 Segundo Cattani (2002, p. 128), “a formação profissional, na sua acepção mais ampla, designa todos os processos educativos que permitam, ao indivíduo, adquirir e desenvolver conhecimentos teóricos, técnicos e operacionais relacionados à produção de bens e serviços, quer esses processos sejam desenvolvidos nas escolas ou nas empresas”. 54 Conforme Laranjeira in Cattani (2002, p. 258), “um dos aspectos básicos relacionados à questão da qualificação é a sua relação com as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho. A emergência de um novo paradigma de produção baseado na utilização de novas tecnologias”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 124 formação e qualificação para a obtenção de um ofício necessário para a época e que foram se estruturando com relação ao mercado. Segundo Costa (2006, p. 137) “podemos falar de três momentos na qualificação profissional no Brasil: o primeiro, até os anos 50, associado ao período de aceleração da industrialização, em decorrência do processo de substituição das importações; o segundo, nos anos 70, com a educação tecnicista, associada ao “milagre econômico”; a terceira, nos anos 90, como resposta às exigências da inserção na economia global”. Neste sentido, estas três fases de qualificação profissional estavam intrinsecamente ligadas muito mais a questões econômicas e de mercado, do que as relações sociais. O sistema S representa sem dúvida, um momento significativo de qualificação profissional, se mantendo nas demais décadas ainda como uma referência. A década de 1970 representada pelo modelo tecnicista de uma formação aligeirada para o trabalho, foi sendo substituído pelas novas modalidades de qualificação expressas pelas políticas governamentais da década de 1990, em meio à globalização e reestruturação produtiva que exigiu muito mais “flexilidade” do trabalhador, agora para além dos direitos do trabalho formal. Na década de 1990 ocorreu uma fase de “estrangulamento” (Costa, 2006) da força de trabalho, devido ao seu baixo nível de escolarização numa média de cinco anos e meio, com grande número de jovens egressos do sistema escolar que não estavam preparados para enfrentar as exigências do mercado de trabalho, grande contingente da população desatualizada para as novas tecnologias e a pouco eficiência do sistema de formação profissional. A qualificação profissional no início de década de 1990, não contava com uma política pública de formação e de combate ao desemprego. Num mundo do trabalho afetado pela globalização, pelo aumento da precarização e flexibilização das relações trabalhistas a crise social só se aprofundou contra os trabalhadores tratados como iguais em termos legais e pouco visualizados em suas diferenças. Para Oliveira (2006) na década de 1990 ocorreu uma nova discussão quanto à qualificação profissional, tendo como pano de fundo a globalização, o esgotamento do fordismo, o fenômeno de reestruturação produtiva, as políticas de liberação do mercado, seguidas de privatizações de empresas estatais, da abertura do sistema financeiro, de políticas macroeconômicas e de controle inflacionário. O Brasil nesse contexto, foi introduzido no “paradigma da globalização” a partir do governo de Fernando Collor de Melo. Na mesma década, o desemprego e a precarização do A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 125 trabalho converteram-se em graves problemas sociais, como um “fenômeno de massa”. As políticas públicas, por sua vez, de modo contraditório, de um lado defendiam possibilidades derivadas da Constituição Federal e de outro, adotaram determinações liberalizantes. É importante destacar que o contexto social mostrou-se contraditório, devido ao claro esforço do Estado em desresponsabilizar-se com as políticas sociais e estimular um movimento difuso e desarticulado da sociedade civil, visando à ampliação da participação e gestão de políticas públicas para a qualificação profissional. Neste sentido, em 1995 foi criado pelo Ministério do Trabalho o Plano Nacional de Educação Profissional (PLANFOR), passando a vigorar até 2002. Resultou em um plano de transferência de políticas públicas para o privado, aplicando os princípios liberais, concebido a partir de três ideias-força: noção de competência, de empregabilidade e parceria. O PLANFOR instituído no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) pretendeu criar uma nova institucionalidade para a área de qualificação profissional, com a ideia de se ter “cidadãos produtivos” (Costa, 2006), que deveriam individualmente investir na qualificação profissional, sendo culpabilizados pela situação de desemprego. Para Oliveira (2006), o problema do emprego/ desemprego foi formulado como sendo de natureza técnico-administrativa, cabendo ao trabalhador individualmente se requalificar profissionalmente, conforme as exigências do mercado para se tornar “empregável”, noções gestadas no momento em que o desemprego tornou-se drama social. A concepção ganhou concretude “institucional, organizacional e operacional” por meio da ideia de parceria, apontando para um campo de privatizações e descentralização dos serviços sociais como da educação, saúde, cultura e pesquisa científica. A noção de competência se constituiu como um elemento de referência no PLANFOR imprimindo o trabalhador na qualificação profissional a necessidade de saber “fazer” (preocupação do paradigma fordista de qualificação), do saber “ser” e do saber “aprender”. Associado ao conceito de competência estava o discurso de empregabilidade, principalmente no primeiro mandato do governo FHC, entendido como um conjunto de conhecimentos, de habilidades, de comportamentos e de relações que deveriam tornar o profissional necessário para qualquer organização. Segundo Prestes (2006), a qualificação profissional no PLANFOR aliava a educação a uma política de trabalho e renda. Pretendia envolver os interesses da empresa, do trabalhador e de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 126 toda a sociedade. O programa foi alvo de frequentes críticas que alegavam que a qualificação oferecida era ineficaz, por não formar o trabalhador como um sujeito capaz de refletir o processo produtivo e nem para o mercado, apenas criando expectativas inquietantes nos mesmos. Tinha como clientela a população excluída do mundo do trabalho que se “movia” na economia informal e necessitavam de qualificação também com vistas à certificação. O problema é que a qualificação oferecida conduzia a ocupações tradicionais que exigiam pouca escolaridade ou para o mercado informal, isto é, não integrando o trabalhador no mundo do trabalho, gerando expectativas e o culpabilizando. A avaliação das políticas públicas de trabalho e renda não deveria servir como mera resposta burocrática de eficiência e de eficácia, mas como instrumento de reflexão, impulsionando transformações reais no processo de vida do trabalhador pela qualificação. Para Oliveira (2006) a discussão pública ganhou novos contornos com a instituição do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) em 2003, em substituição ao PLANFOR. Deu novos rumos a qualificação profissional como um conceito social, questionou a noção de empregabilidade e buscou centralizar o entendimento da política pública na perspectiva de direitos sociais e integração. O PNQ baseia-se na qualificação profissional integrada ao conjunto das políticas públicas, numa linha de fronteira entre o trabalho e a educação, articulando-se o “Projeto de Desenvolvimento de caráter includente, voltado à geração de trabalho, à distribuição de renda e à redução das desigualdades regionais” (COSTA, 2006, p. 141). Neste sentido, a qualificação profissional passa a ser tratada como um direito do trabalhador de fato, que pode ser reformulada conforme as necessidades do contexto, sendo um dos grandes desafios dos espaços públicos, da gestão participativa e do controle social (OLIVEIRA, 2005). Para Oliveira (2005), o Estado passou a ter a tarefa de implementar ações no sentido de monitorar os problemas sociais causados pelo desemprego, criando formas de estimular e de complementar a atuação do mercado para a geração de trabalho, emprego e renda; reforçando a necessidade da constituição de um sistema público de emprego integrado as políticas de desenvolvimento econômico e social e trazendo a tona os debates de democratização das relações trabalhistas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 127 Na dimensão de política pública que envolve investimento educativo, a “qualificação social e profissional” (Oliveira, 2005), deveria tanto envolver um caráter formativo, como de certificação e de orientação profissional, como garantia de acesso e permanência do trabalhador no mundo do trabalho. Mais especificamente quanto à educação, a formação profissional, Pochmann (2001) cita que existe uma inadequação entre a mesma e o “aparelho produtivo”. As circunstâncias que estão imersas a educação profissional para a realização da qualificação, retratam um momento de transição para a nova forma de economia produtiva, que aponta para uma constante formação continuada, para a transferência tecnológica, numa multiplicidade de oferta de programas de qualificação. O compromisso da educação / formação profissional seria o de preparar o trabalhador ao longo de sua vida para estar ativo no mundo do trabalho, mais do que especificamente para uma qualificação em uma função específica para durar por toda a vida. Para Pochmann (2001), uma renovação da formação profissional dos trabalhadores deveria integrar a formação aos desafios recentes da economia brasileira, com o estabelecimento de metas de efetividade, de eficácia e eficiência para os programas de qualificação profissional. Deveria também envolver os setores governamental, empresarial e de trabalhadores como forma de “desenhar” uma nova formação, culminando numa melhor transição do sistema educacional para o setor produtivo, articulando também ações públicas para o mundo do trabalho e desenvolvimentos econômico. Gallart (2001) considera que a concepção de formação para o trabalho passou a identificarse com a formação profissional. Estudando a América Latina e a formação dos jovens, identifica que a dinâmica dos programas de formação mostram uma tensão entre a demanda social por capacitação, qualificação por parte dos jovens e a demanda por capacitação por parte das empresas, com distinta amplitude, centradas na mesma especialidade: a qualificação profissional. A educação recebida conforme a autora, influencia a entrada no mundo do trabalho. A idade, o nível socioeconômico e o gênero também são marcas de diferença na inserção laboral. Os jovens com maiores níveis de instrução também encontram dificuldade de conseguir espaço no mercado. Afirmando a dinâmica do contexto do mundo do trabalho moderno, a educação profissional tem se distanciado dessa realidade por sua falta de relevância dos seus programas que não correspondem as expectativas do mundo do trabalho e até mesmo dos jovens. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 128 Principalmente o jovem das camadas populares, que vivem em uma situação de pobreza na América Latina tem desempenhado um tipo de trabalho mais precarizado, em ocupações não qualificadas e de baixos salários. As políticas de formação profissional, segundo Gallart (2001) estão tencionadas entre as demandas por capacitação e pelas demandas das empresas que almejam pessoal qualificado. A maioria dos programas parte da premissa de que os jovens necessitam de formação específica para o trabalho. Essa formação profissional também deveria integrar alguns aspectos básicos de leitura, de escrita e de raciocínio lógico matemático, com períodos maiores de formação. Essa preocupação esboça a mudança que se espera nos programas dos cursos, que devem ser de maior duração. Deve-se também oferecer possibilidade de prática profissional atrelada ao mundo do trabalho aos jovens. Nos países em desenvolvimento se assinala a importância dada ao Estado no tocante aos problemas de qualificação profissional. O desafio das políticas de formação profissional são de manter uma continuidade e flexibilidade, por se tratar de um processo contínuo de aprendizado social e de aproveitamento das experiências acumuladas. Os aspectos que também são cruciais para as políticas de formação profissional para Gallart (2001) são: a institucionalização dos programas, a atualização dos currículos, o perfil dos formadores para os jovens, a articulação com as empresas, a necessidade de incorporar as tecnologias modernas, as experiências prévias de alguns trabalhadores e a diversidade do contexto social inseparável do mundo do trabalho. E o jovem deficiente, como é visto nas políticas públicas de formação e qualificação profissional no Brasil? 3. Como Ser Jovem, Trabalhador e Sujeito Deficiente no Brasil – Formação e Qualificação Profissional Ao falarmos em sujeitos jovens e deficientes devemos ter em mente que a deficiência aparece como “uma marca” social de anormalidade (Cerignoni e Rodrigues, 2005), por parte da sociedade que segrega, exclui aqueles que fogem às expectativas de normalidade. No Brasil no Censo de 2000, são identificados “cerca de 25 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que corresponde a nada menos de 14,5% da população” (CERIGNONI e RODRIGUES, 2005, p.6), representando um grande contingente populacional a ser pensado e integrado pelas políticas públicas de trabalho e renda do mundo moderno. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 129 No plano legal, a pessoa, o sujeito com deficiência aparece mais integralmente na Constituição Federal de 1988, estando sempre presente e ao mesmo tempo silenciado nas constituições anteriores, mesmo que nas entrelinhas, como aquele que representa uma anormalidade, uma excepcionalidade social na visão dos outros. Neste sentido, a educação profissional, conforme Pereira e Tibola (2005), ao citarem artigo 28 e § 1º do Decreto n° 3298/99, mais especificamente para a formação profissional dos deficientes, destacam que em termos legais, “deverá ser oferecida nos níveis básico, técnico e tecnológico, em escola regular, em instituições especializadas e nos ambientes de trabalhos”. Ainda no mesmo artigo, ressaltam que as escolas de formação profissional deve oferecer aos deficientes, se necessário, serviço de apoio especializado de acordo com as peculiaridades da deficiência. Em cursos de nível básico as matrículas devem ser condicionadas a capacidade de aproveitamento do sujeito e não ao seu nível de escolaridade. No Paraná, a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, realizou uma síntese das principais leis que regem a dinâmica das políticas públicas para a deficiência para o ingresso no mundo do trabalho e não apenas para o mercado como indicação direta do documento. Cita a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para afirmar que o trabalho e a pessoa com deficiência integram uma das principais preocupações sociais. Segundo o artigo 3º do Decreto n° 914/93 a pessoa com deficiência é “aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que geram incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (...) excluem-se desta consideração pessoas com pequenas limitações físicas ou sensoriais, assim como: falta de um dedo, pequenas dificuldades ortopédicas, uso de óculos, entre outros”. O termo legal caracteriza quem é considerado deficiente ainda segundo um padrão de normalidade. Retomando a Constituição Federal de 1988, no artigo 227 é apresentada legalmente a necessidade de se criarem programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas com deficiência, mediante integração social do adolescente por meio de treinamento para o trabalho. Também é de responsabilidade do Poder Público o “surgimento e a manutenção de empregos”, inclusive de tempo parcial, para as pessoas com deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns, tanto no setor público como no privado. São utilizadas as denominações A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 130 capacitação profissional e a educação para o trabalho ao deficiente, para designar a formação e qualificação profissional. Chama a atenção nesses documentos o objetivo básico de “sucesso laboral”, que foi “retirado” do contexto das políticas públicas liberalizantes da década de 1990 no século XX, associada a um nomenclatura internacional de capacitação para o labor. Bartalotti (2006), expressa essa preocupação de integração social do sujeito deficiente pela inclusão social das diferenças significativas, não apenas do deficiente, mas do precarizado, do marginalizado, dentre outros. Para ela, a partir do século XX a deficiência passou a ser classificada, diagnostica e sendo aplicada tratamentos especializados. Não negando as causas orgânicas existem também os fatores psicossociais, que deixam de considerar a deficiência apenas como uma doença, passando a ser vista como uma condição do sujeito, sendo necessárias medidas sociais, educacionais, de formação profissional e de políticas públicas para se falar de seu desenvolvimento. Voltando ao nosso objetivo da análise da qualificação profissional Araújo (2006) afirma que em especial o “deficiente mental”, intelectual com a nova nomenclatura, necessita de auxílio na transição da escola especial para o trabalho, e necessita de “colocação, manutenção” numa ocupação remunerada no mundo do trabalho. Acrescenta que apesar da existência da política inclusiva em vigor, a maior parte das oportunidades de formação para o trabalho do deficiente ocorre no interior das escolas especiais nas oficinas profissionais, com o intuito de prepará-lo para exercer um trabalho produtivo em ambiente protegido. Outro quadro apresentado é que muitos deficientes acabam por abandonar as escolas com o intuito de ingressar no mercado de trabalho formal ou informal, necessitando de apoio profissional e de qualificação profissional adequada para serem encaminhados e encontrarem uma colocação no mundo do trabalho que lhe seja digna. Marquezan (2009) traz uma grande contribuição da temática da deficiência pela análise do discurso da legislação, que no caso brasileiro, traz em seu bojo, uma grande quantidade de documentos, de textos que tentam expressar-se pelo sujeito, “produzindo uma interdição de sua possibilidade de significar” (MARQUEZAN, 2009, p. 114). Em termos legais, pela análise do discurso produzida pelo autor, a sociedade produz um discurso sobre o sujeito deficiente que não passou por ele, mas que retorna sobre ele. Esse discurso é formulado na base da representação social da deficiência por meio de um percurso A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 131 histórico de via marginal, que evidencia que o sujeito nunca se enquadra em nenhum modelo de homem que as culturas estabeleceram no seu desenvolvimento histórico. O discurso legal sobre o sujeito deficiente autoriza os outros, no caso o Estado, os profissionais, a significar por ele. Diz também quem é o deficiente, o que deve ser feito, como deve ser feito e quem deve fazer. O deficiente deve assumir a função social como sujeito-autor, capaz de organizar, de se responsabilizar por uma determinada produção, se inserir no mundo do trabalho. Para Marquezan (2009) a lei, o preceito legal e principalmente a classificação do sujeito deficiente representa, significa, mas pode também torná-lo transparente. Por exemplo, na Constituição Federal de 1988, a nomeação de “pessoa portadora de deficiência” ao mesmo tempo que demonstra um caráter humano, a palavra portadora exprime uma linguagem médico-sanitarista, num histórico de doença, com o discurso legal conduzindo, mantendo a exclusão do sujeito pela sociedade. A designação sujeito deficiente no discurso da legislação varia com freqüência: anormal, excepcional, com deficiência, portador de deficiência, com necessidades especiais, com necessidades educacionais especiais, podendo aludir a pessoas, crianças, aprendizes, educandos, alunos, sujeitos, indivíduos, portadores. (...) As mudanças freqüentes na forma de designar o sujeito deficiente pode constituir uma tentativa de impedir, pelo silenciamento, a produção de sentidos. (MARQUEZAN, 2009, p. 142) Com isso, é possível analisar como a preferência da determinação legal se afasta de uma “consciência social” e que os discursos produzidos estão ligados intrinsecamente aos sentidos da história, da economia e do mundo das relações de trabalho. A formação e qualificação profissional para o sujeito deficiente, no nosso caso o jovem, no discurso legal, retrata ainda os princípios liberais do capitalismo que em parte organizaram a sociedade brasileira e ainda a influenciam. Ao oportunizar a educação pela formação e qualificação profissional como uma forma de habilitação, de capacitação para o trabalho e convívio social, ainda estamos distantes de uma realidade integradora, inclusiva para o trabalhador deficiente no mundo do trabalho moderno. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 132 4. Os Caminhos Metodológicos da Pesquisa Pensando a discussão sociológica das novas exigências do mercado de trabalho pela reestruturação produtiva, do processo de qualificação profissional e do debate público e legal das condições de inserção do trabalhador, a pesquisa visa analisar sociologicamente a categoria deficiente intelectual jovem mediante sua integração no mercado de trabalho, pelo caminho da formação profissional. A inserção do deficiente no mercado de trabalho ainda é um tema pouco visualizado na sociologia, por isso a pesquisa pretende analisar o lugar que o deficiente jovem ocupa na sociedade contemporânea, mais especificamente nas discussões de mercado de trabalho, juntamente como as noções de qualificação, de competência e desempenho profissional. Os caminhos a serem seguidos pela pesquisa, inicialmente serão de revisão bibliográfica a ser intensificada pela busca de teses e dissertações sobre a temática da inserção do deficiente no mercado de trabalho, em áreas das ciências humanas e sociais, como da própria sociologia, da antropologia, da história, do direito, da educação e da economia. Esses resultados elucidarão quais a áreas que mais têm desenvolvido pesquisas referentes à temática e como a categoria deficiente tem sido apresentada. Posteriormente pretende-se buscar dados do Ministério do Trabalho e Emprego e da Educação quanto à inserção do deficiente no mercado de trabalho. Para a pesquisa serão escolhidos os deficientes mentais, intelectuais leves, por ter como hipótese que se constitui em um grupo mais fragilizado quanto à formação profissional e a inserção no mercado de trabalho. Além disso, Curitiba tem apenas três escolas municipais especiais para a formação desses indivíduos. Outro caminho da pesquisa é o de realizar uma pesquisa documental e entrevistas tanto da Secretaria Municipal de Educação e do Trabalho e Emprego, analisando o material utilizado pelos gestores e o discurso dos principais indivíduos envolvidos tanto na formação e na inserção no mercado de trabalho dos deficientes jovens, entendidos como uma categoria sociológica. A pesquisa visa também um construtor conceitual quanto novas possibilidades de interpretação sociológica da temática, que perpassará pela análise das políticas públicas de trabalho e emprego para o jovem deficiente, que visam sua integração, a inclusão no mercado de trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 133 A pesquisa qualitativa representa o caminho escolhido para corresponder melhor às expectativas da pesquisa. Ela não determinará um método, em detrimento de outros, não desconsiderá a pesquisa quantitativa e não se opõe a este como algumas abordagens metodológicas entendem. Nas palavras de Tremblay (2008), a pesquisa qualitativa possui um teor diversificado e de natureza integrativa, superando a simples explicação, podendo também complementar certas abordagens pela sua complexidade. A pesquisa qualitativa incorpora uma forma de produzir conhecimento científico. O processo do conhecimento científico é, hoje, mais complexo do que outrora. Ele se organiza segundo abordagens teóricas e normas de observação que permitem apreender as relações entre as variáveis, ou ainda constatar o valor preponderante de uma delas quanto a uma realidade dada, já que se trata de isolar as significações concernentes aos conjuntos de elementos em sua inter-relações, a fim de melhor apreender as motivações, expectativas e intenções dos atores, e de reconhecer a influência neles exercida por diferentes contextos particulares. (TREMBLAY, 2008, p. 28) A pesquisa qualitativa como propulsora de conhecimento científico também justificasse nas palavras de Flick (2004), por pressupor uma forma diferente da pesquisa geral, ultrapassando os modelos clássicos de entrevistas e questionários, mas contando com esses instrumentos. Nos caminhos de Minayo (2002), ela abrange a compreensão específica entre o assunto e o método, com uma interdependência mútua entre as partes isoladas do processo, com a complexidade e incluindo o contexto. Pela riqueza da pesquisa qualitativa, um método pode ser interligado ou complementado a outro como forma de apresentar e possibilitar uma análise mais profunda do objeto. O terceiro passo da pesquisa será do conhecimento das instituições escolares formadoras dos deficientes para a inserção profissional no mercado de trabalho. Em Curitiba existem três escolas especiais municipais que formam profissionais especiais, isto é, deficientes intelectuais jovens para o mercado de trabalho. Lá a pesquisadora pretende coletar dados por meio de observação, de questionários e entrevistas que visam analisar o ambiente formador, apreender como os agentes envolvidos na formação categorizam os indivíduos deficientes e o que esperam da formação que desenvolvem. Outro caminho pensado para essa categorização sociológica é das histórias de vida pelo registro de relatos de experiências individuais dos deficientes jovens, buscando em algumas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 134 trajetórias pessoais e a interpretação ou a explicação do dinamismo para a superação ou não de barreiras quanto ao ingresso no mercado de trabalho. A história de vida por meio do diálogo entre o individuo e o seu contexto e práticas sociais, para Moita (1992, p. 113) “põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos”. Para completar a analise sociológica de como o deficiente é categorizado na sociedade contemporânea, pelo caso de Curitiba, a pesquisadora pretende coletar os dados da Secretaria Municipal do Trabalho e Emprego, das empresas que mais contratam os deficientes. Com dados amostrais das empresas, pretende-se analisar as noções de qualificação, de competência e desempenho profissional. Concluindo esta apresentação, as principais dúvidas a serem levantadas são de como relacionar os conhecimentos clássicos e contemporâneos da sociologia do trabalho, sem perder de vista a necessária conexão entre a instituição educacional, como espaço social de formação e a categorização de deficiente para o mundo do trabalho na sociedade contemporânea. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Eliane Aparecida et al. Programa de suporte comunitário: alternativa para o trabalho do adulto deficiente mental. In: Revista Brasileira de Educação Especial, v. 12, nº 2. Marília, maio/ ago., 2006. 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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 136 A distribuição espacial do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba Dr. William E. Nunes Pereira55 1 Introdução A economia brasileira tem experimentado a intensificação de transformações técnicas e sócio-econômicas nos últimos anos. Essa intensificação se deve em grande parte ao processo de reestruturação produtiva do capital possibilitado pelas inovações tecnológicas e organizacionais do período. A reestruturação produtiva afetou todos os setores produtivos e, em especial, a indústria. Nesse contexto de reestruturação produtiva, no qual a competitividade se acentua devido às pressões geradas pela abertura do mercado brasileiro, a produtividade e a redução de custos assumem papel fundamental à “sobrevivência” da indústria em face à acirrada concorrência capitalista. A procura por redução de custos, competitividade e produtividade levaram as indústrias brasileiras a redirecionar investimentos, re-localizar plantas industriais e buscar incentivos e estímulos públicos no intuito de superar as concorrentes. A indústria calçadista do Brasil enfrentou contextos recessivos internos e acirrada concorrência externa nos últimos anos, devido à abertura comercial e a entrada no circuito mundial de novos e grandes produtores, de que é exemplo a China. O acirramento da concorrência (interna e externa) aliada a recessão econômica dos anos 1990 forçou a indústria calçadista a novas estratégias, implicando em transformações importantes na configuração territorial dessa indústria. Esse “paper” tem por objetivo principal mostrar a atual configuração geográfica da indústria calçadista no estado da Paraíba. Esse objetivo pretende ser alcançado através da análise dos dados constantes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Nesse sentido, serão utilizados os dados referentes ao emprego formal e ao número de estabelecimentos da RAIS/MTE nos anos de 1985, 1990, 1995, 2000 e 2005. Além disso, utilizando-se o Software SGT 7.0 pretende-se mostrar cartograficamente a localização da indústria de calçados no estado. Na análise da configuração espacial da indústria calçadista foi 55 Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 137 considerada a classificação realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1980. O trabalho divide-se em quatro partes incluindo-se essa introdução. Na segunda parte procura-se mostrar a distribuição do emprego e da indústria calçadista no Nordeste. Na terceira parte, foca-se a distribuição do emprego e da indústria na Paraíba. A conclusão encontra-se na quarta parte. 2 A Distribuição Do Emprego E Da Indústria Calçadista No Nordeste No período 1985/2005, todos os estados do Nordeste apresentaram crescimento no número de estabelecimentos na indústria calçadista56. Na verdade, tal crescimento foi bem mais forte em alguns do que em outros, demonstrando um forte atrativo que alguns fatores, em particular, a guerra fiscal implantada via concessão de incentivos fiscais e financeiros proporcionou para essas indústrias. Esse atrativo é resultado, em sua maior parte, de políticas estaduais (fiscais e para-fiscais) de estimulo e incentivo à re-localização industrial. Secundariamente, outros fatores tais como o custo da força de trabalho e outras vantagens contribuíram para a re-localização. Tabela 01 - Participação relativa estadual no número de estabelecimentos da indústria calçadista do Nordeste ANO/UF MA PI CE RN PB PE 1985 0,5 2,0 33,8 8,0 13,4 20,9 1990 0,0 2,1 32,1 3,8 15,0 19,1 1995 1,2 1,6 33,9 3,6 23,9 14,7 2000 0,5 2,1 40,4 4,6 22,4 7,9 2005 0,6 1,9 41,9 5,1 19,7 8,3 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. AL 1,5 2,1 2,0 1,2 1,7 SE 2,5 4,4 2,8 1,8 2,8 BA 17,4 21,5 16,3 19,2 18,0 TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 No período em estudo, o estado do Ceará consolidou sua hegemonia na indústria calçadista do Nordeste, ampliando de 33,8% para 41,9% sua participação no número de estabelecimentos industriais. Essa participação no número de estabelecimentos e um percentual de 54,25% do emprego formal no segmento indicam a elevada concentração dessa atividade no estado. Segundo mostram os dados (tabelas 01 e 02), desde a década de 1980 o Ceará já 56 Para ver os números absolutos do crescimento do emprego formal na indústria calçadista no Nordeste ver tabela A no anexo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 138 demonstrava um elevado grau de concentração de estabelecimentos. No entanto, sua hegemonia no emprego somente se consolida na segunda metade dos anos 1990, quando ocorre a relocalização de médias e grandes empresas para o estado. Pernambuco se constitui no estado que mais perdeu posição no ranking nordestino, reduzindo sua participação no contingente de estabelecimentos no Nordeste, entre 1985 e 2005, de 20,9% para 8,3%. Utilizando a mesma fonte de dados para se analisar o emprego formal nessa indústria, pode-se inferir que, similarmente ao que acontece à distribuição dos estabelecimentos, os estados do Ceará, da Bahia e da Paraíba concentram mais de 92% do emprego formal na indústria calçadista nordestina. A diferença na distribuição do emprego em relação ao número de estabelecimentos se deve ao fato da Paraíba apresentar um maior número de estabelecimentos do que a Bahia, enquanto no emprego ocorre o contrário. A Bahia emprega quase três vezes mais trabalhadores na indústria calçadista do que a Paraíba. O conflito fiscal se constituiu em um dos principais fatores que inverteram a posição do emprego entre esses dois estados. A tabela 02 apresenta a evolução da participação do emprego relativo na indústria calçadista segundo os estados do Nordeste. Nessa tabela pode-se observar a importância dos três estados (CE, PB, BA) na geração do emprego formal no segmento calçadista. Os demais estados não apresentam participação significativa. Tabela 02 - Nordeste - Participação dos Estados no Emprego Formal na Indústria Calçadista (1985/2005) ANO/UF MA PI CE RN PB PE AL SE BA 1985 0,06 0,20 22,08 3,51 11,63 52,18 0,50 0,58 9,27 1990 0,00 0,60 20,90 3,04 23,42 41,84 0,37 5,56 4,26 1995 0,03 0,19 43,79 1,13 39,29 8,44 0,41 5,13 1,58 2000 0,03 0,11 56,50 2,83 17,31 4,16 0,19 1,58 17,29 2005 0,02 0,06 54,25 2,25 10,37 2,18 0,13 2,58 28,15 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Diversos estudos mostram que a indústria calçadista em algumas cidades brasileiras tem sua origem a partir de um longo processo histórico com base principalmente em ações privadas (LEMOS; PALHANO, 2000), enquanto outras surgem de “deliberações de ações político-financeiras legais, planejadas e implementadas pelos governos estadual e federal” (MOUTINHO; CAVALCANTI FILHO; ARAGÃO, 2005, p. 543). No entanto, alguns desses espaços historicamente constituídos sofreram inflexões no crescimento de suas economias, em especial no segmento analisado, devido A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 139 às especificidades que se formaram a partir da reestruturação produtiva e à abertura do mercado nacional nos anos 1990. Acrescente-se a esses fatores a guerra fiscal e se tem um contexto de elevadas pressões por uma re-localização cujo intuito é apropriar-se dos estímulos fiscais e financeiros concedidos pelos diversos estados brasileiros, como também encontrar novas áreas que possuam mão de obra qualificada, de baixo custo e reduzido grau de organização sindical. Evidentemente, o principal fator se constitui na absorção dos estímulos fiscais e financeiros oferecidos pelos estados. Nesse contexto, a Bahia se constitui em um dos principais ofertantes de estímulos fiscais-financeiros, como também um dos principais a atrair empresas. No caso da Paraíba e da Bahia, Pereira (1997) já chamava a atenção para a relocalização da empresa Azaléia que se mudava do primeiro para o segundo estado, logo após o fim dos incentivos fiscais concedidos pelo governo da Paraíba. A guerra fiscal explica em grande parte a atração da Bahia para grandes empresas calçadistas, que geraram elevação significativa do emprego no estado. Os estados nordestinos que mais captaram investimentos na cadeia de calçados, graças às políticas de investimento promovidas foram a Bahia, o Ceará e a Paraíba. Costa & Fligenspan (1997), mostraram que os governos destes estados outorgaram quatro tipos de incentivos: a) financiamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços); b) isenções de impostos municipais e beneficiamentos em infra-estrutura; c) empréstimo visando à exportação e, d) isenção de Imposto de Renda. Em geral, o processo de incentivo fiscal se dá através da renúncia ao recebimento de 50% a 100% do ICMS, caso as empresas investissem em capital fixo ou de giro. No estado da Bahia, o Programa de Promoção ao Desenvolvimento da Bahia (PRÓ-BAHIA) financia até 50% do ICMS para a região metropolitana de Salvador e até 75% no interior do estado; ou ainda 75% do ICMS para projetos com investimentos previstos superiores a R$ 400 milhões. No Ceará, o Fundo de Desenvolvimento Industrial do estado (FDI) financia até 100% do ICMS a ser recolhido pela beneficiária. Esse financiamento se destina às empresas industriais que se re-localizaram, e que contam com um prazo de pagamento de seis anos para a região metropolitana de Fortaleza e dez anos para o interior do estado. No estado da Paraíba, o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba (FAIN) favorece empréstimos de 60% do ICMS para empresas que se instalem em João Pessoa (capital), 80% nos municípios de Campina Grande A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 140 e Queimadas e 100% em outros municípios. A política de incentivo fiscais e financeiros na Bahia é de elevada agressividade, pois em situações nas quais outros estados concedam os mesmos benefícios, o Fundo de Defesa da Economia Baiana (FUNDECON) financia o pagamento do ICMS com prazo de três meses e juros de 12% a.a. (MATTOSO, 1998). O crescimento do emprego formal na indústria calçadista, nesses últimos vinte anos, ultrapassou os mil por cento para o Nordeste. Tendo o ano de 1985 por base 100, o estado do Sergipe foi o que apresentou o maior crescimento (5.697,3) seguido pela Bahia (3854,5), Ceará (3.117,4) e pela Paraíba (1.131,1). O abrupto crescimento do emprego formal no segmento calçadista em Sergipe, não é mais significativo, porque incidiu sobre uma base absoluta muito pequena, ou seja, aumentou de 37 para 2.108 empregos. Em números absolutos, em relação a 1985, o Ceará aumentou em mais de 42 mil o número de empregos formais na indústria calçadista, e a Bahia aumentou mais de 22 mil e a Paraíba pouco mais de 7 mil empregos (ver tabela B no anexo). O Nordeste ampliou de 6,4 para 81,5 mil o emprego formal no segmento calçadista. Em contraposição a essa situação de aumento do emprego, Pernambuco se constituiu na única exceção, pois diminuiu o número de empregos formais no segmento calçadista em aproximadamente 50% entre 1985 e 2005 (ver tabela 03). Tabela 03 - Crescimento relativo do emprego formal na indústria calçadista do Nordeste, segundo os estados da região – ano base = 1985 ANO/U F MA 100,0 0 PI CE RN PB PE 100,0 100,0 100,0 0 100,00 0 100,00 0 1985 338,4 6 107,39 98,23 228,48 90,97 1990 0,00 125,0 215,3 0 8 446,41 72,57 760,43 36,41 1995 350,0 392,3 1921,6 603,9 1117,5 0 1 2 8 1 59,80 2000 350,0 400,0 3117,4 811,9 1131,1 0 0 6 5 5 52,92 2005 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. AL 100,0 0 84,38 184,3 8 293,7 5 343,7 5 SE BA TOTAL 100,00 1097,3 0 2008,1 1 2067,5 7 5697,3 0 100,00 100,00 52,18 113,45 38,42 1401,0 1 3854,5 3 225,08 750,81 1268,6 1 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 141 3 A Distribuição espacial do Emprego e da Indústria Calçadista da Paraíba A origem da atual conformação da indústria calçadista da Paraíba inicia-se no interior do estado, em cidades que atuavam como entreposto tropeiro e algodoeiro, mais especificamente em Campina Grande. O município foi durante muito tempo um pouso de tropeiro e centro comercial algodoeiro (PEREIRA, 1998). A cultura do algodão57 e as atividades conexas estimularam o desenvolvimento econômico e urbano de Campina Grande (PEREIRA, 2004). Dentre as atividades que foram estimuladas pelo desenvolvimento econômico e urbano, encontra-se a atividade coureiro-calçadista, beneficiada pelas externalidades positivas do processamento do algodão e de suas sementes. Inicialmente a produção coureira se destinava à confecção de selas e artefatos de couros, posteriormente de calçados. Esse tipo de atividade se constituiu em pré-condição para a produção de calçados e afins de couro (LEMOS; PALHANO, 2000). No ano de 2005, na Paraíba, apenas uma cidade possuía um estabelecimento com mais de 1,0 mil vínculos (trabalhadores) formais de emprego. A existência de apenas uma empresa com elevado número de trabalhadores frente a existência de estabelecimentos em 17 cidades, demonstra que ocorre uma concentração dessa atividade em alguns municípios. O mapa 02 mostra a existência de 3 pólos de concentração da industria calçadista, um no litoral, um agreste e outro no sertão. O pólo mais dinâmico, no sentido de possui maior número de estabelecimentos formais, incluindo a maior do estado, é o pólo do agreste, localizado em Campina Grande. 57 A cultura algodoeira apresenta suas primeiras crises e entra em declínio, ainda nos anos 1930, e não nos anos 1950, como apresentam Lemos e Palhano (2000). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 142 Mapa Temático 01 - Distribuição dos estabelecimentos industriais com mais de mil empregados - Paraíba - 2005 Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE. A produção no estado somente apresentou crescimento mais expressivo nos anos 1980, devido à entrada de aproximadamente 80% do total de empresas atuantes na década seguinte. Além de haver se estendido rapidamente no mesmo período por várias áreas do estado. Sem dúvida, o fator-história pesou na consolidação da indústria calçadista paraibana, devido a seu desenvolvimento histórico-produtivo para o segmento calçadista. Esse fato se deve ao grande contingente de sapateiros, produtores informais, às empresas existentes e entrantes formais e informais. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 143 Mapa Temático 02 - Distribuição dos estabelecimentos industriais – Paraíba - 2005 Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE. Segundo Lemos e Palhano (2000, p. 05) o: crescimento do arranjo em número de empresas na década de 80 não se deve ao recente processo de relocalização de empresas das regiões Sul e Sudeste para a região Nordeste. De fato, na década de 80, duas grandes empresas do sul se instalaram no município (de Campina Grande), uma produtora nacional de sandálias de material sintético originária do Estado de São Paulo, e outra uma das maiores produtoras nacionais de calçados femininos, da região Sul. No entanto, essa última empresa mencionada pelos autores, que se instalou no município em 1983, foi fechada em 1997, por não terem sido renovados os incentivos fiscais oferecidos, induzindo sua relocalização na Bahia (PEREIRA, 1997 e LEMOS; PALHANO, 2000). Essa relocalização ocorre, portanto, no contexto do processo recente de relocalização das empresas devido à reestruturação produtiva e guerra fiscal dos anos 1990. A configuração espacial da indústria calçadista na Paraíba mostra a existência de três pólos produtivos localizados no litoral, no agreste e no sertão. As evidências apresentadas por Pereira (1997) e Lemos e Palhano (2000) mostram que o pólo do agreste paraibano, constituído por A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 144 Campina Grande e cidades circunvizinhas, apresenta em sua constituição fatores históricos, enquanto o pólo do litoral é muito mais expressividade do processo de relocalização da indústria calçadista nos anos 1990. O pólo localizado no sertão, liderado pela cidade de Patos é, embora expressivo para a micro-região, inexpressivo para o Nordeste e de baixo nível de geração de empregos formais. No entanto, é fonte geradora de empregos informais. A indústria calçadista da Paraíba possui apenas uma única empresa de grande porte (com mais de mil empregados), localizada em Campina Grande. O índice de dispersão geográfica é muito baixo (7,6%), bem inferior ao Ceará e a Bahia, ou seja, apenas 17 municípios apresentam a presença de indústrias calçadistas no estado. O estado ampliou, principalmente entre 1985 e1995, sua participação no número de indústrias calçadistas na região Nordeste. No entanto, entre 1995 e 2005, reduziu em aproximadamente 4% sua participação, mas encontra-se participando com 19,7% do número de estabelecimentos industriais calçadistas na região, um pouco a frente da Bahia (18%), como nos mostra a tabela 01. Mapa 03 - Distribuição do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba - 2005 Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE. O contexto da distribuição do emprego formal na indústria calçadista paraibana mostra-se muito similar ao da indústria no seu conjunto, demonstrando que a mesma é composta em sua A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 145 maior parte por micro e pequenas empresas. No entanto, o estado já foi responsável por mais de 39% do emprego formal nessa indústria, em 1990, reduzindo sua participação nos anos seguintes para pouco mais de 10%, mas ainda ficando com a terceira posição na participação no emprego formal dessa indústria (ver tabela 02). Na última década o estado perdeu aproximadamente 75% de sua participação no emprego formal na indústria calçadista nordestina. Perda similar à ocorrida em Pernambuco no mesmo período, embora esse estado se constitua no espaço que mais perdeu participação, se considerarmos os últimos 20 anos. Independente da perda relativa, a Paraíba vem ampliando o emprego formal no segmento em números absolutos, alcançando um volume de 8.461 trabalhadores formais no ano de 2005. Esse volume absoluto implica no quarto maior crescimento do emprego desse segmento no Nordeste, ficando atrás apenas de Sergipe, da Bahia e do Ceará. Ressalte-se que o crescimento de Sergipe é relativamente alto, mas absolutamente inexpressivo para o Nordeste (ver tabela 03). Tabela 04 - As 10 principais cidades nordestinas, segundo o emprego formal na indústria calçadista - 2005 CIDADES EMPREGOS POSIÇÃO % Sobral-CE 14.791 1 18,1 Horizonte -CE 8.010 2 9,8 Campina Grande - PB 4.765 3 5,8 Itapetinga -BA 4.480 4 5,5 Santo Estevão - BA 2.864 5 3,5 Fortaleza -CE 2.723 6 3,3 Russas -CE 2.616 7 3,2 Maranguape - CE 2.345 8 2,9 Crato - CE 2.328 9 2,9 Itapagé - CE 2.267 10 2,8 TOTAL 47.189 57,8 Fonte: Elaboração própria a partir dos Dados da RAIS/MTE. Nesse contexto de distribuição geográfica do emprego e de estabelecimentos da indústria calçadista formal, pode-se detectar a partir dos dados da RAIS/MTE, as dez cidades com as maiores proporções de emprego e indústrias no setor calçadista. Essas dez cidades são responsáveis por mais de 57,8% de todo o emprego formal da indústria calçadista do Nordeste. Das dez cidades que apresentam o maior volume de emprego, somente uma (Campina Grande) apresenta fatores históricos na formação da indústria calçadista. As demais são resultados dos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 146 recentes incentivos e das políticas fiscais e financeiras. Sobral, de elevada participação no emprego formal, apresentou crescimento industrial recente, e a indústria calçadista se instalou em 1993. A indústria calçadista de Itapetinga se constitui fundamentalmente da empresa que se relocalizou de Campina Grande em 1997. Quanto a Horizonte, a indústria calçadista também é recente, da segunda metade dos anos 1990. As demais cidades integram o rol das cidades cujo elevado volume de emprego é, normalmente, gerado por uma grande empresa, que se instalou nos anos 1990. Dessa forma, pode-se concluir preliminarmente que as políticas fiscais e financeiras agressivas têm impacto significativo na atração de empresas calçadistas, principalmente se a esse fator agregar-se uma mão de obra de custo baixo e quase nula em organização sindical.Afinal, dessas dez cidades, sete se encontram no Ceará. No que se refere ao número de estabelecimentos industriais, duas cidades são capitais e as demais são do interior. Das nove cidades, três (Juazeiro do Norte, Campina Grande e Feira de Santana) detêm fatores históricos importantes, que contribuem para explicar o número de estabelecimentos existentes. Foram entrepostos comerciais importantes até a primeira metade do século XX. Evidentemente, fatores de ordem política e econômica contribuem para que as mesmas se ponham em evidência, como também para explicar as demais. È importante observar a dissociação entre as dez cidades que agregam mais empregos e as que possuem maiores volumes de estabelecimentos. Esse fato se explica em razão de que muitas das cidades, em especial as do Ceará, possuem em média um único grande estabelecimentos, que em sua totalidade gera mais emprego do que os pequenos estabelecimentos das demais cidades. Explicitando assim o resultado de uma política de incentivos fiscal-financeiros e para-fiscais estabelecido pelo governo cearense nos entre os anos 1980 e 1990. Uma dúvida que emerge, é se não ocorrerá com algumas cidades do Ceará o que ocorre com outras cidades, como o caso de Campina Grande, que em 1997 perdeu a Empresa Azaléia que sai da Paraíba indo para a Bahia, por esse estado haver “bancado os incentivos necessários” para essa relocalização. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 147 Tabela 05 - As nove* principais cidades nordestinas segundo o número de estabelecimentos na indústria calçadista – 2005 CIDADES ESTABELECIMENTOS POSIÇÃO % Juazeiro do Norte - CE 89 1 16,9 Fortaleza -CE 77 2 14,6 Campina Grande -PB 50 3 9,5 Salvador -BA 33 4 6,3 Patos -PB 23 5 4,4 Conceição do Coité -BA 22 6 4,2 Jequié - BA 21 7 4,0 Feira de Santana - BA 20 8 3,8 Barbalha - CE 11 9 2,1 TOTAL 346 65,5 Fonte: Elaboração própria a partir dos Dados da RAIS/MTE. *Somente 09 cidades apresentaram volume de estabelecimentos superior a uma dezena. Para finalizar, é fundamental afirmar que existem muito mais empresas e empregos do que os que foram apresentados nesse “paper” . No entanto, esses empregos e empresas oscilam em diversos níveis de informalidade. Como esse trabalho visa estudar o emprego e os estabelecimentos formais, e os limites de ensaio não comportavam, negligenciaram-se maiores detalhes sobre o verdadeiro universo que compõe a atividade calçadista informal no Nordeste. 4 Conclusões Algumas conclusões são possíveis a partir dos dados e informações apresentados nesse “paper”. Em primeiro lugar, é possível perceber que o Nordeste ampliou consideravelmente sua participação no emprego formal na indústria calçadista brasileira nos anos 1990. Esse aumento deve-se, em grande parte, às grandes empresas que para a região se transferiram em busca, principalmente, dos incentivos fiscais e financeiros. Os incentivos fiscais e financeiros e as demais facilidades criadas pelos estados nordestinos facilitam tanto a entrada como a saída de empresas da região, por possibilitar o rebaixamento tanto a magnitude do investimento de relocalização, como também o “custo” de saída. Esse incentivos favoreceram principalmente a transferência de empresas do Sudeste e do Sul para o Nordeste. Nesse contexto, a Paraíba se beneficiou, embora em uma parcela menor, dos investimentos industriais que se relocalizaram nos anos 1990. Esse A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 148 benefício potencializa o já consolidado pólo calçadista paraibano, em especial, o de Campina Grande. Em segundo lugar, a configuração geográfica atual consolida a posição hegemônica do Ceará na produção calçadista, mas permite perceber o rápido crescimento da atividade na Bahia, devido à “agressividade” dos incentivos concedidos por governo desse estado. A Bahia foi tão agressiva na sua guerra fiscail e na concessão de incentivos que “arrastou” empresas de outros estados nordestinos, em especial da Paraíba. Em terceiro lugar, as grandes empresas (com mais de mil empregos) que se relocalizaram optaram em sua maioria pelos estados do Ceará e da Bahia, evitando as regiões metropolitanas, mas se instalado muito perto delas. É o caso da Azaléia, que se relocalizou em uma cidade próxima a região metropolitana da Bahia, em Itapetinga, cidade com pouco mais de 66 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE. Com a re-localização de empresas tradicionalmente localizadas nas regiões Sul e Sudeste, pioneiras e já tradicionais nessa atividade, o Nordeste e, em especial a Bahia, passou a ser destino alternativo, graças aos programas de incentivos fiscais e financeiros concedidos pelo governo estadual e ao perfil da mão-de-obra da região. Por fim, constata-se que a guerra fiscal que permitiu atrair significativos investimentos, pode vir a prejudicar a própria região e a Paraíba, por flexibilizar excessivamente a possibilidade de mobilidade das empresas ao rebaixar os “custos de saída”. Assim, torna-se cada vez mais urgente um “pacto” nacional ou uma reforma tributária que dificulte o conflito fiscal e a relocalização das empresas em busca apenas de ganhos-extras via incentivos fiscais e financeiros. 5 Referencias Bibliográficas COSTA, A. B. da & FLIGENSPAN, F. B. (1997). Avaliação do movimento de relocalização industrial de empresas de calçados do Vale dos Sinos. Mimeo. Porto Alegre, SEBRAE. LEMOS, Cristina; e PALHANO, Alexandre. Arranjo Produtivo Coureiro-Calçadista de Campina Grande/PB . Projeto de Pesquisa Arranjos e Sistemas Produtivos Locais e as Novas Políticas de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico. Estudos Empíricos -Nota Técnica 20 - IE/UFRJ - Rio de Janeiro, julho de 2000 MATTOSO, M. A. de Q., (1998). A recente industrialização nordestina.Monografia de Bacharelado em Economia. Rio de Janeiro, FEA/UFRJ. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 149 MICT. 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Barreto, PEIXOTO, Gabriel B. Tavares, Deslocamento de empresas para os estados do Ceará e da Bahia: o caso da indústria calçadista. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 15, p. 63-82, mar. 2002 ANEXO Tabela A 1985 1990 1995 2000 2005 Evolução dos Empregos Formais Na Indústria Calçadista Nos Estados do MA PI CE RN PB PE AL SE BA 4 13 1.420 226 748 3.356 32 37 596 0 44 1.525 222 1.709 3.053 27 406 311 5 28 6.339 164 5.688 1.222 59 743 229 14 51 27.287 1.365 8.359 2.007 94 765 8.350 14 52 44.268 1.835 8.461 1.776 110 2.108 22.973 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE. Nordeste TOTAL 6.432 7.297 14.477 48.292 81.597 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 150 Considerações sobre a Terceirização e seus impactos na Companhia Siderúrgica Nacional Sabrina de Oliveira Moura Dias58 A terceirização do trabalho caracteriza-se, grosso modo, pela flexibilização da produção através da transferência de atividades consideradas acessórias à consecução dos objetivos da contratante. Com o intuito de concentrar esforços nas etapas consideradas essenciais à produção – o chamado core business empresarial – a empresa contratante delega a(s) sua(s) contratada(s) a realização de serviços ou a produção de insumos considerados complementares ou periféricos. Embora na prática a terceirização seja uma modalidade antiga de organização da produção e do trabalho, a sua expansão e intensificação desenfreadas são características da terceirização recente, como um novo fenômeno, impulsionado pelo processo de reestruturação produtiva mundial inspirado no modelo japonês de produção (DRUCK, 1999:155-157). Além de setores tradicionais da economia, a nova terceirização atinge setores mais modernos, bem como áreas anteriormente tidas como centrais à produção como a manutenção (FARIA, 1994; DRUCK, 1999:105 e 2007:103-194, 236, SILVA e FRANCO: 2007). Como resultado da adoção generalizada da prática terceirizante tem sido diagnosticado no Brasil, bem como em outros países, o aprofundamento da precarização das relações de trabalho e emprego. Embora grande esforço tenha sido realizado para distinguir a “boa terceirização” – caracterizada pela especialização e pelo know-how – da “má terceirização” – praticada exclusivamente com o intuito de reduzir custos – o processo tem sido associado, de maneira geral, à deterioração das condições dos trabalhadores. Demissões, redução de salários e postos de trabalho, aumento dos riscos à saúde e integridade física nos locais de trabalho, intensificação e extensão da jornada de trabalho, discriminação e preconceitos entre trabalhadores do quadro e terceirizados, instabilidade no emprego e redução de benefícios – fazendo retroagir conquistas históricas dos trabalhadores – e fragmentação da categoria são as principais consequencias apontadas como resultado da terceirização no Brasil. 58 Mestre em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA-UFRJ e, atualmente, aluna de doutorado no mesmo programa. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 151 Neste trabalho, nos concentraremos na análise e problematização da fragmentação de um coletivo de trabalhadores anteriormente organizados em torno de um único patrão e de uma pauta de reivindicações comum. A desarticulação das demandas dos trabalhadores em conjunto, longe de ser um resultado imprevisto, foi idealizada pelos empregadores desde o princípio como uma dentre as funções da terceirização (LEIRIA, 1992; FARIA, 1994:45; SILVA e FRANCO, 2007:145). Através de um estudo de caso baseado na experiência da terceirização recente na Companhia Siderúrgica Nacional, pretendemos levantar questões sobre os efeitos da terceirização na coesão dos trabalhadores e na articulação de suas demandas. A sucessão de greves nos anos de 2005, 2006 e 2007 realizadas por trabalhadores terceirizados e por trabalhadores da CSN (2007) permite compreender melhor o significado da terceirização para a coletivização das reivindicações e os desafios e impasses vividos pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR) quando da multiplicação de patrões e acordos coletivos para trabalhadores que coabitam os mesmo locais de trabalho e que desempenham atividades similares ou iguais. O caso do SMVR e dos trabalhadores da CSN é ainda mais emblemático na medida em que ambos tornaram-se conhecidos símbolos de sindicalismo forte e combativo e de categoria coesa durante as greves da década de 1980 e início de 1990. Segregando a manutenção do quadro da CSN O enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu o precedente para a licitude da terceirização de atividades antes consideradas centrais às empresas. Atividades como a manutenção industrial, embora de caráter permanente e contínuo para a produção, e realizadas em grande medida na planta da contratante, tornaram-se passíveis de terceirização (FARIA, 1994; DRUCK, 1999). O conceito de “atividade-meio” possibilitou a expansão da terceirização em direção a funções anteriormente desempenhadas por trabalhadores do quadro próprio das empresas. Antes mesmo da década de 1990, e da elaboração jurídica do requisito de “atividademeio”, a CSN deu início a um processo de segregação progressiva das atividades de manutenção dentro da Usina Presidente Vargas (UPV). Durante toda a década de 1980, a empresa deslocou grande parte da manutenção executada por efetivos próprios para a Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM). A FEM era, a princípio, um departamento da CSN surgido no início dos anos de 1960 com o objetivo de criar produtos específicos para a construção civil (LOPES, 2003:109). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 152 Durante os anos de 1980, a FEM continuou a concentrar as atividades especializadas em fabricação e montagem metálica e passou a incorporar também parte das atividades de manutenção da CSN. Foi nessa época também que ela deixou de ser departamento e passou a ser subsidiária da CSN. A partir de então, os efetivos da FEM (antigo departamento da CSN) e da CSN dentro da UPV passaram a compor quadros de empresas distintas, embora em sua origem estivessem vinculados. Os trabalhadores da CSN e da FEM, na década de 1980, começaram a vestir uniformes diferentes, a perceber salários distintos e a negociar em separado com os representantes das duas empresas. Inicialmente, segundo o ex-presidente do SMVR Carlos Perrut59, os trabalhadores da FEM e da CSN “tinham os mesmos direitos”. Contudo, a partir da década de 1990, a FEM começou a acumular prejuízos milionários, e os trabalhadores da empresa tiveram seus salários e benefícios rebaixados em relação aos da CSN. Embora a FEM tenha sido transformada em subsidiária da CSN, o SMVR pressionava as duas empresas pela aceitação de uma pauta única para seus trabalhadores. As greves mais importantes ocorridas na CSN foram resultado da união e do esforço conjunto de trabalhadores da FEM/CSN. Embora a FEM não fosse uma empresa terceirizada, há no processo a semente da ruptura com a noção de conjunto. É importante ressaltar ainda o fato de que durante a década de 1980, os funcionários da FEM, principalmente os de manutenção do Departamento de Manutenção Mecânica (DMM)60, ganharam fama como “a força das greves”, como os agitadores e desencadeadores das manifestações dentro da UPV. Além da fama de combativos, os trabalhadores da FEM gozavam de um prestígio nacional na qualidade de seus produtos e serviços. Em 1993, mesmo ano em que foi realizado o processo de privatização da CSN61, ocorreu a publicação do enunciado nº 331 do TST62, que regulamentava a terceirização nas atividades consideradas periféricas às empresas. No ano seguinte, a empresa Sankyu firmou um contrato de prestação de serviços com a CSN para a preservação da área da Coqueria. Após a privatização, o contingente de trabalhadores de manutenção da CSN foi reduzido ao máximo, de maneira que o 59 Foi presidente do SMVR durante os anos de 1998 a 2006. 60 Foram estes trabalhadores que deram início à greve de 1989 (Boletim 9 de novembro de 19 de setembro de1989). 61 Privatizada em 02 de abril de 1993. 62 Aprovado em 17 de dezembro de 1993. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 153 quadro direto quase deixasse de executar tarefas para atuar apenas na fiscalização e supervisão dos serviços terceirizados 63. Mas os grandes contratos de prestação de serviços na área de manutenção dos equipamentos seriam firmados nos anos de 2000, não por acaso, época da extinção da FEM. Embora a FEM viesse sofrendo um processo contínuo de enxugamento ao longo da década de 1990, o seu derradeiro suspiro foi dado no ano de 200264. Antes que a FEM fosse extinta, ela foi responsável por grande parte dos contratos de manutenção da CSN. Se inicialmente ela contava com mão-de-obra própria e permanente, a partir da década de 1990 ela começou a subcontratar trabalhadores para trabalho temporário e permanente de manutenção preventiva ou corretiva dentro da UPV. Além dos funcionários de manutenção da FEM e da CSN, a usina também contava com trabalhadores das “feinhas”, “feiosas” e “horrorosas”, codinome pejorativo pelo qual eram conhecidas as subcontratações irregulares (terceirizações e quarteirizações) da então subsidiária. Segundo Carlos Perrut, a pressão do SMVR para barrar o processo de terceirização abusiva que estava ocorrendo na UPV culminou com a extinção das subcontratadas da FEM e com a contratação da empresa Sankyu. Em 2002 a FEM estruturas metálicas, ou FEM-Inepar, foi vendida para o Grupo Petrália, enquanto que as atividades e parte do efetivo da FEM-manutenção foram repassados para as empresas terceirizadas Sankyu, ABB e Ormec. Para Perrut, a incorporação das atividades de manutenção pela FEM representou uma deturpação, um “desvirtuamento” da fábrica de estruturas metálicas que já prenunciava o desejo da CSN em desarticular parte dos trabalhadores do quadro próprio com vistas a terceirizar a manutenção da usina. Portanto, a FEM, quando ainda estava vinculada a CSN, iniciou o processo de segmentação e terceirização do efetivo da UPV, a princípio, através da separação dos trabalhadores de manutenção entre as duas empresas e, posteriormente, com a multiplicação de contratos e empresas subcontratadas pela FEM para atuarem na UPV. 63 Segundo Renato Soares, atual presidente do SMVR, os profissionais de manutenção como ele passaram a exercer funções de chefia em relação aos terceirizados, embora continuassem a receber como profissionais. Segundo ele, o quadro de manutenção da CSN só executa tarefas de manutenção durante os turnos, ou em atividades de emergência, dada a quase completa substituição dos efetivos nesta função por funcionários terceirizados. Já os empregados da CSN são compostos majoritariamente por profissionais de operação de máquinas e equipamentos. A intensificação da terceirização das atividades de manutenção industrial foi verificada por Druck (1999 e 2007) na Bahia. 64 O processo de extinção da empresa estava previsto para se realizar entre os dias 29/04/2002 e 10/07/2002 (C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht). Na verdade, a “extinção” da FEM significou a venda da fábrica de estruturas metálicas e seus equipamentos, e o fim da FEM-manutenção. Segundo os entrevistados, assim como em outras terceirizações na CSN, os funcionários que atuavam na FEM apenas “trocaram de camisa”, no sentido de que continuaram com as mesmas atividades e nas mesmas áreas que atuavam antes do deslocamento para as prestadoras de serviços. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 154 O SMVR teria conseguido à época da extinção da FEM-manutenção a garantia da CSN de que todos os funcionários com contrato por tempo indeterminado fossem reaproveitados pelas empresas terceirizadas que ganharam os contratos: a Ormec, a ABB e a Sankyu 65 . Com a dissolução da FEM, os contratos de manutenção por ela mantidos foram divididos inicialmente entre as 3 empresas, tornando a função de manutenção e seus trabalhadores cada vez mais pulverizados66. Em 2003 a ABB denunciou o contrato com a CSN e uma nova empresa foi contratada em seu lugar: a multinacional italiana Comau67. Neste processo de extinção/venda da subsidiária, os trabalhadores da FEM (muitos dos quais ex-CSN) foram novamente desligados do efetivo da CSN, só que desta vez, de forma irreconciliável. Não eram apenas os uniformes e os acordos coletivos que eram diferentes, mas também os patrões (sem nenhum vínculo, senão comercial com a CSN), os benefícios e o tratamento. Diferentemente da condição de trabalhador da FEM que, embora diferisse do trabalhador da CSN, era “cria da casa”, e compartilhava de uma tradição de lutas juntamente com os trabalhadores do quadro, a terceirização da manutenção incorporou novos trabalhadores sem nenhum tipo de ligação prévia com a usina, ao mesmo tempo em que deslocou antigos trabalhadores para as empresas terceirizadas em condições precarizadas. A substituição da subsidiária FEM por firmas terceirizadas provocou um aprofundamento da cisão na identidade desses trabalhadores, embora os quadros das empresas terceirizadas passassem a abrigar um expressivo número de demitidos da FEM em conjunto com trabalhadores contratados “por fora” pela terceirizada. Contrariamente à época da FEM/CSN, na qual os estatutos diferenciados entre os trabalhadores pertencentes ao quadro de empresas distintas convivia com uma unidade política da categoria, a pulverização dos trabalhadores entre as empresas e a dilapidação da condição de trabalhador da usina a partir da intensificação da terceirização da década de 1990 findaram por impulsionar o desenvolvimento de identidades políticas fragmentárias. 65 Segundo a publicação virtual do Sindicato do Mercosul, “Dos 2003 operários da FEM, 358 tem contratos temporários, 274 estão licenciados e 65 estão sendo transferidos para a CSN, totalizando 1.306 os trabalhadores a serem absorvidos pelas empreiteiras, que terão que contratar outros 227 operários, porque serão necessários 1.533 empregados para cumprir os contratos assinados com a CSN, que vão durar três anos.” (C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht) 66 Atualmente, trabalham na UPV 8524 trabalhadores diretos e 9967 terceirizados. A empresa Sankyu possui 1379 funcionários, a Comau 868, a Magnesita 105, a Vais do Brasil 215, a Verzani & Sandrini possui 947 e a Cikel 1272 (Dados da Delegacia Regional do Trabalho de Volta Redonda – DRT/VR). 67 A Sankyu e a Comau são as duas maiores prestadoras de serviço de manutenção em atividade na UPV atualmente. Segundo dados da DRT/VR em novembro de 2009 as duas empresas somavam cerca de 2.800 funcionários, entre trabalhadores permanentes e temporários. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 155 Terceirização: fragmentação e desafio sindical A terceirização da manutenção da CSN foi responsável pela desagregação de um contingente de trabalhadores e funções anteriormente vinculadas ao quadro direto da empresa. Os problemas gerados por este tipo de cisão foram indicados por série de autores. Aos sindicatos, em geral, impôs-se o desafio de manter a unidade da representação sindical e de representar grupos de trabalhadores da mesma categoria com situações e direitos cada vez mais distintos. No caso da manutenção, o processo de terceirização possibilitou que trabalhadores que executam suas atividades cotidianamente na unidade da contratante, alocados em tarefas similares ou iguais a trabalhadores do quadro, fossem distintamente considerados e recompensados (DRUCK:1999; SILVA e FRANCO:2007; DAU, RODRIGUES e CONCEIÇÃO: 2009). Portanto, a estratégia fragmentadora consistiu na construção artificial da diferença, ou seja, de diferenças que não tinham relação com a experiência de trabalho, mas com a introdução de novos critérios jurídicos de contratação. Dentro das empresas, a multiplicação de uniformes contribuiu subjetivamente para identificar trabalhadores com condições e estatutos diferenciados, embora ainda sujeitos a uma cultura fabril comum. Os trabalhadores terceirizados são identificados como subordinados de empresas contratadas – a quem compete seu vínculo trabalhista – todavia o desempenho de atividades na sede da contratante os sujeita a subordinação indireta e até mesmo direta – embora ilegalmente – em relação a contratante. Com a terceirização de trabalhadores permanentes criou-se uma ambigüidade essencial na qual o trabalhador terceirizado sente sobre si a autoridade, a cultura e as normas da contratante, embora teoricamente sua condição seja de responsabilidade quase exclusiva da contratada. Se anteriormente a força da categoria de trabalhadores estava em relação direta com a capacidade de mobilizar o maior contingente possível face a um único patrão, com a terceirização, em lugar de um coletivo, formam-se, no interior de um mesmo ambiente de trabalho, uma pluralidade de grupos e subgrupos. A terceirização da “atividade meio” das empresas é a responsável por uma alteração substancial no cotidiano, no espaço e na cultura da fábrica. Ao mesmo tempo em que favorece o surgimento de “identidades corporativas”, enfraquece os trabalhadores e seus coletivos organizados (ANTUNES apud DRUCK, 1999:128). Em lugar das “velhas identidades” ligadas ao local de trabalho, surgem novas identidades vinculadas à condição de prestador de serviços ou à condição de terceirizados de empresas diversas. Embora os terceirizados compartilhem a condição de contratados dentro da empresa contratante, seus A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 156 benefícios, salários e acordos coletivos – embora talvez mais similares entre si do que em relação ao dos trabalhadores do quadro – podem divergir tênue ou acentuadamente . Contrapondo-se às estratégias desmobilizadoras da classe empresarial, os sindicatos têm um papel histórico de forjamento de uma luta que tem como bandeira a coesão e a solidariedade entre os trabalhadores. Esta coesão tende a se tornar ainda mais poderosa na medida em que esses trabalhadores compartilham uma condição similar ou igual de sujeição a um mesmo patrão. Mas o que fazer quando a terceirização é feita de maneira a segmentar um coletivo anteriormente organizado sob um mesmo referencial? A construção de novas diferenças, pautadas em argumentos jurídicos, introduziu uma segmentação política real dentro do conjunto dos trabalhadores da fábrica. A terceirização de etapas da produção é um processo responsável pela desestruturação da possibilidade de reunião dos interesses em coletivos mais abrangentes (DRUCK, 1999:126). Para os sindicatos neste tipo de situação, é preciso encontrar formas de trabalhar dentro de uma única entidade a representação de trabalhadores de uma mesma unidade fabril, praticantes de atividades similares, porém, com empregadores variados. A divisão criada dentro da categoria partícipe do mesmo sindicato é um elemento difícil de mensurar. Os acordos coletivos dos trabalhadores foram fracionados entre uma variedade de empresas, fazendo com que o sindicato em época de Campanha Salarial tivesse que negociar com cada um dos empregadores da sua base de filiados. Nestes casos, o grande desafio que envolveu os sindicatos que tentaram se adaptar à proliferação de formas de trabalho encetadas pela reestruturação produtiva foi lidar com demandas específicas dentro das empresas, paralelamente à difícil tarefa de manter “coesa” a categoria (MARTINS, 1994; DRUCK, 1999). Sem a pretensão de esgotar o assunto, a partir destas questões básicas sobre a terceirização e a representação sindical, esperamos ter construído um quadro para a análise de um acontecimento emblemático no curso da terceirização e da ação sindical do SMVR. As greves de 2005, 2006 e 2007 realizadas pelo SMVR são eventos cruciais para entender alguns resultados práticos da terceirização para a coesão da categoria de trabalhadores da UPV. Greve na CSN e nas terceirizadas: uma re-união possível? A greve tem quase sempre sido pensada como um termômetro do grau de comprometimento dos trabalhadores com a consciência e a luta de classes. A adesão maciça à greve é entendida A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 157 como prova cabal da solidariedade dentro de uma categoria. O sindicalismo da década de 1980 foi um movimento que representou, no Brasil inteiro, o auge da greve como a forma mais acabada e exemplar dessa perspectiva classista de reivindicação dos interesses. Embora a greve não seja a única forma de organizar as demandas dos trabalhadores, ela encarna de maneira mais significativa o sentimento de solidariedade, uma vez que a sua realização e sucesso dependem da participação ativa dos trabalhadores mobilizados. A escolha da greve pelos trabalhadores como forma de pressionar os empregadores implica na aceitação voluntária de uma situação de risco e na esperança de que outros, seus companheiros, assumam os mesmos riscos. Tendo em vista a greve como o “espetáculo” de mobilização direta e ativa e da organização e de envolvimento dos trabalhadores na defesa de seus direitos enquanto conjunto articulado analisaremos, a partir de eventos grevistas ocorridos após a intensificação da terceirização, as dificuldades e as questões introduzidas pela desarticulação de velhos coletivos e a emergência de novos coletivos/grupos. A década de 1990 foi um período de decréscimo do recurso à greve como mecanismo de combate e pressão da classe trabalhadora. Em Volta Redonda e na CSN, enquanto os anos de 1980 registraram um número expressivo de greves68, os anos da década seguinte foram exíguos neste quesito. Grande parte do abandono da greve se deveu à postura de parceria adotada pelo SMVR a partir de 1992 (GRACIOLLI, 2007). A greve foi julgada uma arma menor e ineficaz no novo mundo reestruturado da produção. Outrossim, a privatização da CSN em 1993 e o aprofundamento do desemprego em todo o mundo incentivou lideranças sindicais e trabalhadores a reverem suas estratégias de confronto e negociação. Embora houvesse demissões na década de 1980 como forma de retaliação aos grevistas, a passagem da condição de trabalhador estatal para trabalhador de empresa privada disseminou e elevou os riscos de desemprego devidos a uma postura de confronto. A terceirização paliativa da manutenção e de outras atividades da produção fazia parte do roteiro de reestruturação produtiva da CSN e do enxugamento dos quadros da empresa pósprivatização. Mas o enxugamento da empresa não foi o único processo responsável pelo arrefecimento da ação sindical combativa. É importante ressaltar que a pujança do movimento 68 O SMVR sob as presidências de Juarez Antunes (1983 – 1988) e Vagner Barcelos (1989 – 1991) organizou greves e paralisações dos trabalhadores da CSN nos anos de 1984, 1985, 1986, 1987, 1988 e, a mais longa delas, com duração de 31 dias, em 1990 (Monteiro, 1995). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 158 sindical na década de 1980 era tributária de sua aliança com os movimentos sociais que lutavam pela redemocratização do país (SANTANA, 2003). A ausência de uma conjuntura favorável como a de outrora (luta pela redemocratização, emprego em uma empresa pública) associada aos processos de reestruturação produtiva e mudança do mercado de trabalho em conjunto colaboraram para que fosse enfraquecida a prática de confrontamento sindical construída nos anos 1980. Portanto, são várias as razões que levaram ao enfraquecimento da luta e à mudança da estratégia sindical nos anos 1990. Os anos que se seguiram à privatização representaram, para o SMVR, um momento de refluxo da lógica sindical combativa em relação aos trabalhadores da CSN. Contudo, embora os trabalhadores da CSN não tivessem praticado nenhuma greve no período que vai de 1991 a 2006, a Usina Presidente Vargas teve a sua produção prejudicada neste ínterim pelas paralisações realizadas por vários trabalhadores terceirizados, com destaque para os funcionários da Sankyu, que entraram em greve em 199569, 2005, 2006 e 2007. Em contraposição à idéia de que os trabalhadores terceirizados teriam pouca capacidade de organização – devido à ausência de uma tradição de lutas, ou a sua maior vulnerabilidade – a força de mobilização demonstrada por eles durante esses anos aponta para a emergência de novas identidades coletivas (embora fragmentadas em relação à situação anterior) e de respostas ao contexto da pulverização dos trabalhadores entre vários empregadores 70. O ano de 2007, mais do que os outros, trouxe à tona a desesperança em relação à possibilidade de realizar uma greve como de outrora, que mobilizasse indiscriminadamente o conjunto de trabalhadores da UPV. As maiores empresas terceirizadas da CSN entraram em greve nos anos de 2005 e 2006. A greve de 2005 reuniu as empresas Comau, K&K, Magnesita, Emac, Sankyu, Ormec, Tecnosulfur, Lauer, M&P e Vais do Brasil contra o sindicato patronal, ou Sindicato das Indústrias Metalúrgicas do Sul Fluminense (Metalsul). O Metalsul negocia pela maior parte dos empregadores terceirizados da CSN. Embora a pauta entregue pelo SMVR ao Metalsul contenha reivindicações 69 Em agosto de 1995, os 200 funcionários de manutenção da Sankyu que trabalhavam na UPV entraram em greve pela equiparação de seus salários em relação aos empregados de manutenção da FEM, pelo recebimento de cestas básicas e pelo pagamento de insalubridade em critérios equivalentes àqueles utilizados para os metalúrgicos da CSN (Resenha da Imprensa de 22 de agosto de 1995). A greve terminou após 3 dias de duração com um aumento de salário, concessão da cesta básica no mês de agosto, da garantia de pagamento de repouso remunerado e com o desconto mensal dos dias parados (Boletim 9 de novembro de 25 de agosto de 1995). 70 Um dado importante a ser ressaltado é o fato de que no ano de 2009, as empresas Sankyu e Comau tinham um percentual de sindicalização de 80% e 60%, respectivamente, entre seus funcionários, enquanto que apenas 40% dos funcionários da CSN eram sindicalizados no mesmo período (Dados da Secretaria Geral do SMVR). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 159 iguais ou similares71 para os empregados de todas as empresas terceirizadas, o sindicato patronal pode negociar os acordos coletivos de cada empresa em separado. As principais reivindicações dos trabalhadores terceirizados em 2005 foram: índice nacional de preços ao consumidor (INPC) pleno, 10 % de aumento real e um piso salarial para a categoria72. Os trabalhadores entraram em estado de greve em 18 de maio de 2005, e assim permaneceram até 31 do mesmo mês, quando votaram o retorno às atividades mediante a aceitação da proposta de piso salarial profissional de R$ 600,00 reais e 10 % de aumento (6,6% de INPC mais aumento real) para quem ganhava acima de R$ 545,46 reais. Os trabalhadores foram obrigados a compensarem 4 dos 13 dias parados73. A greve foi considerada vitoriosa pelo SMVR já que a partir de então ficou estabelecido um piso salarial para os trabalhadores terceirizados da CSN. A greve de 2006, que teve início em 22 de maio, foi realizada por trabalhadores das empresas terceirizadas Comau, Magnesita, K&K, M&P, Ormec, Sankyu e Emac74. Os trabalhadores das empresas terceirizadas reivindicavam o INPC integral, 5% de aumento real e novos pisos salariais para os trabalhadores da categoria75. A greve de 2006 teve duração diferenciada entre os trabalhadores. Os funcionários das contratadas Emac, Magnesita, K&K e M&P aceitaram a proposta feita no dia 2 de junho e encerraram a greve 12 dias após seu início76. Já os trabalhadores da Ormec e da Comau votaram pelo encerramento da paralisação de suas atividades no dia 5 de junho, 15 dias após a deflagração. Apenas os funcionários da empresa Sankyu recusaram sucessivas propostas e findaram a greve após 19 dias de duração 77. No decorrer da movimentação grevista, o Metalsul 71 As pautas dos trabalhadores terceirizados do SMVR de 2005, 2006 e 2007 continham, na maior parte, cláusulas comuns para os funcionários de todas as terceirizadas; algumas reivindicações pela equiparação de benefícios já introduzidos em acordos coletivos de outras empresas terceirizadas; e algumas cláusulas específicas. É importante notar que o desnível de direitos e benefícios está presente até mesmo entre os terceirizados de manutenção. A busca do SMVR em equiparar as condições desses trabalhadores se baseia no nivelamento por cima, ou seja, tendo por base os acordos coletivos e/ou as cláusulas mais vantajosas já incorporadas por uma ou outra prestadora de serviços. 72 De R$750,00 reais para os profissionais, R$460,00 reais para os ajudantes e R$1.170,00 reais para mestres (Boletim 9 de novembro de 10 de maio de 2005). 73 Boletim 9 de novembro de 1° de junho de 2005. 74 Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006. 75 Os pisos propostos pelos trabalhadores eram de R$500,00 reais para ajudante, R$700,00 para os auxiliares, R$ 850,00 reais para profissionais, R$1.200,00 reais para mestres e R$1.500,00 reais para técnicos (Boletim 9 de novembro de 10 de maio de 2006). 76 Notadamente a distensão foi iniciada pelos trabalhadores das empresas menores, com efetivos mais reduzidos dentro da CSN. 77 Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 160 acionou o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e ajuizou o dissídio coletivo que posteriormente julgou abusiva a greve e determinou que os trabalhadores tivessem desconto de 50% dos dias parados. Os anos de 2005 e 2006 foram marcados por greves envolvendo as principais prestadoras de serviços de manutenção da CSN e pelo desenvolvimento da capacidade de mobilização desses trabalhadores. O SMVR buscou articular uma identidade coletiva de “terceirizado” através da elaboração de uma pauta de reivindicações única para o grupo, embora esses trabalhadores sejam empregados de diferentes empresas. Como contra-estratégia à mobilização dos “terceirizados”, os entrevistados relataram que o Metalsul costuma propor acordos coletivos diferenciados entre os trabalhadores das diferentes empresas, com ligeiras melhorias para alguns funcionários com o intuito de incentivar a desmobilização dos grupos terceirizados. Os movimentos grevistas dos anos de 2005 e 2006 provavelmente forneceram um incentivo à retomada da greve como forma de pressão dentro da CSN. De acordo com os boletins sindicais, durante esses anos, os trabalhadores da CSN ameaçaram paralisar as atividades assim como os trabalhadores terceirizados, chegando até a votar positivamente pelo citado expediente, embora acabassem, em seguida, negociando seu acordo coletivo. Em 2007, a greve envolveu, além dos trabalhadores terceirizados das duas maiores prestadoras de serviços, a Sankyu e a Comau78, os trabalhadores do quadro da CSN. A Campanha Salarial Unificada realizada em meados de 2007 sob a presidência de Renato Soares era parte de uma tentativa de reaproximação e esforço conjunto entre os principais sindicatos que agrupavam trabalhadores da CSN em sua base, dentre eles o SMVR, o Sindicato Metabase de Congonhas, o Sindicato dos Engenheiros e o Sindicato dos Contabilistas. Além da associação entre os Sindicatos, foram realizadas assembléias que reuniam trabalhadores da CSN e trabalhadores das terceirizadas Comau, Sankyu, Magnesita, M&P, Tecnosulfur, Ormec, Vais, K&K e Emac. A Campanha Salarial Unificada representou uma tentativa de atacar dois tipos de divisões que comprometem a força dos movimentos reivindicatórios e grevistas: a divisão horizontal, a partir da multiplicação de sindicatos para representar os trabalhadores de uma mesma empresa, e a divisão que consiste na fragmentação da categoria intra-sindicato, a partir da negociação coletiva com variadas empresas 78 As empresas Sankyu e Comau são reconhecidas pelos trabalhadores da usina como as prestadoras de serviços que reúnem o maior número de ex-trabalhadores da FEM, por isso designadas como “a antiga FEM”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 161 subcontratadas79. Contra as estratégias desmobilizadoras da classe patronal, o SMVR propunha um movimento reivindicatório unificado com uma pauta de demandas aproximada para os trabalhadores da UPV que faziam parte de sua base e trabalhadores que compunham outras bases sindicais. A recusa da CSN e do Metalsul em negociar com o movimento unificado levou o SMVR a assumir uma postura de “entrincheiramento” e preparação para, findas as possibilidades de negociação verbal, dar início a uma greve em toda a usina80. A falta de um acordo na Campanha Salarial Unificada de 2007 culminou com a primeira greve realizada pelo SMVR em conjunto com os trabalhadores da CSN após a privatização. Desde 1990 os trabalhadores da CSN não recorriam à greve como forma de pressionar a empresa pela aprovação de suas reivindicações. Para os subcontratados das empresas Sankyu, Comau, Ormec, Emac e Magnesita, a paralisação de 2007 dava continuidade a um período sequencial no qual a greve vinha sendo alçada à categoria de recurso privilegiado de pressão contra as empresas81. Já os trabalhadores da CSN em 2007, embora a empresa ainda abrigasse um número significativo de herdeiros da tradição grevista da década de 1980 e início dos 1990, estavam há 16 anos sem recorrer à greve como forma de articular suas demandas. Portanto, a Campanha Salarial Unificada reuniu dois grupos de trabalhadores em pontos diferenciados de suas trajetórias de existência: enquanto os trabalhadores da CSN eram “relembrados” do papel que a greve tivera em sua história e experimentavam a re-encenação de uma tradição vanguardista que lhes fora atribuída outrora, o trabalhador terceirizado estava em franca construção da greve como artefato de sua categoria. A greve de 2007 representava simbolicamente um teste à reação e ao comportamento dos trabalhadores da CSN, ainda hoje lembrados por sua postura combativa e aguerrida da década de 1980. A própria experiência de uma greve na CSN como empresa privada, conduzida por seus funcionários, era uma incógnita que tardava a ser respondida. 79 Boletim 9 de novembro de 17 de abril de 2007. A própria organização visual dos Boletins do SMVR durante a Campanha Salarial Unificada denuncia a estratégia aglutinadora: com os emblemas dos outros Sindicatos da Base dos trabalhadores da CSN no topo do periódico, e com o nome das principais empresas terceirizadas ao redor do texto (Boletins do SMVR de 28 de março a 13 de junho de 2007). 80 Boletim 9 de novembro de 7 de maio de 2007. 81 É possível que as greves sucessivas organizadas pelos trabalhadores terceirizados tenha sido um dos fatores que levou a CSN a criar um programa de desterceirização em 2006. A desterceirização de parte da manutenção realizada pelas empresas Sankyu e Comau foi implementada nos de 2007 e 2008 dentro da UPV. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 162 O impulso inicial da greve de 2007 foi dado pelos trabalhadores terceirizados da Sankyu, Comau, Magnesita, Ormec e Emac, que a iniciaram em 30 de maio. Os trabalhadores da CSN só aderiram à greve na madrugada do dia 1° de junho. Segundo o Boletim 9 de novembro, a paralisação das atividades havia comprometido 50% do funcionamento da UPV82. A proposta recusada pelo SMVR e pelos trabalhadores das contratadas era de reposição de 3,44% do INPC, mais 2% de aumento real e R$ 300,00 reais de abono. Já os trabalhadores da CSN entraram em greve contra o adicional do INPC, 1,5% de aumento real e R$ 2.000,00 reais de abono. Para os trabalhadores contratados, o SMVR pedia 20% de aumento real. Dentre as principais reivindicações presentes nas pautas dos acordos coletivos estava o estabelecimento do piso salarial profissional de R$1.200,00 em lugar dos R$ 700,00 pagos na época aos trabalhadores terceirizados, e a reposição salarial de 35,41% referente às perdas históricas no salário dos trabalhadores da CSN83. Vários expedientes de coerção foram utilizados pelas empresas para solapar os esforços grevistas. Diretores sindicais teriam sido agredidos por seguranças da CSN, os chefes, principalmente da CSN, permaneceram no local de trabalho com o intuito de fiscalizar a frequencia dos trabalhadores, bem como de contatar pelo telefone aqueles que se ausentassem. No dia 6 de junho de 2007, 6 dias após o início da greve de seu grupo, os trabalhadores da CSN votaram pela aceitação da oferta acima mencionada, além da proposta de uma hora de almoço aos trabalhadores do turno 84 e da promessa de não retaliação aos grevistas. Os trabalhadores terceirizados da Comau e da Sankyu deram continuidade à greve que foi encerrada cerca de 27 dias após seu início. A greve dos trabalhadores terceirizados foi julgada ilegal pelo TRT. A saída dos trabalhadores da CSN da greve de 2007 foi mencionada com certo tom de ressentimento por alguns terceirizados, e lamentada por alguns trabalhadores da CSN entrevistados, pois havia uma forte expectativa em torno do “correr juntos”. Os relatos que mencionavam a participação dos trabalhadores da CSN, em geral, expressavam a impressão de que ela havia encerrado antes mesmo de começar, ou seja, de que a atitude fura-greves havia sido 82 Boletim 9 de novembro de 3 de junho de 2007. 83 Boletim 9 de novembro de 16 de maio de 2007. 84 Nesta época, os trabalhadores do turno de 8 horas tinham direito a 30 minutos de almoço (Boletim 9 de novembro de 11 de junho de 2007). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 163 mais uma regra do que exceção. Não por acaso, o então presidente do SMVR, Renato Soares, lamentou a dissolução do esforço grevista e a impossibilidade de, como outrora, “parar a usina”, concluindo que os anos de 1980 haviam sido singulares na história do SMVR e do sindicalismo de confronto. Portanto, da descrição sumária das greves realizadas por trabalhadores terceirizados é possível perceber as tentativas do SMVR em fazer dialogar interesses fragmentários como parte de uma estratégia para lidar com a pulverização dos trabalhadores. Por outro lado, à reinvenção de práticas sindicais grevistas se contrapunha as novas investidas diferenciadoras da classe patronal, diversificando e pulverizando os acordos coletivos. Além disso, é importante notar que a nova conjuntura favoreceu a emergência de uma identidade coletiva (embora por vezes efêmera) articulada sob a condição de terceirizado, e também as identidades grupais, vinculadas a empresas específicas como os trabalhadores da Sankyu e da Comau. Embora não nos tenhamos detido especificamente sobre o resultado dessas mobilizações em termos de ganho real para a categoria, tentamos focalizar neste trabalho as complexas formas de organização da identidade possíveis a partir da terceirização de grande contingente da CSN e também dos limites e desafios à construção de identidades políticas abrangentes pelo SMVR. Também exploramos pouco um elemento importante para a apreciação do processo de terceirização: a relação entre a CSN e suas contratas. Tal esforço será combustível para trabalhos futuros, contudo, antes de prosseguir é preciso destacar dois pontos importantes para compreender a repercussão e os limites dessas greves no contexto da terceirização. Os trabalhadores terceirizados, ao se lançarem em greves, têm consciência de que sua pressão extrapola a relação com a contratada, atingindo a própria contratante. Este é um dos resultados contraditórios de um tipo de contrato de trabalho que tenta separar juridicamente uma realidade cotidiana inseparável: o vínculo do trabalhador com seu meio. A pressão grevista exercida pelos terceirizados atinge a própria CSN, porque ameaça o funcionamento de sua produção e coloca em suspenso a possibilidade da empresa honrar os prazos e compromisso assumidos com os compradores. Por outro lado, vários entrevistados e líderes sindicais insistiram em afirmar que as empresas terceirizadas não tem autonomia para negociar livremente com seus empregados. As prestadoras de serviços não geram valor, fato que impede que elas ofereceram a seus trabalhadores mais do que os benefícios e salários planejados para a vigência do contrato, ou seja, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 164 o limite da negociação do acordo coletivo é dado pelo cálculo da margem de lucro esperada pela contratada, fixada previamente pelo período de 3 anos. Reflexos das greves na concepção sobre a diferença Nesta seção de trabalho reunimos algumas das explicações, argumentos e fundamentações de sindicalistas e trabalhadores terceirizados e da CSN sobre o caráter dos movimentos grevistas supra-citados e sobre as diferenças que impulsionaram terceirizados a uma atitude de confronto e os trabalhadores do quadro a uma atitude mais contida. A construção de argumentos para caracterizar os perfis de trabalhadores contratados e diretos contribuía para acentuar as diferenças nas posições atualmente ocupadas pelas duas categorias de trabalhadores. As greves desnudavam em suas “falas”, a fragmentação dos interesses e das condições dos dois tipos de trabalhadores. Uma das principais razões apontadas pelos entrevistados como motivadora do perfil grevista e confrontador estava ligada ao desempenho de atividades de manutenção. Tanto o expresidente do SMVR, Carlos Perrut, quanto o atual, Renato Soares, identificaram na FEM e, principalmente, em seu quadro de funcionários de manutenção industrial, a força das greves dos anos de 1980 e início dos 1990. Como fora discutido anteriormente, as atividades de manutenção da FEM, bem como parte de seus quadros, foram transferidos para as terceirizadas nos anos 2000. A CSN à época promovia o enxugamento de seu quadro próprio a partir da transferência da maior parte das atividades de manutenção para prestadoras de serviços, fazendo com que o quadro majoritário da empresa fosse ocupado por profissionais de operação – que muitas vezes são representados simplificadamente como sinônimo de “os trabalhadores da CSN”. Com a extinção da FEM-manutenção, os trabalhadores terceirizados legaram da subsidiária o desempenho das atividades de manutenção e, também, concomitantemente, para alguns dos entrevistados, a postura de confronto, materializada nos anos de 2005, 2006 e 2007. Desta forma, o perfil grevista dos terceirizados, construído a partir da experiência recente de greves sucessivas, era explicado, em parte, pelo desempenho de atividades de manutenção, que garantiriam ao trabalhador maior empregabilidade. Um argumento recorrente entre os entrevistados era a idéia de que a manutenção representa uma “profissão” na medida em que independe do ambiente fabril para se realizar. O funcionário de manutenção é um “eletricista” ou um “mecânico”, qualificações e conhecimentos aplicáveis tanto em outros tipos de indústrias que não a A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 165 metalúrgica e, até mesmo, no desempenho de trabalho autônomo. Em contraposição à maior versatilidade do funcionário de manutenção (e da sua conseqüente maior disposição para as greves) o funcionário de operação seria, segundo os entrevistados85, mais enraizado e menos disposto ao confronto devido ao caráter pouco versátil e, até mesmo, “enrijecedor” das atividades de operação, considerada extremamente especializada. Desta forma, uma primeira identificação geral dos perfis de trabalhadores terceirizados/trabalhadores de manutenção e trabalhadores da CSN/trabalhadores de operação com relação à atitude grevista girava em torno da dicotomia autonomia/flexibilidade e capacidade de adaptação e, de outro lado, uma autonomia comparativamente menor/desempenho de funções repetitivas. Embora as explicações sobre o perfil grevista dos contratados tenha, em parte, sido relacionada a um potencial inerente à manutenção, ou seja, à continuidade com um período anterior, eles apareceram associados a argumentos que situam no processo de terceirização e de precarização de salários e direitos a emergência de uma postura reivindicatória latente. A defasagem de salários e direitos em relação ao trabalhador do quadro criaria um tipo de atitude de descaso, uma atitude de “quem não tem nada a perder” entre os terceirizados. Por outro lado, os trabalhadores da CSN, gozando de uma situação relativamente melhor dentro da UPV, hesitariam mais em assumir um postura que colocasse em risco as conquistas históricas firmadas nos acordos coletivos. Essa foi a principal explicação articulada para sustentar a saída precoce dos trabalhadores da CSN da greve de 2007. Notoriamente a menção à existência de um clima de intimidação dos trabalhadores por parte dos chefes da CSN aponta para uma estratégia desmobilizadora pautada pela administração calculada da diferença, ou seja, a ameaça latente de revogação de benefícios e o rebaixamento do trabalhador direto à condição dos “outros”, ao “marco-zero” dos direitos mínimos garantidos pela CLT. Portanto a opinião recorrente afirmava que, embora os trabalhadores da CSN não considerem sua situação exatamente boa ou satisfatória, não a colocam em risco. A criação de uma diferença entre trabalhadores terceirizados e da CSN parece uma estratégia eficaz por parte da empresa com o intuito de defrontar diariamente o trabalhador do quadro com a possibilidade iminente de ter seu estatuto e sua condição rebaixados tal qual o outro. A manutenção de uma diferença de direitos e salários entre trabalhadores terceirizados e da CSN cria uma situação em que a defesa de uma condição que é relativamente melhor alimenta o medo de sanções e 85 Dentre eles, sindicalistas, trabalhadores da CSN e das terceirizadas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 166 represálias. Portanto, a ideia de que o trabalhador da CSN “tem mais a perder do que os trabalhadores terceirizados” sugere a existência de uma vantagem que é relacional. Por outro lado, a busca incessante de melhorar sua condição dentro da usina entre os trabalhadores terceirizados parece ter um horizonte positivo encarnado pela condição de trabalhador do quadro direto. Neste lado do pêndulo, a diferença, ao invés de causar medo, motiva a busca por equiparação das condições entre trabalhadores das terceirizadas e da CSN, que muitas vezes percebem salários e direitos desiguais pelo desempenho de atividades iguais ou similares. A justaposição permanente e cotidiana de trabalhadores com estatutos diferentes, neste ponto, parece ter criado uma situação dual: a diferença inspira o ataque de uns e a defesa de outros. Uma terceira explicação para definir a atitude grevista recente dos trabalhadores terceirizados versava sobre a existência de uma pressão maior e mais intensa da contratante em relação a seu quadro do que das contratadas em relação ao seu efetivo. Durante a greve de 2007, foi relatado pelos entrevistados uma gama de investidas dos chefes da CSN contra a adesão dos trabalhadores e em prol da desmobilização. Ameaças de demissão, rígido controle da frequencia dos trabalhadores, a presença continuada dos superintendentes nas áreas, a busca de funcionários em casa para trabalharem e até mesmo o incentivo para que eles dormissem dentro da usina foram expedientes utilizados pela CSN para desarticular o esforço de greve. Já as empresas contratadas foram caracterizadas como mais tolerantes e menos rigorosas durante os eventos grevistas. Muito desta tolerância seria, segundo os entrevistados, fruto da necessidade de manter os profissionais treinados em seus quadros, mesmo com salários e condições defasadas. O trabalho com entrevistas tem a virtude de identificar aquilo que os trabalhadores atribuem como formas de compreender a fragmentação e os seus resultados. Na consideração das greves de 2005, 2006 e 2007, os trabalhadores e sindicalistas conferiram perfis e atitudes diferenciadas a trabalhadores terceirizados em relação aos trabalhadores da CSN como resultado de seus posicionamentos em níveis desiguais de condições. Contudo, não devemos radicalizar certas opiniões pois elas são construídas de forma dicotomizada, quer dizer, são exacerbadas pelo caráter relacional entre as condições de trabalhadores da CSN e prestadores de serviços. Portanto, considerações como “os terceirizados fazem greve porque não tem nada a perder”, “as firmas terceirizadas tem um controle mais frouxo dos seus funcionários”, ou “operadores/trabalhadores da CSN são pouco flexíveis e engessados” são extremos que emergem de uma leitura relacional, e A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 167 tendente à demarcação de uma oposição radical. Contudo, se analisados de forma não absoluta, todos os argumentos fazem emergir novas questões sobre os resultados da dinâmica do trabalho reestruturado e terceirizado na organização dos trabalhadores e de seus interesses nos espaços de trabalho. As greves do SMVR e dos trabalhadores da usina – que eram historicamente marcadas pela adesão maciça, pelo esforço conjunto na década de 1980 e no início de 1990 – durante os anos 2000, representaram um teste à validade das estratégias tradicionais do sindicato em meio ao contexto das novas relações de trabalho e emprego. Neste sentido, as greves do SMVR de 2005, 2006 e, particularmente, a de 2007 parecem ter fomentado o acirramento da percepção da diferença entre os trabalhadores diretos e contratados. A multiplicação dos empregadores e dos acordos coletivos dentro das empresas e das categorias de trabalhadores a partir da terceirização desencadeou um processo de desarticulação dos interesses e das experiências. A pluralidade de acordos coletivos diferenciados firmados entre a CSN e seus trabalhadores, e entre as prestadoras de serviço e seus funcionários, intensifica a dissociação dos coletivos na medida em que situa os trabalhadores em patamares diferenciados de direitos e conquistas. Aos sindicatos resta a tarefa de lidar com clamores cada vez menos uníssonos. Todavia, as experiências das greves de 2005, 2006 e 2007, principalmente entre os terceirizados, apontam para um certo revigoramento da prática combativa, mesmo em um ambiente de intensa pressão fragmentadora e precarizante e em uma categoria considerada “fraca” e pouco “coesa”. Apontam também para a necessidade de um redimensionamento das estratégias sindicais que sejam ao mesmo tempo pautadas pelo questionamento das práticas impostas pelas novas formas, mas também pela possibilidade de incorporação de novas identidades plurais à dinâmica institucional. Referências Bibliográficas ABREU, Alice Rangel de Paiva, BEYNON, Huw, RAMALHO, José Ricardo. A fábrica dos sonhos da Volkswagen. In: RAMALHO, José Ricardo; SANTANA, Marco Aurélio (orgs.). Trabalho e desenvolvimento Regional: Efeitos sociais da indústria automobilística no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad: UFRJ – PPGSA; Brasília, DF: CAPES, 2006. 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Os desafios à diminuição da incidência de condições de trabalho análoga à escrava são colossais, e incluem resistências desde os próprios aparelhos do Estado. Aproximadamente 37 mil trabalhadores foram resgatados pelo Estado em situação análoga à de escravos entre 1995 e maio de 201087. Este texto pretende demonstrar como e por que esse fenômeno se constitui como o limite da relação de assalariamento no capitalismo brasileiro. A análise será permeada pelas histórias (tragédias) de Jeferson e Janine, jovens de 15 e 14 anos de vida, respectivamente, que ilustram paradigmaticamente a natureza e os limites (se mensuráveis) inerentes à relação de emprego sob a lógica do capital. Conheci Jeferson e Janine em 200988. Estes jovens não se conhecem e moram a milhares de quilômetros de distância que separam Pará e Santa Catarina. Eles aparentemente têm pouco em comum, como o senso comum pode especular que Pará e Santa Catarina em nada se assemelham. Entretanto, Jeferson e Janine estão muito próximos, assim como Pará e Santa Catarina não estão tão distantes. O que os aproxima? Os jovens eram parte de uma mesma relação social, estando inseridos subordinadamente nessa relação. Mais especificamente, a relação que os subsumia ultrapassou o limite permitido para que fosse socialmente legitimável. Jeferson e Janine eram 86 Universidade Federal da Bahia / Ministério do Trabalho (auditor fiscal); doutorando em Ciências Sociais. 87 Dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br). 88 Com exceção dos nomes, todos os dados apresentados sobre Jeferson e Janine correspondem estritamente aos fatos detectados em duas operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho das quais fiz parte. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 173 trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravos, o limite da relação de assalariamento no Brasil. A questão é: tem limite essa relação? O assalariamento se institui historicamente a partir da dupla liberdade que a parcela majoritária da população que trabalha passa a gozar em determinada sociedade. Por um lado, livre dos laços de dependência específicos de outros modos de produção (como a condição de servo ou escravo); por outro, “livre” do controle sobre os meios de produção. Essa dupla liberdade tem como corolário, para a população que trabalha, um destino compulsório, qual seja, a necessidade da venda de sua força de trabalho como meio para sua reprodução (inclusive física). Os compradores da força de trabalho são os proprietários dos meios de produção, cujo objetivo no bojo de tal relação social é a obtenção incremental do excedente socialmente produzido, que nesta sociedade ganha a forma de lucro monetário. A busca do lucro como objetivo do capital é um dos fenômenos mais estilizados da história das ciências sociais, sobre o qual concordam desde os clássicos Marx (2002)89 e Weber (2003), até a teoria econômica ortodoxa 90 . Seja por personificar o capital, pela ação racional ou pelo hedonismo inerente ao ser humano, concorda-se que o capitalista tem como objetivo a busca do lucro sempre renovado. Contudo, a busca pelo lucro não é efetuada pelo capitalista apenas regularmente, mas também compulsivamente, conforme qualifica Weber (2003, p. 94, p. 99). Para o autor, a ação capitalista tende a desvincular-se dos meios que inicialmente a justificam, engendrando uma ação com fim em si mesma91. Mais do que desvincular-se dos fins, constituindo-se em autojustificação, a história do capitalismo abunda indícios de apartamento entre os meios socialmente estabelecidos para a obtenção do lucro pelo capital e a busca efetivamente empreendida pelo mesmo. Assim, a ação capitalista não apenas tende a se autonomizar enquanto fim, conforme argumenta Weber (2003), mas também a se descolar dos meios que não aqueles que corroborem 89 “Enquanto a apropriação crescente da riqueza abstrata for o único motivo que determina suas operações, funcionará ele como capitalista, ou como capital personificado, dotado de vontade e consciência” (2002, p.183). Em que pese não ser este o espaço para esmiuçar a questão, me parece contraproducente a enorme celeuma historicamente incrustada no marxismo (dentre diversos exemplos possíveis, ver debate milliband versus poulantzas [ideologia na ciência social]) assentada na falsa dicotomia entre motivação e determinação para buscar o lucro, que discrimina artificialmente supostos fatores objetivos e subjetivos na explicação da reprodução do capital. A rigor, ambas as perspectivas fetichizam a natureza da relação social. 90 A título exemplificativo, ver Mankiw (2000); A vocação ao trabalho, da poupança e reinversão, etc., oriundos dos valores religiosos, motivam os indivíduos para a ação capitalista, tendo como fim a salvação. Contudo, o autor percebe que a ação capitalista tende a se desvincular da sua motivação religiosa, se constituindo em um fim em si mesmo. É desfeito o elo com o mundo: o capitalismo, segundo Weber (2003, p.99), não carece mais do suporte do asceticismo religioso, constituindo uma convulsiva espécie de autojustificação. 91 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 174 sua reprodução92. Partindo de outro corte epistemológico, Marx (2002) demonstra fartamente como opera a compulsão do capital pela sua reprodução incremental, que questiona limites morais, geográficos, culturais e jurídicos estabelecidos antes ou mesmo durante a disseminação e estabelecimento dessa relação social. Na teoria econômica ortodoxa, a busca pelo lucro deriva da característica imanente (natural) do homem de maximizar seus benefícios e minimizar esforços, apresentando o mercado como ente trans-histórico ideal para realização do hedonismo, cujas resistências artificiais eventualmente imputadas são natural e necessariamente superadas pelo cálculo custo-benefício. Como o lucro é extraído do trabalho, este é vítima necessária e preferencial das ofensivas do capital sobre os meios indesejados à sua reprodução. Destarte, atributos indesejáveis à reprodução do capital, que acompanhem o trabalho, são sempre atacados, desde os primórdios do capitalismo. Por exemplo, o processo de discussão, elaboração e efetivação da legislação fabril na Inglaterra do século XIX é minuciosamente analisado por Marx (2002), que demonstra como o capital lutou arduamente contra a regulação em todas as referidas etapas93. Se por um lado o capital usa de todas as armas para extrair o máximo da riqueza social e despender o mínimo, por outro o trabalho pode se submeter a quase qualquer situação no bojo da relação, pois, conforme já indicado, depende da venda da sua força de trabalho para sobreviver. Conforme argumenta Polanyi (2000), a transformação do trabalho em mercadoria engendra a eliminação do “direito à vida”. O resultado dessa combinação é que, dada a compulsão do capital e a “liberdade” do trabalho, não há um limite inerente às condições de venda e uso da força de trabalho (à relação de assalariamento), ou seja, sem a organização coletiva do trabalho ou intervenção externa podem emergir, inclusive, padrões de uso que seriam próprios de outro modo de produção. 92 Após o quase cataclisma do mundo e posterior tentativa de domesticação da chamada Era Fordista, o capital tem reagido intensivamente para superar elementos que obstaculizam sua “livre” reprodução. 93 Não se pode confundir o ataque conta a legislação fabril contra o ataque a qualquer regulamentação. Muitas regras, em determinados contextos, podem contribuir para reprodução do capital, sendo consentidas ou mesmo demandadas por ele. O caso do direito do trabalho é paradigmático. Atacado duramente desde os seus primórdios, ele é parcialmente aceito e mesmo contribui para a reprodução do capital, conforme mostra Marx no caso do emprego das máquinas mais modernas a partir de exigências da higiene do trabalho. A formalização dos vínculos de emprego, dos controles da jornada, etc., do mesmo modo, no período fordista contribuíram para a padronização e subsunção do trabalho ao capital, sendo funcionais naquele contexto (mesmo que individualmente os capitalistas resistissem à regulamentação). Todavia, a partir do momento em que a regulação dificulta (ou simplesmente desacelera) sob qualquer modo a reprodução do capital, como agora acontece dada a hegemonia do capital financeiro e demanda por velocidade e flexibilidade da acumulação, as regras são prontamente atacadas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 175 Relação sem limites Jeferson e Janine trabalhavam em condição análoga à dos escravos, estatuto formalmente eliminado do quadro jurídico brasileiro no século XIX. O trabalho escravo foi política de Estado no Brasil colonial (Estado português) e assim continuou após a independência, até 1888. Este foi o modelo de relação de produção adotado para a produção do excedente sob domínio português e mantido depois da constituição de um Estado emancipado. Subsumida à lógica da reprodução ampliada da riqueza desde o início, a relação entre proprietário e escravo foi pautada pela exploração extrema do último sob diversos aspectos (condições subumanas de alimentação, moradia, higiene, segurança, saúde), inclusive da vida útil dos trabalhadores escravizados – em torno de 20 anos após a abolição do tráfico (SILVA, 2008). Mais de um século depois de ser cessada a propriedade formal de homem sobre homem como política de Estado, substituída pelo assalariamento através da liberdade formal dos indivíduos e monopolização dos meios de produção, abundam no Brasil flagrantes de condições de trabalho parecidas, iguais ou mesmo piores que aquelas verificadas no período de escravidão institucionalizada. Jeferson e Janine foram vítimas de submissão a condições análogas àquelas vivenciadas pelos escravos. As informações abaixo apresentadas acerca das condições de trabalho dos dois jovens foram detectadas in loco, prescindindo de adjetivos para comparação com o escravismo anterior à lei áurea: Jeferson trabalhava no plantio de uma lavoura de tomate, no noroeste do rico estado de Santa Catarina. O trabalho era organizado por espécies de lotes de plantação, ficando um grupo de trabalhadores (em geral, uma família) responsável por cada lote. As famílias eram contratadas por um intermediário, que era o dono das terras, mas totalmente financiado e subordinado ao verdadeiro empregador, um atacadista do estado de São Paulo. Os trabalhadores eram submetidos a um regime de suposta sociedade relativamente à área que cuidavam; não recebiam salário e teriam uma parcela da produção final. Os trabalhadores laboravam durante todo o ciclo produtivo, do plantio à colheita do tomate, e adquiriam seus bens de consumo num mercado com base em crédito acertado com o intermediário, que seria descontado do pagamento ao final da colheita. Desse modo, todos os trabalhadores estavam supostamente em dívida com o preposto do verdadeiro empregador a partir do momento em que se instalavam no local, não podendo deixar o estabelecimento. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 176 Jeferson e sua família estavam inseridos nesse cenário. Ocorre que a mãe do jovem teve divergências com o intermediário e deixou a plantação. Como ela era supostamente devedora, foi obrigada a deixar o filho como forma de pagamento, ou melhor, foi obrigada a deixar o filho para que este trabalhasse para quitar a suposta dívida, já que a força de trabalho do jovem era a única mercadoria possível de transacionar. Desse modo, Jeferson se abrigou na construção onde estava alojada outra família (que também possuía filhos menores de idade em atividade) e trabalhava para pagar os débitos. O estabelecimento onde Jeferson trabalhava empregava vinte trabalhadores, incluindo algumas famílias inteiras, conforme já mencionado. Os trabalhadores ficaram abrigados na fazenda, em construções precárias (sem piso de material resistente ou cobertura capaz de proteger contra intempéries) próximas às respectivas áreas de plantio do tomate. A água consumida não havia passado por qualquer teste de qualidade, era marrom (literalmente), sendo oriunda de um igarapé de água quase parada próximo à plantação. Durante a jornada as refeições eram efetuadas nas frentes de trabalho, mas não havia qualquer espécie de abrigo, mesas e/ou cadeiras para uso dos empregados, nem banheiros. A cultura do tomate é pródiga na utilização de agrotóxicos, e no empreendimento que empregava Jeferson não era diferente. Havia aplicação de diversos tipos de agrotóxicos de várias classes toxicológicas, como I e II, respectivamente extremamente e altamente tóxicos, a exemplo dos produtos Lannate e Kocide. Contudo, os trabalhadores expostos não foram capacitados sobre prevenção de acidentes com agrotóxicos; o empregador não fornecia vestimentas adequadas e por isso os trabalhadores utilizavam suas roupas de uso pessoal para aplicação dos agrotóxicos. Os próprios trabalhadores e/ou suas respectivas esposas realizavam a lavagem das vestimentas utilizadas na aplicação dos agrotóxicos, sem qualquer espécie de treinamento prévio. A higienização era efetuada nas construções que abrigavam os trabalhadores e as vestimentas utilizadas na aplicação de agrotóxicos ficavam estendidas nos varais das moradias. Não havia qualquer espécie de sinalização nas lavouras onde estava ocorrendo aplicação de agrotóxicos (é necessário indicar o período de reentrada). Os trabalhadores laboravam sem utilização de equipamentos de proteção individual (vestimentas adequadas, botas, luvas e óculos de proteção), pois não lhes havia sido fornecido. Alguns trabalhadores utilizavam uma embalagem de agrotóxico como recipiente para conservação e consumo de água. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 177 Os agrotóxicos eram armazenados em edificação que se situava a menos de 30m das habitações e locais onde eram consumidos alimentos. As embalagens de agrotóxicos não estavam sobre estrados, pilhas estáveis, afastadas das paredes, nem afastadas do teto. A edificação destinada ao armazenamento de agrotóxicos não possuía placas ou cartazes com símbolos de perigo, nem tinha paredes e cobertura resistentes. Havia embalagens de diversos tipos de agrotóxicos, vazias ou em utilização, totalmente expostas ao lado da plantação. Tratava-se, inquestionavelmente, de situação de grave e iminente risco à vida de todos os trabalhadores submetidos àquela situação, havendo também mulheres grávidas e filhos pequenos expostos ao mesmo cenário. Janine, no norte do país, trabalhava na atividade do roço de juquira para o pasto. Tratava-se de um braço do empreendimento do empregador, qual seja, a produção de leite. Para isso, a primeira etapa é roçar o terreno para a produção do pasto, onde é criado o gado que fornecerá o leite. A jovem não trabalhava diretamente no roço, servindo como organizadora da logística para que seus colegas trabalhassem no campo. Ela organizava os abrigos e preparava as refeições dos trabalhadores. Janine e seus colegas estavam abrigados em dois barracos de lona. Esses barracos eram feitos com pedaços de madeira, cobertos com lona preta e palha de folhas secas e o piso dos abrigos era a própria terra batida. Os abrigos não possuíam fechamento lateral (paredes) e nem forneciam qualquer proteção contra intempéries ou ataques de animais. Os trabalhadores relataram que fazia muito frio à noite. Eles dormiam em redes trazidas de suas próprias casas, que ficavam penduradas nas estacas de madeira que sustentavam os barracos. Seus pertences e alimentos ficavam espalhados pelo chão de terra batida, dentro de sacolas ou pendurados, juntamente com foices e outras ferramentas de trabalho. Os trabalhadores realizavam suas refeições sentados em toco de árvores ou no chão. Não havia água limpa para higienização, mesas, assentos, depósitos de lixo com tampas. O preparo de alimentos ocorria em vestígios de fogões rústicos, junto ao chão ou em bancadas improvisadas, sem água limpa, sem qualquer higiene e sem condições para a manipulação, armazenamento, higienização e conservação dos alimentos e utensílios de cozinha. Não havia qualquer espécie de lavatório ou vaso sanitário. Os trabalhadores eram obrigados a realizar suas necessidades fisiológicas no mato, sem garantia de condições de higiene ou de privacidade. No local também não havia chuveiro para o banho. Os trabalhadores utilizam um A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 178 igarapé de coloração escura para a higienização, sendo a mesma água utilizada para beber, preparar alimentos, lavar roupas e utensílios. A água quase parada era concomitantemente utilizada por trabalhadores e pelo gado da fazenda. A água utilizada pelos trabalhadores não recebia nenhum tipo de tratamento. Não foram apresentados quaisquer atestados de potabilidade da água e, segundo declaração dos trabalhadores, a água tinha um gosto muito ruim. Os trabalhadores foram admitidos sem que fossem submetidos a exame médico admissional e não haviam recebido salário mesmo depois de mais de 2 meses de atividade. O empregador não forneceu aos trabalhadores equipamentos de proteção individual (EPI), tais como luvas, botinas e chapéus. Pelo que foi apurado, Janine era também obrigada à prestação de serviços sexuais aos demais trabalhadores. Jeferson e Janine foram vítimas de uma relação social que tende a desconhecer limites à sua própria lógica. A lógica é estrita, qual seja, reproduzir a si mesmo. Não há qualquer maniqueísmo nessas afirmações, nem deve haver, caso se queira apreender a natureza do fenômeno aqui analisado. Muitas vezes os capitalistas são pessoas cordiais e honestas, enquadradas no padrão ético e moral almejado na nossa sociedade. Ocorre que, conforme declarou o proprietário da lavoura de tomate onde Jeferson era submetido à condição análoga à de escravo, após a fiscalização ele percebera a gravidade da situação à qual estavam submetidos os trabalhadores, mas que até então ele “só via os tomates”. Ao contrário do que se poderia supor, as condições subumanas impostas aos trabalhadores não se restringem aos confins do país, sendo o caso de Jeferson e seus colegas exemplo disso. Na verdade, a condição análoga à de escravo é fenômeno flagrado em todas as regiões, conforme se verá à frente, quando da análise do combate a essa prática. Do mesmo modo, não se restringe à agropecuária, apesar da herança do latifúndio escravocrata contribuir para a alta incidência de casos no setor. No ramo têxtil, por exemplo, há diversos exemplos de trabalho análogo ao escravo. Em fevereiro de 2010, em São Paulo, foi constatado que a grande rede de lojas Marisa estava diretamente articulada à exploração criminosa de 16 bolivianos e 1 peruano, que trabalhavam através de endividamentos engendrados por vales e descontos indevidos, sem carteira assinada, em local com instalações elétricas completamente irregulares, extintores com carga vencida, ao lado de tecidos armazenados com risco de incêndio; as jornadas de trabalho começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h; quanto aos alojamentos: “Em apenas um cômodo nos fundos de um dos imóveis, construído para ser uma cozinha, sete pessoas dormiam A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 179 em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau cheiro e banheiros precários completavam o cenário de incorreções. Não havia separação adequada das diversas famílias alojadas na mesma construção” (HASHIZUME, 2010). Em outro caso ocorrido em maio de 2010 em Santa Catarina, trabalhadores estavam alojados em um chiqueiro (literalmente), incluindo três adolescentes94. A incidência do trabalho análogo ao escravo também não discrimina porte do capital, contemplando do pequeno produtor de leite no Pará que empregou Janine, às lojas Marisa, passando pelo maior empresário da soja do Brasil (Erai Maggi, o “rei da soja” (LAMBRANHO, 2010)), gigantes da produção de álcool e açúcar, como o grupo J Pessoa e a Cosan, um dos maiores grupos de usinas do mundo. Além de poder atentar diretamente contra a liberdade individual (apesar de não haver, em geral, tal necessidade), a compulsão do capital ameaça a saúde dos trabalhadores, dignidade, segurança, e, inclusive, desconhece o limite físico do próprio elemento que lhe sustenta. Segundo Silva (2006), a vida útil dos trabalhadores no corte de cana nas décadas de 1990 e 2000 girava entre 10 e 15 anos95, ou seja, menor do que os supramencionados 20 anos de produtividade dos trabalhadores escravos do século XIX. Assim, são verificadas no assalariamento condições de trabalho semelhantes às de outras relações de produção pretéritas, especificamente, idênticas quando não piores, àquelas vigentes na escravidão voltada para a produção mercantil, como o modelo que por séculos perdurou no Brasil. Como entender a sobrevida de abrigos em barracos de lona preta, falta de água potável, banheiro e local para refeições, mortes por exaustão, risco de morte por exposição a produtos nocivos? Sequer é possível comparar o assalariamento com a maioria dos padrões de uso da força de trabalho vigentes em outras sociedades, pois estes últimos eram geralmente desvinculados da lógica da reprodução ampliada do excedente (onde predomina o valor de uso, ao invés do valor de troca [MARX, 2002]), não engendrando necessariamente a exploração extrema das classes dominadas. A condição análoga à escrava é uma potencialidade do assalariamento sob a égide do capital. 94 Informações apresentadas em reportagem da Rede Record: Trabalhadores são libertados após dormir em chiqueiro. Obtido em 15 de maio de 2010 em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/trabalhadores-sao-libertados-apos-dormir-em-chiqueiro20100514.html 95 Segundo a pastoral do imigrante, entre 2004 e 2007 teriam ocorrido 21 mortes de cortadores de cana por excesso de esforço durante o trabalho (SILVA, 2006). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 180 Em que pese haver substanciais diferenças entre os capitalismos (por conta das diferentes trajetórias que impuseram limites externos à relação), trabalho análogo ao de escravo tem sido detectado em diversos países do mundo, inclusive nações ricas, como os Estados Unidos, França e Itália, ou em amplo desenvolvimento capitalista, caso da China96. No Brasil, o fenômeno do trabalho análogo ao escravo é também vinculado ao padrão específico de desenvolvimento do nosso capitalismo retardatário, à tradição autoritária tributária do escravismo típico e à pessoalização das relações sociais típica da nossa cultura, mesmo aquelas que a princípio seriam impessoais (como o mercado), conforme identificado por Sérgio Buarque de Holanda (1995). Nesse terreno, são férteis as falsas promessas de bom emprego, a crença na dívida contraída, nas boas intenções do “gato”, que o salário um dia será pago, que o trabalho é ruim, mas não se pode deixá-lo… Ocorre que, no Brasil, a relação de assalariamento possui um limite externo prescrito. Caso seja transgredido esse limite, o Estado desconhece (e desfaz) a relação. É o que acontece quando constada a tão mencionada submissão de trabalhador à condição análoga à de escravo. Limites da relação No Brasil, o Estado instituiu um limite (externo) prescrito para a existência da própria relação de trabalho assalariado97. Não se trata de regras a serem seguidas no interior da relação de emprego, mas de um limite à própria relação, sendo que o desrespeito desse limiar elimina o reconhecimento pelo Estado da possibilidade de assalariamento. Assim, existe um limite expresso ao assalariamento no Brasil, manifesto no artigo 149 do código penal. Caso seja detectada pelo Estado a transgressão desse limite, é desfeita a relação. Conforme o referido artigo, constitui crime: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer 96 Não se está aqui sugerindo qualquer espécie de retomada de interpretações restritas de qualquer lei da pauperrização da classe trabalhadora. Padrões de distribuição de renda e condições de trabalho conquistadas em algumas sociedades capitalistas não podem ser desconhecidos. A questão é simplesmente entender que esses avanços não estão inscritos na lógica da relação, a não ser em situações excepcionais de escassez de força de trabalho – a tendência, pelo contrário, é que o capital crie seu próprio exército industrial de reserva. 97 Afirmar que o limite é externo não significa que este é imposto por agente estranho à relação (no caso, o Estado). É externo porque se trata se intervenção que não é inerente ao trabalho assalariado. O Estado é agente que necessariamente integra a relação de emprego, pois é ele que contribui para instituir e garante a propriedade privada. Não existe trabalho assalariado sem Estado. Todavia, pelo fato de não ser monolítico, essa mesma instituição pode propor um limite que, a priori (por natureza), a relação não contempla. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 181 restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela lei nº 10.803, de 11.12.2003) (grifos nossos) § 1o nas mesmas penas incorre quem: (incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003) § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003): I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003) Desse modo, constitui crime no quadro jurídico brasileiro a submissão de outrem a trabalho através de coerção individual direta, seja mediante trabalho forçado, retenção de documentos, manutenção de vigilância no local de trabalho, restrição da locomoção por contra de dívida contraída; cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. A proibição do trabalho forçado é comum a qualquer país capitalista que preveja a liberdade e igualdade formal entre os indivíduos. As Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) 29 (de 1930) e 105 (de 1957) têm previsões expressas nesse sentido, definido o problema a ser combatido na convenção 29: “’trabalho forçado ou obrigatório’ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. No Brasil, o trabalho obtido a partir de coação individual direta geralmente ocorre com base em mecanismos criados pelo empregador/preposto/intermediário de endividamento do trabalhador (mesmo que mentiroso, desde que a vítima acredite), quando este último é expressamente coagido a permanecer em atividade para quitar o pretenso débito, ou se vê moralmente obrigado a continuar trabalhando independentemente as condições oferecidas (sem salário, por exemplo) para saldar o déficit. São casos que se enquadram na servidão por dívida, como o exemplo de Jeferson. Estratégia comum do capital para obter a servidão por dívida é A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 182 mobilizar a força de trabalho entre diferentes localidades, dificultando seu deslocamento para sua cidade de origem e induzindo (ou deixando como única opção) o trabalhador a consumir os itens necessários à sua reprodução física em estabelecimento próprio ou credenciado, no qual a pretensa dívida é eternizada. Esse sistema de endividamento conhecido é como barracão ou “truck sistem”. Contudo, há um aspecto particular, mas fundamental no artigo 149 do código penal brasileiro: o conceito de trabalho degradante como caracterizador, per si, do trabalho análogo ao escravo. Esse conceito, por independer da intencionalidade do capitalista singular, transcende o aspecto coercitivo direto imposto ao trabalho, atingindo a essência do aspecto coercitivo imposto ao trabalho no capitalismo. Conforme já indicado, o aspecto determinante do assalariamento é a dupla liberdade que obriga o trabalhador a vender sua força de trabalho. A coerção do capitalista individual pode existir nas relações contemporâneas análogas à de escravo, contudo, com o conceito de trabalho degradante essa coerção individual deixa de ser necessária para a configuração da analogia à escravidão. A coerção do mercado de trabalho é a coerção específica do modo de produção vigente e é precisamente isso que o artigo 149 incorpora, ao considerar condições de uso desumanas da força de trabalho como crime de redução à situação análoga à escravidão. É a coerção coletiva do capital (via mercado de trabalho) que viabiliza e está sempre presente na submissão de trabalhadores à água envenenada por agrotóxicos, aos salários atrasados, aos alojamentos de lona preta, à ausência de banheiros, à inexistência de locais para refeição, à retenção dos salários, fornecimento de comida estragada, enfim, submete trabalhadores a condições que seriam próprias do que poderíamos chamar de escravismo típico. Destarte, além dos limites presumíveis (formas de coação direta) prescritos pelo Estado (próprios da condição individual da liberdade formal normalmente contemplados pelos Estados capitalistas), há um limite qualitativo ao uso da força de trabalho no Brasil (que limita as conseqüências da liberdade frente aos meios de produção). A disputa pelo quadro jurídico assentado no art. 149 ainda é intensa, apesar de prevalecer a interpretação de que degradância, per si, configura trabalho análogo ao escravo (esteja ela acompanhada ou não das demais hipóteses previstas no artigo 149), ou seja, é possível dizer que a lei está contemplando a coerção coletiva do capital via mercado de trabalho. Isso porque essa é a interpretação hegemônica no Ministério do Trabalho, que é o aparelho de Estado que efetua o resgate, ou seja, representa diretamente o Estado quando a relação é desfeita. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 183 O quadro jurídico é o modo como o Estado efetivamente interpreta as normas, e a fiscalização tem se pautado pela concepção literal do artigo, que apresenta a degradância como condição suficiente para caracterização da condição análoga à de escravo. Contudo, agentes no interior do próprio Estado, seja na justiça, no ministério público ou na própria fiscalização, defendem uma interpretação que só haveria condição análoga com a coerção individual direta do capitalista. Também conceitualmente (para além das disputas do chamado campo jurídico) há lacunas sobre a definição do fenômeno, tarefa fundamental não apenas do ponto de vista científico, mas também pelos impactos políticos que a definição do fenômeno engendra. Já há décadas são estudadas as formas de trabalho que se assemelham ao escravismo anterior à lei áurea. Figueira e Cerqueira (2008) demonstram que autores como José de Souza Martins, Fernando Henrique Carodoso, Otavio Ianni, entre outos, já estudavam a problemática do trabalho obtido sob pretexto de dívida, tanto no norte, quanto no nordeste do Brasil. O fenômeno era denominado pelos autores como “semi-escravidão”, trabalho “semi-servil”, “trabalho sob coerção”, imobilização da força de trabalho, ou mesmo “escravidão”. Ciqueira e Figueira (2008) vão se referir ao fenômeno como escravidão contemporânea ou escravidão. Escravidão pré-lei áurea e trabalho análogo ao escravo O trabalho análogo ao escravo é fenômeno trágico disseminado no nosso capitalismo. Contudo, é efetivamente distinto da relação existente na escravidão típica, padrão vigente nas relações de produção no Brasil até fins do século XIX. A distinção conceitual entre os fenômenos, corolário da diferença real entre os mesmos, é essencial não apenas para a apreensão da realidade, bem como para o profícuo enfrentamento político do problema. Muitos estudiosos e engajados, sedentos por afirmar a injustiça e a crueldade das condições degradantes de trabalho, tratam o trabalho análogo ao escravo e o trabalho escravo típico como se fossem a mesma coisa. Tal postura, apesar de chocar e mobilizar mais rapidamente os observadores menos atentos (o senso comum), incorre em duplo equívoco (um conceitual e outro político), fomentando, inclusive, fortes obstáculos ao combate do trabalho análogo ao escravo. O trabalho escravo típico era política de Estado, previsto em lei e mantido sob coerção direta do proprietário e/ou dos aparelhos repressivos estatais. O ser humano, e não a força de trabalho, era a própria mercadoria. Não havia exército industrial de reserva e o controle direto de cada A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 184 trabalhador era fundamental para a produção do excedente. As condições degradantes de trabalho eram corolário da coação direta e legalmente estabelecida entre produtores e proprietários. O trabalho escravo é formalmente proibido pelo Estado no Brasil contemporâneo. Os trabalhadores não são eles mesmos a mercadoria, não sendo vendidos no mercado. Em geral, os trabalhadores estão submetidos a condições degradantes sem que haja exercício de violência sobre eles. De fato, também como heranças da escravidão típica e do perfil cultural do nosso país, são verificadas diversas modalidades de coerção individual dissimulada (ou mesmo expressas) dos empregadores sobre os trabalhadores, especialmente através do emprego de dispositivos de endividamento, constituindo a servidão por dívida. Contudo, o trabalho análogo ao escravo é uma potencialidade de qualquer capitalismo sem regulação, pois, por natureza, o capital objetiva compulsivamente o lucro no bojo de uma relação (o assalariamento) que envolve agentes estruturalmente díspares. Desse modo, equiparar conceitualmente trabalho escravo e trabalho análogo ao escravo é um profundo equívoco, pois abstrai a natureza específica do fenômeno contemporâneo, qual seja, a operação da coação do mercado (o moinho satânico de Polanyi (2000)) sobre o trabalho como agente de imposição de condições de uso da força de trabalho iguais àquelas vigentes em outros modos de produção. Em muitos casos, ocorrem condições piores do que à dos escravos, pois o exército industrial de reserva permite a reposição sem custos do trabalhador (na escravidão típica a reposição dependia da compra de novo escravo, muitas vezes um significativo investimento). Se do ponto de vista conceitual é um erro considerar que o trabalho análogo ao escravo idêntico ao trabalho escravo, do ponto de vista político as repercussões são ainda piores, pois tal confusão fornece argumento ao capital na sua tentativa constante de deslegitimar a ação de combate ao fenômeno. O capital justamente argumenta reiteradamente que o trabalho degradante não é igual ao escravo, pois os trabalhadores não são acorrentados (por exemplo), com o objetivo de afrontar a ação estatal de luta contra a exploração desmedida do trabalho. Ocorre que, de fato, o trabalho degradante não é escravo no sentido literal. Por isso, a insistência nessa homologia enfraquece o combate. É análogo, pois são as mesmas condições, mas com base em outros mecanismos de coerção. Isso não torna o fato menos grave, pelo contrário, torna o fenômeno mais cruel, pois a coerção impessoal do mercado sugere que o trabalhador aceita a degradância por opção, pois pretensamente livre. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 185 É o Estado que garante a existência da propriedade privada, por conseguinte, viabiliza o assalariamento e a reprodução do capital. Portanto, se o capital só existe com a intervenção do Estado, seguir parâmetros elementares propostos por esse mesmo Estado, que preservem a vida e a dignidade do trabalho (que, por “acaso”, reproduz o capital) é o mínimo que se pode esperar como justificativa para a existência do próprio monopólio social. Do contrário, se torna difícil até mesmo dissimular a tirania que por natureza é engendrada pela relação social denominada capital. Combate ao trabalho análogo ao escravo Jeferson e Janine foram resgatados pelo Estado brasileiro através do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho, que conta com a participação do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal. Os jovens receberam seus salários atrasados e demais direitos pecuniários previstos no quadro jurídico e foram devolvidos aos familiares. Seus empregadores sofreram dezenas de autuações e devem responder criminalmente com base no artigo 149 do código penal. Jeferson e Janine foram dois dos aproximadamente 37 mil trabalhadores resgatados pelo Estado em situação análoga à de escravos nos últimos 15 anos, desde que houve a institucionalização do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) e do GEFM. Quando do resgate, os trabalhadores têm suas carteiras assinadas, seus direitos pecuniários pagos e são enviados à terra natal, caso assim desejem. O quadro abaixo apresenta um resumo dos resultados obtidos pelas operações de combate ao trabalho análogo ao escravo no Brasil desde 1995. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs ANO 2010 11/05 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 TOTAL 1- QUADRO GERAL DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO - SIT/SRTE 1995 a 2010 Número de Estabelecimentos Trabalhadores Pagamento de resgatados inspecionados operações indenizações 49 653 1.498.328,05 até 23 156 158 116 109 85 72 67 30 29 25 19 17 20 26 11 963 350 301 206 209 189 276 188 85 149 88 56 47 95 219 77 2584 3769 5016 5999 3417 4348 2887 5223 2285 1305 516 725 159 394 425 84 37205 5.908.897,07 9.011.762,84 9.914.276,59 6.299.650,53 7.820.211,26 4.905.613,13 6.085.918,49 2.084.406,41 957.936,46 472.849,69 ND ND ND ND ND 54.959.850,52 186 Autos de infração 701 4535 4892 3139 2772 2.286 2465 1433 621 796 522 411 282 796 1751 906 28308 Há especulações de que o número de trabalhadores em condição análoga à escrava no Brasil atinja 40 mil (DIAP, 2010). Contudo, como, por natureza, a condição análoga à de escravo não é publicizada pelo capitalista (como ocorre com o salário (RAIS, CAGED), registro (CAGED), etc.), pelo contrário, se há algum interesse é justamente de que o fenômeno seja encoberto, os casos só aparecem a partir de denúncias, e apenas se comprovam quando há fiscalização. Ocorre que o trabalho análogo ao escravo é combatido por um número extremamente reduzido (8 grupos) de agentes de Estado, o que torna ainda mais difícil mensurar quantos Jefersons e Janines existem no Brasil. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, aproximadamente metade das denúncias efetuadas na região norte em 2009 não foram fiscalizadas (PYL, HASHIZUME, 2010). Apesar da difícil mensuração, é possível inferir, conforme já mencionado, que o trabalho análogo ao escravo é fenômeno que atinge todo o país. O quadro abaixo demonstra que houve flagrantes de analogia à escravidão em todas as cinco regiões do Brasil em 2009, totalizando resgates em 20 estados da federação. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 187 2- QUADRO DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO - SIT/SRTE- 2009 UF AC BA CE ES GO MA MG MS MT PA PE PI PR RJ RO RR RS SC SP TO TOTAL Número de Operações 5 7 1 5 14 10 8 3 23 28 7 1 15 3 5 1 2 7 2 9 156 Estabelecimentos visitados 5 12 1 9 37 26 8 5 57 68 10 1 47 5 6 1 4 11 6 31 350 Trabalhadores resgatados 14 285 20 99 328 161 421 22 308 326 419 11 227 521 74 26 18 98 38 353 3769 Indenizações (R$) 10.743,07 52.281,77 24.891,80 100.354,60 766.758,13 219.533,75 1.040.523,45 656.807,52 611.165,90 787.128,04 405.153,10 288.041,68 175.084,22 46.495,58 47.549,25 134.852,90 73.538,49 467.993,82 5.908.897,07 Autos de infração 60 151 17 131 841 322 182 99 403 793 294 6 492 113 47 16 60 206 62 240 4535 Além dos limites da própria fiscalização, o combate ao trabalho análogo ao escravo encontra outros duros obstáculos. Mesmo dentre os agentes de Estado existe resistência ao reconhecimento da existência da situação e à sanção dos responsáveis. Muitos servidores apresentam explicitamente posições do tipo: “o trabalhador não estava amarrado”, “ele poderia fugir”, que “eu também já fui pobre”, “a situação é ruim, mas é melhor do que não ter emprego”. Num caso envolvendo um juiz do estado do Maranhão, por exemplo, acusado de infringir o art. 149, a justiça local negou a denúncia do Ministério Público com base no seguinte argumento: "Sucede que o crime em espécie exige representativa submissão do sujeito passivo ao poder do agente, suprindo o status libertatis, posto que apenas desta forma anula-se por completo a liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a sua dignidade" e que "há de se convir que o trato da vida envolto a uma fazenda é traçada com A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 188 singelos modos de viver, o que não podem (sic) ser confundidos com condições degradantes de vida" (PYL, 2009) (grifos nossos). Muitos trabalhadores, como Jeferson e Janine, retornam às condições de trabalho degradantes algum tempo depois do resgate, pois inexistem mecanismos estatais suficientes que lhes dêem suporte. Destaque-se, contudo, a modalidade do seguro desemprego 'Especial para o Resgatado', benefício iniciado em 2002. O trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo tem direito a receber três parcelas do seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada. Recentemente também tem sido promovido pelo Ministério do Trabalho cursos de qualificação para os trabalhadores resgatados. Não bastassem as resistências internas e a insuficiência de mecanismos de apoio, os capitalistas pouco temem os incentivos do Estado. As condenações criminais, quando ocorrem, são transformadas em penas alternativas. As multas aplicadas, apesar de incomodar, não assustam. Como iniciativa de constrangimento ao capital houve a criação pelo governo, em 2004, de um cadastro onde figuram os empregadores flagrados infringindo o art.149, conhecido como “lista suja”. O capitalista fica impedido de obter empréstimos em bancos oficiais. Entretanto, os casos de reincidência na prática criminosa são recorrentes98. O referido grupo sucroalcooleiro J pessoa, por exemplo, em dois anos foi flagrado quatro vezes mantendo trabalhadores em condições análogas às dos escravos “Ao todo, 1.468 pessoas foram libertadas de canaviais vinculados à empresa em diferentes estados do país: Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro”. (HASHIZUME, 2010). Um forte mecanismo de desincentivo ao uso desumano da força de trabalho é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 438, apresentada em 1999. Ela propõe nova redação ao Art. 243 da Constituição Federal, que trata do confisco de propriedades onde forem encontradas lavouras de psicotrópicas ilegais. A PEC estende a expropriação sem direito à indenização para casos de exploração do trabalho análoga à escravidão. A proposta define ainda que as propriedades confiscadas sejam destinadas ao assentamento de famílias para contribuir com a reforma agrária. No Senado, a PEC tramitou durante dois anos e foi aprovada em 2001. Na Câmara está parada desde 2004, quando a proposta foi aprovada em primeiro turno no Plenário, restando votação em segundo turno. 98 Ver, por exemplo, as reportagens de: Bacha (2010), Hashizume (2010), Lambranho (2010); A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 189 Considerações Este texto buscou demonstrar como o quadro jurídico vigente no Brasil prescreve um limite à existência do assalariamento. Trata-se de um limite externo à relação, que contempla a coerção específica do capitalismo, pois independe da coação individual do comprador da força de trabalho para se estabelecer. Por natureza, o capital questiona e ataca tudo que considerar obstáculo ou simplesmente entrave à sua reprodução. A defesa da flexibilização do trabalho no Brasil nas últimas duas décadas é apenas mais uma evidência desse processo. A dignidade humana também é uma barreira à reprodução do capital, pois respeitá-la demanda dispêndio de recursos que não necessariamente implicarão retornos financeiros. O limite às condições do assalariamento só pode ser exógeno (seja através de intervenção subsidiária estatal, da organização coletiva dos trabalhadores, etc.), pois a própria relação não abarca inerentemente nenhum. O limite ao trabalho assalariado prescrito pelo Estado no Brasil vem tentando ser efetivado através da ação de algumas instituições, mas o combate tem sido difícil em diversos aspectos. Essa luta é fundamental e deve continuar a ser realizada. É preciso ter em mente, contudo, que por mais que o combate ao trabalho análogo ao escravo eventualmente avance, as condições degradantes não serão eliminadas enquanto viger o atual modo de produção da riqueza social. Dada a imensa maleabilidade da relação social denominada capital, é efetivamente possível que sejam atingidos elevados níveis de controle ou mesmo interrupção, por algum período, da manifestação de condições de trabalho análogas à escravidão em formações sociais capitalistas. Contudo, mantida a relação social, dada a sua natureza, não serão erradicáveis os episódios de Jeferson e Janine Referências Bibliográficas BACHA, Rodrigo. Fazendeiros reincidem na escravidão e enganam até parentes Família migrou do Rio Grande do Sul para trabalhar em área de parentes na Bahia. Após anos de dedicação, não tem nem como retornar. E assim como em 2008, operação encontrou mão de obra escrava na mesma propriedade. 30 de abril de 2010. CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo. Introdução. Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições para sua análise e denúncia. CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo; PRADO, Adonia; COSTA, Célia Maria (Orgs.). Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2008. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 190 DIAP. Trabalho escravo no Brasil pode atingir 40 mil pessoas, segundo CPT. Agência DIAP, 14 de fevereiro de 2010. Obtido em 18/02/2010: http://www.diap.org.br/index.php/agenciadiap/12078-trabalho-escravo-no-brasil-pode-atingir-40-mil-pessoas-segundo-cpt HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 1995. HASHIZUME, Maurício. Grupo J. Pessoa: mais de 1,4 mil libertados em quatro flagrantes: Entre novembro de 2007 e novembro de 2009, houve uma média de mais de duas libertações por dia de áreas vinculadas à Agrisul Agrícola - braço rural do conglomerado sucroalcooleiro J. Pessoa. Empresa contesta fiscalização. 12 de abril de 2010. Obtido em: HASHIZUME, Maurício. Escravidão é flagrada em oficina de costura ligada à Marisa. Etapas do processo desde o aliciamento até as lojas do magazine foram apuradas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que aplicou 43 autos de infração, com passivo total de R$ 633,6 mil. 17 de março de 2010. Obtido em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1714&name=Escravidão-é-flagrada-em-oficinade-costura-ligada-à-Marisa HASHIZUME, Maurício. Caso Cosan: aliciamento, dívidas e cortador de 17 anos. Repórter Brasil apresenta detalhes da fiscalização ocorrida em junho de 2007 que resultou na inclusão da companhia na "lista suja" do trabalho escravo. Cosan foi beneficiada por liminar judicial e não está mais no cadastro. Repórter Brasil, 20 de janeiro de 2010. Obtido em: Obtido em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1695 HASHIZUME, Maurício. Assentamento no Piauí simboliza limites do combate à escravidão. Libertados do trabalho escravo que conseguiram um pedaço de terra em Monsenhor Gil (PI) ainda não receberam créditos básicos para a fixação definitiva na área. "O assentamento só existe no nome", conta representante. Repórter Brasil, 4 de fevereiro de 2010. Obtido em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1700 LAMBRANHO, Lúcio. Ação de trabalho escravo contra "rei da soja" se arrasta. Justiça gastou onze meses para notificar Erai Maggi, primo do governador de Mato Grosso, e outros quatro acusados em caso denunciado pelo Ministério Público Federal em abril de 2009. 6 de abril de 2010. Obtido em: http://congressoemf oco.ig.com. br/noticia. asp?cod_canal= 21&cod_publicacao= 32450. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro, 2000. PYL, Bianca; HASHIZUME, Maurício. 23/02/2010 CPT alerta para denúncias não fiscalizadas na Região Norte. Em 2009, quase metade das denúncias do Norte não foi fiscalizada. "Esses prováveis escravos não chegaram a entrar nas estatísticas porque ninguém foi lá para ver", destaca Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Repórter Brasil, 23 de fevereiro de 2010. Obtido em 24 de fevereiro de 2010: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1708 PYL, Bianca. Tribunal rejeita denúncia e absolve juiz acusado de escravidão. Por 12 votos a 4, Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) arquivou processo contra Marcelo Baldochi, juiz estadual A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 191 envolvido em caso de trabalho escravo que culminou na libertação de 25 pessoas - inclusive um jovem de 15 anos. 1º de dezembro de 2009. Obtido em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1676 Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições para sua análise e denúncia. CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo; PRADO, Adonia; COSTA, Célia Maria (Orgs.). 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No nordeste, a prevalência é de 83.818 e na Paraíba de 4.229 casos. A Política Pública sobre os AT tem evoluído de uma perspectiva da culpa a princípio do século XX até a perspectiva do risco no Sec. XXI. As explicações teóricas dos AT têm variado de acordo com a disputa entre capital e trabalho. No princípio do século XX, as “teorias” que tentavam explicar os AT, estavam hegemonizadas fortemente pelas explicações jurídicas onde os próprios acidentados eram responsabilizados pelo AT. Considerava-se o acidente como uma falha cuja responsabilidade recaía sobre o corpo e a mente do “faltoso”, para o qual existia, juridicamente, a figura da falta profissional que era considerada como o resultado da “má” realização de seu ofício. Isto é, a pressuposição da execução de um ato inseguro do operário. Teorias sobre os Acidentes de trabalho Na década dos anos 20 começam as tentativas de explicação científica. Os psicólogos experimentais conceitualizaram que a AT se devia, basicamente, a causas neuropsicológicas e/ou psicopatológicas individuais dos próprios acidentados. 99 Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG 100 Aluno-Bolsista PM-UAAC A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 193 A primeira, denominada teoria da predisposição, tratou de elucidar as bases que explicariam certa conduta acidentária sob a hipótese da existência de uma predisposição aos acidentes como uma propriedade neurobiológica particular a certos indivíduos. Propunha-se que esta tendência neuro-psico-biológica poderia ser considerada como fenômeno aparentemente estável, que se manifestaria em diferentes momentos de exposição ao risco sob diferentes condições de acidentes. Foi sugerida, também, com base em resultados nos protocolos experimentais da psicologia da percepção, a ausência de plasticidade funcional, isto é, da existência de uma desarmonia entre tempos de percepção e reação nos movimentos, observável no grupo dos poli–acidentados (sujeito a múltiplos acidentes) (TIFFIN, 1976). Um AT ocorreria por inépcia do trabalhador-vítima, só que agora fundamentada numa explicação neuropsicológica. A segunda foi denominada teoria da Acidentabilidade. Nesta definição, a existência de acidentes era devida, basicamente, à inadequação das características dos indivíduos/trabalhadores ao perfil do posto de trabalho. Um poli–acidentado seria o resultado de insistir no erro de ocupar um posto com o empregado errado. Vários autores desta área apresentam a hipótese de que, abaixo de certo limiar de inteligência existiria uma insuficiência da capacidade de adaptação aos riscos, que os poli– acidentados apresentariam menores quocientes de inteligência. Outros autores descrevem as semelhanças entre o evento acidente e as manifestações de tendências autopunitivas relacionadas aos traumas da infância. (TIFFIN, 1976, DELA COLETA 1991). Podemos observar que esta teoria é um aprimoramento da noção primitiva de falta profissional. No entanto, duas teorias opostas às anteriores surgem a partir da década dos 60, onde as condições de trabalho aparecem como único responsável dos AT. Na abordagem da teoria do Contexto do trabalho se conceitualiza o AT como um fenômeno inter-relacionado entre a condição de trabalho que contém em sim um acidente potencial, e um evento disparador que forneceria as condições concretas de passagem do potencial ao real. Isto caracteriza um Sistema Inseguro de Produção. Num trabalho clássico, se demonstra que o gesto nefasto – o movimento implicado diretamente na contusão – é um gesto pertinente ao repertório de gestos empregados pelo trabalhador na sua atividade e que seria executado numa situação de risco devido ao condicionamento reflexo, ou seja, movimentos realizados automaticamente pela força do hábito. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 194 Por outra parte, comparando situações de trabalho similares com e sem ocorrência de acidentes, assinala uma longa lista de fatores causais dos acidentes, que envolve varáveis relacionadas com o contexto do trabalho, com baixa significância dos fatores psicológicos pessoais FAVERGE (1975). Este autor observa que grande parte dos acidentes ocorreria em situações pouco comuns, ou seja, em circunstâncias especiais que não representariam mais do que 5% do tempo de trabalho. A compreensão de uma dada situação de trabalho não se pode resumir à descrição em termos das situações de normalidade, mas também às situações de recuperação que, ao contrário do que possa parecer, não são situações eventuais, mas situações correntes de trabalho. A ausência de estabilidade ou harmonia operacional, nos processos de trabalho na indústria, passa então a figurar como uma base conceitual importante para a compreensão do fenômeno AT. As circunstâncias de recuperação passam a ser objeto de preocupação de alguns autores. Também se falava em tarefas-núcleo e tarefas-periféricas como componentes de um segmento do processo de trabalho. A estruturação de uma tarefa em elementos principais secundários constata que existe um real aumento da periculosidade na realização de atos referentes aos elementos secundários da tarefa. (LEPLAT & TERSSAC, 1990) Outra abordagem semelhante, a Teoria Sistêmica da Fiabilidade. Para ela, o AT é o resultado último de um mecanismo originário do próprio processo de trabalho. Este mecanismo se compõe da seguinte estrutura: a) variação de um ou mais elementos na composição do contexto de realização de um processo de trabalho; b) disfunção de alguns elementos/ações engendrada por essas variações; c) Cadeia de incidentes operatórios formando uma atividade imprevista de recuperação para a qual o processo de trabalho, evidentemente, não está devidamente aparelhado. O AT é considerado uma saída indesejada: o acidente não é unicamente a contusão ou as feridas; estes são os desfechos de um processo evolutivo anterior, que poderia ter sido interrompido antes deste evento nefasto. É o resultado da combinação de um conjunto de fatores situados em distâncias funcionais distintas com relação ao evento terminal e com influências variáveis para um mesmo acidente típico. Em outras palavras qualquer análise parcial da situação de trabalho é indevida para análise do acidente do trabalho. (LEPLAT & TERSSAC, 1990) Finalmente, na década dos anos 90/2000, surge uma perspectiva sociológica nova no estudo do AT (DWYER, 2006). Ainda que seja importante reconhecer outros autores da área da A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 195 sociologia e epidemiologia, como COHN (1985), POSSAS (1989), REBOUCAS (1989), que na década dos 80 fizeram aportes fundamentais a esta problemática. Assim COHN (1985) construiu um perfil sócio-demográfico dos trabalhadores acidentados de São Paulo, no qual se constatava que o índice de acidentes era significativamente maior entre os homens, nos jovens, especialmente entre aqueles que estavam em plena idade produtiva, entre os de menor escolaridade, sem moradia própria, casados e, finalmente, nordestinos. (DWYER, 2006), desde outra perspectiva, diz que a causa dos AT temos que buscar-las nas Relações Sociais de Trabalho. Ele propõe um modelo sociológico que considera quatro níveis de analise inter-relacionados para seu estudo, operacionalizado concretamente em: 1- O nível de recompensa, 2- O nível de comando, 3- O nível organizacional, e o 4- O nível do próprio individuo. Diversas pesquisas de campo e experimentais demonstram que cada um destes níveis é responsável específico pelo aumento ou diminuição dos AT. 1- O nível de Recompensa se caracteriza pela distribuição de recompensa oferecida aos trabalhadores pela empresa, e que podem ocorrer na forma de dinheiro e/ou estima. O nível de recompensa encerra três relações sociais diferentes, a saber: os incentivos financeiros, a ampliação do trabalho e a recompensa simbólica. a) Incentivos Financeiros: Quando os empregadores almejam um aumento da produção, oferecem para os trabalhadores estímulos financeiros. Estes estímulos, no dizer de DWYER (2006), apresentavam-se sob uma variedade de formas, tais como trabalho por produção, trabalho por contrato com tempo estabelecido, remuneração por serviço, pagamento de bônus e participação nos lucros. Vários pesquisadores apresentaram estudos que relacionam os vários níveis com a produção de acidentes do trabalho. O estudo de FRIEDMAM (1983), por exemplo, tinha observado que equipamentos de segurança pessoal de extrema importância eram negligenciados quando “ameaçavam” interferir na velocidade do trabalho para realizar uma grande produção. Essa observação evidencia que o incentivo financeiro favorece possibilidades para produção de acidentes. b) A ampliação do trabalho: é uma relação social formada numa base diferente entre pagamento e trabalho. Isto porque nesta modalidade o horário de trabalho é ampliado, ao invés dos esforços em troca de remuneração (DWYER (2006). Para o citado autor, quatro elementos distintos favorecem a formação dessa relação nas organizações: Orientações dos trabalhadores em A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 196 resposta às ofertas dos empregadores; Capacidade dos trabalhadores; Demandas de tarefas e Período de trabalho. A relação de ampliação do trabalho propicia a intensificação do tempo de trabalho, além das 40 horas semanais e/ou o aumento da demanda de tarefas modificando normas do local de trabalho que nem sempre são acompanhadas pelos trabalhadores. Á análise dos resultados revelou relações significativas entre a produção de acidentes e a prática de horas extras trabalhadas. VERNON, APUD DWYER (2006) apresentou alguns estudos com resultados destacados. Um deles revelou o aumento de acidentes, em duas vezes e meia, quando o trabalho foi ampliado de 60 para 70 horas. Outra pesquisa identificou que a alteração de 10 para 12 horas de trabalho, favoreceu mais acidentes entre as mulheres do que entre os homens, em decorrência das mesmas serem também donas de casa e assim assumirem jornada dupla de trabalho. Outro estudo revelador foi realizado por SOLINS, APUD DWYER (2006) que relacionou a complexidade da tarefa, a relação da Ampliação de Trabalho e a produção de acidentes. Assim, foi considerado que tarefas que demandam grandes esforços psicológicos reduzem a capacidade do trabalhador sobre a ampliação do trabalho e por conseqüência possibilita a ocorrência de acidentes. c) A recompensa simbólica: acontece quando a estima, o prestigio e o status são por excelência os estímulos oferecidos aos trabalhadores. Segundo DWYER (2006), esta modalidade oferece uma enorme vantagem podendo adquirir resultados desejados através de um meio muito barato e melhor controle dos trabalhadores que podem escolher a forma pela qual seu trabalho será recompensado. A recompensa simbólica, também é considerada como tendo capacidade para produzir acidentes. Na fabrica da Ford, por exemplo, no auge fordismo, a recompensa simbólica de tipo étnico-racial (competição entre grupos de diversa origem étnicos), produzia, entre outras coisas, um maior índice de acidentes, ao igual que a realização de tarefas altamente perigosas na construção civil, levadas a cabo pelos membros de algumas tribos indígenas dos EUA, os quais achavam um grande símbolo de prestígio e status, perante seus colegas de trabalho, realizar esse tipo de tarefas (DWYER, 2006). 2- No nível de Comando, os empregadores gerenciam as relações dos trabalhadores com seu trabalho, por meio de um controle direto de suas ações. Para isso, produzem, neste nível, três relações sociais distintas: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 197 a) Autoritarismo: o uso abusivo da autoridade, onde restringe totalmente a autonomia do trabalhador, e as tarefas desempenhadas são submetidas à relação social controle. Caso o trabalhador resista, usam-se meios tais como punições ou sanções. Pode-se dizer que o autoritarismo constantemente produz acidentes, pois a pressão muitas vezes leva a desgastes psicossomáticos, emocionais dos trabalhadores, resultando em erros e acidentes. b) Desintegração do grupo de trabalho: sabe-se que a menor unidade funcional no trabalho é o grupo de trabalho. Na verdade, constitui o fundamento social concreto da cooperação e da troca, que são essenciais ao desempenho da tarefa coletiva. Sua desintegração como estratégia de controle, reduz a comunicação a seus componentes funcionais em detrimento de seu elemento ativo/criativo/emocional e social, produzindo desânimo e perda da identidade. Contudo, reflete numa estratégia que procura que cada trabalhador, individualmente, crie uma identificação com a empresa, mas não entre eles. Por exemplo: um dos mais famosos institutos de pesquisa, o Tavistock, enfocou as mudanças dos métodos de mineração de shortwall (frentes curtas) para longwall (frentes longas) e, como conseqüência dessas mudanças ocorreu um aumento do absenteísmo, conflitos e inesperadas baixas nos níveis de produtividade. Segundo o instituto, estes acontecimentos foram conseqüências da reorganização dos grupos de trabalho (pequenos para grandes) e da perda de vínculos sociais resultante dessas mudanças. É um fator importante quando se trata de acidentes, já que problemas na comunicação são apontados como uma das causas que levam a acidentes no trabalho, de acordo com uma pesquisa em minas de carvão da Alemanha Ocidental. c) Servidão voluntária: é a atitude mais ou menos espontânea dos trabalhadores que, tendo conhecimento das dificuldades e perigos das tarefas encomendadas pela gerência, e sem solicitar maior recompensa, realizam suas tarefas sem se oporem as condições existentes. Um exemplo disso é que o trabalho realizado em ambientes insalubres, considerado “normal” por trabalhadores fatalistas, está sujeito a essa relação. Por exemplo: a ordem de trabalhar em lugares perigosos na indústria da construção que ela é maior responsável pela quantidade de AT no Brasil. 3- No nível organizacional os empregadores tentam administrar o trabalho controlando a divisão de trabalho, bem como sua coordenação. Todo esse processo deve levar em consideração as relações sociais formadas nesse nível, a seguir: a) subqualificação – falta aos trabalhadores habilidade e/ou capacidade para realização das tarefas; rotina – resultado da simplificação e parcelarização do trabalho. b) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 198 desorganização – quando o conhecimento relativo ao resultado ou conseqüência de uma tarefa não é possuído pelos trabalhadores (por exemplo, quando não é efetivamente transmitido para estes) que estarão em contato com este resultado ou conseqüência. DWYER (1991) afirma que, em sistemas complexos, a relação social da desorganização está sempre presente, dada a própria imprevisibilidade das possíveis interações no sistema. 4- No nível do indivíduo-membro diferente dos níveis anteriores, refere-se às características sóciodemográficas particulares das pessoas, sexo, idade, estado civil, etc. e particularidades relacionadas com algumas deficiências congênitas físicas, cognitivas afetivas, etc. Por exemplo, por meio da Psicologia cognitiva pode-se analisar melhor a origem dos erros nas deficiências cognitivas dos indivíduos, tendo como exemplo, trabalhadores daltônomos poderiam sofrer acidentes se seu trabalho exigisse a visão de cores. Políticas públicas Nas Políticas Públicas, as teorias técnicas do risco (Contexto e fiabilidade) tendem a prevalecer, monitorizando-se o trabalho inseguro de acordo ao nível de gravidade dos AT: cada órgão do corpo lesionado tem um valor, um preço determinado, o que demonstra que os atores sociais consideram o AT como inevitável. Por exemplo, na nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, da legislação portuguesa (semelhante a da Comunidade Européia), revoga o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, e aprova a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil no ano de 2007. Nela, podemos observar algumas coisas curiosas: Por exemplo, a perda do dente incisivo tem o valor de 1% dentro de um índice predeterminado pela justiça civil, uma perturbação cognitiva severa 61-85%, já a perda dos ovários ou testículos vale 5%, e do pênis 40%. A possível perda do clitóris por algum AT não tem valor nenhum, não aparece tabelado, claro que isto não é dito na referida lei. No Brasil, a Contribuição Previdenciária para o Seguro Acidente Trabalho (SAT) teve sua sistemática de recolhimento alterada pela Lei nº 8.212/91, que em seu artigo 22, revogando a legislação anterior, assim dispõe: "Art. 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no artigo 23, é de: (I-.....), II - para financiamento da complementação das prestações por acidentes de trabalho, dos seguintes percentuais, incidentes sobre (...) :a) 1% ( um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 199 atividade preponderante esse risco seja considerado médio e: c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave...” (lei 8.212/91)”. Noutras palavras, o risco, inclusive grave, é inevitável já seja que se mercantilizem cada órgão, a própria mente do trabalhador ou se mercantilize, genericamente, o risco do trabalho O objetivo desta pesquisa é analisar as justificativas dos diversos atores sociais envolvidos nos processo dos AT (empresários, trabalhadores acidentados, técnicos das empresas e do Ministério do trabalho e sindicalistas) e como estas justificativas tendem a coincidir ou não, com os discursos teóricos aqui expostos. Lembramos que estamos falando de atribuição subjetiva de causalidade, ou seja, do processo cognitivo pelo qual toda pessoa tenta justificar qualquer acontecimento social por ela observado ou participado como autora direta. Nesta tentativa de explicar para si própria e para os outros tais acontecimentos, ela atribui algum tipo de causa, seja interna (inerente ao próprio individuo) ou externa, (causada o determinada pelo contexto onde aconteceu dito fato). Esta forma o processo mental/subjetivo de proceder vai, sempre, acompanhada de valorações ideológicas que dão um sentido especifico a cada atribuição de causalidade (DELA COLETTA,1991. MENDOZA,2000). Metodologia Para tanto, fizemos uma análise das argumentações espontâneas, oferecidas pelos atores envolvidos nas relações laborais de diversas indústrias do país, como respostas a algumas perguntas realizadas pelo jornalista do Globo Repórter (Análise do discurso e atribuições de causalidade) num detalhado documentário sobre os AT, elaborado pela rede Globo em colaboração com o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) no ano 2000. Consideramos que as estratégias argumentativas do falante expressam uma série de oposições (real/possível, afirmativo/negativo), que refere à percepção enquanto membro observador de um indivíduo do exogrupo e à percepção, enquanto membro ator de um acontecimento próprio no endogrupo. Para isso, se organizam auto e hetero - atribuições implícitas que atravessam o texto e que expressam o sentido que as “eventualidades” do contexto laboral (AT e DP) têm para cada um. Posteriormente, partindo dessa categorização, destacamos representações pivô da atribuição, que surgem como eixos das falas dos acontecimentos vividos (PÊCHEUX, 1988, DELA COLETA, 1991). Analise dos resultados: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 200 Discursos dos atores sociais a- Profisionais/Técnicos das empresas e patrões: -Engenheiro Grandomênico Angioletti, Gerente de Segurança do trabalho da Mina Morro Velho, de Nova Lima, MG, diz: “O perigo inerente a atividade ele existe, só Deus poderia eliminar todos os perigos inerentes a essa atividade”. -Comunicado oficial da Empresa Bosch, perante um AT mortal de um operário no prédio da empresa: “O trabalhador andava sobre o telhado sem proteção sabendo do risco que corria...” -Gerente Engenheiro de avançada/Ford, Edson Portalti: (perante a grande quantidade de trabalhadores com LER), diz: “nós temos uma preocupação muito grande com a qualidade, então, para nós, a LER é algo muito importante que esta sendo administrado, graças a Deus, com a idéia de melhoria contínua... poderíamos afirmar que somos umas das melhores empresas do mundo nesse sentido...” Empresário, José T. Neto, Pte da Associação Brasileira de Amianto, perante a grande quantidade de empregados contaminados (Abestose), na região de Rio dos Peixes, Bahia.diz: “... o amianto tem um período de latência muito longo, então, provavelmente, doenças podem acontecer, mas por causa da exposição de muito tempo atrás, a situação, hoje, está muito bem controlada e não existe poluição acima dos limites observados em lei...” Empresário, proprietário da empresa extrativa de amianto de Rios dos peixes, diz (perante as diversas punições do MT pelas péssimas condições de trabalho na sua empresa): “O dia em que tu nasceres, já te faz mal, a partir do momento em que sai da barriga de tua mãe e já esta morrendo...” Os resultados mostram que os empresários e os técnicos das empresas (engenheiros, etc.), adotam o discurso da “teoria” jurídica de principio do século XX de falta profissional ou psicológica, de imperícia psico - neurológica, isto é, atribuem a responsabilidade do AT ao próprio trabalhador (atribuição interna) e respaldam seus argumentos nos “limites observados em lei”, e “em Deus”. b- Trabalhadores Acidentados -Trabalhador metalúrgico acidentado Pedro Severino (os dois membros superiores gravemente feridos, inutilizados), diz: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 201 “Infelizmente foi uma fatalidade...o rapaz ligou (a máquina) para a frente no lugar de ligar para atrás..” -Trabalhador metalúrgico acidentado Severino Lima de Sousa (gravemente queimado) “... O que será de mim, eu não tenho futuro...” Os trabalhadores acidentados tendem a atribuir o AT do qual foram vitimas, á fatalidade, à má sorte e destino. Não responsabilizam ao patrão nem a empresa. Seu discurso tende a dissentir das teorias expostas, pois enquanto atores diretamente envolvidos no AT, fazem uma atribuição externa, isto é buscam uma causa aléia a eles próprios para explicar o AT, más não orientem suas atribuições para culpar a empresa. c- Sindicalistas -Comunicado do Sindicato perante o AT fatal na Empresa Bosch: “a Empresa não treinou o trabalhador nem o instruiu para trabalhar nesse local...” -Pte. do Sindicato de mineração Sr. Elias Rodrigues diz : “Temos muitos doentes por causa da sílica, 4000 silicóticos!” -Pte. Sindicato Metalúrgico de Osasco Sr. Carlos Clemente diz: “... De cada 10 trabalhadores acidentados, um morre ou fica mutilado, assim o Brasil ficará inviável...” Os sindicalistas atribuem os AT a fatores externos, isto é, que não depende dos próprios trabalhadores, senão, pelo contrário da empresa, particularmente pelas más condições de máquinas e ferramentas, políticas organizacionais, etc. São os que mais perto estão da teoria das relações sociais sobre os AT. No entanto, isto nem sempre fica totalmente explicito. d- Trabalhadores acidentados que participam de grupos de conscientização do sindicato -Trabalhadora acometida pela LER. Fca. das Neves Pereira, diz: “se é uma doença invisível, estamos sofrendo muito com isso... não queremos que aconteça com outros, não queremos mais vitimas, queremos a prevenção!....” -Representante da Associação Brasileira de vitimas expostas ao amianto, Fernanda Glenassi diz: “O amianto é uns dos produtos mas nocivos que se tem conhecimento na indústria” (do mundo todo). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 202 Estes tipos de trabalhadores participativos também atribuem os AT a fatores externos, isto é, responsabilizam á empresa, particularmente pelas más condições de máquinas e ferramentas, etc. Também estão pertos da teoria das relações sociais sobre os AT. e- Profissionais/Técnicos dos sindicatos e fiscais do MT. -Promotor de Justiça do Trabalho Rômulo de Carvalho Ferraz diz: “Inúmeros laudos (técnicos – científicos DRT, Fundacentro, etc) provam a relação causa - efeito entre as condições de trabalho e a silicose. ..” -Engenheiro do trabalho do MT, Orlando Silva perante um AT fatal na Empresa Bosch, diz: “... o AT foi comum, corriqueiro, com pequenas providências poderia ter sido evitado”. -Engenheiro do trabalho Norton Marterello diz: “... provavelmente, sem a perícia oportuna, este seria mais um AT fantasma, não informado..” Finalmente, os profissionais/técnicos dos órgãos públicos tendem a fazer uma atribuição externa, semelhantes a dos sindicalistas. Os técnicos do MTPS (médicos, engenheiros), tendem a coincidir com o discurso das teorias técnicas, atribuindo a responsabilidade dos AT principalmente a fatores externos, as máquinas, mas também á empresa. O que os coloca perto das teorias das relações sociais. Conclusões Em geral comprovamos que as teorias analisadas (com exceção da teoria sociológica), não levam em conta as relações de produção como causa dos AT. As quatro primeiras teorias analisam a relação Operador-Máquina e atribuem a responsabilidade ao operador individual ou á maquina, pressupondo que a relação principal numa empresa se daria entre o trabalhador individual com um objeto complexo que é a máquina, e não entre pessoas, atores sociais que estabelecem relações sociais de produção. Por outra parte, observamos que os próprios atores sociais tendem a coincidir com as teorias analisadas. Lembramos que estamos falando de atribuição subjetiva de causalidade. Diversas pesquisas experimentais e de campo em todo o mundo (DELA COLETA, 1991), demonstram que esse mecanismo cognitivo, se bem é inerente a todas as pessoas, poderia variar dependendo de circunstâncias concretas. No caso estudado nesta pesquisa sobre AT, as pessoas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 203 se encontram numa situação de inter-relação inevitável, mas assimétrica, isto é, relações de produção, de trabalho, na sociedade capitalista do Brasil contemporâneo. Nesta situação notamos que o processo cognitivo, subjetivo, ou melhor, psicológico, de atribuir causas a um acontecimento (AT) no qual estamos envolvidos, como observadores ou atores do próprio fato, se sobrepõem ou interpenetram com os processos sócio-culturais, particularmente ideológicos, dos quais os próprios atores e observadores fazem parte. Sendo assim, pudemos ver como os profissionais/técnicos, gerentes e ou patrões das diversas empresas brasileiras analisadas, enquanto observadores de um AT na própria organização da qual fazem parte, atribuem a causa do mesmo a alguma deficiência interna dos próprios trabalhadores: “ele sabia do risco que corria”, argumentando uma falta profissional de pericia ou de responsabilidade, para desenvolver sua função. Até aqui o processo subjetivo, psicológico de atribuição de causalidade interna. Mas esses profissionais fazem mais que isso, sustentam estas afirmações com argumentos de autoridade; não só a lei os apoiaria, senão, também Deus: “... níveis de tolerância constantes em lei”... E “graças a Deus, nós”... ou “só Deus...” . Em definitiva, este grupo profissional com o “beneplácito” da lei e de Deus, tende a desqualificar a vítima do AT, pois ela mesma teria realizado algum gesto nefasto. O procedimento ideológico consiste aqui em negar a responsabilidade da empresa com argumentos legais e éticos/religiosos, apoiando se em alguma coisa acima deles que lhe dariam a razão perante a sociedade e perante a sua própria consciência. Já, no caso dos trabalhadores acidentados observamos que, na medida em que eles são atores diretos do AT, tendem a atribuir o acontecido, isto é o AT, ao acaso, destino ou a alguma coisa incompreensível: “Foi uma fatalidade”... “não sei o que será de minha vida...”. Estamos falando de aqueles trabalhadores acidentados que não tem nenhuma afiliação sindical, pelo contrário, uma identidade genérica de trabalhadores. Eles, ao atribuir a responsabilidade ao destino, ao acaso, estão cumprindo com duas coisas: primeiro, usam o mecanismo subjetivo, psicológico de atribuição como todas as pessoas que na situação de atores diretos de um acontecimento negativo o fazem, isto é, atribuem o AT a um fator externo, (o acaso); e em segundo lugar, usam os valores e ideologia dominante para resignar-se e justificar o acontecido sem responsabilizar a empresa ou patrão pelo AT. No entanto, do ponto de vista psicológico observamos que não podem fortalecer sua atribuição com argüições baseadas na lei, pois não a conhecem; nem em Deus, posto que para a consciência individual do A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 204 trabalhador, para seu auto-conceito e auto-estima, seria intolerável acreditar que Deus lhe fez algum mal. Em todo caso, poderia agradecer a Deus, depois do AT, por estar vivo, por ter salvado a sua vida, e ter mais fé e confiança em que, no futuro, será protegido. Como vemos, a ideologia e a psicologia se coadjuvam. Até aqui os processos subjetivos de atribuição de causalidade foram usados pelos atores (operários acidentados) e observadores (técnico-gerentes/gerentes/patrões) tal como previsto nas pesquisas de psicologia social. Isto é, o observador atribuirá a causa do AT a um fator interno do ator acidentado e, este, atribuirá a um fator externo o acontecimento negativo por ele vivido. O mesmo poderia se disser com relação á reprodução de valores e ideologias hegemônicas realizados pelos agentes sociais que acabamos de analisar. Isto é, o grupo dominante (patrão/técnicos/etc.) justificará o AT culpando as vitimas, como um médio de defender as necessidades e interesses econômicos de se próprio e indiretamente de seu grupo de pertença. Por outro lado, as vítimas (trabalhadores acidentados), na medida em que não tem conhecimento de seus direitos trabalhistas, e não tem construído uma identidade sócio-coletiva que lhes permita lutar, de alguma maneira, pelas suas necessidades, interesses e direitos, não culpam ao patrão pelo AT, se não a alguma coisa difusa como o acaso. A ideologia funciona exatamente deste modo. Agora, no caso dos sindicalistas e dos técnicos do Ministério do Trabalho, a tendência é a não atribuir a própria vítima a responsabilidade pelo AT. Neste caso, vemos que as previsões da psicologia social não se cumprem. O processo da atribuição subjetivo faz uma reviravolta, na medida em que sendo observadores, atribuem ao contexto (organização) a responsabilidade pelo AT. No caso dos sindicalistas, isto se justifica pelo fato deles terem uma maior informação sobre o problema e conhecer melhor os direitos trabalhistas. Além do que têm uma identidade de classe mais evidente sobre as suas necessidades em interesses mais ou menos divergentes da patronal. No caso dos técnicos do Ministério do Trabalho, conseguem identificar-se em maior medida com as vítimas (AT). Quando a relação causa–efeito, fica clara a própria atividade de fiscalização tende a colocá-los numa posição de “neutralidade”, e de ai, desse lugar, avaliam os casos de AT ou DP. Isto demonstra que os mecanismos cognitivos e ideológicos não atuam A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 205 automaticamente em todos os casos. Depende da situação concreta, dos hábitus, com diria BORDIEU (2003). Agora, diversas pesquisas independentes e de público conhecimento, em geral aquelas desenvolvidas no âmbito acadêmico nacional e internacional, da OMS, etc., demonstram que vários processos de trabalho e condições de produção são altamente nocivos e perigosos para a saúde e segurança dos trabalhadores e que as leis e normas vigentes estão ultrapassadas. No entanto, os profissionais/técnicos das empresas, que geralmente estão informados dos resultados dessas pesquisas, continuam a culpabilizar as próprias vítimas acidentadas. A cooptação, o cinismo e a adesão a valores de competição, poder e lucro, levam a negar uma realidade evidente, segundo as próprias estatísticas oficiais, usando para tanto o processo cognitivo de atribuir a responsabilidade interna as próprios acidentados pelo AT e argumentos legalistas, ético/religiosos e até biológicos, para respaldar suas argüições: “O dia em que tu nasceres, já te faz mal... a partir do momento em que tu sais da barriga de tua mãe já estas morrendo...” diz um dos empresários. Poderíamos dizer que o ideológico é o conteúdo valorativo que usa a forma psicológica (processo cognitivo de atribuição de causalidade) de perceber um acontecimento no âmbito laboral. No Brasil, o apelo a Deus é um traço típico da cultura nacional. Aqui, a ideologia toma uma forma religiosa. Por outro lado, coerente com o anterior, as políticas públicas tendem a fazer do risco o único horizonte possível para uma política trabalhista. Isto é, alem da mercantilização do tempo do trabalho, da energia/capacidade de trabalho, a legislação moderna avança, explicitamente, até a monetarização de cada órgão do corpo humano e, inclusive, de sua mente. De uma maneira velada, fica legitimada, assim, a venda de órgãos, mas só no mercado formal de trabalho, fora dele, nenhum cidadão pode vender ou comprar órgãos próprios ou alheios. Agora, um detalhe, o trabalhador só receberá o seu pagamento, depois que seu órgão tenha sido esmagado ou usado até a exaustão, logo após, o trabalhador mudará de status para desempregado ou aposentado especial (LAURELL e NORIEGA, 1989; LORRY, 1999; BILBAO, 1997.) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 206 Bibliografia ANUARIO ESTATISTICO: Ministério da Previdência Social, 2008. BILBAO, A.: El accidente de trabajo: entre lo negativo y lo irreformable. Madrid: Siglo XXI; 1997. BORDIEU Campo de poder, campo intelectual. Buenos Aires: Quadrata, 2003 COHN, A.: Acidentes de trabalho, uma forma de violência Brasiliense. 1985 DE LA COLETA, J. A: Acidentes de Trabalho: fator humano, contribuições da psicologia do trabalho, atividades de prevenção. 2º.Ed.. São Paulo: Atlas, 1991. DWYER, T.: Vida e norte no trabalho. Ed. Unicamp. Campinas, SP, 2006. FAVERGE, J. M.: “Psicología de los accidentes de trabajo”. Trillas. México, 1975 FRIEDMANN, G.: Trabalho em migalhas. São Paulo: Pespectiva, 1983. LAURELL, A.C. e NORIEGA, M. N. Processo de produção e saúde trabalho e desgaste operário, São Paulo, Hucitec, 1989. LEPLAT, J. & TERSSAC, G., 1990. Les Facteurs Humains de la Fiabilité dans le Systemes Complexes. Paris: Ministére de la Recherche et la Technologie. LORRY, M.: Acidentes Industriais: O Custo do Silêncio. Rio de Janeiro: MultiMais Editorial. 1999. MACHADO, J. M. H.; GOMEZ, C. M. Acidentes de trabalho: uma expressão da violência social. Cad. 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VERNON APUD DWYER (2006) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 207 Ação Sindical no Vale do São Francisco José Fernando Souto Junior101 Este trabalho trata do projeto de pesquisa em desenvolvimento102 sobre as organizações sindicais dos trabalhadores rurais que estão localizados na parte pernambucana da Região Integrada de Desenvolvimento – (RIDE) Petrolina/Juazeiro e que integram o chamado pólo sindical do Vale do São Francisco, região reconhecidamente de dinamismo econômico associada à produção de “frutas para o mercado global” (CAVALCANTI, 1997). A região tem se destacado por se diferenciar, em sua dinâmica econômica, de outras áreas do Nordeste. Estudos publicados ressaltam o desenvolvimento regional e enfatizam o destaque na fruticultura irrigada. No Vale do São Francisco surge uma mística que tem como ênfase o desenvolvimento acima da média nacional, construindo a imagem da região como um oásis. Um estudo aponta que nas últimas quatro décadas aconteceu, no Nordeste brasileiro, importantes mudanças tanto no plano econômico quanto no social, particularmente no Semi-Árido. Apesar do bom desempenho da economia regional em relação à economia nacional, o mesmo não se verificou com o setor primário, que recuou de cerca de 30% do produto para menos de 10%, isto, mesmo com o surgimento das empresas de agricultura irrigada e de produção de grãos nos cerrados. Mas o Vale do São Francisco continuou uma exceção, isto por causa das políticas de apoio ao desenvolvimento agrícola103. O Vale é uma das regiões agrícolas mais dinâmicas do país. Os estudos retratam a convergência dos fatores climáticos e também do papel do Estado como promotor desse desenvolvimento. Segundo Silva (2009: 80), os investimentos captaneados pelo Estado para a construção de grandes projetos de irrigação nos anos 1970, associados aos incentivos fiscais e financeiros de agências governamentais como SUDENE e BNB. Mas a criação das usinas hidroelétricas da CHEFS podem ser vistas também como um dos elementos propulsores desse 101 Doutor. Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) 102 O projeto aprovado foi um APQ pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco – FACEPE, que tem como título: “Análise da ação sindical e do modelo de gestão sindical do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina (1990-2008). 103 Desenvolvimento Territorial e Convivência com o Semi-Árido Brasileiro – Experiências de Aprendizagem. Relatório Final Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 208 desenvolvimento e que tornou essa região um pólo atrativo de imigrantes (RIBEIRO, 2002; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000). Cavalcanti (1997: 79) ressalta: “desde o fim dos anos 80 o Vale do São Francisco passou a se distinguir por sua produção e pelos vínculos que estabelece com o mercado global”. Percebe-se um aumento na oferta de empregos, principalmente durante os anos 1990, impulsionada pelos produtos destinados à exportação. Para Silva (2009: 84), a exportação de frutas se consolida em 1997 e a manga e a uva passam a contribuir “com mais de 90% do volume de exportações do país”. Cavalcanti (2003: 05) afirma que a modernização da região garantiu “às empresas privadas um lugar privilegiado na condução da transformação dos espaços locais e no estabelecimento de elos com novas cadeias agroalimentares”. A vantagem do Vale como região de atração para a produção encontra-se também nas condições do clima do Semi-Árido: Dentre as diferentes regiões produtoras de uva no Brasil (Sudeste, Sul e Nordeste), o semi-árido nordestino tem vantagens comparativas em decorrência das condições de luminosidade, umidade e disponibilidade de água, que possibilitam direcionar a produção para qualquer época do ano e ocupar assim, janelas de mercado. Estratégias usadas por diferentes tipos de produtores têm conferido vantagens competitivas, colocando a região no rol dos principais centros produtivos e garantindo a superação das divisões sazonais, o 104 que normalmente implica em usos mais permanentes de mão-de-obra . Constitui fato que a presença do Estado como promotor do desenvolvimento e a existência do Semi-Árido como clima favorável aos projetos de irrigação deram o suporte necessário para, depois de constituída a infra-estrutura necessária, o surgimento de uma iniciativa capitalista com pretensões ao comércio exterior. Esse cenário veio a ser a fonte de inúmeros estudos sobre a emergência de um capitalismo dinâmico em pleno interior do sertão nordestino. Aceitando esse pressuposto em quase todos os estudos encontrados aqui, a região é reconhecidamente palco do desenvolvimento regional e um pólo de atração de investimentos, vários estudos trataram do assunto sob diferentes óticas. Pelo menos três perspectivas podem ser percebidas: 104 Grifos meus. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 209 (a) Aqueles estudos que têm seu foco voltado para a dinâmica das empresas e avaliam o desenvolvimento da região como um locus privilegiado de oportunidades de negócios, entre as suas ênfases está a busca de estratégias singulares adotadas pelo empresariado para atuar na região (OLIVEIRA, 2007; SOUZA, BRITO, NETO, SOARES & NASCIMENTO, 2001; LIMA & MIRANDA, 2001). (b) Outra perspectiva analisa a dinâmica de atuação dos diversos atores políticos e o desenvolvimento da fruticultura irrigada, esta procura compreender o sentido das ações e sugerir correções apontando os equívocos das estratégias (CORREIA, ARAÚJO & CAVALCANTI, 2001; SILVA, 2001 e 2009; MARINOZZI & CORREIA, 1999). (c) Por fim, aqueles estudos que procuram compreender a dinâmica desse desenvolvimento e seus efeitos contraditórios revelados nas relações de trabalho e pelas organizações dos trabalhadores (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; OLIVEIRA, 1984; CAVALCANTI, 1997, 2003; CAVALCANTI & PIRES, 2009; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000; RODRIGUES, 2009). A opção desse projeto é pela terceira perspectiva, pela importância do quantitativo de mão-de-obra na região. Cavalcanti (1997: 85-86) apontou que na segunda metade dos anos 1990 não havia dados objetivos ou mesmo confiáveis para o tamanho da força de trabalho ocupada na fruticultura. Utilizando os números de relatórios oficiais constatou haver variações. Seu palpite foi de que os números apresentados em relatórios fossem inferiores ao número real. Para Petrolina e Juazeiro, por exemplo, sua estimativa era de que existissem de 20 a 30 mil trabalhadores. Já para o setor de serviços, os relatórios da CODEVASF para o ano de 1996 indicavam que o número de empregos indiretos tenderia a ser maior. A imprecisão dos números, segundo a autora, devia-se a dois fatores: “às formas precárias de recrutamento e remuneração da mão-de-obra” e, em segundo lugar, a sazonalidade na contratação de mão-de-obra em certas fases da produção e colheita. Estes fatores contribuiriam diretamente para a formalidade ou não dos contratos de trabalho e para a discrepância entre os trabalhadores permanentes e os temporários. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 210 Para sintetizar, as características do trabalho permitem-nos uma idéia mais objetiva das relações de trabalho. Ao mesmo tempo, e desta perspectiva poderemos vislumbrar e questionar as condições para a ação coletiva por parte dos sindicatos: O trabalho é praticado em regime de assalariamento permanente ou temporário. O pagamento pode ser mensal, quinzenal ou por diária. No caso de alguns pequenos produtores em geral não são formalizadas as obrigações trabalhistas. A instituição de Programas de Qualidade Total nos lotes teve por conseqüência: 1) melhoria das condições de produção, com especial atenção às práticas ambientais e relações no trabalho e 2) redução da mão de obra empregada. O nível de qualificação e especialização dos trabalhadores clandestinos e registrados não difere. Por fim, no Vale do São Francisco algumas mobilizações políticas garantiram conquistas salariais e melhoria das condições e nas relações no trabalho. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina Fundado em 27 de julho de 1963, o STR Petrolina tem sua história associada ao avanço da organização dos trabalhadores rurais no campo e aos esforços da Igreja Católica para organizar o movimento. Tal fato não é distinto do que vários autores tem destacado da história do sindicalismo rural estabelecendo uma relação direta entre a organização e expansão do sindicalismo rural e a Igreja Católica, mesmo com suas divisões internas com relação ao próprio movimento, mas como um agente importante nesse processo (FAVARETO, 2006; NOVAES, 1991; MEDEIROS, 1988; MEDEIROS & SORIANO, 1983; COSTA & MARINHO, 2008). No caso de Petrolina, o Padre Mansueto de Lavour foi uma personalidade de destaque no apoio direto ao movimento. Segundo Novaes (1991), a especificidade do sindicalismo rural brasileiro está no fato de que várias categorias estão sob o guarda chuvas do termo rural. Assalariados, pequenos proprietários rurais, posseiros, pescadores, sem terra etc. estão no mesmo sindicato. O resultado de tamanha diversidade seria uma complexa teia de interesses que dificultaria a construção da unidade dos trabalhadores rurais. A autora destaca o papel importante que a CONTAG A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 211 (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) teve na construção da unidade entre os rurais e a diversidade de movimentos que surgem com o advento do novo sindicalismo. O mesmo tema foi trabalhado por Favareto (2006). Costa & Marinho (2008), analisam a construção institucional do moderno sindicalismo rural brasileiro analisando diversas portarias e leis que trataram do assunto em sucessivos governos. Para os autores, o resultado foi um modelo de sindicalismo que se desenvolveu como resultado dos embates entre comunistas, trabalhistas e católicos. Além dos interesses do governo, antes e depois do golpe. Em contextos históricos específicos a combinação desses fatores limitaram ou ajudaram a expansão dos sindicatos rurais. O destaque desse processo foi o que os autores denominaram de “herança de uma história desagregada e episódica” (2008: 125) que teve seu ponto alto na criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). O STR de Petrolina é produto dessa diversidade de categorias, assalariados, ribeirinho, pequenos agricultores, assentados, pescadores etc. Destaca-se por absorver grande parte dessa diversidade, mas tem sua maior força entre os assalariados. O movimento sindical estima em 20 000 trabalhadores rurais na sua base e são esses trabalhadores que fazem greve, lutam por melhores salários, condições de trabalho e transporte etc. Com essa diversidade o sindicato procura estimular movimentos de mulheres, aposentados e jovens. Boa parte da aposentadoria dos trabalhadores rurais passa pelo STR Petrolina. É o sindicato que cuida de organizar os documentos necessários para que os trabalhadores rurais possam se aposentar. Documentos revelam a pressão do sindicato junto às autoridades e políticos da região responsabilizando a chefia local do INSS por problemas causados aos trabalhadores. No caso das mulheres, o STR Petrolina comemora ter 50% das direções sindicais formadas por mulheres. Por estímulo da FETAPE os sindicatos da região desenvolvem atividades relacionadas aos direitos das mulheres. Ações como estas estão garantidas na convenção de trabalho, como exemplo o abono de faltas quando as mulheres forem tratar de problemas de saúde. No caso da juventude, existe uma diretoria específica para tratar dos jovens, pois consideram importante o envolvimento dos jovens no movimento sindical, sejam filhos de associados, sejam jovens membros do sindicato. As atividades com os jovens têm um caráter educativo, ou mesmo moral, no sentido de lhes oferecer uma formação sobre a luta dos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 212 trabalhadores, envolvendo-os no cotidiano sindical, quanto se pensa numa formação moral no sentido de impedir que estes caiam no caminho das drogas. Ação sindical no Vale do São Francisco Vários sindicatos da região formaram um pólo sindical com o objetivo de organizar a luta contra os desmandos da CHESF por conta dos ribeirinhos retirados por conta da criação de barragens para as hidroelétricas. A Igreja foi o principal elemento entre para organização e apoio nesse processo na década de 80 (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000). No ano de 1994 que apareceram os primeiros registros de greve no Vale, especificamente em Santa Maria da Boa Vista e Petrolina. Em Matéria publicada pelo Jornal do Commercio com o título: “no sertão a história é outra”, a imprensa destacou o papel ativo do movimento sindical, inversamente proporcional ao descanso dos patrões. As negociações dos trabalhadores rurais de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, iniciadas ontem, já estão sendo consideradas um fato histórico no Vale do São Francisco. Pela primeira vez, os trabalhadores organizaram-se para dar início a uma campanha salarial na região, apresentando, inclusive, uma pauta de reivindicações contendo 67 itens a serem analisados pelos patrões. Estes foram pegos de surpresa, pois a classe, apesar de existirem os sindicatos patronais, continuam desorganizada105. Para o Diário de Pernambuco, Por nunca terem enfrentado um dissídio coletivo, os empresários rurais do Vale do São Francisco não estão organizados, em seus sindicatos, o que dificultou as primeiras negociações. Enquanto os sindicatos de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista possuem cerca de 15 000 filiados, o sindicato patronal, em Petrolina, tem apenas 400 associados e o de Santa Maria, 350106. A desorganização patronal, e é possível especular que a cultura dos proprietários rurais de não serem abertos às negociações, intensificou a publicidade ao movimento. A dificuldade para as 105 Jornal do Commercio. Recife, 18 de janeiro de 1994, terça feira. 106 Diário de Pernambuco. Recife, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 213 negociações foi tamanha que teve a participação direta do Delegado Regional do Trabalho no estado de Pernambuco, Amaro Gantóis. Em outubro do mesmo ano foi a vez do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Grande, cidade localizada entre os municípios de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, de realizar a primeira greve de 24 horas para conseguir negociar com os patrões107. A ação em conjunto dos sindicatos rurais tem sido uma política defendida e estimulada pela Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco – FETAPE, ligada à CONTAG. Assim, o estado de Pernambuco foi dividido em áreas geográficas e nelas são desenvolvidas ações conjuntas entre os sindicatos rurais localizados nas respectivas micro regiões. Os dados coletados até o momento no STR de Petrolina revelam que essa experiência foi importante para a construção da unidade em torno da preparação da primeira Convenção Coletiva dos Trabalhadores rurais do Vale do São Francisco, que data de 1994 e foi realizada pelos STRs de Petrolina e de Santa Maria da Boa Vista108. Não demorou muito para perceberem que muitas empresas produziam em várias cidades do Vale. A iniciativa foi agir conjuntamente, inclusive com os sindicatos localizados na Bahia. A experiência acumulada pelo pólo foi transpassada para fora das suas bases territoriais, dirigindo-se para as cidades da Bahia, construindo a unidade em torno das convenções coletivas entre os sindicatos de Pernambuco e Bahia. Atualmente cerca de dez sindicatos participam da campanha salarial unificada entre os estados da Bahia e Pernambuco109, perfazendo um total de cerca de 20 000 trabalhadores rurais, segundo informações do STR de Petrolina. As convenções coletivas de trabalho Segundo Rodrigues (2009), um dos pontos destacados em seu trabalho, é que as convenções têm como suas principais cláusulas, na verdade, direitos já existentes, mas que não são cumpridos. As convenções teriam o sentido de por meio da mobilização e assinatura dos acordos, fazer cumprir a própria lei. 107 108 Jornal do Commercio. Recife, 11 de outubro de 1994, terça-feira. Convenção Coletiva de Trabalho. Trabalhadores Rurais: Petrolina-PE e Santa Maria da Boa Vista-PE. Fevereiro de 1996. Participam da construção e negociação da convenção coletiva, os seguintes sindicatos de trabalhadores rurais (STRs): Petrolina – PE, Santa Maria da Boa Vista – PE, Belém do São Francisco – PE, Lagoa Grande – PE, Cabrobó – PE, Juazeiro – BA, Casa Nova – BA, Sento Sé – BA, Sobradinho – BA, Curaça – BA e Abaré – BA. Também estão as negociações: Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco – FETAPE, que assume um papel de protagonista; a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG e a Central Única dos Trabalhadores – CUT. 109 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 214 O processo de negociação costuma ser tenso. Assumem a frente das negociações os advogados da FETAPE, FETAG e dos sindicatos patronais. São os mediadores desse processo. A questão salarial tem sido o ponto de destaque e o que, de forma mais intensa, mobiliza as bases. É a grande quantidade de assalariados na região que trouxe força aos sindicatos, foram com as greves, no geral bastante reprimidas pela polícia, que conseguiram sentar com os patrões para negociar. Segundo as lideranças sindicais do STR de Petrolina, a primeira convenção coletiva de trabalho deles foi a primeira do setor de frutas do Brasil, eles a chamaram de “salada de frutas”. Nas primeiras convenções os principais ganhos salariais eram em torno de 10% acima do salário mínimo. Mas ao longo do tempo os sindicalistas perderam essa margem de ganho e na convenção coletiva de 2009 o sindicato barganhou R$ 11,00 reais acima do mínimo, e não levou. Por outro lado, as convenções tem significado um avanço para os trabalhadores rurais. A partir delas e das mobilizações, passaram a garantir transporte em ônibus para as fazendas, antes era em cima de caminhões e sem proteções, os críticos atuais do movimento chamam atenção para as condições dos ônibus; têm conseguido a duras penas que os trabalhadores não tenham descontados dos seus salários os dias que por ventura faltem ao trabalho para tratar de doença, aposentadoria etc, todos os casos previstos em lei; também continuam lutando por maior segurança na utilização de agrotóxicos. Alguns estudos apontam (BEDOR, 2008 e 2007) a região do Vale do São Francisco como uma das regiões com grande incidência de câncer, apesar de não haver provas que possam estabelecer relação direta, alguns pesquisadores sugerem isso; apesar de constar nas convenções coletivas, os sindicalistas se colocam contrários a aplicação do banco de horas. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Maria Lia Corrêa de; NETO, Magda de Caldas & LIMA, Ana Elisa Vasconcelos. 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Almeida111 Maciel Cover112 Considerações Iniciais No Brasil, a produção de cana-de-açúcar vem sendo impulsionada por sua crescente valorização no mercado internacional, de tal sorte que o setor sucroalcooleiro representa, atualmente, parte considerável da economia do país. De fato, o açúcar brasileiro conseguiu penetrar no mercado europeu com um preço bastante competitivo. Além disso, o álcool está novamente ganhando espaço como alternativa à gasolina, sobretudo diante do aumento gradativo do preço do barril de petróleo, associado a uma agenda ambiental mundial que exige a utilização de combustíveis renováveis e menos poluentes. Na safra 2008, por exemplo, a produção brasileira de cana cresceu 13,9%, de 501,5 milhões para 571,3 milhões de toneladas. São Paulo foi responsável por 58,9% desse aumento, Goiás por 12,3%, e Minas Gerais por 10,9%. O crescente volume de recursos aportados no setor não tem se refletido, todavia, na melhoria da qualidade das práticas trabalhistas vigorantes nesse segmento econômico. Ao revés, o setor vem vivenciando um contexto de ampliação do número de trabalhadores contratados e de intensificação da exploração dos trabalhadores, através das exigências de maior produtividade e critérios de qualidade do trabalho exigidos pelas usinas. As altas taxas de produtividade de muitas usinas brasileiras são garantidas pela exploração dos trabalhadores, em contexto de perversidade que começa pela própria natureza do trabalho. De fato, o corte da cana constitui serviço extenuante, que submete os trabalhadores a jornadas exaustivas, em altas temperaturas, havendo casos documentados de cortadores de cana que 110 Profª Drª do PPGCS/UFCG Mestrando do PPGCS/UFCG 112 Mestrando do PPGCS/UFCG 111 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 218 morreram de exaustão, por excesso de trabalho113. Neste particular, calha destacar as precisas palavras de ALVES (2006, p. 85): Eu comparo o cortador de caba a um corredor fundista, porque os trabalhadores com maior produtividade não são necessariamente os que têm maior massa muscular, são os que têm maior resistência física para a realização de uma atividade repetitiva e exaustiva, realizada a céu aberto, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça, em alguns casos, e por um período que varia entre 8 a 12 horas de trabalho diário. Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num talhão de 200 metros de comprimento, por 8,5 metros de largura, caminha, durante o dia uma distância de aproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 50 golpes com o podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 183.150 golpes no dia (considerando uma cana em pé, não caída e não enrolada e que tenha uma densidade de 5 a 10 canas a cada 30 cm.). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, se abaixar e se torcer para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disto, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana, com um peso equivalente a 15 kg, a uma distancia que varia de 1,5 a 3 metros. A vulnerabilidade dos trabalhadores acaba sendo exacerbada, também, pela forma de remuneração imposta pelas usinas e produtores de cana: os cortadores são remunerados por produção, de acordo com a modalidade de cana cortada. Em verdade, de acordo com SILVA (2008), a precariedade das condições de trabalho do setor sucroalcooleiro é marcada pela altíssima intensidade de produtividade exigida. Na década de 1980, por exemplo, a produtividade média exigida dos trabalhadores era de 5 a 8 toneladas de cana cortada por dia. Em 1990, essa média passa para 8 a 9; em 2000, para 10, e em 2004, para 12 a 15 toneladas. 113 De acordo com SILVA (2008) a vida útil de um cortador de cana varia de 10 a 15 anos, semelhante à dos negros no período escravocrata, cifra esta inferior à do período após a abolição do tráfico, em torno de 20 anos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 219 A sistemática de pagamento por produção já fora, de certa forma, analisada por Marx (1984, p. 141), que afirma que o salário por peça “[...] é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois com isso sobe o seu salário diário ou semanal”. Não obstante, a sistemática remuneratória empreendida no setor sucroalcooleiro assume características bem distintas de outras modalidades de pagamento por produção, uma vez que os cortadores de cana não têm prévio conhecimento do valor do que produzem. Sobre o tema, convém registrar os esclarecimentos de ALVES (2008): Na maior parte dos pagamentos por produção, os trabalhadores trabalham por ‘peça’ produzida, e estas têm o seu valor fixado antes da realização do trabalho. O valor da cana cortada só é conhecido pelos trabalhadores depois que o trabalho é realizado, e ainda depende de uma conversão de valores que é realizada à revelia dos trabalhadores. Na cana, os trabalhadores são remunerados por metro de cana cortada, mas só está previamente fixado o valor da tonelada de cana cortada. Para que o trabalhador conheça o valor do metro, é necessária uma conversão de valor da tonelada para valor do metro. Essa conversão exige certa complexidade, que, por sua vez, exige uma série de cálculos e envolve a realização de uma amostragem. Nessa esteira, a imposição de alta produtividade apresenta-se como fator principal para o alto índice de adoecimento e mortes no setor sucroalcooleiro, razão pela qual muitas autoridades, sobretudo aquelas ligas ao Ministério Público, vem defendendo a abolição do sistema de pagamento por produção 114. Todavia, conforme bem assinala SILVA (2008, p.7), “tal medida não é aceita nem pelos usineiros, os quais alegam que seriam lesados, nem pelos representantes sindicais, os quais afirmam que os trabalhadores não aceitariam trabalhar na diária (pagos por dia), porque o piso salarial é baixo, aquém de suas reais necessidades de reprodução da força de trabalho e do sustento de suas famílias. Segundo uma sindicalista, os trabalhadores não aceitam diminuir o ritmo de trabalho porque não conseguiriam cortar cana devagar, pois correriam risco de se acidentar.” 114 Tal proposta fora apresentada, por exemplo, em reuniões promovidas pela FUNDACENTRO no ano de 2006, que contaram com a participação de pesquisadores da entidade e representantes sindicais dos trabalhadores do campo e da indústria. Os relatórios das referidas reuniões encontram-se disponíveis em <http://www.fundacentro.gov.br>. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 220 Em arremate, a mesma professora assim preleciona: O leitor poderia se perguntar sobre razões que levam as pessoas a aceitar essa situação. Segundo Amartya Sen (2000), a liberdade somente existe quando, diante de no mínimo duas alternativas, a pessoa pode escolher uma delas. Se houver uma única alternativa, não se pode falar em liberdade, mas em imposição, já que a possibilidade de escolha é inexistente. Esta é a situação dos migrantes que se destinam a esse trabalho nos canaviais e laranjais paulistas e também dos chamados ‘bóias-frias’ locais. São pessoas que não possuem alternativa de sobrevivência, senão esta. Quanto ao ritmo acelerado de trabalho, ele foi sendo imposto e, ao mesmo tempo, incorporado pelos trabalhadores, durante estas últimas décadas. Ao ‘preferirem’ esse ritmo, consideram-no natural, sem questionar as conseqüências para suas próprias vidas. Indagados acerca dessa incorporação do ritmo de trabalho, uns afirmam que tudo depende do ‘jeito’, da destreza, da experiência, enquanto outros afirmam que é uma dádiva de Deus. Foram encontrados trabalhadores que chegaram a cortar mais de 60 toneladas de cana por dia! Portanto, a migração, assim como esse trabalho, é resultante do sistema econômico-social vigente, que se traduz pela imposição, pelo atrelamento de milhares de pessoas a um processo de trabalho que não pode ser definido como livre, que fere a dignidade humana, que possui as características da escravidão, porém com novas correntes, invisíveis, sob a capa do salário em dinheiro, do contrato e do chamado ‘direito de ir e vir’. Qualquer forma de recusa, de resistência, individual ou coletiva, é traduzida em ameaças, dispensas, medo e perseguições. O capataz dos confins deste país é substituído pelos feitores, fiscais e ‘gatos’. As armas são substituídas pelas listas negras e rescisões de contratos. Tem-se, portanto, que, embora seja extremamente degradante, o sistema de pagamento por produção encontra aceitação entre os próprios cortadores de cana-de-açúcar e seus representantes, que consideram natural esse modelo e incorporam, em suas práticas, o ritmo de trabalho desumano traçado no próprio discurso patronal. A exploração de trabalhadores no setor sucroalcooleiro relaciona-se, ainda, ao fenômeno da migração de trabalhadores rurais nordestinos, que acabam vitimados pelo sistema de acumulação do capital. 2. Trabalhadores Migrantes em Usinas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 221 A migração de trabalhadores é uma prática recorrente em diversos setores da economia brasileira, não sendo diferente no setor sucroalcooleiro. SILVA (1999) aponta que no complexo agroindustrial da cana-de-açúcar, no Estado de São Paulo, os migrantes de outras regiões do país constituem o quadro da força de trabalho das usinas desde a década de 1960. Primeiramente trabalhadores provenientes de Minas Gerais, e posteriormente dos estados do Nordeste, como relatam os Srs. Pedro e João, agenciadores de mão-de-obra de usina localizada no município de Cerquilho, Estado de São Paulo: Eu vou contar pra vocês. Quando meu pai começou. Isso é coisa que faz tempo já. O pessoal lidava com mineiro lá. Na época. Era tudo largado mesmo, não existia registro e nada. Não tinha pessoal melhor pra trabalhar do que mineiro. Só que o pessoal no norte não tava migrando pra lá, certo. O pessoal não ia. E ninguém também imaginava que o pessoal aqui iria cortar cana lá. Ai as Usinas, na época, tinha varias usinas independentes né, hoje é tudo grupo Cosan, é forte. E trabalhavam com 500 mineiros,outras 400.Só que quando os mineiros iam pra lá, eles queriam fazer o que eles queriam.Tipo, eles achavam que a Usina não funcionavam sem eles. E não conseguia trabalhar sem eles, pois na época não tinha maquina. Então eles chegavam na usina e faziam o que queriam. “oh, eu quero fazer isso, fazer isso, fazer isso”. Ai começou imigrar nordestinos daqui pra lá. Indo por conta acho que ia. Aqui do Ceara, da Paraíba. Iam pra chegar lá, iam sem destino. Chegavam lá,começaram a trabalhar e o pessoal começou a gostar. Ai foi pegando esse conhecimento. Isso foi a 20 anos atrás né, 25 anos. Ai foi pego conhecimento, conhecimento, conhecimento.Agora duns 15 anos pra cá que começou o pessoal vindo contratar e da uma opção de vida melhor pra pessoa né. Agora sem discriminar ninguém. Lá em São Paulo, paraibano e cearense mata a pau. Não desmerecendo os baianos e os mineiros, de maneira nenhuma.Só que eles no começo.Eles aproveitaram, eles acharam que a Usina nunca ia, a Usina precisa deles, eles não precisavam da Usina,entendeu? E tem Usina que trabalha com mineiro ainda, mas é, pouco.Só que eles mudaram também, eles viram que eles perderam o campo deles, então mudaram, eles dependem de ir pra lá.(Entrevista 10.04.2010). Este fragmento da entrevista de um funcionário que recruta trabalhadores para usinas no Estado de São Paulo ilustra bem como a reestruturação do setor sucroalcooleiro no interior paulista, que vinha se consolidando desde a década de 1970, contribuiu para um redirecionamento das correntes migratórias da região Nordeste (SILVA, 1999, 2005). Até a década de 90, havia uma predominância de trabalhadores migrantes provenientes do Vale do A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 222 Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais e do Estado da Bahia e a partir daquela década, os trabalhadores migrantes crescentemente são contratados nos Estados de Piauí, Pernambuco, Maranhão e Paraíba, conforme constatam diferentes pesquisas (MENEZES, 2010). Quanto aos migrantes de áreas rurais do Estado da Paraíba, os estudos de GARCIA JR (1989) e MENEZES (1985) apontam duas explicações. Primeiro, a existência de uma estrutura fundiária concentrada, dificuldades de acesso à água, deficiência de políticas públicas de crédito e assistência técnica e a falta de atividades de geração de renda fazem com que as famílias não atendam suas demandas de reprodução social. Nesse caso, a migração, muitas vezes, é uma estratégia de reprodução da família camponesa. Alguns membros da família migram e utilizam a sua renda tanto para suprir as necessidades de consumo quanto de pequenos investimentos, e até, muitas vezes, para adquirir um lote de terra. A segunda explicação é que a migração também significou um rompimento com a dominação tradicional exercida pelos grandes proprietários de terras, através do sistema de morada. A morada consistia num sistema de organização da vida social em que o camponês, desprovido de terra, trabalhava e morava na propriedade de outro que poderia ser um senhor de engenho, produtor de algodão ou pecuarista. O morador tinha direito a ter um roçado, pequenos animais e fruteiras e, pelo pagamento do uso da terra e moradia, tinha a obrigação de trabalhar na terra ou no cuidado dos animais do proprietário-patrão. Além das condições estruturais, as migrações também se explicam pelo ciclo de vida dos indivíduos e das famílias. A maioria dos migrantes são homens entre 20 e 30 anos115. WOORTMANN (2009), ao analisar os processos migratórios de comunidades camponesas em Sergipe na década de 1990, desenvolveu o conceito de migração pré-matrimonial que é realizada por jovens que pretendem formar uma nova família. Como a renda oriunda da agricultura não é suficiente para manter uma nova família, os jovens buscam na migração um meio para adquirir recursos e conquistar sua autonomia em relação aos pais, bem como preparar a formação de seu casamento. A maioria começa migrar ao completar 18 anos de idade, marcando o que WOORTAMANN identifica como um rito de passagem para a idade adulta: “a migração marca, sobretudo, a superioridade dos que agora são homens com relação aos que ainda são rapazes” (2009, p. 219). WOORTMANN e MENEZES identificaram a importância da migração dos jovens de áreas rurais do Nordeste Brasileiro em direção às cidades e metrópoles da região sudeste e Brasília nas 115 Maiores detalhes sobre idade, escolaridade e estado civil dos migrantes ver SILVA (2006) e MENEZES (2010). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 223 décadas de 1970 e 1980. Esse perfil etário persiste em décadas posteriores e em outras rotas migratórias, como é o caso da migração de áreas rurais do Nordeste para a região canavieira de São Paulo. Exemplo disso é o estudo de SILVA (2006) sobre a migração dos jovens de Tavares/PB para o corte de cana em São Paulo, o que se explica como um desejo de autonomia em relação aos pais em termos de renda e relação hierárquica: os jovens migram, sobretudo, motivados por projetos de autonomia, pela afirmação de suas identidades de jovens e de gênero que passa hoje pelo acesso a certos serviços e bens de consumo: a participação em práticas culturais como as festas locais; a compra de motos e acessórios próprios para este grupo etário: roupa, som, etc. (SILVA, 2006, p. 31). Estes jovens, filhos de pequenos proprietários rurais, moradores, rendeiros, trabalham na agricultura com suas famílias. Por mais que relatam gostar do sítio, eles avaliam que a penosidade deste tipo de trabalho, as inconstâncias do comportamento do clima, que por vezes causa prejuízos às lavouras, e a baixa renda obtida não permitem a permanência no campo. O trabalho como cortador de cana em usinas do Estado de São Paulo significa, assim, uma possibilidade de emprego e renda para os jovens de áreas rurais. A abundância de força de trabalho em áreas de agricultores familiares que pode ser utilizada pelos setores da agricultura, indústria e serviços foi entendida por MARX como constituinte do exército de reserva formado partir do processo de acumulação primitiva. Além disso, o exército de reserva também se forma pela intensidade da exploração de força de trabalho. Nos termos de MARX (1984, p. 203), “o sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão, aos ditames do capital”. Assim, “a condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em virtude do sobretrabalho da outra parte e vice-versa torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual”, de modo acelerar “a produção do exército industrial de reserva numa escala adequada ao progresso da acumulação social”. Outro processo social que leva à formação de um exército de reserva é o desenvolvimento tecnológico. Isso tem se verificado com o impacto da crescente mecanização no corte da cana-deaçúcar no Estado de São Paulo, decorrente da eliminação gradativa da queima prévia da cana e de exigências ligadas à área ambiental. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 224 Durante recentes entrevistas realizadas no Município de São José de Piranhas, o avanço da mecanização é relatado pelos Srs. Pedro e João, agenciadores de mão-de-obra de usina localizada no Município de Cerquilho, Estado de São Paulo: A gente tinha 260 pessoas. Isso. A gente nesse ano, só que ai eram mais alojamentos. Tem alojamentos que nesse ano tá parado. Esse alojamento tá desativado, vai ficar parado lá por motivo do que, a cortadeira hoje. [...] A Usina tem a maquina. Então, a cortadeira toma muito o serviço deste pessoal. Hoje as maquinas entram em qualquer lugar, não tem lugar que ela não entra, por que hoje se sabe que o computador faz coisas aí que até Deus duvida né. [...] Então o que tá acontecendo, vai chegar um tempo que cana queimada não vai existir mais na região lá. Que é 2014, segundo a previsão do pessoal. [...] Pra cortar sem queimar. Manual, na palha se torna caro né. Ai a colhedeira não tem esse problema né. Imagine, por que a cana palha pro cortador cortar a cana paga 60% em cima do preço. É duro. O custo prum pessoal desse aí, sair da cidade dele pra ir pra lá, tem um custo em cima disso aí. Pra tomar conta do pessoal lá, na parte de alojamento, tudo pra ele lá, os EPIs, as coisas que tem lá fica muito caro. A alimentação. Então, não compensa. Esse aumento dos índices de mecanização da colheita resultará, inexoravelmente, em impactos significativos sobre o emprego, levando a uma exclusão ainda maior dos trabalhadores rurais deste setor. De acordo com GONÇALVES (1999, p. 79), A mecanização da colheita da cana provoca redução drástica da sazonalidade e do emprego de safristas, exatamente esse público que já vive em condições precárias de sobrevivência. Em outras palavras, significa dizer que esse processo acaba punindo ainda mais os já castigados pelo processo de desenvolvimento desigual. [...] Os corolários sociais do impulsionamento do progresso técnico representado pela colheita mecânica de cana crua são, significativamente, dramáticos para aqueles que serão excluídos do processo que desemprega numa economia carente de empregos e que concentra terras numa estrutura fundiária já marcada pela elevada concentração. A existência de um número de trabalhadores cada vez maior que a demanda de vagas de trabalho constitui um exército de reserva necessário para a intensificação da exploração, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 225 mediante novas formas de gestão, criando ambiência propícia para a implementação e perpetuação do salário por produção. 3. A Sistemática de renumeração por produção no Setor Sucroalcooleiro Atualmente, o sistema remuneratório dos cortadores de cana-de-açúcar contempla, como regra, o pagamento de determinado preço pela quantidade de cana cortada por cada trabalhador, através da conversão da metragem da área cortada em toneladas diárias. Nas frentes de trabalho, a produção de cana cortada é diariamente medida por metro linear, na terceira rua ou linha com emprego de compasso fixo de dois metros, com ponta de ferro. Posteriormente, um caminhão é carregado com carga colhida pelo trabalhador oriunda de até três pontos diferentes desse talhão, o qual servirá de amostragem para aferição do peso médio da cana naquela determinada área. A relação entre o peso estimado da cana cortada, a extensão da área trabalhada e o valor da tonelada da cana resulta no valor do metro de cana cortado. Tal relação tonelada/metros lineares encontrada na carga de cana será observada como padrão para a conversão de toda a cana extraída do mesmo talhão. Ocorre que esta complexa conversão é efetuada no âmbito interno das empresas, sem acompanhamento ou controle dos trabalhadores, que – a depender das usinas – podem ter acesso ao apontamento da sua produção diária ao final do dia, por meio de anotação conhecida por "pirulito". Conforme ressalta Alves (2006, p. 93) Muitas vezes, os trabalhadores sabem que cortaram uma quantidade de metros elevada, mas como a cana pode ser de pouco peso, cana de 5ª soca, eles acabam tendo um ganho pequeno. Desta forma, fica claro que o pagamento por produção, além de ser uma forma de pagamento arcaica, perversa e desgastante, no caso da cana é mais perverso ainda, pois o ganho não depende apenas dos trabalhadores, mas de uma conversão feita pelo departamento técnico das usinas. De fato, a aferição do peso da cana cortada é incalculável a primeira vista, eis que a massa da cana está sujeita a diversas variáveis - como a variedade da cana, a época do corte e A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 226 quantidade de socas116 -, de tal sorte que a valoração do dia trabalhado passa a depender de instrumentos e balanças localizados no interior das usinas, impossibilitando o acompanhamento pelo trabalhador. Em síntese, tem-se um sistema de aferição da produção e de cálculo da remuneração que não possibilita ao trabalhador ter efetiva noção do valor do seu dia de trabalho. Assim, para perceber os recursos financeiros necessários para seu sustento e de sua família, especialmente durante o período da entressafra, o empregado acaba trabalhando até o limite de suas forças, de modo a esquadrinhar situação bastante vantajosa para o empregador, que acaba maximizando os lucros. Nesse diapasão, convém analisar tal sistemática remuneratória à luz do ordenamento jurídico brasileiro em vigor, para verificar até que ponto esse modelo realmente se encontra amparado pela legislação pátria. 4. Análise Jurídica do sistema de pagamento por produção do Setor Sucroalcooleiro Os trabalhadores rurais receberam tratamento jurídico especial na Constituição Federal de 1988, que lhes deferiu extenso catálogo de direitos individuais, em verdadeira equiparação com os trabalhadores citadinos (MURADAS, 2009). Ademais, as hodiernas relações de trabalho rural são reguladas especificamente pela Lei n. 5.889/73 e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Por seu turno, o art. 8º da CLT possibilita a aplicação do Código Civil como fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. Tais diplomas normativos não veiculam vedação expressa ao sistema remuneratório por produtividade baseado na massa produzida, permitindo que sua implementação encontre aparente respaldo jurídico, na medida em que a Constituição assegura a liberdade dos indivíduos de agir e contratar desde que não seja proibido pela lei (art. 5º, II). 116 Conforme assinala FABRE (2010, p. 109), o termo “soca” equivale à quantidade de vezes que a cana já foi cortada desde que foi plantada. Assim, cana de 5ª soca corresponde à cana que será cortada pela quinta vez desde seu plantio, sendo que, a cada corte, a cana-de-açúcar vai perdendo seu peso e valor. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 227 Vale dizer, dada a inexistência de norma proibitiva expressa, as partes contratantes avaliam ter ampla liberdade para fixar o conteúdo dos contratos de trabalho, inclusive no que tange às condições salariais. Além disso, verifica-se que a legislação vigente assimila, de certa forma, a remuneração variável, conforme se depreende da leitura do art. 78 da CLT e do art. 7º, VII da própria Constituição Federal. Tais diplomas normativos permitem que o salário seja ajustado por peça ou tarefa, desde que garantida a percepção de quantia nunca inferior ao salário mínimo. Assim, uma interpretação mais superficial do arcabouço jurídico poderia conduzir ao entendimento de que seria juridicamente permitida a contraprestação salarial calculada a partir da quantidade de toneladas de cana-de-açúcar cortada pelo trabalhador. Todavia, convém ressaltar que a lacuna legal não revela um silêncio eloqüente, mas uma imprevisão histórica e técnica, seja porque jamais se cogitou, à época da CLT ou da Lei de Trabalho Rural, a maciça utilização do sistema remuneratório por toneladas em um dado setor econômico, seja porque a lei, vocacionada à veiculação de normas gerais e abstratas, não é onisciente a ponto de prever cada particularidade das múltiplas parcelas da existência humana (FABRE, 2010). Em verdade, uma interpretação jurídica mais aprofundada e moderna, lastreada nos princípios e vetores axiológicos do Estado Democrático de Direito brasileiro, especialmente aqueles que incidem diretamente nas relações contratuais de trabalho, revela a ilicitude desse sistema remuneratório no âmbito do setor sucroalcooleiro. Com efeito, observa-se uma gradual e recrudescente tendência da comunidade jurídica em atuar como partícipe da efetivação do direito material, mormente quando se trata dos direitos fundamentais de cunho social, a exemplo dos direitos trabalhistas. Essa tendência manifesta-se precipuamente no campo interpretativo e intenta, sobretudo, conferir – na medida do juridicamente possível e logicamente razoável – o maior grau de eficácia e efetividade aos direitos plasmados na legislação vigente. Tal interpretação jurídica, de caráter sistemático e teleológico, pressupõe a incidência dos princípios e dispositivos legais descritos a seguir. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 228 4.1 - Princípios da nova ordem jurídica constitucional As transformações vivenciadas pela sociedade brasileira, sobretudo após o processo de democratização coroado pelo advento da Constituição Federal de 1988, possibilitaram a consolidação e o reconhecimento pela sociedade – sobretudo pela comunidade jurídica – dos direitos fundamentais dos trabalhadores. De fato, a partir do advento da nova Constituição Federal, os direitos fundamentais dos trabalhadores – urbanos e rurais – ganharam abordagem ainda não vista nos textos constitucionais anteriores, sobretudo em virtude da adoção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, incisos III e IV). A designação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral, constituindo também “norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade” (SARLET, 2007, p. 123-124). Tal princípio apresenta inegável papel norteador dos negócios jurídicos, notadamente no que tange aos contratos de trabalho, apresentando-se como mecanismo de concretização dos parâmetros mínimos de civilidade e respeito que devem presidir as relações laborais, a contemplar, por óbvio, aquelas estabelecidas no meio rural. A nova ordem constitucional caracteriza-se, ainda, pela força normativa dos princípios jurídicos, sobretudo daqueles que, em certa medida, viabilizam o reconhecimento e a concretização de direitos fundamentais dos cidadãos. Conforme bem lembra BONFIM (2008, p. 62-63), “no pensamento jurídico contemporâneo existe unanimidade, ao menos do ponto de vista doutrinário, em se reconhecer aos princípios jurídicos status conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica”. Para o autor, “os princípios são normas positivas, vinculativas, obrigam, têm eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados”. Na qualidade de normas jurídicas de inegável densidade valorativa e teleológica, consubstanciado geralmente direitos fundamentais dos cidadãos, os princípios jurídicos adquiriram enorme importância nas sociedades contemporâneas, tornando-se imperioso, pois, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 229 frisar a emergência de um modelo principiológico que, cada vez mais, confere-lhes uma condição central na estruturação do raciocínio jurídico, com reflexos diretos na interpretação e aplicação de um direito justo (FREIRE, 2008). Entre os princípios informadores da interpretação das relações jurídicas estabelecidas no campo, além do próprio postulado da dignidade humana, merece destaque o princípio da função social da propriedade rural. O âmbito conceitual do direito de propriedade vem se alterando ao longo do desenvolvimento da sociedade. A concepção liberal da propriedade, contemplada pelo Código Napoleônico e decorrente dos anseios da burguesia na época da Revolução Francesa, não consegue mais se coadunar com os anseios sociais hodiernos. De fato, o conceito de propriedade vem se adequando ao novo contexto político, econômico e social, e tem sido abrandado, de forma a não mais constituir valor absoluto. Seguindo essa tendência, a atual Constituição Federal, ao passo que garante o direito de propriedade (art. 5º, caput e inciso XXII), estabelece, em seu artigo 5º, inciso XXIII, que a propriedade deve atender a sua função social. Sobre o tema, CRETELLA JUNIOR (1990, p. 302) assevera que o direito de propriedade “está sujeito em nossos dias a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado, de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia, cedeu lugar a concepção bastante diversa, de conteúdo social". Ademais, a Constituição Federal estendeu a abrangência de tal princípio às relações jurídicas entabuladas no campo, ao estabelecer que a propriedade rural só cumprirá sua função social desde que seja explorada de modo a favorecer o bem-estar dos obreiros, observando-se o disposto nas normas que regulam as relações de trabalho. Assim, considerando a natureza extenuante do trabalho dos cortadores de cana-de açúcar, e tendo em vista a possibilidade de adoção de outro sistema remuneratório para o setor – tal como ocorre com os trabalhadores do parque industrial da usina117 -, resta claro que atual sistemática remuneratória acaba por se afastar – e muito - do princípio da função social da propriedade rural. 117 Nessa linha de entendimento, destaca-se a lição de FABRE (2010, p. 122): De acordo com a convenção coletiva da categoria, ao contrário dos trabalhadores do corte de cana, que recebem salário por produção, os empregados do setor industrial recebem sua remuneração por unidade de tempo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 230 Enfim, afigura-se inegável que existindo dois critérios tradicionais de determinação do salário por produção de cortadores de cana, a) sendo que um assegura ao trabalhador a ciência do valor do seu dia de trabalho e outro torna imprevisível tal valoração e acentua o risco do trabalho extenuante, b) com diferenças mínimas na forma de exploração da atividade sob a ótica do empregador (que remunera por tonelada em razão de mera comodidade, ao argumento de que toda a cadeia produtiva do açúcar e álcool é quantitativamente avaliada a partir de toneladas produzidas, ou o faz de má fé, no deliberado propósito de que o trabalhador labore até os limites de seu cansaço ou com o objetivo de manipular a valoração da produtividade dos cortadores), mas com diferenças relevantes, sob a ótica do empregado; incorre o empregador em descumprimento da função social da propriedade rural ao adotar, dentre estas duas opções, a que menos favorece o bem estar de seus trabalhadores, nos termos do art. 186, IV, da Constituição Federal. Tem-se, portanto, que a inovação da disciplina constitucional pátria, ao consolidar a proteção de direitos fundamentais sob os influxos do solidarismo, faz refletir a necessidade de revisão das práticas remuneratórias adotadas atualmente no setor sucroalcooleiro. 4.2 – Princípio da alteridade ou assunção dos riscos da atividade econômica O art. 2º da CLT encampa o princípio da alteridade, segundo o qual constitui característica inerente à figura de qualquer empregador a responsabilidade integral pelos ônus do empreendimento econômico e do próprio trabalho contratado. Tem-se, portanto, que a ordem jurídica trabalhista atribui ao empregador a responsabilidade de assumir os riscos decorrentes de sua atividade empresarial, inclusive no que tange ao próprio contrato de trabalho celebrado com o empregado. O princípio da alteridade tem como corolário o caratér forfetário118 do salário, traduzido na circunstância da referida parcela “qualificar-se como obrigação absoluta do empregador, independentemente da sorte de seu empreendimento” (DELGADO, 2007, p.709). Assim, apesar de haver alguns dispositivos legais que concebem a remuneração baseada na produtividade do trabalhador, - o que, em certa medida, implica no deslocamento do risco da atividade econômica ao prestador de serviços - não se mostra juridicamente razoável, com base 118 De acordo com Delgado (2007), trata-se de neologismo criado pela doutrina jurídica, oriundo da expressão francesa “à forfait”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 231 em tais normas, defender a transposição integral dos riscos do empreendimento aos obreiros, com total desoneração do empregador pela frustração de suas expectativas de produção. No setor sucroalcooleiro, tal impossibilidade de repasse dos riscos ao empregado revela-se ainda mais latente se considerarmos que, não raro, a frustração das expectativas de produção decorre de fatores alheios ao desempenho do trabalhador, tais como a diferenças de massa da cana de açúcar, motivada por causas como o número da soca, variedade da cana, as condições do terreno e a época do ano (FABRE, 2010). Aliás, convém ressaltar que tal transposição integral dos riscos da atividade econômica é ainda mais acentuada nas relações de trabalho dos canaviais paulistas, contando, inclusive, com o aval dos sindicatos dos trabalhadores. É que a respectiva convenção coletiva de trabalho possibilita às usinas pagarem aos empregados um valor fixo, “nos dias em que não houver trabalho em virtude da ocorrência de chuvas, falta de cana queimada ou outros fatores alheios a vontade do empregado”119. Nesse dias de paralisação, os trabalhadores não são remunerados pela média de sua produção diária (cerca de 13 toneladas), levando-lhes a intensificar ainda mais seu ritmo de trabalho nos dias posteriores. Diante do exposto, tem-se que a atual sistemática de remuneração adotada pelo setor sucroalcooleiro do Estado de São Paulo, ao transferir por completo os riscos da atividade empresarial aos empregados, traduz-se em clara infração da legislação trabalhista, notadamente do art. 2º da CLT. 4.3 - Princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva Modernamente, sobretudo em razão da evidenciação de novos direitos constitucionalmente assegurados e, em especial, do princípio da dignidade da pessoa humana, cada vez mais se analisa o direito privado à luz das regras constitucionais, podendo-se, inclusive, em muitos casos, reconhecer a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas (LENZA, 2009). 119 De acordo com a convenção coletiva de trabalho referente à safra 2009/2010, o valor do dia de trabalho (diária) corresponde a R$ 16,95 (dezesseis reais e noventa e cinco centavos). Considerando que o preço médio da tonelada de cana cortada equivale aproximadamente a R$ 2,95 (dois reais e noventa e cinco centavos), verifica-se que, nos dias de paralisação das atividades, os trabalhadores recebem uma remuneração correspondente a apenas 5,7 toneladas de cana cortada, ou seja, em patamar bem inferior à produtividade ordinariamente alcançada. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 232 Nessa esteira, consolidou-se progressivamente a tendência de compreender o direito contratual a partir de valores éticos e solidários, expurgando-o de um conteúdo meramente individualista, de modo a ensejar uma renovação dos instrumentos normativos que disciplinam as relações contratuais entre particulares, incorporando em tais relações princípios sociais como a função social do contrato e a boa fé objetiva. Tal tendência restou cristalizada no Novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406/2002, a estabelecer que a liberdade contratual deve ser exercida em razão e nos limites da função social dos contratos, estando os contratantes obrigados a guardar, durante sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (arts. 421 e 422). Assim, como espécies de negócio jurídico de natureza contratual, os contratos de trabalho também devem ser firmados e executados sob o pálio dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. De acordo com o princípio da função social do contrato, a celebração e execução do contrato não devem objetivar o cumprimento de deveres meramente patrimoniais e exclusivos do interesse das partes. Ao revés, a funcionalização do contrato traduz-se na vinculação entre o instrumento contratual e os programas de solidariedade e dignidade humana do Estado Social, a partir da valorização da igualdade material entre os contratantes, norteada pelos interesses da comunidade (SOUZA, 2008, p. 126). A função social do contrato não elimina, portanto, a liberdade contratual das partes pactuantes, mas atenua seu alcance quando presentes interesses relativos à dignidade humana e justiça social. Por sua vez, o princípio da boa fé objetiva estabelece uma regra de comportamento lastreada na lealdade, na confiança, na transparência, na honestidade e colaboração, capaz de levar cada contratante a agir com respeito aos interesses legítimos da outra parte no contrato. Tal postulado resulta na convicção de que “as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos, nem desvirtuamentos” (DALLEGRAVE NETO, 2007, p. 343). Conforme assinala LEAL (2007, p. 85), “o instituto da boa-fé, em sua vertente objetiva, deve ser entendido como ponto de fundamental importância na modernização dos critérios de interpretação e integração dos contratos de trabalho contemporâneos”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 233 Assim, nas relações de trabalho, o empregado e o empregador devem agir dentro de parâmetros de lealdade e honestidade, o que faz emergir, dentro da relação de emprego, o dever de informação e transparência acerca das condições contratuais entabuladas pelas partes. Além disso, como corolário do princípio da boa-fé objetiva, os arts. 122 e 123 do Código Civil também consideram ilícitas as condições contratuais incompreensíveis ou que sujeitarem o pactuado ao puro arbítrio de uma das partes. Não bastasse, a transparência das condições salariais constitui preocupação constante também no plano jurídico internacional, sobretudo no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT. De fato, a Convenção nº 95 da OIT estabelece que deverão ser tomadas medidas eficazes a fim de informar os trabalhadores, de maneira apropriada e facilmente compreensível, sobre as condições de salário que lhes forem aplicáveis. Convém destacar que a referida convenção internacional integra a legislação brasileira, uma vez que foi ratificada através do Decreto nº 41.721/57, a resultar inevitavelmente na adoção, pelas autoridades nacionais, de todas as medidas administrativas e legislativas que assegurem o direito de informação dos obreiros acerca do valor de seu dia de trabalho. Portanto, conforme assinala CARVALHO (2010), haverá ilicitude do procedimento patronal toda vez que for verificada a desinformação do trabalhador em relação à sua produtividade (seja pela ausência de comunicação; seja por ser incompreensível o método de apuração; seja por não poder acompanhar ou ser representado na pesagem da cana) e o puro arbítrio nos fatores que levam ao cálculo da produtividade (como a técnica de estimativa baseada na experiência do fiscal da usina). No setor sucroalcooleiro paulista, a obscuridade no aferimento da quantidade de cana cortada por cada trabalhador exsurge da própria convenção coletiva da categoria, decorrente de negociação entre os sindicatos patronais e a representação dos trabalhadores. Tal instrumento de negociação coletiva estipula que o caminhão da usina seguirá para a balança para pesagem de carga, assegurado o direito do trabalhador interessado de acompanhálo, desde que não haja ônus financeiro para as empregadoras. Estabelece, ainda, que os representantes sindicais dos trabalhadores somente poderão acompanhar a pesagem da cana A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 234 desde que comuniquem previamente à empresa e estejam devidamente acompanhados por representantes do empregador120. Ora, torna-se evidente que o direito de acompanhamento da pesagem da cana está assegurado apenas sob o ponto de vista formal. De fato, o próprio trabalhador, remunerado por produção, não tem interesse paralisar sua atividade sem que receba por isso. Por outro lado, a grande abrangência territorial de alguns sindicatos não permite que seus dirigentes fiscalizem simultaneamente a pesagem da cana em diversas usinas e, mesmo que isso fosse possível, tal acompanhamento só pode ocorrer mediante comunicação prévia e acompanhamento do empregador. Vale dizer, o acordo entabulado pelos sindicatos acaba por reproduzir e confirmar nítida violação aos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, bem como ao dever de transparência das condições salariais estabelecidas pelas partes do contrato de trabalho. 4.4 – Princípio da isonomia ou proibição à discriminação salarial De acordo com BANDEIRA DE MELLO (1993, p. 10), “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. Para o autor, “esse é o conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”. Seguindo essa tendência, o princípio da isonomia aparece contemplado na Constituição Federal de 1988, a preconizar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput). Na seara das relações de trabalho, a Constituição Federal veicula a proibição de distinção – inclusive salarial - no tratamento aos obreiros que desempenham trabalhos da mesma espécie (art. 7º, XXX e XXXII). Da mesma forma, a CLT preconiza que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário” (art. 461). 120 Cláusula Vigésima da Convenção Coletiva de Trabalho referente à safra 2009/2010. Para a atual safra 2010/2011, ainda não foram concluídas as negociação coletivas da categoria. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 235 É bem verdade que a CLT, ao tratar da equiparação salarial, estipula que a percepção de idêntica remuneração pressupõe que os trabalhadores realizem a atividade com a mesma produtividade (art. 461, §1º). Não obstante, tal critério de distinção salarial é meramente fictício no sistema de remuneração adotado pelo setor sucroalcooleiro, que pode gerar distorções salariais lógica e juridicamente inconcebíveis. De fato, conforme bem destaca ALVES (2007, p. 35), “como o valor da cana medido em metro depende de seu peso e este varia em decorrência do tipo e da variedade da cana, isso significa que um trabalhador, embora cortando mais metros do que outro, poderá receber menos.” Tal sistemática remuneratória ainda faz com que trabalhadores de uma mesma empresa recebam salários diferentes, apesar de despenderem praticamente o mesmo esforço para cortar idêntica metragem de cana. Nesse sentido, enfatiza FABRE (2010, p. 118): O sistema remuneratório em apreço possibilita que dois empregados, em um dia trabalhado em eitos de igual metragem, despendendo o mesmo número de cortes com o podão, percorrendo a mesma distância, realizando o mesmo número de flexões, expondose às mesmas intempéries durante a mesma quantidade de horas, sejam remunerados de forma diferente. Aqui, um único detalhe, praticamente irrevelante, importa em um maior esforço pelo trabalhador que atua no corte da cana “boa”: a circunstância de que este carregará em seus braços, a cada ida e vinda das ruas laterais para a rua central, ligeira quantidade mais pesada de feixes de cana em relação ao trabalhador que atua no corte da cana “ruim”. Este aspecto, de somenos importância no contexto global da situação, não induz à existência de um liame de correlação lógica entre o fator discriminatório das remunerações diferenciadas e uma finalidade jurídica, o que caracteriza a diferença remuneratória em questão como ilícita. Tem-se, portanto, que a atual sistemática remuneratória adotada pelo setor sucroalcooleiro enseja, não raro, situações ilegítimas de discriminação salarial, em total dissonância com o disposto na legislação vigente. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 236 5. Considerações Finais Por todos os argumentos expostos anteriormente, verifica-se que a atual sistemática remuneratória do setor sucroalcooleiro, baseado em estimativas da produtividade do trabalhador rural, não resiste a uma análise jurídica mais aprofundada, sobretudo diante da incidência dos princípios jurídicos informadores das relações contratuais de trabalho. Contudo, não se pode olvidar que, do ponto de vista prático, há ainda uma enorme dificuldade em se reconhecer aplicabilidade direta aos princípios jurídicos, dada sua abstração e generalidade. A fim de resolver tal impasse, bastaria ao Estado – ou aos sindicatos das categorias profissional e patronal – promover a edição de regras mais explícitas que impossibilitassem a adoção de tal sistemática remuneratória no setor sucroalcooleiro. A edição de regramento específico, adequando-o ao hodierno entendimento sobre a matéria, dirimiria por completo qualquer equívoco de interpretação, garantindo, assim, uma eficaz proteção aos trabalhadores rurais. Não obstante, enquanto não editado tal regramento específico, a solução jurídica mais adequada para o problema é a aplicação sistemática e teleológica das normas atualmente em vigor, a resultar, em sombra de dúvidas, no aniquilamento da exploração perpetrada pela sistemática remuneratória atualmente adotada. Portanto, incumbe aos operadores do Direito, norteando-se pela necessidade de transformação social e concretização dos verdadeiros valores de justiça, adequar o alcance e conteúdo de todo e qualquer ato normativo à dinâmica realidade dos tempos hodiernos, de modo a conferir máxima eficácia – jurídica e social – às normas do ordenamento jurídico pátrio. Ora, se é certo que ao exegeta não é dado criar o direito, não é demais dizer que ele pode interpretá-lo a partir de uma postura pró-ativa, lastreada em novos paradigmas, no intuito de encontrar soluções criativas e arrojadas, capazes de tutelar, de modo concreto e eficiente, os anseios da coletividade de trabalhadores rurais brasileiros. Nessa perspectiva, exsurge a seguinte indagação: se uma análise jurídica mais aprofundada acaba por revelar a ilicitude do sistema de pagamento por produção, e na medida em que a abolição de tal prática não ocorre em virtude da inexistência de uma regra proibitiva explícita, não caberia ao Estado de Direito promover – ou fomentar - a elaboração de tal regra, para ser A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 237 coerente com os princípios que o rege? Ou ainda: mesmo sem regramento específico, não é chegada a hora das autoridades públicas brasileiras, atentas à dinâmica que emerge da vida econômica e social, passarem a enxergar as relações de trabalho no setor sucroalcooleiro à luz da nova ordem jurídica vigente, amparada nos princípios de dignidade humana e justiça social? Enquanto tais indagações não são efetivamente respondidas, os cortadores de cana continuam a esperar a concretização do objetivo constitucional de se construir uma sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. 6. Referências Bibliográficas ALVES, Francisco. Porque Morrem os Cortadores de Cana? In: Revista Saúde e Sociedade, v.15, n. 3, p. 90-98, set/dez. 2006. _____. ALVES, Francisco. Migração de trabalhadores rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo: será este um fenômeno casual ou recorrente da estratégia empresarial do complexo agroindustrial canavieiro? In: NOVAES, R.; ALVES, F, (org.) Migrantes: trabalho e trabalhadores no complexo agroindustrial canavieiro (Os heróis do agronegócio brasileiro). São Carlos: EdUFSCar, 2007. p.21-54. _____. Processo de trabalho e danos à saúde dos cortadores de cana. In: INTERFACEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente – v.3, n.2, abr/ago 2008. 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A globalização passou a ser um fato presente nas relações produtivas e sociais, no cotidiano e na subjetividade dos indivíduos, constituindo-se, assim, em um grande desafio para as ciências sociais, na medida em que se colocam em discussão as novas configurações por que vem passando o trabalho e seus impactos tanto sobre a realidade como um todo, bem como sobre os sujeitos envolvidos nesse processo. A partir de 1990 os efeitos desta reestruturação se fizeram sentir mais fortemente, quando se dá a intensificação da mundialização econômica tendo como decorrência desta, a abertura comercial, fazendo com que o processo produtivo acelerasse a implementação e adaptação às novas tecnologias e gestão do trabalho. Estas transformações se influenciaram por um lado, o setor produtivo de forma geral, por outro lado, atingiu significativamente o setor têxtil brasileiro, desorganizando-o, uma vez que a abertura comercial que ocorreu neste período foi responsável por uma reestruturação intensiva, levando inclusive à eliminação de muitas empresas que não tiveram êxito neste processo de ajuste (CAMPOS: 2006). Na medida em que as novas tecnologias e as novas formas de trabalho foram sendo inseridas e adaptadas no setor têxtil, elevavam-se os níveis de desemprego e subemprego, estes compensados apenas parcialmente pelo surgimento de pequenas e microempresas através do processo crescente de terceirização aí verificado (JINKINGS e AMORIM: 2006). Com a expansão deste processo, observou-se o alargamento da precarização das relações de trabalho e, assim, da informalidade que, embora não seja um elemento novo observado nas economias de capitalismo 121 Doutora em Sociologia – Picardie – França e professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFPB – [email protected] 122 Doutoranda em Sociologia do Trabalho – PPGS/UFPB e professora do Departamento de Ciências Sociais – CCAE/UFPB – [email protected] A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 240 menos avançado, passa a ser visto agora como trabalho flexível, que se adequou à nova fase de acumulação. Nesse cenário, “a informalidade deixa de ser transitória para se tornar definitiva”, contribuindo para o processo de acumulação em curso (LIMA e SOARES: 2002, p. 167). Estas mudanças que vêm ocorrendo no campo do trabalho, não atingem só o plano macro da realidade, mas o que os estudos têm apontado é que elas manifestam-se também no nível mais micro da sociedade, ou seja, as unidades familiares de produção, tornando cada vez mais necessário que muitos de seus membros tenham que ingressar no mercado de trabalho. É aqui que se situa o centro de nossas buscas: não pretendemos tratar dessas modificações anunciadas de maneira geral, mas estudar seus efeitos sobre um setor produtivo, o da produção de redes de dormir no município de São Bento no sertão paraibano, cuja parte da organização do processo produtivo tradicionalmente foi alicerçada no trabalho familiar. Portanto, nosso olhar volta-se para verificar as tramas que envolvem as relações entre os sujeitos submersos nesta atividade. Em nossos contactos, procuramos observar a organização, a divisão, o controle das atividades (quem fazia o que), os deslocamentos existentes no que se refere às atribuições, papéis, entre outros, para ver a pertinência ou não de um dos nossos objetivos que era o de verificar como as transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho interferem, modificando ou não a estrutura organizacional dessas unidades familiares de produção. Organizamos o presente texto compondo-o em cinco momentos: no primeiro, elaboramos uma breve introdução, onde procuramos situar, de forma geral, o objeto a ser analisado. Em seguida, buscamos elucidar as possíveis transformações que o processo de globalização tem promovido sobre o mundo do trabalho. Num terceiro momento, enfatizamos a discussão sobre o processo de precarização que acompanha estas mudanças no mundo do trabalho, principalmente, no que se refere a “retomada” da utilização do trabalho domiciliar e suas reverberações sobre as relações familiares. No quarto momento, prezamos por fazer a apresentação do espaço que compõe o nosso estudo de caso – as pequenas unidades (familiares) da produção de redes em São Bento-PB123. No último, expressamos algumas considerações finais. 123 Este trabalho engloba uma pesquisa em andamento para o doutorado em Sociologia do PPGS- UFPB. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 241 2 Alterações no mundo do trabalho em meio ao processo de globalização. As mudanças que ocorreram na lógica da acumulação capitalista, principalmente com a intensificação da globalização, afetaram profundamente o mundo do trabalho e, conseqüentemente, as relações entre os sujeitos. Trabalhos alicerçados em relações familiares que sempre marcaram o modo de produção não ficaram imunes a esse movimento. Neste movimento, provocado pela mundialização econômica, ramos tradicionais da produção “dão” espaço a ramos mais modernizados que, utilizando-se da inovação tecnológica e mudanças nas formas de gestão, provocam redução no tamanho das empresas, interferem em sua localização, bem como fazem com que determinados produtos sejam fabricados de forma fragmentada nas diversas partes do mundo, ou sejam produzidos retomando formas antigas de trabalho como é o caso do trabalho domiciliar ou outros, recriados na ciranda da precarização que se assiste a partir de então. No âmbito do capitalismo global, a reprodução ampliada do capital ganha novos dinamismos, desenvolvem novas forças produtivas e novas relações de produção tendem a aparecer possibilitando a aceleração e a centralização do capital agora em níveis globais. A expansão do capital, já não se limita aos espaços nacionais, extrapola as fronteiras, provocando uma nova divisão do trabalho que passa a ser transnacional. Sendo assim, as novas forças que se apresentam nesse movimento tendem a subsumir as anteriores, criando e recriando espaços físicos, sociais , econômicos políticos e culturais (IANNI, 1996). Nesse cenário, o mundo do trabalho passa a viver significativas transformações, pois verifica-se que a evolução tecnológica que acompanha esse processo de globalização, tem provocado uma redução significativa do trabalhador operariado tradicional em termos quantitativos quanto em termos qualitativos, pois ao lhes impor novas formas de contratos mais flexíveis, rouba-lhes a segurança conquistada a base de muitas lutas, alterando assim a “forma qualitativa de ser do trabalho”, como enfoca Antunes. Essas transformações presentes ou em curso, em maior ou menor escala, dependendo de inúmeras condições econômicas, sociais, políticas, culturais étnicas etc., dos diversos países onde são vivenciadas, penetram fundo no operariado industrial tradicional, acarretando metamorfoses no trabalho. A crise atinge ainda fortemente o universo da consciência, da subjetividade dos trabalhares, das suas formas de representação, das quais os sindicatos são expressões (ANTUNES: 2001; p.211). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 242 Simultaneamente a este conjunto de modificações, um importante debate tem servido para melhor compreender os impactos delas decorrentes sobre as relações do trabalho e ao longo da história do desenvolvimento das idéias socioeconômicas, alcançado no capitalismo contemporâneo: refere-se à discussão sobre o reconhecimento do trabalho como elemento essencial para prover as necessidades humanas, gerar a riqueza da sociedade e promover a integração social dos sujeitos. Essas informações sobre a discussão da centralidade do trabalho se encontram em detalhes nos trabalhos de Antunes (2001 e 2000), Tavares (2004) , entre outros. A procura por gerar a riqueza e, em conseqüência, a acumulação de capital, esteve sempre atrelada à busca de aumento da produtividade do trabalho e ao desenvolvimento de técnicas que promovessem impactos expressivos sobre o processo de trabalho. Nesse sentido, entre o séc. XIX e o XX, surgiram novas formas de organização do trabalho e novos modelos de produção, como o Taylorismo e o Fordismo124. Com essas novas formas de produção, o trabalhador passou a ser relegado a um processo de degradação, através do empobrecimento de suas tarefas com a separação entre o chão de fábrica (execução) e a gerência (concepção) e com o controle dos tempos de produção, através da inserção da esteira rolante e do cronômetro. Em meados dos anos de 1960, entra em crise este modelo de organização após um longo período de acumulação capitalista. Inicialmente foi apresentado como elemento principal para o surgimento da crise, “o estrangulamento dos lucros (profi squeeze)”, sendo este provocado pelo aumento do poder de compra, que gerou a elevação do custo do salário. Entretanto, os dados estatísticos da época não confirmaram esse diagnóstico e caso o fossem, seria de fácil solução, bastaria reduzir os salários (de forma direta ou indireta) que eliminaria a crise (LIPIETZ: 1989). Para compreender de fato os motivos desta crise, Lipietz chama nossa atenção para outros componentes da lucratividade do capital, em que; [...] os ganhos de produtividade declinantes exigiram, desde metade dos anos 60, uma elevação em valor do capital per capita, ou em termos marxistas, da composição orgânica do capital. Desde essa época, com efeito, os ganhos de produtividade não mais compensam o aumento da composição técnica do capital, o volume de capital fixo per capita (LIPIETZ: 1989; p.308). 124 Braverman (1987) tem um a pertinente análise sobre o Taylorismo e Fordismo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 243 Assim, seguindo ainda a lógica do raciocínio deste autor, quer se dê ênfase a idéia de estrangulamento de lucros ou se enfatize a alta da composição orgânica do capital, o que se observa é que esta crise se configurou como crise da rentabilidade do capital e, portanto, de seu processo de acumulação. Nessa discussão Antunes (2001) contribui agregando outros elementos que possivelmente a tenham deslanchado ao longo dos anos de 1970. Entre esses, tem-se a intensificação das lutas sociais dos anos de 1960, o esgotamento dos mercados consumidores, a crise fiscal nos países de capitalismo avançado, o crescimento da esfera financeira que ganhou autonomia em relação aos capitais produtivos, a crescente concentração de capitais, através das fusões entre monopólio e oligopólios, bem como a crise do Welfare State ou do Estado do Bem estar social. Em resposta a este quadro conturbado, inicia-se um processo de reorganização do capital, bem como de seu sistema ideológico e político de dominação, tendo por base as idéias neoliberais, a abertura de mercados e a mundialização ou globalização do capital125, marcando o novo contexto do desenvolvimento capitalista e trazendo como propostas a implementação das privatizações das estatais e a desregulamentação do mercado de trabalho. Verifica-se, portanto, um novo padrão de acumulação, chamado por Harvey (2002) de acumulação flexível, que provocou alterações nas relações entre capital e trabalho, através da adoção de novas tecnologias e novas formas de organização da produção, elevando a produtividade do trabalho a níveis superiores aos apresentados nas décadas anteriores, mas promovendo uma séria crise no mundo do trabalho através do aumento do desemprego estrutural. Dando seguimento a discussão, Antunes (2000) afirma que: A classe que vive do trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, o íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser (ANTUNES: 2000; p.23). Nesse momento, o cronômetro e a produção em massa já não eram suficientes para dar continuidade à lógica da acumulação capitalista sendo, portanto, substituídos pela flexibilidade da produção. A busca por maior produtividade seria agora assegurada pela flexibilidade, não só dos meios produtivos, mas também das relações de trabalho, passando esta a adequar a produção, à 125 Para maior aprofundamento sobre a mundialização do capital, ver Chesnais (1996) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 244 lógica do mercado. Entretanto, como enfatizou Harvey (2002), essas substituições não ocorrem de forma plena, pois em condições de acumulação flexível, é possível que formas de trabalhos alternativos possam existir simultaneamente no mesmo espaço, possibilitando aos capitalistas optarem pela melhor forma que lhes convierem. Além disso, vale salientar que o próprio processo de globalização que permeia a expansão da acumulação flexível nos leva a pensar em movimento. As diversas relações e processos que ocorrem entre as sociedades estão sempre interferindo e sendo interferidas pelos acontecimentos nas suas diversas áreas, sejam esses históricos, geográficos, culturais, econômico ou políticos, onde, segundo Ianni (1996; p. 250) “o local e o global estão distantes e próximos, diversos e iguais.” Essa “nova forma” de acumulação capitalista que se apresenta como saída à crise, está inserida nesse processo de globalização, provocando impactos significativos sobre o mercado de trabalho e no espaço produtivo. O que se percebe, é uma expansão das formas precárias de trabalho, como o trabalho temporário, o trabalho subcontratado, o trabalho por tempo parcial, o trabalho informalizado, formas essas que se configuram num contexto de desemprego estrutural crescente, de desregulamentação do mercado de trabalho e flexibilização dos contratos, onde os direitos sociais adquiridos através de lutas históricas são minados, e a maioria dos trabalhadores acaba tendo como destino certo a precarização. Assim, como enfatiza Lima (2002: p.21), “o emprego, sinônimo de trabalho assalariado, carreira profissional e direitos sociais, parece cada vez mais como coisa de um passado remoto”. Todos os sujeitos sociais sofrem interferência desse processo, promovendo transformações em suas ações, identidades e nas suas atribuições na própria sociedade. Ainda sobre este contexto, Castel (2005: p.529-530) chama a atenção para o crescimento da insegurança que passa a fazer parte do cotidiano dos sujeitos em relação a sua ocupação no mercado de trabalho. O autor enfatiza que “a precarização do emprego e o aumento do desemprego são, sem dúvida, a manifestação de um déficit de lugares ocupáveis na estrutura social”, onde trabalhadores mais velhos ou jovens demais não encontram lugar no processo produtivo. Assim, constituem-se indivíduos “não integrados e sem dúvidas não integráveis”, afetando-os significativamente quanto à condição social, atingindo-os também no “plano cívico e político.” A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 245 3. Entrelaçando as relações de trabalho em tempos de globalização: Do informal ao trabalho domiciliar. Em meio as transformações anunciadas em decorrência da mundialização da economia e da reestruturação produtiva do capital, rebatimentos fortes sobre o mercado de trabalho têm ocorrido como o aumento do desemprego, da precarização do trabalho, alterando, como enfatizamos, as relações de trabalho e a própria subjetividade do trabalhador. Entre essas alterações, verifica-se a flexibilidade nos contratos de trabalho e o crescimento das relações informais que se configuram como alternativas à sobrevivência do trabalhador frente ao processo de exclusão trazido pelo desemprego estrutural, mas que também cumprem sua função para o capital . Logo, como ressalta Tavares (2004): A flexibilidade invade a organização da produção, fragmentando e desqualificando o trabalho, promovendo o desemprego e a reemergência de velhas formas de trabalho precarizado, que se expressam sobretudo pelo deslocamento de muitos postos de trabalho do núcleo formal para a informalidade, em que o trabalho cumpre a mesma função para o capital sem os custos sociais correspondentes (TAVARES: 2004; p.18). O crescimento das relações informais na produção capitalista já não permite que o trabalho informal seja caracterizado apenas em unidades produtivas de caráter individual ou familiar, que servia apenas para gerar o estritamente necessário à sobrevivência dos trabalhadores. Este, agora, ganha novas dimensões, pois passa a ser integrado à lógica de acumulação capitalista, já que não se trata de uma forma de produção ou “assalariamento ilegal, mas de formas de trabalho ditas autônomas, consentidas pelo Estado, que são na verdade, subordinadas ao comando direto do capital e funcionam enquanto parte de sua organização produtiva” (TAVARES: 2004; p.16). As mudanças pelas quais passa o mundo do trabalho perante o processo de globalização, expressas na redução do emprego (principalmente o industrial), associado ao processo de terceirização e, consequentemente, de precarização do trabalho, impõem alterações importantes na composição da informalidade que, além de levantarem novos problemas às ciências sociais, indicam por isso mesmo, a necessidade de uma maior investigação. Ao analisar os conceitos de informalidade e de setor informal, Lima e Soares (2002: p.167) afirmam que nesse panorama global, onde se sobressaem a flexibilidade e a desregulamentação A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 246 do mercado de trabalho, emerge a “nova informalidade” como sinônimo da “flexibilização dos novos tempos”, que seria caracterizada por incorporar, nesta, contingentes de trabalhadores oriundos do mercado formal, diferenciando de épocas anteriores, pois esta situação deixa de ser uma situação transitória para ser definitiva. Portanto, a abordagem do conceito de nova informalidade adotada por diversos autores126, observa o mercado de trabalho de forma dual, onde o trabalhador do mercado formal estaria vinculado à legislação vigente no país tendo acesso a direitos127; e o trabalhador informal estaria à descoberto dos mesmos, por estar exercendo atividades marginais. Um elemento importante a se destacar nessa discussão refere-se ao fato de que, na informalidade, não há apenas trabalhadores em condições precárias. Há também um contingente daqueles que conseguiram obter níveis de renda superiores aos obtidos no setor formal, preferindo, portanto, permanecer nessa informalidade. Assim, ao analisar o trabalho informal, deve-se estar atento para o fato deste não se restringir apenas a atividade de sobrevivência estando, portanto, inserido na lógica de expansão do sistema capitalista (TAVARES, 2004). É relevante para o trabalho ora proposto determo-nos em alguns aspectos do trabalho informal, como é o caso da produção domiciliar128 que, embora com o advento da indústria moderna tenha se desintegrado, retorna com avidez em sua expansão através do processo de terceirização, vinculado à reestruturação produtiva, principalmente no setor têxtil (NEVES e PEDROSA: 2007). É salutar salientar que o trabalho domiciliar como apresentado no cenário atual, onde o caráter de atividade autônoma é reforçado, acaba obscurecendo a precarização que emerge nessa relação de produção, necessitando portanto, ser melhor investigado. Em geral, o trabalho domiciliar, em estudo, está vinculado ao setor têxtil, e é basicamente executado por mulheres, mas que acaba por envolver também outros membros da família. Estes aspectos relacionados ao espaço produtivo e às formas de trabalho criadas pelos sujeitos envolvidos serão abordados na seção seguinte. 126 Para uma maior discussão sobre a nova informalidade, ver: Filgueiras, Druck e Amaral (2004), Noronha (2003), Lima e Soares (2002) entre outros. 127 Diretos a aposentadoria, seguro desemprego, licença maternidade entre outros. Genericamente, pode-se conceituar o trabalho domiciliar como atividade remunerada desenvolvida no espaço da moradia de quem o executa. (NEVES E PEDROSA, 2007) 128 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 247 4 Um caso a se investigar – Produção de redes de dormir em São Bento – PB O setor têxtil da Paraíba, por estar inserido na lógica das mudanças provocadas pelo processo de globalização, também tem experimentado mudanças significativas, respondendo com alterações não só no processo produtivo mas, sobretudo, nas relações de trabalho e, em decorrência, nas relações familiares, base sobre a qual se estrutura a atividade produtiva. Com o intuito de captar mais atentamente essas transformações, sobre as relações na família e, portanto, sobre a subjetividade dos sujeitos envolvidos, optamos por realizar nosso recorte num estudo de caso, envolvendo não o setor têxtil em geral, mas, sobretudo, a produção de redes de dormir, tradicional atividade econômica que se desenvolve no município de São Bento- PB, tendo como foco o espaço doméstico, onde se concentra a etapa de produção voltada para o acabamento das redes. Esta abarca uma série de procedimentos, cada um envolvendo habilidades e/ou especializações próprias de quem fica responsável pela sua feitura. A partir das primeiras investigações, verificamos que o processo de produção de redes de dormir pode ser dividido nas seguintes fases: a) processo de melhoramento do fio – o fio recebido da fiação passa por um processo de melhoramento que inclui alvejamento e tingimento, antes de seguir para a tecelagem; b) tecelagem do pano - técnica empregada para a confecção de tecido plano, como a utilizada na industria têxtil em geral; c) acabamento – esta fase é geralmente dividida em quatro ou cinco etapas, conforme o tipo de rede. Essas etapas podem ser: trança – o pano de rede tem em suas extremidades uns 20 cm de fios soltos, não tecidos, que são usados para fazer ligação com o punho da rede; mamucaba – passagem de duas faixas horizontais de tecidos nas tranças ou nos cordões acima referidos, para fortalecimento da ligação com os punhos; varanda – consta da tessitura feita nas extremidades laterais da rede, que tem por finalidade zelar pelo “toque“ decorativo da rede; empunhamento – Também denominado de “as argolas das tranças” que servem de encaixe às cordas de trancelim que serão passadas em torno destas e unidas a 60 cm da trança. Esta etapa se encarrega de formar os punhos nas extremidades, que serve para sua fixação em armadores ou ganchos nas paredes (ROCHA, 1983). Todas essas etapas (fora a de tecelagem do “corpo” da rede) são geralmente realizadas no ambiente domiciliar, envolvendo o trabalho dos membros da família. Esta breve “apresentação” do processo produtivo da confecção das redes é que nos permite “situar” o nosso olhar em busca entender o sentido/significação desse trabalho para esses sujeitos, o papel de suas atribuições, o domínio de seu saber sobre o processo produtivo, como se dá a troca de suas habilidades entre os A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 248 demais integrantes envolvidos no ato produtivo, como as relações familiares se configuram nesse espaço de trabalho. Em decorrência das mudanças que este setor produtivo vem passando com a reestruturação produtiva, tornou-se fundamental apreendermos como essas unidades produtivas vêm operando diante de uma maior exigência em termos de produtividade, de qualidade da produção, em resposta ao crescimento da competitividade que este setor/ramo vem sendo submetido com a expansão dos mercados no contexto da globalização. Pelo que nossos levantamentos preliminares têm sinalizado, o setor têxtil se encontra entre os que foram mais afetados com o processo de mundialização da economia e, portanto, de reestruturação produtiva no Brasil, levando-o a se adaptar às formas de produção mais flexíveis, tendo como uma das conseqüências possíveis a precarização das relações de trabalho. Daí a pertinência de nossa escolha em centralizar aqui, nosso interesse. Assim, compreender esse processo, como vem se dando na Paraíba, torna-se importante pelo fato de o Estado estar situado em uma das regiões em que a pobreza continua a ser uma marca importante, configurando-se como região periférica no contexto nacional. Como enfatiza Araújo (1995: p.126) “ este é um traço antigo que o dinamismo econômico das últimas décadas não conseguiu alterar significativamente”. Reforçamos ainda o sentido da escolha por este estudo de caso, ao perceber, dentro desses primeiros momentos de busca, que embora o município de São Bento esteja localizado no sertão paraibano - região caracterizada pelo tradicional complexo gado/agricultura de sequeiro observa-se que o setor têxtil tem se mantido como uma atividade em destaque, fugindo da regra geral na região. Como ilustração, conforme dados do IBGE129, o Produto Interno Bruto a preço de mercado corrente em 2005, do município de São Bento, correspondeu a R$: 78.397,00, onde apenas 3,31% destes se referiam ao setor agropecuário, ficando 17,86% para o setor industrial e 72,99% para o setor de serviços. Portanto, torna-se importante também averiguarmos quais as repercussões atuais dos deslocamentos dos setores produtivos que tradicionalmente movem o cenário econômico da região. Localizado a 420 Km da capital paraibana (João Pessoa), e possuindo atualmente 29.196 habitantes130 o município de São Bento configura-se atualmente como o maior produtor nacional de redes de dormir. Sua produção anual gira em torno de 12 milhões de redes. De acordo com os 129 Informações colhidas no site do IBGE. www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. 130 De acordo com a contagem populacional do IBGE de 2007. Fonte: www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm? A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 249 levantamentos efetuados, dentre as empresas instaladas no município, quase 90% são de redes de dormir, correspondendo a aproximadamente 70 empresas formais e mais de 300 unidades informais (CANDIDO, et al: 2007). A fabricação de redes no município de São Bento - PB teve sua origem no final do século XIX, ainda de forma artesanal, para o auto-consumo, em que apenas o que sobrava era destinado para ser comercializado na feira popular do município. Entretanto, esta produção artesanal começou a se modificar quando a primeira fábrica foi instalada na região em 1960 e, a partir de então, a produção não parou de crescer, estando atualmente vinculada à economia global através da exportação de parte de sua produção para alguns países da América do Sul como a Bolívia, o Uruguai e o Paraguai. Logo, difere da atividade economia que se destacam tradicionalmente no sertão nordestino, a agropecuária (NOBRE: 2003). De acordo com os levantamentos efetuados sobre este setor produtivo, vimos que parte da organização da atividade produtiva em geral, se dá no mesmo espaço domiciliar onde se desenvolvem as diversas etapas do processo geral de produção, aqueles responsáveis pelo acabamento das redes. Funciona a atividade produtiva no espaço contíguo ao da casa, ocupando um dos seus cômodos ou em galpões construídos no quintal. Estas informações foram básicas para estabelecermos o recorte em nossas buscas. Pela etapa que nos encontramos em nossa pesquisa, embora inicial, já deu para percebermos que a expansão comercial tem promovido mudanças nas formas de produção e nas relações de trabalho, justamente na fase que se ocupa do acabamento, momento produtivo no qual o produto ganha beleza e nele é agregado maior valor, podendo ser diferenciado e tornar-se mais competitivo. Há sinais claros de introdução de técnicas novas, equipamentos, substituindo lentamente o trabalho manual, provocando deslocamentos das atribuições por conta dessa “inovação” que vêem minando o cotidiano do trabalho e das relações aí existentes. Ainda é cedo em nossa pesquisa, para afirmar com precisão a intensidade dos efeitos sobre a subjetividade desses pequenos produtores, por isso mesmo temos muita frente investigativa para nos inteirarmos da complexidade que envolve esses processos: o que há de novo e o que permaneceu em termos de relação de trabalho, sobre a estrutura e a organização do trabalho no que se refere ao desmonte da cadeia produtiva, a flexibilidade dos contratos e o crescimento da precarização, por conta da expansão das novas tecnologias. Daí a ênfase que damos no compreender os efeitos dessas transformações que vêm ocorrendo no que se refere aos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 250 deslocamentos de funções, papeis, responsabilidades, aspectos estes ligados mais diretamente ao trabalhador, ao seu poder/domínio e controle, sobre o processo produtivo, ao desmonte do trabalho como arte com a introdução de novas organizações de atividade produtiva em resposta das tecnologias implementadas e a forma como os sujeitos se colocam nesse processo. 5 Considerações finais As transformações vivenciadas no mundo do trabalho nas últimas três décadas do século XX e, em especial, na década de 1990, provocaram marcas significativas sobre as relações sociais, não deixando de interferir no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Essas mudanças ocorreram dentro da lógica da acumulação flexível, que passa a delinear o processo de acumulação no cenário global. Foi, portanto, a busca em compreender as alterações trazidas pela globalização ao processo produtivo que vem se orientando esta nossa pesquisa, observando, por um lado, o impacto do global sobre o local, as reverberações que vêm se delineando a partir desse cenário no que dizem respeito às configurações das relações de trabalho e suas implicações sobre as relações familiares. Por outro, há indícios de possíveis desdobramentos sobre a subjetividade dos sujeitos envolvidos, no que se refere ao domínio do saber, a questão da autonomia, da segurança, do controle do processo produtivo, do deslocamento de competências de atribuições que vêm exigindo um olhar mais cuidadoso em nossas considerações. Pelo que a nossa caminhada investigativa nos tem permitido observar, podermos reafirmar a importância em abordar este tema dando um novo olhar sobre as implicações das mudanças no mundo do trabalho via processo de globalização envolvendo a subjetividade dos sujeitos: o que estes sentem e como se percebem frente essas mudanças, procurando sempre observar quais são as implicações do global no local, e vice-versa, visando averiguar o que muda e o que permanece frente a este contexto. Diante do que podemos observar de nossos primeiros contatos com os espaços produtivos, objeto de nosso estudo, as atividades vinculadas ao acabamento das redes que descrevemos são desenvolvidas não só no mesmo espaço de onde é confeccionado o corpo da rede. Essas atividades são elaboradas nas casas e envolvem, principalmente, o trabalho da mulher, mas também o trabalho dos homens, dos idosos da família, das crianças e adolescentes, ou seja, toda a família acaba participando do processo produtivo. Daí se considerar relevante estudar a divisão de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 251 trabalho que tradicionalmente vem se dando no interior desses espaços produtivos, bem como tem sido a organização e as relações aí desenvolvidas, buscando observar se as inovações técnicas adotadas tem provocado algum deslocamento de papéis e atribuições entre os sujeitos produtores, apreendendo, portanto, as imbricações dessa atividade produtiva na estrutura familiar, buscando averiguar o que se modificou ou está permanecendo neste setor, após a sua inserção na dinâmica da globalização. É importante ressaltar que nos levantamentos iniciais realizados sobre essa realidade, não encontramos estudos na região privilegiando estas questões, o que vem reforçando ainda mais a significação de levarmos a frente as nossas buscas e ficarmos atentos às discussões que delineiam em torno de um tema tão instigante, qual seja, as relações de trabalho, em especial, o trabalho domiciliar e suas implicações sobre as relações familiares na atualidade, analisando o que isto representa a nível local numa economia hoje sobre a batuta dos ditames da globalização. Referências bibliográficas ANTUNES, R. A era da informatização e a época da informalização: riqueza e miséria do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. _________. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 7 ed. ver. ampl. São Paulo: Cortez, 2000. _________. 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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 254 Mudanças e permanências: sentidos e identidades do trabalho de lavagem de roupas em uma economia tradicional e em uma economia de serviços moderna. Andréa Monteiro da Costa131 Introdução O texto que segue é resultado de um exercício de reflexão que busca compreender a relação da trajetória de vida de uma mulher negra sexagenária e o empreendimento comercial organizado por ela e suas filhas, uma lavanderia de roupas, a “Lavanderia Mãe e Filhas”. Nossa intermediadora narrativa é Iêda da Silva Seabra, Dona Miúda, nascida de um tronco familiar de negros que, fugindo das ameaças da seca no semi-árido, no início do século passado, deslocaramse para uma área rural no município de Parnamirim, hoje incorporado à dinâmica urbana da Região Metropolitana de Natal. Mais adiante, apontaremos, com mais detalhes, o lócus territorial de nosso relato. No presente trabalho não se encontrará uma discussão que faça um sobrevôo a partir dos olhares teóricos das visões macro-sociológicas. Aqui, na medida do possível, será possível vislumbrar um passeio pelas trilhas pessoais indicadas pela personagem principal. Isso se traduz em uma postura epistemológica que não pretende fazer elaborações teóricas. Tampouco nos guiamos pela elaboração de um discurso eloqüente, o qual tende a assumir uma posição de superioridade na promessa de salvar a vida dos homens comuns, impondo ao mundo dessas pessoas uma forma e um conteúdo que lhes é estranho. Nesse sentido, pensamos que uma busca objetiva, distanciada e compreensiva, pode ser entendida como um olhar que enxerga como as grandes discussões, especialmente aquelas que pautam o campo do estudo do trabalho nas ciências sociais contemporâneas, como é o caso das “transformações do mundo do trabalho”, chegam no universo da vida cotidiana. E, igualmente importante, um tipo de análise como o aqui pretendido pode nos ajudar a entender de que modo as pessoas vivenciam, elaboram, e na medida do possível tentam adaptar suas vidas, a essas modificações que mudam o chão social em que elas buscam se firmar. 131 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 255 Para cumprir o acima apontado, apresentamos inicialmente o território no qual estão inseridos os personagens (ou, mais precisamente, a nossa personagem principal, D. Miúda) e, em seguida, apontamos alguns elementos que buscam responder aquela que é a nossa questão central: como a mesma atividade (lavagem de roupa) laboral adquire sentidos e serve de base para identidades sociais distintas em contextos sócio-econômicos distintos? Saliente-se ainda que os referentes empíricos que embasam o presente trabalho originam-se das seguintes aventuras de investigação social: a) um trabalho etnográfico sobre uma matriarca de uma família residente na localidade de Moita Verde, área rural engolida pela mancha urbana da região metropolitana de Natal, situada no município de Parnamirim, e, há alguns anos, identificada em um mapeamento feito pelo departamento de Antropologia da UFRN, como “comunidade quilombola”; b) as observações etnográficas e os registros que captamos quando participamos como pesquisadora auxiliar de uma pesquisa não diretamente relacionada ao mundo do trabalho, mas na qual essa temática não deixava de aparecer fortemente (tratava-se da pesquisa “Saúde e sofrimento social: a inserção da população negra do RN no SUS”; c) por último, e mais significativo, nos registros já realizados da história de vida da filha mais velha da matriarca acima mencionada os quais servem(servirão) de referentes empíricos para o nosso trabalho de dissertação no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG. Faz-se necessário também um certo exercício de auto-objetivação. Este trabalho conta/reconstitui uma história de mulheres. Ou, mais precisamente, a história de uma mulher, D. Miúda escrita por uma outra que, em certa medida, vivenciou o tempo das antigas lavadeiras. Que tempo? Aquele em que as mulheres com um maior poder aquisitivo, quando precisavam desse tipo de serviço, mandavam um recado por alguém (ao já pré-estabelecia certo dia da semana) para a vinda da lavadeira às suas casas. Um último esclarecimento antes de prosseguir: neste trabalho não utilizamos pseudônimos ou esconderemos a identidade dos “informantes”. E essa atitude é fruto de uma negociação com nossas personagens. Algo que se traduz, obviamente, em potencialidades, mas também em limites na escrita. Para D. Miúda e suas filhas, o registro que estamos empreendendo com a nossa pesquisa tem uma importância no resgate de suas trajetórias. Em relação às últimas, dado que algumas ainda trabalham como domésticas ou diaristas, para deixá-las livres de quaisquer cobranças ou constrangimentos posteriores, evitaremos identificá-las textualmente. Poderíamos ter seguido outro caminho, mas “objetivo” e, certamente, mais próximo dos cânones da produção A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 256 nas ciências sociais, mas, nesse caso, teríamos que lidar com uma perda: o envolvimento e o interesse dos personagens em (se) apresentarem (nas) as suas narrativas. O lugar e os personagens: todos estão em permanente construção Se os atores estão em permanente (re)construção, o mesmo ocorre, algumas vezes, com os lugares. E com o lugar onde se situam as pessoas que tratamos nesta narrativa não é diferente. Moita Verde? Rio dos Negros? Sítio São Pedro? Os nomes emergem nas memórias de Dona Miúda, e, mais amiúde, naquelas de sua mãe, Nazaré dos Santos Moura, Dona Nazaré. Pode-se dizer que “Rio dos Negros” é a denominação que, segundo nossas interlocutoras, é mais antiga e corresponde ao nome que identificava o lugar quando Dona Nazaré, então recém casada com o seu marido, Moisés Crispiniano da Silva, veio morar aí, advinda de Capoeira dos Negros, comunidade situada no município de Bom Jesus. Um fato que deve ser realçado é que a família na qual focamos nossas observações é uma constituída por pequenos proprietários de terra. E essas terras se situam às margens do Rio Pitimbu. As casas dos habitantes locais, ainda hoje, estão nas proximidades desse rio, tão importante para as atividades de trabalho e para toda a vida social dessa comunidade, conforme mostraremos mais adiante. Esta situação, até certo ponto singular, de membros de uma população negra possuírem a posse de uma faixa terra situada em uma área de há muito ambicionada pela especulação imobiliária, envolve estórias e histórias. O que podemos asseverar é que, através de um processo de negociação e mobilização de antigas relações de apadrinhamento, as pessoas da comunidade conseguiram a posse de uma extensão de terra a qual foi repartida entre os filhos da primeira geração que lá chegaram, formando um aglomerado de pequenos sítios. O nome da faixa de terra onde residem Dona Nazaré, Dona Miúda e os núcleos familiares, é denominado de Sítio São Pedro desde há muito. Um primeiro fato histórico que redefiniu a dinâmica espacial desse lugar foi o acordo dos governos brasileiro e norte-americano, durante a Segunda Guerra Mundial. Este impactou enormemente a vida da cidade do Natal e entorno. Especialmente de Parnamirim, onde foi construída uma base militar norte-americana, a Parnamirim Field. Não muito distante dessa importante construção uma população de negros ali já viviam desde os fins do século XIX, em terras concedidas pelo proprietário das terras da região, um português por nome de Manuel A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 257 Machado. Distante não mais do que quatro quilômetros, mesmo se de “mata fechada”, estavam os moradores de Rio dos Negros. E, entre eles, Dona Nazaré, seu esposo e seus quatro filhos pequenos. Do lugar, relata-nos Dona Nazaré, ouviam-se os ruídos dos aviões em Parnamirim Field que embora distantes das coisas e do cotidiano do seu mundo, tratava-se de acontecimentos complicados para serem introjetados à lógica da dinâmica do então Rio dos Negros. Enquanto nativos, essa população negra, que não aparece na historiografia oficial do contato dos americanos com a população da cidade, foram impactados, diretamente ou indiretamente, pela presença desse contingente de militares norte-americanos em seu território. Se para as elites locais, esse contato significou conhecer novas possibilidades de consumo, seja da goma de mascar ou do vocabulário dos “gringos”, para essa população negra essa situação significou a emergência de uma possibilidade de trabalho remunerado. No caso das mulheres que se aproximaram das famílias moradoras das vilas dos oficiais ofertando o trabalho de lavagem de roupas. Naquele momento, Parnamirim ainda era um pequeno município que se estruturava fundamentalmente em torno das atividades agrícolas. Mesmo a relação com Natal, não era tão estreita. Basta lembrarmos que a capital do RN, até a instalação dos militares norte-americanos em Parnamirim, não tinha ligação asfáltica com o seu entorno. Em Natal, chegava-se, quase exclusivamente, de trem, navio ou avião. Data desse período a importância da atividade de lavagem de roupas desenvolvidas as margem do Rio Pitimbú (o “Rio dos Negros”) enquanto fonte complementar de renda familiar na comunidade. Tanto que, finda a Guerra e desativada a base norte-americana, as mulheres da comunidade continuaram tentando trabalhar nesse espaço, agora para famílias dos militares brasileiros que assumiram a base. Esta ainda hoje existe e fica anexa ao Aeroporto Internacional Augusto Severo. Só muito recentemente, segundo uma de nossas informantes, no final da década de 1990, o lugar passou a ser denominado de “Moita Verde”. “Foi invenção do prefeito”, diz-nos entre risos Das Dores, uma prima da família, moradora do Sítio São Francisco, vizinho ao Sítio São Pedro. É na segunda metade da década de 1990 que o lugar vai ser profundamente remodelado com a construção, na área defronte, de um grande conjunto habitacional, destinado a moradores de classe média baixa, especialmente trabalhadores dos setores de serviços. Este conjunto, denominado Jockey Clube, tem cerca de mil unidades residenciais. Sua construção redefiniu o A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 258 mapa da região, além de implicar na presença de um grande contingente populacional em área anteriormente usada livremente pelos moradores de Rio dos Negros para recolher lenha ou soltar pequenos animais, implicou também na atração de outros empreendimentos imobiliários nas imediações. O mais recente deles, um condomínio fechado, com casas destinadas a moradores de maior poder aquisitivo, e denominado, como ocorre quase sempre com empreendimentos imobiliários destinados a esse setor, com um nome em inglês: Water View. Uma das conseqüências dessas transformações sócio-espaciais foi que a área hoje denominada Moita Verde, situada em terreno mais baixo do aquele em que se situa o conjunto Jockey Clube, transformou-se num escoadouro de suas águas. Quando no período de fortes chuvas, o Sítio São Pedro é dividido por um riacho de águas fortes que sai como faca cavando o terreno com profundas fendas erosivas. Sendo as águas chuvosas fenômenos naturais, a população de Moita Verde percebe-se impotente e sem saber a quem culpar pela erosão de suas terras. Essa situação, em si, pode ser tomada como uma metáfora do encontro dessa comunidade com o mundo mais além. Assim, ao deixarmos a rua (no caso, Mar da Galiléia) e adentrarmos o espaço do sítio, defrontamos com o que nos lembra uma vida comunitária. Na maior parte do dia, com exceção do período do dia em que o sol se faz mais inclemente, mulheres, homens e crianças estão reunidos próximos a algumas árvores situados no centro do ajuntamento de casas do sítio ao lado da casa de Dona Miúda. E exatamente anexo à casa desta um espaço foi destinado a Lavanderia Mãe e Filhas. Acima, em linhas gerais, descrevemos o lugar, trata-se agora de apresentar as nossas personagens. Dona Nazaré é uma ativa nonagenária. Em trabalho anterior identificamo-la como a “Matriarca do Rio dos Negros”. De fato, a própria existência do sítio é fruto de sua tenacidade e luta. Muito cedo, seu esposo, Moisés, faleceu. Só e com quatro crianças pequenas tomou conta da terra e resistiu às investidas de familiares do marido, e de pessoas estranhas, para que deixasse as terras ou vendesse a terceiros. Para garantir a sua posse, conscientemente resolveu não se casar mais para não perder a legitimidade de ser a herdeira de uma terra que era do marido, sendo parte das terras dos outros membros de sua família. Aos poucos tornou-se uma das figuras centrais dessa comunidade ou usando as categorias nativas do lugar, “naturalmente tornou-se uma cabeça”, sendo articuladora de uma atividade que reunia até recentemente as pessoas da maioria dos sítios vizinhos: as novenas do mês de maio. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 259 Dissemos “reunia”, pois, nos últimos anos, com a adesão de membros da família à igrejas evangélicas, essa atividade passou a não ser mais tão unificadora da vida social como antes. Mas os seus aniversários reúnem a todos, como foi o caso daquele em que comemorou os noventa e dois anos e ao qual tivemos a oportunidade de estarmos presentes. Dona Miúda, identificada mais acima, é a única filha de Dona Nazaré. Tem sessenta e cinco anos, e, há pouco mais de um ano, é viúva. É mãe de nove filhas e avó por hora de 13 netos e netas. Vem assumindo as funções de condutora da família e é a principal responsável pela instalação e funcionamento da Lavanderia Mãe & Filhas. A in-corporação das disposições do trabalho de lavadeira Lembra-nos D. Miúda “eu comecei a trabalhar com 10 anos ajudando tia Geralda. Ela pegava as roupas nas casas lá em Parnamirim, nas casas dos sargentos, trazia pra lavar aqui no rio da gente. Quando chegava no rio, separava, eu lavava as minhas, engomava e depois ela olhava.” Essa tia lhe passava calcinhas, guardanapos e pequenos panos. Sua tia lhe dizia: “Miúda, lave essas roupinha que depois eu dou uma gorjeta pra tu”. Inicialmente D. Miúda sempre exercia a atividade de lavagem de roupa sob a orientação e a gestão dessa tia. Quando tinha 13 ou 14 anos, dado que havia aumentado a demanda pelo serviço de lavagens de roupas na região, a mesma tia lhe disse: “você agora vai ser responsável por sua roupa. Agora ela não era mais a responsável, tudo que houvesse era comigo”. Num primeiro momento, nas primeiras lavagens, o ganho auferido com o trabalho, ela destinava à aquisição de roupas para os períodos festivos. Essa situação será redefinida com a morte do pai. A partir desse momento, que pode ser tomado como um marco, o que era apenas um meio para aquisição de bens secundários para ser uma atividade fundamental para garantir as necessidades básicas de seu núcleo familiar, composto por uma viúva e quatro filhos. Ela continua na atividade até o momento o casamento. Nos primeiros tempos de casada, Dona Miúda dedica-se exclusivamente aos cuidados da manutenção da casa e das filhas que foram nascendo, contando sempre com a solidariedade da mãe, D. Nazaré. Com o passar do tempo, ela afirma que se deu conta do fato de que o marido tinha dificuldades de, sozinho, garantir as condições mínimas para sobrevivência da família. Devemos recordar ainda que o seu esposo devido ao seu trabalho, na área de construção de estradas e pavimentação de ruas, era levado a A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 260 se ausentar durante longos períodos de casa. Essa situação, segundo D. Miúda, obrigou-a procurar casa de família para oferecer seus serviços de lavagem de roupas. Durante muito tempo, D. Miúda pegará as roupas nas casas das freguesas (essa é uma categoria nativa intercambiável com aquela de “patroa”) e as lavará nas margens do Rio Pitimbu, no fundo da propriedade da família. Quando as suas filhas ficaram maiores e tinha condições de ficar em casa sozinhas ou com a avó, D. Miúda assumiu a lavagem de roupas em algumas casas de um bairro localizado na cidade satélite de Natal, que era naquele período o lugar mais acessível e que “tava rolando dinheiro” como diz D. Miúda. Nesses casos, ela tinha que sair ao raiar do dia do Sítio São Pedro para tentar condução nos veículos que levavam os operários para as fábricas situadas na zona sul da capital do RN. A condição de “lavar roupa nas casas” redefine a situação da lavadeira. E isso ocorre particularmente quando a lavagem ocorre regularmente em dias determinados da semana. Nesses casos, é possível que a lavadeira vá assumindo um conjunto de outras tarefas relacionadas aos cuidados e limpeza da casa. Embora D. Miúda ressalve que as patroas que a contratavam já tinham empregadas domésticas fixas (para as tarefas usuais de cuidado da casa e das crianças da família), muitas vezes, ela era vista e tida como uma auxiliar ocasional dessas empregadas. O que a levava a fazer pequenas compras nas imediações, ou, atendendo os caprichos da patroa, cuidar na elaboração de uma comida especial. Resgatando esse tempo, ela nos diz que a patroa fazia esses tipos de pedidos porque “ela confiava em mim”. Aos poucos, nos momentos de pegar roupa ou mesmo na execução da lavagem em algumas casas, D. Miúda foi levando as filhas mais velhas para “ajudarem”. As situações acima descritas apontam para o tortuoso processo de incorporação das disposições que caracterizam um determinado lugar no mundo social. Seja de um operário, de uma lavadeira, uma empregada doméstica ou de um professor universitário. Todas essas posições, assumidas pelos agentes como se fossem escolhas livres, quase sempre, funcionam como se fossem escolhas que já estavam esperando os momentos de escolha dos agentes. Bourdieu nos aponta que “as expectativas coletivas’, positivas ou negativas, tendem a se inscrever nos corpos sob formas de disposições permanentes”. (Bourdieu, 1999, p. 77). Isso não significa que o ator seja um simples receptáculo das injunções do coletivo. Não raras vezes, ele se insurge, se revolta, contra as “coisas do mundo”. Mas, na maioria das vezes, o ajuste entre as esperanças individuais e as “ofertas” das estruturas sociais é confirmado. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 261 O que dissemos acima se aplica em especial à difícil relação que as filhas de D. Miúda estabelecem com a condição de empregada doméstica. Se a “ajuda” à mãe, desde muito cedo, vai solidificando as disposições da futura empregada, essa condição não é uma “escolha” feita por agente que olha o mundo com distanciamento e faz as suas opções. Pelo contrário! Essa é uma “escolha” que, algumas vezes, é percebida pelo agente como uma espécie de destino fatal ou uma condenação. Nesse sentido, lembramos de quando D. Miúda nos falou do dia em que uma de suas filhas foi ser empregada doméstica em uma casa de família em Parnamirim. “Ela chorou muito”, disse-nos em tom de risada que ameniza o pesar. Antes de avançarmos, faz-se necessário uma apresentação da evolução do processo de lavagem de roupas. Sempre, claro, seguindo a interpretação fornecida pela reconstituição feita por D. Miúda. Lavagem de roupa: técnica e processo de trabalho Uma primeira dimensão a ser ressaltada no que diz respeito ao processo de trabalho de lavagem de roupas é exatamente o controle de sua execução. Há não mais do que três décadas, o processo, quando desenvolvido na casa da “patroa”, implicava um grande controle sobre o tempo e as formas de execução das tarefas. Como isso se dava? Um controle do tempo de execução da tarefa ou de horário de chegada à casa da patroa para receber as roupas e entregá-las engomadas se assim fosse a lavagem feita na cada da própria lavadeira. Uma constante vigilância sobre a qualidade do trabalho com inúmeras recomendações sobre cada peça. Ou, ainda, o cuidado com a quantidade de sabão ou produto alvejante para não ser gasto em excesso. Essa situação vai sendo redefinida quando a patroa, ela própria, vai sendo inserida em uma dinâmica social predominantemente urbana e absorvida seja pelo mercado de trabalho ou pelas novas tarefas atribuídas à dona de casa em um contexto social moderno (pegar os filhos na escola, acompanhá-los em atividade extra-escolar, fazer as compras no supermercado, estudar, etc.). Esse quadro reforça um tipo de trabalho de lavagem de roupa que coexistia com aquele descrito mais acima. Referimos ao trabalho executado na própria casa da lavadeira, ou em algum lugar público – lavanderias coletivas, margens de rios e lagoas. Enquadrava-se nessa segunda situação, como já apontamos antes, o tipo de trabalho realizado por D. Miúda durante uma boa parte de sua trajetória da vida como trabalhadora. Nele, embora a pessoalidade estivesse fortemente presente, havia certa autonomia na execução do trabalho por parte da lavadeira. Mas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 262 essa autonomia, ressaltemos, era uma condição a ser conquistada. Essa lavadeira, que havia conquistado a “confiança” de levar as roupas sujas das famílias para lavar em casa, tinha que ter demonstrado (ou alguém de sua família tê-lo feito e afiançá-la) ser merecedora da confiança e responsabilidade. Nas duas situações acima identificadas (em casa e na casa da patroa), a maioria dos casos os produtos usados na lavagem eram fornecidos pelas patroas. “Tinha vez que umas (patroas) botava pouco e tinha vez que outras botava franco”. O que implicava, no caso das lavadeiras que desenvolviam o seu trabalho em seus próprios domicílios, uma racionalização no uso dos produtos. Dado que o trabalho era executado em seu próprio espaço, essa lavadeira, como era o caso de D. Miúda, tinha a possibilidade de remanejar o uso desses produtos. No que diz respeito à seqüência das tarefas, havia, entretanto, pouca diferença entre as formas assumidas pelo trabalho de lavagem de roupas na casa da patroa e aquele executado nos domínios da lavadeira. Esse era, como assegura-nos D. Miúda, um “trabalho pesado” e extenuante. Antes de prosseguir, é importante detalhar um pouco os passos constitutivos da atividade. Nas duas situações acima identificadas, tínhamos como primeiro passo o recolhimento das roupas sujas, as quais, na muitas das vezes, estavam dispersas nos cômodos das casas. Após a juntada das roupas, havia a separação: roupas, toalhas e lençóis de crianças daqueles dos adultos e as peças brancas das coloridas, além daquelas feitas de tecidos leves das mais grossas. Feito isso, as roupas eram amontoadas e amarradas em “trouxas” e levadas para os locais de lavagem. No caso de D. Miúda, como o seu trabalho, durante um bom tempo, foi desenvolvido nos domínios do Sítio São Pedro, isso implicava em caminhar alguns quilômetros com essas roupas na cabeça. Quando uma de suas filhas ficou maior, em torno dos oito anos de idade, ela começou a levá-la para “ajudá-la” na arrumação e transporte das roupas. Essa participação se repetiria também ao final do trabalho, quando as roupadas prontas (“engomadas”) eram levadas para a casa da patroa. Essas recordações compartilhadas durante as entrevistas desse trabalho, entre D. Miúda e suas filhas carrega um sentimento de um trabalho árduo e ao mesmo tempo de superação. Uma destas, entre gargalhadas, afirmou: “a gente sofreu muito. Ao meio dia, saia àquelas neguinhas todas com as trouxas na cabeça para entregar a roupa. E, depois, quando chegasse, ia pegar lenha, coisa que a gente odiava, pra fazer o fogo pra cozinhar fora de casa”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 263 Trazida a roupa para o Sítio, D. Miúda encaminhava-se para as margens do Rio Pitimbu, que cortava a propriedade rural da família, e lá a lavava e colocava-a para “quarar”. Após o “quaramento”132, as roupas eram enxaguadas e colocadas para secar “nas moitas” próximas à sua casa. Uma parte das roupas, aquelas que continham manchas e sujeiras mais evidentes, eram fervidas em um grande caldeirão. Depois de frias, eram lavadas normalmente. As roupas brancas eram imersas em uma bacia d'água contendo uma pedra de anil amarrada a um pano. A secagem das roupas nas cercas não implicava em descanso para a lavadeira. Durante o período de secagem da roupa, ela, ou uma de suas filhas, assumia a vigilância das roupas para impedir que algum animal doméstico (especialmente caprinos e bovinos) pudesse manchar algumas das peças ou a força do vento levá-las, já que naquele tempo as não fazia parte das preocupações do lugar o perigo com roubos ou assaltos. Após a secagem, as roupas eram dispostas em cima de uma grande mesa para serem engomadas. D. Miúda tinha que ter preparado, com antecedência, carvão para ser usado no “ferro de engomar”. O trabalho de engomar era igualmente cansativo. Passava-se o ferro cuidadosamente por sobre as roupas, para impedir que um deslize pudesse significar a queima e o grande prejuízo (financeiro, social e moral) que seria “botar a perder”, por exemplo, a “calça de linho” do marido da patroa. Goma de mandioca era usada para garantir a perfeição das golas das camisas. Assim, em cima da “mesa de passar”, tinha-se uma pequena tigela contendo esse produto imerso em uma porção d'água. Mas, apesar de todos esses cuidados, acidentes ocorriam. Uma fagulha ou uma brasa pequena poderia escapar pelas brechas do ferro e alojar-se em cima de uma peça de roupa ou mesmo provocar a queimadura de pele. Finalmente, o uso do ferro exigia destreza e habilidade. Era necessário manter as brasas que estavam no seu interior sempre acesas, para que isso ocorresse D. Miúda possuía dois ferros, enquanto estava utilizando um o outro se encontrava com as brasas perto do fogo. No que diz respeito aos produtos utilizados na lavagem das roupas, a variedade de produtos disponíveis para a atividade, ao contrário de hoje, era bastante reduzida. Os saponáceos em formato retangulares que para D. miúda “parecia uma barra de rapadura, preto”. Esses produtos eram produzidos em fabriquetas locais, geralmente tendo como matérias-primas gordura animal. Outros, mais caros, eram feitos à base de gordura vegetal, especialmente extraída da oiticica e do algodão. 132 Corruptela de “clareamento”. O termo identifica um processo tradicional de garantir a brancura das roupas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 264 Gênero e valor do trabalho D. Miúda, como todas as lavadeiras de Moita Verde, negociava com as patroas, como já dissemos. Era, portanto, um “negócio de mulheres”, entre mulheres. Nem a atividade e nem o pagamento diziam respeito aos homens. Estes apenas aparecem, como financiadores distantes, ou, presenças em relação as quais, quando se está trabalhando como lavadeira ou doméstica, é necessário manter uma prudente distância. Essa situação diz muito do viés de gênero que atravessa todo o trabalho doméstico – e não apenas aquele contratado e executado por lavadeiras ou empregadas domésticas. Este trabalho, assim como tudo que lhe diz respeito, é visto socialmente como inferior, como menor. Logo, não caberia aos homens, os “donos de casa”, a tarefa de negociar “lavagens de roupas”, mas, sim, às suas esposas. Vale a pena reter aqui uma expressiva afirmação de Bourdieu a respeito desse tipo de trabalho: O fato de que o trabalho doméstico da mulher não tenha uma retribuição em dinheiro contribui realmente para desvalorizá-la, inclusive a seus próprios olhos, como se este tempo, não tendo valor de mercado, fosse sem importância e pudesse ser dado sem contrapartida, e sem limites, primeiro aos membros da família, e sobretudo às crianças (já foi comentado que o tempo materno pode facilmente ser interrompido), mas também a Igreja, em instituições de caridade ou, cada vez mais, em associações ou partidos (Bourdieu, 1999, p. 117). A esse respeito, diga-se de passagem, que essa desvalorização social do trabalho doméstico está tão fortemente enraizada nas estruturas de percepção do mundo que mesmo em ambientes acadêmicos, supostamente críticos como aquele das áreas humanísticas, reproduz-se essas considerações pejorativas a respeito do tempo que as mulheres porventura lhe dediquem. Desimportante enquanto atividade, esquecido como objeto de pesquisa. E, em conseqüência disso, avança-se pouco na compreensão de uma das esferas fundamentais da reprodução da vida social. Voltando ao nosso enredo, importa ressaltar que essa desvalorização do trabalho doméstico, tão bem apreendida por Bourdieu, é demonstrada por D. Miúda quando ela narra como se dava o pagamento de suas lavagens. Este, no seu caso, ocorria uma vez por mês. Ela preferia assim porque era uma forma de ter um rendimento mensal. Era um sacrifício calculado. Mas, a contrapartida, eram as frustrações advindas do não-reconhecimento de seu trabalho. Algumas patroas sempre regateavam para pagar menos, e o pagamento mensal também fazia A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 265 com que aquelas se valessem da lavadeira para realizar pequenos intercâmbios entre os membros de sua própria família. Expliquemos: como a lavadeira era “dela” (patroa) e iria receber um pagamento no final do mês, ela se achava no “direito” de “emprestar” a “sua” lavadeira para fazer o trabalho de lavagem de outros familiares, nos dias aprazados para as lavagens. Isso significava que D. Miúda sempre tinha muita roupa para lavar, e que estas roupas, nem sempre, eram dos membros do núcleo familiar de sua patroa. A desvalorização social do trabalho transforma o tempo gasto na sua execução (e produção – já que, por mais óbvio que seja é sempre bom lembrar, lavar roupas exige habilidades e treinamento) mais do que em um tempo diminuído de importância, em um não-tempo. E essa é uma apreensão que D. Miúda ressalta lembrando de uma de suas patroas: na hora de receber o pagamento era como se a patroa, ao pagar, estivesse fazendo um favor. Todo mês, quando era dia de me pagar eu tinha que chegar de manhã lembrando, olhe não esqueça, hoje é dia de me pagar. Muitas vezes eu ia trabalhar só com aquele dinheirinho da passagem de ida, esperando receber o dinheiro de voltar pra casa. Dava certa hora, ela dizia: vou ali. Saia, não voltava, não me pagava o mês, e a volta? Como é que eu ficava? Ao relatar essas situações, D. Miúda aponta-nos como elas lhe davam a sensação de impotência e, diríamos nós, de diminuição social. A própria negociação do pagamento se dava em um espaço que acentuava a desigualdade na relação trabalhadora e patroa: na casa da última, não raro, na frente de parentes e amigos, que sempre podiam contribuir com os argumentos diminuindo a importância do trabalho realizado. Havendo situações em que um desses familiares disse certa vez: “D. Miúda, a senhora ganha mais do que eu, que sou professora formada”. Trabalho e reconhecimento: quando a lavadeira era uma pessoa Pareceria muito óbvio que o trabalho de lavagem de roupas, quando executado na casa da patroa, limita a autonomia da lavadeira, aumenta o controle sobre as suas tarefas e o tempo gasto, além de comprometê-la com atividades que alheias ao seu trabalho. Entretanto, a percepção dos atores nunca obedece segue à risca os esquemas rígidos de interpretação do mundo cultivados pelo que o sociólogo Pierre Bourdieu, em algumas de suas obras, denomina de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 266 “senso douto”. E, quando ficamos presos às suas “boas indicações” o que perdemos é a riqueza da vida social, que é muito mais contraditória e rica do que prevêem os “bem pensantes”. Não por expressarem uma suposta “sabedoria popular”, mas porque apontam as teias complexas que as pessoas tecem nas suas existências. Assim, o que D. Miúda relata-nos, mesmo se levarmos em conta o fato de que as reconstruções do passado tendem, muitas vezes, a idealizá-lo, é que as relações com as patroas expressavam muitos e contraditórios aspectos. O que sobressai, no seu relato, é a exaltação da pessoalização das relações. Mesmo se, nessas relações, o seu lugar social fosse diminuído, havia ali alguns elementos de gratificação, dentre eles o reconhecimento. Reconhecimento de que se é uma “pessoa séria”, “trabalhadora”, “cuidadosa”, “honrada” e “dedicada” e acima de tudo de confiança. Esse reconhecimento se transformava, algumas vezes, em pequenas recompensas, como um “extra” (uma pequena gratificação fora do que era esperado pelo trabalho realizado). Ou, ainda, pequenos presentes, como roupas usadas que os membros da família da patroa não mais queriam. Mas essa pessoalização se traduzia, para D. Miúda, acima de tudo em ser reconhecida como uma pessoa, alguém a quem se podia confiar alguns segredos familiares. Ela lembra que, não poucas vezes, uma patroa desabafava com ela, e, em contrapartida, criava condições para que ela também desabafasse e falasse dos seus problemas pessoais. No que diz respeito ao trabalho, D. Miúda chama-nos a atenção para o fato de que, embora existissem os aspectos negativos acima mencionados (controle e fiscalização do trabalho), havia também uma tolerância que, hoje, nas encomendas feitas à sua lavanderia, não existe. Ela refere-se ao tempo necessário para “aprontar a roupa”. Nas casas, quando chovia, a patroa não tinha como cobrar que o trabalho ficasse concluído. Hoje, quem contrata os serviços da lavanderia não quer saber e nem se preocupa com as condições do tempo. Quer o serviço pronto. E ponto. D, Miúda relata que existiram relações de trabalho como lavadeira onde essa pessoalização não se traduzia apenas em aspectos positivos. Ela fala-nos que, algumas vezes, ia para a casa da patroa com uma expectativa positiva e, quando chegava lá, deparava-se com ela de mau-humor e gratuitamente agressiva. E essa ainda é, segundo ela, o aspecto mais doloroso do trabalho doméstico: “um dia, você vai e a pessoa está com um cara, lhe trata bem; no outro, parece outra pessoa...”. Não era raro, que, segundo ela, algumas patroas “descarregassem as raivas do marido” A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 267 nela. Mais doloroso ainda era se imaginar alguém próximo, de confiança, e passar pelo constrangimento de ter sua bolsa aberta na hora da saída. Essa pessoalização também implicava em um desleixo da patroa com o pagamento. Não era raro, segundo ela, que, no dia aprazado para receber o pagamento, tivesse que ficar o dia todo esperando que a patroa fosse pegar o dinheiro para lhe pagar. E ela precisava voltar com esse dinheiro, dado que, “muitas e muitas vezes”, ia para a casa da patroa apenas com o “dinheirinho contado” para pagar a passagem de ida. Deslocamentos, sociabilidades e habilidades O trabalho de lavagem de roupas na Base Militar por parte das mulheres de Rio dos Negros (hoje, Moita Verde), que continuou, conforme vimos, após a saída dos norte-americanos, com o tempo passou a ser não-desejado. Isso porque, mesmo estando próximo espacialmente do lugar onde as lavadeiras moravam, era um espaço que impunha entraves ao transito delas. “Era muita burocracia para entrar lá. O pessoal não gostava”, diz-nos D. Miúda. Esse fato, aliado ao crescimento da cidade de Natal em direção ao sul, fez com essas mulheres trocassem o trabalho na Vila dos Oficiais para o trabalho em casas da nova área de ocupação urbana da capital. Em uma conversa com D. Miúda, na qual algumas de suas filhas participaram, esse deslocamento de espaço de trabalho para Natal foi objeto de discussão. Além daqueles aspectos já ressaltados, há uma dimensão, relacionada à sociabilidade, que vale a pena ressaltar. Segundo elas, nos de 1970, eram poucas as opções de transportes coletivos para Natal. Dado que as patroas não davam dinheiro suficiente para o pagamento dos ônibus das linhas intermunicipais que atravessavam Parnamirim em direção à Natal, restava-lhes tomar os transportes mais baratos (caminhões adaptados) que tinham como passageiros quase exclusivamente os operários das fábricas então existentes na zona sul de Natal. Rindo muito, elas comentaram que os tais transportes eram denominados de “cata cornos”. Mas reclamaram que os homens eram desrespeitosos e que, uma ou outra vez, chegavam a ser inoportunos. “Eles falavam palavrões, contavam piadas sujas e nem sempre tinham muito respeito”. Mas, ressalvaram que também tinham “bons momentos” e que, não raras vezes, D. Miúda se divertia com o comportamento desses companheiros de viagem. O que importa ressaltar aqui é o fato de que o trabalho de lavagem de roupas permitia, não apenas à D. Miúda e suas filhas, mas também a outras mulheres de Moita Verde, um convívio A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 268 com outros “mundos”. Algo que se traduzia em encontros que implicavam na necessidade de mobilização de habilidades como o autocontrole e a capacidade de negociação. Dada a forma como as pessoas de Moita Verde eram encaradas pelos moradores do seu entorno, que os consideravam “fechados” e “isolados”, essas idas para a Base Militar, e depois para Natal, seja inicialmente como lavadeiras, e mais tarde como empregadas domésticas, lhes possibilitou adquirir elementos que as diferenciam. Esses elementos, mesmo se traduzem, para um olhar externo, subalternidade, como é o caso do orgulho de se ser uma “boa lavadeira”, contribuiu para reforçar a sua auto-estima. É importante realçar os aspectos acima, pois, corre-se o risco, ao se analisar trajetórias como a de D. Miúda, de ao focalizarmos apenas os elementos expressivos da dominação masculina e das discriminações racial e de classe. Nesse sentido, importa ressaltar o fato de que, em que pese todas as percepções de exploração e humilhação, D. Miúda chama a nossa atenção para o seguinte aspecto: o trabalho de lavagem de roupas permitiu às mulheres de sua família a conquista de um lugar social mais positivo no seio da comunidade. Elas tinham algum dinheiro para comprar roupas para os festejos. E, não apenas isso: também puderam mobilizar recursos (materiais e simbólicos) para a instituição do “novenário de Maria” nos meses de maio. Essa atividade, que ocorre todos os anos, implica em gastos (com comidas para os participantes), mas se traduz também em prestígio social (e, não apenas no seio da comunidade de Moita Verde) para essas mulheres. Há que se destacar também o fato de que, ao trabalharem como lavadeiras ou empregadas domésticas, as mulheres da família de D. Miúda conseguiram um status diferenciado na relação com os seus maridos. Ao complementarem, com os seus ganhos, a renda familiar, elas conquistam um lugar mais positivo na estrutura familiar. Devemos levar em conta o fato de que essa renda, em Moita Verde, era (e o é cada vez menos) oriunda de uma atividade agrícola e pecuária decadente economicamente e dos trabalhos precários e provisórios dos homens em obras públicas e em serviços domésticos ocasionais. E é essa condição alcançada que, de algum modo, será mobilizada como um capital social a ser mobilizado pelas mulheres da comunidade para afirmarem positivamente a sua negritude, especialmente nas estratégias matrimoniais. A esse respeito, D. Nazaré, a matriarca da comunidade, pode expressar publicamente sua preferência para que as netas se casem com A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 269 pessoas negras e caso o casamento seja instituído com alguém de Capoeira dos Negros, esse casamento terá um valor simbólico superior dentro da família. A criação da lavanderia: a imersão na lógica da moderna economia de serviços Quando, há cerca de seis anos, D. Miúda decidiu criar a lavanderia, o maior capital disponível era intangível: habilidade para o desenvolvimento das tarefas e envolvimento em um projeto familiar. A ausência de capital econômico era um obstáculo quase intransponível. Expressivo nesse sentido foi o fato de que a instalação de uma linha telefônica, necessidade básica para que os serviços da lavanderia pudessem ser contratados, só foi possível a partir de um planejamento que envolveu o compromisso de cada uma das filhas de assumir, por um mês, a conta telefônica. Isso porque, nos cálculos de D. Miúda, o “negócio” não iria se “pagar” inicialmente133. Planejamento, perseverança e adiamento dos prazeres imediatos, qualidades que são fundamentais para a navegação social na ordem capitalista, como o demonstra uma ampla literatura nas ciências sociais (bastaria citarmos Max Weber para conquistarmos a fiança para essa afirmação!), são arduamente conquistadas. Ao narrar sua trajetória de vida, D. Miúda mostra-nos os tortuosos caminhos de aquisição das disposições de uma trabalhadora (ou, como passa a ser o caso aqui, de uma empreendedora) em uma economia moderna. Essas disposições possibilitaram a que D. Miúda e suas filhas enfrentassem a desconfiança geral em relação à iniciativa empresarial. “No começo, ninguém aparecia. A gente se perguntava se o negócio não ia dar certo. E a gente ficava preocupada, tinha a conta do telefone para pagar...”. Após quase dois meses, os serviços começaram a aparecer. E a necessitar do envolvimento de mais pessoas, o que levou a uma gradativa diminuição do envolvimento de D. Miúda inicialmente, e depois de algumas filhas, em trabalho nas casas das famílias. A lavanderia ia absorvendo-as. O lento processo de consolidação da Lavanderia Mãe & Filhas, quando lido a partir da ótica das agentes, fornece novos elementos para pensarmos o peso da divisão do trabalho na emergência da “cultura do dinheiro”, segundo a abordagem feita por Georg Simmel. A esse respeito, vale a pena retermos o seguinte trecho de um dos ensaios deste clássico das ciências sociais: 133 Hoje, todas possuem telefones celulares. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 270 O pagamento em dinheiro promove a divisão de trabalho, pois, normalmente, só se paga em dinheiro para um desempenho especializado: o equivalente monetário abstrato sem qualidade corresponde exclusivamente ao produto objetivo singular desligado da personalidade do produtor. Não se paga (onde inexiste escravidão) dinheiro para um homem como um todo com toda sua especificidade, mas sim para o seu desempenho na divisão do trabalho. Por causa disso, a formação da divisão de trabalho precisa de ampliação da economia monetária e vice-versa. A partir deste fato, explicam-se as deficiências e contradições da relação moderna com os servidores de casa (as empregadas, etc.); pois aqui se compra com dinheiro, de fato, ainda um homem por inteiro, inclusive a totalidade do seu desempenho. (Simmel, 1998, p. 24). Ora, em certo sentido, o que estamos abordando aqui, tendo como suporte a narrativa de D. Miúda, é exatamente a passagem da compra de um “homem (mulher) por inteiro” (a lavadeira) para a aquisição de um “desempenho especializado” (a lavagem de roupa através de um serviço agenciado por uma empresa, mesmo pequena). Se a divisão do trabalho está na base dessa redefinição que é a transformação do “desempenho” (ou da “força de trabalho”) em mercadoria, há que se levar em conta outra pré-condição que é a disseminação social da calculabilidade. Nesse sentido, vale a pena relatarmos aqui uma cena presenciada quando de uma das nossas visitas ao Sítio São Pedro. Pelo telefone, uma das filhas de D. Miúda, explicava o preço da lavagem com uma “cliente”134, como nos explicou mais tarde, já que não conseguimos disfarçar o interesse pela sua conversa. Após explicações sobre a forma de lavagem, ela passou a fazer o cálculo do custo total do serviço. Descriminando as peças que a pessoa do outro lado da tinha enviado para que fossem lavadas, ela as agrupou de acordo com uma classificação padronizada pela lavanderia (roupas íntima, lençóis, jeans, roupa de cama, etc.), e, com o auxílio de uma calculadora e do caderno de anotações, informou o custo total: R$ 23,00. Após esse anúncio, a pessoa do outro lado da linha ao que parece tentou regatear o valor. Ela, inflexível, respondeu: “olha, o preço é esse. Essa é a nossa tabela! Faça as contas!”. Segundos depois, o contrato estava fechado: “pronto! Daqui a pouco mando entregar ”. Dessa forma, podemos dizer, tendo em mente as colocações de Simmel mais acima, que p funcionamento da lavanderia fez com que D. Miúda e suas filhas fossem gradativamente saindo de relações de trabalho marcadas pela pessoalização, e colocando-as na condição de vendedoras de 134 A substituição do termo “patroa” pelo “cliente” é significativo e expressa como as “categorias nativas” traduzem a substituição de uma lógica social tradicional por uma outra na qual centrada nas relações de mercado. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 271 um desempenho específico. O contato com as (ou os, já que, agora, homens assumem a negociação dos contratos de lavagem) contratantes, feito muitas vezes por telefone, resume-se a pegar e devolver a roupa na sua casa. Outras vezes, esses clientes, em automóveis, vêem ao Sítio São Pedro entregar as roupas. O (não) lugar dos homens O declínio das atividades agrícolas em Moita Verde, agravado pela degradação ambiental do Rio Pimtimbu em meados da década de 1990, foi tornando os homens da comunidade mais e mais dependentes dos serviços temporários. Alguns poucos conseguem trabalhos estáveis. Essa situação foi levando a atividade desenvolvida pelas mulheres a passar da condição de complementar para central. Em alguns núcleos familiares, são elas as responsáveis pelos gastos mais importantes da casa. O que apontamos acima contrasta com o quadro traçado em memorável trabalho etnográfico por Ellen Woortman, no qual o declínio das atividades agrícolas em uma comunidade pesqueira no litoral sul do Rio Grande do Norte fez com que as mulheres saíssem de uma situação de complementaridade para outra de dependência (Woortmann, 1991). No nosso caso, entretanto, não se verifica, por outro lado, uma situação de dependência dos homens, mas de contribuição inferior ao orçamento doméstico. Por outro lado, para eles, as atividades agrícolas e pecuárias se perderam valor econômico ainda são fonte de valor simbólico e afirmação da masculinidade. Assim, podemos perceber o esforço que fazem para mostrar a importância das tarefas de carpina ou cuidado dos animais (bois, cabras e porcos). Em uma de nossas visitas, em um final de tarde, um dos homens desfilava vagarosamente com um boi, o qual, anunciava, iria vender naquele dia. Do nosso ponto de vista, ao articularmos a obra de Florestan Fernandes com aquela de Bourdieu, como o fez para enfatizar uma discussão mais teórica Sousa (2003), podemos nos acercar melhor dessa “inadaptação” do mundo masculino de Moita Verde à lógica subjacente à economia de serviços. Eles não incorporaram algumas das disposições fundamentais para a navegação social nesta ordem, como, por exemplo, a auto-disciplina, a calculabilidade, pontualidade, receber e cumprir ordens e a capacidade de negociação. Habilidades adquiridas pelas mulheres pelas suas trajetórias como trabalhadoras modernas no novo urbano emergente em Natal e região. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 272 Um fato, relatado por D. Miúda, é ilustrativo daquilo que, em linguagem de Fernandes (1965), seria definido como ausência dos pré-requisitos sócio-psíquicos necessários para o transito em uma ordem competitiva. Segundo ela, no início da lavanderia, tentou-se incluir os homens. Mas não dava certo, mulher... Veja só: um dia, o marido da minha menina foi pegar a roupa numa casa e pôs-se a demorar. Passou a horas e nada dele voltar. Eu disse: ‘vamos atrás!’. E aí encontramos a bicicleta encostada em uma parede de um bar e ele lá dentro, conversando e bebendo. Imagina! A roupa lá vendo a hora carregarem.. Meu Deus! E aí eu vi que não dava certo e tomei uma decisão: homem aqui, não! Até porque o nome da Lavanderia é mãe e filhas Conclusões O texto aqui apresentado é a tradução parcial de um trabalho ainda em desenvolvimento. Em que pese essa situação, podemos adiantar que o nosso trabalho busca apontar como o sentido que os agentes atribuem às suas práticas e ao seu mundo pode contribuir para melhorar a nossa compreensão das grandes questões sociais. Por outro lado, mesmo em condições de nãoreconhecimento e subalternidade, marcas do trabalho doméstico em nosso país, os agentes conseguem mobilizar recursos simbólicos para garantir pequenos espaços de auto-afirmação e de constituição positiva de suas identidades. Já no que diz respeito às mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, uma investigação como a que estamos desenvolvendo, em certo sentido indo em contramão à leitura pessimista feita por Castel (1998), aponta como também é possível a abertura de novas possibilidades de afirmação dos/das trabalhadoras na economia dos serviços. Isso não significa que a exploração e a subordinação, por novas formas, mais impessoais, não permaneçam, mas que é preciso perceber que mudanças não somente negativas estão ocorrendo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 273 Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Külner. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução Iraci Poleti. Petrópolis: Vozes, 1998. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Àtica, 1965. SOUSA, Jessé. “(Não) Reconhecimento e subcidadania, ou o que é ''ser gente''? Lua Nova, nº 5, 2003. SIMMEL, Georg. “O dinheiro na cultura moderna”. In: Jessé Souza e B. Oëlze, orgs. Simmel e a Modernidade. Brasília: Editora da UNB, 1998. WOORTMANN, Ellen. “DA COMPLEMENTARIDADE À DEPENDÊNCIA:a mulher e o ambiente em comunidades “pesqueiras” do Nordeste”. Série Antropológica, nº 111, 1991. Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 274 A experiência dos Portos do Rio de Janeiro e de Santos Maria Dalva Casimiro da Silva135 As relações de trabalho no cais do porto a partir da modernização As relações de trabalho no interior do porto foram demarcadas pela implantação da Lei 8.630/93, ou, mais precisamente Lei de Modernização dos Portos. Pretendia-se através de investimentos financeiros para novos equipamentos, como guindastes e esteiras facilitadoras do movimento de carga, elevar a produtividade, ou seja, otimizar a atividade com menos custos, a fim de garantir a competitividade entre os portos. Tal processo implicava em uma mudança não só na estrutura do trabalho portuário como também na sua organização. Os portos, a partir de então, passaram por profundas transformações, afetando a vida de inúmeros trabalhadores – tanto daqueles que eram empregados do setor estatal, quanto daqueles que trabalhavam na condição de avulso. Diga-se de passagem que o processo de reformas portuárias em curso nos portos do Brasil, passou a definir novos papéis ao poder público e à iniciativa privada. As mudanças no relacionamento entre os diversos agentes envolvidos na atividade portuária, como os vários níveis de governo, arrendatários, operadores, trabalhadores, entre outros, foram profundamente sentidos dentro de um cenário que se configurava na imposição de novos padrões tecnológicos e gerenciais. Em sua trajetória os sindicatos possuem como marca registrada o eterno dilema de serem representações expressivas das classes trabalhadoras ao mesmo tempo que incorpora em sua estrutura, características completamente corporativistas, o que lhe é peculiar mediante às demandas e imposições do Estado e da classe empresarial. De acordo com Guilherme Marques136, a estrutura sindical brasileira subsiste desde a sua criação, ou seja, desde a primeira metade do século – especialmente na ditadura Vargas. Tinha-se como base, já a partir deste período, um sindicalismo corporativista, definido pelo Estado e por ele regulado, baseado em sindicatos de categorias específicas delimitadas territorialmente, como é o caso do sindicato dos trabalhadores 135 Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Universidade Federal Fluminense – UFF 136 Livro “O Novo Sindicalismo – A estrutura Sindical e a Voz dos Trabalhadores – 1977 a 1995” – Editora Adia, 2000. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 275 portuários avulsos. Com relação a estes, veremos mais precisamente a partir da concepção dos trabalhadores, como mudaram o seu perfil a partir do momento em que perderam a sua hegemonia no processo de escalação dos trabalhadores portuários avulsos. Problematizar as relações entre os sindicatos, os operadores portuários na figura do OGMO e os trabalhadores portuários avulsos, torna-se tarefa imprescindível, haja vista os acontecimentos da década de 90 que afetaram desde a implementação da Lei 8.630/93, o andamento do processo de modernização de cunho puramente neoliberal137, de precarização do trabalho e de desconstrução da cidadania da grande massa de trabalhadores 138. Nesse momento, o movimento sindical e grevista, tanto no porto do Rio de Janeiro quanto em Santos, recolocou a classe trabalhadora na cena social e política do nosso país. A modernização portuária e o início das demissões em massa A intensificação das tensões nas relações de trabalho no cais do porto teve início com um movimento empresarial que reivindicava a “modernização” (privatização) por fim instituída pela lei 8.630 de 25 de fevereiro de 1993. Faziam-se licitações para administrar por arrendamento os terminais de contêineres, num ambiente de competição entre os operadores. Os investimentos voltados para a agilização das operações, com vistas ao aumento da produtividade, embutiam um propósito de reduzir o contingente de trabalhadores. Com a meta de utilizar menos pessoal, até se chegou a propor um programa de indenização, para estimular o desligamento voluntário; pretendia-se suprimir pelo menos a metade do quadro. Contudo, os trabalhadores portuários naquele momento, não se interessaram por tal programa: não cogitavam de indenização e sim de preservar o seu trabalho. Mesmo assim, a redução do contingente se processava, visto que a automação redundava numa solicitação menor de mão-de-obra para as tarefas portuárias. Se não se conseguia reduzir na proporção pretendida de 50%, pelo menos um 137 Considerado como uma ideologia e como uma política econômica, o neoliberalismo se tornou a figura mais adequada para o capital nessa nova fase de desenvolvimento, nas palavras de FILGUEIRAS (1997), tanto em uma órbita microeconômica, como na defesa da individualização das relações entre capital e trabalho, além da livre negociação sem algum parâmetro ou restrições e do sindicato, quanto no nível macroeconômico, mediante a intenção de aniquilamento de todas as barreiras que impediam a livre mobilização do capital, bem como a reorientação do Estado no sentido de viabilizar todas as formas de flexibilidade intencionadas pelo capital. 138 De acordo com FILGUEIRAS, Luiz A. M. (1997), “a crise do fordismo, a partir da década de 70 anuncia, com todas as conseqüências daí advindas, a crise de um determinado “modo de vida", a quebra de um pacto social, caracterizado pela busca do "pleno emprego", por uma certa estabilidade no trabalho e por amplas garantias sociais. É justamente a destruição desse "modo seguro de se viver", construído entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70, que dá origem ao profundo "mal-estar" específico deste final de século”. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 276 quarto dos trabalhadores acabou desistindo do porto, em decorrência da precarização das condições de trabalho. Muitos trabalhadores foram incentivados a se aposentarem, visto serem “amparados” pela legislação previdenciária com relação à aposentadoria especial pela insalubridade da atividade laboral. Para os empresários, porém, isso não era suficiente. Todavia, para ir além, era necessário enfrentar os sindicatos portuários, especialmente o dos estivadores, e promover a desregulamentação das relações trabalhistas no porto. Foi assim que se estabeleceu um sistema que levava em conta o fato de serem os estivadores trabalhadores “avulsos”, não vinculados a uma companhia determinada através de contrato: diversamente, eles se apresentam todos os dias ao porto, oferecendo seus serviços às agências de navegação que eles necessitem. Nessa condição de “avulsos” representava-os o seu sindicato. Era este que contratava os serviços e os distribuía entre os seus associados, além de administrar a vida jurídica, econômica e previdenciária de cada um deles. Essas relações de trabalho estavam definidas e reguladas na Seção VIII e no artigo 258 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Tratando-se de um serviço irregular, sazonal por razões diversas, o artigo 258 da CLT, combinado com uma Portaria do Ministério do Trabalho, determinara que a admissão de novos sócios ao Sindicato se fizesse apenas quando, durante um mês, cada estivador tivesse trabalhado mais que um certo número de horas. Nesse caso, trabalhadores matriculados não pertencentes à corporação poderiam ser convocados e encaminhados ao Sindicato para a devida sindicalização, obrigatória para o exercício da profissão de estivador. Os estivadores se apresentavam e eram escalados para o serviço, sendo essa incumbência solicitada ao Sindicato, cujo representante formava a equipe a ser enviada para cada navio, levando em conta inclusive a adequação física dos componentes dela. Foi justamente contra esse vínculo com o sindicato – particularmente a intermediação para escalar a equipe de serviço solicitada – que o empresariado do porto privatizado pela Lei 8.630/93 investiu. O sistema lhe parecia retardar o objetivo da obtenção da “competitividade” através da utilização de menos mão-de-obra, uma vez que as equipes recrutadas incluíam segundo sua opinião, mais trabalhadores que o necessário. A própria Lei 8.630 já sinalizava nessa direção anti-sindical, confirmada em 1998 pela Lei 9.719. Assim, pelo novo método, a escalação dos portuários era transferida para o Órgão Gestor A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 277 de Mão-de-Obra – OGMO, entidade controlada pelos empresários, sendo responsável pela gestão dos trabalhadores no cais do porto. A partir de então, intensificaram-se pressões de toda ordem. A relação Sindicato – OGMO no processo de modernização portuária Em dezembro de 1999 foram divulgadas as conclusões de um estudo elaborado pelo Banco Mundial acerca da lei brasileira de modernização dos portos. Nesse documento, a redução já alcançada do contingente de mão-de-obra era considerada insuficiente. Para atingir o nível adequado, propunha-se a reformulação das relações trabalhistas, sob a pretensa alegação de que na situação vigente os terminais eram levados a admitir número excessivo de trabalhadores. Por sua vez, num artigo intitulado “A Equação Social dos Portos Brasileiros”, o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários observa que a modernização tecnológica acarretara um problema social, pois parte da mão-de-obra portuária tornara-se “irreversivelmente desnecessária”. De acordo com o artigo, os empresários reclamavam do fato de serem obrigados a negociar com os sindicatos que, na opinião patronal, escalavam muito mais trabalhadores que o suficiente. Nas palavras de um operador portuário, “...hoje, o desembarque com guindastes em um navio de contêineres exige 12 homens pelas regras acordadas com os sindicatos, quando apenas 5 seriam necessários”. O resultado insistia, “era a elevação dos custos e a diminuição da ‘competitividade’ do porto”. Determinados a cortar pela metade o contingente dos trabalhadores nos dois anos subseqüentes, os operadores portuários informavam até que, preocupados com o resultante “problema social grave”, já cogitavam de instituir um plano de desligamento voluntário, que previa a formação de um correspondente fundo de indenização. Em novembro de 2000, o Órgão Gestor de Mão-de-Obra tentava executar ele mesmo a distribuição do serviço, mas os estivadores resistiram e no dia 27 de março, eclodia a greve. O protesto foi motivado pela categoria dos trabalhadores portuários avulsos que considerava evidente a incapacidade do OGMO em praticar a escala, visto que o critério a ser utilizado por esta entidade seria o do mero rodízio numérico, enquanto os sindicalistas selecionavam os trabalhadores também de acordo com a aptidão e condição física. Os trabalhadores paralisaram o movimento de cargas no porto, destruindo as instalações e recursos materiais do OGMO, tanto do A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 278 Rio de Janeiro quanto do porto de Santos. O resultado foi um compromisso pelo qual o OGMO (ao qual o dono do navio solicita os trabalhadores) assumia formalmente a atribuição de escalar, mas aceitava a indicação dos trabalhadores feita pelo sindicato. Isso ocorreu no Porto do Rio de Janeiro mediante muita resistência por parte dos sindicatos dos trabalhadores, que imporam profundos entraves para os OGMOs assumirem suas funções. Voltando à entrevista com Eduardo Madeira, ex-Diretor Executivo do OGMO, realizada pelo LabTec (Laboratório, Territórios e Comunicação), foi elaborado, na ocasião, um Termo de Consenso, exatamente para que a escalação fosse efetivada de maneira pacifica pelo OGMO, mediante o apoio das lideranças trabalhistas sindicais. Através desse acordo, os sindicatos dos operadores e dos trabalhadores também discutiram a questão da informatização, visto que no esquema daquele período, o trabalhador ia para o porto para disputar a possibilidade de se empregar sem saber se trabalharia efetivamente. Com a informatização, seria possível fazer a escala dos trabalhadores de forma automatizada, com antecedência e sem a necessidade do trabalhador ter que ir ao porto sem saber se realmente trabalharia, pois nesse caso, ele seria avisado previamente sobre os trabalhos que estariam disponíveis (escalação virtual). Assim se procedeu durante 120 dias, até que em março de 2001, numa nova investida, os empresários obtiveram uma sentença favorável, mandando cumprir a lei federal 9.719/98, que atribuía a escalação ao OGMO. Já no início desse processo, era visível o amplo caráter desempregador do novo sistema portuário, o que passou a ser entendido pelos sindicatos dos trabalhadores, segundo o ex-diretor do OGMO Eduardo Madeira. Uma vez sendo necessária a redução do contingente de mão-de-obra a ser escalado, exigiam que houvesse alguma espécie de compensação ao impacto social que seria gerado com esse “enxugamento” de mão-de-obra requerida. A partir de então, os sindicatos começaram a pleitear que os empresários apresentassem uma solução social para essa questão, através de novos incentivos, tais como programas de capacitação profissional, a fim de que essa mão-de-obra pudesse sobreviver fora do porto. É importante destacar que, segundo Eduardo Madeira, nem sempre o OGMO, e junto com ele, os operadores portuários, conseguem atingir os seus objetivos visto ter “ainda” o sindicato dos trabalhadores, muito poder político. Com relação à redução da mão-de-obra portuária vinculada ao processo de modernização, o presidente da Federação da Estiva e representante dos trabalhadores portuários no CAP – Ernani – faz uma crítica ao sistema implantado também em entrevista ao LabTec: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 279 No Brasil, querem reduzir pessoal, mas utilizando os mesmos equipamentos, sobre os quais foi estabelecida a composição dos ternos hoje vigente, sem mudanças tecnológicas que a justifique. Essa redução de pessoal não vem acompanhada de uma discussão que possa sanar ou atenuar os problemas sociais decorrentes da redução de postos de trabalho. Ernani compara a situação do Brasil a outros países que adotaram o sistema de modernização portuária: No exterior, há a garantia de um rendimento mínimo que permite ao trabalhador manter certo padrão social. No Brasil, ainda estão defendendo junto ao governo a adequação dessa recomposição dos ternos de modo que garanta certa proteção social. Encaminharam uma proposta para ser criada uma “sobre-taxa” sob a manipulação das cargas que permita gerar ao longo do tempo um fundo que garanta essa proteção social, que se daria através de benefícios, incentivos, requalificação, etc. Enquanto isso, estão solicitando ao Governo um empréstimo junto ao BNDES para poderem oferecer desde já esses benefícios e que seria devolvido assim que o fundo pudesse oferecer algum retorno. A respeito, seguindo as reflexões de OLIVEIRA (2003), de um modo mais geral, no Brasil, não é possível falar de um Estado de Bem Estar tal como se observa na experiência internacional. Porém, considerando-se as especificidades da experiência brasileira, a década de 30 representou o período em que o Estado passou a intervir de forma mais explícita nas relações entre capital e trabalho. É importante ressaltar, segundo a autora, que a partir do final do século XIX e das duas primeiras décadas do século XX, houve um crescimento significativo das organizações e lutas operárias no país, as quais conseguiram conquistar direitos essenciais, na sua maioria relativos ao trabalho. Tivemos como exemplo o direito à organização e formação dos sindicatos, como o dos estivadores, fundado em 1910; regulamentação da proteção relativa ao acidente de trabalho, em 1919 e a criação de caixas de Aposentadorias e Pensões. Nos finais da década de 80 passamos a ter, por conta de adoção de uma política perversamente neoliberal, uma relação de trabalho mais flexível, e, segundo POCHMMAN, com fraca presença da organização dos empregados por local de trabalho, elevado excedente de mãode-obra e ausência de regras de contratação favorável aos trabalhadores. Esse conjunto de fatores A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 280 acabou por inviabilizar a construção de um padrão de emprego comprometido com condições e relações de trabalho democráticas. A Modernização e os Sindicatos do Porto do Rio de Janeiro sob a ótica dos trabalhadores. Abordaremos a seguir alguns pontos relevantes da história política e econômica do país que influenciaram a trajetória e o cotidiano do sindicalismo brasileiro e portuário. Senão, vejamos: No Brasil, para traçar a trajetória do movimento sindical, alguns estudiosos citam Arnaldo Sussekind, membro da Comissão responsável pela elaboração da CLT nos anos 40 e primeiro Ministro do Trabalho na ditadura militar, ao caracterizar a estrutura sindical brasileira: corporativista, regida pelo monopólio da representação e pela obrigatoriedade do imposto sindical. Essa foi a máquina montada por Vargas, fortemente atrelada ao Estado e conseqüentemente: burocrata, assistencialista, apresentando carreirismo dos dirigentes, colaboracionista e privilegiando a conciliação das classes139. A criação das centrais sindicais, especialmente da Central Única dos Trabalhadores - CUT, (cujo estatuto apresenta bandeiras socialistas) e as ondas grevistas entre 83 e 89 marcaram a década de 80 como a “era” do “novo sindicalismo”, tratando-se de um forte movimento sindical, com propostas e práticas notadamente classistas140. Sobre a nova forma de organização da classe trabalhadora, pela sua capacidade de pressão política e social, ALVES (2000:123) afirma que este movimento impôs ao capital, a necessidade de retomar o controle do trabalho, reconstituindo tanto a hegemonia na produção, como novos tipos de controle do trabalho. Além disso, o caráter classista do novo sindicalismo vinculado à CUT, apresentava obstáculos a cooptação ideológica e política das novas lideranças operárias e sindicais. Neste sentido, na estrutura do complexo portuário do Rio de Janeiro, é notável a semelhança entre esta e a que ALVES (2000:187) descreve relativa ao sindicalismo brasileiro. Segundo a autora, o sindicalismo, 139 Cf. BADARÓ (1998:58); o sindicalismo populista começou a se fortalecer no início dos anos 50 e atingiu seu auge na década de 60. Ficou conhecido por se subordinar à ideologia nacionalista e ser atrelado ao Estado, ser politicamente reformista, conciliador, não-classista, mas colaboracionista. Entra em crise em 1964, desaparecendo em sua forma original assumindo, no entanto, formas mistas de acordo com o novo panorama político-institucional do país. 140 Cf. ALVES (2000:289), este movimento representou uma nova prática sindical de organização de base, da construção da intervenção operária nos locais de trabalho e o que Iran Rodrigues chamou de comissões de fábricas, comissões de empresas, conselhos de representantes dos funcionários e comissões de garagem. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 281 É uma estrutura descentralizada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos municipais, em sua maioria pouco expressivos, com exígua capacidade de barganha, com parcas iniciativas e formas de ações unificadas. Finalmente, é uma estrutura verticalizada com muitas dificuldades de se articular numa perspectiva horizontal mais ampla (2000:282). Embora muito cautelosamente e sem pretensão de generalizar os dados, as informações recolhidas situam o quadro de organização dos trabalhadores portuários avulsos do Rio de Janeiro, dentro de uma perspectiva, pelo menos, semelhante ao conjunto do movimento sindical brasileiro, cujo principal sintoma é o de uma imensurável crise de identidade. Pode-se observar quão fragmentados estrutural e politicamente, estão. A forma como se constituem (sindicatos por ofícios), os torna mais vulneráveis e sensíveis aos fatores sociais, que não só influenciam como muitas vezes podem até determinar a trajetória do movimento, caracterizando, o que os estudiosos chamam de crise do sindicalismo no mundo e no Brasil. Especificamente, nota-se nos referidos sindicatos, como reflexo de uma crise generalizada, uma crise de identidade de representação política dentro das diversas categorias. Como conseqüência mais visível, algumas importantes atribuições antes suas, passaram para a responsabilidade do órgão (OGMO) criado estrategicamente pelo governo Federal, que conta com o apoio dos próprios trabalhadores. Este fato se confirma pelo depoimento de alguns estivadores: “Hoje em dia é o OGMO que faz tudo, o sindicato não faz nada”. Muitos questionam qual o real papel sindical em uma relação de trabalho considerada caótica, principalmente como forma de obtenção de dignidade e respeito ao trabalhador portuário avulso. A esse respeito, dois estivadores141 falam sobre o sindicato: Acho um absurdo você descontar 10% do seu trabalho para um órgão (sindicato) que não te dá retorno... Da estiva ainda temos um apoio, mas e dos outros sindicatos? Do bloco? O cara não tem uma clínica, não tem uma sede, não tem nada. Então o que acontece, eles descontam 10% para engordar o presidente (do sindicato). Porque não temos nenhum retorno. (...) O sindicato se tornou, na minha concepção, um cabide de emprego. Então, o que acontece, não adianta nada eu descontar da minha folha 10% para uma entidade, se eu não tenho retorno, eu não tenho!. 141 Entrevista coletiva realizada em 06/11/2001, com estivadores do Porto do Rio de Janeiro, no Armazém 18. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 282 Outros trabalhadores, mais incisivos afirmam: “Sindicato não serve para nada”. Em resposta à questão “quais seriam as funções do sindicato”, os trabalhadores demonstraram seus “reais” anseios: conseguir plano de saúde, melhorias apenas básicas, sejam pessoais ou profissionais. Embora saibamos que existem outros elementos que determinam esse estágio de consciência, podemos perceber como alguns trabalhadores sinalizam a incorporação de uma lógica individualista, destituída de um outro sentido ou consciência de classe, tão comum porque tão bem trabalhada na sociedade capitalista em que vivemos e adotada por consideráveis parcelas do sindicalismo brasileiro. ANTUNES (1988), de certa forma, explica este fato, a partir de sua reflexão sobre os níveis da consciência de classe: A consciência proletária é uma longa distância que vai da falsa consciência, presa à ideologia dominante e limitada pela imediatidade, até o máximo de consciência possível, que corresponderia à percepção da totalidade concreta e sua possibilidade de superação revolucionária, o que somente é possível quando a classe operária apodera-se da teoria revolucionária, fornecida pelo marxismo e transforma-se na única classe capaz de destruir o capitalismo e iniciar a transição para a sociedade sem classes. É preciso lembrar a impossibilidade de tal distância ser pensada de forma linear e evolutiva: ela deve ser concebida como um processo com fluxos e refluxos, onde ora são predominantes os momentos da falsa consciência, ora se está próximo da consciência verdadeira. (ANTUNES Idem:22). ANTUNES discute as repercussões da reestruturação produtiva e a crise no sindicalismo brasileiro apontando a mudança de direção, de classista para corporativista. Este fato é bem explicado por COCCO em sua obra “Trabalho e Cidadania: do fordismo ao pós-fordismo”. Nela o autor fala sobre o desnorteamento das organizações sindicais por não terem previsto os impactos das transformações econômicas e globais sobre a composição da classe. Tenderam, pois, a se apegarem aos segmentos sociais mais organizados localizados na administração pública, revestindo-se desse modo, de uma roupagem conservadora e corporativista. Nessa perspectiva, a crise do sindicalismo brasileiro atinge também o universo da consciência, da subjetividade, do trabalho e suas formas de representação. Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos 60/70, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 283 em geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando os aspectos fenomênicos desta mesma ordem; abandonam a perspectiva de luta pela emancipação do gênero humano, operando uma aceitação também acrítica da social-democratização, ou o que é ainda mais perverso, limitando o seu debate ao universo da agenda e do ideário neoliberal. Há outras conseqüências da automatização, da flexibilização e deste complexo de mudanças no processo de produção e de trabalho: paralelo à redução quantitativa do operariado tradicional, altera-se a qualidade na forma de ser do trabalho - a substituição do trabalho vivo pelo morto, transformando o trabalhador em supervisor e regulador do processo de produção. Assim, “se por um lado houve uma intelectualização do trabalho, por outro lado inversamente nota-se uma desqualificação e mesmo subproletarização, expressa pelo trabalho precário, informal e temporário”. (ANTUNES 1997:78). Percebe-se uma grande insatisfação dos trabalhadores em relação ao órgão que os representa politicamente. Ao se referirem às suas funções, notamos uma visão pontual e corporativista, o que parece ser reflexo de uma política mais ampla de sujeição dos órgãos de classe à lógica capitalista e neoliberal. Assim, aberta a lacuna de uma anterior política sindical classista142, esses trabalhadores tentam responder às suas demandas primeiras de sobrevivência, cuja responsabilidade o Estado capitalista se liberou. Neste sentido, os trabalhadores reclamam: “Não vai dizer que eles estão brigando pelos ‘meus interesses’ que eu discordo”. Desta forma, parece-nos que a organização dos trabalhadores portuários no Rio de Janeiro carece de uma visão totalizadora e histórica que possibilite a adoção de táticas de lutas condizentes com as aspirações e necessidades deste grupo especifico, porém que o faça, associando-as às aspirações de libertação da classe trabalhadora, que segundo Marx, é a sua missão. Por outro lado, há de se admitir que os sindicatos que adotam tal postura classista também vivem esses mesmos problemas. Isto nos coloca uma questão, que nos distancia de uma conclusão determinista. Parece que este quadro político-ideológico do sindicalismo brasileiro está muito ligado à reestruturação produtiva, mas o que fazer para desmontá-lo? Sem a menor pretensão de respondermos a tão complexo problema, podemos, todavia, apontar algumas pistas. Neste caso concordamos com CRUZ (2000), ANTUNES (1998) e ALVES (1991), sobre a urgência dos 142 Cf. Maria Almeida, “O novo sindicalismo, traduzia em demandas por maior autonomia o anseio profundo de afirmação de uma identidade operária, forjada na experiência do degredo político e de uma cidadania social de segunda classe, que convivia como florescimento de uma sociedade de consumo”. In BADARÓ (1998:66). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 284 trabalhadores assumirem de fato o papel que lhes cabe enquanto classe. Tal concepção nos aproxima da teoria marxista, tendo esta, o papel de nos fornecer elementos de explicação da realidade social, sob o ponto de vista da classe, além de nos trazer respostas efetivas sobre o destino da humanidade. Assinala-se aí, nossa preocupação com a debandada desta direção da grande maioria dos principais atores sociais, incluindo a principal central dos trabalhadores, a CUT. Com a investida neoliberal, a ela tem se subordinado, voltando-se ainda para uma lógica mercantil e corporativista, distanciando-se das suas primeiras bandeiras, de matizes socialistas, presentes em seu estatuto. Sobre o assunto, BOITO (1994, 96) afirma que: A CUT desde o seu surgimento, como movimento de massa transitou entre um sindicalismo que ‘tendia’ à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista do Estado burguês brasileiro - ou pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto fundamental da política de desenvolvimento - para uma ação na qual os diferentes setores da classe trabalhadora, isolam-se em suas reivindicações específicas, desenvolvem uma nova segmentação corporativista e procuram reduzir as perdas de seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando as reduções das perdas implicam a aceitação ativa da política pró-monopolista e pró-imperialista. Dados como esses não nos permitem creditar uma solução isolada para qualquer categoria143. Entretanto, podemos vislumbrar pistas dos sujeitos que tentam retomar a direção de um movimento sindical classista em termos de totalidade. Aponta o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Marítimo, Aéreo e Fluvial (CONTIMAF) Severino Almeida Filho: A indústria de portos está atravessando uma crise mundial. O processo de globalização, na ótica dos principais interessados em sua implementação rápida, passa pelo desmonte da organização dos trabalhadores da orla portuária em qualquer lugar do mundo. Foi o que aconteceu na Argentina, no Uruguai, no Chile. Dizimaram, literalmente, a organização dos trabalhadores. Daí que, depois desses anos da Lei dos Portos, cresceu entre os trabalhadores e suas lideranças, a consciência da necessidade da unificação de ações e das 143 Esse termo retrata o nível de fracionamento a que a classe trabalhadora chegou, atendendo aos interesses da burguesia. Esta divisão tem o objetivo de facilitar as investidas burguesas diante das reações isoladas dos grupos, impedindo a reação de todo o conjunto da classe, o que seria mais forte e perigoso. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 285 entidades sindicais. Há vontade política de aglutinar forças. Uma estrutura única, que é a discussão que vem sendo travada, terá um peso político formidável. As intersindicais que se formam nos portos, e não tenho dúvidas de que alcançarão todos os portos, é uma demonstração inequívoca dessa vontade dos trabalhadores de elevarem suas lutas a um novo patamar. Mário Teixeira, presidente da Federação dos Conferentes, Consertadores, Vigias e trabalhadores do Bloco, chama à resistência e unificação de forças: Nosso papel, portanto, tem de ser o de resistência, e caminhamos rapidamente para a unificação de nossas forças no país e no mundo, como já a fizeram os empresários. Quando não há negociação, há luta. A história humana ensina isso. Outra alternativa pode ser vislumbrada na entrevista de um trabalhador portuário avulso do Rio de Janeiro: “... nós temos uma comissão onde estamos correndo atrás de um direito para alguns estivadores cadastrados, que é o nosso caso”. Apesar de tê-lo argüido, poucas informações a este respeito foram acrescentadas. Então perguntamo-nos: estariam retornando as organizações por local de trabalho? Tática essa de legítima resistência, muito utilizada mundialmente nos momentos de fragilidade e de repressão aos trabalhadores. De qualquer forma, como já vimos em ANTUNES, a consciência parte da imediatidade, podendo vir a alcançar um nível revolucionário. Ainda tentando pontuar as tendências, não só no complexo de sindicatos do Porto do Rio de Janeiro, mas atendo-nos à organização sindical da classe trabalhadora em seu conjunto, podemos situar algumas respostas que mesmo incipientes ou iniciantes, acreditamos poderem traduzir um pouco do novo perfil do movimento sindical. Vejamos: Considerando todos esses dados e a despeito de teses neoliberais como a de Leôncio Rodrigues, que conclama as lideranças sindicais a “se flexibilizarem como os empresários” e que anuncia a inexorável tendência do sindicalismo a se incorporar à lógica do capital, concordamos com Iran Jácome quando afirma: “a forte tradição coletivista do século XIX, que serviu para consolidar o Estado de Bem-Estar na 1ª metade do século XX, ainda não foi inteiramente desmontada pela tentativa de ajuste neoliberal do capitalismo contemporâneo”. RODRIGUES (1999:232). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 286 Ainda contra a tese de Leôncio Martins sobre a decadência histórica irreversível do sindicalismo, Boito contrapõe afirmando que o recuo sofrido por este movimento, representa sim, um refluxo e não sua decadência, parecendo esta, já ter superado seus momentos mais difíceis, o que levou o sindicalismo a importantes mutações. Segundo ele, arrefeceram importantes setores operários, tanto da indústria, como dos serviços (portos, ferrovias), mas por outro lado, emergiu um novo proletariado de serviços, assinalando o já consolidado sindicalismo de classe média, principalmente no setor público. Esse autor chama a atenção para o novo sindicalismo industrial que apareceu no hemisfério sul, graças ao vertiginoso processo de industrialização dos últimos anos nesta área e na América Latina. Aponta ainda que o crescente desemprego sem amparo do Estado, fez surgir ou ressurgir vários movimentos populares: de desempregados, dos Sem-Teto, voltando inclusive ao cenário político, o movimento camponês. Para Boito: Sustentar que o movimento sindical tem futuro, não significa ignorar as lutas populares emergentes. A esquerda deve valorizar esses movimentos, que devem, junto com o sindicalismo, acumular forças para recomeçar a luta antiimperialista e anticapitalista. Assim, antes de concluir este artigo, como ANTUNES, nos interrogamos: como se efetiva, no contexto de uma situação defensiva, uma ação sindical que dê respostas às necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de uma estratégia anticapitalista e socialista? ... Procurará (o sindicalismo brasileiro) elaborar um programa de emergência para simplesmente gerir a crise do capital ou tentará avançar na elaboração de um programa econômico alternativo, formulado sob a ótica dos trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho, mas tendo como horizonte uma organização societária fundada nos valores socialistas e efetivamente emancipatórios ? (1997: 72) É de nossa intenção ainda, reafirmar a impossibilidade de uma saída para tão complexo quadro ser conseguida isoladamente. Nossa única certeza é a de que a mesma deverá contemplar toda a classe trabalhadora. Portanto, ao observarmos a realidade e a capacidade de organização sindical dos trabalhadores portuários avulsos, podemos chegar à conclusão de que o movimento sindical, em função de sua força coletiva como sujeito inserido no dia-a-dia dos trabalhadores, se constitui na contemporaneidade, ainda que seguindo às determinações atribuídas pelo capital, em A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 287 um instrumento capaz de formular um novo projeto para a sociedade onde se possa aprofundar a análise sobre concepções de vida, para a verdadeira emancipação política e humana do trabalhador, ou seja, para o exercício pleno da cidadania. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, Marli B. M. Porto do Rio de Janeiro: estigma e história. In: Revista RJ. Vol. 1, nº 1, 1985. ALMEIDA, Luiz Gustavo Nascimento de. Estivadores do Rio de Janeiro: Um século de presença na história do movimento operário brasileiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003. ALVES, Giovanni. 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Segundo a Confederação Sindical Internacional (CSI), a Colômbia continua sendo o país mais perigoso no mundo para realizar o trabalho sindical, com outros paises latino-americanos como a Guatemala e a Venezuela seguindo-la nesta lista da infâmia (Confederação Sindical Internacional, 2009). Esta violência sistemática e sustenido no tempo age para inibir que os dirigentes e ativistas sindicais exercem suas lideranças em defesa dos direitos trabalhistas e humanos tanto dentro dos lugares do trabalho como na sociedade em geral. Em particular, a ameaça e a realização de fatos violentos que violam os direitos fundamentais a vida, liberdade e a integridade pessoal dos trabalhadores sindicalizados - que costuma ocorrer com mais freqüência precisamente em momentos de conflitos trabalhistas como greves e negociações coletivas - servem para reconfigurar as relações entre os sindicatos, empresas e Estado, assim criando uma nova forma de regulação dos conflitos no trabalho através do terror e o medo, fora do arcabouço jurídico nacional e internacional. Alem disso, a violência anti-sindical é utilizada como uma estratégia chave nas lutas por controle territorial em determinados lugares onde atores semi-estatais e nao-estatais como grupos paramilitares e máfias procuram se estabelecer como poderes hegemônicos no âmbito econômico, político, e cultural. Através deste mecanismo cru e sangrento da eliminação física dos sindicalistas, estes poderes territoriais emergentes não só consigam silenciar os reclamos para melhores condições trabalhistas e mais transparência na gestão das empresas e a administração publica, senão também quebrar o tecido social (e os valores éticos, princípios políticos, e memória histórica encarnada em ele) construído pelas organizações sindicais e sociais da região em disputa. 144 Doutoranda em Desenvolvimento Econômico. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 291 Com um olhar especifico nos casos da Colômbia e a Venezuela, este paper tentará analisar como a ausência, ineficiência ou parcialidade dos atores estatais, combinada com o desprezo empresarial da atividade sindical, incorre na utilização da violência anti-sindical como mecanismo regulador e punitivo em distintos territórios. Em particular, a pesquisa se concentrará na dinâmica da violência anti-sindical nas regiões de Magdalena Medio na Colômbia e o estado de Bolívar na Venezuela, onde atores estatais, nao-estatais, e empresariais competem para o controle político e econômico sobre o território e seus recursos naturais abundantes, como petróleo e ferro. Nestas duas regiões, se analisará como a desregulamentação e flexibilização do mercado do trabalho complementa a estratégia da violência anti-sindical para frear o desenvolvimento social local e concentrar ainda mais o poder e a riqueza nas mãos da classe dirigente. Finalmente, se apresentará as propostas oferecidas pelo movimento sindical para quebrar o circulo vicioso da violência e instaurar processos de dialogo social e democratização nos territórios atingidos. Este paper é uma primeira comunicação dos resultados preliminares de uma pesquisa em curso sobre os impactos da violência anti-sindical nas relações trabalhistas na região Andina. A metodologia de dita pesquisa combina a compilação de informações relevantes desde fontes secundarias como a literatura acadêmica, documentos preparados pelas organizações sindicais e de direitos humanos, e a prensa, com a realização de entrevistas qualitativas com atores-chaves no campo, que foram feitas durante uma visita inicial a Caracas, Venezuela e Bogotá, Colômbia em Abril de 2010. O ressurgimento e persistência da violência anti-sindical na Colômbia e na Venezuela se subscreve num contexto mais geral de reestruturação política e econômica em toda América Latina, impelido pelo colapso do Bloco Soviético e a abertura das fronteiras comerciais, geográficas, culturais e comunicacionais nacionais com o processo da globalização. Segundo Pilar Calveiro, a transição do mundo bipolar da Guerra Fria a um mundo mais fragmentado e o mesmo tempo mais interconectado tem significado uma reconfiguração das formas de organização do poder político, as representações sociais, os valores e ate a violência (Calveiro, 2006, 360). Em geral, as guerras convencionais entre estados têm sido substituídas por lutas contra inimigos pouco institucionalizados e mais efêmeros como os terroristas, os narcotraficantes, e as máfias. Aquelas guerras não são meras lutas pela dominação territorial através da violência física, mas também batalhas para estabelecer uma nova hegemonia no plano ideológico e cultural. Aceitando o conceito proposto por Gramsci, aqui interpretamos a hegemonia como a capacidade A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 292 da classe social dominante de exercer seu poder não só com o uso das forças coercitivas senão também através da imposição da sua visão do mundo, ou seja, sua filosofia, seus valores, seus costumes, e seus imaginários (Macciocchi, 1976, 147). Na Colômbia e na Venezuela, hoje em dia aquelas lutas para a hegemonia em determinadas partes do território nacional envolvem atores fora do Estado e os partidos políticos tradicionais, como paramilitares, guerrilhas e narcotraficantes no caso primeiro, e “tropas de choque” ligadas a agrupações governistas e da oposição ademais de máfias criminais no segundo. Para entender o fenômeno da violência anti-sindical também é preciso reconhecer que no âmbito econômico, o mundo em geral e a região latino-americana em particular tenha vivido durante as ultimas décadas uma profunda transformação, do paradigma do “consenso Keynesiano” que significava nos paises periféricos a aplicação de políticas de desenvolvimento industrial endógeno, a uma nova fase de acumulação capitalista imposta pelo “consenso de Washington.” Este novo consenso implica a desregulamentação dos mercados de capitais, de bens e serviços e também do trabalho, assim estimulando uma concorrência perversa entre paises em via de desenvolvimento para oferecer a mão de obra mais econômica pelas empresas multinacionais espalhadas pelo mundo que procuram deslocar sua produção a os lugares mais lucrativos. Neste contexto, a estabilidade no emprego e as relações trabalhistas institucionais já não são partes integrais da realidade dos trabalhadores latino-americanos, devido à flexibilização dos contratos de trabalho, a subcontratação, o enfraquecimento dos sindicatos, e a negação dos direitos a negociação coletiva e a greve. Tanto na Colômbia quanto na Venezuela, reformas profundas as leis trabalhistas foram sancionadas nos anos 90 para codificar oficialmente a implementação de este novo regime de trabalho precário e desprotegido (Vega Ruiz, 2003, 65). Extra-oficialmente, a violência anti-sindical naqueles paises também serve o propósito de assegurar a aplicação deste sistema de trabalho desregulamentado, alem de desanimar ações de protesta por parte dos trabalhadores e suas organizações contra a flexibilização dos seus direitos fundamentais. Graças à implantação do novo modelo de trabalho desregulamentado, em combinação com fatores políticos e estruturais herdados do passado, os movimentos sindicais da Colômbia e da Venezuela se encontrem em situações de extrema debilidade, uma trajetória reforçada pelos atos de violência aos quais os trabalhadores sindicalizados também são submetidos. Segundo a Escuela Nacional Sindical da Colômbia, a Dezembro de 2009, só 810.114 trabalhadores neste país A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 293 são afiliados a uma organização sindical, chegando a uma taxa de sindicalização de apenas 4,2% (Escuela Nacional Sindical, 2010). Em comparação, a taxa de sindicalização foi calculada em 9,3% no ano 1984, antes da implementação da Lei 50 em 1990 que estimulava a contratação de novos trabalhadores a curto prazo e através de contratos civis ou comerciais, assim impossibilitando a incorporação de ditos trabalhadores na estrutura sindical do pais (Rios Navarro, 2006, 4). No ano 2008, 108.463 trabalhadores colombianos beneficiaram de novas contratações coletivas, uma cifra que equivale a menos de 0,007% da população economicamente ativa. Também é importante mencionar que todas as negociações coletivas realizadas no setor privado são por empresa, devido à falta de regulamentação nas leis trabalhistas colombianas que permitiria negociações por rama de indústria ou serviços. Os escassos trabalhadores que têm podido exercer seus direitos fundamentais a afiliação sindical e a negociação coletiva se encontram dispersados em sindicatos geralmente pequenos, com pouca influencia ou recursos. Segundo dados para o ano 2008, existem 2.933 sindicatos ativos no pais, divididos entre três centrais (em ordem de tamanho, de maior a menor, a Central Unitária de Trabajadores – CUT, a Confederacion General de Trabajo – CGT, e Confederacion de Trabajadores Colombianos – CTC). Sob estas condições, não e surpreendente que o movimento sindical colombiano não tem podido articular ações eficazes para contra-arrestar as seqüelas do desmonte das garantias trabalhistas nos anos recentes. O movimento sindical venezuelano atualmente enfrenta algumas das mesmas dificuldades que seus colegas colombianos, como a fragmentação organizacional, o declive na abrangência das negociações coletivas, e o surgimento de novas formas irregulares de contratação como os contratos de termino fixo e de concessão mercantil. Alias, com a chegada do poder do Presidente Hugo Chavez no ano 1998, a crescente polarização política entre os defensores da “revolução Bolivariana” do Chavez e os partidários da oposição tem dividido e enfraquecido ainda mais as organizações sindicais. Hoje, existem cinco centrais sindicais reconhecidas oficialmente – a Confederacion de Trabajadores de Venezuela (CTV), ligada ao partido social-democrata Acción Democrática e organização que lidera a oposição a Chavez; a Confederacion de Sindicatos Autônomos (Codesa) e a Confederacion General de Trabajadores de Venezuela (CGT), de origem social-cristão e também anti-Chavista; a Central Unitária de Trabajadores de Venezuela (CUTV) ligada ao Partido Comunista Venezolano e com uma relação ambígua ante o governo atual; e a Unión Nacional de Trabajadores (Unete), uma central criada no ano 2003 por seguidores do Chavez mas ainda sem uma estrutura definida. Segundo dados para o ano 2000, a taxa de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 294 sindicalização no pais se encontrava em 17%; é provável que esta taxa tenha aumentado na ultima década com o fenômeno da criação de organizações sindicais paralelas por parte de facções políticas ligadas ao governo. Para ilustrar este ponto, as cifras do Ministério para o Trabalho e a Previdência Social mostram que um promedio de 280 novos sindicatos foram registrados cada ano entre o período 1994-1999, enquanto no período 2002-2007, se inscreveram um promedio de 539 novos sindicatos por ano (Arrieta Alvarez, 2009, 123). Apesar deste crescimento, os processos de negociação coletiva tem enfraquecido no pais, com apenas 562 acordos coletivos registrados no ano 2008 que segundo a ONG Provea alcançam uns 87.821 trabalhadores, que equivale a só 0,007% da população ocupada (Provea, 2009). Este fato pode ser explicado pela alta taxa de informalidade no pais (medida ao redor de 45% da população empregada em maio de 2009), a sobre-utilização de formas flexíveis de contratação, e também pela propensão do governo central de negar a negociar e assinar contratos coletivos com os empregados públicos no setor da saúde e da educação, uma tendência verdadeiramente preocupante. Como se constatava anteriormente, a violência anti-sindical nos paises objeto de estudo age para reforçar as debilidades organizativas e políticas dos sindicatos, incidindo como fator decisivo nos conflitos e relações trabalhistas. Este fenômeno é particularmente notável na Colômbia, onde um genuíno genocídio lidado por atores estatais e suas forças para-estataias têm dizimado o movimento dos trabalhadores nos anos recentes. 2.709 trabalhadores colombianos têm sido eliminados fisicamente como resultado direto da sua atividade sindical durante o período Janeiro de 1986 – Agosto de 2009, uma cifra apavorante que é incomparável e inimaginável (Escuela Nacional Sindical, 2009, 20). Segundo a CSI, nos últimos 10 anos, o numero de assassinatos cometidos contra sindicalistas colombianos equivale a mais de 60% dos assassinatos totais de trabalhadores sindicalizados a nível mundial (Confederação Sindical Internacional, 2009). Alem dos assassinatos, a violência anti-sindical também assume a forma de outras modalidades, como as ameaças de morte, as desaparecimentos, os casos de tortura, e os deslocamentos forçados. É importante sublinhar que a maioria destes crimes acontecerem precisamente em momentos de conflitos trabalhistas, como greves, protestos e negociações coletivas, então por isso não podem ser classificados como uma manifestação duma violência indiscriminada e acidental, produto colateral da guerra civil e a delinqüência no país (Correa, 2005, 51). A violência sempre compunha parte das relações trabalhistas na Colômbia - o famoso massacre dos trabalhadores das fazendas bananeiras no ano 1928 adaptado eloquentemente por A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 295 Gabriel Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão e só um exemplo de este legado histórico sangrento. Os patronos e os políticos motejam os sindicatos abertamente como os responsáveis pelo subdesenvolvimento e atraso do país por sua suposta função como “quebra-empresas”, assim enegrecendo a imagem do sindicalismo no imaginário coletivo colombiano. Então, no contexto duma sociedade altamente militarizada envolvida numa guerra civil desde o meio do século XX, aquela justificação perversa serve para permitir a utilização da violência física como outra estratégia, embora ilegal mas aceitada, na re-regulação das relações trabalhistas. Aquela violência aumentou mais ainda a partir dos anos 80, no contexto dum ressurgimento da esquerda (tanto armada como pacifica) no país. Para eliminar esta ameaça política, a oligarquia tradicional estimulava a criação de exércitos paramilitares quem não só disputava o controle territorial com grupos guerrilheiros em distintas áreas do pais, mas também tentava acabar fisicamente e ideologicamente com os integrantes civis dos movimentos sociais da esquerda, incluindo os sindicatos, através de atos horrorosos e sistemáticos de violência. Mais adiante examinaremos o caso da violência anti-sindical na região de Magdalena Médio para entender melhor seus impactos sóciopolíticos. Hoje em dia, a violência anti-sindical na Venezuela também joga um papel principal na desestabilização do movimento dos trabalhadores, enfraquecendo suas posições ante o Estado e os empregadores. Mas a diferencia da experiência colombiana, a utilização sistemática de violações aos direitos a vida, liberdade e integridade física dos sindicalistas venezuelanos como estratégia anti-sindical só começou a ser empregada nos últimos anos (após a chegada ao poder do Hugo Chavez), e entre as formas de violações mais comuns se encontram não só os assassinatos mas também as detenções arbitrárias e fustigamentos de dirigentes sindicais envolvidos em conflitos trabalhistas. A aparência relativamente recente da violência anti-sindical no país deve ao fato que, antes do triunfo eleitoral do Chavez em 1998, os lideres da CTV (a maior central sindical venezuelana durante toda a segunda metade do século XX) tinham ligações fortes com os partidos políticos tradicionais que alternavam no poder. Eles trocavam a promessa da paz nos lugares de trabalho para suculentos benefícios clientelistas, como participação em instituições tripartitas, o reconhecimento fácil de novas organizações sindicais, e ate subsídios diretos (Murillo, 2001, 36). Então em aquele momento as classes dominantes não precisavam utilizar estratégias violentas para dominar o movimento sindical, preferindo assim comprar a coação dos sindicatos através de prerrogativas políticas e financeiras. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 296 A violência anti-sindical só apareceu em grande escala no cenário venezuelano na ultima década, com o pioramento das condições no mercado do trabalho, produto das reformas neoliberais dos anos 90 e um aumento geral nos níveis da pobreza, e com a quebra das conexões históricas entre o movimento sindical e os partidos governantes. Assim, no setor privado a violência anti-sindical está usada como táctica suja na luta para o emprego e para o controle da gestão nos lugares do trabalho, enquanto no setor publico, a violência serve para desacreditar e debilitar as organizações sindicais que não subordinam seus reclamos às diretrizes políticas e econômicas do governo. Segundo Provea, no periodo Outubro 2008 - Setembro 2009, 46 homicídios de trabalhadores sindicalizados foram registrados, alem de 33 detenções arbitrarias, 16 casos de fustigamento, e oito ameaças de morte (Provea, 2009). A contundente maioria dos homicídios aconteceu entre trabalhadores do setor da construção civil, no qual os sindicatos controlam em parte a escolha dos trabalhadores contratados por cada obra. Então esta violência geralmente corresponde a uma luta intra-sindical para garantir a obtenção de postos de trabalho para seus afiliados. Entretanto, também existe casos no qual o motivo principal da eliminação física dos dirigentes sindicais era sua atuação contra a implantação de políticas de flexibilização dos direitos trabalhistas, como o exemplo do assassinato em 2008 de três lideres sindicais no estado de Aragua que protestavam à violação dos términos do acordo coletivo por parte da empresa de bebidas e alimentos Alpina (Confederação Sindical Internacional, 2009). Para o setor publico, a forma de violência anti-sindical mais utilizada é a detenção arbitraria, aplicada pelo governo não só contra sindicalistas de correntes oposicionistas que participam em atos políticos mas também contra funcionários públicos sindicalizados reivindicando seus direitos trabalhistas fundamentais. Casos emblemáticos incluem a detenção de dirigentes sindicais da empresa nacional de petróleo (PDVSA) e da companhia estatal do setor da mineração Ferrominera Orinoco, por realizar atos de protesta e greve. É provável que se aumente ainda mais o numero de este tipo de violações a liberdade pessoal e sindical, com a aplicação de novas normas jurídicas, como o Artigo 56 da Lei Orgânica de Segurança da Nação (aprovada em Dezembro de 2002), que proibi a realização de “atividades dentro das zonas de segurança, que estejam dirigidas a perturbar ou atingir a organização e funcionamento das instalações militares, dos serviços públicos, indústrias, e empresas básicas, o a vida econômica social do pais”, sob pena de prisão. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 297 Tanto na Colômbia quanto na Venezuela, a violência anti-sindical tem uma forte componente geográfica. Para as classes disputando o poder, ela serve como mecanismo para reconfigurar as relações sociais e trabalhistas em distintos territórios capturados em situações de conflito. Na Colômbia, durante as ultimas três décadas, uma dos epicentros do conflito armado e da violência anti-sindical tem sido a região de Magdalena Médio, localizada no setor norteocidental do país, que abrange uns 35 municípios dos estados de Antioquia, Bolívar, Boyaca, César, e Santander. A região é um foco da produção petroleira no país, alem de concentrar as atividades produtivas da agroindústria da palma de óleo e a criação de gado. Figura 1: Mapa da região de Magdalena Médio Ademais, durante as ultimas 60 anos, Magdalena Médio tem sido um baluarte da esquerda colombiana, devido principalmente à atuação sóciopolítica da Union Sindical Obrera (USO), a historicamente poderosa organização sindical da indústria petroleira protagonista de grandes lutas contra a privatização da empresa nacional de petróleo ECOPETROL e pelo desenvolvimento integral da região. Graças em grande medida ao papel da USO, a partir da década dos 80, partidos da esquerda como a Unión Patriótica obtiveram muitos simpatizantes na região, outras organizações comunitárias, camponeses, de mulheres e de direitos humanos começaram a A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 298 florescer, e ate grupos guerrilheiros com presencia local como as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia (FARC) e o Ejercito de Liberacion Nacional (ELN) registraram um crescimento significativo. Entretanto, os grandes fazendeiros e empresários procurava métodos para extinguir este florescimento das organizações sociais e sindicais que ameaçava seu controle hegemônico no território. Pelo fato que nesse momento, o governo nacional encabeçada pelo Presidente Belisario Betancur estava no processo de realizar discussões com a meta de chegar a um acordo de paz com as FARC, o exercito oficial não estava em condições para lidar uma guerra suja contra a nascente esquerda de Magdalena Médio. Então aqueles oligarcas da região, em aliança com grupos de narcotraficantes, decidirem conduzir a repressão contra os sindicatos e forças da esquerda por suas próprias mãos, formando em 1983 a Associacion Campesina de Ganaderos y Agricultores del Magdalena Médio, que trás sua fachada de ONG albergava a coordenação do primeiro grupo paramilitar na região, apinhado em recrutas, armas e recursos financeiros (Dudley, 2008, 113). Alem disso, a Associacion contava com uma imprensa para tirar e distribuir publicações incendiarias, sinalando as organizações sindicais e sociais de “guerrilhas” e “comunistas,” apesar do fato que aquelas organizações não tinham ligações diretas nem com as FARC nem com o Partido Comunista Colombiano. Após a formação e consolidação dos grupos paramilitares nos anos 80, a matança começou. Segundo os dados da Escola Nacional Sindical, aproximadamente 190 lideres e ativistas sindicais de Magdalena Médio foram assassinados sistematicamente durante os anos 1986-2006, quase sempre pelos paramilitares, mesmo que não se podia estabelecer precisamente quem era o ator responsável pelo crime em todos os casos. A maioria das vitimas provinham da USO e dos sindicatos das empresas de palma de óleo (Sintraproaceites, Sintrapalma, e Sintrainagro), mas as organizações sindicais dos setores da saúde, educação, serviços públicos e ate os bancários também foram atingidos (Escuela Nacional Sindical, 2007, 46). Muitos de aqueles crimes também envolviam atos simbólicos de tortura, desenhados explicitamente a inculcar terror nos familiares e companheiros sobreviventes. A época com a maior dispersão de violência anti-sindical abarcava os primeiros cinco anos da década dos 90, com um numero decrescente de homicídios de sindicalistas a partir do ano 1998, quando o processo de “pacificação” de Magdalena Médio (ou seja, o estabelecimento da hegemonia inquestionável por parte das forcas da ultra-direita personificadas pelos paramilitares e seus partidários) começou a chegar a seu final. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 299 Hoje em dia, os impactos desta violência anti-sindical ainda se sentem na região. A antigamente poderosa USO tem estado dizimado a uma fração a seu tamanho e peso político anterior, devido a combinação da eliminação física dos seus dirigentes e as praticas de subcontratação introduzidas por ECOPETROL. Ainda que seguem realizando ações de protesta contundentes, o sindicato sofreu a demissão de dúzias dos seus lideres após a realização da sua ultima greve em 2004 e não foi capaz de frear a privatização parcial da empresa em 2007. O caso dos sindicatos do setor da palma de óleo é pior ainda – agora apenas 1,8% dos trabalhadores do setor são afiliados a organizações sindicais que já não têm nem a capacidade de realizar negociações coletivas com as empresas do setor (Silverman e Ramirez, 2009, 38). Na órbita político, muitos dos caudilhos políticos da região têm sido implicados no escândalo da “parapolitica” que descobria a verdade sobre as ligações entre lideres políticos e paramilitares, com alguns já sentenciados a anos de prisão por sua cumplicidade nos crimes mencionados neste paper e outros. Os partidos da esquerda, e em particular o Pólo Democrático Alternativo (PDA), têm perdido sua influencia regional. Por exemplo, o candidato do PDA pela Presidência registrou cifras muito baixas de votação (por exemplo, 18,1% em Antioquia e 18,6% em César, em comparação com o promedio nacional de 22%) nas eleições de 2006. A influencia política e organizativa dos sindicatos e seus aliados nos movimentos sociais de Magdalena Médio parecer ser irrecuperável. No caso da Venezuela, a região que se tem consolidado em anos recentes como o foco principal da violência anti-sindical e o estado de Bolívar, localizada na região nordeste do país. É o maior dos estados venezuelanos, e o motor da sua economia é a indústria da mineração, com produção em grande escala de ferro, mas também de bauxita, ouro, e diamantes. A população do estado e das suas cidades principais, Ciudad Bolívar e Ciudad Guyana, vem crescendo devido a fortalecimento da industria ferrosa, a expansão do porto de Ciudad Guyana sob o Rio Orinoco, e a construção de varias barragens hidrolectricas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 300 Figura 2: Mapa do Estado de Bolívar, Venezuela A grande zona rural esparsamente povoada do estado de Bolívar tem sido por muitos anos uma “terra de ninguém,” sob disputa por caudilhos locais e empresas transnacionais ávidos para explorar seus abundantes recursos naturais. Aquele ambiente anárquico também e refletido nas relações trabalhistas na região. Segundo a ONG Vicaria de Derechos Humanos, durante o período 2007-8, 61% das violações totais dos direitos humanos dos sindicalistas venezuelanos aconteceram no estado de Bolívar (Vicaria de Derechos Humanos, 2009, 2). No caso da maior empresa da região, SIDOR, sua privatização no ano 1997 significava uma redução no numero de trabalhadores com contratos diretos de 18.000 a 4.500, acompanhada por uma ausência total de processos de dialogo social e uma perseguição sem trégua contra os dirigentes sindicais. Em Abril de 2008, o governo do Chavez anunciou a re-estatização da empresa como resposta as petições dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo, a Policia Nacional estava ativamente reprimindo seus atos de protesta a favor de um novo acordo coletivo, com 12 lideres sindicais detidos após uma manifestação em Março daquele ano. Em outra empresa estatal localizada no estado de Bolívar, a Ferrominera Orinoco, uma greve de 16 dias em apoio à campanha salarial sendo realizada em aquele momento desdobrou em a detenção arbitraria dos lideres do sindicato (Sintraferrominera). Atualmente, o Secretario Geral do sindicato Ruben Gonzalez leva oito meses na prisão, sob acusações de danos ao patrimônio publico, instigação a delinqüir, e violação duma zona de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 301 segurança. Em ambos os casos, os dirigentes sindicais objetos da repressão por parte das forças estatais eram simpatizantes ativos do governo de Chavez, assim que as motivações para sua perseguição não pode ser reduzidas meramente ao tema partidário. Alternativamente, se pode argumentar que ditos crimes foram perpetrados com o intento principal de subordinar os direitos trabalhistas e humanos dos funcionários do estado (especialmente os que são empregadas em setores economicamente importantes) à lógica quase-desenvolvista e autoritária do Chavez, cujo interesse em tornar hegemônico e permanente seu projeto ideológico “Bolivariano,” lhe toma precedência sob o respeito dos direitos humanos e trabalhistas internacionalmente adotados. Fica mais fácil ainda sistematicamente desconhecer ditos direitos fundamentais em contextos geográficos e históricos que faltam uma forte implantação do estado social do direito, como o estado de Bolívar. Para os movimentos sindicais colombianos e venezuelanos, são poucas as saídas possíveis da armadilha da violência anti-sindical sistemática e duradouro. Eles concordam que alem de frear os assassinatos, detenções arbitrarias, e outras formas de violações aos direitos humanos dos sindicalistas, também é preciso quebrar as hegemonias ilegítimas implantadas em lugares como Magdalena Médio e o estado de Bolívar e restabelecer a validade social e política das organizações sindicais. Segundo a CUT Colômbia, isto requer que o estado fortaleça os programas de segurança para dirigentes sindicais, agilize os processos judiciais contra os autores materiais e intelectuais dos crimes, e dite sentencias exemplares para assim criar um efeito dissuasivo. Ao mesmo tempo, a CUT pede que o governo deixe de estigmatizar e sinalar os sindicatos como aliados da guerrilha e os responsáveis pela situação de guerra e pobreza no país, e que se instaura um processo de reparação integral (política, jurídica e econômica) pelas vitimas individuais e coletivas da violência anti-sindical (Central Unitária de Trabajadores, 2009, 40-1), nesta maneira oferecendo a possibilidade do reflorescimento do sindicalismo e a recuperação de sua memória histórica, que foi perdida entre as balas que destrocavam os corpos de gerações de lideres sindicais colombianos. Para o dirigente sindical venezuelano Orlando Chirino da Unete, primeiro é necessário que o governo reconheça que de fato existe uma situação grave em matéria dos direitos humanos dos sindicalistas, e que depois se deve pôr em funcionamento uma comissão tripartita para procurar soluções à problemática. Igualmente, se precisa frear a ingerência do governo em assuntos sindicais como eleições internas e negociações coletivas, e o estado deve parar de criar organizações trabalhistas paralelas que socavam ainda mais a legitimidade dos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 302 sindicatos. No curto prazo, nenhuma destas soluções será fácil de implementar, mas com unidade de ação dentro do movimento sindical, vontade política por parte dos governos, e apoio desde a comunidade internacional, talvez será possível num futuro não tão distante parar a violência antisindical em esses dois paises. Referências Bibliográficas ARRIETA ALVAREZ, Jose Ignácio, 2009, El movimiento sindical en Venezuela: Su historia, su hacer, y sus relaciones, Caracas: Fundacion Centro Gumilla. CALVEIRo, Pilar, 2006, “Los usos políticos de la memória”, em Caetano, Gerardo (ed.), Sujetos sociales y nuevas formas de protesta en la historia reciente de América Latina, Buenos Aires: CLACSO. 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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 304 “Sou metalúrgico, mas não sou de ferro: a relação entre a Justiça e Sindicato no caso Sermetal” Luisa Barbosa Pereira145 Orientadora: Elina da Fonte Pessanha O presente artigo é fruto de uma pesquisa maior, desempenhada no âmbito do mestrado, em que se procurou perceber de que maneira o Sindicato Metalúrgicos do Rio de Janeiro têm buscado novas estratégias nos anos recentes para garantir os direitos dos trabalhadores de sua base e a proteção social do Estado a partir do protagonismo do Poder Judiciário. Tal objetivo foi perseguido através do estudo de um caso emblemático que envolveu centenas de trabalhadores do setor naval, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a empresa Sermetal Estaleiros, e suas subsidiárias. Diversas questões foram consideradas nessa pesquisa dentre as quais, o desenvolvimento da indústria naval no Brasil, a luta dos trabalhadores por direitos sociais, a crise do chamado Estado de Bem Estar Social, o desempenho econômico brasileiro no pós anos 80, a avalanche neoliberal dos anos 90 e a intensa da flexibilização do trabalho, a aprovação da Constituição de 1988 e o substantivo aumento dos dissídios individuais no âmbito da Justiça (PESSANHA, 1985; MORAES FILHO, 1978; THOMPSON, 1987; CASTEL, 2005; CARDOSO, 2003a; 2003b; WERNECK VIANNA, 2008, entre outros). Contudo, poupando o leitor, o presente artigo se concentrará especificamente no caso estudado. Tal opção, certamente, trará prejuízos significativos à argumentação do texto. Suscitará, provavelmente, questionamentos relevantes, que poderiam (ou não) ser sanados com a publicação da pesquisa completa. Entretanto, ainda assim, me arriscarei aqui a pormenorizar esse trabalho e compartilhar essa experiência bastante tímida e despretensiosa de pesquisa. 145 Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ (PPGSA/IFCS/UFRJ). Mestre em Sociologia e Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/IFCS/UFRJ) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 305 O Caso Sermetal O caso em questão envolve cerca de 1.000 trabalhadores146 do setor naval, da empresa Sermetal Estaleiros Ltda., que entre os anos de 2006 e 2009 tiveram seus direitos trabalhistas descumpridos constantemente. Trabalhadores demitidos sem a liberação de suas carteiras de trabalho; sem o pagamento das verbas rescisórias; do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Seguro Desemprego. Recolhimento do INSS, de mensalidades sindicais e do imposto sindical sem o devido depósito. Trabalhadores efetivos sem receber seus salários integralmente, sem ter seu FGTS depositado e de dezembro a junho de 2009, sem receber nada além da passagem do dia de trabalho 147. A relação dos trabalhadores com seu Sindicato – o Sindimetal-Rio, não era muito boa. Trabalhadores acusavam o Sindicato de aliança com os diretores da Sermetal (ex-membros da comissão de fábrica do IVI-CAJU) e encaravam com desconfiança a sua aproximação naquele momento difícil. Tal insatisfação era comum principalmente aos trabalhadores mais antigo do pátio – que faziam parte ainda do Estaleiro Ishibrás, que está na origem da Sermetal. O Sindicato insistiu e a situação de fato só melhorou quando dois trabalhadores 148 da Sermetal passaram a acompanhar todos os processos e negociações no final do ano de 2008. Esses tiveram um papel central na construção de uma relação harmônica entre o Sindicato e os trabalhadores149. Primeiras Estratégias de Ação do Sindicato Desde 2005 o Estaleiro vinha atrasando os salários dos empregados, realizando demissões sem o pagamento das verbas rescisórias e sem a liberação da carteira de trabalho dos empregados. A partir dos primeiros atrasos o Sindicato buscou dialogar com a diretoria da Sermetal, visando solucionar o problema. A empresa normalmente estabelecia um prazo para o pagamento dos salários e algumas vezes cumpria de fato o prometido. Porém, continuava sem 146 Considerando os trabalhadores demitidos desde 2006. 147 A empresa só pagava a passagem de um dia por vez, evitando assim que os trabalhadores gastassem o dinheiro da passagem com qualquer outra coisa. 148 Ambos jovens. Um era técnico em segurança do trabalho e o outro técnico em projetos navais. Nessa pesquisa, foram realizadas duas entrevistas com cada um deles. Esses serão referidos aqui como técnico em segurança do trabalho e técnico em projetos navais. 149 Importante destacar que diferente dos outros trabalhadores entrevistados, mais ligados de fato ao processo de produção, esses dois trabalhadores se referiam espontaneamente aos trabalhadores como “colaboradores” da Sermetal. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 306 depositar o FGTS e o INSS, pagar as verbas rescisórias, o imposto e a mensalidade sindical. Em 2008, os trabalhadores ficaram três meses sem salários, de janeiro a março. Mesmo com um clima de distanciamento e desconfiança entre o Sindicato e a base de trabalhadores da Sermetal Estaleiros, o Sindimetal começa a estimular o diálogo constante com os trabalhadores, visando a resolução do fato. A empresa pedia tempo, garantindo que honraria seus compromissos. O Sindicato chegou a evitar uma paralisação dos trabalhadores buscando centralmente a negociação com a empresa e “entendendo” as suas dificuldades financeiras. Tal ação do Sindicato veio amparada no compromisso firmado com a Sermetal em ter o controle sobre as verbas que viriam a ser arrecadadas pela empresa. Essas, seriam primeiro direcionadas aos trabalhadores, tudo isso sob a inspeção do Sindicato. Contudo a empresa não cumpriu o combinado. Conseguimos pagar uma parte dos salários dos trabalhadores, que já estavam atrasados há um mês. A empresa manobrou por dentro, desviou o que tinha que desviar, e nós não conseguimos que os trabalhadores, realmente, tivessem acesso àquilo que lhes é de direito, o salário. (Presidente do Sindimetal-Rio, no dia 01 de junho de 2009 em audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro). A Sermetal vinha recebendo encomendas de navios. Os diques nunca ficavam vazios, seja para manutenção e reparo de embarcações, seja pelo simples atracamento – o que gerava receita para a empresa pelo aluguel do espaço – a exemplo do navio nigeriano Tuma, atracado há dois anos. Assim, a Sermetal afirmava aos trabalhadores e ao Sindicato que as dívidas seriam sanadas, e estimulava-os a trabalhar ainda mais para a garantia do pagamento, colocando sempre o término de uma encomenda como pressuposto para a efetivação do pagamento. As negociações continuam, mas o Sindicato já começava a perceber que a empresa utilizava a negociação para ganhar tempo, e impedir a intermediação da Justiça do Trabalho. Foram feitas apenas algumas poucas homologações, mas a Sermetal não resolvia o problema de fato. Com o passar do tempo, a negociação do Sindicato visava emergencialmente a liberação do FGTS e do seguro desemprego. A empresa, contudo, não correspondia a solicitação alegando que pretendia recontratar os funcionários e pagar todos os atrasados. De fato a Sermetal tinha perspectivas e encomendas à vista, entretanto não garantia na prática o pagamento dos A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 307 trabalhadores. Assim o Sindicato conclui que a negociação com a empresa dificilmente levaria a alguma solução: A Sermetal enrolou tanto a gente quanto os trabalhadores. Usava o Sindicato para enrolar e se manter no pátio. O que está programado é aproveitar aquela área para fazer uma reestruturação e adequá-la à modernidade. Com a demanda do Pré-Sal a carteira de encomenda da Petrobras é imensa e esse estaleiro tem o maior dique seco da America Latina que pode produzir embarcações de grande porte. A Petrobrás sabendo disso está querendo desenvolver isso através de outros parceiros, empresários sérios (e não esses da Sermetal)... O Rio de Janeiro tem perdido obras para outros Estados. (Entrevista com o Secretário Jurídico do Sindimental-Rio dia 28 de maio de 2009). Sem uma postura definitiva da Sermetal, o Sindicato então promove uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT) no ano de 2007 que inicia o Procedimento Preparatório de Inquérito Civil150 n. 1679/2007 em face de Sermetal Estaleiros Ltda. Importante destacar que o problema não envolvia apenas a empresa Sermetal. Outras empresas, subsidiárias da Sermetal e que prestavam serviço para o Estaleiro, também se encontravam na mesma situação. São elas: N. B. Arnautos Serviços Navais e Metalúrgicos e Geminy Serviços Metalúrgicos Ltda. Além disso, a Sermetal desenvolve atividades nas dependências de uma quarta empresa, a BRIC Brazilian Intermodal Complex S.A – BRICLOG (ExPoliporto)151. O foco das denúncias do Sindicato era o não pagamento de verbas rescisórias a uma coletividade de trabalhadores que prestavam serviços à Sermetal Estaleiros e às suas subsidiárias. As denúncias, contudo, envolviam também os débitos das contribuições sociais, o pagamento das férias, das gratificações natalinas, das integralizações dos depósitos ao FGTS, das diferenças no pagamento de horas extraordinárias e suas projeções, das verbas rescisórias, e de honorários de advogado. 150 O Inquérito Civil é um procedimento do MPT que tem como função produzir um conjunto probatório de efetiva lesão aos interesses meta-individuais. 151 A BRICLOG ficou famosa no início do ano de 2008, no caso de roubo de HDs e notebooks da Petrobrás contendo informações sobre as reservas de petróleo e gás na Bacia de Santos. Os quatro vigilantes presos eram trabalhadores da empresa. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 308 Uma resposta concreta do MPT, no entanto, demorou a acontecer. O Procedimento Preparatório de Inquérito Civil só deu o seu parecer a favor da instauração do Inquérito em 10 de junho de 2009152, quando a situação já ganhara proporções extraordinárias. Pressão sindical, negociações e MPT O Ministério Público do Trabalho buscou reunir provas que justificassem sua ação frente à Sermetal Estaleiros para a instauração do Inquérito Civil. Dessa forma, realizou também audiências entre as partes pretendendo colher depoimentos e promover conciliação. O MPT, contudo, não conseguiu solucionar o problema. À medida que a situação fica mais crítica, o Sindicato busca outras saídas e, com uma postura ousada, procura em 2009 a empresa locadora do pátio – a BRICLOG – também credora e autora de ação de despejo contra a Sermetal153. A BRIC tem interesse em retirar a Sermetal com urgência do pátio, para arrendá-lo à Petrobrás em uma operação extremamente lucrativa que envolve interesses do Governo Estadual e Federal. Na área, está prevista uma grande reforma e as obras futuras seriam licitadas. Assim, apenas as empresas vitoriosas poderiam trabalhar no pátio. A Sermetal quer – de alguma maneira – ter vantagens nesse projeto. Por isso resiste em sair, mesmo sem ter condições de permanência. Já a BRIC, detentora do pátio, seria uma das principais beneficiadas no processo. No entanto precisa garantir a liberação urgente do espaço, para o projeto não ser transferido para outra área. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, que vem perdendo obras para outras regiões como Rio Grande do Sul, Pernambuco e Amazonas, também tem interesse no projeto. O Estaleiro Sermetal, após um impasse no consórcio Rio Naval, já perdera a encomenda de nove navios no âmbito da Promef I da Transpetro. Cinco foram transferidos para Pernambuco, no Estaleiro Atlântico Sul, e apenas quatro permaneceram no Estado, no EISA, antigo Emaq. Pelo menos dois mil empregos deixaram de ser gerados no Rio. Assim, diversas reuniões foram realizadas entre o Sindicato e a BRICLOG em um processo que durou alguns meses. A proposta final da BRICLOG foi considerada extremamente proveitosa para o Sindicato. A BRIC garantiu que “se o Sindicato quisesse negociar” arcaria com todos os passivos trabalhistas, 152 Posteriormente o MPT atuará na condição de custos legis, como veremos a seguir. A Sermetal não paga o aluguel do pátio, de R$ 1.000,00, a cerca de 2 anos. O contrato de locação também prevê, no caso de atraso, a saída imediata da empresa. 153 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 309 todos os salários atrasados e as dívidas com os trabalhadores. Além dessas dívidas – que estariam em torno de 15 milhões – a empresa também se comprometeu a saldar os débitos da Sermetal com o Sindimetal, relativas à apropriação indevida do imposto sindical e da mensalidade sindical. A BRIC ainda recontrataria e qualificaria os trabalhadores gerando cerca de três mil empregos diretos e mais quatro empregos indiretos para cada um desses três mil. Entretanto, para a realização de tudo isso, o Sindicato deveria garantir à saída imediata da Sermetal do pátio pertencente a BRICLOG. A partir da intervenção do Sindicato, a locatária do pátio também realizou um empréstimo à Sermetal para o saldo de três folhas de pagamento. Esse pagamento, diga-se de passagem, foi o último recebido pelos trabalhadores154. Além do interesse financeiro futuro, devido ao arrendamento da Petrobrás, a BRIC também é responsável por quaisquer acontecimentos no interior de suas dependências. O Sindicato alegava que na abertura de uma ação trabalhista junto à Justiça do Trabalho, a BRIC também seria ré. Dentro desse quadro, o Sindimetal procura mais uma vez o MPT 155 solicitando a intervenção da Superintendência do Ministério Público, garantindo o repasse das dívidas trabalhistas da Sermetal para a BRICLOG. Na primeira audiência, a empresa manda um preposto, que não tinha autonomia para representá-la. Na segunda audiência, a Sermetal deixou de levar um documento importante para a abertura da mesma, e mais uma vez nada foi feito156. Percebemos nessa pesquisa que o Ministério Público do Trabalho era visto como um parceiro pelo Sindicato. O Sindimetal recorre constantemente às denuncias ao MPT e é vitorioso. O caso Sermetal, no entanto, se mostrou extremamente complexo. A empresa de fato não tinha como pagar os trabalhadores quando a situação se agravou, por mais que tivesse recebido significativas encomendas nos anos recentes. 154 Tal pagamento foi efetuado em dezembro de 2008. Depois disso, os trabalhadores não receberam mais salários, nem de forma integral, nem parcelada. 155 156 O Procedimento Preparatório de Inquérito de 2007 continuava em curso, paralelamente. Segundo informações coletadas na entrevista com o diretor jurídico do Sindimetal, realizada no dia 28/05/09 e com os trabalhadores da Sermetal. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 310 Em entrevista com trabalhadores da Sermetal foi alegada a competência do MPT em outros casos envolvendo o Estaleiro. Como destacou um técnico em projetos navais da Sermetal Estaleiro: Teve uma empresa (Tecnauto) que foi trabalhar para a Sermetal em 2007 como tercerizada e a Sermetal não pagou. A Tecnauto entrou com uma ação no MPT, e ele foi averiguar a situação. Nessa ação eles foram rápidos, foram no local, viram ainda que a condição de trabalho era sub-humana e o MPT fez a Sermetal pagar tudo (Entrevista com o técnico em projetos navais da Sermetal Estaleiros dia 24 de junho de 2009). Em todas as audiências com o Ministério Público, o Sindicato movimentou centenas de funcionários da Sermetal e foi construindo um clima de mobilização permanente no interior da empresa. A Sermetal continuava tentando persuadir os trabalhadores, adotando postura crítica em relação ao Sindicato, argumentando que sua presença impedia o diálogo entre empresa e trabalhadores e que sua intenção era “fechar a empresa”. A partir de todo esse desgaste e da atitude da Sermetal frente às audiências no MPT, o Sindicato passa a estimular uma postura cada vez mais crítica dos trabalhadores em relação à empresa. São realizadas constantes paralisações no ambiente de trabalho. Essas contam com adesão de quase a totalidade dos trabalhadores, excetuando apenas alguns funcionários do setor administrativo do Estaleiro. Entretanto, são reprimidas. A Sermetal contratou 15 seguranças (apelidados pelos funcionários de pitbuls) que visam impedir qualquer manifestação no interior e nas proximidades do estaleiro. O Sindicato passa a só poder entrar na Sermetal de carro e acompanhado de dois “seguranças”. A situação dos trabalhadores vai ficando cada vez mais insustentável: Um cara quebrou o departamento pessoal desesperado, por que ninguém quis atender ele e acabou que esse camarada foi espancado. Você não pode nem dar parte contra os pitbuls por que eles são policias. No nosso país não existe lei para quem tem dinheiro, só para os pobres (Entrevista com o técnico em segurança do trabalho da Sermetal Estaleiros dia 24 de junho de 2009). A partir das paralisações e da repressão da empresa é construído um profundo clima de indignação. Cerca de 400 funcionários continuavam em atividade e mais uma vez o Sindicato A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 311 mostra ousadia em sua forma de ação: propõe a demissão coletiva de todos os trabalhadores com a palavra de ordem “justa causa pro patrão”. Em relação a essa estratégia, o presidente do Sindicato destacou: A gente não tinha outra saída não. Os trabalhadores estão passando por uma situação terrível e precisamos tentar de tudo. Sabemos que nossa postura é arriscada, mas nossa intenção principal com essa ação é garantir pelo menos a liberação imediata do FGTS e do Seguro Desemprego... tem muito trabalhador aqui passando fome, muita família sendo desfeita... 157 (Entrevista com o presidente do Sindimetal-Rio, dia 29 de junho de 2009). A Recorrência à Justiça do Trabalho No dia 24 de abril de 2009, 389 trabalhadores entram com uma ação coletiva de rescisão indireta do contrato de trabalho tendo o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro como substituto processual158 de praticamente todos os trabalhadores em atividade na Sermetal. Nas palavras do presidente do Sindicato “os trabalhadores demitem a Sermetal como patrão!”. A ação coletiva foi aberta na Justiça do Trabalho em face à Sermetal Estaleiros e às suas subsidiárias: N. B. Arnaus Serviços Navais e Metalúrgicos e Geminy Serviços Metalúrgicos Ltda. A BRIC Brazilian Intermodal Complex S.A. – BRICLOG é também indicada como ré e a ação fica sob responsabilidade da 49º Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho no Rio de Janeiro (TRT-RJ). Na ação o Sindicato alega que os réus não procederam corretamente no recolhimento dos valores devidos ao FGTS. Solicita que as reclamadas tragam aos autos as fichas financeiras de seus empregados. Noticia a existência de débitos dos réus com relação às contribuições sociais. Exige a condenação dos réus ao pagamento das férias, com o terço constitucional respectivo, e das gratificações natalinas em atraso; das integralizações dos depósitos ao FGTS; das diferenças a título de horas extraordinárias, e suas projeções; das verbas rescisórias e de honorários de advogado. Pretende também a liberação das guias para movimentação do FGTS, com a indenização compensatória de 40%159. 157 158 Entrevista concedida a autora no dia 9 de julho de 2009. Ou seja, representando todos os trabalhadores. A possibilidade do sindicato ser substituto processual é referendada pelo cancelamento do Enunciado 310, em 2003. Para mais ver: Gonçalves Jr, 2003. 159 Processo n. 00510-2009-049-01-00-4. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 312 Com o argumento de potencializar as mobilizações e sensibilizar a Justiça é iniciada uma greve dos trabalhadores no dia 12 de maio de 2009. A denúncia ao MPT é mantida e a apuração de provas e a realização de audiências continuam. Em uma das audiências160 no MPT, promovida após a instauração da ação de rescisão indireta, a intenção central do Sindicato era a garantia imediata da liberação do FGTS e do seguro desemprego. Os trabalhadores estavam passando fome e diversos conflitos sociais já eram visualizados. Alguns já tinham sido despejados de suas casas e casamentos tinham sido desfeitos. Segundo relatos, um dos trabalhadores tinha recorrido a criminalidade, e problemas de alcoolismo eram constantes com a grande maioria dos trabalhadores161. Todos esses conflitos marcaram os últimos seis meses desses indivíduos, mostrando a centralidade do trabalho na vida desses operários. Como destacou um dos trabalhadores: A Sermetal abusou muito... Quando eu sai da Sermetal me senti um peixe fora d’água. Eu fui no Centro (centro do Rio de Janeiro) e fiquei perdido, me sentindo sozinho no meio da multidão. Imagina aquele trabalhador que ficou confinado na Sermetal, que trabalhou décadas no estaleiro desde o Ishibrás acontece isso. Você fica isolado, confinado dentro de casa, não sabe o que fazer pois seu emprego era a sua vida. (Entrevista com exfuncionário da Sermetal Estaleiros, dia 29 de junho de 2009).162 Em entrevista realizada no dia 24 de junho de 2009 o técnico em projetos navais ressaltou: Temos colegas que eram casados e as esposas separaram por que não acreditavam nos maridos. Pois você ia trabalhar todo dia e não recebia o salário. A sua mulher acha que você está com mulher fora...(Entrevista com o técnico em projetos navais da Sermetal Estaleiros, dia 24 de junho de 2009) 160 Realizada no dia 22 de junho de 2009. 161 Segundo entrevistas coletadas com diversos trabalhadores no dia da audiência na sessão de Varas do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, dia 29/06/09. 162 Entrevista concedida no dia da primeira audiência no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 313 Contudo, o tema da audiência do dia 22 de junho de 2009 no Ministério Público do Trabalho era a negociação entre as partes. Participaram da audiência o Sindicato, a Sermetal e funcionários da empresa, através da mediação do procurador João Batista Berthier Leite Soares. Segundo informações do Sindicato e dos trabalhadores, o FGTS já estaria em juízo, aguardando a audiência que aconteceria no dia 29 de junho, na 49º Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. O MPT alegava que, estando em juízo, não poderia fazer nada. Tal postura indignava os trabalhadores. Assim como destacou um técnico em segurança do trabalho: Por mais que a empresa esteja errada, a gente está na mão dela. Mas nesse processo, existe 389 empregados contra quatro pessoas (os diretores da Sermetal). Os erros estão aparentes. Não precisa o MPT reconhecer que a empresa está errada por que está na cara. É uma falta de respeito do poder público para com os trabalhadores.(Entrevista com o técnico em segurança do trabalho da Sermetal Estaleiros, dia 24 de junho de 2009). O representante da Sermetal na audiência alegou que os funcionários estavam trabalhando, e que o Sindicato não tinha condições de representá-los. O Sindicato, no entanto, tinha a documentação que comprovava a rescisão do contrato de trabalho e uma planilha com o nome de todos os trabalhadores.. Na ocasião, o representante da empresa também alegou – em tom de ameaça – que “a questão com a BRICLOG já estava resolvida, e que o Sindicato deveria desistir da negociação”. Sem uma solução em vista junto ao MPT, o Sindicato busca novos aliados e deposita todas as suas esperanças na Justiça do Trabalho. Mesmo entendendo que a única saída é a recorrência à Justiça do Trabalho, o Secretário Jurídico do Sindicato avalia de forma crítica a postura da Justiça. O problema é que a Justiça do Trabalho se preocupa mais com a burocracia, os procedimentos jurídicos, o processo, do que com o trabalhador. Quem entra na Justiça tem que amarrar tudo direitinho por que qualquer probleminha a Justiça se apega e paralisa o processo. Assim ela vê mais o lado burocrático que o social. A gente está lidando com vidas e a Justiça só vê papel (Entrevista com o Secretário Jurídico do Sindimetal, dia 28 de maio de 2009). 163 163 A entrevista foi concedida no dia 28/05/09, antes da resolução do caso. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 314 TRT e ALERJ A partir dessa movimentação foram realizadas duas audiências de conciliação na Justiça do Trabalho. Na primeira delas o representante legal da Sermetal não compareceu, marcando assim uma nova data. Na segunda audiência estava presente um representante da BRICLOG, interessado em saldar os passivos trabalhistas. O representante da Sermetal impediu a sua participação destacando que “não aceitaria que ninguém pagasse suas dívidas”. Há um projeto maior para aquela área, um projeto que pode gerar diretamente 3.000 empregos. E o pior disso tudo: há uma empresa interessada em assumir todo o passivo trabalhista desses trabalhadores. Mas a Sermetal não concorda que isso ocorra! Ela não concorda que isso ocorra! Palavras da direção da empresa, da presidência da empresa: “é uma humilhação muito grande alguém assumir nossos débitos”. Como se não fosse humilhação esses 1000 trabalhadores ficarem com as suas famílias largadas ao relento, alguns passando fome. Isso não é humilhação? (Alex dos Santos, presidente do Sindimetal-Rio, em audiência na ALERJ, dia 1º de junho de 2009) Em ambas as audiências, o Sindicato mobilizou dezenas de trabalhadores para a porta do TRT-RJ, Fórum Ministro Arnaldo Süssekind situado na Av. Presidente Antonio Carlos, centro da cidade do Rio de Janeiro, sensibilizando o desembargador Aloysio Santos, presidente do TRT-RJ, e deputados da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), que participaram da manifestação do Sindicato164. O desembargador recebeu o Sindicato no mesmo dia 165 e, segundo depoimento do presidente do Sindicato, foi bastante atencioso e solidário. Alegou também que ajudaria no que fosse possível. O Sindicato informou o desembargador sobre os funcionários que estavam sem receber salário há cinco meses e sobre os empregados demitidos desde julho de 2008, que ainda não tinham recebido suas verbas rescisórias. O desembargador deu orientações para garantir a agilidade junto à Justiça do Trabalho, por conta da urgência e particularidade do caso, e de fato a audiência na 49º Vara Trabalhista – prevista para outubro – foi marcada para o dia 29 de junho de 2009 (cerca de duas semanas depois). 164 O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro fica bem próximo a Assembléia Legislativa do Estado. 165 Dia 26 de maio de 2009. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 315 A estratégia foi avaliada como positiva pelo Sindicato, já que garantiu a celeridade do processo. Contudo, a reação da juíza responsável pelo caso, da 49º Vara Trabalhista do Rio de Janeiro, não foi muito boa. Ela não gostou da postura do Sindicato em procurar o desembargador presidente do TRT, mas a situação foi contornada posteriormente. A audiência pública da ALERJ, realizada no dia 1º de junho de 2009 e presidida pelo deputado Paulo Ramos, teve como convidados o Sindicato, os trabalhadores da Sermetal, a Federação dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, a empresa Sermetal, o sindicato patronal (SINAVAL), a Secretaria de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro e Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços. Os representantes da empresa Sermetal, contudo, não compareceram. Enviaram apenas um oficio desculpando-se pela ausência. O objetivo da audiência era buscar saídas para o problema, a partir da negociação e intermediação do Estado, e foi realizada pela Comissão de Trabalho, Legislação Social e Seguridade Social da ALERJ. O clima da audiência foi bastante comovente. Trabalhadores deram depoimentos emocionados que sensibilizaram todos os presentes. Além das críticas feitas sobre o atraso de pagamentos, os trabalhadores também denunciaram a permanência de seguranças no interior da empresa, que os impediam de buscar os seus pertences. Um trabalhador relatou que em uma ocasião ele e mais dez colegas ao irem buscar seus objetos pessoais deixados na empresa foram revistados de forma humilhante. Entraram na empresa em fila, com um segurança na frente e outro atrás. Ambos estavam armados. Em outra ocasião os seguranças arrombaram os armários dos trabalhadores e espalharam os pertences pelo chão do estaleiro. O presidente da audiência, deputado Paulo Ramos, ficou chocado com as denúncias e decidiu visitar a Sermetal com uma comissão de parlamentares no dia seguinte, às duas horas, com a presença do Sindicato. Ficou também marcada uma visita à Petrobrás, solicitando que ela assuma esse processo garantindo a preservação dos postos de trabalho – se não na Sermetal ao menos na sua sucessora. Foi também agendada uma reunião com a Secretaria de Desenvolvimento e com o Presidente do Sindicato da Indústria de Construção Naval (SINAVAL)166. 166 Tais iniciativas, realizadas a partir da atuação da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro serão de grande valia na condução final do processo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 316 O presidente do Sindicato e o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil do Rio de Janeiro (CTB-RJ) também foram à Brasília tentar uma articulação com o Tribunal Superior do Trabalho, mas nada foi garantido. Toda essa movimentação do Sindicato gerou uma reação rápida da empresa. A Sermetal, vendo-se pressionada por diversas esferas, propôs um acordo para os trabalhadores. O Sindimetal preparou imediatamente uma assembléia, para discutir a proposta. Na assembléia, realizada na sede do Sindicato, cerca de 150 trabalhadores participaram de maneira ativa das discussões. Além de contas erradas e a não estipulação dos valores a serem pagos, o acordo exigia que os trabalhadores retirassem imediatamente a ação na Justiça do Trabalho. Tal postura da empresa mostrou seu receio em relação ao julgamento da Justiça. Os trabalhadores, por sua vez, ganharam ânimo e avaliaram a possibilidade de conquistarem um acordo mais vantajoso. Mesmo estando pressionados a aceitarem qualquer acordo que viabilizasse o pagamento rápido, a recusa a proposta da Sermetal foi quase unânime. Os trabalhadores acabam depositando todas as suas esperanças na audiência prevista para o dia 29 de junho de 2009. Na assembléia foi aprovada a prioridade pela liberação do FGTS – que significava cerca de 60% da dívida da empresa – e a liberação da carteira de trabalho dos funcionários da Sermetal, para que pudessem procurar outro emprego. Justa Causa pro Patrão! Apesar de ter sido utilizada como uma palavra de ordem e ter um sentido figurado, a rescisão indireta do contrato de trabalho está prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Caso o empregador não cumpra com as obrigações legais ou contratuais ajustadas entre as partes, o empregado pode rescindir o contrato de trabalho e solicitar multa por isso167. A estratégia da rescisão indireta ainda não tinha sido usada pelo Sindicato, que procurou reunir todas as provas necessárias para o andamento do caso. Os advogados do réu, no entanto, questionaram em todo momento a legitimidade do Sindicato como substituto processual. 167 Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 317 A Sermetal alegava que o Sindicato “é detentor apenas do direito processual na presente ação, e não do direito material sub judice, razão pela qual não está autorizado a renunciar ou a transigir, como pretende através da proposta de acordo levada a juízo.168” Assim, na opinião da empresa, o Sindicato não poderia celebrar os acordos já que “pleitearia em nome próprio direito alheio, caracterizado este como direito indisponível dos trabalhadores”. Na verdade a argumentação da empresa contraria as disposições do art. 8º, inciso III, da Constituição da República (artigos 82, inciso IV, do CDC e 843, da CLT) onde os sindicatos podem atuar como substitutos processuais da categoria que representam, sendo desnecessária, em princípio, a autorização individual. Tal entendimento é ainda reforçado pelo cancelamento do Enunciado 310, que se baseava na perspectiva de que o dispositivo constitucional – ou seja, o artigo 8º da Constituição Federal – não seria “auto-aplicável”. Dependeria então de uma legislação definindo as hipóteses em que o sindicato poderia agir em nome próprio defendendo direitos de terceiros (os trabalhadores). A Ação na Justiça do Trabalho No dia da audiência os trabalhadores estavam extremamente mobilizados. Com várias faixas relatando a situação, cerca de 100 trabalhadores se localizavam em frente ao prédio do Tribunal e uma rápida plenária foi realizada. Logo depois, todos subiram para o sétimo andar, local da audiência, e foram impedidos de entrar na sala reservada da audiência, por determinação da juíza. O andar contava também com um número elevado de seguranças e os trabalhadores indignaram-se com o tratamento. A sessão foi demorada e durante esse período pudemos entrevistar alguns trabalhadores. Esses estavam enfurecidos com a postura da empresa no acordo proposto. A Sermetal agora dizia que se a totalidade dos trabalhadores não aceitasse o acordo, não pagaria ninguém e não liberaria nada. A empresa propôs um acordo absurdo... queria pagar cerca da metade do que devia sem considerar as multas. E ainda disse que se a totalidade dos trabalhadores não aceitassem o acordo não pagaria ninguém, nem FGTS, nem seguro desemprego, nem nada. Então achamos melhor esperar o julgamento da juíza. Agora está tudo na mão dela. (Entrevista com o técnico em segurança do trabalho da Sermetal, dia 29 de junho de 2009). 168 Processo n. 00510-2009-049-01-00-4. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 318 Um trabalhador da Sermetal, representante da comissão de fábrica, destacou: Tínhamos que ter entrado com uma ação antes... a Justiça do Trabalho é muito lenta, parece que não se preocupa com a dor do trabalhador... não libera o FGTS, o auxílio desemprego, não dá baixa na carteira de trabalho. A gente não pode nem pegar a nossa carteira de trabalho para arrumar um outro emprego. Estamos de pés e mãos atadas. O pessoal não tem dinheiro da condução para ir nas assembléias e no julgamento. Aqui era “pra” ter muito mais gente, só que o pessoal não tem o dinheiro da passagem. Não tem dinheiro para comer vai ter dinheiro para pagar passagem vindo de Santa Cruz, Belford Roxo, Engenheiro Pedreira... (Entrevista com trabalhador da Sermetal, dia 29 de junho de 2009). Após a sessão, foi realizada uma outra plenária em frente ao prédio do TRT, na Rua do Lavradio, centro do Rio de Janeiro. O parecer da juíza que acompanhava o caso foi anunciado: a liberação do FGTS ficaria atrelada à aceitação de um novo acordo proposto pela empresa. Segundo o Secretário Jurídico do Sindicato, o acordo era um pouco melhor que o anterior, mas ainda muito ruim. Desta vez, discriminava os valores a serem pagos e incluía o pagamento da multa de rescisão de contrato, não presente antes. O Sindicato deveria convocar os trabalhadores individualmente, e aqueles que não aceitassem o acordo deveriam entrar com processo individual – a partir da ajuda do setor jurídico do Sindicato. A data para a liberação do FGTS também não foi estabelecida. Somado a isso, a juíza entraria de férias na mesma semana encerrando, portanto, o processo na próxima audiência, no dia 02 de julho de 2009. A reação entre os trabalhadores foi heterogênea. Alguns ficaram entusiasmados com a decisão, por estarem sem receber nada e terem ali alguma perspectiva. Outros, pela mesma razão, se viram “chantageados” pela Justiça e pela empresa. A fala do Sindicato na assembléia também foi ambígua. Como destacou Alex dos Santos, presidente do Sindicato: “Esperávamos conquistar de prontidão a liberação do FGTS e poder renegociar o acordo. Mas pelo menos agora temos perspectiva de que os trabalhadores vão receber”. Na assembléia ficou bem claro que a decisão agora era de cada um dos trabalhadores. Os que desejassem fazer o acordo deveriam se encaminhar para a sede do Sindicato no dia seguinte, munidos do documento de identificação. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 319 O Sindicato tentou ainda alentá-los, destacando que pelo menos agora tinha-se uma perspectiva concreta. Destacou-se também que o Sindicato fez tudo o que estava no seu alcance. Cerca de 80% dos funcionários da Sermetal foram à sede do Sindicato no dia seguinte, aceitar o acordo. O Sindicato montou uma estrutura de alimentação e recepção dos trabalhadores que passaram praticamente o dia todo na sede do Sindimetal. No dia 02 de julho, em nova audiência, os trabalhadores estiveram presentes em menor número. A prioridade ainda era a liberação rápida do FGTS. As partes foram convocadas e desta vez foi permitida a entrada de todos. A audiência foi ministrada por outra juíza que ao pedir silencio destacou a importância da presença dos trabalhadores para a sua decisão. No final da audiência uma nova plenária foi feita. Essa, porém, com muito mais entusiasmo. A Justiça decidiu que o valor do FGTS, das férias atrasadas e a multa referente à rescisão de contrato deveriam ser pagas de 08 de julho de 2009 a 21 de julho de 2009, seguindo a ordem de matrícula dos trabalhadores na fábrica. Assim seria liberada também a carteira de trabalho. A animação dos trabalhadores foi evidente. Para Wallace Aragão, a mudança das juízas foi fundamental para alterar o ritmo do processo: Essa juíza foi mais sensível aos trabalhadores. A audiência foi um bate-papo. Os trabalhadores puderam participar e intervir nela sem aquele tom de formalidade. Com isso a gente rebatia os argumentos da Sermetal (Entrevista com o Secretário Jurídico do Sindimetal, dia 2 de julho de 2009169) Na plenária o Sindicato ainda destacou a possibilidade dos trabalhadores entrarem com uma ação de danos morais, buscando reparar todos os problemas suscitados por esse descaso da empresa. Os trabalhadores estavam completamente sem perspectiva. Muitos já tinham desistido. A recorrência à Justiça naquele momento foi a única saída para os trabalhadores adquirirem esse direito básico: o salário mensal. Para um ex-funcionário da Ishibrás e da Sermetal, membro do Sindicato dos Metalúrgicos, que acompanhou todo o caso de bem perto: 169 Entrevista concedida a Allysson Lemos, no dia da segunda audiência no TRT-RJ A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 320 Toda a vez que tiver esse problema os trabalhadores tem que entrar em peso na Justiça, pois é o único meio de você reaver os seus direitos. Se ficar quieto acontece igual o Caneco (Estaleiro) que tem 16 anos e ninguém pegou um centavo. (Entrevista com Anelsino Santos Bento, ex-funcionário da Ishibrás e da Sermetal Estaleiros e diretor do Sindimetal-Rio dia 03 de outubro de 2009). No entanto o sindicalista ainda analisa de forma crítica a postura dos juízes, acusando-os de preocuparem-se muito mais com a burocracia do que com os trabalhadores: A Justiça nossa ainda tem falha, pois o juíz teria que ser mais ágil e ir em cima dos patrões. Tem muito juiz que não sabe a dificuldade dos trabalhadores, não sabe o que é passar necessidade, sofrer pressão do patrão, queimar a vista numa solda....a JT devia se basear nos fatos (Entrevista com Anelsino Santos Bento, ex-funcionário da Ishibrás e da Sermetal Estaleiros e diretor do Sindimetal-Rio dia 03 de outubro de 2009) O Ministério Público do Trabalho atuou na audiência na qualidade de custos legis, ou seja, como interveniente no processo. Essa condição ocorre quando o MPT não faz parte do processo nem como autor nem como réu. Sua tarefa é dar um parecer sobre o caso de forma fundamentada e em defesa dos direitos difusos e coletivos da sociedade. A resolução do caso foi considera como bastante positiva pelo Sindicato. Os trabalhadores estavam sem alternativas e a empresa a beira da falência. Para Maurício Ramos, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil do Rio de Janeiro (CTB-RJ), a resolução foi favorável, mas muito dolorosa para os trabalhadores: O processo teve um andamento muito rápido, mas a doutora juíza ficou magoada por que a gente entrou em contato com o presidente (do TRT)... isso gerou uma certa ciumeira, não sei se é a palavra certa, entre a doutora juíza. Mas essa juíza entrou de férias e assumiu uma substituta que acelerou o processo chamando os trabalhadores um a um para fazer o acordo da rescisão...foi um processo muito doloroso por que a empresa não tinha dinheiro para pagar os salários atrasados e muito menos as rescisões... acabou se fazendo acordo com parcelamentos muito grandes...até 30 vezes a rescisão. O que salvou foi a liberação do FGTS de trabalhadores mais antigos, com 10, 15 ou 6 anos, que tinham ainda Fundo para receber.por que a empresa estava atrasada nos últimos 3 anos.... (Entrevista com Maurício Ramos, presidente da CTB, dia 09 de novembro de 2009). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 321 Contudo alguns trabalhadores questionaram a decisão da Justiça e a postura do Sindicato. O Sermetal está pagando as verbas rescisórias parceladas. Lembrando que as parcelas podem chegar até 34 vezes... o que é um absurdo. Infelizmente o nosso poder público é patronal. Entretanto, acho que todos os colaboradores do Sermetal que tanto se dedicaram ao trabalho, estão vivendo um dia após outro... Aonde vamos parar com essa indiferença? Hoje, alguns ex-colaboradores do estaleiro Sermetal estão tendo que deixar suas casas e familiares para trabalharem em outros estados como: Pernambuco Estaleiro Atlântico Sul. Você entende isso? Desculpa-me o desabafo, pois não acredito mais no poder público, e também no nosso Sindicato da classe. Ás vezes fico me perguntando, por quê isso acontece só aqui no Rio de Janeiro... (Relato do técnico em projetos navais, dia 20 de outubro de 2009)170 A partir da resolução na Justiça, novos encaminhamentos foram buscados por parte do Sindicato, tendo como foco recuperar os postos de trabalho perdidos. As movimentações junto à ALERJ, desdobradas após a audiência pública, foram de grande valia para acelerar o processo de ocupação do pátio pela Petrobrás. No início do mês de outubro de 2009 foi realizada uma reunião com o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, o deputado federal Edmilson Valentim, o governador Sérgio Cabral, presidentes das empresas do setor naval, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e o Sindicato Nacional da Indústria Naval. O objetivo central era estimular as negociações para o arrendamento da planta onde está situada a Sermetal Estaleiros. No projeto está anunciada a produção de navios, plataformas e outros equipamentos que serão usados na extração do petróleo na região do pré-sal. A retomada da produção deverá gerar cerca de três mil empregos diretos, conforme previsto. Logo após a reunião o processo ganhou novas proporções. A Petrobrás arrendou a planta e já começará o processo licitatório. A Sermetal tem um prazo para sair do pátio, mas as obras serão desenvolvidas mesmo sem a sua saída. 170 Em relato feito por e-mail, enviado a autora no dia 20 de outubro de 2009. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 322 Considerações Finais Thompson (1987), analisando a construção da Lei Negra171, vai realçar a importância da legislação como um “bem humano incondicional” e fruto da conquista dos homens destituídos de poder. O autor não deixa de considerar que vimos, ao longo da história, a lei mediar e legitimar relações de classe existentes, onde os trabalhadores eram as partes desprivilegiadas. No entanto destaca que a mediação é diferente do exercício da força – imposta pela classe dominante – sem qualquer arbitragem. Sem ela os trabalhadores ficariam totalmente à mercê das vantagens dos patrões. A lei, em suas formas e retórica, pode inibir o poder do dominante e oferecer proteção aos destituídos de poder. A lei também não é fruto do acaso. Negar sua importância é negar todo o histórico de lutas pelas mesmas: “Significa lançar fora uma herança de luta pela lei, e dentro das formas da lei, cuja continuidade jamais poderia se interromper sem lançar homens e mulheres num perigo imediato” (Idem, p. 358). E ainda, se é verdade que a lei foi criada para mediar as relações de classe existentes, em proveito dos dominantes, é também verdade que ela se tornou instrumento de restrição às próprias práticas da classe dominante. Os mesmos instrumentos que serviam para consolidar a sua força e acentuar sua legitimidade, paradoxalmente, serviram também para colocar freios no seu poder (THOMPSON, 1987b). Para o autor “a lei também pode ser vista como ideologia ou regras e sanções específicas que mantêm (muitas vezes um campo de conflito) com as normas sociais” (Idem, p. 351). Entretanto, em relação ao Domínio da Lei, critica de maneira firme o pressuposto da lei como mero reflexo da superestrutura. Dessa maneira, a partir do conflito entre capital e trabalho, a própria lei se altera possibilitando outros patamares para os conflitos de classe. Tais reflexões nos são extremamente relevante na presente pesquisa. O entendimento do espaço judicial como importante campo de disputa de classe na cena contemporânea nos serve como referencial fundamental, considerando principalmente a importância da lei na história da sociedade brasileira, caracterizando nosso modelo legislado de relações do trabalho (NORONHA, 2000; CARDOSO, 2003b; PESSANHA; ALEMÃO; SOARES, 2009). 171 Importante Lei da história jurídica do século VIII que, na essência, visava a garantia do direito à propriedade e a repressão a um grupo organizado de homens da floresta de Windsor na Inglaterra, chamados de negros. Para Thompson “O conflito florestal, em sua origem, foi um conflito entre usuários e exploradores” (Idem, p. 331). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 323 O quadro colocado pela situação do emprego no Brasil principalmente na década de 90 foi extremamente prejudicial aos trabalhadores. O avanço do projeto neoliberal, a crise da dívida externa e o arrefecimento da indústria impuseram um cenário de constante flexibilização dos direitos sociais (CARDOSO, 2003a). O ambiente é de insegurança e ameaças ao emprego, entretanto, vários grupos de trabalhadores balizados pelas conquistas estabelecidas na Constituição de 1988, buscaram meios de resistir. O freqüente apelo à intermediação da Justiça, de maneira individual e coletiva, para fazer valer seus direitos conquistados, foi um deles. A partir dos anos 2000, com o crescimento da economia do Brasil e o reaquecimento da indústria no país, a geração de emprego formal aumenta substancialmente. O Ministério do Trabalho identifica que no ano de 2003 o país contava com 861.014 empregos formais. Já no ano de 2008 os empregos formais somam 1.834.136. O Estado do Rio de Janeiro atinge em dezembro de 2008 cerca 3,7 milhões de empregos formais (RAIS, 2009). Contudo o descumprimento dos direitos trabalhistas conquistados historicamente ainda permanece. Nesse contexto, sindicatos procuram progressivamente a intermediação da Justiça do Trabalho e do Ministério Público no conflito entre capital e trabalho. A JT, em princípio, recebe muitas críticas do Sindimetal-Rio. Apesar de ser avaliada positivamente pela população – em relação às outras Justiças – como demonstra a pesquisa de Grynszpan (1999), os sindicalistas metalúrgicos do Rio questionam frequentemente sua postura e demonstram preferir não recorrer à Justiça do Trabalho. Assim, busquei nessa pesquisa acompanhar uma experiência concreta de dificuldades enfrentadas pelo Sindicato e percebi um processo rico e contraditório em que os trabalhadores e o Sindicato fizeram escolhas, avaliaram opções de encaminhamento para a resolução do caso, buscaram o Ministério Público do Trabalho e por fim a própria Justiça do Trabalho. O caso em questão, apesar de não evidenciar uma tendência do sindicalismo nacional em sua relação com a Justiça, mostrou uma imensa capacidade de articulação de um sindicato através da combinação de novas estratégias – como as denúncias ao Ministério Público do Trabalho – com estratégias mais tradicionais – tais como as paralisações na empresa. E ainda, as mobilizações eram estimuladas com a justificativa de pressionarem a Justiça e os atores do Estado a uma decisão favorável aos trabalhadores. O Sindicato e os trabalhadores – nesse rico e contraditório A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 324 episódio – realizam escolhas, promovem diferentes ações e evidenciam a complexa relação entre o Sindicato e a Justiça. O Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, tal como evidenciado nas entrevistas dos sindicalistas e no curso dessa pesquisa, buscou a Justiça do Trabalho apenas quando os trabalhadores se viram sem alternativas e a avaliação do Sindicato sobre a resolução do caso, de forma geral, foi positiva. A Sermetal entraria em processo de falência e os trabalhadores ficariam sem receber os salários referentes aos dias trabalhados e seus direitos como empregados. Contudo, não se deixou de questionar a lentidão da Justiça para solucionar o problema e o longo período que os trabalhadores teriam que esperar para receber tudo o que lhes era devido como direito, já que se acordaram longos parcelamentos. A presente pesquisa, sem pretender julgar os posicionamentos do Sindicato frente ao caso e o desfecho dado pela Justiça do Trabalho, pôde verificar que: - as instituições do Estado são esferas em constante disputa e a ação dos atores sociais influenciam substancialmente o seu posicionamento. Assim, o estudo desse campo se colocou como um grande desafio investigativo na medida em que analisou uma forte instituição de ação coletiva: o sindicato. - o processo de relação entre sindicato e Justiça é extremamente contraditório, e revelador de práticas que alternam aproximações e distanciamentos entre esses atores sociais, e a experiência histórica da categoria e de seus segmentos – no caso, os operários navais – certamente serve de referência para a avaliação dessa relação. - a capacidade dos trabalhadores e seus sindicatos de avaliar o processo e o contexto social em que estão inseridos e, a partir daí, articular estratégias de ação consideradas mais adequadas para a solução de suas demandas coletivas – ora incorporando o Ministério Público e a Justiça do Trabalho, ora apelando para práticas de pressão e negociação política – é um fato que não pode ser desconsiderado. - o ambiente de consolidação democrática, respaldo constitucional e judicialização das relações sociais, vivido pela sociedade brasileira nas décadas recentes, certamente tem um peso significativo em todo o processo observado. Os resultados de pesquisa apontam para esse quadro de contradições na relação entre sindicatos de trabalhadores e aparelhos da Justiça do Trabalho e podem estimular novas análises. Estão longe (e nem objetivam) mostrar um perfil de ação do sindicalismo no Brasil. Contudo, o caso A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 325 estudado nos parece evidenciar a necessidade de investigação mais profunda sobre o tema, aliando a pesquisa sociológica no campo da sociologia do trabalho ao campo dos estudos sobre direitos e judicialização. Estar atento às movimentações desses expressivos atores sociais, em um contexto de ampliação da influência e expansão da ação do Poder Judiciário, de transformações na atuação sindical e de potencial aprimoramento da democracia em nosso país, parece-nos um importante e instigante objeto de pesquisa. Referências Bibliográficas ALEMÃO, Ivan. “Justiça sem mérito? Judicialização e Desjudicialização da Justiça do Trabalho”. 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Trata-se de um fenômeno que se intensificou após a Constituição de 1988, com o processo de democratização e o fortalecimento de instituições de defesa de direitos (Ministério Público, por exemplo), bem como com a criação de novos direitos difusos e coletivos e procedimentos judiciais. Na seara trabalhista, pesquisas demonstram que o aumento da utilização do Judiciário se deu em escala crescente ao longo do século XX, com especial destaque para a década de 90, quando milhares de ações foram ajuizadas. Em termos gerais, as abordagens enaltecem a atuação do Judiciário como nova seara de luta democrática, ante a crise dos modelos clássicos de luta baseada na representação política. Sem pretender submeter as mudanças na vida institucional brasileira a uma análise dualista, consideramos que as análises preliminares deixam intocadas algumas questões relevantes sobre o tema, tais como as modificações da lógica de atuação dos sindicatos num cenário com novos protagonistas, os avanços e/ou retrocessos da concretização de direitos trabalhistas pela via judicial, bem como os reflexos gerais da institucionalização das lutas políticas sobre a organização da classe trabalhadora. Se este artigo, por um lado, está longe de constituir um esboço às grandes questões acima formuladas, cremos ser possível delimitar criticamente os limites e as contradições do processo de judicialização enquanto estratégia de intervenção social das organizações sindicais. 172 173 174 Mestrando pelo PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA. Mestranda pelo PPGSD/UFF. Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA. pesquisadora associada do CRH-UFBA. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 330 Em síntese, articulamos sistematicamente bibliografia sobre a judicialização das relações sociais em geral e das relações capital-trabalho, em particular. De forma suplementar, o estudo está ancorado em grandes séries históricas elaboradas a partir dos dados secundários do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do DIEESE. A judicialização não é um fenômeno estático, mas carregado de contradições e impasses. A transferência da solução dos conflitos de classe para a Justiça do Trabalho expressa a contradição do sistema de ordenação social que construímos ao longo dos últimos 20 anos: de um lado, o crescimento das demandas judiciais está conectado à ampliação de direitos sociais pela Constituição de 88, criando mecanismos de democratização do acesso ao sistema de justiça; por outro lado, parte dos incentivos às demandas judiciais trabalhistas se relacionam ao contexto de flexibilização das relações de trabalho, que teve como seus subprodutos um alto grau de fragmentação dos trabalhadores e a deslegitimação da norma trabalhista enquanto instrumento público de regulação da relação capital-trabalho. O recurso à justiça, pois, está inserido numa conjuntura bem mais complexa e instigante. Para além de ressaltar os efeitos positivos e negativos, cabe aqui investigar as relações existentes entre as conquistas sociais normatizadas e a conjuntura adversa para as organizações coletivas que se sucedeu. 2. O fenômeno da judicialização das relações sociais A judicialização das relações sociais ou das relações de classe é um fenômeno que se expandiu diante do atual cenário de radicalização da igualdade, no qual a vida política e social foi invadida pela agenda dos direitos e temas institucionais. Houve nos últimos anos do século XX uma crescente institucionalização do direito na vida social (VIANNA et alli, 1999). A idéia de instituições judiciárias herméticas e isoladas da realidade social, inacessíveis aos cidadãos comuns e à vida pública representa a história do Judiciário e sua imagem perante a sociedade durante muitos anos. Hoje em dia, com o processo de democratização a que estão sujeitas as sociedades capitalistas centrais e, de certa maneira, as periféricas, o Judiciário é tido como instituição basilar à consecução do Estado Democrático de Direito. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 331 A invasão do direito sobre o social avança na regulação dos setores mais vulneráveis, em um claro processo de substituição do Estado e dos recursos institucionais classicamente republicanos pelo Judiciário, visando dar cobertura à criança e ao adolescente, ao idoso e portadores de deficiência física. O juiz se torna protagonista direto da questão social. Sem política, sem partidos e vida social organizada, o cidadão se volta para ele, mobilizando o arsenal de recursos criado pelo legislador a fim de proporcionar vias alternativas para a defesa e eventuais conquista de direitos (VIANNA; BURGOS; SALLES, 2006, p. 3-4). O magistrado à frente da função jurisdicional ganhou visibilidade social enquanto protagonista da solução de conflitos nas diversas esferas. Essa explosão de litigiosidade foi, para Boaventura de Souza Santos (1999 apud ARRUDA, 2008, p. 46), uma das duas condições sociais que demonstram que essa maior participação do Judiciário no processo político e na vida pública foi uma necessidade histórica e não simplesmente fruto da vontade desta instituição. A segunda condição seria a crise da administração da justiça, na década de 70, fruto da expansão da luta pela efetivação de direitos sociais, apesar de este processo ter sido conduzido pela própria burguesia. Observa-se que o acesso à justiça, antes mitigado ou mesmo inviabilizado por requisitos e condições que excluíam a maior parte da população da dinâmica judiciária, foi elevado à situação de política pública, o que explica, para os autores já citados, a criação dos juizados especiais cíveis e criminais e crescente busca das instituições judiciárias e de defesa de direitos. Com efeito, o fenômeno da judicialização reflete, ainda, o êxito da utilização do direito e de suas instituições na organização do capitalismo após a crise do Welfare State. Há uma nítida mediação das relações por instituições políticas democráticas, evidenciando o papel do “legislador implícito” que adquire o Poder Judiciário (VIANNA et alli, 1999, p. 19-21). Em uma conjuntura de subrepresentação dos cidadãos no Congresso Nacional, em que a democracia representativa é colocada em xeque, e o descumprimento da norma jurídica ganha contornos ainda mais intensos, a busca pela efetivação de direitos por meio de instituições judiciárias apresenta-se como um caminho viável. O Direito do Trabalho tem participação nesse processo, uma vez que os conflitos trabalhistas viraram matéria sob jurisdição da Justiça do Trabalho, ensejando a mediação de relações sociais por uma instituição política democrática. Os conceitos de justiça e igualdade material penetraram numa seara até então privada, exigindo uma instituição pública de regulação, uma resposta para os conflitos de classe. Segundo Vianna et alli (1999, p. 15) “a criação desse A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 332 direito novo envolverá, assim, uma revisão dos pressupostos que informavam a ordem liberal, conferindo a ela um viés igualitário por meio da publicização da esfera privada”. Eis que a judicialização do mercado de trabalho, com a introdução da mediação pública na relação travada entre sujeitos desiguais, é tida nesse contexto como um indicador de democratização social. Contudo, como poderemos observar logo adiante, o caráter democratizante das instituições pós-constituinte entrou em contradição com as transformações econômicas e sociais que passaram a redefinir o papel do Estado brasileiro na década de 90. A porta da justiça trabalhista que se abriu aos indivíduos tornou-se estreita para as reivindicações judiciais coletivas, sentenciando um “novo mundo do trabalho” em súmulas e sentenças. 3. Bem-vindo ao admirável novo mundo do trabalho... A partir dos anos 1980, o capitalismo passa por uma fase de reestruturação em nível mundial. Tal processo é marcado pela implementação da globalização, da reestruturação produtiva e do neoliberalismo. Em linhas gerais, a globalização é um movimento estrutural do capitalismo, que juntamente com a reestruturação produtiva e o neoliberalismo, desenvolve características presentes desde os primórdios do capitalismo, mas também apresenta fenômenos novos, típicos desta época, a exemplo: das empresas transnacionais, da financeirização da economia, da livre circulação de capitais (sobretudo, financeiro), do desenvolvimento da telemática, das empresas transnacionais e da forte atuação das instituições multilaterais (Druck, 1999). A reestruturação produtiva é também um movimento de caráter estrutural do capitalismo que implementa intensas mudanças no mundo do trabalho e acontece em todos os países capitalistas industrializados, constituindo-se em uma resposta a um determinado padrão de acumulação capitalista do pós 2ª guerra, que entra em crise na década de 1970, qual seja: o fordismo. Assim, assiste-se a emergência de um novo padrão de acumulação, denominada por Harvey (1992) de acumulação flexível, que marca o processo de transição para as práticas mais flexíveis de organização da produção. No nível macro-sociológico, a reestruturação produtiva caracteriza-se, basicamente, pelo surgimento de novos setores, novos padrões competitivos, fusões e incorporações de empresas, crescimento do setor de serviços, reordenamento do mercado de trabalho e novas formas de relações de trabalho. No sentido mais restrito, a reestruturação produtiva caracteriza-se pela A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 333 aplicação de novos métodos de gestão e organização do trabalho - na maioria dos países, tais métodos são inspirados no modelo japonês-, bem como a introdução de inovações tecnológicas. No Brasil, a conjunção destes movimentos, configura um novo (“e precário”) mundo do trabalho que é caracterizado, fundamentalmente, por uma crise do emprego (ou do trabalho assalariado), por altas taxas de desemprego e pela emergência de novas (e precárias) formas de contratação da mão-de-obra, disseminadas através do aumento extraordinário da terceirização nos setores industrial e de serviços (ALVES, 2000). Druck e Franco (2007) afirmam que assistimos a um processo intenso de precarização social, que se expressa também: 1) nos baixos graus de proteção social e o não respeito aos direitos trabalhistas – como, por exemplo, o aumento expressivo da terceirização, do trabalho precário e das diversas formas de inserção inadequada dos trabalhadores (falsas cooperativas, relações de assalariamento disfarçadas, como as empresas do “eu sozinho”); 2) na expansão da informalização do mercado de trabalho; 3) na emergência de problemas de saúde e acidentes de trabalho, em função da intensificação do trabalho, da falta de treinamento dos trabalhadores, sobretudo, os terceirizados; 4) na fragilização e pulverização das organizações sindicais, que passam a vivenciar uma crise, encontrando dificuldades para conter a precarização do trabalho (voltaremos a falar desta questão de forma mais detalhada mais à frente). Druck (2009) defende que a atual precarização do trabalho é um fenômeno novo, cuja dimensão indica um processo inédito no país de precarização social nos últimos 20 anos, que está associado ao conjunto de mudanças políticas e macroeconômicas resultantes da implantação destes três processos distintos, mas que se retroalimentam (Filgueiras, 2006). Trata-se, portanto, de um processo que instala e institucionaliza a flexibilização do trabalho, renovando e colocando em novas bases a historicamente precária estrutura do mercado de trabalho brasileiro. A precarização do trabalho torna-se central na dinâmica do capitalismo atual no Brasil e no mundo, além de ser ampliada e generalizada para todos os segmentos e setores produtivos. A institucionalização desta precarização ocorre por meio das alterações na legislação do trabalho e da previdência, das novas formas de atuação de instituições públicas e de associações civis e pela fragilização e pulverização dos sindicatos. No âmbito mais geral, a tese defendida por Druck, relaciona-se a idéia de Appay (1997 apud Hirata e Préteceille, 2002) de que a precarização social se processa por meio de uma dupla institucionalidade: de um lado, a precarização econômica, que institucionaliza a flexibilização do trabalho; e de outro, pela precarização do sistema de proteção. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 334 Conforme Druck (1996, p. 33), as dificuldades políticas dos sindicatos diante do neoliberalismo são resultantes, em certa medida, de uma “epidemia da inevitabilidade” e da “inexorabilidade”, que tem levado o sindicalismo a adotar uma postura de adaptação e adequação à ordem vigente. “Os sindicatos são pressionados a cumprirem seu papel enquanto instituição da ordem capitalista”, uma vez que não há outra via além da ordem vigente. Em outros termos, a disseminação da epidemia da inevitabilidade e da inexorabilidade contribuiu para uma “despolitização” dos sindicatos. Divididos num terreno hostil e selvagem, os trabalhadores passaram a bater às portas do Poder Judiciário como última instância de reivindicação. Aqui, porém, não é permitido entrar de qualquer forma: o acesso “universal” à justiça foi contrabalanceado pelo bloqueio à atuação sindical, motivo pelo qual a judicialização das relações capital-trabalho merecem um tratamento específico diante do otimismo reivindicatório da geração de cidadãos-consumidores pósconstituinte. 4. A judicialização seletiva das relações capital-trabalho Em um modelo legislado como o brasileiro, o recurso à justiça representa a busca pela concretização da norma jurídica e, no caso do justrabalhismo, a efetivação de direitos desrespeitados (CARDOSO, 2001, p. 20). Com base no gráfico abaixo, podemos observar a judicialização das relações de trabalho a partir do incremento da demanda trabalhista individual no século passado: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 335 Gráfico 1175: Processos recebidos e solucionados nas Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho por ano, Brasil: 1941-2000 2000000 1500000 1000000 1999 1997 1995 1993 1991 1989 1987 1985 1983 1981 1979 1977 1975 1973 1971 1969 1967 1965 1963 1961 1959 1957 1955 1953 1951 1949 1947 1945 1943 0 1941 500000 Fonte: TST Acerca do gráfico Cardoso (2001, p. 20-21) explica que: Entre 1941 e 1961, a reta equivale a um acréscimo médio de 7.024 processos ao ano; Entre 1962 e 1970, a reta representa uma média de 32.252 processos a mais a cada ano; Entre 1971 e 1973, registra-se uma queda de mais de 14 mil processos ao ano, decorrente da ditadura repressiva; Entre 1974 e 1987, a reta inclina-se novamente apontando acréscimo de 36.293 processos ao ano; O período entre 1988 e 1997 representa a explosão de demandas individuais trabalhistas: 112.489 processos a mais a cada ano, o que significa um aumento do ritmo de crescimento três vezes maior; Por fim, entre 1998 e 2000, há uma queda que reflete a volta às médias anteriores de crescimento, reforçando o aumento vertiginoso do período anterior. 175 Citado por CARDOSO, 2001, p. 22. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 336 Atrelado aos processos políticos vividos pelo país, o fenômeno da judiciarização176 das relações de trabalho pode ser analisado a partir de momentos históricos como o fim da Era Vargas, a Ditadura Militar e a Constituição de 1988. Ao que tudo indica, há razões para acreditar que o processo de judiciarização das relações de trabalho está contaminado por aspectos da conjuntura política bem além do que seria de se esperar se o fenômeno fosse estritamente jurídico. As retas pontilhadas no gráfico, que ilustram cada um destes períodos, sugerem também que, depois de 1987, vivemos um momento inteiramente novo no processo de judiciarização das relações de trabalho, por sua intensidade inaudita (CARDOSO, 2001, p. 21). Esse período novo na judiciarização é marcado por um aumento expressivo na transferência dos conflitos trabalhistas para a Justiça do Trabalho, conforme tabela abaixo: TABELA 1 JUSTIÇA DO TRABALHO: MOVIMENTAÇÃO PRECESSUAL Novos Processos Recebidos e Julgados por grupos de anos (1981-2008) Anos 1981-1985 1986-1990 1991-1995 1996-2000 2001-2005 2006-2008 Total Recebidos V.A (%) 4.232.785 6,9 5.582.119 9,1 9.744.846 15,9 11.978.909 19,6 11.283.648 18,4 7.834.068 12,8 61.171.370 100,0 Julgados V.A 3.913.091 4.967.282 8.981.483 12.016.665 11.129.434 7.679.039 58.428.689 (%) 6,7 8,5 15,4 20,6 19,0 13,1 100,0 Fonte: Coordenadoria de Estatística do Tribunal Superior do Trabalho Contatamos um crescimento acentuado das ações trabalhistas entre os anos 1986-1990, passando de 4.232.785 novos processos recebidos (em 1981-1985) para 5.582.119 (1986-1990), representando um aumento de 6,8% de casos em relação ao período anterior. Não por acaso, neste período, inicia-se uma profunda recessão na economia brasileira - os anos de 1980 foram considerados pelos economistas como a década perdida, por conta da recessão marcada pelo aumento da inflação e do desemprego -, e, nos anos 1990, o movimento sindical brasileiro começa sofrer os impactos da reestruturação capitalista. Ou seja, no contexto recessivo dos anos 1980 176 Adalberto Cardoso (2001) assim chama o fenômeno em questão. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 337 (aumento das taxas de desemprego e inflação juntamente com as constantes defasagens salariais) e, ao mesmo tempo, de refluxo do movimento sindical, em 1990, cresce o número de movimentações processuais na Justiça do Trabalho. Verificamos, ainda, que a partir dos anos 1990 até 2000, há uma trajetória ascendente do número de movimentações processuais na Justiça do Trabalho, mesmo sob o reflexo do aumento do desemprego, que em tese, poderia ter causado uma queda no número de processos, por conta da diminuição do contingente de trabalhadores (principalmente dos assalariados). De 1996-2000, observamos o pico das movimentações processuais, com o recebimento de 11.978.909 processos. Tal período é marcado pelo aprofundamento da crise do movimento sindical, que levou tais entidades a buscarem outros campos de atuação, para além dos tradicionalmente utilizados nas décadas de 1970 e 1980. Por fim, verificamos uma pequena queda do recebimento de novos processos de 2001-2005, representando uma ínfima redução de 1,2% em relação ao período imediatamente anterior. Já o período de 2006-2008 não pode ser analisado comparativamente, por estar agrupado no intervalo menor de tempo do que os demais períodos analisados. Cardoso entende que o aumento das demandas trabalhistas individuais no Brasil está ligado à crescente “deslegitimação da norma jurídica entre os empresários, num ambiente em que outros agentes relevantes são incapazes de obrigá-los” (CARDOSO, 2001, p. 18). Temos, pois, duas faces de uma mesma moeda: de um lado há os empregadores que não se curvam ao Direito do Trabalho; de outro, há uma tentativa de os trabalhadores fazerem valer a normatividade prescrita em seu favor, diante do contexto de precarização das condições de trabalho. Na ausência ou insuficiência dos agentes de regulação fiscalizatórios das relações de trabalho, na incerteza da organização coletiva, e nesse contexto em que o empresariado coloca à prova os limites da ordem constitucional, trabalhadores individualmente recorrem mais à Justiça do Trabalho do que às greves para fazerem valer seus direitos, aumentando sua consciência jurídica e diminuindo sua atuação política (MORAES, 2008). No Brasil a lei é o elemento central da regulação capital e trabalho, motivo pelo qual a efetivação das normas é fundamental para a sua validade no mundo real. De uma forma bem vulgar, podemos afirmar que o Brasil é um exemplo de ordenamento, onde as leis historicamente não são cumpridas. E muitas vezes, apesar de efetivamente aplicadas as normas, o espírito das leis não é levado a cabo pelos tribunais. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 338 Nesse sentido, afirmam Cardoso e Lage: “é justamente a centralidade da lei no modelo brasileiro que torna relevante o estudo do desenho legal e do funcionamento real das instituições do mercado de trabalho”. Eis porque “nos modelos legislados o problema da validade e da faticidade da norma jurídica é central” (CARDOSO; LAGE, 2007, p. 17). Como a realidade aponta para um reiterado descumprimento da legislação e para uma insuficiente fiscalização177 por parte dos órgãos competentes, devido a problemas estruturais, observamos, assim como Cardoso (2001, p. 19), que “há razões para crer que, mais do que pela norma, a flexibilização opera intensamente por medidas administrativas e judiciárias”, numa alusão às instituições estatais de regulação do trabalho: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e a própria Justiça do Trabalho. A transferência dos conflitos trabalhistas para o Judiciário revela o processo de busca de concretização de direitos trabalhistas e, conseqüentemente, o não cumprimento contínuo à legislação pelos empregadores - seja pelo desrespeito a direitos, seja pela negativa de vínculo ou pela despedida sem pagamento das verbas rescisórias. São condutas que forçam os trabalhadores a ingressarem no Judiciário como meio de efetivação de direitos, arcando com o ônus de provar seus pedidos, com a realidade burocrática do processo judicial e da espera de meses ou anos. Atrele-se a estas condutas o fato de os empregadores valerem-se das condições de necessidade do desempregado para fazerem acordos lucrativos, abaixo dos valores devidos pelo trabalho realizado, prática que contribui para a idéia de que a Justiça do Trabalho transformou-se em um “balcão de negócios”. Diante disso, observamos que ajuizar uma ação trabalhista não significa garantia de direitos, nem mesmo a concretização do que foi burlado. A utilização do Judiciário pelo capitalista revela, muitas vezes, mais uma estratégia de exploração.No que diz respeito às demandas coletivas, observa-se uma queda no ajuizamento de dissídios coletivos. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômico (Dieese) realizou uma pesquisa178, em 2006, com intuito de mensurar a taxa de judicialização das negociações coletivas de trabalho no Brasil, no período de 1993-2005. Para tanto, utilizou como fonte de dados as informações dos instrumentos normativos resultantes dos processos de negociação coletiva 177 A fiscalização das empresas no Brasil é escassa e tímida, além do que, desde a década de 90, há uma política de valorização da negociação coletiva em detrimento das sanções por não cumprimento da legislação. 178 DIEESE. Estudos e Pesquisas, ano 2, n. 21, jun, 2006. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 339 cadastrados no Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas (SACC), desenvolvido pelo próprio Dieese. Nesta pesquisa, construiu-se um indicador síntese designado de “taxa de judicialização na solução de conflitos” – que diz respeito à proporção de instrumentos normativos decorrentes da Justiça do Trabalho179 sobre o total de instrumentos de negociações coletivas registrados no SACCDieese. De 1993-2005, a referida taxa de judicialização foi, em média, de aproximadamente 10%. A análise da evolução deste indicador revelou, conforme o Dieese (2006), uma tendência de queda. Em 1993, a taxa de judicialização das negociações coletivas foi de 20,2%, subindo para 28,3 no ano seguinte, alcançando o seu pico em 1994. E a partir daí, a pesquisa revelou uma queda acentuada até o ano de 2000, quando alcançou o patamar ínfimo de 2,3%. A partir daí, em 2001, a um pequeno aumento dessa taxa, passando para 6%. Depois, volta a declinar um ano após o outro, conforme podemos observar na tabela abaixo: 179 A solução dos conflitos trabalhistas coletivos pode ocorrer por duas vias: a administrativa - quando as partes envolvidas conduzem sozinhas o processo de negociação, dando ensejo à convenção coletiva ou ao acordo coletivo de trabalho -, e a judicial quando as partes levam o conflito ao Judiciário. No âmbito da Justiça do Trabalho, os conflitos coletivos podem ser solucionados de duas maneiras. Na primeira, há uma negociação dos termos do dissídio coletivo instaurado pelas partes, tendo o juiz como mediador. Se houver acordo neste processo de negociação, procede-se a homologação normativa e o caso está solucionado. Contudo, caso não seja possível chegar a um acordo, o juiz assume a função de arbitrar o conflito e prolatar uma sentença normativa. No indicador construído pelo Dieese foi levado em conta o total de instrumentos normativos da Justiça do Trabalho, independentemente se resultaram de acordos entre as partes, de homologação por juízes ou de sentenças normativas proferidas por juízes. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 340 TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS REGISTRADOS NO SACC-DIEESE, POR MODO DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO E INSTÂNCIAS DE FORMALIZAÇÃO, E TAXA DE JUDICIALIZAÇÃO NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS - BRASIL, 1993-2005 (%) MODOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS E INSTÂNCIAS DE FORMALIZAÇÃO ANOS 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 ACORDOS HOMOLOGADOS EM ACORDOS E DISSÍDIO COLETIVO CONVENÇÕES COLETIVAS TRT TST TOTAL 79,9 19,1 19,1 71,7 22,8 22,8 79,8 18,0 18,0 80,5 13,8 13,8 85,2 10,2 2,3 12,5 89,5 5,8 2,3 8,1 96,3 97,7 1,1 1,1 94,0 3,6 2,4 6,0 95,4 3,4 3,4 96,6 2,3 2,3 98,9 - (1) 2005 SETENÇAS NORMATIVAS TRT TST TOTAL 1,1 1,1 5,4 5,4 2,2 2,2 5,7 2,3 5,7 2,3 2,3 2,3 2,3 3,7 1,2 3,7 1,1 1,1 1,1 1,1 1,1 1,1 1,1 1,1 100,0 TAXA DE JUDICIALIZAÇÃO 20,2 28,3 20,2 19,5 14,8 10,5 3,7 2,3 6,0 4,6 3,4 1,1 0,0 Fonte: SACC-DIEESE (1) Cerca de 10% das unidades de negociação acompanhadas pelo SACC-DIEESE não haviam formalizado seus instrumentos normativos no momento da elaboração desse estudo. Parte deles pode estar em tramitação na Justiça do Trabalho. Em síntese, verificamos que a taxa de judicialização das negociações coletivas no Brasil, apresenta uma trajetória declinante a partir de meados de 1990. Para o Dieese, o fator explicativo do acentuado processo de queda da taxa é o caráter refratário da Justiça do Trabalho, uma vez que a redução do recurso à via judicial é proporcional à crescente rejeição dos juízes em julgar o mérito dos dissídios coletivos. A pesquisa concluiu que (2006, p. 13): A análise da taxa de judicialização no período compreendido entre 1993 e 2005 revela uma forte tendência de queda na recorrência à Justiça do Trabalho nos processos de negociação coletiva a partir de meados dos anos 1990. A trajetória declinante dessa taxa atingiu todos os setores econômicos e as regiões do País. Com isso, a via judicial de solução dos conflitos coletivos, que respondia por cerca de uma em cada cinco negociações coletivas entre 1993 e 1996, passou a ser pouco utilizada pelos agentes da negociação ao final da década. Cabe assinalar que a redução do recurso à via judicial ocorreu paralelamente a um processo de crescente rejeição do judiciário trabalhista a julgar o mérito dos dissídios coletivos. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 341 Se nos anos 80, época do sindicalismo novo, a Justiça do Trabalho respondeu bem às conquistas dos trabalhadores pela via coletiva, legitimando-as, na década de 90 esse cenário sofreu transformações, o que deu ensejo à conclusão de que “no campo do direito coletivo e da organização dos trabalhadores a Justiça do Trabalho criou obstáculos a uma condição de avanço” (KREIN; BIAVASCHI, 2007, p. 8). Como o Dieese não apresentou evidências deste caráter refratário da Justiça do Trabalho, buscamos ampliar as fontes de informações a partir de uma pesquisa realizada na Justiça do Trabalho180. De fato, há um alto índice de rejeição do mérito dos dissídios coletivos. É o que verificamos na análise do Relatório Geral da Justiça do Trabalho para 2008, elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), ano em que foi recebido um total de 988 dissídios coletivos. A autoria de 80% destes dissídios é proveniente da categoria empregado, isto é, 791 ações foram ajuizadas pelos trabalhadores. Entretanto, a decisão majoritária da Justiça do Trabalho foi pela extinção de 40% destas ações, ou seja, 331 ações foram rejeitadas e extintas sem julgamento de mérito. Atrelada a esses dados está a atuação do TST na década de 90, que expressou a limitação da função normativa da Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o uso do Judiciário na solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Horn (2006), ao analisar os “requerimentos processuais para a solução judicial dos conflitos coletivos”, afirma que até os anos 90 havia menos formalidade para a admissão dos dissídios, tendência revertida a partir de 1993, quando o TST publicou a Instrução Normativa n° 4, a qual abrigava uma maior formalidade procedimental. Em 1998, o TST procedeu a uma revisão dos precedentes normativos, os quais ganharam um conteúdo mais procedimental (relativo às regras formais de admissão dos dissídios pelo TST) do que substancial (ligado às temáticas trabalhistas). Segundo dados de Horn (2006) “o número de regras sobre a relação de emprego reduziu-se de 97 para 81 PN/TST, ao passo que o número de regras de procedimento aumentou de 22 para 42 PN/TST”, o que demonstra a mudança de pensamento dos ministros. Considera o autor que a diminuição de precedentes reguladores do 180 Trata-se de uma pesquisa documental e da base de estatísticas do TST, cuja atribuição é, dentre outras, a produção de relatórios anuais levando em consideração os dados do Judiciário Trabalhista na sua totalidade, isto é, em todas as suas instâncias (Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Varas Trabalhistas). Estes relatórios e também uma série de informações estatísticas encontram-se disponíveis no site http://www.tst.gov.br/. Acesso: 04/11/2009. O processo de pesquisa consistiu, na primeira fase, no levantamento dos relatórios e dos dados estatísticos. Após, selecionamos os dados mais significativos para compreender o processo de judicialização da relação capital-trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 342 cotidiano das relações de trabalho mostrou um recuo do TST no julgamento dos dissídios e um distanciamento dos entes coletivos. Foi, portanto, a partir de meados de 90 que o tribunal adotou o caminho da formalidade procedimental no que tange aos dissídios coletivos, ao cancelar precedentes normativos positivos e modificar o conteúdo de outros, gerando as altas taxas de decisões sem o julgamento do mérito181. A mudança de posicionamento do tribunal refletia a conjuntura de então. A valorização das negociações entre as partes na relação laboral não repercutia apenas nas relações individuais. Com o novo posicionamento do TST, a regulação das relações coletivas de trabalho fica a cargo da literalidade da lei e dos consensos entre patrões e empregados. Observa-se um recuo das instâncias do Judiciário trabalhista na manutenção e promoção do poder normativo182 desta justiça, onde o TST inibiu a consecução desse instrumento judicial coletivo. Conforme Alemão (2005), o tribunal trabalhista tratou de limitar a função normativa da Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o uso do Judiciário na solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Opina Garbin (1998) que “o comportamento do TST faz parte da estratégia de flexibilização da solução judicial e de incentivo da negociação direta como forma de resolução dos conflitos intersindicais”. Desse modo, entendemos que as conquistas sindicais da década de 80, através da força política dos trabalhadores, que haviam desembocado na edição de precedentes a eles favorável e com conteúdo ampliador, sofreram forte abalo com a mudança de posicionamento do TST, repercutindo na postura dos sindicatos nas mesas de negociações coletivas. Com efeito, a redução da taxa de judicialização dos conflitos coletivos tem relação direta com o fortalecimento da negociação pela via administrativa. Uma das expressões deste processo é o aumento das convenções e acordos coletivos realizados pelas entidades patronais e de empregados sem interferência da Justiça. Conforme o estudo de Horn (2009), para avaliarmos o aumento das negociações coletivas e entender se este aumento representa o fortalecimento da regulação do trabalho no país, é fundamental avaliar as cláusulas que as compõem - se são 181 É o que faz Ivan Alemão (2005) questionar a judicialização, tratando-a como “desjudicialização” no que tange às demandas coletivas. Há, desde meados de 1990, uma queda no número de demandas coletivas na Justiça do Trabalho, ensejando negociações coletivas entre as partes e longe do crivo do Judiciário. Segundo o autor, houve uma tendência do TST a evitar julgamentos, configurando o que chamou de absenteísmo de cúpula. 182 Trata-se da competência que a Justiça do Trabalho tem para solucionar dissídios coletivos, criando desta forma norma entre as partes que deve ser cumprida nos ditames da sentença normativa. Abordaremos essa peculiaridade da Justiça do Trabalho mais adiante. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 343 cláusulas adicionais, que representam conquistas de direitos para além daqueles já trazidos pela legislação ou se apenas reproduzem o conteúdo celetista183. Krein (2004, p. 46), ao analisar a regulação do trabalho pelas negociações coletivas na década de 90, afirma que, diferentemente do que ocorreu nos anos 80, a maioria dos temas em pauta na mesa de negociação tinha relação com a flexibilização e que não se havia obtido, por esta via, novos direitos ou conquistas. A flexibilização também ocorreu na dinâmica dos atores sociais, via negociação coletiva, e pelo poder discricionário das empresas. Analisando o comportamento das negociações coletivas é possível observar que os novos temas de disputa são os relacionados com a flexibilização. Além disso, poucas categorias conseguiram conquistas substantivas no período. A manutenção das cláusulas sociais e dos benefícios conquistados anteriormente foi considerada, pelos dirigentes, como uma conquista. Os pontos principais da agenda de negociação foram: PLR, barganha de direitos, recuperação das perdas salariais, saúde e segurança, flexibilização da jornada de trabalho, etc. Em outros termos, nos anos recentes, diferentemente da década de 1980, as negociações não conseguiram ser um espaço de novas conquistas, mas de administração de prejuízos. Esta análise de Krein (2007, p. 76) conclui que no período de 1995-2003, as negociações coletivas deixaram de ser expressão da ampliação da regulação e passaram a contribuir para a desregulamentação de direitos e legitimação da flexibilização. Desse modo, questionamos a validade do aumento do número de negociações coletivas realizadas pelos sindicatos como expressão de autonomia e de conquista de direitos. Quais são, pois, os reflexos da judicialização sobre a atuação sindical? O que levou sindicatos e trabalhadores a optarem pela “judicialização” dos conflitos oriundos da relação capital-trabalho? Eis o que pretendemos abordar a seguir. 5. A judicialização e as novas faces da atuação sindical O protagonismo crescente do judiciário na seara trabalhista está conectado a transformações nas estruturas sindicais, na sua capacidade de organização e modos de atuação. No período em que o movimento sindical detinha uma maior capacidade de mobilização, como 183 Ressaltam Horn (2009) e Krein (2007) que não são desprezíveis as cláusulas que simplesmente reproduzem a lei, já que reflete “uma estratégia sindical para garantir a efetividade da norma legal através da publicização, servindo, também, para viabilizar a cobrança de multas no caso de descumprimento da lei, através da sua ‘transformação em cláusula’” (KREIN, 2007, p. 57). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 344 ocorreu no contexto do “novo sindicalismo”, o recurso a via judicial era secundário. Mas no contexto de flexibilização do trabalho e dos direitos trabalhistas, com o grau de fragmentação, institucionalização e burocratização do sindicalismo, a via judicial passa a ser acionada com maior freqüência. Os conflitos trabalhistas passam a ser transferidos de forma individualizada para a Justiça do Trabalho. A ênfase na atuação nos espaços institucionais em detrimento dos movimentos de massa revela, conforme Druck (1996), que o sindicalismo vivencia um intenso processo de despolitização, a qual se expressa, de um lado, na falta de perspectiva política mais geral de transformação e de luta pela hegemonia na sociedade; e de outro no reforço da atuação dos sindicatos enquanto instituição do capital. Este fato faz com que o sindicalismo atue no campo da “legalidade do capital”, sem conseguir vislumbrar um caminho independente para a classe trabalhadora. Assim, os sindicatos deixam de se constituir em um “meio para construir a legalidade própria da classe trabalhadora, que reconstitua a sua identidade, e que contribua efetivamente na construção de um projeto político alternativo a hegemonia neoliberal”. (DRUCK, 1996, p. 34). A falta de um projeto político que dê uma direção mais ampla ao movimento sindical ocupa um lugar central no processo de despolitização vivenciado pelos sindicatos, pois a ausência deste projeto tem levado a emergência de dois processos: de um lado, a atuação mais imediatista, referenciada apenas no presente, estabelecendo, portanto, uma ruptura com a construção histórica das estratégias do movimento sindical dos anos 1980; e de outra parte verifica-se uma apologia ao “novo”, levando as direções sindicais a descartar práticas políticas em nome de novas formas de atuação, mais “condizentes” com o novo contexto (DRUCK, 1999). Em uma pesquisa que abordou a relação entre o MPT e os sindicatos, Valentim e Carelli (2006) apontam para o crescimento gradual da utilização da instituição pelos sindicatos por meio de representações. Em suma, os autores revelam que os sindicalistas passaram a encarar o MPT como um aliado na luta pela garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores, reduzindo, porém, a atuação dos sindicatos à defesa dos interesses de suas respectivas categorias. Se as lutas mais gerais estão desconectadas da práxis cotidiana das organizações sindicais, a judicialização surge no horizonte sindical como uma opção que segue a mesma lógica de inserção institucional nos aparelhos de Estado, ressalvadas as especificidades de cada Poder. Esta relação com os aparelhos de Estado, contudo, nunca foi consensual, mesmo nos extratos hegemônicos do sindicalismo brasileiro. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 345 Por outro lado, não se pode olvidar que parte dos conflitos entre capital e trabalho decorre dos limites estruturais das instituições de fiscalização do sistema de regulação das relações de trabalho. Não havendo fiscalização eficiente o resultado são relações de trabalho precárias, nas quais o patronato ou atua com base na normatividade flexibilizada ou se vale da ilegalidade. Os sindicatos são empurrados, pois, para uma atuação defensiva e extremamente desigual. Sobre o assunto opina Souto Maior (2008): Diante da falência estrutural dos entes de fiscalização, percebeu-se que melhor mesmo seria não registrar o empregado, pois nenhuma incidência tributária precisaria ser respeitada e em eventual futura reclamação trabalhista, movida pelo “ex-empregado”, o próprio vínculo poderia ser posto em discussão. O acordo, então passava a ter uma abrangência global. Pagamento de um valor “x” pela “quitação” de tudo, incluindo a própria natureza do vínculo. [...] Mesmo sem a concretização do acordo, a situação configurava-se vantajosa porque parcela da Justiça do Trabalho, um tanto quanto desatenta à realidade social e aos preceitos da teoria geral do processo, considerava que o vínculo jurídico declarado em juízo não gerava incidência das multas pertinentes aos descumprimentos da legislação trabalhista. Assim, quem registrava seus empregados e pagava as verbas rescisórias com um dia de atraso estava sujeito a pagar multa prevista do §8° do art. 477 da CLT. Já quem não registrava e, conseqüentemente, sequer pagava verbas rescisórias, não estava sujeito a multa alguma. Ademais, numa conjuntura de fragilização das condições de vida da população e de sujeição de vastas camadas da classe trabalhadora a uma extrema vulnerabilidade social, o recurso à justiça retira para obtenção de acordos acaba por se transformar na via mais rápida para o atendimento das necessidades básicas do trabalhador num país marcado por altas taxas de desemprego de longa duração. No plano individual os efeitos não deixam de ser danosos. Reflexo do indivíduo econômico que se desenvolve na conjuntura neoliberal, a fragmentação dos coletivos arrefece os conflitos de classe (e a capacidade de resistência dos trabalhadores), transformando-os em conflitos individuais, fruto do contrato entre duas partes. Ingressando individualmente no Judiciário à busca da efetivação dos seus direitos, o trabalhador adquire consciência jurídica e perde atuação política (MORAES, 2008). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 346 Dentro de uma estrita atuação judicial, trabalhadores individualizados e sindicatos estão plenamente integrados à ordem vigente, atuando sobre um cenário de diálogos pré-fabricados, cujos resultados estão limitados ao juridicamente previsto. 6. Considerações finais As transformações do capital no mundo do trabalho alteraram radicalmente a “forma de ser de classe trabalhadora” (ANTUNES, 1997). No Brasil, estas mudanças são marcadas: 1) pela constituição de um processo de desindustrialização e desproletarização; 2) pela redução do trabalhador fabril, industrial, manual e estável; 3) pelo aumento das formas flexíveis de contratação; 4) pelo aumento do desemprego estrutural; 5) pelo crescimento do setor de serviços; 6) pelo aumento da participação do trabalho feminino na economia. Esse cenário instituiu uma conformação mais complexa da classe trabalhadora, que se tornou mais heterogênea e fragmentada, impondo novos desafios ao movimento sindical. Diante do cenário apresentado, vários fatores são utilizados para explicar o comportamento das taxas de judicialização da relação capital-trabalho, dentre os quais destacamos: a) a ampliação de direitos sociais pela Constituição de 88; b) deslegitimação da norma trabalhista no modelo legislado brasileiro; c) o reiterado descumprimento das normas pelo capitalista e o cálculo racional do custo benefício deste descumprimento; d) a flexibilização da legislação trabalhista e do mercado de trabalho; e) a insuficiente capacidade fiscalizatória estatal; f) o alto grau de fragmentação dos coletivos; g) a fragilização da combatividade sindical; h) o ajuizamento de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho; i) a atuação refratária da Justiça trabalhista diante dos dissídios coletivos. São razões ensejadoras de um contexto complexo e dinâmico que desafia o caráter benéfico da judicialização, apresentando elementos que demonstram o uso do Judiciário como estratégia capitalista de dominação sobre o trabalho. Contexto este que revela os reflexos de uma judicialização ao revés para os dissídios coletivos e a obrigatoriedade das negociações coletivas como caminho para a atuação sindical. É inegável que os fatores apresentados se relacionam intimamente, gerando o fenômeno da judicialização. É o que ocorre com a deslegitimação (e inefetividade) da norma trabalhista na lógica do modelo legislado, processo que se acentua por meio da insuficiente fiscalização estatal, do reiterado descumprimento da lei e, conseqüentemente, pelo cálculo racional efetuado pelo A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 347 capitalista sobre os custos e benefícios do pagamento dos direitos trabalhistas ou do uso do Judiciário. Observamos, portanto, que no contexto de flexibilização e precarização do trabalho, bem como da crescente institucionalização do direito na vida social, a atuação sindical apresenta novas faces e os conflitos trabalhistas são transferidos cada vez mais ao judiciário de forma individualizada, ao passo que negociações coletivas são incentivadas, sem contudo responder à necessidade de garantia e conquista de direitos. Referências Bibliográficas ALEMÃO, I. Justiça sem mérito? Judicialização e desjudicialização da Justiça do Trabalho. Publicado em: Revista Justiça do Trabalho, n. 254, ano 22, fev 2005. ALVES, G. Do “novo sindicalismo” à “concertação social”: ascensão (e crise) do sindicalismo no Brasil (1978-1999). Revista de Sociologia e política, n. 15, Curitiba, nov. 2000 ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? – ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. ARRUDA, K. M. A atuação do Judiciário trabalhista e a precarização do trabalho. 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Dentro deste debate sindical, a atenção se volta para aqueles que representam os trabalhadores da Toyota: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. Em ambos os casos, o objetivo é se debruçar sobre as atividades sindicais nesta empresa, relacionando-as a movimentos sindicais mais gerais. De forma mais ampla, no caso do ABC Paulista, essas atividades dizem respeito a práticas que surgiram como alternativa a um novo contexto da indústria automobilística brasileira, marcado em grande parte por demissões, processos de reestruturação, modernização, adoção de novas tecnologias e pela desterritorialização de unidades produtivas. Quanto ao Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, as práticas sindicais em questão dizem respeito às suas principais formas de atuação a partir do crescimento de um novo contingente de trabalhadores frente a um cenário anterior caracterizado pelo desemprego e por processos de modernização produtiva. Argumenta-se que com o crescimento das atividades da Toyota no Brasil houve uma ampliação na atuação sindical de seus trabalhadores, mas percorrendo dois caminhos distintos. Um breve esboço daquilo que sugiro chamar de dois “padrões de sindicalismo” nos oferece pistas para compreender quais foram as alternativas colocadas em prática por estes sindicatos. Por um lado, as atividades sindicais na unidade da Toyota de São Bernardo do Campo desenvolveram-se especialmente a partir da metade da década de 1990, acompanhando a tendência de organização por local de trabalho e negociação por empresa do sindicalismo do ABC. 184 185 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] Este artigo é resultado parcial da pesquisa “Sindicatos e relações de trabalhos na Toyota do Brasil: São Bernardo do Campo e Indaiatuba em uma perspectiva comparada”, financiada pela Fapesp, a quem agradeço pelo apoio. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 351 Por outro lado, na unidade da Toyota de Indaiatuba, as atividades sindicais mais expressivas têm início no final daquela década e, apesar de ali também haver uma tendência às negociações por empresa desde os anos 80, a maioria dos temas negociados ainda dizia respeito aos salários (reajuste, reposição de perdas, aumento real, piso salarial) e às condições de trabalho (refeitório, convênio médico, condições de trabalho insalubres e perigosas, renovação de benefícios sociais) (ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001). Quanto à estrutura de representação interna e à organização sindical, também há diferenças marcantes entre o sindicalismo do ABC e o de Campinas: no primeiro vigora atualmente um modelo “híbrido” de representação interno às fábricas, que contempla as comissões de fábrica e os comitês sindicais de empresa. Já no segundo caso, oficialmente não há representação sindical interna, o sindicato atua, portanto, fora dos portões das fábricas. Em um primeiro momento do artigo introduzo um debate sobre a indústria automobilística brasileira, localizando a discussão sobre os trabalhadores metalúrgicos e seus sindicatos. Em seguida, apresento o contexto geral que envolveu o sindicalismo metalúrgico durante a década de 1990, ressaltando os casos do ABC Paulista e de Campinas. Baseado nos dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho), realizo uma breve caracterização das regiões de Campinas e do ABC Paulista em termos de emprego e mão-de-obra do setor. Por fim, busco demonstrar quais foram as principais ações sindicais mais recentes na Toyota do Brasil. E quais são os motivos que levam a um estudo sobre os trabalhadores da Toyota do Brasil? Em seguida, procuramos responder a esta questão. Elegemos como objeto de análise os trabalhadores da empresa que, devido ao seu pioneirismo, tornou-se emblemática no que se refere a formas de gestão da produção: a Toyota. Mas, apesar desta empresa ter sido objeto de vários estudos no âmbito acadêmico internacional nas últimas três décadas, cabe ressaltar que esta pesquisa se apóia em uma lacuna observada na literatura da sociologia do trabalho brasileira. Aponto para o fato de que há, até o presente momento, poucos estudos de caso dedicados à Toyota do Brasil que contemplem questões a respeito dos sindicatos metalúrgicos e do cotidiano de seus trabalhadores ao longo da trajetória desta empresa no país. Parte da ausência de estudos de caso sobre as atividades da Toyota do Brasil se deve a algumas particularidades. Em seguida, sugerimos quais seriam elas. A primeira unidade produtiva internacional da empresa (ou seja, fora do Japão) foi instalada em 1958 no município de São Paulo. Quatro anos mais tarde, em 1962, no município de São A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 352 Bernardo do Campo (SP), foi inaugurada outra unidade produtiva, dedicada à fabricação do veículo Bandeirante. Dando início a um novo período de investimentos, somente no ano de 1996 esta planta sofreu um processo intenso de reestruturação produtiva, ou seja, quase trinta e cinco anos após a sua chegada ao Brasil. No ano de 1998, uma nova unidade produtiva foi criada no município de Indaiatuba (SP), com investimentos de cerca de 300 milhões de dólares e no ano de 2008, a empresa anunciou a criação de uma futura unidade de produção no município de Sorocaba (SP), com investimentos estimados em cerca de 1 bilhão de dólares. A atual baixa participação da Toyota na produção do mercado interno de veículos (cerca de 56.000 veículos produzidos em 2007 ou 2,34% do total) e a implantação tardia de formas de gestão e novas tecnologias em uma nova unidade produtiva talvez explique, em partes, a escassez de estudos dedicados aos trabalhadores desta empresa, hoje em um número total de cerca de 3.300186, distribuídos em duas unidades produtivas e dois escritórios administrativos. Apenas recentemente a Toyota tornou-se representativa na produção de veículos de passeio no mercado brasileiro, sendo possível constatar que há um intervalo de décadas desde a chegada da empresa ao Brasil à inauguração de plantas “enxutas” sob o formato de gestão do STP (Sistema Toyota de Produção). Do ponto de vista das relações de trabalho estabelecidas no âmbito da produção, esta distância se apresenta enquanto práticas sociais construídas de formas distintas em São Bernardo do Campo e em Indaiatuba. Sob este ponto de vista, trata-se de diferenças que então parecem reverberar como uma tensão. Além de questões relacionadas à dinâmica do setor, gestão da produção, cadeias produtivas e políticas industriais entre outros, esta ampliação das atividades da Toyota do Brasil coloca em discussão a representação sindical de seus trabalhadores especialmente por dois motivos, que parecem apontar para uma ampliação das ações sindicais: a) se comparada às grandes empresas do setor, até o ano de 1996 a organização sindical dos trabalhadores da unidade da Toyota de São Bernardo do Campo era bastante limitada, fato que passa a mudar com o anúncio da criação de uma nova montadora da empresa e da subseqüente reestruturação desta planta; b) a partir de 1999, na unidade da Toyota de Indaiatuba, o movimento sindical de seus trabalhadores se torna atuante, apesar da inexistência de formas de organização sindical internas à empresa; 186 Fonte: ANFAVEA, 2009 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 353 Assim, algumas questões podem ser levantadas: quais foram os caminhos percorridos pelos sindicatos metalúrgicos face às dificuldades encontradas durante a década de 1990? Quais os impactos que a abertura de novas plantas produtivas teve para a ação sindical de antigas e novas localidades? Quais foram as demandas e as ações dos trabalhadores da Toyota nesse período? Procurarei no decorrer deste artigo responder a tais questões. Inicialmente, é útil realizar uma breve caracterização das mudanças ocorridas na indústria automobilística brasileira a partir da década de 1990, assim como demonstrar a interpretação de uma literatura sobre esses acontecimentos. Através disso, é possível identificar como tais mudanças tiveram impacto na organização do movimento sindical, especialmente na mobilização de suas bases e na transformação das relações de trabalho. Mudanças nas Relações de Trabalho na Indústria Automobilística É possível afirmar de uma forma geral que na década de 1990 a indústria automobilística emergiu novamente no âmbito da produção industrial como um passaporte para a modernização da economia do país. Diferente da década de 1960, desta vez ela esteve acompanhada pelo discurso da “reestruturação” e pela disseminação de um vocabulário extenso intimamente ligado às novas tecnologias, às novas formas de gestão da produção e aos novos encadeamentos produtivos: Just-In-time, Kanban, Kaizen, Círculos de Controle de Qualidade, flexibilização, multifuncionalidade, lean production. Tais mudanças sofridas pela indústria automobilística podem ser compreendidas enquanto estratégias de racionalização do processo produtivo que acompanham historicamente as empresas do setor, de forma que são constantes as mudanças que visam aumentar a produtividade e atender as demandas do mercado (RODRIGUES & RAMALHO, 2007). Vários foram os estudos da sociologia do trabalho brasileira que na década de 1990 procuraram desvendar como essas formas de gestão passaram a ser aplicadas na indústria nacional (ARBIX & ZILBOVICIUS, 1997; LEITE & RIZEK, 1997; GITAHY & BRESCIANI, 1998; ABREU, PAIVA & RAMALHO, 1998; CARDOSO, 1999). No final da década de 1980 foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre Brasil e Argentina, um acordo bilateral fixando como meta o estabelecimento de um mercado comum, no qual outros países latino-americanos poderiam se unir, o que de fato ocorreu em 1991 com a adesão do Paraguai e do Uruguai, dando origem ao A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 354 Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O complexo automotivo brasileiro, defasado em termos tecnológicos se comparados aos modelos das matrizes mundiais, agora enfrentava as novas exigências colocadas pela regionalização e pela expansão global em termos de competitividade. A reação das montadoras com relação a esse novo contexto foi visar a sua sobrevivência a longo prazo e, nesse sentido, a experiência da Câmara Setorial Automotiva 187, iniciada em 1991, recebeu grande atenção por parte das empresas, do Estado e dos trabalhadores, espantando as previsões mais pessimistas. No entanto, tal experiência foi abandonada no ano de 1995, no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Um aspecto a ser ressaltado é que em 1995 o déficit comercial foi de US$ 3,3 bilhões ou 2,5% do PIB (IPEA, 1997). Por isso, em março do mesmo ano, junto com o Novo Regime Automotivo, uma Medida Provisória aumentou a alíquota de importação de 20% para 70%, favorecendo as montadoras já instaladas no país. Com isso, o governo procurou aliviar a balança comercial. A partir daquele ano, novas políticas industriais regulatórias tomavam rumos com o Novo Regime Automotivo (NRA), criado a partir da Medida Provisória 1.024 de 13/06/1995. Desencadeando uma intensa disputa fiscal que envolveu estados e municípios, a atração de novos investimentos por empresas do setor automotivo foi bem-sucedida durante a vigência do NRA. Mas, por outro lado, o universo do trabalho e dos trabalhadores não fora contemplado por tais políticas (ZILBOVICIUS; ARBIX, 1997; CARDOSO, 2000; ARBIX, 2002), e o discurso que alimentava a constituição de novas institucionalidades constantemente condenava a ação dos sindicatos. Para estes personagens, o horizonte de possibilidades parecia traduzir-se no desfecho de um ciclo de renovação a partir do chamado “novo sindicalismo” para a abertura de um outro, caracterizado pela desregulamentação. Do ponto de vista das relações de trabalho nas montadoras, os novos arranjos produtivos, considerados em seu nível da “prática” (ZILBOVICIUS, 1997), contribuíram para promover movimentos de mudança na divisão e no conteúdo do trabalho no ambiente interno das fábricas, assim como na composição da mão-de-obra das empresas. Estas mudanças na organização do trabalho, se comparadas a períodos anteriores, especialmente no período de 1960 a 1980 no caso brasileiro, são bastante significativas e nos permitem dizer que, devido ao ineditismo dos próprios arranjos organizacionais ─ ou seja, 187 As Câmaras Setoriais criadas em 1989 e desativadas em 1995 foram um arranjo institucional que teve como objetivo promover a discussão de medidas de política industrial setorial, a serem promovidas pelo governo federal. Para mais informações sobre a Câmara Setorial da Indústria Automobilística ver ARBIX (1997) E ANDERSON (1999). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 355 considerando que estes são objetos historicamente construídos em determinadas condições ─, representam mudanças substantivas relacionadas ao trabalho nos “chãos-de-fábrica”, desdobrando-se também em desafios para os sindicatos. Podemos dizer que tais transformações passaram a afetar as bases de sustentação dos sindicatos metalúrgicos em pelo menos três aspectos: reduzindo sua base quantitativa; mudando o perfil de qualificação dos trabalhadores; e introduzindo modelos de gestão da força de trabalho. Para além da discussão das formas de gestão que passaram a compor as estratégias de produção das montadoras no período, vale ressaltar que as formas organizacionais isoladamente não explicam mudanças nas relações de trabalho. Neste sentido, o trabalho de Martins & Rodrigues (1999) é bastante elucidativo ao demonstrar a complexidade e a heterogeneidade do debate sindical a respeito das mudanças nas relações de trabalho em meados da década de 1990. Os autores afirmam que houve, no período, a ampliação do escopo da negociação direta entre patrões e empregados e haveria, entre esses dois pólos, uma pluralidade de elementos importantes, como, por exemplo: os padrões distintos de ação sindical dos metalúrgicos de São Paulo, representados pela Força Sindical, e dos metalúrgicos do ABC Paulista, representados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT); a ação direta do Estado através Medida Provisória da Participação dos Trabalhadores nos Lucros e Resultados; Já Cardoso (1999) constata que apesar de o sindicalismo brasileiro ser fragmentado, descentralizado e manter traços gerais da “velha estrutura” corporativista, tal fragmentação também é sinônimo de organização de interesses, e não de fragilidade do movimento sindical. Ou seja, apesar da estrutura sindical combinar conservação e mudança, ela possui um dinamismo inovador na ampliação quantitativa e qualitativa da prática sindical. Dentre as diversas conclusões sobre o sindicalismo brasileiro na década de 1990, uma delas pareceu unânime na literatura: a constatação de que os trabalhadores metalúrgicos e seus respectivos sindicatos foram pressionados por uma nova conjuntura, tanto nos “chãos-de-fábrica”, isto é, no espaço microorganizacional, quanto fora deles. Pesquisadores apontavam a existência de uma “nova contratualidade” entre os principais atores envolvidos no complexo automotivo, isto é, a relação dos sindicatos com as empresas estaria passando de um tipo “conflitivo de anulação” a uma “relação conflitiva de reconhecimento mútuo”. Nos países centrais, especialmente na Europa, o declínio da participação dos sindicatos nas questões relacionadas ao A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 356 trabalho parecia ser um processo de difícil retorno que anunciava a “crise” do sindicalismo (RODRIGUES, 1999). As especificidades e as recentes formas de atuação dos sindicatos analisados nesta pesquisa permitem demonstrar alguns aspectos que vão em direção contrária ao debate sobre a “crise”, ao observarmos que o espaço para a organização sindical no setor automotivo brasileiro tem revelado novas formas de participação política e de negociação. Tomando de empréstimo a tese de Hyman (1997), podemos argumentar que o que ocorre não é propriamente a desagregação, a divisão e o fim do sindicalismo solidário, mas sim uma crise de orientações tradicionais do sindicalismo, sendo necessário levar em consideração, por exemplo, mudanças geracionais e de orientação dos trabalhadores (PIALOUX & BEAUD, 2009). Se avançarmos até os recentes estudos de caso sobre trabalhadores de novos (no caso do Sul fluminense e do Paraná) e antigos locais produtivos (no caso do ABC Paulista) do setor automotivo (RAMALHO 2007; RODRIGUES & RAMALHO, 2007), o que se constata é que os trabalhadores e os sindicatos dessas localidades “têm se posicionado de modo a ampliar o seu escopo de atuação assumindo novas responsabilidades e repensando seu modo de atuação” (Idem p. 39). Consideradas caso a caso conforme a localidade, as empresas analisadas, o perfil do trabalhador e as diferentes propostas defendidas pelos sindicatos, os estudos mencionados acima procuram trazer novas questões para discussão, contribuindo para reconsiderarmos o declínio do sindicalismo entendido enquanto um debate encerrado. Mais do que isso, dado a tendência mais geral de organização sindical que se caracteriza pelas negociações por empresa, é necessário estar atento às diversas formas de atuação sindical existentes. Como veremos mais adiante, os trabalhadores da Toyota de São Bernardo do Campo e de Indaiatuba procuraram estabelecer novas formas de organização coletiva a partir de meados da década de 1990, justamente no mesmo período em que o declínio do sindicalismo aparecia na literatura e nos discursos enquanto uma tendência inevitável. Ao mesmo tempo, as questões relativas ao trabalho nas montadoras ganharam novas características e contingentes de trabalhadores em novas localidades passaram a surgir, trazendo novos elementos de análise para os pesquisadores. Após estas considerações, procuramos em seguida caracterizar a composição do emprego na indústria automobilística dos dois municípios analisados entre os anos de 1998 a 2008, assim A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 357 como também demonstrar a evolução do emprego nas regiões do ABC Paulista e da Região Metropolitana de Campinas. A partir disso, torna-se possível verificar quais são os principais atributos da mão-de-obra metalúrgica sobre a qual este estudo pretende se debruçar e como se comportou o setor automotivo em termos de emprego. Caracterização dos Trabalhadores Metalúrgicos Considerando as dificuldades de se realizar uma pesquisa aprofundada sobre os trabalhadores metalúrgicos com a permissão da Toyota do Brasil, a exposição dos dados a seguir pretende estabelecer um perfil mais geral e sintético dos trabalhadores metalúrgicos da Toyota de São Bernardo do Campo e de Indaiatuba. As questões relacionadas à filiação sindical, participação em assembléias, ou seja, de atividades sindicais, foram exploradas através de entrevistas com trabalhadores, cipeiros e dirigentes sindicais. No período de 1998 a 2008 a atividade do setor automotivo refletiu, em grande medida, uma expansão dos investimentos feitos durante o NRA. No ano de 2007 o Brasil foi o sétimo maior produtor de veículos do mundo, contando com 27 montadoras e 49 plantas industriais abastecidas por mais de 600 empresas de autopeças. O seu complexo industrial possuía no momento capacidade instalada para produzir 3,5 milhões de veículos por ano. A participação do setor automotivo sobre o PIB industrial chegava 22,1% e a participação sobre o PIB total do país somava 5,4%. Segundo estimativas da ANFAVEA, o ciclo total de investimentos alcançaria o patamar de US$ 20 bilhões nos próximos três anos, o que inclui a cadeia de fornecedores188. As empresas associadas à ANFAVEA responderam, em 2007, pela geração de 120 mil postos de trabalho direto. Ainda que atualmente o aumento da quantidade de efetivos tenha, em alguma medida, afastado as previsões mais pessimistas, diferente do que aconteceu em décadas anteriores a dinâmica do mercado de trabalho deste setor passou a privilegiar enquanto tendência trabalhadores majoritariamente do sexo masculino, mais jovens e com maior instrução formal. Isso é válido tanto para o caso do ABC quanto para Campinas, como veremos adiante. Na região do ABC Paulista, no ano de 1988 o número total de trabalhadores empregados formalmente no setor era de 76.767. Uma década depois, em 1998, os trabalhadores somavam 59.714, havendo uma redução de cerca de 22,2% em relação ao primeiro ano. A redução desse 188 Fonte: BNDES, 2008 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 358 contingente pode estar relacionada diretamente aos processos de racionalização produtiva (CARDOSO, COMIN & CAMPOS, 1997) e ao contexto de organização das relações de trabalho industrial do período. Para Conceição (2007), a abertura comercial, a intensificação do global sourcing e o surgimento de novos pólos automotivos contribuíram para a queda no nível dos empregos no ABC. Segundo o gráfico 1, é possível verificar que houve um ligeira estabilidade de empregos na indústria automobilística do ABC Paulista até o ano de 2003, quando houve queda de 3,1% no número de empregados. A retomada do setor, ancorada pelo mercado interno, teve início em 2003, acompanhando o crescimento geral de empregos na indústria de transformação, como é possível verificar na tabela 1. Inicialmente, o principal motor do processo foi o crescimento sustentado da economia, como mudanças institucionais que afetaram a concessão de crédito e a queda dos juros que impulsionaram o mercado (BNDES, 2008). GRÁFICO 1: EVOLUÇÃO DO EMPREGO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA DO ABC PAULISTA, 1998-2008 Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE Os processos de enxugamento de mão-de-obra, assim como os critérios de contratação têm se tornado cada vez mais seletivos em termos de grau instrução e idade. É possível verificar que houve uma mudança significativa no perfil do trabalhador metalúrgico no ABC: trata-se de jovens, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 359 empregados majoritariamente com cursos profissionalizantes e com maior grau de instrução, se comparados com aqueles trabalhadores que estiveram à frente das lutas trabalhistas do final da década de 1970 e da década seguinte (RODRIGUES, 2002). Na tabela 2, referente ao município de São Bernardo do Campo, é possível verificar que o envelhecimento da mão-de-obra têm se concentrado nas faixas etárias acima dos 50 anos, apontando para uma possível tendência à estabilização no emprego. Outra tendência, mais visível, repousa no aumento do nível de escolaridade do trabalhador, que entre os operários tende cada vez mais a se concentrar no ensino médio. Em cargos de chefia e administração, houve um crescimento do número de empregados com nível superior completo e pós-graduação (mestrado ou doutorado). Indústria automobilística Taxa de crescimento % Taxa de crescimento % Anos Empregos 1998 190.448 -13,1 59.714 -18,7 1999 185.428 -2,6 55.745 -6,6 2000 191.276 3,1 55.924 0,3 2001 191.189 -0,1 57.757 3,3 2002 189.449 -0,9 55.494 -3,9 2003 190.164 0,4 53.599 -3,1 Empregos 2004 210.034 10,5 59.756 11,5 2005 218.118 3,8 61.829 3,4 2006 225.304 3,3 63.480 2,7 2007 238.183 5,7 68.283 7,5 2008 247.250 3,8 71.646 4,9 Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE Um outro aspecto importante é uma desconcentração do número de trabalhadores de grandes empresas, com mais de 500 funcionários, para pequenas (até 99) ou médias empresas (até 499). Isto significa que, ao contrário de outros períodos de desenvolvimento industrial em São Bernardo do Campo, é possível que as empresas do setor estejam agora se organizando de forma diferenciada, reorganizando-se em termos espaciais, modularizando a produção e fragmentando etapas do processo produtivo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 360 No caso da região de Campinas, durante a década de 1990 houve um grande movimento de demissões no setor metalúrgico, fazendo com que o desemprego se tornasse uma das grandes questões enfrentadas pelo sindicato. Segundo Araújo e Gitahy (1998), entre 1988 e 1998 houve uma redução de cerca de 30% do número de empregados no ramo metalúrgico da região. Já o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região contabiliza que entre 1990 e 1999 foram demitidos 8.190 trabalhadores do setor metalúrgico em dez grandes empresas. Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/TEM Um dos casos mais marcantes de demissões do período foi o da Mercedes-Benz, que empregava cerca de 4 mil funcionários na planta dedicada à fabricação de ônibus e caminhões. Entre 1995 e 1996, esse número foi reduzido para cerca de mil funcionários (DE SOUZA, 2005), e em 1998 a empresa encerrou a sua produção de caminhões e ônibus. Esses movimentos de demissões em massa parecem ter fim no ano de 2000, quando não houve demissões de mais de 100 funcionários registradas pelo sindicato. Entre 1997 e 2005, como resultado de políticas de estímulo ao crescimento industrial, segundo a fundação SEADE, foram A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 361 investidos na região metropolitana de Campinas cerca de 14,3 bilhões de dólares no setor industrial, o que representou 77,8% dos investimentos totais na região. Desse último montante, cerca de 13,71% se destinou à indústria automotiva, e somente entre os anos 2003 e 2007 foram investidos cerca de 440 milhões de dólares na indústria automobilística campineira em projetos de modernização e ampliação de epresas. No gráfico 2 podemos observar que a partir do ano de 1998 o número de trabalhadores empregados nesta indústria automobilística tem crescido continuamente, acompanhando o crescimento das atividades da indústria de transformação. GRÁFICO 2: EVOLUÇÃO DO EMPREGO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS, 1998-2008 35.000 30.000 25.000 20.000 34.087 32.408 30.921 27.712 24.667 20.436 18.803 17.697 17.380 16.52216.193 15.000 10.000 5.000 Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 A abertura das plantas produtiva da Honda no ano de 1997 em Sumaré e da Toyota no ano de 1998 em Indaiatuba teve importância central para a retomada dos investimentos no setor automotivo campineiro e consolidar a região de Campinas enquanto um novo pólo de produção, o que criou expectativas com relação à geração de empregos. No entanto, tais expectativas vindas do sindicato e da população em geral foram logo desmistificadas pelo baixo número inicial de cerca de 300 trabalhadores contratados em cada empresa. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 362 Além disso, a média salarial dos recém-contratados era praticamente metade daquela existente no ABC189 e as exigências no ambiente de trabalho, maiores. Acompanhando o aumento de sua produção, nos anos seguintes as duas empresas passaram a contratar mais trabalhadores, mas os critérios de contratação de mão-de-obra ― assim como ocorreu de forma generalizada na indústria metalúrgica ― passaram a ser mais sele vos em termos de grau instru ção e idade. Indústria de transformação Anos Empregos 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 165.096 164.324 170.255 175.986 192.373 202.984 219.216 234.989 239.793 Indústria automobilística Taxa de crescimento % 8,7 -0,4 3,6 3,3 9,3 5,5 8 7,2 2 Empregos 17.380 17.697 18.803 20.436 24.667 27.712 30.921 32.408 34.087 Taxa de crescimento % 7,3 1,8 6,2 8,6 20,7 12,3 11,5 7 5,2 Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/TEM Na tabela 4, referente ao município de Indaiatuba, com exceção do ano de 2008, é possível verificar que a mão-de-obra tem se concentrado nas camadas mais jovens e a participação das mulheres tem se tornado cada vez maior, representando cerca de 15% do total. A mudança mais expressiva, assim como ocorre no ABC, diz respeito à elevação da escolaridade dos trabalhadores, em sua grande maioria concentrados atualmente no nível de escolaridade de ensino médio. Em 1998, a maioria dos trabalhadores (41,7%) possuía ensino fundamental, enquanto em 2008 esse número foi reduzido para 18,4%. 189 A pesquisa realizada pelo DIEESE em 17 municípios com produção automobilística no Brasil revela a diferença de remunerações e poder de compra dos trabalhadores. Mais do que isso, é possível perceber a existência de mercados regionais ou locais que diferem entre si. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo-SP possuem remuneração 1,9 vezes maiores do que os de Indaiatuba (SP) e Sumaré (SP). Fonte: DIEESE, CUT-CMN, SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC. (2003), Do holerite às compras:remuneração, preços e poder aquisitivo do tempo de trabalho em 17 municípios com produção automobilística no Brasil. São Paulo, SMABC. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 363 Após estas considerações, procuro demonstrar quais foram as principais ações realizadas pelos sindicatos metalúrgicos no ABC e na região de Campinas dentro deste contexto explicitado. A partir disso, torna-se possível ressaltar algumas das principais diferenças em suas formas de atuação. Trata-se de dois tipos de organização sindical e de condução de práticas que, em alguma medida, orientam as formas de organização coletiva de trabalhadores em cada uma dessas montadoras. As Ações Sindicais nas Regiões do ABC Paulista E Campinas No ABC paulista, a diminuição de postos de trabalho ilustra o impacto que as mudanças organizacionais tiveram na atividade econômica industrial da região: de um total de 69.154 trabalhadores empregados em montadoras em janeiro de 1980, o número passou a 31.745 em dezembro de 2002, o que representou a desativação de 55% dos postos de trabalho no período (RODRIGUES & RAMALHO, 2007, p.49). Diante deste cenário, os metalúrgicos do ABC passaram a considerar novas formas de atuação sindical naquele contexto em que demissões, processos de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 364 reestruturação, automatização e desterritorialização das plantas produtivas passavam a ocorrer de forma intensa. Houve, assim, mudanças na ação sindical, caracterizadas por uma postura de maior negociação com as empresas e com a administração pública da região, criando oportunidades de discutir e de criar mecanismos de participação em políticas públicas e no desenvolvimento econômico. A organização por local de trabalho ganha destaque entre os mecanismos de fortalecimento de negociação de interesses, ao abrir possibilidades de modernização nas relações de trabalho. Existentes no ABC desde 1981, as comissões de fábrica representaram, sem dúvida, um avanço nas relações de trabalho, tendo desdobramentos ainda maiores, resultando em um atual modelo “híbrido” de representação sindical. No ano de 1999, as comissões de fábrica passaram a coexistir com os comitês sindicais de empresa, conforme deliberado no 3º Congresso dos Metalúrgicos do ABC, no ano de 1996. Neste congresso, os trabalhadores realizaram uma proposta integral de reforma estatutária, com finalidade de adequar suas resoluções sobre a estrutura organizativa do sindicato. O objetivo da reforma foi compatibilizar a estrutura do sindicato com a convenção nº 135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa à proteção dos representantes dos trabalhadores. Em alguns casos, preocupadas somente com questões internas às fábricas, algumas comissões de tornavam distantes do sindicato. No caso dos comitês sindicais, estes são constituídos pelos diretores do sindicato eleitos nas empresas onde exercem suas atividades profissionais com os votos dos trabalhadores sindicalizados, e o número de membros dos Comitês Sindicais de Empresa corresponde proporcionalmente ao número de trabalhadores sindicalizados em cada empresa. Em suma, os comitês foram criados na tentativa de aprimorar a presença do sindicato nos locais de trabalho. Entre as experiências de participação em políticas públicas, podemos citar como mais expressivas o Consórcio Intermunicipal, o Fórum da Cidadania e a Câmara Regional do ABC. O Consórcio Intermunicipal, criado em 1990, foi o primeiro arranjo institucional de caráter regional do ABC, criado como forma alternativa de recuperação política e econômica para resolver problemas em temas como: saúde, transportes, questão ambiental. O Fórum da Cidadania foi criado em 1994 e procurou atuar por meio de grupos temáticos para propor soluções para questões regionais (CONCEIÇÃO, 2008). Já a Câmara Regional do Grande ABC foi criada no ano de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 365 1997 constituindo-se em um fórum de debates formado pela associação entre o poder público (governos locais, governo estadual, governo federal e poder legislativo) e a sociedade civil (empresários, sindicatos, ONGs) (DOS REIS, 2007). Já o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região (SMRC) atravessou um processo de renovação após sua diretoria ter sido conquistada pela Oposição Sindical no ano de 1984. A atividade sindical adotada foi então mais combativa, filiando-se na época à corrente Fórum Socialista da CUT e a nova diretoria teve como principais bandeiras o fim do assistencialismo e das contribuições compulsórias, a organização de base, a democracia colegiada e a liberdade e autonomia na organização sindical. Conhecido no interior do sindicalismo brasileiro como símbolo de resistência, a entidade se define como um Sindicato “combativo, independente, classista, democrático e organizado pela base” (DE SOUZA, 2005). Este sindicato se opôs firmemente à participação nas Câmaras Setoriais, no e às tentativas desta central em negociar com o governo (ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001). Em 2007, o SMRC se desfiliou da CUT devido a divergências com relação . Pinto (2007) afirma que desde os anos 80, embora tendendo à negociação por empresa, a grande maioria dos temas tratados pelo sindicato esteve relacionada à questão salarial, às condições de trabalho e à manutenção do emprego. Aspectos relativos às transformações nos processos de trabalho também têm sido negociados, como os planos de cargos e salários e a Participação em Lucros e Resultados (PLR). Durante a década de 1990 o SMRC atuou também em questões relacionadas ao desemprego na região, como a montagem de uma associação de trabalhadores com a finalidade de gerir os bens de uma empresa e a tentativa de recuperação de uma fábrica através da criação de uma cooperativa de produção autogestionária. Sobre estas experiências, De Souza (2005) identifica que houve contradições entre: a “ofensividade” das reivindicações de caráter político do sindicato e a “defensividade” das reivindicações puramente sindicais; e a contradição entre o discurso crítico e a prática de acomodação à estrutura sindical; No entanto, ao contrário do que ocorre no ABC Paulista desde a década de 1980, até o presente momento quase não há representação interna sindical no interior das empresas do setor metalúrgico na região de Campinas, o que limita as atividades do sindicato para locais externos às fábricas, como os pátios das montadoras. Quanto aos desafios enfrentados pelo SMRC, alguns deles são semelhantes com os existentes no ABC, como constata Pinto (2007): redução de sua base, mediante a intensificação das terceirizações entre 1986-97; elevação geral da escolaridade A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 366 entre os trabalhadores na região de Campinas; mudanças no perfil etário do trabalhador, agora mais jovem; As práticas sindicais do SMRC estariam, segundo este último autor, mais relacionadas a questões referentes ao encolhimento de suas bases, a negociações de salários, jornadas, PLR e intensificação do trabalho. Como já foi dito anteriormente, a Toyota acompanhou os incentivos do NRA e construiu sua segunda planta produtiva no ano de 1998, agora voltada para a produção nacional do veículo Corolla. Além das unidades de São Bernardo e Indaiatuba, a Toyota possui atualmente um escritório administrativo na cidade de São Paulo e um centro de distribuição em Guaíba (RS). A partir do ano de 2003, com a criação de uma organização interna da empresa para integração do gerenciamento na América Latina ― a Toyota M ercosul ― as plantas produtivas de Indaiatuba e de São Bernardo consolidaram-se como pólos de exportação, inclusive para o México e Caribe. Atualmente, a empresa possui cerca de 3.300 funcionários, além de investimentos com capital direto em empresas de autopeças. Até o ano de 1989, praticamente não havia qualquer tipo de participação do sindicato dentro da Toyota, com exceção da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Assim como a Toyota parecia ter uma trajetória particular com relação às outras empresas do setor, os seus trabalhadores pareciam não participar das atividades sindicais em curso no ABC. No ano de 1996 a planta da Toyota de São Bernardo do Campo, com mais de 34 anos de existência, passava por um intenso processo de reestruturação produtiva. O veículo Bandeirante deixaria de ser produzido em breve, havendo até mesmo a possibilidade concreta de desativação dessa planta, uma vez que a nova unidade de Indaiatuba já estava sendo construída. A atuação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC neste processo de reestruturação foi decisivo para que a unidade de São Bernardo continuasse em atividade, o que foi a principal tarefa das negociações que ocorreram ao longo de três anos. Ao mesmo tempo, outro entrevistado ressalta que a unidade produtiva sofria de problemas relacionados à defasagem de sua infra-estrutura, repercutindo sobre as condições de trabalho. Ou seja, as formas de gestão “toyotistas”, discutidas tão intensamente pelos estudiosos durante as décadas de 1980 e 1990 em nível internacional e no Brasil não ocorriam, na prática, na Toyota de São Bernardo do Campo. Esta reestruturação foi importante, segundo o entrevistado, porque tornou a relação entre empresa e sindicato mais próxima para formular negociações que contemplassem as A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 367 reivindicações dos trabalhadores, assegurando postos de trabalho. Mesmo havendo demissões e o risco do fechamento da unidade de São Bernardo do Campo devido à criação da planta de Indaiatuba, a reestruturação pode ser considerada como um momento central para a atividade sindical na Toyota. A confirmação dos investimentos da Toyota em uma nova unidade produtiva em Indaiatuba foi feita no ano de 1996, quando a empresa iniciou o processo de reestruturação da sua unidade em São Bernardo do Campo. Inicialmente, como foi apontado, havia dúvidas sobre o destino desta antiga fábrica, havendo até mesmo a possibilidade do seu fechamento. A chegada da Toyota e da Honda no intervalo de dois anos consolidou a região de Campinas enquanto uma nova região industrial do setor automotivo, criando expectativas com relação à geração de empregos. Isto pode ser ressaltado pelo fato de que em 1997 a Mercedes-Benz, então principal empresa automobilística do município de Campinas, instalada em 1979, anunciou a criação da nova unidade da empresa em Juiz de Fora (MG), o que culminou na desativação da sua produção de caminhões. Em um primeiro momento, no início de suas atividades, a empresa contratou cerca de 600 funcionários para a produção de Corolla. Com o relativo sucesso das vendas deste modelo no mercado interno, houve o aumento gradual da produção, acarretando contratações diretas no quadro de funcionários da empresa. Essas novas unidades, tanto da Honda como da Toyota, se caracterizaram por serem fábricas “enxutas”, ou seja, se traduziam, no plano produtivo, pela dinâmica de cadeias regionais e globais visando maior produtividade. Já no plano organizacional, as formas de gestão correspondiam às recentes estratégias que privilegiam o envolvimento do trabalhador. Como revela o dirigente sindical entrevistado, os primeiros anos de atividade da unidade de Indaiatuba foram bastante conflitivas, tendo em vista as condições de trabalho bastante intensas, e com remunerações muito abaixo do que era esperado. Neste sentido, a greve ocorrida em 3 de novembro de 1999 é considerada pelo sindicato campineiro um marco na sua atuação, mesmo que não tenha conseguido se prolongar por muito tempo devido à forte pressão exercida pela empresa. As principais ações do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região puderam ser resumidas na fala do dirigente sindical entrevistado, na qual são ressaltados os principais resultados positivos das negociações desde 1999, envolvendo principalmente questões referentes A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 368 à jornada de trabalho, à PLR e aos salários. Estas considerações são importantes para constatar que houve uma ampliação na atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. Entre as principais pautas atuais dos trabalhadores no sindicato, o entrevistado explica que a questão do ritmo de trabalho intenso tem sido bastante discutida. As doenças ocupacionais também são ressaltadas como um dos problemas centrais nas condições de trabalho na unidade de Indaiatuba. O ritmo de trabalho intenso, segundo ele, também trouxe mudanças na organização do trabalho, em que a prioridade é exclusivamente a produção. Conclusões Os dados obtidos até o presente momento nos permitem concluir que, no caso do ABC paulista, a mudança de atuação nas práticas sindicais observada é traduzida pela adoção de uma postura de maior negociação com as empresas, pela renovação de sua estrutura de representação e por uma maior participação em questões econômicas e sociais junto aos órgãos de administração pública. Isto foi expresso, por exemplo, a partir de experiências como a Câmara Setorial Automotiva, a Câmara Regional do Grande ABC, a participação do sindicato no Planfor. Com relação às negociações por empresa, observamos que houve uma renovação na atuação sindical na Toyota no ano de 1996, quando o processo de reestruturação produtiva teve início da unidade de São Bernardo do Campo. O avanço nas negociações entre sindicato e empresa possibilitou a criação de uma comissão interna de fábrica, além de assegurar a permanência desta planta na região, hoje dedicada à fabricação de componentes para a unidade de Indaiatuba e também para o exterior. No caso de Indaiatuba, constatamos que a postura mais “combativa” do sindicato metalúrgico desde 1984 foi bastante distinta daquela existente no ABC, rejeitando, por exemplo, a sua participação nas Câmaras Setoriais. A chegada da Toyota à região de Campinas trouxe, inicialmente, uma expectativa com relação à geração de novos empregos. Estas expectativas foram logo sendo desmistificadas por práticas de contratação, salários e jornada de trabalho que desapontavam os trabalhadores e o sindicato metalúrgico, especialmente quando comparadas à realidade vivida em São Bernardo do Campo. Neste caso, observamos a partir da fala dos entrevistados que a partir de 1999 houve mudanças significativas na ação sindical, período em que ocorreu a primeira greve dos trabalhadores da unidade de Indaiatuba. Esta greve revelou a possibilidade de questionar as A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 369 condições de trabalho e reivindicar melhorias nos salários dos trabalhadores. Mais do que isso, é possível verificar que a greve de 1999 representou a capacidade coletiva de organização dos trabalhadores, ainda que estes não possuam representação sindical interna de fábrica. E, se, por um lado, a abertura da planta da Toyota em Indaiatuba no ano de 1998 se concretizou motivada pela busca da empresa por redução de custos na produção e pelo recrutamento de trabalhadores com pouca participação sindical, a atuação do sindicato metalúrgico de Campinas desde então vem se fortalecendo. Desta forma, argumentamos que apesar da tendência ao estreitamento das bases dos sindicatos metalúrgicos verificada durante a década de 1990 e da mudança no perfil dos trabalhadores metalúrgicos, isto não significa em dias atuais o enfraquecimento da ação sindical, mas sim a consolidação de uma tendência à micro-regulação nas relações de trabalho. De uma forma geral, as novas formas de atuação dos sindicatos revelam um crescimento qualitativo de prática sindical metalúrgica em dias atuais. Já nas duas unidades produtivas verificadas, as ações sindicais não necessariamente representam ações sindicais inéditas, mas o ineditismo parece ser sim residir em um maior diálogo com a empresa, tornando possível atender as reivindicações dos trabalhadores. Do ponto de vista das relações de trabalho socialmente construídas, trata-se então da existência de práticas distintas em São Bernardo do Campo e em Indaiatuba. Apesar das diferenças regionais, salariais, de tempo de empresa e experiência em organização sindical, tais práticas distintas, no limite, se tornam similares quando consideramos a fala dos entrevistados, pois buscam contornar os desafios trazidos aos sindicatos por um novo contexto da indústria automobilística brasileira. Referências Bibliográficas ABREU, Alice. Rangel. Paiva; RAMALHO, José. Ricardo. “Reestruturação produtiva, Trabalho e Educação. Os efeitos sociais do processo de terceirização em três regiões do país”. O caso do Rio de Janeiro, 1998 (Relatório de pesquisa). ANFAVEA. Anuário estatístico. 2006; 2007; 2008. ANDERSON, Patrícia. “Câmaras Setoriais. Histórico e acordos firmados – 1991/95”. IPEA, Rio de Janeiro, 1999. ARAÚJO, Ângela M. Carneiro; CARTONI, Daniela M.; JUSTO, Carolina R. D. Mello. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 370 “Reestruturação produtiva e negociação coletiva nos anos 90”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. 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Conforme especificado por Silva (1999) O ato de cortar cana resume-se à seqüência de gestos, curvatura do corpo, manejo do podão, destreza, rapidez, dispêndio de força. É necessário cortar um certo quantum de cana, diariamente, que é determinado pela usina. Ademais, exige-se um corte de boa qualidade, alguns centímetros acima do chão para facilitar uma excelente rebrotação, o aparar as pontas, montes ordenados para facilitar o carregamento feito por máquinas. Tudo se passa de forma combinada. Corta-se, formando vários montes. No final da rua,volta-se e se aparam as pontas. Reinicia-se o processo nas outras cinco ruas, até acabar o talhão (p. 201) Mesmo considerando a mecanização em curso no setor, estudiosos têm chamado a atenção para o fato de que as novas tecnologias não têm representado uma diminuição da penosidade, insalubridade e periculosidade do trabalho, mas exatamente o contrário. Nas palavras de Scopinho (2000), 190 Professora, PPGS/UFCG [email protected] 191 Doutorando - PPGCS/UFCG. [email protected] A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 374 a introdução da colhedeira mecânica no corte da cana-de-açúcar não diminui as cargas de trabalho do tipo físico, químico e mecânico existentes no ambiente de trabalho e ainda acentua a presença de elementos que configuram as cargas do tipo fisiológico e psíquico, porque intensificam o ritmo de trabalho. Por exemplo, as jornadas de trabalho dos operadores de máquinas agrícolas variam de 12 até 24 horas, durante a safra. O trabalho no corte mecanizado da cana é organizado em turnos de 8 ou 12 horas e, na época do revezamento, a jornada estende-se até 24 horas de trabalho, com pequenas pausas para descanso e para fazer as refeições no próprio local de trabalho (p. 97). Estamos, pois, diante de um processo de trabalho marcado pela alta exploração dos trabalhadores cuja eficácia demanda a elaboração de sutis mecanismos de controle por parte das usinas no sentido de garantir um corpo que seja, concomitantemente, dócil e útil ou, em outras palavras, adestrado de tal maneira que execute o mínimo gesto com o máximo de eficiência e eficácia, e seja, ao mesmo tempo, um corpo “educado”, isto é, obediente, controlado, resignado diante de toda e qualquer exploração. Os trabalhadores estão envolvidos em formas de dominação, que muitas vezes os colocam em situações de violência física (Freitas, 2003: 54), trabalho análogo à escravo (Silva, 2007; 2006) ou instituições de vigilância total, como é o caso dos alojamentos (Menezes, 2002). No entanto, há, também, formas de resistência que são tecidas nos meandros e brechas das relações de dominação. Neste texto, pretendemos abordar, como os migrantes nordestinos, especificamente dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, que são cortadores de cana-de-açúcar nos canaviais do Estado de São Paulo, constroem formas de resistência às condições de exploração utilizadas pelas usinas de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo. Buscaremos compreender as brechas de resistência através das narrativas dos arregimentadores quando expressam que os trabalhadores migrantes “dão trabalho” ou “dão problema” e das narrativas dos migrantes sobre as normas da usina, especificamente, aquelas relativas ao corte de cana. Buscando ler estas falas pelo avesso, propomos uma inversão de sinais que torne possível considerar o “dar problema” ou a não aceitação automática das regras de organização do trabalho como formas de resistência. Estamos aqui nos fundamentando na concepção de ‘resistência cotidiana’ proposta por James Scott (1985, 1990, 2002) e Menezes (2002), para compreender as práticas sociais que são difusas, fragmentadas, não publicas, diferentemente das ações coletivas e institucionais, por exemplo, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs mediadas pelos sindicatos ou movimentos sociais. 375 Esperamos, assim, contribuir para compreender que esses trabalhadores não se reduzem a um lugar de passividade, conformismo, imobilismo frente ao sistema de exploração em que estão envolvidos, mas são sujeitos de sua história, uma história que se faz não como se quer, mas a partir de seus campos de possibilidades. 1. Seleção e arregimentação dos trabalhadores: Todos os anos, milhares de trabalhadores dos estados da Paraíba e de Pernambuco, deixam seus roçados, suas famílias e se dirigem para os canaviais paulistas, onde vão oferecer sua força de trabalho, no período da colheita da cana-de-açúcar. No estado da Paraíba os migrantes partem, principalmente, de pequenos municípios de diversas micro-regiões do Sertão, Já em Pernambuco, os municípios que compõem a microrregião do Vale do Alto Pajeú é o local de onde mais saem trabalhadores para os canaviais do estado de São Paulo. Como se trata de migrações temporárias, dificilmente são captadas pelo Censo Demográfico. Só para termos uma idéia, a estimativa é que, apenas das regiões de Princesa Isabel, na Paraíba e do Vale do Pajeú em Pernambuco saiam, anualmente, mais de seis mil trabalhadores rumo aos canaviais do Estado de São Paulo. De acordo com o gerente da Empresa Agropecuária Santa Luiza, empresa responsável pela contratação dos trabalhadores para a usina Santa Isabel, para a safra de 2009, foram contratados, apenas nas regiões de Princesa Isabel (PB) e do Vale do Pajeú (PE), cerca de mil e seiscentos trabalhadores para o período da safra. Para a safra atual, até o final do mês de Fevereiro de 2010, nessas mesmas regiões, já foram contratados, pela empresa Santa Luiza Agropecuária, cerca de dois mil trabalhadores, sendo que a previsão é que durante a safra haja mais contratações. É importante frisar que a Santa Luiza Agropecuária é apenas uma, dentre as várias empresas ligadas ao setor canavieiro do estado de São Paulo, que anualmente se fazem presente nos pequenos municípios do Sertão da Paraíba e de Pernambuco, com o objetivo de recrutar mão de obra tanto para o plantio, quanto para a colheita da cana. A pesquisa foi realizada nos municípios de Tavares e São José de Piranhas no Estado da Paraíba, Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco e nos municípios de Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Rio das Pedras, Guariba, Novo Horizonte e Sales no Estado de São Paulo, no período de março de 2007 a dezembro de 2009. Eles têm um contrato de trabalho temporário referente ao período de safra da cana de açúcar, em geral entre abril e dezembro, moram em alojamentos, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 376 pensões improvisadas e cortiços localizados na periferia dos municípios da região canavieira de São Paulo. Dados de um questionário aplicado em um dos municípios estudados, visando construir o perfil dos que migram, apontam que a maior parte dos migrantes está situada na faixa etária dos 17 aos 37 anos, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo: Gráfico 01 – Faixa Etária dos migrantes DADOS DO MUNICÍPIO DE TAVARES - PB CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS (Por Faixa Etária e Estado Civil) 15 10 SOLTEIRO CASADO 5 SEPARADO 0 Fonte dos dados: Pesquisa dos autores, 2008 A maior parte desses trabalhadores é proveniente da agricultura familiar, numa região marcada pelas irregularidades das chuvas, aliada à dificuldade de acesso a terra e às poucas alternativas de emprego e renda no próprio local192. Dessa forma, sem muitas alternativas de acesso a trabalho e renda em seus locais de origem, esses trabalhadores, tendo como centralidade seu lugar de moradia, tendem a se conectarem a outros lugares, mobilizando-se em busca de acesso a trabalho e renda que lhes permita a satisfação de suas necessidades e, em última instância, a reprodução do seu grupo familiar. Por outro lado, o baixo nível de escolaridade que tais trabalhadores possuem, como demonstrado no gráfico 02, não contribui para sua absorção no mercado de trabalho urbano ao tempo em que sua socialização na agricultura familiar, os torna mão de obra privilegiada para o setor canavieiro, por se tratar de trabalhadores acostumados à execução de determinadas tarefas 192 Trata-se de pequenos municípios com menos de 20.000 habitantes, com forte presença da agricultura familiar e com pouca oportunidade de emprego e renda para os seus habitantes. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 377 repetitivas, cansativas e que requerem resistência física. Os migrantes são percebidos, dessa forma, como os “mais aptos a suportar os rigores da produção canavieira do que os trabalhadores locais, fundamentalmente da região canavieira de Ribeirão Preto”. (Alves, 2007: p.44). Gráfico 02 – Escolaridade dos Migrantes do Município de Tavares - PB Dados do Município de Tavares - PB Caracterização dos Entrevistados (Escolaridade) 14 12 10 Analfabeto 8 6 Ens. Fund. Incompleto 4 Ens. Fund. Comp. 2 0 Ens. Méd. Incomp. Ens. Méd. Completo N. Inf. Fonte dos dados: Pesquisa dos autores. Além disso, fatores que para muitos seriam vistos como negativos, a exemplo da temporalidade do contrato de trabalho, são visto de forma positivas pelos trabalhadoresmigrantes, como expressa o seguinte fragmento da entrevista: Outra coisa que nós acha mais fácil. É que nós vamos pro corte de cana, nós sabe o dia que sai e, não havendo nada, um contratempo nenhum, nem ninguém adoecendo, nós sabe o dia que volta. Nós já sabe o dia que começa a safra. No dia que nós começa a safra, nós já sabe o dia dela terminar. A gente faz uma reunião e o encarregado vai dizer “olha, nós vamos trabalhar tal tempo, tem que tirar tal cana, assim, assim... só que a safra ta programada pra terminar dia 10 de Novembro ou dia 10 de dezembro”, que nem a Guarani. Então você já entra sabendo que você vai ter que tirar aquela tarefa todinha. Pra você ir pra São Paulo, você começa a trabalhar num emprego, você nem sabe quando é mandado, às vezes você quer vir pra casa, você não pode vir. (Davi, tavarense, 47 anos, cortador de cana) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 378 Nas cidades de origem, a seleção e arregimentação desses trabalhadores é realizada por uma rede de agentes – arregimentadores, empreiteiros e turmeiros - que atuam de forma conectada para viabilizar as diversas fases de seleção e contratação dos trabalhadores migrantes. Os mecanismos de controle começam a se fazer presente já no momento da classificação e seleção dos corpos aptos e inaptos, isto é, dos que podem e dos que não podem cortar cana-deaçúcar. Neste sentido ganha relevo a estratégia das usinas que cada vez mais têm se utilizado de arregimentadores dos locais de moradia dos migrantes para realizarem uma espécie de “primeira triagem” dos trabalhadores (Menezes e Silva, 2008) Esses arregimentadores são os antigos “gatos” de que fala Silva (1999), que a eles se refere como “agenciadores de mão de obra”, cuja função situa-se tanto nos locais de saída, onde arregimentam os futuros cortadores de cana, providenciam o transporte – o ônibus -, e organizam a saída; quanto nos locais de destino, onde, na qualidade de “chefes de turma” fazem a mediação entre membros da turma e os turmeiros, fiscais, empreiteiros, sendo, portanto, responsáveis pela turma que levam de seus locais de origem. Para os migrantes eles são apenas mais um fiscal, eles mesmos, no entanto, se intitulam como informantes, cuja função é a cada ano arregimentar os futuros trabalhadores, organizar a viagem dos mesmos e, uma vez no local de destino, zelar pelo bom comportamento e desempenho dos trabalhadores. Sua função envolve ainda o cuidado com os trabalhadores sobre sua custódia, como um deles nos afirmou durante entrevista coletiva: Eu já estou responsável pela turma, desde aqui. Para ver serviço em roça, ver em casa, ver tudo, parte do alojamento. Se adoecer uma pessoa meia noite, eu tenho a obrigação de ir com ele para o hospital. (Raimundo, chefe de turma, São José de Piranhas, PB). É mediante os chefes de turma que o trabalhador estabelece o primeiro contato com a usina, por isso, eles conhecem bem tanto o pessoal da usina com suas demandas, quanto o pessoal do lugar de origem, foi o que nos informou o senhor Valdaberto (42 anos, chefe de turma, Cajazeiras.PB): Porque eu já tenho bastante ano que ando pra lá, tenho muitos conhecimentos com o pessoal de lá e com os daqui... Eu tenho mais responsabilidade de ir atrás dessa pessoa, né? Que ele não vai mandar qualquer um ir atrás dessa pessoa, porque chega lá, você vai aí, só arrumando quem quer que seja ai.... A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 379 Assim é que a função de formar as turmas para cada safra, esconde uma outra: selecionar os candidatos a partir do perfil desenhado pela usina, como especifica Valdaberto: Porque, vamos supor: prá não procurar gente que não tem qualidade de trabalhar, tá entendendo? Porque fica dando problemas, lá... Eu já pego a pessoa que, assim, que tem mais conhecimento, que dá menos trabalho... Meu trabalho foi este, ano passado [2007]... O que é confirmado também por Benedito (34 anos, chefe de turma , Tavares. PB): Marcelo: você levou turma este ano? Benedito: Eu levei dez pessoas... Marcelo: E como é que faz pra levar turma, qualquer pessoa pode levar? Benedito: Não, primeiro você tem que ter conhecimento com o fornecedor lá e saber quem é as pessoas que trabalham aqui também, pessoas que a pessoa leve e não dê trabalho lá, pessoas direitas, honestas, trabalhadoras... Ou seja, eles são chamados a informar e buscar, nos locais de origem, futuros trabalhadores para as usinas, de preferência pessoas que trabalhem e não dêem trabalho. Não esqueçamos que muitos daqueles que vão cortar cana-de-açúcar provém do meio rural ou dos pequenos municípios, onde predomina o interconhecimento, ou seja, onde todos “conhecem” todos. Desta forma, ao utilizar-se do olhar e do conhecimento nativo dos arregimentadores as usinas garantem uma maior precisão nas escolhas de seus trabalhadores e, assim, reduzem os problemas e tensões durante a safra. Este é o perfil do bom cortador de cana-de-açúcar que emerge nos relatos dos arregimentadores: um indivíduo que trabalhe, isto é, se esforce, pegue no pesado, seja produtivo193 e, ao mesmo tempo, não dê trabalho, expressão cujo sentido equivale a não causar problemas tanto para o chefe de turma quanto para os outros funcionários da usina. Não dar trabalho equivale a seguir o padrão da usina, ou seja, você todo dia cumprir com a tarefa do trabalho, como nos informou o senhor Raimundo (São José de Piranhas, PB; arregimentador local). Os que dão trabalho são conhecidos como “nó cego”, a referência é a um nó difícil de desatar e, portanto, trabalhoso. Ser um trabalhador “nó cego” é atitude difícil de se prever 193 Não esqueçamos que trabalhar é, também, sinônimo de produzir e, sob a égide do capitalismo, produzir significa produzir maisvalia, portanto, encerra a noção de produtividade; ser trabalhador, portanto é ser produtivo. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 380 antecipadamente, ou seja, no processo de seleção, e, às vezes, pode se revelar durante o próprio processo de trabalho. Nas palavras de Damião (São José de Piranhas, PB; arregimentador local): Aqui tem tanto cara que é bonzinho, quando chega lá, vira o cabra nó cego. Sugerimos que as várias formas de se virar nó cego, quando vistas do ângulo dos cortadores de cana-de-açúcar, referem-se, sobretudo, as várias formas de fazer frente às tentativas das usinas de lhes extorquirem mais trabalho, podendo ser, portanto, pensadas, como formas cotidianas de resistência, que nos termos propostos pelo antropólogo James referem-se às Armas comuns dos grupos relativamente sem poder: fazer “corpo mole’, a dissimulação, a submissão falsa, os saques, os incêndios premeditados, a ignorância fingida, a fofoca, a sabotagem e outras armas dessa natureza (Scott 2002: p. 12). Mais adiante o autor ainda esclarece: Micro-resistência entre camponeses é qualquer ato de membros da classe que tem como intenção mitigar ou negar obrigações (renda, impostos, deferência) colocados à essa classe por classes superiores (proprietários de terra, o estado, proprietários de máquinas, agiotas ou empresas de empréstimos de dinheiro) ou avançar suas próprias reivindicações (terra, assistência, respeito) em relação às classes superiores (Scott, 2002: p. 24) Para o autor, tais formas por ele denominadas de “formas brechtianas de luta de classe”, são caracterizadas (1) pelo pouco grau de organização/planejamento; (2) por representarem uma forma de auto-ajuda individual e, finalmente, (3) por fazerem uso da confrontação simbólica em detrimento da confrontação direta. Além disso, esse tipo de resistência não tem como horizonte último a revolução, isto é, o que as motiva não é tanto a mudança do sistema ou das estruturas, mas, antes, fazer com que o sistema trabalhe a seu favor. Nesse sentido elas são, como o próprio Scott as denomina, armas dos fracos contra os fortes, com vista a conquistar brechas de resistência em relações sociais de dominação. Podemos pensar as formas cotidianas de resistência, mediante o conceito de tática forjado por Certeau (2007). Diferentemente da estratégia, que segundo este autor, remete a um lugar capaz de ser circunscrito como próprio e, portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta (Certeau, 2007: p. 46), sendo, portanto, algo próprio dos dominantes que podem contar com a segurança de um lugar próprio, a “tática” remete a ausência A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 381 de um lugar próprio, expediente dos que ocupam o lugar do outro, a tática, é algo que se insinua, de forma fragmentada, neste lugar do outro e que, por isso, dependem do tempo, das possibilidades descobertas de ganho, enfim de momentos oportunos, ocasiões nas quais se busca “tirar partido” (Cf. Certeau, 2007: p. 46-7). Em suas palavras: A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. (...) A tática é movimento, “dentro do campo de visão do inimigo” e no espaço por ele controlado. (...) Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se conserva. (...) Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia (Certeau, 2007: p. 101). Comentando as reflexões de Scott, Menezes (2002) chama a atenção para o fato de que “mesmo quando conduzidas a nível individual, elas [as formas cotidianas de resistência] podem se expressar de forma persistente e recorrente entre um número expressivo de trabalhadores e, assim, influenciar as relações de trabalho” (Menezes, 2002: p. 198). 2. Práticas cotidianas de resistência no cotidiano dos canaviais: De acordo com relatos dos chefes de turma paraibanos, são muitas as situações trabalhosas, isto é, situações nas quais os migrantes aparecem como dando trabalho, virando nós cegos. Portanto, o exercício que faremos aqui será no sentido de ler, pelo avesso, a fala dos arregimentadores. Tal leitura implica numa inversão de sinais de modo a fazer com que tais relatos revelem aquilo mesmo que o discurso oculta, encobre, invizibiliza. Captar as formas de resistência cotidianas nas quais os trabalhadores migrantes cortadores de cana-de-açúcar se envolvem significa reconduzi-los do lugar de passividade, imobilismo e vítima no qual geralmente são colocados para o lugar de sujeitos de sua história, uma história que se faz não como se quer, mas a partir de suas possibilidades concretas e objetivas. O que implica em afirmar que eles não são simplesmente vítimas, que eles também atuam com as armas de que dispõem e com outras possíveis de serem “fabricadas” com o material mesmo de seu cotidiano, muito embora, seja preciso, igualmente questionar, os limites dessas formas de resistência cotidiana. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 382 Dentre as situações consideradas trabalhosas pelos arregimentadores e fiscais, merece destaque aquelas relacionados ao sistema de trabalho194, ou seja, aos conflitos entre a maneira correta de executar o trabalho, tal como ditado pela Usina e a maneira pela qual os migrantes o executam. Ou, em outras palavras, entre trabalho prescrito e trabalho efetivamente realizado. As queixas aqui se referem principalmente a tocos baixos, ponteiros mal feitos e montes mal formados. Quando se fala em serviço bem feito, a ênfase é no acabamento das tarefas. O ideal é que o facão seja batido “o mais rente possível ao solo, promovendo um corte horizontal-basal de cana, evitando assim o toco alto” (SENAR, 2005:50), isto porque, quanto maior o toco, maior a perda para a usina, pois é no pé da cana que está contido o maior teor de sacarose. Outro cuidado é com o ponteiro, o qual deve ser feito no final do palmito. Desponte feito abaixo do palmito acarreta a perda da cana agregada no ponteiro, o que representa, também, perda para a usina. Estas informações nos são confirmadas por José Félix (34 anos) e José João da Silva (34 anos), ambos migrantes, cortadores de cana-de-açúcar e residentes no município Paraibano de Imbiara, os quais, durante entrevista realizada no dia dezessete (17) de setembro de 2007, no município de Engenheiro Coelho – SP, ressaltaram a importância do trabalho bem feito, que, segundo eles, envolve alguns cuidados, como por exemplo: (a) sempre cortar o toco baixo; (b) fazer a lera (local onde a cana cortada é amontoada) limpa, para quando a máquina vir não levar sujeira para usina; (c) não picar muito a cana, cana curta é prejuízo (se a cana for curta demais, costuma cair no caminho provocando perdas para a usina); (d) limpar bem a cana, quando a mesma é cortada na palha visando tirar pelo menos 50% da palha; (e) e obediência aos fiscais. Uma vez que o pagamento é por produção e que, portanto, o cuidado e o zelo com o serviço tende a ser visto pelos trabalhadores como perda de tempo, como nos revela o seguinte trecho da narrativa de um trabalhador: A gente não faz produção, porque a gente ta fazendo uma coisa e a pessoa fica mandando voltar atrás toda hora, aí a pessoa não temo como ir para frente. Quem trabalha por produção não pode perder tempo. Você tem que fazer uma coisa e não voltar atrás, tem que andar para frente (Fabrício, 24 anos, Santa Cruz da Baixa Verde – PE). 194 A expressão é dos próprios arregimentadores. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 383 Como o depoimento deixa claro, o serviço bem feito está relacionado à busca de extração de mais trabalho, por parte das empresas, isto é, de um trabalho não pago e que, por sua vez, se traduz em maiores lucros para o capital. Assim é que, por exemplo, em muitas usinas o cortador de cana-de-açúcar é obrigado a, após cortar a cana, ajuntá-la num monte, facilitando, dessa forma, a ação das carregadoras, isto é, das máquinas que recolhem a cana cortada. Para fazer os montes, o trabalhador tem que parar sua atividade específica (cortar cana), o que representa um prejuízo em sua produtividade, já que o tempo em que ele passa fazendo os “montes” não é um tempo contabilizado, se constituindo para ele como “tempo perdido”. Como resistem os trabalhadores? Podemos captar a partir das falas dos arregimentadores e mesmo dos cortadores de cana-de-açúcar, quando lidas pelo avesso, duas principais formas de resistência dos cortadores de cana-de-açúcar no cotidiano do eito. A primeira refere-se ao envolvimento desses trabalhadores o que se, por um lado, os torna cúmplice da opressão, por outro lado, “representa uma forma de adaptação menos traumatizante ao trabalho; a melhor defesa contra a negação de si mesmo representada por um universo de trabalho concebido para desumanizar” (Linhart, 2007 p. 47). São muitos os casos de bons trabalhadores, e não raramente os próprios chefes de turma se apresentam e são apresentados como tendo encarnado este perfil [bom trabalhador]. Este envolvimento tem também outras razões, pois pode implicar em ganhos, imediatos ou não, que se pode tirar dessa situação: ser bem quisto aos olhos da gerência, com os conseqüentes elogios e retorno em temo de auto-imagem que o trabalhador faz de si, mas, também, em termos da possibilidade de se conquistar outros favores: uma promoção, garantir a vaga na empresa para o próximo ano [se autoemancipando com relação ao arregimentador local]. Outra forma de resistência no cotidiano do eito é constituída por pequenos gestos de sabotagens sutis, de ignorância fingida. Consiste em não fazer o serviço bem feito, utilizando-se de artimanhas como “esconder” o toco mal feito, o monte mal arrumado. Nas palavras de Odair (21 anos, Santa Cruz da baixa Verde – PE), Você deixa o toco maior abaixo do monte, você cobre os tocos altos, jogando a cana em cima, ai o fiscal não ta vendo... Depois que passa colhendo a cana, aí depois fica tudo e acontece, muitas vezes, da turma ser obrigada a reparar aquele serviço... As vezes quando a cana é caída, no lugar do monte, você não corta, só picota e joga a cana em cima. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 384 Como sinaliza Certeau (2007) a utilização dessas táticas demanda um senso da oportunidade, uma sabedoria que possibilite aproveitar um momento de dispersão das figuras de controle (fiscais). Prática individual? Ledo engano, pois não acontece sem contar com a cumplicidade de uma rede antidisciplinar, constituída pelos que estão “num mesmo barco”. Assim é que um trabalhador-migrante de Santa Cruz da Baixa Verde – PE nos segredou que quando alguém avista o fiscal, deve alertar os demais companheiros, afim de que fiquem atentos. Com esta intenção códigos são criados e partilhados: “Quando o fiscal vem, os cabras [trabalhadores] gritam: ‘Tá escurecendo!’, ‘Olha o fogo!’ , assim, dá tempo pra gente se ajeitar e o fiscal encontrar tudo em ordem” (Beto, 29 anos, Santa Cruz da Baixa Verde). Aproveitar a ocasião, a oportunidade, implica num jogo em um espaço que, como se disse, não é próprio, mas do outro, assim, há sempre a possibilidade de que o truque não dê certo quando então a desobediência é descoberta, podendo resultar em sanções para os trabalhadores envolvidos, os quais são então obrigados a refazerem o serviço. Tal informação é confirmada ainda por outro informante, o Rosinaldo (chefe de turma, Tavares.PB) que nos explica: Se não fizer o trabalho bem feito ele vai te mandar ajeitar o trabalho. Daí você diz “Ah, mas meu serviço tá bem feito”. “Rapaz, lá tem toco alto, tem ponteiro mal batido”. Daí você se recusa e o que eles vão fazer com você? Eles vão lhe punir. “Marcelo, você não quer ir não, não? Então vem aqui assinar uma advertência”. Primeiro vai de advertência, você assina a advertência e se você se recusar a assinar aquela advertência, eles vão te dar gancho, entendeu. Durante aquela advertência, se você pegar três advertências, na quarta já é três dias de gancho, três dias de gancho é pra você ficar em casa, você não vai ganhar nada, você perde, você não vai ganhar hora de ônibus, você não vai ganhar remunerado, você não vai ganhar, inclusive nada, você só vai sujar seu nome. Dali pra frente, o fiscal vai ficar pegando no seu pé, porque você fez o serviço errado a primeira vez, então eles vão pensar que você vai fazer o serviço errado, direto. Então, você tem que trabalhar o melhor possível, que é para ninguém pegar no seu pé... São muitos os relatos de confusão entre os trabalhadores e fiscais, motivados por “serviços mal feitos”. Os trabalhadores reclamam que muitas vezes são tratados de forma desigual, que há trabalhadores para os quais o fiscal faz “vista grossa”, não se importando com a qualidade do serviço, conforme expressou João Paulo (23 anos, Migrante Cortador de cana-deaçúcar, Tavares.PB) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 385 Os fiscais chatos. Na hora do meio dia, o sol queimando, juízo cozinhando e eles enchendo o saco: ‘Esse serviço tá mal feito’, ‘Olha o tamanho dos tocos’, eles querem que cortem certinho. Eu não deixava toco, mas eles chegam só para encher o saco, porque eles falam só pra encher o saco, porque tem gente que corta alto, deixa toco e eles [os fiscais] não falam, gostam dele [de alguns que deixam toco], aí não diz nada. Já tem gente que corta certo e eles chegam só para encher o saco. Esta informação também é confirmada por outros informantes, como mostram as falas abaixo transcritas: A humilhação aqui é grande. Se deixar um toco eles dizem: ‘olhe, pra eu te dar um gancho é ligeiro’ Nem equipamentos eles dão. Eles dão a primeira botina, da segunda por diante eles mandam comprar, custa uns R$ 39,00, 40,00 reais cada. (Valdecir, 42 anos, oriundo do município de Tavares. PB, cortador de cana)195. Eles, os chefes, reclamam muito, diz que não faz os serviços do jeito que eles querem. Cada um tem um superior, e os fiscais (da empresa) também têm os fiscais da Usina. (José Laércio, 37 anos, oriundo do município de São José de Piranhas. PB, migrante cortador de cana)196. Quando reclamados, são muitos os trabalhadores que revidam, respondendo e mesmo ameaçando o fiscal, sobretudo quando o fiscal chama a atenção do trabalhador de forma considerada “desrespeitosa”. No município de Santa Cruz da Baixa Verde – PE, soubemos de um conflito entre trabalhador e fiscal que culminou na morte deste último pelo trabalhador. Outros relatos de trabalhadores dão conta de fiscais que saíram correndo no espaço dos canaviais, ameaçados que foram por trabalhadores de facão na mão. Tais narrativas costumam ser contadas de forma jocosa, e é possível ver um misto de felicidade na face do narrador que tende a se identificar com o fato narrado assumindo a posição dos trabalhadores. Em visita à usina Santa Isabel, no ano de 2009, soubemos que os fiscais portavam um facão, questionados sobre a função dos mesmos nas mãos desses atores, ficamos sabendo que seu porte visa mostrar aos trabalhadores que o fiscal não está desarmado, visando assim intimidar e com isto coibir o uso da violência na relação entre fiscais e trabalhadores cortadores de cana. Um terceiro tipo de trabalho que os migrantes costumam dar às usinas refere-se à baixa produção no dia e absenteísmo. A primeira forma aparece na fala dos arregimentadores como 195 196 Entrevista realizada no dia 16 de Setembro de 2007, no município de Novo Horizonte - SP. Entrevista realizada no dia 14 de Setembro de 2007 no município de Rio das Pedras, interior Paulista. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 386 fazer corpo mole e é própria dos cabras que dão nó, isto é, daqueles que chegam no trabalho, aí cortam corta dois, três metros de cana aí se deitam e pronto, não fazem mais nada...Param, não trabalham direito” (Benedito, 34 anos, chefe de turma, Tavares.PB). A segunda forma de abstinência, do trabalho, refere-se a faltas, mesmo em se tratando de faltas acobertadas por atestados médicos. Para chefes de turma e mesmo migrantes o fato de uma pessoa apresentar muitos atestados à usina, durante um ano, é indicio de que a pessoa é enrolada, gosta de dar nó. É recorrente na fala dos migrantes, seja cortadores de cana, sejam chefes de turma, situações em que alguns trabalhadores passam a noite bebendo e, no outro dia, sem disposição para ir ao trabalho, simplesmente faltam ou colocam atestado. Nas palavras de Raimundo (São José de Piranhas, PB, chefe de turma): “essa coisa de perder dia, as vezes tem por exemplo, amanhã é folga, o camarada vai para cidade, vai para zueira, chega em casa tarde da noite, aí no outro dia não quer ir trabalhar, fica em casa”. Nós mesmo, durante visita de campo, realizada ao sindicato de Novo Horizonte, interior de São Paulo, pudemos constatar in loco a busca por atestado médicos naquele sindicato, onde os trabalhadores podiam comprar os atestados que eram vendidos por um real e cinqüenta centavos ( R$ 1,50). Linhart (2007) escrevendo sobre a vivência no trabalho e fazendo menção ao absenteísmo anota que é para “preservar [sua] especificidade que cada qual recusa e foge diversas vezes de seu universo de trabalho, expressando sua necessidade de escapar do trabalho, ou seu desejo de viver outra coisa por algum temo” (p. 48) e, mais adiante: O absenteísmo traduz, então, a necessidade de fugir, por um tempo, do que, de repente, se tornou insuportável. Mas o absenteísmo pode, e aí está uma outra face, responder ao desejo de desfrutar um pouco de vida (...) podendo ser interpretado como uma gestão autônoma do tempo – em limites evidentemente bem restritos. Uma gestão individual e, além disso, clandestina, pois é preciso justificar a necessidade de fuga do trabalho, ou o desejo de viver outra coisa, fornecendo um atestado médico. (p. 48) Mas, se há resistência da parte do trabalhador, também há as estratégias por parte das usinas. Assim, é cada vez mais recorrente na fala de trabalhadores e chefes de turma a menção ao período de experiência, tempo utilizado pela usina para detectar e dispensar os trabalhadores “improdutivos”. Este ano de 2010, tivemos acesso à lista negra elaborada pelo setor de recursos humanos da empresa Santa Luiza Agropecuária. Na lista constam os nomes de trabalhadores A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 387 “queimados”, isto é, trabalhadores que por algum motivo, estão impedidos de serem contratados pela empresa. Dentre os motivos listados no referido documento consta “pouca produção”, “trabalho pouco”, “baixa produtividade”. Embora seja algo não reconhecido oficialmente pelas usinas, é do conhecimento dos trabalhadores e fiscais que as empresas não têm interesse em manter os trabalhadores cuja produtividade não seja suficiente para que os mesmos alcancem, no mínimo, o piso salarial da categoria, isto porque, nesses caso, a empresa estaria obrigada a realizar a complementação do salário desse trabalhador. Ainda no quesito aqui examinado – fazer corpo mole – há relatos de fiscais segundo os quais, quando se inicia o mês de dezembro, os trabalhadores tendem a baixar a produtividade. Em entrevista coletiva, arregimentadores da região de Cajazeiras, na Paraíba, chegaram a falar em greve forçada, se referindo ao fato de que depois do dia quinze (15) de Dezembro, fica difícil convencer os trabalhadores a manter os mesmos níveis de produtividade. No ano de 2009, segundo relato de um gerente da Santa Luiza Agropecuária, por conta das chuvas, a colheita manual da cana precisou ser estendida até o dia vinte (20) de Dezembro. Para convencer os trabalhadores a não baixarem o nível de produção a empresa lançou mão de um sorteio de quatro motos, do qual só pôde participar os trabalhadores cuja média de produtividade não tivesse decaído muito, no mês de dezembro, com relação aos demais meses. Segundo o gerente, a empresa dispõe de dados de cada trabalhador, inclusive sua média de produtividade e assim, não houve dificuldade em acompanhar os trabalhadores que, por conta do sorteio e na esperança de “ganhar” uma moto, continuaram trabalhando no mês de Dezembro com a mesma intensidade dos meses anteriores. Quanto aos atestados médicos,: tornou-se prática comum por parte das usinas, a retirada parcial ou total do ticket alimentação para o trabalhador que colocar, durante um mês, uma determinada quantidade de atestados. Segundo informação dos próprios trabalhadores, a apresentação de dois atestados, em um mesmo mês, equivale à perda de 50% do valor do ticket alimentação, três atestados, perda de 75% e, quatro atestado ou mais, perda do valor total do ticket. Além de que, há relatos de trabalhadores cujos nomes passaram a constar nas “listas negras” por terem apresentando “muitos” atestados durante a safra. Pelo exposto claro fica que a configuração da organização e relações de trabalho no espaço dos canaviais é resultado da correlação de força entre os atores sociais aí presentes (trabalhadores e representantes das empresas), desse modo, os canaviais não podem ser visto apenas como lugar A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 388 da produção, mas também como lócus de luta contínua entre os trabalhadores e aqueles interessados em extrair-lhe mais trabalho. Por sua vez essa luta assume uma variedade de formas, que são tributárias tanto da experiência desses atores quanto do ambiente político quer a nível institucional, quer a nível societário mais amplo. Há em primeiro lugar o fato de que os trabalhadores nordestinos não levam para os canaviais do estado de São Paulo, uma experiência de ação sindical em sua região de origem. Tal como em Sedaka, lócus de estudo de James Scott, nas cidades de origem da força de trabalho aqui em foco, as organizações sindicais existentes surgiram por decreto do Estado e não como resposta à experiência do campesinato. Além de que, como a maior parte das contribuições sindicais tem sua origem na aposentadoria, esta passou a ser o foco da ação sindical, desde a sua instituição em final da década de 1980. A comparação com os municípios da região do Vale de Pajeu revela-se aqui importantíssima, visto que as práticas sindicais ai vigente ainda guarda relação com as condições de existência e reprodução dos pobres do campo, pautando-se pela busca de direitos. Assim, no conjunto de trabalhadores dos dois estados aqui em analise, são os trabalhadores oriundos do Vale do Pajeú, Pernambuco os que mais se inserem em práticas de resistência, sendo, por isso, considerados rebeldes, trabalhosos etc. No ano de 2009, a usina Santa Isabel despediu uma turma constituída inteiramente de trabalhadores provenientes do município de Santa Cruz da Baixa Verde – PE e adjacências. São também os trabalhadores de Pernambuco que, ao retornam aos seus locais de origem, mas têm procurado a justiça trabalhista visando requerem direitos violados durante a época da safra. Ainda no nível da experiência dos trabalhadores é mister retomar a reflexão de Scott sobre a economia moral do campesinato. Na obra: The Moral Economy of the Peasant: Rebellion and Subsistence in Southeast Asia, Scott (1976) fundamentando-se no conceito de Economia Moral de E. P. Thompson, mas também nos trabalhos de E. Wolf, B. Moore e Chaynov, dentre outros, formula a noção de ética de subsistência para explicar o comportamento do campesinato. Segundo Menezes (s/d) tal noção se baseia em três elementos, a saber: No princípio de safet-first (segurança em primeiro) ou “risk-avoidance”; segundo, numa noção de justiça permeada na rede de reciprocidade entre amigos, parentes, relações patrões – clientes ou até mesmo o estado e, terceiro, na noção de subsistência como uma reivindicação moral (Menezes, s/d: p. 03) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 389 Acreditamos que os conceitos de “segurança primeiro” e “risco mínimo”, ao acenar para a busca de evitar risco, por parte do camponês que vive próximo dos níveis mínimos de sobrevivência, explica, em grande medida, a opção desses sujeitos pelas formas micro de resistência, pela qual se evita os riscos representado pelo confronto direto com os dominantes, especialmente, nos contextos onde tais riscos implicaria em colocar em xeque a sobrevivência própria e a da família. Outro elemento que se impõe na explicação dos motivos da opção dos trabalhadores pelas formas cotidianas de resistência é o fato de que as relações de dominação no mundo dos canaviais, possuem concomitantemente uma face burocrática, constituída por hierarquias e normas estabelecidas pelas usinas e outra face personalizada. Não esqueçamos que os trabalhadores são arregimentados a partir de seus laços pessoais de parentesco e vizinhança. Tais laços funcionam de duas formas: De um lado, como canal mediante o qual, os determinados trabalhadores conseguem um tratamento diferenciado com relação aos demais, amenizando, dessa forma, o peso das normas e exigências. Por outro lado, esta personalização da dominação permite escamotear os conflitos de classe, revestindo os interesses das usinas e funcionários responsáveis pelo controle, de uma matriz pessoal. Em muitas situações, o fiscal não é apenas o fiscal, mas também o compadre, o irmão, o primo. Quanto aos arregimentadores pelo fato dos mesmos terem conseguido a vaga para o trabalhador, este se sente em dívida moral para com ele, o que dificulta a emergência de conflitos em outros níveis. Não podemos perder de vista, também, o papel desempenhado pelo medo que ronda os espaços dos canaviais. Medo de perder o emprego, de figurar na lista negra da usina, não sendo mais aceito em seus quadros, tendo então que buscar outras usinas e morar em outras cidades, não podendo, portanto, contar com a rede de conhecimento (comerciantes, donos de imóveis, mulheres etc.) já construída naquele município para onde se migra anualmente, e que facilitam a permanência durante o tempo da safra. Questionados sobre o porque de não se envolverem com as greves e paralisações muitos trabalhadores relatam os prejuízos que resultam de tal envolvimento, tal como a demissão e a inclusão do nome na lista negra das usinas. Aquilo que Scott chamava de dureza do cotidiano é outro fator que ajuda a explicar a opção dos trabalhador-migrantes pelas formas cotidianas de resistência no espaço dos canaviais. Por “dureza do cotidiano”, Scott se refere aquilo que no contexto nordestino é tido como “precisão”, “necessidade” e, ao mesmo tempo, aponta para a falta de alternativas, o que favorece, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 390 da parte dos pobres, uma adaptação pragmática, isto é, uma adaptação que não implica em consentimento, mas que está relacionada, de um lado, à clareza quanto à consequências prováveis de uma ação claramente contestatória, e, por outro lado, a não existência de alternativas, levando-se, claro em consideração, as motivações da ação. Assim é que Scott apresenta, para melhor expressar suas idéias, As palavras de Hassan, um homem pobre que recebia aquém do salário mínimo para organizar pilhas de grão de arroz. Ao ser perguntado porque ele não dizia “não” ao seu rico patrão, ele respondeu ‘Os pobres não podem reclamar, quando estou doente ou precisando de trabalho, posso precisar dele outra vez. Fico com raiva no meu coração’ (Scott, 2002: p. 18). O ultimo desabafo de Hassan transcrito por Scott “Fico com raiva no meu coração”, esclarece bem o fato de que a subalternidade não significa concordância ou mesmo ausência de uma consciência da exploração. Nesse ponto, também, é esclarecedora a seguinte consideração de Scott: “Eles [os pobres de Sedaka] lutam sob condições que são amplamente independentes de sua determinação e, assim, suas necessidades materiais permanentes precisam de algo como a acomodação diária a essas condições” (Scott, 2002: p. 18). Finalmente é necessário que pensemos no peso do contexto societário mais amplo. Com efeito, não são apenas um punhado de anos que nos separa do contexto que favoreceu as grandes greves dos trabalhadores do setor canavieiro no estado de São Paulo, nos anos de 1984, movimento que ficou conhecido como a Greve de Guariba, por ter sido esta cidade do interior paulista palco e ponto a partir do qual o movimento se irradiou para outras partes daquele estado. De lá para cá, muita coisa mudou: os setores de esquerda, sobretudo, os sindicatos, vivenciaram uma crise sem precedente diante de uma situação de desemprego estrutural e no qual as reivindicações por direitos passaram a ser substituída por reivindicações pela permanência dos postos de trabalho, pela não demissão de mais trabalhadores, a questão de permanência no trabalho passando a palavra de ordem do dia e escamoteando outras reivindicações que passaram a gozar de menos legitimidade. Isto é, numa época marcada pela inserção de tecnologia e pelo cada vez mais crescente desemprego, os olhos e a ação da classe trabalhadora, terminaram por voltar-se para estratégias focalizadas na busca por garantir o emprego o que implicou, inclusive, em abrir mão de alguns direitos já conquistados. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 391 Nesses tempos de incerteza em que o medo ronda a mente de cada trabalhador, a luta aberta torna-se uma opção remota, o que não significa que os trabalhadores aceitem o nível de dominação e exploração ao qual estão exposto. Tal aceitação, embora aparente, é uma ilusão que, inclusive, os poderosos do mundo, nos querem fazer acreditar. Todavia, um olhar atento sobre o cotidiano do mundo do trabalho, é capaz de revelar que tal aceitação é apenas aparente e que a luta não deixou de existir, apenas se faz em outros planos. Nesse sentido embora tenham como lócus próprio os bastidores, há sempre a possibilidade de que essas formas cotidianas de resistência irrompam no palco, na cena pública, o que tem sido atestado pelos inúmeros episódios de greves, paralisações, acesso a justiça trabalhista, protagonizados pelos trabalhadores migrantes como resposta a um cotidiano de trabalho marcado pela exploração e que sinalizam para o fato de que a chama que alimenta a rebeldia, o sentimento de injustiça e de dignidade ferida, a capacidade de indignar-se com a própria exploração e com a do outro, continua presente e seus sinais, mesmo quando sutis, continuam marcando o cotidiano dos espaços de produção. Referências Bibliográficas ALVES, Alves, F. Migração de trabalhadores rurais do Maranhão e Piauí para o corte de cana em São Paulo. In: Migrantes. Trabalho e trabalhadores no Complexo Agroindustrial canavieiro (os heróis do agronegócio brasileiro). J.R. Novaes e F. Alves (orgs.) 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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 392 _____. Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. New Haven and London: Yale University Press, 1990. SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Estado de São Paulo. Programa Cana Limpa: sistema de colheita – corte manual. São Paulo: SENAR, 2005. SILVA, Marcelo Saturnino. Entre o bagaço da cana e a doçura do mel: migrações e as identidades da juventude rural. Campina Grande: UFCG, 2006 (Dissertação de Mestrado) (mimeo). SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 393 A reconfiguração da precariedade nas relações de trabalho: Um estudo sobre os trabalhadores de moto-táxi em Campina Grande – PB 197 Jucelino Pereira Luna198 Até os nossos dias, a histórica de toda a sociedade tem sido a história das lutas de classe. (Marx e Engels, 1998) Introdução Na realidade, assistimos a uma nova dinâmica sócio-econômica na esfera global, marcada pela financeirização dos capitais e pela liberalização dos mercados. Esse novo contexto é marcado pela desarticulação do sistema de produção fordista,199 que predominou no pós-guerra nos países industrializados. Esse regime assentava-se no “pleno emprego”, baseado em contratos de trabalho de natureza coletiva. O novo cenário exige a flexibilização das relações laborais, resultando em elevadas taxas de desemprego. Esse cenário tem sugerido a partir da década de 1970 um debate sobre o futuro do trabalho200. Nesse sentido, a hipótese que norteia as nossas reflexões é a de que o moto-taxismo é parte da resposta que os trabalhadores e a sociedade vêm dando, por meio de processos espontâneos, à crise do trabalho, principalmente do emprego entendido em termos clássicos, e que tem atingido o mundo e o país, na forma de um reincremento das formas de trabalho 197 O texto apresentado é parte da nossa pesquisa de tese de doutoramento em andamento, realizada junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande. Uma versão deste texto foi publicada pela Editora da UFCG/UEPB – Paraíba. Este debate também foi compartilhado no X Congresso Luso Afro Brasileiro De Ciências Sociais na Universidade de Braga – Portugal de 04 a 07 de fevereiro de 2009 e também no VI Encontro da Associação Latino Americana de Sociologia do Trabalho em abril de 2010. 198 Professor da Universidade Estadual da Paraíba e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande realizou sanduiche no Programa de doutoramento em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra – Portugal. 199 Cf. Lipietz (1989: 304). O Fordismo é um regime de acumulação que se desenvolveu na maior parte dos países da OCDE, após a Segunda Guerra Mundial (Aglietta, 1976; Boyer e Mistral, 1978; Coriat, 1978; e Lipietz, 1979). Para ele, do ponto de vista do processo de trabalho, o fordismo caracteriza-se por uma disjunção, por tripartição das atividades em três níveis: I – A concepção, a organização dos métodos tomados autônomos; II – A produção qualificada, requerendo uma mão-de-obra adequada; III – A execução e montagem desqualificadas, não exigindo, em princípio, qualquer qualificação (313). 200 Para aprofundar o debate remetemos o leitor ao texto de Ricardo Antunes. Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo, Boitempo: 2006. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 394 autônomo e informal. Sendo assim, a questão central que envolve a pesquisa é buscar apreender que tipos de relações de trabalho e formas de sociabilidade estão na base de constituição desse novo segmento de trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de relações de trabalho que estão na atualidade compondo o mundo do trabalho. Para tanto, requer situar os termos atuais da flexibilização das relações de trabalho, como tendência mundial, ao mesmo tempo buscando realçar suas repercussões específicas em países que, como o Brasil, traz nesse campo a marca da precariedade e da informalidade201. Faz-se necessário, ainda, explorar com especial atenção as práticas e percepções sociais, em construção, em conflito, entre os atores sociais envolvidos na atividade do moto-taxismo, como se veêm e são vistos, sobre como dialogam (conformando-se, resistindo e reinventando-se) com as condições que lhes são impostas por tal situação. A fundamentação teórica da pesquisa foi pautada, desde contribuições de autores referidos a um debate teórico mais geral até aportes mais especificamente relacionados ao tema. São exemplos: a noção de "experiência" Edward P. Thompsom; a discussão sobre "produção flexível” trazida por David Harvey; a ideía de "fordismo periférico" de Alain Lipietz; a crítica da "razão dualista" por Francisco de Oliveira; as abordagens sobre o trabalho informal e precário no Brasil, por Cristina Cacciamali, Márcio Pochmann, Ricardo Antunes, Graça Druck, Márcia Leite, Jacob Carlos Lima, entre outros. Além desse conjunto de aportes teóricos, utilizamos a pesquisa documental e, ainda um conjunto de 12 (doze) entrevistas, 9 (nove) entrevistas, 3 (três) em cada segmento de trabalhadores e mais 3 (três), uma com o representante do Sindicato, uma com o gestor da STTP (Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos) e por último com o proprietário da empresa CG Motos. Além disso, como estratégica metodológica complementar aplicamos um total de 207 questionários com 25 (vinte e cinco) perguntas cada nos três segmentos de trabalhadores, com o objetivo de captar questões que não foram possíveis de serem apreendidas nas entrevistas. Vale ressaltar que a pretensão aqui não é e nem poderia ser, diante da gigantesca tarefa que isso significaria, de chegar a conclusões definitivas. Trata-se apenas de contribuir com o debate que já está em curso, e cujos contornos só serão possíveis de serem desnudados a partir 201 Par aprofundar esse debate sobre “setor informal” e as origens da informalidade remetemos o leitor a leitura de Hart, Keith (1973); OIT (1972). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 395 de um esforço coletivo através de uma sistematização do que vem sendo feito e de uma reflexão sobre as novas questões que estão postas. Feito este preâmbulo, passaremos então a discutir as seguintes questões: em primeiro lugar vamos contextualizar os processos de reestruturação produtiva (Taylorismo, Fordismo e Produção Flexível), em seguida discutir a nossa situação de pesquisa: os trabalhadores de mototáxi e, para concluir, faremos as nossas considerações finais. II. O Taylorismo, o Fordismo e a Produção Flexível: Do Centro para a Periferia A primeira Revolução Industrial orientou a transição da manufatura para a indústria moderna, ou seja, a era da maquinaria, das fábricas, da expansão do trabalho assalariado marcando um período histórico, onde se fez necessário a adaptação do homem ao rítmo das máquinas. Posteriormente, inaugura-se um novo momento, marcado pelos modelos de acumulação rígidos: o Taylorismo e o Fordismo, aprofundando a racionalização e implantando a linha de montagem, tornando a produção mais previsível, controlável e planejável. O surgimento do Taylorismo nos Estados Unidos provocou uma nova concepção produtivista e sistemática de organização do trabalho, onde as tarefas passaram a ser feitas de forma ritmada e cada vez mais individualmente pelos operários, eliminando as atividades em grupo e simplificando as mesmas. Este processo ampliaria a produtividade e intensificaria o controle sobre o trabalhador, pois o mesmo passou a ser vigiado e, através de um marcador do tempo, o cronômetro, passava a cumprir a determinação do seu superior para realizar suas tarefas em uma limitada carga horária. A linha de montagem, a racionalização do trabalho e as tecnologias efetivadas pelo Fordismo seguiram o mesmo caminho do Taylorismo, elevando o grau de mecanização na realização das atividades, simplificando-as e padronizando-as cada vez mais, através da produção em série e de massa, conforme foi muito bem representado no filme ´Tempos Modernos”, de Charles Chaplin. O Fordismo que nos países centrais visava obter produção e consumo em massa, se expandiu também para a América Latina, inclusive para o Brasil. Entretanto, dadas as características próprias da industrialização brasileira, marcada por um caráter tardio, produziu-se um padrão especial de industrialização: o “fordismo periférico” (Lipietz, 1991), numa composição entre um setor dinâmico, restrito, onde se estabeleceu um mercado formal de trabalho, e outro tradicional, mais amplo, onde predominou um mercado informal de trabalho. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 396 Esse contexto é marcado pelo “desenvolvimentismo”, em que o Brasil assume um papel de economia complementar ao processo de acumulação dos capitais nos países centrais. Nesse sentido, a evidente desigualdade de que se reveste o desenvolvimento do capitalismo no Brasil combina-se com uma base de acumulação razoavelmente pobre para sustentar a expansão industrial e a conversão da economia pós-anos 30. Nos termos de Oliveira (2006), essa combinação de desigualdades não é original; em qualquer mudança de sistema ou de ciclos, ela é, antes, uma presença constante. A originalidade consistiria talvez em dizer que – sem abusar do gosto pelo paradoxo – a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberados exclusivamente para fins de expansão do próprio novo. Essa forma parece absolutamente necessária ao sistema em sua expressão concreta no Brasil, quando se opera uma transição tão radical de uma situação em que a realização da acumulação dependia quase integralmente do setor externo, para uma situação em que será a gravitação do setor interno o ponto crítico da realização, a permanência dele mesmo. Desta feita, o sistema caminhou de forma inexorável para uma concentração de renda e do poder, de maneira que as tentativas de intenção corretiva ou redistributivista – na visão de alguns – transformaramse no pesadelo “prometeico” da recriação ampliada das tendências que se queria corrigir nos termos de Francisco de Oliveira (2006). Esse contexto estava sintonizado com a industrialização e a introdução do Fordismo no Brasil, de natureza periférico. O economista francês Lipietz (1988: 97) caracteriza o “fordismo periférico” como:“Fordismo autêntico, com um verdadeiro processo de mecanização e um acoplamento da acumulação intensiva e do crescimento dos mercados do lado dos bens de consumo duráveis”. Após alguns sucessos iniciais, o modelo de industrialização fordista na periferia centrado na adoção parcial e freqüentemente ilusória do modelo central de produção e consumo, ainda que sem a adoção das correspondentes relações sociais, mostrou-se, com efeito, incapaz de inserir-se no “circulo virtuoso” do fordismo central: “nesse fracasso a responsabilidade da “dependência”, que é real, é muito mais mediata do que afirma os slogans vingativo”. O elo que falta deve ser procurado, antes de qualquer coisa, na estrutura social interna – consolidada pela manutenção de uma distribuição muito desigual da renda no setor de exportação A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 397 de matérias–primas e pelo fracasso redistributivo das reformas agrárias – e na incapacidade de ampliar o setor manufatureiro e de realizar a integração do consumo popular ao regime de acumulação. A existência do centro pesa, sobretudo (além das marcas da colonização na estrutura social interna), em função do sucesso de sua própria “autocentragem”: a difusão do regime de acumulação intensiva amplia, pelo menos nessa época, as diferenças de competitividade entre o centro e a periferia, excluindo esta última do comércio internacional e bens manufaturados. E, no entanto, é em razão mesmo desse sucesso que o centro irradia seu modelo de produção e suas normas de consumo, levando a substituição de importação a uma armadilha mimética (Lipietz, 1989: 309-311). Ainda na trilha de Lipietz (1989: 332), “O desenvolvimento do “fordismo periférico” opera em uma escala que exclui o espaço territorial e reduz os países a “pontos”em um espaço mundial discreto, enquanto o desdobramento dos circuitos de ramos fordistas nos territórios do centro visa, ao contrário, adaptar-se às nuances do tecido social espacializado”. Nesse sentido, o capital, a partir de suas demandas e de acordo com o contexto que se evidencia, desenvolve novas estratégias a fim de assegurar sua sustentabilidade. O exemplo clássico foi a substituição da produção em série e de massa, característica do período Taylorista /Fordista, quando não foram mais suficientes às suas demandas. Desse modo, nesse período, era preciso reestruturar sem alterar os pilares do modo de produção capitalista, “racionalizar ao máximo as operações feitas pelos trabalhadores, combatendo o desperdício na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho, visando à intensificação das formas de exploração” (Antunes, 1999: 37). Esses modelos tinham como objetivo a superação da crise do capitalismo desde o final do século XIX, possibilitando o aumento da produção, o controle do patrão sobre o trabalhador e, sobretudo, o aumento das taxas de lucro. Entretanto, na década de 1970, uma nova crise do sistema capitalista já era notada, com a insatisfação dos trabalhadores, a crise do Welfare State e o processo de globalização fizeram com que uma nova estratégia de aumentar - ou pelo menos de manter - a produção dentro da lógica capitalista fosse desenvolvida. Surgiram, então, os modelos de produção flexíveis - destacando-se na Europa, Ásia e EUA, inovando no sentido da organização do trabalho, onde a subjetividade do trabalhador passa a ser cada vez mais considerada para gerar o aumento da produtividade. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 398 Segundo (Antunes, 2001: 47-48), em resposta à crise estrutural estabelecida pelo sistema capitalista de produção: O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o ‘toyotismo’ ou o modelo japonês. Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista (num momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolistas) e, por outro lado, da própria necessidade de controlar as lutas sociais oriundas do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural. É neste cenário de imensas mudanças no processo de organização no interior fabril, que emerge, em meados da década de 1980, a era da acumulação flexível, constituindo-se como novo paradigma produtivo oposto ao modelo de produção em massa, característico da indústria fordista. Surge então, o trabalho multifuncional, polivalente e flexível, vinculado a novas demandas do mercado, que combinam de modo inovador práticas que o capital já experimentara no passado. A flexibilização do trabalho, além de refletir na vida profissional e social, também fomenta a ordem ideológica dominante, distanciando, cada vez mais, os horizontes revolucionários Tavares (2004). Como conseqüência disso, tem-se a expansão e a intensificação do trabalho informal, que sob a lógica de um discurso manipulador propaga a alternância de função no processo produtivo, ou seja, o empregado de hoje pode tornar-se o empregador de amanhã. Este processo, no entanto, tende a obscurecer as relações de exploração e marginalização a que são submetidos os trabalhadores que, movidos por um discurso utópico de tornar-se patrão, investem todos os seus bens, sua força de trabalho e de sua família, em busca da idéia de trabalho autônomo, livre e por conta própria. Ser autônomo’ ‘ser responsável’ estes apelos são doravantes ordens, acabam por nos afundar naquilo que os psicólogos chamam um Double bind, uma forma de vínculo contraditório com pessoas e coisas. No mesmo ato a individualização-emancipação dobrase de uma individualização-fragilização. Tudo se torna mais indeterminado e cada um de nós é levado a corganizar sua vida de um modo mais precário e mais solitário. (Rosanvalon; Fitoussi, 1997: 19) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 399 Esse processo de “autonomização” tem levado a uma intensificação do trabalho informal, tornando-o cada vez mais funcional a lógica de acumulação de capital. O trabalho informal, aqui é entendido no contexto da “nova informalidade" 202, não está à margem do modo de produção capitalista, mas integrado e subordinado a este, participando do processo de acumulação. Desse modo, a informalidade é uma criação do capital, necessária à sua manutenção, que se propaga de acordo com seu desenvolvimento. Convergimos, então, com (Tavares, 2004:131), quando esta diz, [...] afirmamos que certas ocupações executadas sob relações informais fazem parte do trabalho combinado, sem querer sugerir com isso um novo trabalhador coletivo, mas, apenas, a mais recente adequação da Organização da produção às exigências da valorização do valor. Desta feita, os mecanismos de terceirização vêm contribuindo para essa adequação, na medida em que o trabalho informal assume, nas atuais relações de produção, funções produtivas e improdutivas, estabelecendo uma interação entre o trabalho informal e a produção capitalista, moldado por um discurso moderno de nova forma de trabalho que se caracteriza pela natureza flexível (Tavares, 2004). Assim, o mercado informal não deve ser visto apenas como oposição ao mercado formal, mas como um movimento de valorização do capital, que neste momento apresenta-se necessário às suas novas demandas, muito embora as novas possibilidades e estratégias modernizadoras venham contribuindo para que se tornem “invisíveis os fios com os quais o trabalho informal é articulado à produção capitalista” (Tavares, 2004:131). Para esta autora, a propagação em defesa da organização voluntária do trabalho tende a reforçar as possibilidades de liberdade e o discurso de autonomia, fomentando a idéia de que o pequeno proprietário pode ser o dono de suas decisões, podendo até passar de uma classe para outra, saindo de uma condição desfavorável para uma situação mais favorecida. Porém, esse 202 Refiro-me a Tavares em Os fios invisíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho, que trata de atividades que estão subordinadas ao processo de produção capitalista e não apenas às atividades de sobrevivência, cuja expansão é recomendada pelas instituições financeiras internacionais . Conforme explicitam Filgueiras et al (2003) “nova informalidade se caracteriza pela presença de novos trabalhadores informais, em velhas e novas atividades articuladas ou não com os processos produtivos formais, ou em atividades tradicionais da velha informalidade que são por eles redefinidos” (pg.6). A simbiose entre formalidade e informalidade é, portanto, muito maior atualmente. Como adverte Roberts (1989), a informalidade encontra-se hoje no coração da formalidade por meio dos processos de flexibilização (Leite, 2008:8). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 400 discurso não teria tamanha aceitação e poder de convencimento se fosse divulgado que metade desses negócios não atinge um ano de vida e apenas um em cada dez consegue se desenvolver, quando subordinado ao movimento do capital. E mais, [...] essas determinações do mercado subordinam a existência dos membros dispersos pela divisão do trabalho a uma dependência coisificada, cujas decisões singulares estão submetidas à lógica do capital. Sob essa ótica, questionamos a autonomia atribuída às atividades informais (Tavares, 2004:138). Assim, a nova conjuntura vem se caracterizando como a era do trabalho informal, ou, como afirma (Antunes, 1999:119), o capital necessita “cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time (...)”; visto que esta mudança não é apenas uma simplória troca de posição sem nenhuma conseqüência para a classe trabalhadora. Nessa perspectiva, conforme ressalta Lima (2001), “Independentemente de positividade ou negatividade, o conceito de informalidade é difuso, seja pela dificuldade de estabelecer suas origens, seja pela multiplicidade de seus processos, o que faz com que sua análise restrinja-se a situações particulares” (Peattie, 1987; Tabak, 2000). Apesar do crescimento de dados estatísticos sobre a informalidade, sua diversidade continua a exigir o estudo de caso como forma de captar as particularidades econômicas, sociais, históricas e geográficas assumidas pelo processo. Entre 1990 e 1995, o trabalho informal aumentou em função do desemprego. Em 1982, os trabalhadores com carteira assinada representavam 57,7% do mercado de trabalho. Já em 1990, decresceu para 55,1%, e em 1995, eram apenas 47,8% dos agentes produtivos em atividade, ou seja, o trabalhador informal passou a representar maior número de pessoas em idade disponível para compor o exército de mão-de-obra (IBGE/1999) 203. Os dados do CAGED – Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho demonstram a eliminação de 2.560 milhões de empregos no setor formal, no período de janeiro de 1990 e dezembro de 1997. Em pesquisa do economista José Pastore, pesquisador da Universidade de São Paulo, sobre o mercado nacional de trabalho, no período de julho de 2003 julho de 2004, foi constatado que a taxa de crescimento do setor informal foi quatro vezes maior do que a do mercado de trabalho 203 Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 401 formal. O primeiro cresceu 9,6%, enquanto que o segundo cresceu apenas 2,4% (O Globo 22/12/2004, apud Porto e Bartolo, 2006). Esse novo contexto, sugere uma “nova informalidade”, intrínsica à flexibilização e faz parte da reação do capital ao trabalho organizado iniciada desde o começo dos anos 1970. A nova informalidade torna-se, assim, parte orgânica da produção capitalista, apresentando-se como constitutiva da nova engrenagem produtiva. Neste sentido, já não pode ser considerada como pouco produtiva, nem como não capitalista. É trabalho precário mais produtivo (Leite, 2008:8). Neste sentido, a nova informalidade não se propaga apenas nos segmentos da produção familiar, mas engloba também aqueles que disponibilizam sua força de trabalho ao capital, estejam estes no setor produtivo comercial ou de serviços. Vejamos, então, no próximo item a discussão sobre a nossa situação de pesquisa que procuram dialogar com essa dimensão macro da informalidade e da precarização do trabalho: trabalhadores de moto-táxi. Esta categoria de trabalhadores nessa nova dinâmica sugere a emergência de uma “nova classe” marcada por elementos de distinção evidentes. Na análise de Thompson (1981), os fenômenos sociais e culturais ganham relevância e deixam de ser pensados apenas como reflexos imediatos da vida econômica. Analisá-los significa, por meio das evidências, investigar suas particularidades e, ao mesmo tempo, perceber como se expressam em condições materiais constituídas historicamente. Assim, os próprios valores de uma sociedade são percebidos fazendo parte desse nexo relacional e principalmente como resultado das experiências humanas: Os valores não são “pensados”, nem “chamados”; são vividos, e surgem dentro do mesmo vínculo com a vida material e as relações materiais em que surgem nossas idéias. São as normas, regras, expectativas etc. necessárias e aprendidas (e “aprendidas” no sentimento) no “habitus” de viver; e aprendidas, em primeiro lugar, na família, no trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser mantida e toda produção cessaria (Thompson, 1981:194). É nesse aspecto que se pode entender que Thompson recusa a noção de classe social como efeito, resultado do modo de produção. Para ele, a classe é um fenômeno histórico, resultado de relações entre os homens reais em contextos reais. Para ele: A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 402 Classe é uma formação social e cultural (freqüentemente adquirindo expressão institucional) que não pode ser definida abstrata ou isoladamente, mas apenas em termos de relação com outras classes; e, em última análise, a definição só pode ser feita através do tempo, isto é, ação, reação, mudança e conflito. Quando falamos de uma classe, estamos pensando em um corpo de pessoas, definido sem grande precisão, compartilhando a mesma categoria de interesses, experiências sociais, tradição e sistemas de valores, que tem disposição para se comportar como classe, para definir, a si próprio em suas ações e em sua consciência em relação a outros grupos de pessoas, em termos classistas. Mas classe, mesmo, não é uma coisa, é um acontecimento (1998a: 102). A classe constitui-se no seu fazer-se, num movimento ativo que articula ação humana e condicionamentos sociais. É fruto de experiências comuns que podem levar à formação de uma determinada identidade, que por sua vez se coloca contra a identidade de outros homens em função de interesses materiais e culturais que são opostos (Thompson, 1997:10). Ao tratar classe social como um fenômeno histórico, “definida pelos homens enquanto vivem sua própria história”, Thompson afirma a perspectiva de ver a realidade histórico-social como um movimento contínuo, sujeita a transformações oriundas das lutas de classes. Disso resulta a preocupação metodológica desse autor de que, para ter validade, toda categoria teórica deva ser considerada histórica. Portanto, para Thompson as categorias teóricas, embora imprescindíveis no processo de construção do conhecimento científico, devem estar em permanente diálogo com a realidade. Só assim são capazes de ajudar a compreender as mudanças em curso em determinada realidade histórico-social. Isso significa, na perspectiva desse autor, entender a realidade social em seu movimento e complexidade, na qual, sob condições determinadas, homens e mulheres constituem-se como sujeitos. É nessa trilha teórico-metodológico orientada por Thompsom que vamos introduzir a nossa dimensão empírica de análise. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 403 III – A Problemática do Moto-Táxi em Campina Grande - PB Esse novo espaço de “reprodução social” da força de trabalho campinense está marcado por conflitos, tensões, dominação e resistência entre os atores sociais envolvidos (trabalhadores de moto-táxi, sindicatos, taxistas, polícia, ministério público, prefeitos, usuários). Nesse campo, os protagonistas (moto-taxistas) reproduzem simbolicamente no seu imaginário a falsa idéia de autonomia e liberdade oferecida por esta atividade de prestação de serviços. O uso de motocicletas para transporte alternativo de passageiros tem se disseminado em vários países, embora de formas diferentes. Em Londres e Paris, por exemplo, moto-táxis constituem como uma alternativa, principalmente para o traslado de passageiros de aeroportos, em motocicletas confortáveis, de alta cilindrada, inclusive com modelos elétricos, mas com preços geralmente acima dos cobrados pelo serviço de autotáxi. No entanto, a realidade de tais serviços em países de economia periférica ou emergente é outra e o mototáxi constitui uma alternativa de transporte acessível às camadas desfavorecidas, além de uma oportunidade de trabalho, a despeito do perigo que oferecem ou da precariedade em que se efetivam. Assim ocorre, por exemplo, em diversas cidades no Brasil, Venezuela, Argentina, Vietnã, Indonésia, Camboja, Índia, além de outros países. (NUNES, 2010, p. 18) No Brasil os condutores de mototáxi (mototaxistas) não são cadastrados na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), ou seja a ocupação não é reconhecida como pertencente a um sistema de transporte de pessoas, certamente em função da pequena segurança e conforto que oferecem. Entretanto, os motobois, ocupados em transporte de objetos ou pequenas cargas, são reconhecidos e cadastrados na CBO, na família ocupacional de “Motociclistas e ciclistas de entregas rápidas”. Prevê-se que o reconhecimento da categoria ocupacional de mototaxista esteja próximo, visto que foi sancionada pelo presidente Lula, em 29 de julho de 2009, a Lei 12.009, Lei 12.009, que regulamenta o exercício da atividade de profissionais que transportam passageiros em motocicletas, ou que usam esse meio de transporte para entregar mercadorias. Antes da aprovação dessa Lei, o serviço de mototáxi só se tornava legalizado em algumas cidades brasileiras mediante o empenho de associações e sindicatos para a aprovação de leis, geralmente em nível do município, que regulamentam a concessão do direito de prestar esses serviços. (NUNES, 2010, p. 19) A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 404 O moto-táxi em Campina Grande surgiu em 1996. Até então, não havia nenhuma regularização do serviço. Bastava o trabalhador ter o veículo (a moto) e poderia sair pela cidade em busca de passageiros. Mas, paulatinamente o setor foi ganhando dimensões significativas, convertendo-se no “refúgio dos sem trabalho”. Com a expansão da atividade dos moto-taxistas surgiram algumas pequenas empresas para explorar o serviço. Dentre elas, destacou-se a CG Moto-Táxi, existente até hoje. O vínculo do moto- taxista à empresa acontecia da seguinte forma: o moto-taxista proprietário da moto cadastrava-se e recebia uma credencial de autorização para transportar passageiros, além de uma jaqueta padronizada; a contrapartida era o pagamento de uma diária de R$ 5,00 pela utilização da marca da empresa; esta chegou a ter em torno de 600 (seiscentos) mototaxistas cadastrados, o que equivalia a R$ 3.000,00 (três mil reais) de receita diária. Inicialmente, houve uma grande resistência por parte dos táxis convencionais e também das empresas de ônibus. Mas, por outro lado, a sociedade campinense apoiava o serviço, alegando sua rapidez e eficiência. É importante salientar que o período de 1996 a 1998 foi marcado por fortes tensões para estes trabalhadores. Dentre as empresas que exploravam o serviço, a CG Moto-Táxi foi a única que conseguiu uma liminar na justiça autorizando o seu funcionamento. As demais empresas ficaram na clandestinidade, fazendo surgir uma nova categoria de trabalhadores, os clandestinos, que passaram a ser perseguidos sistematicamente pelas autoridades do trânsito. Quanto ao segmento dos mototaxistas clandestinos, este é constituído por trabalhadores sob condições mais precárias do que os primeiros. Na maioria das vezes, suas motos não estão emplacadas e, em alguns casos, não têm habilitação para conduzir o veículo. Esta é uma constatação das fiscalizações realizadas na época. Embora grande parte destes fiscalizados estivesse em situação regular (do veículo e habilitação) eram tirados de circulação, tendo seu veículo retido. A liberação acontecia após o pagamento de uma multa. É bem sabido que em geral a categoria dos trabalhadores (mototaxistas) exercem suas atividades sob condições extremamente precárias, sem plano de saúde, sem previdência, sem acesso a nenhuma cobertura social. Como são vítimas do desemprego, são obrigados a buscar sua reprodução social nas “franjas” do sistema, na informalidade. Atualmente, esses trabalhadores estão distribuídos em três segmentos: os mototáxistas devidamente regularizados pelo órgão público responsável, Superintendência de Trânsito e A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 405 Transportes Públicos (STTP) e filiados ao Sindicato dos moto-táxistas e entregadores de encomendas em motocicleta e similares (SINDIMOTOS-CG); os mototáxistas da CG MOTOS; e por último os clandestinos, que circulam na cidade sem o alvará de tráfego. No primeiro segmento, existe atualmente 727, mototáxistas permissionários, estes possuem permissão para circular na cidade como veículo habilitado para o transporte de passageiros, desde que estejam em dia com o Órgão Público responsável (STTP). A regulamentação formal desse serviço no município de Campina Grande derivou de uma aprovação do poder Legislativo, proposta de autoria do Poder Executivo (Comissão de Justiça e Redação), já que o serviço se constituiu a partir das demandas da sociedade. O segundo segmento representa os mototáxistas filiados na CG MOTOS, empresa privada que oferece o serviço de moto-táxi desde 1996, mesmo antes da Lei Municipal n° 3768/99, resultado da aprovação do projeto de Lei n° 150/99, que regulamenta este serviço na cidade. A empresa, além de disponibilizar o serviço de moto-táxi, funciona, também, como comércio de peças para motos e prestação de serviços de entregas e encomendas em motocicleta, tendo em vista que esta foi legalmente autorizada pelo Município de Campina Grande, que concedeu o alvará para a prestação desse serviço. No entanto, a empresa CG Motos funciona por meio de um mecanismo judicial, Mandado de Segurança, expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (desde 02 de dezembro de 1996), que assegura a esta o livre funcionamento de seus serviços. Posteriormente, este direito de exploração do serviço foi confirmado pelo Tribunal Superior de Justiça (STJ), em vigência até o momento. A CG MOTOS possui uma rotatividade em torno de 200 a 250 moto-táxistas cadastrados, disponibilizando a estes o apoio por sistema de rádio, declaração de renda, apoio jurídico e fardamento (jaqueta com identificação da empresa). É cobrada mensalmente pela empresa aos seus filiados uma quantia por esses serviços. O terceiro e último segmento é representado pelos moto-táxistas clandestinos204, aqueles que são detentores do meio de trabalho (a moto), sem autorização do órgão competente para transportar passageiros. Esses por sua vez são considerados desautorizados pelos órgãos fiscalizadores. No contexto dessa nova informalidade esta categoria de trabalhadores está num 204 Conforme os trabalhadores regularizados deste serviço são classificados como clandestinos aqueles que não são cadastrados no STTP nem filiados à empresa CGMOTO. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 406 patamar maior de precarização e vulnerabilidade em relação aos outros que são regularizados, uma vez que não são reconhecidos. Desse modo, a questão central que nos orienta é tentar captar que tipos de relações de trabalho e de formas de sociabilidade estão na base de constituição desse novo segmento de trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de relação de trabalho que estão compondo na atualidade o mundo do trabalho. V – Considerações Finais A economia e os processos produtivos passam por profundas transformações. Setores que constituíam o núcleo do movimento dos trabalhadores são varridos do mapa ou então suas condições de trabalho e de vida sofrem tamanha deterioração que se tornam irreconhecíveis. A legislação que por um longo período estabeleceu parâmetros públicos de regulamentação das relações de trabalho torna-se obsoleta e começa a ser derrubada, dando margem à precarização e aprofundando a exploração. Diante do estreitamento do mercado de trabalho formal, vastos contingentes são jogados na informalidade, e parte expressiva passa a se organizar de forma cooperativa, na qual vislumbra-se um embrião de uma economia alternativa. Segmento das classes médias, que a pouco faziam causa comum com as classes populares na luta democrática, abraçam com fervor o culto ao livre mercado. Aderem também a uma ideologia utilitarista que reduza a pobreza e suas degradáveis manifestações a um problema técnico, a ser resolvido pela subordinação do Estado e da sociedade à razão instrumental, da qual se consideram, evidentemente, os representantes naturais. (FORTES, 2006:196) Na realidade, assistimos a uma nova dinâmica sócio-econômica na esfera global, marcada pela finaceirização dos capitais, pela liberalização dos mercados e pela precarização das relações de trabalho. Na transição da década de 1980 para 1990, a desestruturação do mercado de trabalho tem gerado o desemprego e, com ele, o crescimento e a diversificação da informalização das atividades. O dinamismo da tecnologia atrelado à lógica do sistema capitalista de produção globalizado, alterou a configuração no mundo do trabalho, transportando trabalhadores - outrora indispensáveis - para um outro lado, onde não exerçam mais suas funções. A evolução desse novo modelo econômico favorece o desemprego, provocando uma maior precarização da força de trabalho e atingindo quase todos os segmentos sociais. Ao longo das últimas décadas, milhares de A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 407 trabalhadores foram substituídos nos setores industriais e de serviços pelas máquinas que, uma vez desempregados, são obrigados, para sobreviver, a inserirem-se no setor informal, passando a exercer atividades por conta própria. Os problemas sociais decorrentes da informalidade produzem fenômenos que podem ser vistos sem muito esforço. Aspectos como: o subemprego, a desigualdade social e a precarização das relações e das condições de trabalho neste setor, podem variar de acordo com o local e a atividade exercida. A sociedade tem estagnado no tocante ao seu desenvolvimento econômico e social, o que leva à má distribuição de renda e desigualdades sociais absurdas. Neste contexto, o desmanche de instituições regulatórias provoca o esgassamento do tecido social, o que gera o setor informal. O exercício da cidadania torna-se cada vez mais difícil de ser realizado dignamente em um sistema excludente, que reprime, discrimina e desqualifica, criando um patamar de contradições sociais, culturais e econômicas visivelmente observadas, deixando uma grande parte da população em situação de vulnerabilidade e insegurança. Diante desse problema, a população passa a reinventar o seu próprio trabalho como estratégia de sobrevivência e como forma objetiva de resposta ao desemprego independentemente de sua “utilidade” para o processo de acumulação de capital. As atividades criadas pelos próprios trabalhadores representam uma alternativa imediata na tentativa de minimizar os problemas no mundo do trabalho. Esse desenvolvimento do setor informal denuncia à sociedade que está faltando emprego e que milhares de trabalhadores estão lutando por trabalho e por condições dignas para manterem suas famílias. Por outro lado, concordando com Thompson, no processo histórico, no fazer-se, as classes sociais, criam seu espaço de diferenciação, estabelecem um meio de participação na história, reagindo às determinações estruturais, mas, ao mesmo tempo, se articulando, na medida do possível, aos propósitos da cooptação, para registrar sua experiência nesse cenário plural e dialógico. As trilhas teórico-metodológicas orientadas por Thompson, portanto, nos ajuda em grande medida, nas reflexões sobre os trabalhadores de moto-táxi, tendo em vista que, a partir delas, pudemos constatar a possibilidade de compreensão da vida, do sujeito, da sociedade, da política e de toda a dinâmica que envolve o processo sócio-histórico. Constatamos, pois, que a experiência desses atores impulsiona mudanças na processualidade histórica, porque, mesmo diante das determinações estruturais, imposta pelo A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 408 capital, o sujeito encontra espaços na fronteira do capital para sua atuação, embora a atividade dos trabalhadores de moto-táxi esteja marcada pela precarização do trabalho. Pois, essa “nova informalidade” nos desafia a pensar no que se refere à questão da influência da experiência desses sujeitos na formação da identidade, tendo em vista as imagens sociais que eles vão construindo deles para com eles próprios, usuários, familiares e o poder público. No âmbito desta pesquisa rejeitamos a tese dualista setor formal/setor informal. Para esta perspectiva de análise, até o início da década de 70, a literatura dominante visualizava o conjunto da atividade produtiva como a soma dos segmentos modernos e de subsistência, entre os quais não havia relação. No segmento moderno estavam as relações assalariadas, e no setor de subsistência as formas de trabalho autônomas. Para os defensores desta tese, o desenvolvimento econômico do setor moderno tinha a capacidade de incorporar os contingentes da população economicamente ativa, até extinguir o núcleo de subsistência. Para este pensamento uma política desenvolvimentista corrigia esta distorção (TAVARES, 2004:29). A pesquisa em andamento aqui apresentada sugere que a “nova precariedade” no caso do moto-táxi é produto da nova dinâmica de acumulação capitalista. Entretanto, os trabalhadores de moto-taxi estão situados dentro de uma dinâmica dos processos de acumulação de capital, mas esse processo suscita a existência de outros processos que se apresenta sob óticas diferentes, o caso da periferia significa uma das especificidades, sobretudo no caso dos trabalhadores de moto-táxi que aparecem nos “interstícios” dos processos de acumulação de capital e reinventam o seu próprio trabalho. Assim, as relações de trabalho no serviço de moto-táxi estão informadas pela dinâmica da acumulação de capital, mas esse segmento de classe orienta-se também, através da luta cotidiana pela sobrevivência, uma vez que estes se encontram fora dos espaços de luta pelo poder, ou seja, atua nas “franjas”. Portanto, nesse processo criam novas sociabilidades e novas identidades em consonância com os novos padrões de relações de trabalho que se estabelecem. Nesse sentido, a economia informal adquire um conceito dinâmico: se, por um lado, define aqueles trabalhadores que se encontram excluídos do mercado formal de trabalho da economia capitalista, por outro lado, “a informalidade ofereceu um trabalho e uma forma de ganhar a vida para imensos continentes de desocupados...” (Malaguti, 2002, p. 65). O “setor informal” pode ser analisado como saída dos que se encontram excluídos dos novos processos de organização da produção capitalista. O caminho para aqueles trabalhadores, A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 409 que antes considerados exército industrial de reserva, agora, marginalizados e “desnecessários” aos novos padrões de acumulação, possuem como única alternativa, o ingresso no trabalho informal, caracterizado por suas precariedades: falta de segurança no trabalho, ausência de benefício-doença, aposentadoria, ausência de repouso entre outros. Por fim, vale salientar que o conjunto da literatura especializada realça em grande “tom” que os processos de reestruturação produtiva e globalização impactaram de tal maneira no mundo do trabalho que provocou a desestabilização dos estáveis. No caso brasileiro, e em particular, na periferia do capitalismo esses processos têm conduzido a um posicionamento do Estado no sentido de formalização dos informais, o que nos conduz a hipótese de que esses processos podem resultar, na instabilização dos instáveis. A dinâmica do processo de trabalho no caso do mototaxismo revela essa tendência, configurada a partir da condição dos mototaxistas clandestinos, estes por sua vez são altamente estigmatizados até pelos seus colegas de trabalho que os vêem como concorrentes “desleais”. Conforme a seguinte declaração do entrevistado: existe uma concorrência desleal na cidade... por causa da concorrência desleal já houve morte entre os moto-taxistas... concorrência desleal o passageiro contribui pegando os motoqueiros não cadastrados, eu já perdi vários passageiros para os não cadastrados, não tem fiscalização de maneira nenhuma. (Severino dos Santos). As imagens que os trabalhadores de moto-táxi vinculados a STTP constrói em relação aos seus colegas de profissão (vinculados a CG motos e clandestinos) é que eles são concorrentes desleais, tendo em vista que estes não foram submetidos ao processo de licitação que os primeiros passaram, conforme exigência da prefeitura. A submissão ao conjunto de regras imposta pelo permissionário deveria dar aos cadastrados condições diferenciadas no processo de aquisição de passageiros segundo relato dos permissionários, uma vez que estes tiveram um custo muito elevado para serem aprovados no processo de licitação e, por conseguinte assegurar o direito de trabalhar regularmente, nesse sentido eles considera uma concorrência desleal. Assim, essa condição distintiva, pode gerar a fragmentação das lutas coletivas que possam surgir pelo fato deles não reconhecerem o outro como igual, portanto o igual no que se refere à condição de trabalhador, pelo contrário, os vêem como concorrentes desleais. Nesse sentido, essa constatação demonstra que o mundo trabalho precariedade/heterogeineidade/fragmentação. se apresenta marcado pela A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 410 Referências Bibliográficas AMARAL, Manoela. F. do; DRUCK, Graça. ; FILGUEIRAS, Luiz A. M.. 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O ideal taylorista de separação entre concepção e execução das tarefas, entre o trabalho mental e o manual, conforme acentuado por Braverman (1987) promoveu um tipo de desqualificação gradual do trabalhador na medida em que a divisão do trabalho foi aprofundada. A noção de qualificação como ligada ao conhecimento científico, técnico, passou a ser concentrada especialmente nas mãos da gerência, da administração, e não dos trabalhadores braçais, paras os quais a visão de qualificação esteve sempre ligada ao desenvolvimento de uma habilidade específica, repetitiva e limitada. Demandava-se do trabalhador a capacidade de cumprir o que lhe fora ordenado. Logo a qualificação exigida ligava-se a capacidade de realização, em cada posto de trabalho, do que fora prescrito. Como bem acentuou Veras (2006), dos anos 1971 para 1980, com a crise do taylorismo e do fordismo e a introdução de novos modos de organização da produção, denominados por Harvey (1992) como acumulação flexível, o mundo do trabalho vem sofrendo significativas mudanças no sentido da flexibilização. Demanda-se do trabalhador que ele contribua de forma criativa e comprometida com a empresa, realçando-se o aspecto individual. Num contexto de desemprego crescente, e da necessidade de uma inserção mais eficiente frente a crescente competitividade do mercado, é cobrada ao trabalhador uma qualificação mais ampla, versátil e continuada, capaz de garantir sua entrada e permanência num mercado de trabalho cada vez mais seleto. 205 Trabalho a título de avaliação para disciplina Sociologia do Trabalho, ministrada pela professora Eliana Moreira. 206 Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba- UFPB. E-mail: [email protected] . A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 414 Tais mudanças trouxeram a tona o debate sobre a qualificação profissional, com destaque para o surgimento da noção de competência. É como se a idéia de qualificação estivesse para o paradigma taylorista/fordista como a de competência para o da acumulação flexível. Este artigo propõe-se a analisar as mudanças ocorridas no papel da qualificação profissional, a partir da possível superação desse conceito pelo de competências. Ele está dividido em quatro seções além desta parte introdutória. Primeiramente retrata-se, resumidamente, as características do modelo taylorista, fordista e da reestruturação produtiva. Na segunda seção discute-se o modelo de competências a partir da interlocução com o de qualificação. Logo depois, apresentam-se algumas implicações do modelo de competências. Por fim são tecidas algumas considerações finais. 1. Modelos de produção e seus impactos no mundo do trabalho O Taylorismo, ou Gerência Científica, foi um modelo de organização do trabalho criado pelo engenheiro Frederick W. Taylor nas últimas décadas do século XIX a partir de sua observação a trabalhadores industriais. Taylor propôs a intensificação da divisão do trabalho, de tal modo que o trabalhador desenvolvesse tarefas setorializadas, especializadas e repetitivas e que o trabalho intelectual fosse separado do manual. O tempo gasto em cada tarefa deveria ser controlado para que houvesse uma racionalização do tempo e dos custos da produção. Braverman (1987) mostra que com a Gerência Científica o conceito de controle gerencial ganhou um novo sentido distinto da mera idéia de supervisão. Trata-se de um controle total, completo, sobre toda atividade no trabalho. Ao trabalhador não caberia tomar qualquer decisão. O conhecimento do ofício e sua sistematização passariam às mãos do empregador, e ao operário deveria ser dado o mínimo de conhecimento necessário para o desenvolvimento da função que lhe fora prescrita. Segundo este autor o taylorismo ancorou-se em três princípios centrais: primeiro, na idéia de que o conhecimento do trabalho deve ficar a cargo do gerente, sendo dissociado das especialidades dos trabalhadores; segundo, na noção de que o trabalho mental e o manual devem ser separados, cabendo ao trabalhador apenas a execução das tarefas; por último, no princípio de que é função particular da gerencia controlar o modo de execução do trabalho, através do preparo das tarefas e da forma como elas devem ser executadas. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 415 Dando continuidade à teoria de Taylor, Henry Ford lançou por volta de 1914 o Fordismo, que se diferenciava do taylorismo essencialmente por sua preocupação com o consumo em massa. Harvey (1992) bem lembra que o que tornava Ford especial era o reconhecimento de que uma produção em massa gerava um consumo em massa, logo os trabalhadores deveriam ganhar bem para consumir mais. O fordismo visava organizar a linha de montagem fabril em virtude do aumento da produção, através do maior controle às fontes de matérias-primas e de energia, aos transportes, e a formação da mão-de-obra. Harvey mostra como o fordismo preocupava-se não só em disciplinar o trabalhador, mas com o oferecimento a este de renda e lazer suficientes para fazê-los consumir a produção em massa da empresa. Hirata (1994) destaca que o modelo fordista teve por base a fabricação em massa de produtos padronizados, por meio da utilização de máquinas especializadas e do uso de uma massa de trabalhadores semiqualificados e que foi factível devido à existência de um largo mercado capaz de absorver a enorme quantidade de mercadorias simples e padronizadas. No entanto, a partir dos anos 1970 a realidade do mercado consumidor sofreu alterações profundas. Tornou-se instável e individualizado, demandando a produção de bens de formas as mais variadas possíveis e que atendesse a gostos específicos, demandando a produção em pequenas séries e a renovação habitual de produtos. Logo, o fordismo entra em crise pela baixa produtividade e pela dificuldade em absorver as novas demandas do mercado. As décadas de 1970 e 1980 são descritas por Harvey (1992) como um conturbado período de mudanças nos campos econômico, social e político 207 , onde as organizações tiveram a lucratividade reduzida, especialmente devido à diminuição da produtividade e ao aumento da competitividade internacional. Logo, tem-se início um processo de Reestruturação Produtiva, a busca por um novo caminho, uma nova forma de acumulação que garantisse os interesse do capital, preservando as altas taxas de lucros. A reestruturação produtiva engloba as mudanças ocorridas na organização do trabalho industrial nos últimos tempos, com a emergência de novidades tecnológicas, organizacionais e de gestão, rumo a uma maior flexibilidade. Os modelos de organização da produção pós-fordistas 207 Para ver em detalhes as mudanças ocorridas nas décadas de 1970 e 1980, ver HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 5.ed. São Paulo: Loyola, 1992., especialmente o Cap. 9- Do Fordismo à Acumulação Flexível, p. 135-162. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 416 surgiram, desse modo, centrados em uma lógica de trabalho mais maleável e dotada de inovações que entraram em confronto direto com a rigidez taylorista/fordista e ofereceram resposta aos anseios capitalistas. Diferentemente dos outros padrões de produção, caracterizados por aspectos como a produção em massa, de bens em larga escala, com estoque, pouca diferenciação, maquinário, mão-de-obra e matérias primas padronizados, apostava-se agora em estoques-zero, uma produção enxuta 208 , economia de mão-de-obra, com controles de qualidade, mão-de-obra multifuncional e envolvida no processo produtivo. Desse modo, para superação da crise de produção em massa fordista surge a reestruturação produtiva, focada no trabalhador multifuncional, bem como na relação de cooperação entre a gerência e o operariado, algo impensável na teoria taylorista. Trata-se de um novo conceito de produção e , em certa medida, uma ruptura209 com o taylorismo/fordismo. Com a acumulação flexível, cuja forte representação é o modelo empresarial japonês, o Toyotismo, aumenta-se o emprego temporário em contraposição a diminuição do emprego regular. A produção em massa foi substituída pela produção de bens variados e em pequenos lotes, o que possibilitou um melhor atendimento aos imperativos do mercado. Além do modo de produção e da lógica de acumulação do capital, sofreram alterações a própria mão-de-obra utilizada, da qual passou a ser cobrada uma atitude bem diferenciada da exigida no modelo de produção taylorista e fordista, especialmente em relação à qualificação. [...]os novos conhecimentos científicos e tecnológicos, característicos do pósfordismo, associaram-se às exigências empresariais de contratação de uma mão-de-obra com polivalência multifuncional, maior capacidade motivadora e habilidades laborais adicionais no exercício e prática do trabalho. (Pochmann, 2001,apud Helal & Rocha, 2008) 208 Termo utilizado por CASTEL, em CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. 4ª Ed. São Paulo. Paz e Terra. 2000. Ao falar em ruptura com o taylorismo/fordismo, não falo de modo uniforme, geral. Em países como o Brasil, por exemplo, estudos como o de Hirata (1994) e Leite (2003) demonstram que embora tenha havido mudanças na produção, esta não perdeu suas características dos modelos taylorista e fordista. 209 A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 417 2. Qualificação & competências Quando o taylorismo e o fordismo mostram-se incapazes de assegurar a expansão do capital, o trabalhador “desprende-se” da máquina e passa a ter que desenvolver formas mais flexíveis de trabalho, ser polivalente, mediante as novas formas de produzir, de controlar o trabalho e as novas políticas de salário, gestão e de formação. Deixa de ter uma visão parcial e fragmentada para ter uma visão do conjunto do processo do trabalho, porque esta é necessária para que ele possa identificar e solucionar os problemas cotidianos do processo de trabalho. Ao operário é cobrada [...] a capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de consertar, de administrar a produção e a qualidade a partir da linha, isto é, ser simultaneamente operário da produção e de manutenção, inspetor da qualidade e engenheiro. (Hirata, 1994) Mourão (2009), afirma que as novas formas de produção exigiram uma série de conhecimentos e atitudes diferenciadas das de antes e um tipo de qualificação começa a ser ressaltado pelo campo empresarial, como essencial para o incremento de produtividade. Esse novo tipo de qualificação difere-se do antigo e tem como centro a emergência da noção de competência, que foi pouco a apouco adquirindo relevância frente à noção de qualificação típica dos modelos taylorista/fordista. A difusão da noção de competência tem relação com estas recentes transformações no mundo do trabalho, especialmente no que diz respeito à mão-deobra. [...] o novo modelo de produção flexível exige novas atitudes e habilidades no processo produtivo. Por isso, a produção flexível requer um perfil diversificado de trabalhador, criando assim, novas demandas de formação e qualificação profissional. Se antes, no modelo taylorista/fordista, predominava o conceito de qualificação do emprego, já no modelo de acumulação flexível desenvolve-se o novo conceito de competência, intrinsecamente associado aos novos cenários de empregabilidade e flexibilidade. (Vasconcelos & Lima,2008) Paiva (2003) relaciona a emergência do conceito de competência, e sua progressiva substituição ao conceito de qualificação, a crise de assalariamento e a nova onda de racionalização oriunda da reestruturação produtiva. A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 418 Tal crise levou igualmente à contestação do conceito de qualificação na medida em que este esteve colado à escolarização e sua correspondência no trabalho assalariado, no qual o status social e profissional estava inscrito nos salários e no respeito simbólico atribuídos pela sociedade a carreiras de longa duração. (Paiva, 2003) A busca pela redução de custos e pelo aumento da produtividade aliadas ao progresso tecnológico provocou a diminuição dos postos de trabalho, que em meio a um cenário de polivalência, de trabalho multifacetado, entrou em crise, dificultando a existência de um sistema sólido de remuneração e classificação das profissões e gerando uma quebra com o conceito de qualificação, identificado diretamente com o de educação formal. E é neste sentido que, segundo Veras (2006) e Paiva (2003), o conceito de qualificação está sendo substituído pelo de competências210. [...] identifica-se um distanciamento da noção de posto de trabalho e de tarefa em função da valorização da flexibilização funcional e da polivalência. Como conseqüência, os laços entre qualificação profissional e salário se enfraquecem, as descrições de cargos se tornam mais genéricas, ou seja, mais calcadas em qualificações tácitas do que em conhecimentos sedimentados pela qualificação profissional. Este distanciamento torna compreensível a valorização, pelas organizações, do conhecimento tácito dos trabalhadores, já que este potencializa a flexibilização funcional e sedimenta o processo de integração. (Arruda, 2000) A idéia de qualificação está ligada a um trabalho parcelado, com tarefas bem determinadas, as quais o trabalhador tem que desempenhar com precisão. Já competência tem como pressuposto a superação disto. Está ligada aos trabalhos flexíveis e autônomos. O trabalhador deve estar a par do processo de produção como um todo, para que posso agir sobre um possível problema que surja. A propagação da noção de competência está intimamente relacionada às transformações no trabalho após o surgimento de uma nova forma de produzir baseada na flexibilização da organização e dos contratos de trabalho. Assim, a noção de qualificação está ligada às profissões remuneradas de acordo com o grau e área de escolaridade, ou seja a um tempo de formação institucionalizada. Há um destaque à formação escolar e a idéia de que os sindicatos seriam responsáveis pelas negociações em torno 210 Para autores como Tomasi, (2002) não há uma substituição de um conceito por outro mas um rearranjo.[...]” talvez o mais indicado seja falarmos em um rearranjo dessas noções, muito mais do que de substituição ou de superação de uma por outra.” A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs 419 dos salários. Enquanto que a idéia de competência centraliza o aprendizado contínuo no e fora do trabalho e valoriza as ações individuais. A remuneração é dada de acordo com os méritos e negociações particulares. O tradici