IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA
TRABALHO & SINDICALISMO
1
O Trabalho e as novas dinâmicas local-global
ANAIS
26 a 28 | maio | 2010
Universidade Federal de Campina Grande
Campina Grande – Paraíba - Brasil
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA
2
TRABALHO & SINDICALISMO
O Trabalho e as novas dinâmicas local-global
ANAIS
ISSN 2177-6881
Instrução
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA
CENTRAL DA UFCG
R444
Reunião Intermediária Trabalho e Sindicalismo –
ANPOCS (4: 26 a 28 maio 2010.: Campina Grande, PB)
Campina Grande, 2010.
O trabalho e as novas dinâmicas local-global na 4º
Reunião Intermediária Trabalho Sindicalismo ANPOCS / ANPOCS. – Campina Grande: UFCG, 2010.
1. Teoria do Trabalho. 2. Sindicalismo. 3. Dinâmica
Trabalhista. I. ANPOCS. II. Título.
CDU 331.1(061.3)
ISSN 2177-6881
3
Estes Anais contêm os trabalhos apresentados na IV
Reunião Intermediária Trabalho & Sindicalismo (Anpocs)
que foram aceitos para apresentação oral pela
Comissão Científica do Evento. As informações,
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responsabilidade de seus autores. Distribuição gratuita.
Campina Grande, maio de 2010. Universidade Federal
de Campina Grande. Instruções Técnicas: Para conferir
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Projeto Gráfico do CD-ROM, Anais em PDF, Folder, Cartaz e Banner
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Eugenio Pereira Nt. & Kaliny Nepomuceno de Lima | e-mail:
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e-mail contato e inscrição:
[email protected]
Promoção
 GT Trabalho e Sindicato na Sociedade
Contemporânea da ANPOCS
 Convênio PROCAD de Cooperação entre o Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG e o
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia da UFRJ
 Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET)
 Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ)
Apoio
Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e
Políticas Públicas (UFCG/CNPq)
Editora Universitária da UFCG (Edufcg)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Coordenação do Evento
Roberto Véras de Oliveira (UFCG)
Marco Aurélio Santana (UFRJ)
Ângela Araújo (UNICAMP)
Membros da Organização do Evento
Alexandre Santos Lima (Mestrando em Ciências Sociais
PPGCS-UFCG)
Állis Karla Bezerra Medeiros (Graduando em Filosofia –
UEPB)
Annahid Burnett (Doutorando em Ciências Sociais
PPGCS-UFCG)
Bruno Mota Braga (Graduando em Ciências SociaisPIBIC-UFCG)
Emanuela Costa Henrique (Graduando em FilosofiaUEPB)
Eugenio Vital Pereira Neto (Mestrando em Ciências
Sociais PPGCS-UFCG)
Jéssica Sobreira (Graduando em Ciências Sociais-PIVICUFCG)
Marcelo Alves Pereira Eufrásio (Doutorando em Ciências
Sociais PPGCS-UFCG)
Patrícia dos Santos Melo (Mestrando em Ciências
Sociais PPGCS-UFCG)
Kátia Machado de Medeiros (Graduando em Ciências
Socias – UFCG)
Prof. Dr. Waltimar Batista Rodrigues Lula (UEPB)
Prof. Ms. Diogo Fernandes da Silva (UFPB)
Prof. Ms. Jucelino Pereira Luna (UEPB)
Comissão Científica de Seleção de Trabalhos
Roberto Véras de Oliveira (UFCG)
Eliana Monteiro Moreira (UFPB)
Darcilene Gomes (FUNDAJ)
Sérgio Pereira (UFMA)
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SUMÁRIO
SOBRE O EVENTO .............................................................................. 07
PROGRAMAÇÃO ................................................................................ 13
RESUMOS EXPANDIDOS DAS COMUNICAÇÕES E PAINÉIS APRESENTADOS ...... 15
SESSÃO 1: O TRABALHO FRENTE
DESENVOLVIMENTO
AOS
NOVOS DESAFIOS TECNOLÓGICOS
E DO
1. As Profissões Informacionais no Brasil
Luciana Garcia de Mello – Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS
2. Desenvolvimento, Trabalho e Território: Estudo do Caso de Duque de Caxias
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa – Profª Drª PPGSS/UERJ
3. Da Instrução Profissional à Formação Cidadã
Rejane Gomes Carvalho - Doutoranda do PPGS/UFPB
Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB
4. Teletrabalho a Domicílio e as Transformações do Trabalho
Márcia Regina Castro Barroso - Mestranda do PPSD/UFF
5. O Mundo do Trabalho: a Formação, a Qualificação Profissional e o Jovem Deficiente
Michele Paitra Alves dos Santos – Mestranda do PPGS/UFPR
Painel 1: Transformações no Mundo do Trabalho: Considerações sobre o Modelo de Competências
Dayane Gomes da Silva – Mestranda do PPGS/UFPB
Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB
SESSÃO 2: MANIFESTAÇÕES E FORMAS DO TRABALHO PRECARIZADO
1. Alienação no Trabalho Docente? O Professor no Centro das Contradições
Denise Lemos – Profª Drª CRH/UFBA
2. A Distribuição Espacial do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba
William E. Nunes Pereira – Prof. Dr. do Dep. de Economia/UFRN
3. Considerações sobre a terceirização e seus efeitos na Companhia Siderúrgica Nacional
Sabrina de Oliveira Moura Dias – Doutoranda do PPGSA-UFRJ
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4. Trabalho Análogo ao Escravo e o Limite da Relação de Emprego no Brasil
Vitor Araújo Filgueiras – Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA
5. Os Discursos Teóricos e as Justificativas dos Atores Sociais Perante os Acidentes de Trabalho
Roberto Mendoza - Doutorando e Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG
Adailton S. de Andrade - Aluno-Bolsista de Graduação PM-UAAC
6. A Reconfiguração da Informalidade nas Relações de Trabalho: um Estudo Sobre os Trabalhadores
de Moto-Táxi em Campina Grande – Pb
Jucelino Pereira Luna – Doutorando do PPGCS/UFCG
Painel 2: Confeccionando a Saúde no Trabalho: Condições de Trabalho e Políticas Públicas no
Âmbito do SUS/PSF em Santa Cruz do Capibaribe/Pe
Thaisa Santos de Almeida – Profª Ms Substituta da UFRN
SESSÃO 3: TRABALHO PRECÁRIO
URBANO
E
FORMAS
DE
RESISTÊNCIA
ENTRE O
RURAL
E O
1. Revoltas dos Trabalhadores Canavieiros e Desmobilização Sindical no Setor Sucroalcooleiro do
Nordeste: a Experiência de Alagoas
Paulo Candido da Silva – Doutorando do PPGCS/UFCG
2. Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008)
José Fernando Souto Junior – Prof. Dr. UNIVASF
3. Práticas de Resistência dos Migrantes Paraibanos nos Canaviais do Estado de São Paulo
Marcelo Saturnino da Silva - Doutorando - PPGCS/UFCG
Marilda A. Menezes - Profª Drª da PPGS/UFCG
4. Salário por Produção: Precarização e Ilicitudes no Setor Sucroalcooleiro
Dra. Marilda A. Menezes – Profª Drª do PPGCS/UFCG
Marcos Antonio F. Almeida - Mestrando do PPGCS/UFCG
Maciel Cover - Mestrando do PPGCS/UFCG
5. O Trabalho Domiciliar no Contexto do Processo de Globalização
Edilane do Amaral Heleno – Doutoranda do PPGS/UFPB
Eliana Monteiro Moreira – Profª Drª do PPGS/UFPB
Painel 3: Migrantes e Jovens: os Trabalhadores das Usinas de Cana de Açúcar
José Aderivaldo S. da Nóbrega - Mestrando do PPGCS/UFCG
Giovana A. Nascimento – Graduanda Ciências Sociais UFCG
Jaqueline M. F. Martins – Graduanda Ciências Sociais UFCG
Painel 4: Mudanças e Permanências: Sentidos e Identidades do Trabalho de Lavagem de Roupas em
uma Economia Tradicional e uma Economia de Serviços Moderna
Andréa Monteiro da Costa - Mestranda do PPGCS/UFCG
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SESSÃO 4: PRÁTICAS SINDICAIS URBANAS REVISITADAS
1. A Inovação das Relações de Trabalho Subordinado e a Revogação da Portaria MME N. 865/1995:
O Papel da Autonomia Privada Coletiva No Brasil
Beatriz Cardoso Montanhana – Doutoranda da Faculdade de Direito da USP
2. Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical: A experiência dos Portos do Rio de
Janeiro e de Santos
Maria Dalva Casimiro da Silva - Doutoranda em Serviço Social pela UFRJ
3. A Violência Anti-sindical como Fenômeno Regulador dos Conflitos Sociais, Territoriais e
Trabalhistas - Um Estudo Comparativo dos Casos da Colômbia e da Venezuela
Jana Silverman - Doutoranda do Instituto de Economia da UNICAMP
4. Conflitos Trabalhistas Coletivos: Mobilização, Interesses e Lutas por Reconhecimento
José Luiz de Oliveira Soares - Doutorando do PPGSA/UFRJ
5. Sou Metalúrgico, Mas não Sou de Ferro: a Relação entre a Justiça e Sindicato no Caso Sermetal
Luisa Barbosa Pereira – Doutoranda do PPGSA/UFRJ
6. Os Sentidos da Judicialização da Relação Capital-Trabalho e seus Efeitos na Dinâmica Sindical
Antonio Teixeira Lima Junior – Mestrando do PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA
Carla Gabrieli Galvão de Souza - Mestranda do PPGSD/UFF
Selma Cristina Silva de Jesus – Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA
7. Práticas Sindicais na Toyota do Brasil: os Casos de São Bernardo do Campo (SP) e Indaiatuba (SP)
Gustavo Takeshy Taniguti - Mestrando do PPGS/USP
TRABALHOS COMPLETOS PUBLICADOS ................................................ 62
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Sobre o Evento
Por meio deste Cd-Rom publicamos os Anais da IV Reunião
Intermediária do Grupo de Trabalho “Trabalho e Sindicato na
Sociedade Contemporânea” da Anpocs, realizado em Campina
Grande, Paraíba, no campus da Universidade Federal de Campina
Grande, entre os dias de 26 a 28 de maio de 2010. Nele
disponibilizamos o “resumo expandido” de 23 comunicações e 4
painéis, dos quais, 23 estão publicados com texto integral.
Participaram da organização deste Evento, além do referido GT
Anpocs, o convênio PROCAD entre o PPGCS/UFCG e o PPGSA/UFRJ;
a Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET); a Fundação
Joaquin Nabuco (FUNDAJ). O Evento também contou com o apoio
operacional do Grupo de Pesquisa Trabalho, Desenvolvimento e
Políticas Públicas (UFCG/CNPq) e com apoio da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) e da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB).
A todos que estiveram empenhados na realização desta iniciativa,
os mais sinceros agradecimentos.
A Coordenação.
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Apresentação da Proposta do Seminário
A
proposta deste seminário, por um lado, é analisar as novas configurações do trabalho em uma
situação social marcada por processos de flexibilização, precarização e informalização do
trabalho, assim por como pelas diversas formas de resistência a esses processos. Por outro lado,
pretende discutir as dificuldades e estratégias dos sindicatos e de outras formas de ação coletiva, nesse
novo contexto, dando ênfase às experiências desenvolvidas a partir do questionamento ao corporativismo,
da preocupação com os desempregados e com os trabalhadores em situações precárias, bem como do
empenho na busca de novas orientações e formas de atuação, como por exemplo, a (re)organização das
centrais e dos organismos internacionais, a incorporação crescente das temáticas de gênero, raça/etnia e
da juventude, a participação em projetos de políticas públicas e sociais. Em terceiro lugar, objetiva discutir
as novas tendências das políticas públicas referidas às novas configurações do trabalho, em um contexto
mundial de crise da referência do Estado Social e de desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas,
dando destaque ao que vem ocorrendo no caso brasileiro a partir dos anos 1980, e suas reverberações na
realidade nordestina, tendo como marcos principais a Constituição de 1988, as Privatizações e Reformas
Constitucionais da década de 1990 e as novas situações trazidas com a eleição de Lula para Presidente.
A
Justificativa e Histórico das
Iniciativas do GT Anpocs
s transformações sócio-econômicas das últimas décadas, associadas a um intenso processo
de globalização, vêm impondo importantes mudanças às relações de trabalho, às
estratégias e formas de organização dos trabalhadores e às políticas públicas referidas a
trabalho, emprego, renda e cidadania.
A reestruturação das empresas para enfrentar o aumento da competição no mercado nacional e
global inaugurou um novo tempo de instabilidades. O mundo do trabalho, principalmente nos países
desenvolvidos, modificou-se rapidamente, colocando em xeque o consenso protetor do Estado de Bem
Estar Social, que foi substituído pelas políticas do Estado mínimo. O silogismo brazilianização passou a ser
descritivo dos processos de precarização das relações de trabalho e de crescente informalização
desencadeados a partir dos países mais desenvolvidos. Não tardou para que essa experiência
transbordasse para os países periféricos, agravando mais ainda a já histórica precariedade a que estão
submetidos, nesses casos, os trabalhadores e trabalhadoras.
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O processo de reestruturação capitalista expresso, principalmente, nas transformações na
organização do trabalho e na introdução de novas tecnologias de base microeletrônica, bem como na busca
da melhoria de qualidade de bens e serviços e no incremento da produtividade, trouxe dificuldades
inauditas para os trabalhadores e para a ação de suas organizações. A bibliografia sobre o tema, discutindo
tanto as experiências dos países de capitalismo maduro quanto dos países em desenvolvimento, mostra a
ampla repercussão para a sociedade das mudanças que se desenvolveram no âmbito produtivo e nas
relações capital/trabalho.
O assalariamento, que de certa forma caracterizou a relação capital/trabalho durante largo período,
criou as condições de agregação de direitos sociais aos contratos de trabalho. Já a flexibilidade, propiciada
pela revolução tecnológica e pelos novos métodos de gestão da produção e do trabalho, ao mesmo tempo
em que desterritorializou a produção e o trabalho, internacionalizando os mercados, promoveu um intenso
processo de precarização e informalização do trabalho, através da terceirização e da redução ou alteração
de direitos trabalhistas. Desse modo, a flexibilização das relações de emprego e das condições de trabalho
desorganizou identidades coletivas fundadas no local, no regional e no nacional.
As empresas, por vezes, atuam globalmente, acima dos Estados nacionais. De outra parte, tentam
adequar suas políticas na atração de investimentos e procuram se inserir no processo de
internacionalização, percebido como inexorável. A noção de “desenvolvimento nacional” vinculado à
industrialização é superada pela necessidade de inserção produtiva a redes globais. Ser competitivo
significa ter menores custos e acompanhar as inovações tecnológicas. Menores custos representam o corte
de trabalho vivo, buscando-o onde é mais barato.
É possível dizer que, em alguma medida, as mudanças que estão em curso no mundo do trabalho
torna a vida dos trabalhadores umbilicalmente ligada às vicissitudes da empresa, o que estaria levando a
uma mudança radical das relações trabalhistas e da ação sindical no mundo contemporâneo.
A ação sindical viveu, a partir dos anos de 1950, momentos de fundamental importância quando a
instituição trabalhista foi amplamente reconhecida e seu poder se consolidou enormemente Nos anos
recentes, no entanto, as grandes organizações sindicais que, em alguma medida, representavam a força do
trabalho organizado foram ficando, paulatinamente, obsoletas. Competição global, recessão e incertezas
econômicas crescentes, em alguma medida, colocaram em crise o sindicalismo e as bases institucionais nas
quais ele se desenvolveu.
Essas mudanças têm trazido enormes desafios para o sindicalismo. Em linhas gerais, pode-se dizer
que os obstáculos à ação sindical se colocam, principalmente, em decorrência de que, historicamente, as
ações trabalhistas sempre se pautaram pela demanda de acesso a bens e/ou poder públicos e privados
para o trabalhador nacional. Por isso, os sindicatos têm encontrado muitas dificuldades para enfrentar as
conseqüências da chamada reestruturação do capital e o fenômeno da globalização.
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Além disso, nos últimos anos, as alterações no mundo do trabalho têm como um dos seus principais
resultados o crescimento de uma legião de desempregados, empregados precários, parciais, temporários,
trabalhadores informais etc. Nesse início do século XXI, esse é um obstáculo adicional ao trabalho
organizado.
Assim, o trabalho assumiu novos formatos e os atores sociais parecem não mais se identificar nos
marcos genéricos da classe e de seus correlatos organismos de representação de interesses, como partidos
e sindicatos. A segurança do pleno emprego foi substituída pelo desemprego de tom perene, cuja extensão
no corpo social e duração no tempo, têm levado mesmo a uma re-significação do termo.
Formas de contratação flexíveis, antes consideradas atípicas, passaram a ser a regra, trazendo para o
vocabulário cotidiano termos como subcontratação, terceirização, contrato temporário, trabalho em
tempo parcial, contratos pessoa jurídica, trabalhadores autônomos, trabalho associado em cooperativas de
trabalho. Aprofundou-se, igualmente, a dualização do assalariamento, a fragmentação do mercado de
trabalho e as desigualdades de gênero, de raça e de geração. Dentre os segmentos mais vulneráveis, estão
predominantemente as mulheres, os/as negros/as, os/as jovens e os/as trabalhadores/as com mais de 45
anos.
A formalização de contratos e relações de trabalho passou a ser vista como obstáculo, ao qual só a
informalização radical seria o antídoto. As políticas de proteção social ao indivíduo, dentro e fora do
trabalho, foram sendo substituídas por políticas de aumento da competitividade. O trabalhador passou a
ser responsável por sua própria “empregabilidade”.
Tais mudanças tiveram repercussão tanto no processo organizativo dos trabalhadores, como na
relação capital/trabalho. Ganhos sociais resultantes de lutas de um século foram perdidos em nome da
competitividade global. Os organismos sindicais, um dos pólos mais ativos no espectro de ações coletivas
dos trabalhadores na defesa de seus interesses, passaram a ter muita dificuldade em dar conta do novo
cenário, que lhes reduziu grandemente os espaços de manobra, colocando em risco as formas de ação e
conquistas desenvolvidas ao longo do século XX. Os novos tempos parecem trazer um tipo de sociabilidade
que se contrapõe, sobrepujando, quaisquer possibilidades de participação mais efetiva nos âmbitos
coletivo e público. A classe, enquanto ator coletivo, perdeu importância na mudança social, por sua
fragmentação, dispersão geográfica e crescente vulnerabilidade social. As utopias perderam força. Assim,
novos desafios foram colocados à ação coletiva exigindo um repensar do trabalho em suas novas-velhas
formas e em sua complexidade.
No caso brasileiro, que não fugiu à regra em termos das transformações, é importante discutir tanto
as novas configurações do trabalho, quanto a lógica das ações sindicais no novo contexto da realidade do
trabalho e sobre como vem se comportando as políticas públicas relacionadas à nova questão social e do
trabalho.
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Em resumo, o cenário que se constrói propõe algumas questões: qual o lugar do trabalho na
sociedade do século XXI, comparando-se com a realidade do século XX? É possível pensar um
desenvolvimento de corte mais social que, escapando de preocupações meramente econômicas, garanta
proteção à sociedade e aos trabalhadores para além de seus vínculos de trabalho? Estariam os
trabalhadores e sindicatos preparados para enfrentar os marcos trazidos pela flexibilização, agora
possivelmente chancelada em termos legais? Qual o papel do governo no que se refere à proteção aos
trabalhadores e à concessão de benefícios diretos (e indiretos) não mais vinculados somente à formalização
do mundo do trabalho, que lhes dê mais segurança em um quadro de crescente instabilidade e
precarização? Como avaliar os resultados concretos das políticas governamentais de geração de trabalho e
renda ? Quais os limites e as possibilidades das práticas empresariais em um cenário em que a empresa
assume papel de destaque não só em termos produtivos e competitivos, mas também em termos de
preocupações sociais? Como vem se desenvolvendo a relação entre sindicatos e Estado no contexto de um
governo oriundo do movimento sindical? Essas são algumas das muitas questões colocadas na ordem do
dia, que exigem um debate sociológico mais profundo, o qual pretendemos continuar discutindo a partir de
estudos que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores da área.
A proposta deste GT é, por um lado, analisar as novas configurações do trabalho em uma situação
social marcada pela reestruturação das atividades produtivas e sua articulação em rede além de seus
desdobramentos em termos de flexibilização, precarização e informalização do emprego. Por outro lado,
pretende discutir as dificuldades e estratégias dos sindicatos nesse novo contexto, dando ênfase aos
mecanismos de ação coletiva acionados a partir do questionamento ao corporativismo, da preocupação
com os desempregados e com os trabalhadores em situações precárias, bem como do empenho na busca
de novas orientações e formas de atuação, como por exemplo, a (re)organização das centrais e dos
organismos internacionais, a incorporação crescente das temáticas de gênero, raça/etnia e da juventude, a
participação em projetos de políticas públicas e sociais. Em terceiro lugar, objetiva discutir as novas
tendências das políticas públicas referidas às novas configurações do trabalho, em um contexto mundial de
crise da referência do Estado Social e de desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, dando
destaque ao que vem ocorrendo no caso brasileiro a partir dos anos 1980, tendo como marcos principais a
Constituição de 1988, as Privatizações e Reformas Constitucionais da década de 1990 e as novas situações
trazidas com a eleição de Lula para Presidente.
A presente proposta de Seminário Intermediário é um desdobramento do GT - Trabalho e Sindicato
na Sociedade Contemporânea, da ANPOCS, o qual tem apresentado resultados de pesquisas voltados para
a análise do trabalho e do movimento sindical contemporâneo no Brasil e em outros países – principais
tendências, relações com o sistema político, movimento trabalhista, movimento sindical, análise da
estrutura sindical e da organização interna dos sindicatos –, trabalhos teórico-metodológicos que discutem,
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de uma perspectiva crítica, os fundamentos da crise da sociedade do trabalho, bem como estudos
históricos que, reconstruindo a formação de atores coletivos, têm apontado para a diversidade de
trajetórias da ação coletiva em nível regional em nosso país. Além disso, a partir da segunda metade dos
anos 1990, têm sido relevantes os estudos no interior do referido GT da ANPOCS que focalizam o processo
de globalização e seus impactos no mundo do trabalho, em particular a questão da reestruturação
industrial e suas repercussões sobre os atores sociais envolvidos. A partir do ano 2000, o GT passa a ser o
único a discutir a questão do trabalho no âmbito da ANPOCS ampliando sua reflexão com temáticas
relacionadas à nova questão social, aos desafios do desenvolvimento, tanto no âmbito local e/ou regional
quanto nacional e o papel que os trabalhadores e a instituição sindical podem desempenhar nestes novos
espaços de atuação. O GT se transformou em um espaço fundamental à reflexão, ao debate e ao
intercâmbio de idéias no que tange a pesquisas que discutem os temas do trabalho, da ação sindical e das
políticas públicas de emprego e renda. Isso se expressa, por exemplo, pela quantidade de eventos que
organizou, além das sessões e mesas na ANPOCS, de publicações de seus participantes na forma de livros e
artigos em revistas acadêmicas no Brasil e no exterior (exemplos: O Sindicalismo brasileiro nos anos 80, São
Paulo, Paz e Terra, 1991, organizado por Armando Boito Júnioe; O Novo Sindicalismo: vinte anos depois,
organizado por Iram Jácome Rodrigues e publicado pela Editora Vozes, em 1999; Além da Fábrica:
trabalhadores, sindicatos e a nova questão social, São Paulo, Boitempo, 2003, organizado por Marco
Aurélio Santana e José Ricardo Ramalho; O sindicalismo equilibrista; entre o continuísmo e as novas
práticas, Curitiba, UFPR, 2006, organizado por Silvia Maria de Araújo, Maria Aparecida Bridi e Marcos
Ferraz). Faz nove anos que o referido GT edita o Boletim Eletrônico Sindicalismo e Política.
Esses aspectos evidenciam um amadurecimento do GT, que se apóia em um núcleo de pesquisadores
- das mais variadas regiões do País – com pesquisas e publicações conjuntas e que tem ajudado na
formação e desenvolvimento de novos estudiosos dos temas ligados à problemática em questão. Os
pesquisadores do GT têm participado como organizadores de grupos de trabalho na SBS, LASA, ALAST , ISA,
CISO, entre outros eventos.
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Dia 26/05 Quarta Feira
18:30 horas – Mesa de Abertura
Ângela Araújo – GT Trabalho e Sindicato na Sociedade Contemporânea da
ANPOCS
Elina Pessanha - PPGSA/UFRJ
Rodrigo Grünewald – PPGCS/UFCG
Ivan Targino – ABET/UFPB
Darcilene Gomes - FUNDAJ
Roberto Véras de Oliveira – Coordenador
Programação
19:30 horas – Mesa “A Crise Global e suas Implicações sobre o Trabalho”
Ivan Targino (UFPB)
Dari Krein (UNICAMP)
Luis Campos (FUNDAJ)
Debatedor – José Ricardo Ramalho (UFRJ)
Coordenador – Darcilene Gomes (FUNDAJ)
Dia 27/05 Quinta Feira
08:30 horas – Mesa “As Novas Configurações do Trabalho: desafios ao
Pensamento Sociológico”
Márcia Costa (UFPB)
Ângela Araújo (UNICAMP)
Graça Druck (UFBA)
Alexandre Barbosa (USP)
Debatedor – Maria Rosilene Alvim (UFRJ)
Coordenador – Eliana Moreira (UFPB)
14:30 horas – Sessão de Apresentação de Trabalhos
Sessão 1: O Trabalho Frente aos Novos Desafios Tecnológicos e do
Desenvolvimento
Coordenador: Marilda Menezes (UFCG)
Debatedor: Dari Krein (UNICAMP)
Sessão 2: Manifestações e Formas do Trabalho Precarizado
Coordenador: Fernando Souto (UNIVASF)
Debatedora: Eliana Moreira (UFPB)
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Dia 28/05 Sexta Feira
08:30 horas – Mesa “As Práticas Sindicais Reinventadas”
Sérgio Pereira (UFMA)
Elina Pessanha (UFRJ)
Roberto Véras de Oliveira (UFCG)
Jair Batista da Silva (UFPB)
Debatedor – José Ricardo Ramalho (UFRJ)
Coordenador – Marilda Menezes (UFCG)
14:30 horas – Sessão de Apresentação de Trabalhos
Sessão 3: Trabalho Precário e Formas de Resistência entre o Rural e o Urbano
Coordenador: José Marçal Jakcson Filho (FUNDACENTRO)
Debatedor: Ângela Araújo (UNICAMP)
Sessão 4: Práticas Sindicais Urbanas Revisitadas
Coordenador: Graça Druck (UFBA)
Debatedor: José Ricardo Ramalho (UFRJ)
Resumos Expandidos
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Sessão 1
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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O TRABALHO FRENTE AOS NOVOS DESAFIOS TECNOLÓGICOS E DO
DESENVOLVIMENTO
Coordenador: Marilda Menezes (UFCG)
Debatedor: Dari Krein (UNICAMP)
1. As Profissões Informacionais no Brasil
Luciana Garcia de Mello (Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS)
A crise da sociedade salarial que começa a ocorrer na década de 1970 produz um intenso debate
sobre a centralidade do trabalho. Essa discussão está presente na obra de autores como Claus
Offe1, André Gorz2, Dominique Schnapper3, entre outros, em um nível mais político e filosófico. Há
também trabalhos que, embora relacionadados com essa mesma questão, focalizam de modo
mais direto as formas de flexibilização, a precarização, a formação de novos padrões de
desigualdade no mercado de trabalho, entre eles pode-se citar os estudos de Jeremy Rifkin4,
Manuel Castells5, David Harvey6. O foco de investigação está nas transformações que ocorreram
no mercado de trabalho com a intensificação do processo de globalização e a entrada em uma
nova fase do sistema capitalista. Trata-se do surgimento da nova economia e da sociedade pósindustrial. De acordo com Krishan Kumar7, o pioneiro da teoria do pós-industrialismo foi Daniel
Bell, seguido por Peter Drucker e Alvin Toffler. Esses autores afirmam que há uma transição,
provavelmente “incômoda” para uma nova sociedade que difere da sociedade industrial, tanto
quanto esta se distancia da sociedade agrária. Há um diagnóstico que prevê o fim do
industrialismo e a diminuição drástica do emprego no setor industrial. Manuel Castells concorda
com a visão das teorias do pós-industralismo de que há um deslocamento da produção de bens
para o setor de serviços. Contudo, esse autor prefere falar em informacionalismo, pois, em seu
ponto de vista, as sociedades serão informacionais porque passarão a organizar seu sistema
produtivo em torno de princípios de maximização da produtividade baseada em conhecimentos,
através do desenvolvimento e da difusão de tecnologias da informação e pelo atendimento dos
pré-requisitos para sua utilização. Há uma ênfase na importância das novas tecnologias da
informação para a economia. Um aspecto fundamental é a substituição do fordismo e da
1
OFFE, Claus. Capitalismo Desorganizado. Transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1995.
2
GORZ, André. Adeus ao proletariado – para além do socialismo. Rio de Janeiro: forense Universitária, 1987.
3
SCHNAPPER, Dominique. Contra o fim do trabalho. Lisboa: Terramar, 1998.
4
RIFFIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 1995.
5
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
6
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1999.
7
KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-moderna. Novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1997.
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17
produção em massa, por formas de produção mais flexíveis. A questão que emerge é como se
configura a organização do trabalho nesse novo paradigma. A literatura sobre o tema tem
apontado para uma polarização da estrutura ocupacional: por um lado, há profissões que exigem
alto conhecimento e especialização, seria o caso dos trabalhadores que atuam diretamente no
processo decisório, e outros que teriam um papel mais coadjuvante nesse processo. Os primeiros
realizam atividades ricas em conteúdo e, como sublinha Castells, tornam-se essenciais para a atual
fase. Uma discussão que pode ser atrelada ao diagnóstico de Manuel Castells sobre a
diversificação da classe trabalhadora é realizada por David Harvey que sublinha a polarização do
mercado de trabalho, destacando justamente a existência de um mercado dinâmico e competitivo
e que potencialmente pode oferecer vantagens, em oposição a um mercado que reúne as
atividades rotineiras, repetitivas. Jeremy Rifkin por sua vez adota uma visão bem mais pessimista
das transformações recentes. O autor considera que o impacto das inovações sobre o emprego é
bem maior e que o problema não é conjuntural e sim estrutural. O problema é que anteriormente
quando novas tecnologias substituíram trabalhadores em alguns setores, outros surgiam para
absorver os trabalhadores demitidos, mas não é o que ocorre na nova configuração. O único setor
emergente é o de conhecimento, formado por uma pequena elite de empreendedores, cientistas,
técnicos, programadores de computador, profissionais, educadores e consultores, porém esse
novo setor tem pouca capacidade de absorção de mão-de-obra. Há uma polarização da população
mundial, ficando de um lado os analistas simbólicos que controlam as tecnologias e as forças da
produção e de outro, um crescente número de trabalhadores permanentemente demitidos sem
perspectiva de empregos significativos na nova economia global de alta tecnologia. O autor
argumenta também que embora estejam sendo criados alguns novos empregos, eles estão em
faixa de remuneração inferior e são temporários. Independentemente dos pontos de discordância
entre diversos autores que discutem as mudanças na sociedade salarial, é inegável que os
empregos passaram por uma mudança que é tanto qualitativa, quanto quantitativa e isso parece
ser válido para todos os países. Esse artigo, através dos dados da PNAD de 2006, analisa a atual
estrutura ocupacional do Brasil, procurando identificar o peso das profissões informacionais. Ao
mesmo tempo, o artigo visa caracterizar a configuração desse setor, por meio da identificação dos
tipos de profissões existentes, sua distribuição nas diferentes regiões e questões relativas a
natureza de contratos de trabalho, rendimentos, escolaridade dos ocupados e perfil demográfico
dos ocupados.
Palavras-chave: sociedade informacional, nova economia, mercado de trabalho, organização do
trabalho.
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2. Desenvolvimento, Trabalho e Território: Estudo do Caso de Duque de Caxias
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa (Profª Drª PPGSS/UERJ)
O trabalho aborda parte da pesquisa sobre desenvolvimento regional em Duque de Caxias (Rio de
Janeiro), observando as institucionalidades criadas para gestão da aglomeração produtiva e da
ação política dos sujeitos sociais em favor da negociação e ampliação dos direitos sociais dos
moradores na cidade, no quadro da mundialização capitalista. A unidade de análise da pesquisa é
o Pólo de Desenvolvimento Gás Químico de Duque de Caxias (Rio de Janeiro) no contexto da
flexibilização produtiva. Na região geográfica em exame se entrelaçam diversas escalas territoriais
complexificando sobremaneira a vida social. Em Duque de Caxias se misturam estratégias
corporativas transnacionais, nacionais e dinâmicas locais, que induzem o desenvolvimento
econômico e ao mesmo tempo asseveram as desigualdades sociais. Seguidamente, é pertinente
situar que na região se alongou sobremaneira a tradição privatista do espaço da cidade por meio
de uma política local que sempre misturou assistencialismo e violência. Mas, não é um território
economicamente arcaico ou virgem em experiências fabris. A história industrial da cidade se inicia
com a FNM (Fábrica Nacional de Motores) no Governo Getúlio Vargas, prolongando-se com a
refinaria de petróleo (Reduc) na década de 1960, além de um conjunto de outras iniciativas que
foram se somando ali. Mas, a dinamização regional da localidade, de fato, vem sendo tocada
desde 1999 como aglomeração gás química, o que tornou a região mais atrativa para variadas
empresas da área. Todavia, o incremento de demanda por força de trabalho, por exemplo, não
atende à população da cidade na medida em que o perfil de qualificação requerido não é
facilmente presenciado no local. Então, os resultados da pesquisa apontam para a caracterização
da repercussão desse reordenamento produtivo para os moradores da cidade, a ação dos
sindicatos nesse processo e as possíveis interferências políticas nos rumos do modelo de
desenvolvimento em execução na região. Na análise dos dados foi possível perceber que a
experiência produtiva recente sinaliza que a dinamização dos territórios precisa ser focada mais
densamente pelo pensamento crítico também como uma necessidade para “valorização do valor”
que tem consequências para o pacto federativo na medida em que promove disputa entre
territórios no âmbito da nação, além de alargar os problemas de urbanização e do trabalho, sem
nem sempre significar campo de ação dos sindicatos. O propósito deste texto é destacar alguns
elementos a respeito do reordenamento contemporâneo desejando com isso argumentar sobre a
relevância da instrumentalização dos sujeitos políticos para atuarem nessa dimensão da dinâmica
capitalista e confrontarem os caminhos tomados pelo desenvolvimento econômico nos territórios.
Palavras-Chaves: Desenvolvimento Regional; Território; Trabalho; Duque de Caxias
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3. Da Instrução Profissional à Formação Cidadã
Rejane Gomes Carvalho (Doutoranda do PPGS/UFPB)
Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB)
A política pública de emprego e, em especial, os programas de qualificação profissional sofrem
críticas por admitir, como parte de um mesmo processo político-pedagógico a formação social e
profissional concomitante a promoção da instrução técnica da mão-de-obra, esta como um
princípio da competência, estimulando o individualismo e o empreendedorismo pessoal da força
de trabalho. Na sua fase mais recente, o programa de qualificação profissional destaca, em suas
diretrizes, o processo de construção social da política pública e a formação cidadã dos sujeitos.
Contudo, a participação efetiva dos sujeitos nos espaços criados para o controle social das
políticas públicas, enquanto ação consciente e propositiva, pode ser prejudicada diante dos
impasses criados com as disputas políticas, além do agravamento do problema do emprego que
traz o imperativo do sujeito buscar uma instrução técnica para conseguir ou se manter num
emprego. Para se pensar a qualificação profissional, como parte da política pública de emprego e
renda no Brasil, se faz indispensável localizá-la no contexto das transformações recentes do
mundo do trabalho. A desregulamentação e a flexibilização do trabalho entre os anos de 1980 e
1990, além de provocarem mudanças significativas nas sociabilidades, de um modo geral
repercutiram na reformulação e na perda de direitos e lugares sociais, modificando as identidades
dos sujeitos e pulverizando suas dignidades. Considerando que a sociedade brasileira sempre
apresentou um desenvolvimento marcado pela desigualdade e pela carência de direitos sociais, as
transformações na dimensão das relações do trabalho vieram aprofundar a situação de
desemprego e pobreza, constituindo-se num entrave ao próprio desenvolvimento social. Por outro
lado, a reforma do Estado nos anos de 1990, orientada pela ideologia neoliberal, serviu para
“modernizar” o conteúdo da política pública de emprego e da política social, adaptando-as ao
projeto macroeconômico de contenção e equilíbrio fiscal, de modo a ressaltar a noção de
eficiência produtiva concomitante ao assistencialismo dos excluídos. A política pública de
emprego, destacando-se os programas de qualificação profissional, são alvo de críticas por
proporem, como parte de um mesmo processo político-pedagógico, a formação social e
profissional, ao mesmo tempo em que visam a instrução técnica da mão-de-obra, esta como um
princípio da competência, atendendo as necessidades do setor produtivo e estimulando o
individualismo e o empreendedorismo pessoal da força de trabalho. A visão tradicional sobre a
inserção/(re)inserção social privilegia, sobretudo, a dimensão do mercado, como sendo um
problema somente de adaptação da mão-de-obra, dando pouco realce para os efeitos subjetivos
da perda de sociabilidade dos sujeitos por meio das mudanças em torno do trabalho humano. Em
sua fase mais recente, a política de qualificação profissional, traz em suas diretrizes a preocupação
com a formação cidadã, na medida em que visa aprofundar o conteúdo sobre questões de
cidadania. Visto por este lado, tal abordagem reflete preocupação em aproximar-se das lacunas,
limites e dificuldades das políticas de emprego e de inclusão social encaminhadas nos anos 2000.
Esta tônica dada à inclusão social cidadã, tem sido o principal desafio da política pública de
emprego e renda na atualidade, refletindo o enfrentamento do setor público diante do crescer da
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pobreza e da exclusão social. Ao propor a ativação dos sujeitos excluídos com ênfase nos critérios
da qualificação enquanto instrução, da eficiência, o programa de qualificação profissional pode
estar contribuindo para renovar os princípios do individualismo e do empreendedorismo,
colaborando para minar a solidariedade e a participação política que as relações coletivas gestadas
no espaço do trabalho são capazes de proporcionar. Diante da fraca capacidade de criação de
novos postos de trabalho, como característica do capitalismo contemporâneo, ao Estado é
relegada a responsabilidade de dar respostas à crise do emprego e criar alternativas de inserção
social, o que pode ocorrer em detrimento dos direitos sociais e da perda de qualidade dos
mesmos. Com o avolumar de desinserções no trabalho, qualquer política social pode ressoar como
uma alternativa de inclusão, mesmo que em alguns casos as ações visem apenas a aquisição de
uma competência e a manutenção de uma renda mínima, impedindo uma ação mais voltada para
a construção de uma participação e de uma ação cidadã, enquanto sujeitos conscientes e
propositivos, e dificultando a participação efetiva dos sujeitos na construção das políticas públicas.
Palavras-chave: Qualificação profissional, Política pública, Participação, Cidadania.
4. Teletrabalho a Domicílio e as Transformações do Trabalho
Márcia Regina Castro Barroso (Mestranda do PPSD/UFF)
Este trabalho busca analisar o chamado teletrabalho, mas especificamente o que é exercido à
domicílio. Inserido num contexto de reestruturação global da economia, e de flexibilização das
relações de trabalho, iniciado na década de 1970 e intensificado após os anos 80/90, o
teletrabalho apresenta-se como uma experiência emblemática de novas tendências numa
sociedade em que se prioriza o conhecimento. Com o processo de reestruturação global da
economia, principalmente a partir da década de 1980, novos padrões organizacionais e
tecnológicos foram adotados pelas empresas. Conseqüentemente, novos elementos de
organização social do trabalho foram introduzidos como a utilização da informatização produtiva e
do sistema just-in-time. Sendo assim, podemos perceber um processo crescente de
desestruturação da empresa fordista e o fortalecimento de um modelo nas relações de produção
orientado pela generalização do processo de terceirização, pela compressão dos níveis
hierárquicos, pelo desenvolvimento de estratégias gerenciais com o intuito de efetivar uma
mobilização permanente da força de trabalho, pela cooperação constrangida dos assalariados,
pela administração por metas, bem como pela fragmentação da relação salarial. Neste sentido, já
na década de 1990 percebemos o coroamento de um novo modelo produtivo representado pela
empresa neoliberal. As empresas num processo de terceirização desestruturam grandes coletivos
de trabalho e o espaço produtivo passa a ter uma concepção reestruturada. Mas o que é o
teletrabalho? Como podemos conceituá-lo? Para o código de trabalho português considera-se
teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da
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empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.8 O teletrabalho
pode-se apresentar de diversas formas. Nele está subjacente a idéia de flexibilidade
organizacional, produtiva e contratual. Dentre as suas modalidades podemos citar: teletrabalho no
“domicílio” (desenvolvido “em” e a “partir” da casa do trabalhador); “móvel” (desenvolvido
conforme a função que desempenha); “deslocalizado” (realizado para várias empresas
estrangeiras); “telecentro” (funcionários da mesma ou de várias empresas ocupam um escritório
alugado, distante da organização principal).9 Feita essa explanação inicial do meu objeto de
pesquisa agora farei uma exposição das idéias principais da proposta deste trabalho.
Primeiramente gostaria de dizer que o trabalho realizado a domicílio não é uma novidade no
mundo do trabalho. O próprio Marx, no século XIX já fala da existência dessa atividade domiciliar
que se converteu na seção externa da fábrica, no seu caso de estudo, na indústria têxtil.10. O
tema, portanto, não é novo. Vários pesquisadores da área do trabalho já se dedicaram a análise
das atividades que são exercidas à domicílio11. Entretanto pensamos que a “novidade” não se dê
somente com a introdução dos meios telemáticos nessa atividade. A intenção aqui é entender os
mecanismos sociais que permitiram a efetivação deste tipo específico de trabalho na
contemporaneidade. Nesta pesquisa procuro, portanto, desenvolver principalmente dois
aspectos. Primeiramente analiso o teletrabalho inserido numa tradição sócio-histórica do Trabalho
a domicílio. No segundo aspecto, reflito sobre a sua inserção num conjunto de concepções
organizacionais das empresas que de certa forma repensam as utilizações do tempo e do espaço
na execução do trabalho. Nesse ponto, a ênfase será teórica, onde utilizarei preferencialmente as
reflexões de Luc Boltanski e Ève Chiapello12 e de Manuel Castells13 acerca das transformações do
mercado de trabalho. E ainda, de forma breve, faço algumas reflexões acerca de possíveis formas
de organização coletiva dos teletrabalhadores: se as redes telemáticas são os principais
instrumentos para a execução do trabalho, não poderiam também se tornar em poderosos
instrumentos de organização coletiva? Poderiam os sindicatos criar novos dispositivos para
facilitar o engajamento dos trabalhadores de forma on-line?
Palavras-chave: teletrabalho, globalização, trabalho a domicílio.
8
Código do Trabalho Português, 2009. Disponível em: <http://www.legix.pt/docs/CT0915_Set_2009.pdf>, p. 76.
E. Araújo e S. Bento. Teletrabalho e Aprendizagem: contributos para uma problematização. Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian. Fundação para a Ciência e a Tecnologia: 2002. p. 17.
10
Karl Marx. O Capital. Vol. 1, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: 2006. P. 524.
11
Ver os artigos de Alice Rangel, Bila Sorj e Roberto Ruas in: ABREU, Alice R. e SORJ, Bila. O trabalho invisível. Rio Fundo Editora, Rio
de Janeiro: 1993.
12
BOLTANSKI, Luc e CHIAPELO, Ève. O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes, São Paulo: 2009.
13
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Paz e Terra, Rio de Janeiro: 1999.
9
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5. O Mundo do Trabalho: a Formação, a Qualificação Profissional e o Jovem
Deficiente
Michele Paitra Alves dos Santos (Mestranda do PPGS/UFPR)
Pensando nos desafios da modernidade, na própria transformação e adequação dos indivíduos ao
mundo do trabalho, e de acordo com a nova conjuntura econômica, política, cultural e social do
século XXI, numa nova dinâmica entre o local e o global, esta pesquisa pretende analisar
sociologicamente a inserção do deficiente jovem no mercado de trabalho, enquanto condição
social – para além da doença como individualidade do ser, e buscando a influência do meio social
sobre o indivíduo – este é fruto das relações sociais; aproxima-se assim experiências de formação
a práticas laborais. Constitui-se de uma análise preliminar e conceitual do que seja formação e
qualificação profissional no mundo do trabalho por meio das políticas públicas a partir da década
de 1990, principalmente no Brasil. Mais pontualmente, pretendo acrescentar à problemática da
questão sociológica o deficiente jovem discutido nas políticas públicas de inserção no mundo do
trabalho, por meio da formação e qualificação profissional. Esta é uma primeira etapa da pesquisa
e visa fazer aproximações das experiências de formação para o mercado de trabalho formal, de
jovens deficientes das escolas especiais municipais de Curitiba. Sendo assim, a qualificação
profissional é um tema “neufrálgico” (Carrillo, Iranzo) para a sociologia por incluir implicações
profundas que relacionam o sistema de ensino ao mundo produtivo do trabalho. Quando pensada
a formação e a qualificação profissional na modernidade temos como um dos públicos alvos o
jovem, que recém saído do sistema educacional busca sua inserção no mundo do trabalho. Neste
sentido, se destaca o jovem “especial” e ainda pouco visualizado pela problemática sociologia: o
deficiente. No Brasil, por meio das políticas públicas, principalmente advindas da Constituição
Federal de 1988, ele vem ganhando voz, ainda pelos outros e sendo constantemente
encaminhado ao mundo do trabalho pela formação e qualificação profissional para exercer
atividade remunerada. Para isto, precisa passar pelas políticas de inclusão e as oficinas protegidas
no interior das escolas especiais principalmente quando nos referimos ao deficiente intelectual. O
tema a ser desenvolvido no presente estudo é uma da análise sociológica mediante revisão de
literatura dos caminhos da formação e qualificação profissional no Brasil, e o estudo das políticas
públicas da década de 1990 destacando como sujeito, o deficiente jovem, nesse processo. A
justificativa para a escolha do tema refere-se a grande complexidade que a temática da formação
e qualificação profissional apresenta para a sociologia do trabalho, integrando contextualmente as
discussões da reestruturação produtiva, da flexibilização, das novas exigências para os postos de
trabalho pela formação incipiente e pela necessidade de qualificação profissional. O objetivo é o
de analisar por meio de revisão de bibliografia a visão de alguns autores latinos americanos e
brasileiros da sociologia do trabalho e alguns documentos desenvolvidos pelos legisladores, o
discurso das políticas públicas brasileiras, para perceber os enfoques dados à formação e
qualificação profissional. Separo os termos formação, qualificação profissional e capacitação, nos
textos Latino Americanos, por não entender tais termos como sinônimos, como em alguns casos
que aparecem nos textos, mas sim como complementares, pois podemos formar, por um sistema
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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de ensino, num processo mais longo e qualificar ao longo da vida profissional os sujeitos- atores,
por meio de cursos de curta duração e de uma formação continuada para o mundo do trabalho.
Os caminhos metodológicos a serem seguidos pela pesquisa, além do estudo teórico, será o de
aprofundamento das questões metodológicas e empíricas, pela pesquisa qualitativa e o
desenvolvimento de técnicas interpretativas científicas e de obtenção de novos conhecimentos no
campo social, acerca do sistema complexo de significados que constitui o mercado de trabalho e a
deficiência. O foco da pesquisa serão os jovens deficientes, recém saídos das escolas especiais
municipais de Curitiba e encaminhados ao mercado de trabalho. Pretende-se também realizar
uma pesquisa documental tanto da Secretaria Municipal de Educação e do Trabalho e Emprego. A
leitura e análise de alguns materiais sobre o tema com enfoque social, reexaminando-os sob novas
possibilidades de interpretação e/ou complementando as já existentes. Também pretendo realizar
um registro de relatos de experiências individuais por meio de histórias de vida dos agentes
deficientes jovens, buscando em algumas trajetórias pessoais a interpretação para a explicação do
dinamismo para a superação ou não de barreiras quanto ao ingresso no mercado de trabalho
formal.
Palavras-chave: mundo do trabalho – qualificação profissional – deficiente.
Bibliografia
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PRESTES, Emília M. da T. Considerações sobre o PLANFOR e suas experiências de avaliação. In:
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POCHMANN, Márcio. O desemprego tem cura no Brasil. In: O emprego na globalidade: a nova
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Painel 1: Transformações no Mundo do Trabalho: Considerações sobre o Modelo
de Competências
Dayane Gomes da Silva (Mestranda do PPGS/UFPB)
Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB)
Este artigo analisa as mudanças no âmbito da qualificação profissional, impostas pelo atual
contexto de flexibilidade produtiva, dando ênfase ao surgimento e a propagação do modelo de
competências frente a um modelo de qualificação formal, discutindo algumas de suas implicações
ao mundo do trabalho. Já há algum tempo o paradigma da qualificação vem fazendo-se presente
nas análises acerca do mundo do trabalho, especialmente para áreas como a Sociologia e a
Educação. Este debate tem-se tornado cada vez mais atual diante as mudanças na organização da
produção. A partir da crise do modelo taylorista/fordista e a emergência da produção flexível, os
estudos a respeito da qualificação profissional ganharam notável destaque. O ideal taylorista de
separação entre concepção e execução das tarefas, entre o trabalho mental e o manual, conforme
acentuado por Braverman (1987) promoveu um tipo de desqualificação gradual do trabalhador na
medida em que a divisão do trabalho foi aprofundada. A noção de qualificação como ligada ao
conhecimento científico, técnico, passou a ser concentrada especialmente nas mãos da gerência,
da administração, e não dos trabalhadores braçais, paras os quais a visão de qualificação esteve
sempre ligada ao desenvolvimento de uma habilidade específica, repetitiva e limitada.
Demandava-se do trabalhador a capacidade de cumprir o que lhe fora ordenado. Logo a
qualificação exigida ligava-se a capacidade de realização, em cada posto de trabalho, do que fora
prescrito. Como bem acentuou Veras (2006), dos anos 1971 para 1980, com a crise do taylorismo
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e do fordismo e a introdução de novos modos de organização da produção, denominados por
Harvey (1992) como acumulação flexível, o mundo do trabalho vem sofrendo significativas
mudanças no sentido da flexibilização. Demanda-se do trabalhador que ele contribua de forma
criativa e comprometida com a empresa, realçando-se o aspecto individual. Num contexto de
desemprego crescente, e da necessidade de uma inserção mais eficiente frente a crescente
competitividade do mercado, é cobrada ao trabalhador uma qualificação mais ampla, versátil e
continuada, capaz de garantir sua entrada e permanência num mercado de trabalho cada vez mais
seleto. Tais mudanças trouxeram a tona o debate sobre a qualificação profissional, com destaque
para o surgimento da noção de competência. É como se a idéia de qualificação estivesse para o
paradigma taylorista/fordista como a de competência para o da acumulação flexível. Este artigo
propõe-se a analisar as mudanças ocorridas no papel da qualificação profissional, a partir da
possível superação desse conceito pelo de competências. Ele está dividido em quatro seções além
desta parte introdutória. Primeiramente retrata-se, resumidamente, as características do modelo
taylorista, fordista e da reestruturação produtiva. Na segunda seção discute-se o modelo de
competências a partir da interlocução com o de qualificação. Logo depois, apresentam-se algumas
implicações do modelo de competências. Por fim são tecidas algumas considerações finais.
Palavras-chave: Competência, Qualificação, Trabalho.
Sessão 2
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MANIFESTAÇÕES E FORMAS DO TRABALHO PRECARIZADO
Coordenador: Fernando Souto (UNIVASF)
Debatedora: Eliana Moreira (UFPB)
1. Alienação no Trabalho Docente? O Professor no Centro das Contradições
Denise Lemos (Profª Drª CRH/UFBA)
O objetivo geral do estudo é analisar o processo de trabalho docente no âmbito da Universidade
Federal da Bahia Brasil, no contexto das transformações operadas à luz das políticas neoliberais do
estado, buscando identificar se existe a configuração de um processo de alienação do trabalho
docente, a despeito de ser um trabalho, cujo objetivo é emancipar o ser humano. Caracteriza o
processo de flexibilização e precarização do trabalho, a partir da implantação progressiva dessas
políticas no ensino superior, que atingem de forma significativa o papel da Universidade de
produtora do conhecimento. O estudo demonstra que o professor da UFBA se encontra no centro
da contradição da crise universitária no momento em que se percebe com plena autonomia e não
percebe os mecanismos crescentes de controle institucional, configurando a alienação no trabalho
docente (palavras chave: trabalho docente,alienação, autonomia, flexibilização e precarização do
trabalho). A Universidade brasileira vive hoje um momento muito especial no que diz respeito à
definição da sua razão de ser social. Por um lado, percebe-se um processo de privatização e de
orientação da produção do conhecimento a partir da racionalidade do mercado, por outro, a luta
e a resistência do movimento docente que, embora não tenha conseguido impedir a
implementação de algumas regras de cunho neoliberal na educação superior, obteve algumas
vitórias decisivas na luta para impedir a perda de direitos dos docentes e a privatização completa
da instituição, defendendo um modelo de Universidade emancipadora, voltada para o
atendimento das necessidades sociais.Diante desse quadro, emerge a necessidade de investigar o
trabalho docente, por ser na sua essência ou na sua definição clássica, um trabalho a serviço da
emancipação humana, do desenvolvimento das capacidades humanas, da crítica da realidade, da
produção do conhecimento para transformação da vida social. Desenvolvi uma pesquisa de
doutorado com a finalidade de pensar o trabalho do professor universitário na Universidade
pública dentro de um contexto de crise, que pela sua caracterização atinge os pilares
fundamentais do exercício do papel profissional, ou seja, a autonomia, a capacidade crítica e
criativa, a referência nas necessidades sociais.O objeto da análise foi o processo de trabalho
docente no âmbito da Universidade Federal da Bahia, no contexto das transformações operadas à
luz das políticas neoliberais do Estado, tendo como pergunta central : É possível identificar
dimensões alienantes do trabalho docente, mesmo considerando que a sua função é a
emancipação das capacidades humanas? As dimensões analisadas incluíram as condições, a
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organização, as relações, com o foco nas categorias conceituais da alienação e autonomia no
trabalho.A amostra intencional foi estruturada a partir das classes na carreira, titulação, área
científica de atuação, década de ingresso na UFBA e cargos administrativos exercidos. Foram
realizadas 30 entrevistas distribuídas em todas as áreas do conhecimento: Ciências Humanas,
Ciências Exatas, Ciências da Saúde, Letras e Artes. A temática da autonomia foi sendo
configurada,a partir da percepção dos professores, como a principal contradição vivida, na
perspectiva da análise da alienação no trabalho docente. Essa contradição é expressa de diversas
formas: de um lado a autonomia é valorizada como o aspecto mais fundamental na motivação
para o trabalho, mas essa mesma autonomia gera um não cumprimento, por parte de alguns, das
regras coletivas, que, por sua vez, também não estão claras. Se de um lado, a autonomia implica
em liberdade na definição do conteúdo do trabalho, esse mesmo exercício isola e impede de
conhecer o trabalho do outro, o que gera, possivelmente, conflitos de saber e poder. Dessa forma,
a contradição invisível é o fato de que o grau de autonomia percebido pelos professores não
corresponde ao grau de autonomia existente, quando se considera todos os âmbitos da vida
institucional, ou seja, a autonomia percebida não é a autonomia exercida. A análise apresentada,
vai caracterizando um quadro que apresenta a Universidade e o ensino superior como
submetidos à mesma lógica da reestruturação produtiva e da precarização que se deu no mundo
do trabalho dentro das empresas. De um lado, a fragmentação do conhecimento e a limitação da
capacidade de decisão, do outro a flexibilização dos contratos de trabalho, dos cursos (curta
duração), da metodologia (ensino à distância), diminuição de prazos de conclusão das teses,
prestação de serviços às empresas. É o conhecimento sendo tratado como mercadoria numa
Universidade cada vez mais neoliberal. O professor, dentro desse processo, vai ficando
progressivamente imprensado por uma superposição de contradições que chegam até ao
cotidiano do seu trabalho. Todos os níveis institucionais exercem um tipo de controle sobre a sua
vida na academia, do Presidente da República ao aluno.Ele reage a esse super controle isolandose, reproduzindo o modelo autoritário, inserindo-se na corrida pela titulação e publicação,
competindo com os pares, enfim,criticando algumas dimensões, mas lutando, dirigindo suas
energias na busca da sua inserção no modelo proposto. E esse esforço, essa busca são permeados
de contradições: a carreira não o desenvolve como professor e sim como pesquisador; para
pesquisar precisa acionar a habilidade de captador de recursos, para a qual não foi habilitado;
quando consegue recursos externos, corre o risco de ser visto como possuindo uma “vida dupla”;
se não consegue recursos, sente-se desprestigiado e revoltado por possuir uma alta qualificação
profissional e uma precária condição de trabalho. E a despeito de todo esse esforço, muitas vezes,
é colocado no papel de “bode expiatório” do sistema universitário,quando é percebido como “sem
compromisso”, inclusive pelos próprios pares. A alienação no trabalho docente vai sendo
demonstrada no momento em que a conseqüência do encadeamento dessas contradições opera
no sentido de transformar o produto do trabalho intelectual progressivamente em mercadoria a
ser apropriada, pelas empresas ou pelo Estado, que cada vez mais, define a demanda, retirando
do professor essa prerrogativa; na medida em que o Estado orienta a carreira para a pesquisa
(através de recursos e recompensas), transformando o ensino em algo menos importante, até
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28
mesmo aversivo para alguns professores; quando através do financiamento individual externo e
do sistema meritocrático é estimulada a competição, que gera o esgaçamento do vínculo social e
conflitos interpessoais, criando, muitas vezes, um clima de trabalho desfavorável a integração do
conhecimento.
Palavras-chave: Processo de trabalho, alienação, trabalho docente.
2. A Distribuição Espacial do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba
William E. Nunes Pereira (Prof. Dr. do Dep. de Economia/UFRN)
A origem da atual conformação da indústria e do emprego no segmento calçadista da Paraíba
inicia-se no interior do estado, em cidades que atuavam como entreposto tropeiro e algodoeiro,
mais especificamente em Campina Grande. O município foi durante muito tempo um pouso de
tropeiro e centro comercial algodoeiro (PEREIRA, 1998). A cultura do algodão e as atividades
conexas estimularam o desenvolvimento econômico e urbano de Campina Grande (PEREIRA,
2004). Dentre as atividades que foram estimuladas pelo desenvolvimento econômico e urbano,
encontra-se a atividade coureiro-calçadista, beneficiada pelas externalidades positivas do
processamento do algodão e de suas sementes. Inicialmente a produção coureira se destinava à
confecção de selas e artefatos de couros, posteriormente de calçados. Esse tipo de atividade se
constituiu em pré-condição para a produção de calçados e afins de couro (LEMOS; PALHANO,
2000). A produção no estado somente apresentou crescimento mais expressivo nos anos 1980,
devido à entrada de aproximadamente 80% do total de empresas atuantes na década seguinte.
Além de haver se estendido rapidamente no mesmo período por várias áreas do estado. Sem
dúvida, o fator-história pesou na consolidação da indústria calçadista paraibana, devido a seu
desenvolvimento histórico-produtivo para o segmento calçadista. Esse fato se deve ao grande
contingente de sapateiros e produtores informais e às empresas existentes e entrantes formais e
informais. Segundo Lemos e Palhano (2000, p. 05) o “crescimento do arranjo em número de
empresas na década de 80 não se deve ao recente processo de relocalização de empresas das
regiões Sul e Sudeste para a região Nordeste.” No entanto, essa última empresa mencionada pelos
autores, que se instalou no município em 1983, foi fechada em 1997, por não terem sido
renovados os incentivos fiscais oferecidos, induzindo sua relocalização na Bahia (PEREIRA, 1997 e
LEMOS; PALHANO, 2000). Essa relocalização ocorre, portanto, no contexto do processo recente de
relocalização das empresas devido à reestruturação produtiva e guerra fiscal dos anos 1990. A
configuração espacial da indústria calçadista na Paraíba mostra a existência de três pólos
produtivos localizados no litoral, no agreste e no sertão. As evidências apresentadas por Pereira
(1997) e Lemos e Palhano (2000) mostram que o pólo do agreste paraibano, constituído por
Campina Grande e cidades circunvizinhas, apresenta em sua constituição fatores históricos,
enquanto o pólo do litoral é muito mais expressividade do processo de relocalização da indústria
calçadista nos anos 1990. O pólo localizado no sertão, liderado pela cidade de Patos é, embora
expressivo para a micro-região, inexpressivo para o Nordeste e de baixo nível de geração de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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empregos formais. No entanto, é fonte geradora de empregos informais. A indústria calçadista da
Paraíba possui apenas uma única empresa de grande porte (com mais de mil empregados),
localizada em Campina Grande. O índice de dispersão geográfica é muito baixo (7,6%), bem
inferior ao Ceará e a Bahia, ou seja, apenas 17 municípios apresentam a presença de indústrias
calçadistas no estado. O estado ampliou, principalmente entre 1985 e1995, sua participação no
número de indústrias calçadistas na região Nordeste. No entanto, entre 1995 e 2005, reduziu em
aproximadamente 4% sua participação, mas encontra-se participando com 19,7% do número de
estabelecimentos industriais calçadistas na região, um pouco a frente da Bahia (PEREIRA, 2008). O
contexto da distribuição do emprego formal na indústria calçadista paraibana mostra-se muito
similar ao da indústria no seu conjunto, demonstrando que a mesma é composta em sua maior
parte por micro e pequenas empresas. No entanto, o estado já foi responsável por mais de 39% do
emprego formal nessa indústria, em 1990, reduzindo sua participação nos anos seguintes para
pouco mais de 10%, mas ainda ficando com a terceira posição na participação no emprego formal
dessa indústria. Na última década o estado perdeu aproximadamente 75% de sua participação no
emprego formal na indústria calçadista nordestina. Independente da perda relativa, a Paraíba vem
ampliando o emprego formal no segmento em números absolutos, alcançando um volume de
8.461 trabalhadores formais no ano de 2005. Esse volume absoluto implica no quarto maior
crescimento relativo do emprego desse segmento no Nordeste, ficando atrás apenas de Sergipe,
da Bahia e do Ceará. Nesse contexto de distribuição geográfica do emprego e de estabelecimentos
da indústria calçadista formal, pode-se detectar a partir dos dados da RAIS/MTE, as dez cidades
com as maiores proporções de emprego e indústrias no setor calçadista. Essas dez cidades são
responsáveis por mais de 57,8% de todo o emprego formal da indústria calçadista do Nordeste.
Das dez cidades que apresentam o maior volume de emprego, somente Campina Grande
apresenta fatores históricos na formação da indústria calçadista. As demais são resultados dos
recentes incentivos e das políticas fiscais e financeiras. Sobral, de elevada participação no
emprego formal, apresentou crescimento industrial recente, e a indústria calçadista se instalou em
1993. A indústria calçadista de Itapetinga se constitui fundamentalmente da empresa que se
relocalizou de Campina Grande em 1997. Quanto a Horizonte, a indústria calçadista também é
recente, da segunda metade dos anos 1990. As demais cidades integram o rol das cidades cujo
elevado volume de emprego é, normalmente, gerado por uma grande empresa, que se instalou
nos anos 1990. Dessa forma, pode-se concluir preliminarmente que as políticas fiscais e
financeiras agressivas têm impacto significativo na atração de empresas calçadistas,
principalmente se a esse fator agregar-se uma mão de obra de custo baixo e quase nula em
organização sindical.Afinal, dessas dez cidades, sete se encontram no Ceará. No que se refere ao
número de estabelecimentos industriais, duas cidades são capitais e as demais são do interior. Das
nove cidades, três (Juazeiro do Norte, Campina Grande e Feira de Santana) detêm fatores
históricos importantes, que contribuem para explicar o número de estabelecimentos existentes.
Foram entrepostos comerciais importantes até a primeira metade do século XX. È importante
observar a dissociação entre as dez cidades que agregam mais empregos e as que possuem
maiores volumes de estabelecimentos. Esse fato se explica em razão de que muitas das cidades,
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30
em especial as do Ceará, possuem em média um único grande estabelecimentos, que em sua
totalidade gera mais emprego do que os pequenos estabelecimentos das demais cidades.
Explicitando assim o resultado de uma política de incentivos fiscal-financeiros e para-fiscais
estabelecido pelos governos nos entre os anos 1980 e 2000.
Palavras-Chave: Emprego formal, Indústria calçadista, Campina Grande, relocalização industrial.
3. Considerações sobre a terceirização e seus efeitos na Companhia Siderúrgica
Nacional
Sabrina de Oliveira Moura Dias (Doutoranda do PPGSA-UFRJ)
Este trabalho tem por objetivo analisar as representações dos trabalhadores sobre as mudanças
nas relações de trabalho e emprego na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a partir da expansão
da terceirização de suas atividades e funções. A definição de “atividade meio” em 1993
possibilitou a expansão da prática da terceirização de efetivos permanentes pelo interior das
indústrias e do processo de produção. O trabalhador terceirizado permanente inaugura uma nova
situação dentro da fábrica: não é trabalhador do quadro direto, embora desempenhe suas
atividades cotidianamente no interior da contratante; e, por outro lado, não é o trabalhador
terceirizado temporário, pois seu contrato de trabalho é por prazo indeterminado, embora o
contrato entre as prestadoras de serviços e a CSN seja por prazo determinado. Portanto, o
trabalhador terceirizado permanente está sujeito a uma multiplicidade de referências. A
terceirização de atividades anteriormente consideradas “estratégicas” às empresas abriu um
precedente para a complexificação das relações entre os trabalhadores motivando aproximações
e diferenciações que implicaram em novas formas de organizar e conceber os grupos e coletivos
dentro da usina. Além das diferenças objetivas - de salários e direitos - a terceirização estabeleceu
uma cisão subjetiva na consideração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN, a qual
tem implicações no forjamento de sua identidade tanto no mundo trabalho, como enquanto
cidadão de Volta Redonda. Através de entrevistas realizadas com sindicalistas, trabalhadores e extrabalhadores, buscamos compreender a maneira como os funcionários da CSN, e principalmente
das firmas terceirizadas, entendem a sua condição e a de seu grupo em relação à condição de
outros trabalhadores e grupos dentro da indústria. A maneira como os empregados da CSN e os
empregados terceirizados concebem sua condição e seu papel dentro da produção, em
comparação com os papéis de outros empregados, contribui para o forjamento de múltiplas
identidades dentro da categoria. A coexistência dentro de um mesmo espaço fabril de
trabalhadores com funções similares ou idênticas, sujeitos à empregadores e acordos coletivos
diferenciados cria situações de impasse e desafios às estratégias sindicais de mobilização e de
coesão da categoria. O desafio torna-se ainda maior se considerarmos que a divisão entre estes
trabalhadores não se limita ao binômio trabalhador terceirizado / trabalhador da CSN, mas
também à pulverização de estatutos, direitos e benefícios desfrutados por trabalhadores
terceirizados permanentes ou temporários de diferentes empresas. No caso do Sindicato dos
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Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR) a dificuldade em reunir trabalhadores com graus variados
de benefícios, direitos e condições apareceu como um obstáculo à tentativa de greve conjunta de
todos trabalhadores da Usina Presidente Vargas. A evasão prematura dos trabalhadores da CSN da
greve unificada de 2007 motiva uma série de interpretações para explicar o esvaziamento do perfil
grevista dos trabalhadores do quadro direto da empresa. Dentre estas interpretações, destaca-se
a idéia de que a terceirização, ao criar e expandir a figura do trabalhador com condições defasadas
de direitos e benefícios, representaria um permanente risco à condição do trabalhador direto. A
consciência de uma vantagem relativa dos trabalhadores da CSN em relação a seus companheiros
terceirizados foi uma das razões alegadas para a recusa em utilizar a greve com o objetivo de
galgar melhorias de fato. Por outro lado, o recurso à greves prolongadas como forma de
reivindicação das demandas pelos trabalhadores terceirizados nos anos de 2005, 2006 e 2007
sugere a emergência de uma categoria coesa e combativa, em contraposição à idéia de
trabalhadores precarizados como passivos e desorganizados. Os acontecimentos sumariamente
descritos favorecem a consideração de uma série de questões para a avaliação das recentes
mudança nas relações de trabalho: em que medida a terceirização afeta a conduta e a identidade
do próprio trabalhador do quadro direto? Até que ponto a convivência diária de trabalhadores
que desempenham as mesmas atividades os torna solidários ou não às causas uns do outros?
Podemos considerar trabalhadores terceirizados como um mesmo bloco, com uma mesma
identidade? De que maneiras a linha que divide trabalhadores terceirizados e diretos é
considerada saliente e em que aspectos ela pode ser vista como intermitente na atual conjuntura
do mercado de trabalho? Neste trabalho proponho a apresentação de parte dos resultados de
minha pesquisa de mestrado que tem como foco a análise dessas questões. Em síntese, é
importante ressaltar que a expansão e acomodação da terceirização e os novos sentidos à ela
conferidos tem consequencias abrangentes e permanentes sobre os novos arranjos que
caracterizam o mundo do trabalho.
Palavras-chave: terceirização; precarização; Companhia Siderúrgica Nacional; identidade.
4. Trabalho Análogo ao Escravo e o Limite da Relação de Emprego no Brasil
Vitor Araújo Filgueiras (Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA)
O presente texto analisa o trabalho análogo ao escravo no Brasil. O objetivo do trabalho, produto
de pesquisa efetuada entre os anos de 2008 e 2010, é apresentar a natureza do trabalho análogo
ao escravo e explicar como o Estado brasileiro prescreve e tenta efetivar controles da exploração
do trabalho com base em limites à existência da própria relação de emprego. Mais
especificamente, o Estado prescreve um limite externo à relação de assalariamento no Brasil, que
contempla o tipo de coerção específica do capitalismo, pois independe da coerção individual do
comprador da força de trabalho para se estabelecer. Os desafios à eliminação da condição de
trabalho análoga à escrava são colossais, e incluem resistências desde os próprios aparelhos do
Estado. Aproximadamente 33 mil trabalhadores foram resgatados pelo Estado em situação
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análoga à de escravos entre 1995 e 200814. Este texto pretende demonstrar como e por que esse
fenômeno se constitui como o limite da relação de assalariamento no Brasil. O assalariamento se
institui historicamente a partir da dupla liberdade que atinge a parcela majoritária da população.
Livre dos laços de dependência específicos de outros modos de produção, “livre” do controle
sobre os meios de produção15. O corolário, para a população que trabalha, é um destino
compulsório: a necessidade da venda de sua força de trabalho como meio para sua reprodução.
Os compradores da força de trabalho são os proprietários dos meios de produção, cujo objetivo
no bojo de tal relação social é a obtenção incremental do excedente produzido, que nesta
sociedade ganha a forma de lucro monetário. Como o lucro é extraído do trabalho, este é vítima
necessária e preferencial dos processos de racionalização do capital sobre atributos indesejáveis à
sua reprodução. O trabalho, por seu turno, dependente da venda da sua força de trabalho para
sobreviver (já que sua transformação em mercadoria elimina o “direito à vida” 16), está
potencialmente exposto a todo tipo de submissão. Portanto, dada a compulsão do capital e a
“liberdade” do trabalho, não há um limite inerente às condições de venda e uso da força de
trabalho (à relação de assalariamento), ou seja, sem trabalho organizado ou intervenção externa
podem emergir, inclusive, padrões de uso que seriam próprios de outros modos de produção.
Ocorre que, no Brasil, o assalariamento possui um limite prescrito. Transgredido esse limite, o
Estado desconhece e desfaz a própria relação. Esse limite imposto ao assalariamento é a situação
análoga à de escravo, manifesta no art. 149 do código penal, que prevê as seguintes hipóteses de
configuração: restrição da locomoção em razão de dívida; cerceamento do uso de meio de
transporte; manutenção de vigilância no local de trabalho ou retenção de documentos do
trabalhador para mantê-lo no local. A despeito de as referidas hipóteses serem verificadas no
Brasil17, há outra hipótese, esta fundamental, no art. 149: o conceito de trabalho degradante
como caracterizador do trabalho análogo ao escravo. Esse conceito, por independer da
intencionalidade do capitalista singular, transcende o aspecto coercitivo direto imposto ao
trabalho. A coerção do capitalista individual pode existir nas relações contemporâneas análogas à
de escravo, contudo, com o conceito de trabalho degradante essa coerção individual deixa de ser
necessária para a configuração da analogia à escravidão. A coerção do mercado de trabalho é a
coerção específica do modo de produção vigente (a necessidade da venda da força de trabalho) e
é isso que o art. 149 incorpora, ao considerar condições de uso desumanas da força de trabalho
como crime de redução à situação análoga à escravidão. É a coerção coletiva do capital (via
mercado de trabalho) que engendra os alojamentos de lona, a retenção dos salários, o
fornecimento de comida estragada, enfim, submete trabalhadores a condições que seriam típicas
de modos de produção pretéritos. Destarte, além dos limites presumíveis (formas de coação
direta) prescritos pelo Estado (próprios da condição individual da liberdade formal normalmente
14
Dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br).
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Civilização Brasileira, 2002, p.828.
16
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro, 2000.
17
O aspecto coercitivo do trabalho análogo ao escravo no Brasil é também tributário da pessoalização das relações sociais, mesmo
aquelas que a princípio seriam impessoais (como o mercado), fenômeno típico da nossa cultura, conforme identificado por Sérgio
Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 1995). Nesse terreno, são férteis as falsas promessas e a crença na
ilusória dívida contraída.
15
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33
contemplada pelos Estados capitalistas), há um limite qualitativo ao uso da força de trabalho no
Brasil (que limita as conseqüências da “liberdade” frente aos meios de produção). Contudo,
combatido por um número extremamente reduzido (8 grupos) de agentes de Estado, não é
possível sequer mensurar quantos trabalhadores tratados com escravos existem no Brasil, mais
difícil ainda será eliminar o fenômeno, pois mesmo no interior dos aparelhos de Estado existe
resistência à incorporação do conceito de trabalho degradante como caracterizador do trabalho
análogo ao escravo. Não bastasse, a reincidência da submissão dos trabalhadores é provável, pois
inexistem instrumentos no Estado que lhes dêem suporte, o trabalho organizado é frágil, e os
capitalistas pouco temem as ações do Estado.
Palavras chave: Trabalho análogo ao escravo, assalariamento, direito do trabalho.
5. Os Discursos Teóricos e as Justificativas dos Atores Sociais Perante os Acidentes
de Trabalho
Roberto Mendoza (Doutorando e Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG)
Adailton S. de Andrade (Aluno-Bolsista de Graduação PM-UAAC)
O anuário estatístico 2008 mostra que os índices de acidente de trabalho (AT) no Brasil são
elevados e tem aumentado nos últimos anos. No país, se produzem anualmente 747.663 AT, com
uma taxa de mortalidade anual p/100 mil AT, de 9,49. No nordeste, a prevalência é de 83.818 y na
Paraíba de 4.229 casos. As Políticas Publicas sobre os AT tem evoluído de uma perspectiva da
culpa a principio do século XX até a perspectiva do risco no S. XXI. Igualmente, as explicações
teóricas dos AT tem variado de acordo com a disputa entre capital e trabalho. A principio de
século XX, as “teorias” que tentavam explicar os AT, estavam hegemonizadas pelas explicações
jurídicas que se sustentavam nos conceitos de “falta Professional”, isto é, os próprios acidentados
eram responsabilizados pelos acidentes. Na década do 30 começam as tentativas de explicação
cientifica. Os psicólogos experimentais conceitualizaram que os AT se deviam basicamente a
causas psicopatológicas e/ou neuropsicológicas individuais dos próprios acidentados. Os
protocolos experimentais mostravam uma tendência á poli-acidentabilidade de um numero
determinado de trabalhadores (TIFFIN,1967). Teorias opostas surgem a partir da década dos 60,
onde o Contexto de trabalho aparece como único responsável dos AT. HACBERG (1960),
comparando situações de trabalho similares com e sem ocorrência de acidentes, assinala uma
longa lista de fatores causais dos acidentes, que envolve varáveis relacionadas com o contexto do
trabalho, com baixa significância dos fatores psicológicos pessoais. Outra abordagem semelhante,
a Teoria Sistêmica da Fiabilidade, considera o AT uma saída indesejada: “O estudo do AT na
realidade envia ao estudo das características do processo de produção suscetíveis de
engendrarem uma série de disfunções das quais os acidentes são apenas uma das indicações
dentre várias outras igualmente passíveis de exame” (LEPLAT E CUNY, 1979). Finalmente na
década dos 90 e 2000, surge a perspectiva sociológica dos AT (DWYER, 2006). O autor diz que a
causa dos AT temos que as buscar na Relações Sociais de trabalho. Ele propõe um modelo
sociológico que considera quatro níveis de analise inter-relacionados para o estudo dos AT
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operacionalizados concretamente em: O nível organizacional, o nível de recompensa, o nível de
comando e o nível do próprio individuo. Diversas pesquisa de campo e experimentais demonstram
que cada um destes níveis é responsável específico pelo aumento ou diminuição dos AT. O
objetivo desta pesquisa é analisar as justificativas dos diversos atores sociais envolvidos nos
processo dos AT (Empresários, Trabalhadores acidentados, Técnicos das empresas e do Ministério
do trabalho e Sindicalistas) e como estas justificativas tendem a coincidir ou não, com os discursos
teóricos aqui expostos. Para tanto, fizemos uma analise das argumentações (Analise do discurso e
atribuições de causalidade) que esses atores sociais expressam num detalhado documentário
sobre os AT elaborado pela rede Globo em colaboração com MTPS no ano 2000. Os resultados
mostram que os empresários e os técnicos das empresas (engenheiros, etc.), adotam o discurso da
“teoria” jurídica de principio do século XX de falta profissional ou psicológica, de imperícia psiconeurologica, isto é, atribuem a responsabilidade do AT ao próprio trabalhador. Os trabalhadores
acidentados tendem a dividir seus discursos entre a resignação, à sorte e destino, por um lado, e a
responsabilização das maquinas que não estavam em boas condições de segurança, por outro. Isto
é, atribuem à responsabilidade a sim próprio, ou a um fator externo, a maquina. Uma parte dos
acidentados tende a coincidir com a explicação das teorias técnicas sobre os AT, especialmente
sim eles tiveram algum contato com o Sindicato. Os técnicos do MTPS (médicos, engenheiros),
tendem a coincidir com o discurso das teorias técnicas, isto é, atribuem a responsabilidade dos AT
principalmente a fatores externos, as maquinas. Finalmente os sindicalistas atribuem os AT a
fatores externos, isto é, que no depende dos trabalhadores senão, pelo contrario da empresa,
particularmente as má condições de maquinas e ferramentas, etc. São os que mais perto estão da
teoria das relações sociais sobre os AT, não entanto, isto não fica totalmente explicito. Em geral
comprovamos que as teorias analisadas (com exceção da teoria sociologia), não levam em conta
as relações de produção como causa dos AT. As quatro primeiras teorias analisam a relação
Operador-Maquina e atribuem a responsabilidade ao operador individual, isto é o operário ou a
maquina, pressupondo que a relação principal numa empresa é entre o trabalhador individual
com um objeto complexo que é a maquina, e não entre pessoas, atores sociais que estabelecem
relações sociais de produção. Por outra parte, observamos que os próprios atores sociais tendem
a coincidir com as teorias analisadas. Nas Políticas Publicas, as teorias técnicas do risco tendem a
prevalecer, monetarizandose o trabalho inseguro de acordo ao nível de gravidade dos AT: cada
órgão do corpo lesionado tem um valor, um preço determinado, o que de mostra que os atores
sociais consideram o AT como inevitável.
Palavras-Chaves: A. de Trabalho, Atores sociais, Discursos, Atribuição de causalidade.
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6. A Reconfiguração da Informalidade nas Relações de Trabalho: um Estudo Sobre
os Trabalhadores de Moto-Táxi em Campina Grande – Pb
Jucelino Pereira Luna (Doutorando do PPGCS/UFCG)
A presente pesquisa tem como objetivo discutir sobre como vem se colocando a questão da
informalidade no âmbito das relações de trabalho, particularmente no setor de serviços - a partir
do caso mototaxismo - e em uma cidade nordestina de porte médio, Campina Grande. A
problemática envolvida não é nova, visto que é constitutiva do padrão de relações de trabalho que
se estabeleceu com a industrialização do país. Entretanto, vem ganhando novas conformações a
partir de mudanças pelas quais vem passando o mundo do trabalho em termos globais. Novos
setores surgem marcados pela informalidade, como o do "transporte alternativo" nas médias e
grandes cidades. Novas situações contribuem para a reprodução das relações informais de
trabalho como o recurso da subcontratação e discurso da apologia do "trabalho autônomo".
Novas políticas públicas são geradas para lidar com tal problema, com destaque para ações no
âmbito municipal, como as diversas tentativas de regulamentação do "transporte alternativo", das
atividades dos camelôs, com a criação dos "shoppings populares" da atividade dos "flanelinhas"
etc.Diante disso, as Ciências Sociais se vêem provocadas a discutirem:Quais as novidades que
quanto a isso vêm se apresentando? Que novos tipos de trabalho e de trabalhadores informais
têm surgido? O que se altera quanto à dinâmica própria das relações de trabalho informais, frente
à dinâmica anterior, e quanto à relação entre as dimensões formais e informais do atual padrão de
relações de trabalho? Faz sentido falar-se em uma nova informalidade?Quais os impactos desse
processo sob a solidariedade e a identidade desses trabalhadores enquanto classe? Qual o lugar
do trabalho nessa nova configuração? Qual o papel do Estado nesse processo? O que se pretende
não é oferecer respostas definitivas para as questões levantadas, mas tão somente trazer
elementos de reflexão sobre o fenômeno da "nova informalidade" à partir da abordagem das
relações de trabalho no âmbito do moto-taxismo na cidade de Campina Grande, Paraíba. O mototaxismo surgiu, na cidade, em 1996. Até então não havia nenhuma regularização pública da
atividade. Bastava dispor de uma moto e sair pela cidade em busca de passageiros. Mas,
paulatinamente a atividade foi ganhando dimensões significativas, convertendo-se no refúgio dos
"sem trabalho". Com a expansão da atividade dos moto-taxistas surgiram algumas pequenas
empresas para explorar o serviço. O moto-taxista proprietário de uma moto cadastrava-se junto a
uma das empresas atuante no setor, passando a pagar uma taxa diária (em média 5,00R$) em
troca recebia uma credencial de autorização para transportar passageiros, além de uma jaqueta
padronizada. A maior dentre essas empresas (CG Moto-Táxi), chegou a ter, em 1999, em torno de
600 (seiscentos) moto-taxistas cadastrados. Atualmente, os moto-taxistas, atuantes na cidade,
está distribuido em três segmentos: a) aqueles regularizados pela Superintendência de Trânsito e
Transportes Públicos - STTP (com base na lei municipal N.3768/99, que estabeleceu um teto de
727 moto-táxistas permissionários)e devem está filiados ao Sindicato dos Moto-Táxistas e
Entregadores de Encomendas em Motocicleta e Similares (SINDIMOTOS-CG);b) os vinculados à
empresa CG Moto-Táxi, que foi criada em 1996 e passou a funcionar sob Mandato de Segurança,
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desde então; c)os clandestino,aqueles que circulam na cidade sem o alvará de tráfego. A pesquisa
ainda busca apreender que tipos de relações de trabalho e formas de sociabilidade estão na base
de constituição desse novo segmento de trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de
relações de trabalho que estão na atualidade compondo o mundo do trabalho. Para tanto, requer
situar os termos atuais da flexibilização das relações de trabalho, como tendência mundial, ao
mesmo tempo buscando realçar suas repercussões específicas em países que, como o Brasil, traz
nesse campo a marca da precariedade e da informalidade. Faz-se necessário, ainda, explorar com
especial atenção as práticas e percepções sociais, em construção, em conflito, entre os atores
sociais envolvidos na atividade do moto-taxismo, como se veêm e são vistos, sobre como dialogam
(conformando-se, resistindo e reinventando-se) com as condições que lhes são impostas por tal
situação. A fundamentação teórica da pesquisa foi pautada, desde contribuições de autores
referidos a um debate teórico mais geral até aportes mais especificamente relacionados ao tema.
São exemplos: a noção de "experiência" Edward P. Thompsom; a discussão sobre "produção
flexível” trazida por David Harvey; a ideía de "fordismo periférico" de Alain Lipietz; a crítica da
"razão dualista" por Francisco de Oliveira; as abordagens sobre o trabalho informal e precário no
Brasil, por Cristina Cacciamali, Márcio Pochmann, Ricardo Antunes, Graça Druck,Márcia Leite,
Jacob Carlos Lima, Angela Araújo entre outros. Além desse conjunto de aportes teóricos,
utilizamos a pesquisa documental e, ainda um conjunto de 12 (doze) entrevistas, 9 (nove)
entrevistas, 3 (três) em cada segmento de trabalhadores e mais 3 (três), uma com o representante
do Sindicato, uma com o gestor da STTP (Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos) e
por último com o proprietário da empresa CG Motos. Além disso, como estratégica metodológica
complementar aplicamos um total de 207 questionários com 25 (vinte e cinco) perguntas cada nos
três segmentos de trabalhadores, com o objetivo de captar questões que não foram possíveis de
serem apreendidas nas entrevistas.
Palavras-chave: Relações de trabalho, informalidade, transporte alternativo, moto-taxista.
Painel 2: Confeccionando a Saúde no Trabalho: Condições de Trabalho e Políticas
Públicas no Âmbito do SUS/PSF em Santa Cruz do Capibaribe/Pe
Thaisa Santos de Almeida (Profª Ms Substituta da UFRN)
Tendo em vista o modo como o mundo do trabalho vem reestruturando suas relações, inclusive
com outras esferas, como com o processo de intensificação do trabalho, com as formas de
adoecimento dos trabalhadores e com a proteção social, no Brasil delineia-se um panorama de
privilégio às diretrizes do mercado de consumo e de diminuição dos custos sociais, com
consequente desistitucionalização dos direitos sociais e alterações no pacto de solidariedade
social, priorizando não a situação do cidadão no mercado de trabalho, mas a condição de cidadão
de consumo. A saúde, no entanto, não se configura apenas como um serviço, mas um como um
direito social que deve ser garantido não apenas pelas leis formais, mas por princípios reguladores
de práticas sociais. Como forma de sociabilidade e regra de reciprocidade que se constrói num
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panorama em que, de um lado, apresenta-se a flexibilização das relações de trabalho propiciando
correlações de forças diferenciadas, inclusive no modo de regular o padrão de proteção social. E
de outro, uma série de mudanças no escopo e rol de procedimentos específicos a consolidação
dos bens coletivos por meio de políticas públicas de corte social. Pesquisas recentes mostram que
a reestruturação produtiva, com a precarização das relações de trabalho e a intensificação do
trabalho têm ampliado e agravado o quadro de doenças e riscos de acidentes nos espaços
socioocupacionais. Nesse contexto, a saúde do trabalhador além de formalmente incorporada ao
SUS está diretamente relacionada à possibilidade de sua assimilação pela estratégia saúde da
família. Ou melhor, ao acolhimento dos trabalhadores para investigação do trabalho como fator
determinante dos processos saúde-doença, a avaliação e o manejo das situações de risco no
trabalho. Estratégias como o Saúde da Família (ESF) são apresentadas a partir da década de 90
como uma tentativa de reorientação do modelo de atenção à saúde no qual se prioriza, entre
outras coisas, a saúde comunitária com base territorial. Portanto, como porta de entrada no
sistema de saúde, aonde o controle da qualidade de serviços prestados e a avaliação do
desempenho da equipe deveria ser realizado por grupos de supervisão, pelos Conselhos de Saúde
e pelas comunidades atendidas. Acrescenta-se a essa conjuntura uma diversidade epidemiológica
de agravos à saúde dos trabalhadores, agravos que variam desde as doenças provocadas pela
introdução das novas tecnologias e pela organização do trabalho, passando pelas exposições
ambientais a agentes cancerígenos, solventes e metais pesados, pela surdez de milhares de
operários dos mais diversos ramos da produção, pela silicose dos cavadores de poços artesianos,
pelo gravíssimo problema das intoxicações por e acidentes com máquinas agrícolas nas atividades
rurais, até chegar aos efeitos à saúde do trabalho de menores e mulheres. No caso em particular
de Santa Cruz do Capibaribe apresenta-se como um dos maiores pólos econômicos existentes
atualmente, particularmente no setor de confecções, em que a atividade e o trabalho informais
têm sido marcas decisivas. A ESF incursa nesse município a partir de 1998 e conta atualmente com
10 equipes de saúde da família para um total de 78.410 habitantes, que são: as ESF de Santa
Tereza e Palestina, existente desde 2000, sendo implementadas nos anos subseqüentes as
unidades de Bela Vista, COAHB, Dona Dom, Rio Verde, Dona Lica, São Miguel, Santa Cruz e Santo
Agostinho. Assim a explicitação de problemas de saúde relacionados mais diretamente ao
exercício do trabalho no Pólo, a partir da análise de discurso de uma rede atores sociais composta
por gestores públicos, profissionais de saúde e trabalhadores beneficiários do SUS/PSF, atuará
como ferramenta de compreensão da produção de sentidos simbólicos em condições sociais
dadas, bem como do “lugar” que o sujeito ocupa para ser sujeito do que diz e se relacionar com o
quadro social de sua existência, entendido não como imagem estática, mas complexa e
desencadeadora de várias séries. Em suma, o solapamento da proteção social constitui mais um
desfecho dos arranjos flexíveis no qual o processo de implantação de políticas de saúde não tem
acompanhado essas mudanças na atenção à saúde,o que torna precípuo, a partir de uma
perspectiva sociológica, estudar as configurações da atenção à saúde dos trabalhadores do pólo
de confecções de Santa Cruz do Capibaribe/PE de modo a permitir uma melhor compreensão da
experiência desses trabalhadores no que tange a saúde frente aos desafios que se configuram no
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mundo do trabalho e das doenças decorrentes desse, bem como as particularidades e
especificidades de tal experiência junto ao SUS/ PSF. Questiono então, em que medida o
SUS/AB/ESF tem se constituído enquanto política pública de saúde capaz de propiciar a
identificação, o diagnóstico e a explicitação pública de problemas de saúde? Especificamente
como constitui-se essa política de saúde no Pólo de Confecções do Agreste de Pernambuco/PE?
Atua no sentido de ocultar/reproduzir o caráter precário das condições e relações de trabalho ou
de buscar estratégias que assegurem a saúde do trabalhador? Como as políticas de saúde se
posicionam frente a isso os distintos atores sociais: gestores públicos, profissionais de saúde e
trabalhadores beneficiários dessa rede de serviços?
Palavras-chaves: políticas de saúde, saúde do trabalhador, reestruturação do mundo do trabalho.
Sessão 3
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TRABALHO PRECÁRIO E FORMAS DE RESISTÊNCIA ENTRE O RURAL E O
URBANO
Coordenador: José Marçal Jakcson Filho (FUNDACENTRO)
Debatedor: Ângela Araújo (UNICAMP)
1. Revoltas dos Trabalhadores Canavieiros e Desmobilização Sindical no Setor
Sucroalcooleiro do Nordeste: a Experiência de Alagoas
Paulo Candido da Silva (Doutorando do PPGCS/UFCG)
O presente trabalho propõe fazer uma análise sobre a resistência dos trabalhadores rurais,
contratados para o corte da cana-de-açúcar, no contexto das mudanças provocadas pelo avanço
da produção de etanol no Brasil. Trata-se de um estudo sobre as mobilizações dos trabalhadores
assalariados canavieiros de Alagoas, ocorridas nas safras de 2007/2008 e 2008/2009. As
mobilizações têm assumindo inicialmente um caráter de lutas espontâneas que vêm ocorrendo
face às condições precárias de trabalho no corte de cana naquele Estado. Examina-se aqui o caso
de Alagoas, cujo parque de usinas é considerado um dos mais “modernos” e tido como um dos
mais eficientes do país. Quanto à situação dos trabalhadores, observa-se um novo processo social
em que estes, por meio de mobilizações espontâneas, não só vêm reagindo às péssimas condições
de trabalho no corte da cana, mas também têm expressado resistência às formas de dominação
vigentes. Nesse cenário de forte conflito de interesses, as formas de atuação do Estado também
representam uma novidade: tem se firmado uma prática de ação fiscalizadora do cumprimento
das normas legais e dos acordos trabalhistas, de modo a pressionar as empresas ao cumprimento
das exigências contratuais e legais. Além de examinar e discutir o aparecimento das mobilizações e
seus efeitos sobre os órgãos fiscalizadores do trabalho. Faremos aqui considerações sobre o
impacto que estas mobilizações vêm tendo sobre a estrutura oficial e burocratizada dos sindicatos
dos trabalhadores rurais. Pretende-se com isso, abordar os desafios atuais à ação sindical no
campo diante das experiências de lutas espontâneas travadas pelos trabalhadores canavieiros
nesse novo contexto de resistências aos processos de intensificação da precariedade das
condições de trabalho no corte de cana, bem como diante da nova configuração das relações de
dominação existentes no setor canavieiro. Nesse sentido, pretende também discutir e analisar
como a estrutura sindical no campo e, em particular no estado de Alagoas, se desenvolve e se
manifesta no atual contexto desvinculado de uma noção de classe ou de interesse de classe, ou
seja, como a representação sindical vai se desenvolver sem que os trabalhadores canavieiros
tivessem experimentado qualquer forma de luta social, configurando um processo de “luta de
classe sem classe”. E num processo em que os trabalhadores experimentam uma “negociação
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coletiva através da revolta” a mesma estrutura sindical se coloca como incapaz de levar adiante o
conflito entre o capital e o trabalho no campo uma vez que as “lideranças sindicais” não desfrutam
de legitimidade por parte dos trabalhadores canavieiros. Uma evidência dessa imobilidade do STR
pode ser percebida através da rejeição dos trabalhadores canavieiros a presença da representação
sindical nos momentos de revoltas. Assim, este trabalho pretende mostrar, a partir de uma
experiência social de manifestação espontânea dos trabalhadores canavieiros, alguns aspectos
importantes evidenciado pela ação direta dos trabalhadores, a saber: a reação as condições
precárias de trabalho no corte de cana através de uma compreensão de direito e de “justiça
popular”. Outro aspecto diz respeito à ação estatal diante das revoltas dos trabalhadores, pois os
agentes públicos à medida que exercem a mediação do conflito entre capital e trabalho oferecem
o reconhecimento à luta dos trabalhadores. E um último aspecto diz respeito ao fato de que a
fragilidade e imobilidade do sindicalismo dos trabalhadores rurais ter sido formado sem que fosse
resultado do acúmulo das lutas dos trabalhadores canavieiros, mas como um instrumento de
controle das lutas dos trabalhadores exercido pelo patronato através de indivíduos das próprias
classes subalternas.
Palavras-chave: Trabalhadores canavieiros; Assalariados rurais; Lutas sociais no campo; Ação
estatal no campo; Sindicalismo rural.
2. Ação Sindical no Vale do São Francisco (1990 – 2008)
José Fernando Souto Junior (Prof. Dr. UNIVASF)
O objetivo é entender a dinâmica sindical rural em Petrolina, seu papel e sua relação com os
poderes locais e os seus associados; a ação unificada entre os sindicatos rurais que constroem a
Convenção Coletiva de Trabalho dos Trabalhadores Rurais do Vale do São Francisco, nos estados
da Bahia e Pernambuco, e o chamado Pólo sindical, que agrega sindicatos pernambucanos e
mantém uma em atuação comum. No Vale do São Francisco surge uma mística que tem como
ênfase o desenvolvimento econômico acima da média nacional, construindo imagens da região
como terra de vastas oportunidades de emprego e investimento. Vários estudos retratam a
convergência dos fatores climáticos, do papel do Estado e de uma ação empresarial como
propulsores desse desenvolvimento. Segundo Silva (2009: 80), os investimentos captaneados pelo
Estado para a construção de grandes projetos de irrigação nos anos 1970, associados aos
incentivos fiscais e financeiros de agências governamentais como SUDENE e BNB. A criação das
usinas hidroelétricas da CHEFS foi um dos elementos propulsores desse desenvolvimento e que
tornou essa região um pólo atrativo de imigrantes. Aceitando esse pressuposto de
desenvolvimento acima da média, em quase todos os estudos encontrados aqui, a região é
reconhecidamente palco do desenvolvimento regional e um pólo de atração de investimentos, sob
diferentes óticas encontramos pelo menos três perspectivas: a) estudos que têm seu foco voltado
para a dinâmica das empresas e avaliam o desenvolvimento da região como um lócus privilegiado
de oportunidades de negócios, entre as suas ênfases está a busca de estratégias singulares
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adotadas pelo empresariado para atuar na região (OLIVEIRA, 2007; SOUZA, BRITO, NETO, SOARES
& NASCIMENTO, 2001; LIMA & MIRANDA, 2001); b) outra perspectiva analisa a dinâmica de
atuação dos diversos atores políticos e o desenvolvimento da fruticultura irrigada, procurando
compreender o sentido das ações e sugerir correções (CORREIA, ARAÚJO & CAVALCANTI, 2001;
SILVA, 2001 e 2009; MARINOZZI & CORREIA, 1999); c) por fim, aqueles estudos que procuram
compreender a dinâmica desse desenvolvimento e seus efeitos nas relações de trabalho e na ação
dos sindicatos (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; CAVALCANTI, 1997, 2003; CAVALCANTI & PIRES,
2009; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000; RODRIGUES, 2009). Constatou-se, a partir da
pesquisa, que vários sindicatos da região formaram um pólo sindical com o objetivo de organizar a
luta contra os desmandos da CHESF por conta das populações ribeirinhas retirados de suas casas
com a criação de barragens para as hidroelétricas. (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; ARAÚJO,
1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000). Os dados coletados no STR de Petrolina revelam que essa
experiência foi importante para a construção da unidade em torno da preparação da primeira
convenção coletiva dos trabalhadores rurais do Vale do São Francisco, em 1994, que negociam
anualmente o acordo coletivo da categoria para todo o Vale, atualmente com mais de 15
sindicatos rurais da região. Se o pólo foi importante para os atingidos por barragens, essa
experiência desdobrou a construção da unidade em torno das convenções coletivas em 1994. Por
outro lado, o pólo também sofre com as conseqüências do narcotráfico, já que o polígono da
maconha fica exatamente na área de atuação desses sindicatos. Isso se desdobra em
preocupações com a juventude rural, o aumento da violência no campo e até a política agrícola,
entre outros (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002).
Palavras-chave: sindicalismo rural; pólo sindical; fruticultura.
Bibliografia
ARAÚJO, Maria Lia Corrêa de; NETO, Magda de Caldas & LIMA, Ana Elisa Vasconcelos. (2000),
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CORREIA; R. C.; ARAÚJO, J. L. P.; CAVALCANTI, E. B. (2001), A fruticultura como vetor de
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Coelho. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental. v.5. n.2.
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3. Práticas de Resistência dos Migrantes Paraibanos nos Canaviais do Estado de
São Paulo
Marcelo Saturnino da Silva (Doutorando - PPGCS/UFCG)
Marilda A. Menezes (Profª Drª da PPGS/UFCG)
A crescente demanda por etanol brasileiro tem propiciado uma expansão considerável do
agronegócio, especificamente, do setor canavieiro. Expande-se também, nos círculos acadêmicos
uma literatura que visa abordar as conseqüências do aumento da plantação de cana-de-açúcar e,
assim, chamar a atenção para o alto preço do “progresso”, representado na destruição ambiental;
na alta de preços de alimentos com o conseqüente aumento da fome. Vários estudos identificam
a alta exploração a que são expostos os trabalhadores das usinas de cana de açúcar,
especialmente os migrantes que cortam cana. Conforme especificado por Silva (1999), O ato de
cortar cana resume-se à seqüência de gestos, curvatura do corpo, manejo do podão, destreza,
rapidez, dispêndio de força. É necessário cortar um certo quantum de cana, diariamente, que é
determinado pela usina. Ademais, exige-se um corte de boa qualidade, alguns centímetros acima
do chão para facilitar uma excelente rebrotação, o aparar as pontas, montes ordenados para
facilitar o carregamento feito por máquinas. Tudo se passa de forma combinada. Corta-se,
formando vários montes. No final da rua,volta-se e se aparam as pontas. Reinicia-se o processo
nas outras cinco ruas, até acabgar o talhão (p. 201). Mesmo considerando a mecanização em
curso no setor, estudiosos têm chamado a atenção para o fato de que as novas tecnologias não
têm representado uma diminuição da penosidade, insalubridade e periculosidade do trabalho,
mas exatamente o contrário. Nas palavras de Scopinho (2000), a introdução da colhedeira
mecânica no corte da cana-de-açúcar não diminui as cargas de trabalho do tipo físico, químico e
mecânico existentes no ambiente de trabalho e ainda acentua a presença de elementos que
configuram as cargas do tipo fisiológico e psíquico, porque intensificam o ritmo de trabalho. Por
exemplo, as jornadas de trabalho dos operadores de máquinas agrícolas variam de 12 até 24
horas, durante a safra. O trabalho no corte mecanizado da cana é organizado em turnos de 8 ou
12 horas e, na época do revezamento, a jornada estende-se até 24 horas de trabalho, com
pequenas pausas para descanso e para fazer as refeições no próprio local de trabalho (p. 97).
Estamos, pois, diante de um processo de trabalho marcado pela alta exploração dos trabalhadores
cuja eficácia demanda a elaboração de sutis mecanismos de controle por parte das usinas no
sentido de garantir um corpo que seja, concomitantemente, dócil e útil ou, em outras palavras,
adestrado de tal maneira que execute o mínimo gesto com o máximo de eficiência e eficácia, e
seja, ao mesmo tempo, um corpo “educado”, isto é, obediente, controlado, resignado diante de
toda e qualquer exploração. Os trabalhadores estão envolvidos em formas de dominação, que
muitas vezes os colocam em situações de violência física (Freitas, 2003: 54), trabalho análogo à
escravo (Silva, 2007; 2006) ou instituições de vigilância total, como é o caso dos alojamentos
(Menezes, 2002). No entanto, há, também, formas de resistência que são tecidas nos meandros,
brechas das relações de dominação. Neste texto, pretendemos abordar, como os migrantes
paraibanos que são cortadores de cana-de-açúcar nos canaviais do Estado de São Paulo constroem
formas de resistência às condições de exploração utilizadas pelas usinas de cana-de-açúcar do
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Estado de São Paulo. Buscaremos compreender as brechas de resistência através da narrativa dos
arregimentadores quando expressam que os trabalhadores migrantes “dão trabalho” ou “dão
problema” e das narrativas dos migrantes sobre as normas da usina, especificamente, aquelas
relativas ao corte de cana. Buscando ler estas falas pelo avesso, propomos uma inversão de sinais
que torne possível considerar o “dar problema” ou a não aceitação automática das regras de
organização do trabalho como formas de resistência. Estamos aqui nos fundamentando na
concepção de ‘resistência cotidiana’ proposta por James Scott (1985, 1990, 2002) e Menezes
(2002), para compreender as práticas sociais que são difusas, fragmentadas, não publicas,
diferentemente das ações coletivas e institucionais, por exemplo, mediadas pelos sindicatos ou
movimentos sociais. Esperamos, assim, contribuir para compreender que esses trabalhadores não
se reduzem a um lugar de passividade, conformismo, imobilismo frente ao sistema de exploração
em que estão envolvidos, mas são sujeitos de sua história, uma historia que se faz não como se
quer, mas a partir de seus campos de possibilidades.
Palavras-chave: Trabalho na cana-de-açucar, trabalho precário, resistência, migração.
Bibliografia
MENEZES, Marilda Aparecida de. O cotidiano camponês e a sua importância enquanto resistência
a dominação: a contribuição de James C. Scott. In: Raízes. Vol 21, n. 01, Jan/Jun 2002a, p. 32-44.
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SCOPINHO, Rosemeire Aparecida. Qualidade Total, Saúde e Trabalho: uma análise em empresas
sucroalcooleiras paulistas. Disponível in: http://www.anpad.org.br/rac/vol_04/dwn/rac-v4-n1ras.pdf
SCOTT, James C. Formas Cotidianas de Resistência Camponesa. (Tradução: Marilda Aparecida de
Menezes e Lemuel Guerra). In: Raízes. Vol 21, n. 01, Jan/Jun 2002, p. 10-31.
Scott, J.C. Weapons of the weak: everyday forms of peasant resistance. Massachusetts: Yale
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Scott, J.C. (1990) Domination and the arts of resistance: hidden transcripts. New Haven and
London: Yale University Press.
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1999.
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45
4. Salário por Produção: Precarização e Ilicitudes no Setor Sucroalcooleiro
Dra. Marilda A. Menezes (Profª Drª do PPGCS/UFCG)
Marcos Antonio F. Almeida (Mestrando do PPGCS/UFCG)
Maciel Cover (Mestrando do PPGCS/UFCG)
No Brasil, a produção de cana-de-açúcar vem sendo impulsionada por sua crescente valorização
no mercado internacional, de tal sorte que o setor sucroalcooleiro representa, atualmente, parte
considerável da economia do país. O crescente volume de recursos aportados no setor não tem se
refletido, todavia, na melhoria da qualidade das práticas trabalhistas vigorantes nesse segmento
econômico. Ao revés, o setor sucroalcooleiro vem vivenciando um contexto de precarização das
relações de trabalho. Este trabalho busca analisar a precarização das relações de trabalho no setor
sucroalcooleiro, a partir da sistemática de pagamento por produção, observando também a
atuação das instituições estatais neste contexto, notadamente no que toca à aplicação da
legislação aplicável ao tema. Analisaremos, a partir da literatura acadêmica sobre o tema,
agregando dados primários de entrevistas realizadas em recente visita a campo, a contratação de
trabalhadores migrantes da região de São José de Piranhas/PB e Cajazeiras/PB pelas Usinas Pilon e
São José, localizadas no Estado de São Paulo. Atualmente, o sistema remuneratório dos cortadores
de cana-de-açúcar contempla, como regra, o pagamento de determinado preço pela quantidade
de cana cortada por cada trabalhador, através da conversão da metragem da área cortada em
toneladas diárias. De fato, a aferição do peso da cana cortada é incalculável a primeira vista, eis
que a massa da cana está sujeita a diversas variáveis - como a variedade da cana ou a época do
corte -, de tal sorte que a valoração do dia trabalhado passa a depender de grandes balanças que
estão localizadas no interior das usinas, impossibilitando o acompanhamento do trabalhador. Em
síntese, tem-se um sistema de aferição da produção e de cálculo da remuneração em que o
trabalhador perde a noção do valor do seu dia de trabalho. Assim, para garantir os recursos
financeiros necessários para seu sustento e de sua família, especialmente durante o período da
entressafra, a conseqüência deste sistema é que o empregado trabalhará até o limite de suas
forças, o que, sob a ótica do empregador, maximiza os lucros. A sistemática de pagamento por
produção já fora, de certa forma, analisada por Marx (1983), que afirma que o salário por peça
“[...] é naturalmente do interesse pessoal do trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais
intensamente possível, o que facilita ao capitalista elevar o grau normal de intensidade. Do
mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois com isso
sobe o seu salário diário ou semanal”. A prática permanece até os dias atuais, encontrando certo
respaldo jurídico na medida em que a Constituição assegura a liberdade dos indivíduos de agir e
contratar desde que não seja proibido pela lei (art. 5º, II) e na medida em que a legislação assimila
o salário variável. De fato, embora admita o sistema de remuneração variável, a legislação não
veicula vedação expressa ao sistema remuneratório por produtividade calculada a partir da massa
produzida. A lacuna legal não revela um silêncio eloqüente, mas em imprevisão histórica e técnica,
seja porque jamais se cogitou, à época da edição da legislação vigente, a maciça utilização da
remuneração por toneladas em um dado setor econômico, seja porque qualquer lei não se mostra
capaz de prever cada particularidade das múltiplas parcelas da existência humana. Qual seria,
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então, o fundamento jurídico que desautorizaria a implementação de um sistema remuneratório
para o setor sucroalcooleiro embasado nas toneladas de cana diariamente cortada por cada
empregado? Para tanto, deve-se lançar mão dos princípios e vetores axiológicos do Estado
Democrático de Direito brasileiro, especialmente aqueles que incidem diretamente nas relações
de trabalho, a exemplo dos princípios da dignidade da pessoa humana, da prevalência do valor
social do trabalho, do princípio da lealdade e boa-fé, do direito fundamental à vida, à saúde e à
segurança, do direito social à redução dos riscos inerentes ao trabalho, do princípio da vedação à
discriminação salarial e do princípio da função social da propriedade rural. É à luz de tais princípios
que algumas linhas investigativas se impõem na aferição da licitude do sistema remuneratório por
tonelada no setor sucroalcooleiro: (a) verificar se existe um direito de informação na relação de
trabalho e se tal sistema remuneratório viola tal direito; (b) verificar até que ponto a liberdade de
opção patronal pela remuneração variável não se transfere os riscos da atividade econômica para
os trabalhadores, tal como proibido pela CLT; (c) analisar se tal sistema remuneratório colide com
a vedação a critérios discriminatórios na definição de salários. Enfim, se uma análise jurídica mais
aprofundada acaba por revelar a ilicitude do sistema de pagamento por produção, e na medida
em que a abolição de tal prática não ocorre em virtude da inexistência de uma regra proibitiva
explícita, não caberia ao Estado de Direito elaborar tal regra para ser coerente com os princípios
que o rege?
Palavras-chave: Salário por produção, Legislação Trabalhista, Trabalhador Migrante, Usinas de
Cana de Açúcar.
5. O Trabalho Domiciliar no Contexto do Processo de Globalização
Edilane do Amaral Heleno (Doutoranda do PPGS/UFPB)
Eliana Monteiro Moreira (Profª Drª do PPGS/UFPB)
As mudanças ocorridas na economia global nos últimos anos e a reestruturação produtiva têm
provocado impactos significativos sobre o setor produtivo e, em conseqüência, nas relações
sociais, especialmente nas relações de trabalho. Um dos setores mais duramente atingidos por
essas transformações foi o setor têxtil, onde se pode verificar os seus reflexos na organização
técnica, nas formas de comercialização, nas relações de produção, no apelo a terceirização, na
ampliação da precarização e da informalização do trabalho. Nosso olhar volta-se para a realidade
paraibana, tomando como referência a produção domiciliar do fabrico de redes de dormir no
município de São Bento, localizado no Sertão, por constitui-se numa atividade econômica das mais
tradicionais do Estrado. O estudo centra-se num dos momentos dessa produção – o acabamento,
procurando ver os impactos dessas mudanças acima referidas sobre esta etapa produtiva, os
deslocamentos de papeis e/ou atribuições dos integrantes da produção, a ressignificação dos
vínculos familiares e as possíveis transformações na identidade dos sujeitos envolvidos no
trabalho domiciliar. As transformações vivenciadas no mundo do trabalho nas últimas três
décadas do século XX e, em especial, na década de 1990, provocaram marcas significativas sobre
as relações sociais, não deixando de interferir no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Essas
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mudanças ocorreram dentro da lógica da acumulação flexível, que passa a delinear o processo de
acumulação no cenário global. É, portanto, a busca em compreender as alterações trazidas pela
globalização ao processo produtivo que vem se orientando esta nossa pesquisa, observando, por
um lado, o impacto do global sobre o local, e por outro lado, no tocante ao nosso objeto de estudo
– a produção paraibana de redes de dormir em São Bento, procurando apreender as
reverberações que vêm se delineando a partir desse quadro da globalização no que diz respeito à
re-configuração do trabalho familiar, que sempre marcou a estruturação desses espaços
produtivos. Há indícios de possíveis desdobramentos sobre a subjetividade dos sujeitos
envolvidos, no que se refere ao domínio do saber, a questão da autonomia, da segurança, do
controle do processo produtivo, do deslocamento de competências, de atribuições, exigindo por
isso mesmo, um olhar mais cuidadoso em nossas investigações. Pelo que a nossa caminhada
investigativa tem permitido descortinar, podermos reafirmar que contemplar esses aspectos da
subjetividade constitui frente de toda importância dando ao tema um novo olhar, por procurar
justamente dar destaque a esta dinâmica do global no local e suas implicações recíprocas, visando
averiguar o que muda e o que permanece frente a este contexto. Diante do que podemos
observar de nossos primeiros contatos com os espaços produtivos, estes estão organizados nas
próprias residências e envolvem, não só, o trabalho da mulher, mas também o trabalho dos
homens, dos idosos da família, das crianças e adolescentes, ou seja, toda a família acaba
participando do processo produtivo. Tradicionalmente a produção de redes de dormir tem esta
organização, daí o nosso interesse em buscar observar se as inovações técnicas adotadas têm
interferido na divisão do trabalho, provocado algum deslocamento de papéis e atribuições entre
os sujeitos produtores, apreendendo, portanto, o que se modificou ou está permanecendo na
estruturação das atividades deste setor, após a sua inserção na dinâmica da globalização. É
importante ressaltar que nos levantamentos iniciais realizados sobre essa realidade, não
encontramos estudos na região privilegiando estas questões, o que vem reforçando ainda mais a
significação de levarmos a frente as nossas buscas e ficarmos atentos às discussões que delineiam
em torno de um tema tão instigante, qual seja, as relações de trabalho, em especial, do trabalho
domiciliar, procurando ver como se apresentam as relações familiares na atualidade, analisando o
que isto representa a nível local numa economia hoje sobre a batuta dos ditames da globalização.
Palavras-chave: globalização; relações familiares; identidade.
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Painel 3: Migrantes e Jovens: os Trabalhadores das Usinas de Cana de Açúcar
José Aderivaldo S. da Nóbrega (Mestrando do PPGCS/UFCG)
Giovana A. Nascimento (Graduando Ciências Sociais UFCG)
Jaqueline M. F. Martins (Graduando Ciências Sociais UFCG)
A expansão da agricultura canavieira no Estado de São Paulo se intensificou na década de 50 com
a valorização do açúcar no mercado internacional, proporcionando o crescimento do mercado
interno e o direcionamento de investimentos, antes alocado na cafeicultura e em outros setores
econômicos. Houve implantação de novas usinas açucareiras, aquisição de terra para o plantio da
cana,bem como a modernização do processo produtivo (Novaes, 2007). Isso ampliou o mercado
de trabalho e a contratação de trabalhadores migrantes. A modernização do setor canavieiro não
extinguiu a necessidade da força de trabalho manual, mas passou a exigir que os trabalhadores do
corte fossem hábeis, resistentes, fortes, capazes de atender as regras de qualidade e quantidade
de cana cortada. Os trabalhadores desejáveis para este trabalho, pelo que identificamos na
pesquisa, são migrantes, em geral, jovens, provenientes de regiões caracterizadas pelo acesso
precário à terra e pela produção orientada primordialmente para o auto-consumo. São
trabalhadores socializados no trabalho agrícola e, portanto, tem o corpo disciplinado para as
exigências do corte de cana. Na pesquisa “As migrações sazonais dos jovens rurais” realizada no
ano de 2008, coordenada por Marilda Aparecida de Menezes, analisou-se o processo de migração
entre moradores das áreas rurais e urbanas dos municípios de São José Piranhas e Tavares,no
Sertão Paraibano e identificamos que a migração para a região metropolitana de São Paulo, que
no período de 1950 a 1980 era direcionada para empregos urbanos. Na década de 90, a
reestruturação do setor sucro-alcooleiro transformou o Estado de São Paulo no principal produtor
de cana-de-açúcar do Brasil, proporcionando um re-direcionamento do processo migratório do
sertão paraibano para regiões canavieiras. Se para as usinas, a força de trabalho dos jovens
migrantes é fundamental para garantir altas taxas de produtividade da atividade canavieira, para
os jovens, a migração tem outros significados. Assim, o objetivo principal desse artigo é verificar,
de um lado, os critérios utilizados pelas usinas na contratação de jovens migrantes para o corte da
cana em usinas em São Paulo e, de outro lado, compreender os significados do trabalho nas usinas
para a autonomia dos jovens e reprodução social de suas famílias. Trata-se de uma estratégia de
reprodução da família e busca de autonomia do jovem, tanto para atendimento de suas
necessidades sociais, especialmente itens de consumo, quanto de realização de investimentos em
suas localidades. (MENEZES, 2007; MORAES, 2007 apud NOVAES, 2007). Identificamos que são na
maioria jovens com idade entre 18 a 29 anos e baixa escolaridade. Tradicionalmente, a migração
temporária para safras agrícolas é de caráter sazonal, ou seja, em torno de 6 meses por ano. No
entanto, os processos de modernização do plantio, limpa, colheita da cana estão prolongando a
safra para até 9 meses e isso influencia diretamente o tempo de separação dos homens de suas
namoradas, esposas, mães e demais familiares, vizinhos e amigos. Quando retornam para suas
localidades, os trabalhadores tem se dedicado não mais ao trabalho no roçado da família, mas
buscam repor as energias, se recuperar de lesões e se preparar para próxima safra.
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Painel 4: Mudanças e Permanências: Sentidos e Identidades do Trabalho de
Lavagem de Roupas em uma Economia Tradicional e uma Economia de Serviços
Moderna
Andréa Monteiro da Costa (Mestranda do PPGCS/UFCG)
Como a mesma atividade laboral adquire sentidos e serve de base para identidades sociais
distintas em contextos sócio-econômicos distintos? Esta a questão central do trabalho que
tencionamos apresentar. A abordagem que iremos fazer não se ancora, entretanto, em uma
revisão da literatura recente sobre as mudanças no mundo do trabalho e tampouco em uma
tentativa de demarcar uma base teórica para o enfrentamento da discussão. O que iremos analisar
é um processo concreto de mudança de sentidos e de redefinição identitária de uma atividade
laboral, no caso a lavagem de roupas, com base na trajetória de atores sociais bem identificados.
No caso, as próprias lavadeiras. Os referentes empíricos que embasam o presente trabalho
originam-se das seguintes aventuras de investigação social: a) um trabalho etnográfico sobre uma
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matriarca de uma família residente na localidade de Moita Verde, área rural engolida pela mancha
urbana da região metropolitana de Natal, situada no município de Parnamirim, e, há alguns anos,
identificada pelo INCRA e por algumas ONGs locais como “comunidade quilombola”; b) as
observações etnográficas e os registros que captamos quando participei como pesquisadora
auxiliar de uma pesquisa não diretamente relacionada ao mundo do trabalho, mas na qual essa
temática não deixava de aparecer fortemente (trata-se da pesquisa “Saúde e sofrimento social: a
inserção da população negra do RN no SUS”; c) por último, e mais significativo, nos registros já
realizados da história de vida da filha mais velha da matriarca acima mencionada os quais
servem(servirão) de referentes empíricos para o nosso trabalho de dissertação. A articulação com
os contextos sócio-econômicos é feita não tendo como base discussões gerais e moduladas por
proposições teóricas estruturais, mas a partir de uma abordagem que poderíamos identificar
como micro-sociológica. Duas mulheres, mãe e filha, uma nonagenária e uma sexagenária, são as
personagens que dão sentido à narrativa. Dona Nazaré e Dona Miúda, matriarcas de uma família
na qual as mulheres mais jovens transitaram das atividades agrícolas para o trabalho doméstico
em casas das cidades de Natal e Parnamirim. O que era o trabalho de lavagem de roupas em um
contexto sócio-econômico tradicional, no qual o trabalho em casas de família como empregadas
domésticas ou de lavadeiras de roupa a domicilio era um complemento da renda familiar,
assentada ainda, em grande parte, no trabalho agrícola? Como o viés étnico e de gênero modulava
as experiências de trabalho e fornecia os aportes para as identidades das mulheres da
comunidade (Moita Verde)? Que sentidos essas mulheres atribuíam ao seu trabalho e ao lugar no
mundo? Como o mesmo trabalho de lavagem de roupas é redefinido quando passa a ser
organizado como uma prestação de serviços, agora executado pela “Lavanderia Mãe e Filhas”?
Essas perguntas apontam os eixos que estruturarão o texto que servirá de base para a
apresentação. A primeira parte do título deste resumo já indica uma de nossas influências
teóricas. “Mudanças e permanências” é o título de um dos capítulos de “A dominação masculina”,
de Pierre Bourdieu. Deste autor, reteremos a noção de habitus. Articulação entre as “disposições
in-corporadas” e os “esquemas de percepção” de um agente social, o habitus fornece-nos
importantes elementos sobre a trajetória do trabalho de lavagem de roupas em Moita Verde. Esse
o caso, por exemplo, da relação entre o trabalho das mulheres da comunidade como domésticas e
a aquisição dos requisitos exigidos para o trabalho sob nova regulamentação exigido quando da
instituição da “Lavanderia Mãe e Filhas”. Articulando com as elaborações de um clássico da
sociologia brasileira (Florestan Fernandes), teremos elementos para entender porque os homens
da comunidade não conseguiram se encaixar nas atividades da Lavanderia. À primeira vista, essa
“inadaptação” parece expressar mapas mentais baseados nas relações de gênero. Entretanto,
problematizando para além das conexões fáceis e dos esquemas de leituras fornecidos pelo
habitus acadêmico “politicamente correto”, trata-se de ir além. Nesse sentido, devemos nos
perguntar, atualizando questões propostas pelo autor de “A integração do negro na sociedade
classes”, sobre a ausência, entre os homens de Moita Verde, dos “pré-requisitos sócio-psíquicos”
para a navegação social em um mundo do trabalho flexível.
Palavras-chave: trabalho, serviços, comunidade, mercado, relações de gênero e quilomb
Sessão 4
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PRÁTICAS SINDICAIS URBANAS REVISITADAS
Coordenador: Graça Druck (UFBA)
Debatedor: José Ricardo Ramalho (UFRJ)
1. A Inovação das Relações de Trabalho Subordinado e a Revogação da Portaria
MME N. 865/1995: O Papel da Autonomia Privada Coletiva No Brasil
Beatriz Cardoso Montanhana (Doutoranda da Faculdade de Direito da USP)
O objeto do estudo proposto é abordar a importância da avaliação da adequação dos
instrumentos coletivos de trabalho à legislação trabalhista vigente, em especial à proteção
constitucional dos direitos sociais. O principal objetivo é analisar como, em nome da proteção da
autonomia privada coletiva, o sistema juslaboral arriscou a garantia de proteção dos direitos
sociais, com fundamento na Portaria MTE n. 865/1995, afastando do crivo da fiscalização do
trabalho a discussão do mérito das cláusulas de instrumentos normativos coletivos. Como objetivo
secundário, contempla-se a fragilização do movimento sindical e do poder de barganha, em razão
das inovações impostas pelos novos modelos de contratação e pelas circunstâncias econômicas
que acompanharam o processo denominado por “flexibilização trabalhista”. Enfim, no contexto
das disputas financeiras e comerciais, o capital, muitas vezes, impõe seu código – lucro/prejuízo –
para gerenciar as relações humanas que envolve, sendo uma delas a trabalhista. Porém, se o
código do capital é objetivo e mensurável matematicamente, as necessidades humanas são
previsíveis, mas nem sempre adaptáveis a um balanço contábil. Disso resulta a importância de
determinadas normas de proteção ao trabalhador, que correspondem a direitos fundamentais,
razão pela qual não são renunciáveis. Será utilizado o método dogmático-jurídico para avaliar as
transformações legais e as decisões judiciais relacionadas com o fenômeno a ser estudado: o
impacto da Portaria MTE n. 865/1995. Para tanto, recorrer-se-á a textos legais (pesquisa
documental) e doutrina (pesquisa bibliográfica). Quanto ao objetivo secundário, será empregado o
método de análise sócio-jurídica, para identificar os problemas que as transformações operadas
na sociedade de trabalho – por exemplo, terceirização e automação – promoveram no movimento
sindical brasileiro. O resultado a ser alcançado é a constatação de que o movimento sindical
brasileiro, na maioria das categorias econômicas representadas, não detém poder de barganha
suficiente para promover implementos nas condições de trabalho. No mais das vezes, a tendência
é tentar adequar a legislação vigente aos interesses imediatos da economia em transformação,
como se observa, por exemplo, com a fixação da jornada de 12X36. O fator a ser destacado,
resultante desse contexto, foi a vigência da Portaria MTE n. 865/1995 por quase 10 (dez) anos,
dado que sua revogação se deu em abril de 2004. O que se busca concluir, ao fim, é que uma
prática habitual do dano à saúde, “consagrada em instrumento coletivo”, afronta direitos sociais
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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constitucionalmente garantidos no artigo 6º da Constituição Federal. É cediço que o ordenamento
jurídico confere aos sindicatos das categorias econômicas e profissionais ou ao sindicato
profissional e a empresa a possibilidade de celebrarem convenções ou acordos coletivos,
respectivamente. Trata-se de normas decorrentes do exercício da denominada autonomia privada
coletiva e constituem, substantivamente, normas jurídicas típicas. O reconhecimento de a
fiscalização do trabalho avaliar a adequação do instrumento coletivo à dinâmica constitucional
permite conferir maior garantia para os trabalhadores e até mesmo para as entidades sindicais,
que, motivadas pelas contingências, poderiam adotar medidas inadequadas à proteção da vida e
da saúde humanas. A solução é a aplicação harmônica dos princípios e normas constitucionais, na
medida em que os representantes sindicais, ao exercitar o poder jurígeno conferido
constitucionalmente, não olvidem um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: os
valores sociais do trabalho.
Palavras-chave: autonomia privada coletiva, flexibilização, movimento sindical, fiscalização do
trabalho.
2. Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical: A experiência dos
Portos do Rio de Janeiro e de Santos
Maria Dalva Casimiro da Silva (Doutoranda em Serviço Social pela UFRJ)
O presente artigo é o desdobramento de um estudo realizado na dissertação de mestrado
defendida na Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro no ano de 2007.
Nela foram apresentados alguns aspectos que definem a relação de trabalho no cais do porto do
Rio de Janeiro levando-se em consideração o perfil dos trabalhadores portuários avulsos. Neste
sentido, foram considerados os aspectos histórico-culturais, políticos e sócio-econômicos tendo
como ótica a inserção desses trabalhadores em um novo cenário configurado pelo processo de
Reestruturação Produtiva e de Globalização que passam a determinar as relações entre capitaltrabalho. Interessa-nos aqui discutirmos sobre as relações de trabalho que ocorrem em um
ambiente de constante tensão, cujas reivindicações e negociações colocam em destaque a figura
dos sindicatos. Para tanto destacaremos os portos e os sindicatos do Rio de Janeiro e de Santos
por carregarem em sua historicidade a marca de um cenário de constantes lutas, resistências e
reivindicações. Destarte, o objetivo desse trabalho é apresentar uma análise sobre as mudanças
que vêm ocorrendo no sistema portuário, explorando o papel que os sindicatos vêm empenhando
nesse processo, bem como destacar questões pertinentes à identidade operária e à tradição e
capacidade de lutas dos trabalhadores. Dessa forma, é importante sinalizar o significativo
surgimento das Uniões de Operários, que no século XIX demarcaram o início da organização dos
trabalhadores, mais precisamente dos estivadores, em torno da luta por direitos sociais, dando
origem para tanto e posteriormente, aos sindicatos e à Federação Nacional dos Estivadores na
primeira metade do século XX. Apresentar o modo como os trabalhadores, bem como os seus
sindicatos de classe, estão vivenciando o processo atual de mudanças é, de certa forma,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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considerar necessariamente os embates cotidianos entre capital-trabalho, dessa forma
materializados pelos próprios, de um lado, e de outro, pelos seus empregadores no processo
produtivo. Nesse sentido, torna-se de grande monta situarmos o trabalhador dentro desse
processo, podendo considerá-lo enquanto sujeito do processo de trabalho. Interessa-nos,
portanto, discutirmos sobre as relações de trabalho em um ambiente de constante tensão,
provocadas pelas mudanças já postas em questão e que coloca no centro das relações, tanto de
reivindicações quanto de negociações, a figura do sindicato que, cumprindo ou não em sua
cotidianidade papel essencial na vida dos trabalhadores portuários avulsos, tem a sua importância
pela sua historicidade, lutas e conquistas já obtidas no panorama nacional.
Palavras-chave: Sindicatos, trabalhadores, modernização, resistência, relações de trabalho.
3. A Violência Anti-sindical como Fenômeno Regulador dos Conflitos Sociais,
Territoriais e Trabalhistas - Um Estudo Comparativo dos Casos da Colômbia e da
Venezuela
Jana Silverman (Doutoranda do Instituto de Economia da UNICAMP)
Apesar dos avanços normativos no direito internacional do trabalho e a propagação de conceitos
como a “responsabilidade social empresarial” que em algumas das suas formas apregoam pela
instauração de relações trabalhistas mais abertas, o fenômeno da violência anti-sindical segue
atingindo, açoitando, e transformando as realidades dos trabalhadores sindicalizados em vários
dos paises da América Latina. Segundo a Confederação Sindical Internacional (CSI), a Colômbia
continua sendo o país mais perigoso no mundo para realizar o trabalho sindical, com outros paises
latino-americanos como a Guatemala e a Venezuela seguindo-la nesta lista da infâmia. Esta
violência sistemática e sustenido no tempo age para inibir que os dirigentes e ativistas sindicais
exercem suas lideranças em defesa dos direitos trabalhistas e humanos tanto dentro dos lugares
do trabalho como na sociedade em geral. Em particular, a ameaça e a realização de fatos
violentos que violam os direitos fundamentais a vida, liberdade e a integridade pessoal dos
trabalhadores sindicalizados - que costuma ocorrer com mais freqüência precisamente em
momentos de conflitos trabalhistas como greves e negociações coletivas - servem para
reconfigurar as relações entre os sindicatos, empresas e Estado, assim criando uma nova forma de
regulação dos conflitos no trabalho através do terror e o medo, fora do arcabouço jurídico
nacional e internacional. Alem disso, a violência anti-sindical é utilizada como uma estratégia
chave nas lutas por controle territorial em espaços onde atores semi-estatais e nao-estatais como
grupos paramilitares e máfias procuram se estabelecer como poderes hegemônicos no âmbito
econômico, político, e cultural. Através deste mecanismo cru e bárbaro da eliminação física dos
sindicalistas, estes poderes territoriais emergentes e ilegítimos não só consigam silenciar os
reclamos para melhores condições trabalhistas e mais transparência na gestão das empresas e a
administração publica, senão também quebrar o tecido social (e os valores éticos, princípios
políticos, e memória histórica encarnada em ele) construído pelas organizações sindicais e sociais
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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da região em disputa. Com um olhar especifico nos casos da Colômbia e a Venezuela, este paper
tentará analisar como a ausência, ineficiência ou parcialidade dos atores estatais, combinada com
o desprezo empresarial da atividade sindical, incorre na utilização da violência anti-sindical como
mecanismo regulador e punitivo em distintos territórios. Em particular, a pesquisa se concentrará
na dinâmica da violência anti-sindical nas regiões de Magdalena Medio na Colômbia e o estado de
Bolívar na Venezuela, onde atores estatais, não-estatais, e empresariais competem para o controle
político e econômico sobre o território e seus recursos naturais abundantes, como petróleo e
ferro. Nestas duas regiões, se analisará como a desregulamentação e flexibilização do mercado do
trabalho complementa a estratégia da violência anti-sindical para frear o desenvolvimento social
local e concentrar ainda mais o poder e a riqueza nas mãos da classe dirigente. Finalmente, este
paper apresentará as propostas oferecidas pelo movimento sindical para quebrar o circulo vicioso
da violência e instaurar processos de dialogo social e democratização nos territórios atingidos.
Palavras-chave: violência anti-sindical, América Latina, relações trabalhistas, diálogo social,
disputas territoriais.
4. Conflitos Trabalhistas Coletivos: Mobilização, Interesses e Lutas por
Reconhecimento
José Luiz de Oliveira Soares (Doutorando do PPGSA/UFRJ)
A pesquisa tem por objetivo compreender como os trabalhadores dos anos 2000 vêm conduzindo
suas ações em conflitos trabalhistas coletivos, em especial aquelas desenvolvidas em meio a
negociações diretas com o patronato e a recorrência à Justiça do Trabalho. Tem-se por intenção
lançar luz sobre as relações existentes entre a identidade de grupo dos trabalhadores, a cultura
política e de direitos dos mesmos e as práticas sindicais no sentido de dirimir conflitos coletivos
nas relações de trabalho. Nesses termos, interessam-nos os procedimentos organizados de
mobilização dos mesmos, as negociações coletivas em trânsito com o Estado ou com o patronato,
as práticas cotidianas de resistência e, de uma forma geral, os elementos presentes na
constituição da ação coletiva no movimento sindical dos anos 2000. A pesquisa, ainda em fase
inicial, tem por intuito se deter sobre o processo (o percurso, o “trânsito”) de definição de
estratégias interno às correntes e organizações sindicais, isto é, sobre conflitos e sinergias,
disputas e compromissos firmados ao longo da história recente do movimento sindical entre
diferentes preferências dos envolvidos na constituição da política sindical (dirigentes de entidades
sindicais, militantes destacados, lideranças de oposição, as bases sindicais etc.) num dado
horizonte institucional de relações de trabalho. Optamos por analisar as experiências, práticas e
valores de duas categorias: os metalúrgicos e os bancários. A escolha se justifica, de um lado, por
estas categorias estarem entre os setores mais fortes e mobilizados no movimento sindical
brasileiro; de outro, pelo fato dos metalúrgicos terem a tradição de conduzirem as negociações
coletivas diretamente na interação com o empresariado e no plano local, do que se diferem os
bancários, os quais conduzem a negociação coletiva no plano nacional e com uma maior tradição
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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de recorrer à Justiça do Trabalho para dirimir conflitos trabalhistas. Acreditamos que a
comparação entre tais situações diferenciadas pode ser reveladora de continuidades e
descontinuidades nas práticas e concepções dos trabalhadores. Procuraremos entender como os
metalúrgicos e bancários têm conduzindo ações coletivas atentando para duas matrizes de análise
dos movimentos sociais e de explicação dos motivos que levam ao protesto, à rebelião e à
resistência. A primeira é a dos “interesses”, segundo a qual as lutas sociais obedecem mais ou
menos à persecução de interesses coletivos. Nesses casos, a coletividade se mobiliza em nome de
interesses materiais e do resguardo de suas condições de sobrevivência econômica. Os interesses
se tornam uma questão coletiva na medida em que os sujeitos de um dado grupo tomam
consciência de compartilharem a mesma situação social e se vêem por isso confrontados com o
mesmo tipo de metas e tarefas vinculadas à reprodução social. A segunda é aquela que se detém
sobre a importância da experiência “moral” de desrespeito e da “luta por reconhecimento” para
explicar os processos de surgimento dos movimentos sociais. Nesse caso, os homens se
empenham em atos coletivos de resistência e de rebelião como reação ao desrespeito a
expectativas que possuem quanto a seus valores, formas de vida e elementos identitários. Os
sentimentos de desrespeito (ou de injustiça) podem ganhar expressão de um conflito coletivo e se
tornar um assunto público na medida em que envolve princípios normativos e representações
axiológicas sociais compartilhadas por sujeitos que em alguma medida experienciam uma situação
social homóloga. Sendo assim, a experiência do desrespeito pode ser interpretada por eles como
uma ferida crucial para todo um grupo e se tornar uma fonte emotiva e cognitiva de resistência
social e de protestos coletivos pelo reconhecimento de relações que considerem mais justas. A
pesquisa deve ser realizada a partir de: 1) pesquisa bibliográfica (incluindo aí dados fornecidos
pelo DIEESE); 2) fontes documentais junto aos organismos sindicais (boletins, jornais, periódicos,
materiais de campanhas etc.); 3) fontes documentais junto a instituições jurídicas e políticas, tais
como procedimentos internos, procedimentos extrajudiciais, dissídios coletivos e ações civis
públicas trabalhistas escolhidos por amostra qualificada; 4) entrevistas com atores selecionados; e
5) observação etnográfica em situações que se revelem convenientes de acordo com os objetivos
da pesquisa, tais como plenárias, reuniões, mobilizações e julgamentos na Justiça do Trabalho.
Palavras-chave: Metalúrgicos, Bancários, Ação Coletiva, Interesses, Desrespeito, Luta por
Reconhecimento.
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5. Sou Metalúrgico, Mas não Sou de Ferro: a Relação entre a Justiça e Sindicato no
Caso Sermetal
Luisa Barbosa Pereira (Doutoranda do PPGSA/UFRJ)
A crise da dívida externa marcou o desempenho da economia nacional nos anos 80 e trouxe
implicações para o mercado de trabalho (KREIN, 2007). Tal cenário serviu como pano de fundo
para a “avalanche neoliberal” nos anos 90 e o estímulo à flexibilização do mercado de trabalho
(CARDOSO, 2003a). Contudo, acabávamos de construir uma vitória substantiva na esfera da
proteção social. A Constituição de 1988 avançou na capacidade de proteção do Estado aos
trabalhadores e na consolidação da democracia no Brasil (WERNECK VIANNA, 2008). Também
estimulou o protagonismo do Ministério Público do Trabalho, que passou a ser um órgão ativo,
defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis (SADEK, 2008). Nesse cenário vimos um
aumento de dissídios individuais, mostrando a tentativa do trabalhador em garantir seus direitos
conquistados institucionalmente e burlados no interior do ambiente de trabalho (CARDOSO,
2003b). Os sindicatos, progressivamente, passam também a explorar as esferas da Justiça.
Incrementam seus departamentos jurídicos, demandam fiscalização do Ministério Público do
Trabalho e cada vez mais buscam sensibilizar a Justiça do Trabalho em sua defesa.
Compreendendo essas questões, tomou-se como objeto central dessa pesquisa perceber de que
maneira um sindicato tradicional têm buscado novas estratégias nos anos recentes para garantir
os direitos dos trabalhadores de sua base e a proteção social do Estado a partir do protagonismo
do Poder Judiciário. Tal objetivo foi perseguido através do estudo de um caso emblemático que
envolveu cerca de 1.000 trabalhadores do setor naval – os quais entre os anos 2006 e 2009
tiveram seus direitos trabalhistas descumpridos constantemente –, o Sindicato dos Metalúrgicos
do Rio de Janeiro, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a empresa Sermetal
Estaleiros, e suas subsidiárias. O Sindicato atuou como substitutivo processual, representando os
trabalhadores frente à Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Tal postura
evidenciou um processo rico e contraditório em que trabalhadores e o Sindicato fizeram escolhas,
avaliaram opções de encaminhamento para a resolução do caso, buscaram esgotar as
possibilidades de negociação com a empresa, promoveram denúncias ao Ministério Público do
Trabalho, procuraram a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e, por fim, a Justiça do Trabalho.
A última ação do Sindicato e dos trabalhadores mostrou uma postura ousada frente à empresa: a
rescisão indireta do contrato de trabalho. Os trabalhadores adotam a “palavra de ordem” justa
causa pro patrão e acusam o Estaleiro Sermetal de descumprir suas obrigações como empregador.
O Sindicato procurou resistir à intermediação da Justiça do Trabalho. Contudo, recorre a ela após
inúmeras tentativas de negociação e denúncias ao Ministério Público do Trabalho. Os
trabalhadores do Estaleiro Sermetal já somavam cerca de seis meses sem receber salário e a
assessoria jurídica do Sindicato sugeriu, como única saída, a rescisão indireta do contrato de
trabalho para a garantia imediata da liberação do Fundo de Garantia e o pagamento das verbas
rescisórias. Por fim, a estratégia do Sindicato é vitoriosa e toda sua movimentação política ao
longo do caso – promovendo manifestações, audiências com atores da Justiça e do poder
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legislativo, negociações com a empresa e suas subsidiárias – foi fundamental para isso. A presente
pesquisa mostrou uma imensa capacidade de articulação de um sindicato através da combinação
de novas estratégias – como as denúncias ao Ministério Público do Trabalho – com estratégias
mais tradicionais – tais como as paralisações na empresa. O ambiente de consolidação
democrática e de fortalecimento das instituições foram também elementos fundamentais para o
desdobramento do caso, que evidência ainda, a necessidade de investigação mais profunda sobre
o tema, aliando a pesquisa no campo do sindicalismo e da sociologia do trabalho aos estudos
sobre direitos e judicialização.
Palavras-chaves: Sindicato; Justiça; Trabalho.
6. Os Sentidos da Judicialização da Relação Capital-Trabalho e seus Efeitos na
Dinâmica Sindical
Antonio Teixeira Lima Junior (Mestrando do PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA)
Carla Gabrieli Galvão de Souza (Mestranda do PPGSD/UFF)
Selma Cristina Silva de Jesus (Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA)
Resultante da articulação de pesquisa bibliográfica e de levantamento de dados secundários do
Tribunal Superior do Trabalho (TST), este estudo analisa o fenômeno da judicialização da relação
capital-trabalho nos âmbitos individual e coletivo e seus reflexos para a dinâmica sindical, levando
em conta o contexto de flexibilização da legislação e de precarização do trabalho. A transferência
da solução dos conflitos entre capital e trabalho para a Justiça resulta, em grande medida, do
aumento das demandas trabalhistas individuais. Este aumento expressa um duplo movimento: de
um lado, temos a deslegitimação da norma jurídica entre o empresariado e de outro, a tentativa
por parte dos trabalhadores de fazerem valer seus direitos. Os dados do TST revelam um
crescimento acentuado das ações trabalhistas entre os anos 1986-1990, passando de 4.232.785
novos processos recebidos (em 1981-1985) para 5.582.119 (1986-1990), representando um
aumento de 6,8% de novos casos. Não por acaso, neste período inicia-se uma profunda recessão
na economia brasileira e, nos anos 1990, o movimento sindical brasileiro começa a sofrer os
impactos da reestruturação capitalista. Nestes dois períodos cresce o número de movimentações
processuais na Justiça do Trabalho numa curva ascendente que persiste ao logo dos anos 2000,
incorporando o reflexo do aumento do desemprego na década de 90. Estes dados revelam que o
incremento da taxa de judicialização da relação capital-trabalho é oriundo especificamente do
aumento das demandas individuais, pois desde meados de 1990, constata-se uma queda no
número de demandas coletivas. Os dados do Sistema de Acompanhamento de Contratações
Coletivas do Dieese confirmam a trajetória declinante da taxa de judicialização da negociação
coletiva a partir de 1995. No período 1993-1994, esta taxa passou de 23% para 28,4%, momento
em que alcançou o seu pico. E, a partir daí, há uma queda acentuada até chegar, em 2004, ao
patamar ínfimo de 1,1%. Um dos fatores explicativos dessa redução é o caráter refratário da
Justiça do Trabalho, uma vez que a diminuição do recurso à via judicial é proporcional à crescente
rejeição dos juízes em julgar o mérito dos dissídios coletivos. Se nos anos 80, a Justiça do Trabalho
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respondeu bem às conquistas dos trabalhadores pela via coletiva, na década de 90, esse cenário
sofreu transformações, o que deu ensejo à conclusão de que “no campo do direito coletivo e da
organização dos trabalhadores a Justiça do Trabalho criou obstáculos a uma condição de
avanço”(KREIN; BIAVASCHI, 2007, p. 8). Ocorre que o TST tratou de limitar a função normativa da
Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o uso do Judiciário na
solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Horn (2006), ao analisar os “requerimentos
processuais para a solução judicial dos conflitos coletivos”, afirma que até os anos 90 havia menos
formalidade para a admissão dos dissídios, tendência revertida a partir de 1993, quando o TST
publicou a Instrução Normativa n° 4, a qual abrigava uma maior formalidade procedimental. Foi,
portanto, a partir de meados de 90 que o tribunal adotou o caminho da formalidade
procedimental no que tange aos dissídios coletivos, ao cancelar precedentes normativos positivos
e modificar o conteúdo de outros, gerando as altas taxas de decisões sem o julgamento do mérito.
A mudança de posicionamento do tribunal refletia a conjuntura de então. A valorização das
negociações entre as partes na relação laboral não repercutia apenas nas relações individuais.
Com o novo posicionamento do TST, a regulação das relações coletivas de trabalho fica a cargo da
literalidade da lei e dos consensos entre patrões e empregados. Desse modo, a redução da taxa de
judicialização das negociações coletivas tem relação direta com o fortalecimento da negociação
pela via administrativa. Uma das expressões deste processo é o aumento das convenções e
acordos coletivos realizados pelas entidades patronais e de empregados sem interferência da
Justiça. Krein (2004, p. 46), ao analisar as negociações coletivas na década de 90, afirma que a
maioria dos temas em pauta na mesa de negociação tinha relação com a flexibilização e que não
se havia obtido, por esta via, novos direitos ou conquistas. Importante salientar que os dados
acerca do acionamento da Justiça do Trabalho por trabalhadores individualmente revelam um
nítido processo de busca de concretização de direitos trabalhistas e, conseqüentemente, o não
cumprimento contínuo à legislação pelos empregadores - seja pelo desrespeito a direitos, seja
pela negativa de vínculo ou pela despedida sem pagamento das verbas rescisórias. São condutas
que forçam os trabalhadores a ingressarem no judiciário como único meio de efetivar seus
direitos, arcando com o ônus de provar seus pedidos e com a realidade da espera de meses ou
anos. Atrele-se a estas condutas o fato de os empregadores valerem-se das condições de
necessidade do desempregado para fazerem acordos lucrativos, prática que contribui para a idéia
de que a Justiça do Trabalho transformou-se em um “balcão de negócios”. Tem-se, portanto, um
contexto que desafia o caráter benéfico da judicialização, apresentando elementos que
demonstram o uso do judiciário como estratégia capitalista de dominação sobre o trabalho.
Contexto este que revela os reflexos de uma judicialização ao revés para os dissídios coletivos e a
obrigatoriedade das negociações coletivas como caminho para a atuação sindical.
Palavras-chave: judicialização, legislação trabalhista, precarização do trabalho e sindicatos.
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7. Práticas Sindicais na Toyota do Brasil: os Casos de São Bernardo do Campo (SP)
e Indaiatuba (SP)
Gustavo Takeshy Taniguti (Mestrando do PPGS/USP)
Este texto analisa as formas pelas quais os sindicatos metalúrgicos de duas unidades produtivas de
uma mesma empresa automobilística organizaram suas ações a partir de um contexto de grandes
mudanças, iniciado a partir da década de 1990. São objetos de análise os trabalhadores de duas
unidades da Toyota Motors Co. do Brasil: a de São Bernardo do Campo, localizada na região do
ABC paulista, e a de Indaiatuba, localizada na região de Campinas-SP. Procuramos colocar em
discussão as práticas do Sindicato dos metalúrgicos do ABC, localizado em uma tradicional região
industrial e também as do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, que representa um
novo território produtivo brasileiro. No contexto das recentes transformações ocorridas no setor
automotivo brasileiro, especialmente a partir da década de 1990, as estratégias de racionalização
do processo produtivo desconfiguraram as formas tradicionais de ação sindical e de organização
do trabalho, fazendo com que os atores sociais se repensem nesse contexto de mudanças. Ao
mesmo tempo em que os sindicatos discutem novas possibilidades de atuação, as empresas do
setor buscam adaptar os trabalhadores ao formato da fábrica “enxuta”. Esta pesquisa procura
sistematizar uma discussão a respeito dos trabalhadores e dos sindicatos da Toyota do Brasil no
contexto recente de abertura de novas plantas produtivas e de transformações na atuação dos
sindicatos metalúrgicos, que tem início a partir da metade da década de 1990. Dentro deste
debate sindical, a atenção se volta para aqueles que representam os trabalhadores da Toyota: o
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região. Em
ambos os casos, o objetivo é se debruçar sobre as atividades sindicais nesta empresa,
relacionando-as a movimentos sindicais mais gerais. De uma forma geral, no caso do ABC Paulista,
essas atividades dizem respeito a práticas que surgiram como alternativa a um novo contexto da
indústria automobilística brasileira, marcado em grande parte por demissões, processos de
reestruturação, modernização, adoção de novas tecnologias e pela desterritorialização de
unidades produtivas. Quanto ao Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, as práticas
sindicais em questão dizem respeito às suas principais formas de atuação a partir do crescimento
de um novo contingente de trabalhadores frente a um cenário anterior caracterizado pelo
desemprego e por processos de modernização produtiva. Argumenta-se que com o crescimento
das atividades da Toyota no Brasil houve uma ampliação na atuação sindical de seus
trabalhadores, mas percorrendo dois caminhos distintos. Um breve esboço daquilo que sugiro
chamar de dois “padrões de sindicalismo” nos oferece pistas para compreender quais foram as
alternativas colocadas em prática por estes sindicatos. Por um lado, as atividades sindicais na
unidade da Toyota de São Bernardo do Campo desenvolveram-se especialmente a partir da
metade da década de 1990, acompanhando a tendência de organização por local de trabalho e
negociação por empresa do sindicalismo do ABC. Por outro lado, na unidade da Toyota de
Indaiatuba, as atividades sindicais mais expressivas têm início no final daquela década e, apesar de
ali também haver uma tendência às negociações por empresa desde os anos 80, a maioria dos
temas negociados ainda dizia respeito aos salários (reajuste, reposição de perdas, aumento real,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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piso salarial) e às condições de trabalho (refeitório, convênio médico, condições de trabalho
insalubres e perigosas, renovação de benefícios sociais) (ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001). Quanto
à estrutura de representação interna e à organização sindical, também há diferenças marcantes
entre o sindicalismo do ABC e o de Campinas: no primeiro vigora atualmente um modelo “híbrido”
de representação interno às fábricas, que contempla as comissões de fábrica e os comitês sindicais
de empresa. Já no segundo caso, oficialmente não há representação sindical interna, o sindicato
atua, portanto, fora dos portões das fábricas. Em um primeiro momento do artigo introduzo um
debate sobre a indústria automobilística brasileira, localizando a discussão sobre os trabalhadores
e seus sindicatos. Em seguida, apresento o contexto geral que envolveu o sindicalismo metalúrgico
durante a década de 1990, ressaltando os casos do ABC Paulista e de Campinas. Baseado nos
dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho), realizo uma
breve caracterização das regiões de Campinas e do ABC Paulista em termos de emprego e mão-deobra do setor. Por fim, busco demonstrar quais foram as principais ações sindicais mais recentes
na Toyota do Brasil. Assim, algumas questões podem ser levantadas: quais foram os caminhos
percorridos pelos sindicatos metalúrgicos face às dificuldades encontradas durante a década de
1990? Quais os impactos que a abertura de novas plantas produtivas teve para a ação sindical de
antigas e novas localidades? Quais foram as demandas e as ações dos trabalhadores da Toyota
nesse período?
Palavras-chave: Toyota; Reestruturação produtiva; Sindicalismo; Indústria automobilística; Antigos
e novos territórios produtivos.
Trabalhos Completos
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As Profissões Informacionais no Brasil
Luciana Garcia de Mello18
Apresentação
Após o término da Segunda Guerra Mundial o fordismo se impôs como um novo modo de
regulação do sistema capitalista. Além de aumentar a produtividade e o lucro, obteve-se com o
fordismo o aumento do consumo. A ideia era produzir em grande escala para um mercado
consumidor massificado. Ao mesmo tempo em que o fordismo foi implementado, adotou-se a
política keynesiana do pleno emprego e houve o fortalecimento do Estado, que passou a
desenvolver uma série de políticas sociais universalistas em diferentes áreas, tais como saúde e
educação. Offe (1991) sublinha que o Estado Social serviu como a mais importante fórmula de paz
para as democracias desenvolvidas. Essa fórmula consistia basicamente na obrigação explícita do
mecanismo estatal de proporcionar assistência e apoio (seja em dinheiro, seja em serviços) aos
cidadãos que caem na miséria ou sofrem riscos especiais, característicos da sociedade de
mercado. De acordo com Hobsbawm (2000), Estado de Bem Estar, no sentido literal da palavra,
isto é, aquele em que a despesa com a seguridade social se tornou a maior parte dos gastos
públicos, aparecem efetivamente por volta da década de 1970. Ainda segundo o autor, no fim
dessa mesma década, todos os estados capitalistas avançados haviam adotado essa configuração.
Quanto à economia, o panorama também se mostrava bastante favorável. Os sinais de
prosperidade, nos países europeus e mesmo em alguns países do então chamado Terceiro Mundo,
eram evidentes. De um modo geral, a economia estava em plena expansão e os Estados Unidos
assumiu a hegemonia da produção industrial. O sistema capitalista estava “organizado”, pois as
alterações nos ciclos de prosperidade e depressão tornaram-se mais brandos e o Estado tinha um
papel fundamental na regulação e no funcionamento do mercado, bem como na regulação do
conflito entre o capital e o trabalho.
Entre os anos 50 e 70, fase de reestruturação e reforma do sistema capitalista, já começava a
ocorrer um avanço no processo de globalização e internacionalização da economia, que propiciou
o fortalecimento do mercado mundial, tendo em vista o aumento das importações e das
exportações. A Revolução Industrial deixou de ficar restrita aos países capitalistas avançados.
18
Profª Drª Colaboradora PPGS/UFRGS
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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Ainda assim, foi nesse período que houve o desenvolvimento pleno da sociedade salarial (CASTEL,
1998). O crescimento da economia nos países industrializados fez com que a classe operária
aumentasse quantitativamente. Novos contingentes de mão-de-obra foram atraídos da zona rural
e da imigração estrangeira; elevou-se a participação das mulheres no mercado de trabalho.
Cumpre salientar ainda que no mundo desenvolvido (com exceção dos Estados Unidos), o
desemprego era quase inexpressivo, sendo que a média europeia era de 1,5% e o Japão
apresentava uma taxa de 1,3% na década de 1960 (HOBSBAWM, 2000). Se por um lado, como
afirma Harvey (2009), os movimentos operários radicais foram duramente combatidos, por outro
a classe trabalhadora obteve conquistas, em termos de rendimento e de direitos, sem
precedentes na história do capitalismo. Esse período se estendeu até meados da década de 1970,
sendo conhecido como a “Era de Ouro” do sistema capitalista.
A combinação do fordismo com a política keynesiana do pleno emprego começou a mostrar
sinais de fraqueza já nos anos 1960. Há vários motivos para a crise desse modelo. Um fator
importante era a forte desigualdade. Harvey (2009) destaca que o fordismo não se disseminou da
mesma forma em todas as localidades. As diferenças podem ser explicadas internamente pela
situação das relações de classe e externamente pela posição hierárquica dos Estados na economia
mundial. Deve-se considerar também as disparidades entre os países ricos e pobres e entre a
população dos países desenvolvidos que foi integrada e aquela que não obteve o mesmo êxito.
Todavia, o fator crucial para a crise foi a acentuação das contradições do sistema capitalista. Em
meados dos anos 1960, o poder dos Estados Unidos de regular o sistema financeiro internacional
entra em declínio e a onda de industrialização fordista intensifica a competitividade entre os
países. Na década seguinte, ocorreu o choque do petróleo em 1973, houve uma forte deflação
entre 1973 e 1975 e o Estado foi atingido por uma crise fiscal.
O sistema capitalista entrou em uma nova fase. Tem-se agora um capitalismo desorganizado,
retomando a expressão cunhada por Lash e Urry e citada por vários autores. Houve o
desenvolvimento de um mercado mundial integrado, desconcentração do capital e
descartelização, o Estado-Nação já não é a referência principal, o fordismo é substituído pela
acumulação flexível e há um processo de desindustrialização (KUMAR, 1997). Harvey (2009) não
concorda com essa visão de capitalismo desorganizado e considera que o sistema está se
organizando através da dispersão, da mobilidade geográfica e da flexibilização do mercado de
trabalho, do consumo e da produção, tudo isso acompanhado por pesadas doses de inovação.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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Ainda segundo o autor, a organização tornou-se mais coesa por causa das informações precisas e
atualizadas que são agora uma mercadoria muito valorizada. E um elemento ainda mais
importante foi a completa reorganização do sistema financeiro global e a emergência de poderes
imensamente ampliados de coordenação financeira. De um lado, houve formação de
conglomerados e corretores financeiros de extraordinário poder global e, de outro, ocorreu uma
proliferação e descentralização das atividades e fluxos financeiros inéditos. Castells (1999)
também partilha da mesma opinião de Harvvey em relação à globalização do capital e de sua
estruturação em fluxos financeiros e ainda salienta que a capacidade de investimento tornou-se
ilimitada. Assim, com a ascensão do capitalismo financeiro, praticamente todos os setores de
atividade podem ser alvo de investimento. As mudanças não se restringiram à economia,
atingindo o conjunto da sociedade. Assim, no final da década de 1960 e início da década de 1970,
surgiram novas teorias sobre a mudança social, que enfatizavam o desenvolvimento de um
processo de ruptura que levaria a uma sociedade pós-industrial ou pós-moderna. O objetivo desse
artigo é apresentar os pontos em discussão sobre a sociedade pós-industrial, focalizando,
sobretudo, as questões referentes às mudanças no trabalho. Em uma segunda etapa, apresenta-se
uma análise pautada no contexto brasileiro e, utilizando-se os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio (PNAD) de 2006, mostra-se um quadro do mercado de trabalho da nova
economia.
1. A sociedade pós-industrial e o trabalho
De acordo com Kumar (1997), Daniel Bell foi o primeiro estudioso a rotular a sociedade
moderna como “pós-industrial”, mas há outros proponentes dessa teoria. Daniel Bell expôs suas
ideias, sobretudo, no livro The Coming of Post Indusrtrial Society (1973), já Peter Drucker
escreveu, em 1969, The Age of Discontinuity e Alvin Tofler publicou, em 1970, a obra O Choque do
Futuro. Essas obras tinham em comum, ainda segundo Kumar, o fato de indicar uma transição
provavelmente incômoda para uma nova sociedade que seria tão diferente da sociedade industrial
quanto esta fora da sociedade agrária. A principal característica da sociedade pós-industrial está
no desenvolvimento da nova tecnologia da informação e da comunicação. Desse modo, diversos
autores enfatizam que na nova sociedade, o modo como o conhecimento e a informação são
distribuídos, bem como a maneira que esses elementos são acessados, determina a organização
social e as hierarquias sociais. Mas a ideia de pós-industrial enfatiza também a superação de um
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modelo de sociedade que tinha por núcleo as atividades industriais e o trabalho industrial. Kumar
afirma que há teorias que chamam a sociedade pós-industrial de pós-fordista para indicar a
ruptura com os padrões e práticas capitalistas até então vigentes; e outras que são mais
abrangentes que categoriza a nova formação social de pós-moderna, sublinhando as
transformações culturais, políticas e econômicas. Castells (1999), por sua vez, sublinha que há um
padrão de organização não apenas da economia, mas também da sociedade, que se configura
como uma rede. A rede representa um conjunto de nós interconectados. Os nós podem ser
definidos de várias maneiras, dependendo do tipo de rede que fazemos referência. Assim, os nós
podem ser mercados de bolsas de valores, conselhos de ministros, laboratórios clandestinos,
sistemas de televisão, etc. A topologia em redes determina que distância entre dois pontos (ou
posições sociais) é menor se ambos os pontos forem nós de uma rede do que se não pertencerem
à mesma rede. Em outras palavras, a inclusão na rede diminui a distância, sendo algo preferível à
exclusão. Assim, na perspectiva do autor essa estrutura apresenta uma série de benefícios para a
sociedade.
Uma estrutura social com base em redes é um sistema aberto altamente dinâmico
suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio. Redes são instrumentos
apropriados para a economia capitalista baseada na inovação, globalização e
concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas voltadas para a
flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e reconstrução
contínua; para uma política destinada ao processo instantâneo de novos valores e
humores públicos; e para uma organização social que vise a suplantação do espaço e
invalidação do tempo (CASTELLS, 1999, p.498).
O autor salienta também que a morfologia da rede é uma fonte de considerável reorganização
das relações de poder. As conexões que ligam as redes são instrumentos privilegiados de poder,
ou seja, os conectores são os detentores de poder.
De qualquer modo, as teorias clássicas do pós-industrialismo apresentam alguns diagnósticos
em comum, como sublinha Castells (1999):
 A fonte de produtividade e do crescimento está no conhecimento estendido a todas as
áreas da atividade econômica;
 Existe uma tendência econômica mundial de transição da produção de bens para a
prestação de serviços;
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 O emprego rural entrará em extinção e o emprego industrial declinará; quanto mais
avançada é a economia, maior o desenvolvimento do setor de serviços na sociedade.
 A nova economia dará ênfase nos empregos que necessitarem maior conhecimento e
técnica.
Essas afirmações ocasionam uma série de discussões. Alguns elementos parecem
inquestionáveis na nova configuração social. Um deles é a importância crucial das novas
tecnologias de comunicação e informação. Como afirma Kumar (1997) as empresas multinacionais
vivem da comunicação, visto que é ela que lhes confere identidade. “Computadores e satélites são
tão essenciais ao seu funcionamento quanto os operários e as fábricas que produzem bens e
serviços” (KUMAR, 1997, p. 20). Além disso, a intensificação do processo de globalização, em suas
múltiplas dimensões, está inextricavelmente ligada a essas tecnologias. Por outro lado, há um
debate mais acirrado que focaliza o impacto dessas tecnologias sobre a organização do trabalho e
sobre os empregos. Um dos pontos essenciais é que a fonte de riqueza não está no trabalho de
transformação da natureza e de produção de bens tangíveis, mas sim no trabalho capaz de
agregar valor, através da informação e do conhecimento. Passa-se para uma etapa de altíssima
valorização de bens intangíveis. Nesse sentido, a cultura passa a ter um aspecto fundamental.
Rifkin (2001) propõe uma diferenciação entre a sociedade industrial e a pós-industrial. O autor
afirma que “[...] relações de propriedade são compatíveis com um mundo em que a tarefa
primária da vida econômica é o processamento, a manufatura e a distribuição de bens
materiais”(RIKFIN, 2001, p. 111). Assim na sociedade industrial os bens materiais podem ser
quantificados, podem ser trocados, podem ser exclusivos e podem ser sujeitos a preços. Sem
esquecer de mencionar a autonomia desses bens. Na nova economia cultural tem-se “[...] um
mundo de símbolos, webs, laços de feedback, conectividade e interatividade, em que os limites e
as fronteiras se tornam indistinguíveis e tudo que é sólido começa a se desmanchar” (RIFKIN,
2001, p. 111).
Em relação ao futuro dos empregos, as opiniões se dividem. Castells (1999), por exemplo,
concorda com a visão das teorias do pós-industralismo de que há um deslocamento da produção
de bens para o setor de serviços, mas adverte que isso não significa que as indústrias estejam
desaparecendo ou que a estrutura e a dinâmica da atividade industrial sejam indiferentes à saúde
de uma economia de serviços. Muitos serviços dependem de sua conexão direta com a indústria e
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a atividade industrial (diferentemente do emprego industrial) é importantíssima para a
produtividade e a competitividade da economia. O autor prefere falar em informacionalismo, pois,
em seu ponto de vista, as sociedades serão informacionais porque passarão a organizar seu
sistema produtivo em torno de princípios de maximização da produtividade baseada em
conhecimentos, através do desenvolvimento e da difusão de tecnologias da informação e pelo
atendimento dos pré-requisitos para sua utilização (CASTELLS, 1999, p. 226). O que caracterizaria a
sociedade informacional, segundo Castells (2002), são os seguintes fatores: eliminação gradual do
emprego rural; declínio estável do emprego industrial tradicional; aumento dos serviços
relacionados à produção e dos serviços sociais; crescente diversificação das atividades no setor de
serviços; rápida elevação do emprego para administradores, profissionais especializados e
técnicos; a formação de um proletariado de escritório (funcionários administrativos e de vendas);
relativa estabilidade de uma parcela substancial do emprego no comércio varejista; crescimento
simultâneo dos níveis superior e inferior da estrutura ocupacional; valorização relativa da
estrutura ocupacional ao longo do tempo, com uma crescente participação das profissões que
requerem qualificações mais especializadas e nível avançado de instrução em proporção maior
que o aumento das categorias inferiores.
O resultado específico da interação entre a tecnologia da informação e o emprego depende
amplamente de fatores macroeconômicos, estratégias econômicas e contextos sócio-políticos. A
tecnologia da informação em si não causa desemprego, conforme Castells (1999), mas sob o
paradigma informacional os tipos de emprego mudam em quantidade e qualidade. O emprego
“normal” (jornada de 35 – 40 horas; compromisso com permanência futura; contrato entre
patrão e empregado com direitos bem definidos; níveis padronizados de salário; plano de carreira;
etc.) está em declínio no mundo inteiro, favorecendo a flexibilidade: ao invés de estabilidade o
trabalho é regido por tarefas, trabalho fora da empresa, sub-contratação. A tendência geral é
tornar o mercado de trabalho cada vez mais flexível, e isso deve ser entendido em todos os
sentidos, ou seja, a flexibilidade atinge a produção, os contratos, os salários e tudo o mais que está
relacionado a essa esfera social.
Rifkin (1995) adota uma postura bem mais negativa no que se refere ao futuro dos empregos.
O autor considera que o impacto das inovações sobre o mercado de trabalho é expressivo,
provocando uma situação de desemprego estrutural e não apenas conjuntural. Rifkin salienta que
milhões de trabalhadores já foram eliminados de forma definitiva do processo econômico e
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
69
funções e categorias de trabalho inteiras já foram reduzidas, reestruturadas ou desapareceram.
Isso porque, anteriormente quando novas tecnologias substituíram trabalhadores em alguns
setores, outros surgiam para absorver os trabalhadores demitidos, mas agora todos os três setores
tradicionais da economia – agricultura, indústria e serviços – passam por um deslocamento
tecnológico que leva milhares de trabalhadores para o desemprego. O único setor emergente é o
de conhecimento, formado por uma pequena elite de empreendedores, cientistas, técnicos,
programadores de computador, profissionais, educadores e consultores, porém esse novo setor
tem pouca capacidade de absorção de mão-de-obra. Há uma polarização da população mundial,
ficando de um lado os analistas simbólicos que controlam as tecnologias e as forças da produção e
de outro, um crescente número de trabalhadores permanentemente demitidos sem perspectiva
de empregos significativos na nova economia global de alta tecnologia. O autor argumenta
também que embora estejam sendo criados alguns novos empregos, eles estão em faixa de
remuneração inferior e são temporários.
A ideia de polarização do mercado de trabalho tem ganhado cada vez mais adeptos. Harvey
(2009) destaca justamente a existência de um mercado dinâmico e competitivo e que
potencialmente pode oferecer vantagens, em oposição a um mercado que reúne as atividades
rotineiras, repetitivas. O próprio Castells (1999) admite a ocorrência desse fenômeno de
polarização. Na interpretação do autor as atividades ricas em conteúdo são essenciais para a
sociedade informacional, tendo em vista que a forma organizacional mais importante da economia
é a empresa em rede, que é capaz de gerar conhecimentos e, ao mesmo tempo, processar
informações com eficiência; adaptar-se à geometria variável da economia global, ser
suficientemente flexível para transformar seus meios tão rapidamente quanto mudam os objetos
sob o impacto da rápida transformação cultural, tecnológica e institucional. Na empresa em rede a
inovação é a arma competitiva. As possibilidades de inserção nesse tipo de empresa são variadas.
O profissional pode ter uma inserção ativa e atuar na construção e no processo decisório ou
permanecer nessa rede de modo passivo. O primeiro tipo de trabalhador é altamente valorizado,
tendo em vista que os recursos do cérebro humano e da inteligência tornam-se fatores cruciais
(FRIEDMAN ,1956; TOURRRAINE 1955; CORIAT , 1990). Por outro lado, ele não está livre da
tendência de flexibilização que existe no mercado de trabalho atualmente. Na opinião de Castells
(1999), a flexibilização pode trazer benefícios tanto para a empresa quanto para o trabalhador.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
70
Esses benefícios podem se refletir na qualidade do trabalho, na possibilidade de gerir o próprio
trabalho e manter uma relação de maior autonomia em relação a ele e mesmo no rendimento.
Ainda em relação ao debate da polarização. Pode-se acrescentar a afirmação de Rosenfield
(2009) de que nas empresas ligadas as tecnologias da informação e da comunicação são
valorizados os trabalhadores que possuem capacidade constante de adaptação, de flexibilidade e,
simultaneamente, de gestão de suas “empregabilidades”, engajando-se em projetos que são
sempre transitórios. De acordo com a autora, Boltanski e Chiapello (1999)19 denominam esse
modo de “cité par projets” que seria um novo regime de justificação em que o importante é criar e
se inserir em redes, ser móvel e polivalente. Retomando Honneth (2006)20, Rosenfield afirma
ainda que nesta nova fase do capitalismo, as pessoas valorizadas também demonstram
capacidade de agir de maneira autônoma, sendo dignas de confiança. Há um aspecto crucial em
Honneth, na medida em que o autor afirma que as aquisições institucionalizadas, bem como os
ganhos da era social-democrata do pós-guerra são utilizados no capitalismo flexível como uma
forma de proteção. Haveria quatro aquisições: a) o individualismo como um modo predominante
de auto-representação; b) a noção de igualdade universal como forma de regulação jurídica; c) a
noção de performance, entendida como atribuição de status; d) a noção de amor romântico como
avanço emocional dos elementos institucionalizados da vida cotidiana (ROSENFIELD, 2009).
Há perspectivas mais céticas em relação às mudanças na qualidade do trabalho. Kumar (1997)
relembra que Harry Braverman já havia demonstrado que a maior parte do trabalho em serviço
estava tão “taylorizada” quanto na indústria de transformação. O escritório poderia ser
industrializado tal qual uma oficina e o trabalho de colarinho branco havia sido submetido à
mesma rotinização, fragmentação e desqualificação que o trabalho braçal. Assim, Braverman
conclui que a disseminação de um novo princípio de trabalho na sociedade de serviços ou de uma
nova ética de profissionalismo não tinha qualquer fundamento. Kumar afirma que, entre os
princípios do taylorismo, tem-se a idéia de que o conhecimento e a administração científica devem
ficar apenas no setor mais especializado, encarregado de planejamento. Com o desenvolvimento
da computadorização, o autor acredita que o taylorismo que estava restrito até meados do século
XX à indústria de transformação e aos trabalhadores braçais passou para as esferas de atividades e
grupos até então imunes a esse modo de organização do trabalho. A grande questão hoje é se nas
19
20
BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Eve. Le nouvel espirit du capitalism. Paris: La Decouverte, 1999
HONNETH, Axel. La société du mépris. Paris: La Decouverte, 2006.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
71
ocupações altamente qualificadas do setor informacional irá se repetir a mesma tendência de
desqualificação.
2. A sociedade informacional no Brasil
A sociedade da informação não se disseminou do mesmo modo nos diferentes países, uma vez
que o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação ocorre de forma
diferenciada de acordo com cada contexto. Na percepção do governo brasileiro21 a globalização e
as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) são uma via de mão dupla. Em termos
gerais, as TICs são vistas como um meio de promover o desenvolvimento econômico, social e
cultural, bem como democratizar o acesso à informação e ao conhecimento. Do ponto de vista
econômico, considera-se que a revolução tecnológica viabilizou a expansão das atividades das
empresas em mercados distantes, mas simultaneamente amplia a demanda por produtos e
serviços de rede tecnologicamente mais avançados. Um ponto essencial é que as empresas
passam a definir suas estratégias a partir de vários critérios (disponibilidade e capacitação da mãode-obra, benefícios fiscais e financeiros, regulamentações existentes, etc.), estabelecendo
unidades produtivas em locais mais vantajosos, independentemente de fronteiras geográficas.
Esse cenário coloca uma série de desafios para o governo brasileiro.
Uma das características do desenvolvimento industrial do Brasil é que ele foi pautado no
modelo de substituição das importações, buscando a proteção da produção local. Assim, a
indústria brasileira tinha o monopólio do mercado interno e se desenvolveu sem ter que concorrer
com outras empresas multinacionais ou transnacionais. Outra característica importante do
desenvolvimento industrial é que a tecnologia empregada nas fábricas era majoritariamente
importada, havendo um baixo desenvolvimento de inovação tecnológica. A intensificação do
processo de globalização e a mundialização da economia começaram a causar impacto
desfavorável nas indústrias brasileiras na década de 1980 e, sobretudo, de 1990. Cumpre salientar
que no início dos anos 1990, o governo brasileiro se insere no processo produtivo globalizado,
abrindo seu mercado, criando a necessidade das empresas se reestruturarem para aumentar a
produtividade e agregar valor aos seus produtos, através da inovação e da tecnologia. Essa
21
Fonte: MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Tadao Takahashi (org.). Brasília:
Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
72
transição para a nova economia afeta não apenas as empresas, mas também os trabalhadores.
Uma das questões salientadas por Pochmann (1999) é que o Brasil nunca teve um mercado de
trabalho organizado tal como o dos países ocidentais, mas, entre 1940 e 1970, houve o
crescimento do emprego formal e a expansão das contratações. No período atual, segundo o
autor, a capacidade de gerar empregos diminui e paralelamente tornam-se mais precárias as
formas de inserção da população já ocupada.
Reconhecendo esse panorama, em 1999, foi lançado pelo governo federal o programa
Sociedade da Informação, que tem por meta principal integrar a população a nova sociedade,
promover a competitividade das empresas nacionais e a expansão das pequenas e médias
empresas, apoiar a implantação do comércio eletrônico e a oferta de formas de novas formas de
trabalho por meio do uso intensivo das TICs. Assim, um dos desafios é gerar mais e melhores
alternativas de trabalho, que possam chegar à população de baixa renda e às minorias
marginalizadas. Visa-se ainda fixar a mão-de-obra qualificada no país, evitando sua migração. Na
nova economia faz-se necessário não apenas o domínio da tecnologia, mas também investimentos
em pesquisa, ambiente institucional favorável e pessoas capacitadas.
3. O setor da tecnologia de informação e comunicação no Brasil
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou um estudo22 para identificar
e/ou mapear o setor da tecnologia da informação e da comunicação no Brasil. A pesquisa parte da
ótica da produção e, desse modo, identifica as atividades econômicas do setor das TICs. Não há
uma definição unânime para esse setor e o sistema de classificação encontra-se em
desenvolvimento, mas a OCDE vem assumindo um papel fundamental na padronização do seu
conteúdo. O IBGE adotou as definições da OCDE e procurou adaptá-las a Classificação Nacional de
Empresas. Assim, a partir das atividades das empresas, buscou-se classificar as unidades de
produção (empresa/estabelecimento) em função da predominância de seus produtos. As
empresas do setor TIC, portanto, são aquelas que têm produtos, predominantemente,
representativos das novas tecnologia. De forma mais precisa, o IBGE define o setor TIC como a
combinação de atividades industriais, comerciais e de serviços, que capturam eletronicamente,
22
Fonte: IBGE. O Setor de tecnologia de informação e comunicação no Brasil – 2003 – 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
73
transmitem e disseminam dados e informações e comercializam equipamentos e produtos
intrinsicamente vinculados a esse processo.
No ano de 2006, o setor TIC brasileiro era formado por 65.754 empresas que ocupavam 673.
024 pessoas. No período investigado pelo IBGE, entre 2003 e 2006, houve aumento no número de
empresas (18,3%) e de pessoas ocupadas (40,7%). Todavia, considerando o universo empresarial
em seu conjunto, ou seja, setor TIC e outros setores de atividade econômica, há uma estabilidade,
sendo que as empresas TICs representavam 2,4% em 2003 e tiveram ligeiro crescimento para 2,5%
em 2006. O setor mostrou crescimento nominal inferior ao restante da economia e o segmento de
telecomunicações decresceu em termos de participação nos serviços nos últimos anos. Deve-se
considerar ainda que há uma concentração desse setor nas grandes empresas no que se refere ao
pessoal empregado, estando 48,2% dos ocupados em empresas com 250 funcionários ou mais.
São também as grandes empresas que acrescentam o maior valor adicionado na produção e o
maior valor da transformação industrial, atingindo a marca de 76,1% do setor TIC. A produtividade
das empresas com 250 ou mais pessoas é 4,8 vezes maior que a das pequenas empresas e elas são
mais eficientes na agregação de valor. Nesse ramo destacam-se as empresas de telecomunicações,
que prestam serviços altamente intensivos em tecnologia e de elevado valor adicionado com baixa
utilização de mão-de-obra.
As empresas do segmento TIC se concentram no setor de serviços, sendo o percentual de
95,3% em 2003 e 95,6% em 2006. As empresas industriais representavam 3,3% do total do setor
em 2003 e em 2006 houve uma ligeira redução para 3,0%. A menor importância relativa é do
comércio com percentuais de 1,4% em 2003 e 1,5% em 2006. Considerando o conjunto das
atividades econômicas, as empresas TICs no Brasil ainda são pouco expressivas. As empresas do
ramo industrial correspondem a 1,3% do total, as do comércio 0,1% e a dos serviços 6,6%. As
empresas em atividade de informática são as que apresentam o maior peso relativo do setor,
ainda que tenha ocorrido um recuo no período, passando de 92,4% em 2003 para 89,7% em 2006.
Quanto ao pessoal ocupado, em 2006 as atividades do setor estavam concentradas na região
sudeste (65,6%). A região sul aparecia em segundo lugar (13,2%) e as outras regiões apresentam
números semelhantes em torno e 7%. Todavia, deve-se salientar que analisando-se
separadamente a participação das atividades industriais, a região norte se destaca, ficando em
segundo lugar com 24% do pessoal ocupado. Isso se deve a indústria do amazonas voltada para a
produção de bens eletroeletrônicos.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
74
4. O mercado de trabalho no setor da tecnologia da informação e da comunicação
Para analisar o mercado de trabalho no setor TIC, através dos dados da PNAD, utilizou-se a
definição das atividades do setor de acordo com o estudo do IBGE já mencionado. Assim, a
primeira etapa consistiu na construção do setor. Deve-se considerar que os dados da PNAD sobre
as atividades econômicas nem sempre apresentam nível de desagregação para que possam ser
excluídas atividades que não tem vínculo com o setor. Na segunda etapa, foram selecionadas as
ocupações, a partir da Classificação brasileira de ocupações (CBO), típicas ou as novas ocupações
vinculadas às TICs. Nesse sentido, buscou-se as ocupações que não existiam até então ou que
passaram a ter um papel central na nova economia. Evidentemente que o setor TIC apresenta
outras ocupações que complementam essas que possuem um papel de destaque, mas que não
podem ser consideradas como atividades representativas da nova fase do capitalismo. Assim, um
dos recursos utilizado para selecionar as ocupações foi o título definido pela CBO para cada
conjunto.
A análise do mercado de trabalho baseou-se na população ocupada com idade entre 15 e 64
anos. A população ocupada no setor TIC é bastante pequena, na região norte apenas 1,3% dos
ocupados estão nesse setor, na região nordeste 0,7%, na região sudeste 2,3%, na região sul 1,9% e
na região centro-oeste 1,7%. Considerando-se o conjunto das regiões, constata-se que os homens
brancos são os que possuem a maior inserção 3,0%, em seguida aparecem as mulheres brancas
1,5%, depois vêm os homens negros (1,2%) e o percentual de mulheres negras é inferior a 1%
(mais precisamente 0,8%). A tabela 1 apresenta a distribuição dos ocupados no setor de atividade
TIC, de acordo com a raça e o sexo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
75
Tabela 1 - Distribuição dos ocupados por setor de atividade TIC,
segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006 (%)
Setor de atividade
Indústria
Comércio
Serviços
Serviços de comunicação e
informática*
Locação de equipamentos,
máquinas, softwares
Assessoria, consultoria e
desenvolvimento
Manutenção, reparação e
instalação
Total
Total
18,2
25,4
56,3
22,1
Brancos
Homens Mulheres
18,8
16,8
24,0
28,8
57,1
54,4
18,0
31,2
Total
22,8
22,2
55,0
25,1
Negros
Homens Mulheres
24,6
18,9
19,8
27,5
55,6
53,6
21,0
34,4
2,0
2,6
0,5
2,7
3,3
1,5
22,9
24,6
19,0
16,7
17,9
14,0
9,3
11,7
3,6
10,4
13,5
3,6
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
*Inclui serviços de telefonia, serviços de provedor, entre outros.
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD 2006. Elaboração da autora.
A análise dos dados da tabela 1 nos permite concluir que a distribuição apresenta variações
conforme a raça e o sexo dos ocupados. No setor industrial a presença da população negra é mais
expressiva que a da população branca, havendo uma diferença de 4,6 pontos percentuais. Deve-se
notar que a diferença na proporção de homens negros em relação aos homens brancos, 5,7
pontos percentuais, é maior que aquela existente entre as mulheres dos dois grupos raciais, que
fica em 2,1 pontos percentuais. Já nas atividades de comércio, tem-se uma distribuição mais
próxima entre brancos e negros, embora adotando-se o recorte por sexo seja possível afirmar que
a proporção relativa de homens negros é nitidamente inferior ao dos outros grupos. Salienta-se
ainda que são as mulheres brancas e negras que se apresentam em maior inserção, comparandose aos homens dos seus respectivos grupos. Se na indústria há uma maior proporção dos homens,
no comércio há uma proporção maior de mulheres. O setor de serviços, por sua vez, concentra
mais da metade dos ocupados. A população branca apresenta um percentual ligeiramente
superior ao da população negra, existindo uma diferença total de 1,3 pontos percentuais.
Adotando-se a divisão por sexo, constata-se a diferença pouco expressiva. Por outro lado, nas
atividades que compõe o setor de serviços, há importantes distinções na distribuição conforme a
raça e o sexo. Nos serviços de comunicação e informática, que inclui atendimento ao público entre
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
76
outros, os negros estão em maior proporção, considerando-se o valor total. Todavia, deve-se
notar que a proporção de mulheres brancas é bastante superior a dos homens negros, ficando em
31,2% contra 21,0%. Esse subsetor tem predominância feminina. No setor de locação de
equipamentos, máquinas, softwares há pouca diferença em relação aos grupos raciais, sendo que
o percentual de negros é superior ao dos brancos. Já nas atividades de assessoria, consultoria e
desenvolvimento predominam os indivíduos brancos e, sobretudo, os homens brancos (24,6%).
Isso pode ser explicado pelas exigências de qualificação do setor, que geralmente envolvem cursos
de engenharia ou áreas afins. Por fim nas atividades de manutenção, reparação e instalação notase um equilíbrio de acordo com a distribuição total dos grupos raciais, sendo o percentual de
negros ligeiramente superior ao dos brancos, mas, por outro lado, a proporção de mulheres dos
dois grupos é bastante reduzida.
Dois aspectos precisam ser destacados em relação ao perfil dos ocupados no setor TIC. Em
primeiro lugar, esse setor absorve majoritariamente a população na faixa etária dos 20 aos 39
anos. Esse dado é válido para todos os grupos. Assim, entre a população branca que está ocupada
no setor TIC, 68,1% estão na faixa etária supramencionada, para os negros esse percentual fica em
76%. Se considerarmos apenas o intervalo dos 20 aos 29 anos, obtêm-se um percentual de 44,4%
para os indivíduos brancos e 51,9% para os indivíduos negros. A população com idade entre 51 e
64 anos tem participação bastante baixa no setor, sendo 7,7% o percentual dos ocupados brancos
e 4,2% a dos ocupados negros. Esses dados refletem o perfil profissional e as novas exigências de
qualificação, que não estavam à disposição da população com mais idade. De um modo geral, as
pessoas desses grupos precisam se requalificar para conseguir inserção no setor. Em segundo
lugar, deve-se salientar que a média de anos de estudo dos ocupados no setor TIC é bastante
elevada se comparada a dos ocupados em outros setores da economia, ficando em torno de 11
anos de estudo para todos os grupos, o que equivale ao ensino médio completo.
Analisando-se as ocupações do setor há uma grande heterogeneidade. Para fins de análise
dividiu-se as ocupações em cinco grupos a saber: dirigentes e administradores, profissionais das
ciências exatas (ocupações que tem por exigência o ensino superior), técnicos (ocupações que
exigem ensino profissionalizante), industriários e as atividades subsidiárias. A tabela 2 apresenta a
distribuição dos ocupados do setor TIC segundo a raça e o sexo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
77
Tabela 2 - Distribuição dos ocupados por grupos ocupacionais no setor TIC
– segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006
Grupos ocupacionais
Total
37,5
7,6
1,9
28,0
3,7
Dirigentes e administradores
Empregadores
Diretores
Gerentes
Profissionais das ciências
exatas
Eng. sistema de computação 0,1
1,7
Eng. eletrônico,
telecomunicações, industrial e
de controle
1,6
Analista de sistemas e
processamento de dados
0,3
Programador/webmaster/a
dministrador rede
Pesquisador em informática 0,1
e computação
Técnicos
6,6
Técnicos polivalentes
0,3
Técnicos manutenção
2,5
1,8
Programadores e
operadores da área de
informática
0,1
Programadores e técnicos
de produção
Outros técnicos
1,8
Industriários
3,4
Trab. fabricação e instalação 2,0
eletroeletrônica
0,1
Montadores de aparelhos e
instrumentos
Outros industriários
1,2
Atividades subsidiárias
48,9
Chefes e supervisores
2,2
Comerciante e vendedores
40,2
Digitadores
1,3
1,9
Operadores de
telemarketing
1,1
Operadores de
telecomunicações
Brancos
Homens Mulheres Total
40,5
33,0
21,3
9,2
5,2
2,4
1,3
2,8
1,1
30,0
25,0
17,7
5,4
1,3
1,3
Negros
Homens Mulheres
24,0
17,4
3,0
1,7
0,6
1,9
20,4
13,9
1,9
0,3
0,1
2,7
0,0
0,2
0,0
0,5
0,0
0,7
0,0
0,1
2,1
0,8
0,7
1,0
0,2
0,4
0,2
0,1
0,2
0,0
0,1
0,1
0,0
0,0
0,0
9,3
0,3
3,9
2,5
2,5
0,2
0,4
0,8
6,7
0,2
3,0
1,2
9,9
0,2
4,8
1,7
2,0
0,1
0,4
0,5
0,2
0,0
0,1
0,1
0,0
2,4
4,7
2,9
1,0
1,4
0,7
2,2
5,9
2,9
3,1
8,3
4,2
0,9
2,3
1,0
0,2
0,0
0,3
0,5
0,1
1,6
40,1
2,0
31,9
1,3
1,1
0,7
61,8
2,6
52,3
1,5
3,1
2,7
64,9
2,2
54,4
1,9
2,1
3,7
55,8
2,2
46,0
1,7
0,9
1,2
77,9
2,1
66,5
2,1
3,9
0,4
2,2
1,5
0,4
3,0
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
78
1,4
2,3
0,1
1,7
2,7
0,2
Trab. reparação e
manutenção
Polimantenedores
0,7
1,2
0,1
1,1
1,9
0,1
Total
100,0 100,0
100,0 100,0 100,0
100,0
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD 2006. Elaboração da autora.
A análise dos dados da tabela 2 nos permite constatar que há uma polarização das ocupações
do setor, ficando de um lado as ocupações do grupo de dirigentes e administradores e de outro as
atividades subsidiárias. Todavia, não se deve negligenciar que, com exceção dos homens brancos,
a inserção maior é no segundo grupo. No grupo dos dirigentes e administradores, há uma
proporção maior de indivíduos brancos do que negros, ficando a proporção dos primeiros em
37,5% e a desses últimos em 21,3%, o que resulta em uma diferença de 16,2 pontos percentuais.
Deve-se notar que a participação das mulheres negras nesse grupo não corresponde, em termos
percentuais, a metade daquela dos homens brancos. A situação dos homens negros é melhor, mas
eles possuem menor inserção que os homens e as mulheres brancas. As disparidades continuam
no grupo dos profissionais das ciências exatas. Esse grupo incorpora pouca mão-de-obra, sendo
que apenas 3,7% da população branca ocupada está nesse setor e 1,3% da população negra.
Porém, deve-se considerar que 5,4% dos homens brancos estão nesse grupo. Destaca-se ainda
que apenas os homens brancos possuem percentual significativo no grupo dos engenheiros de
sistema de computação, mas mesmo assim bastante pequeno (0,1%). Por outro lado, os homens
brancos estão mais presentes no grupo dos outros engenheiros e dos analistas, somando 4,8% dos
ocupados. As mulheres brancas apresentam um percentual nesses dois grupos de 1,0%, os
homens negros de 1,7% e as mulheres negras de apenas 0,3%. Esses dados revelam que há uma
predominância masculina nessas ocupações. As outras ocupações do grupo – programador,
webmaster e pesquisador – também incorporam um percentual limitado de mão-de-obra.
No grupo dos técnicos as disparidades raciais são pouco expressivas considerando o total da
população dos dois grupos, mas há uma baixa representatividade das mulheres tanto brancas
quanto negras. Entre os ocupados de todos os grupos há uma maior concentração entre os
técnicos de manutenção e, em segundo lugar, entre os programadores e operadores da área de
informática. Nesses dois grupos há uma proporção de 4,3% de ocupados brancos e 4,2% de
ocupados negros. Na categoria dos técnicos polivalentes e programadores e técnicos de produção,
há apenas 0,4% dos ocupados brancos e 0,3% dos negros. Cumpre sublinhar que há uma
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
79
proporção expressiva, tomando-se como referência esse grupo, de indivíduos inseridos na
categoria “outros técnicos”. No grupo dos industriários mais uma vez observa-se a predominância
masculina, sobretudo dos homens negros (8,3%). Dentro desse grupo, há uma presença maior de
ocupados nos trabalhos de fabricação e instalação eletroeletrônica. No último grupo, o das
ocupações subsidiárias, encontramos o lugar das mulheres, sobretudo das negras, tendo em vista
que 77,9% das ocupadas no setor TIC estão nessas ocupações. O percentual de mulheres brancas
também é elevado, ficando em 61,8%. O dos homens negros fica em 55,8% e os homens brancos
têm a menor inserção nesse setor, 40,1%. Entre as ocupações que foram classificadas nas
atividades subsidiárias destaca-se a proporção de ocupados como comerciantes e vendedores.
Ocupações “novas”, ou seja, propiciadas pelo desenvolvimento da nova economia, ainda
englobam um percentual pequeno de mão-de-obra. Esse é o caso dos digitadores, operadores de
telemarketing, operadores de telecomunicações, trabalhadores da reparação e manutenção e os
polimantenedores. Essas ocupações em conjunto concentram apenas 6,4% dos indivíduos brancos
ocupados e 8,3% dos indivíduos negros.
Um outro dado que precisa ser mencionado é a distribuição dos ocupados de acordo com a
posição na ocupação, uma vez que ele indica a natureza predominante dos contratos de trabalho.
A tabela 3 apresenta essa distribuição, segundo a raça e o sexo.
Tabela 3 - Distribuição dos ocupados por posição na ocupação
no setor TIC, segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006
Grupo ocupacional
Brancos
Negros
Homens Mulheres Total Homens Mulheres
58,1
71,1
70,4
67,2
77,6
0,0
0,9
0,4
0,4
0,3
14,2
14,5
14,3
15,0
12,5
15,7
6,0
11,1
13,3
6,1
11,3
6,4
3,4
4,1
1,9
0,7
1,2
0,5
0,0
1,6
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Total
Empregado com carteira
61,9
Funcionário público
0,3
Empregado sem carteira
14,3
Conta própria
12,9
Empregador
9,9
Outros*
0,8
Total
100,0
*inclui trabalhadores não remunerados
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, 2006. Elaboração da autora.
No setor TIC predomina, para todos os grupos, o emprego com carteira assinada. A população
negra tem mais vínculo formal que a população branca, sendo o percentual de 70,4% e 61,95
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
80
respectivamente. Porém, adotando-se a divisão por sexo, pode-se constatar que em primeiro
lugar são as mulheres negras que possuem a maior proporção com carteira assinada (77,6%),
seguidas das mulheres brancas (71,1%), após vêm os homens negros (67,2%) e por fim os homens
brancos (58,1%). Possuir carteira assinada não significa necessariamente uma melhor inserção, as
teorias apostam justamente na flexibilidade como um fator essencial da nova economia. A não
existência de vínculos seria um fator agregador para os profissionais desse setor. Nesse caso, a
vantagem estaria com os homens brancos, visto que 27% dos ocupados estão na posição de conta
própria ou empregador. Para os homens negros esse percentual é de 17,4% e há uma diminuição
significativa para as mulheres ficando em 12,4% para as brancas e 8,0% para as negras. Talvez o
fato das mulheres negras apresentarem a menor proporção entre os ocupados sem carteira
indique o grau de desvantagem dos vínculos mais fixos. De um modo geral, esse segmento
populacional é o que apresenta as menores vantagens no mercado de trabalho. Cumpre salientar
ainda, que o setor público, como é possível constatar, praticamente não ocupa profissionais
informacionais. Uma explicação plausível está no fato das empresas públicas não se vincularem
diretamente ao setor TIC.
Um último dado sobre o mercado de trabalho no setor TIC refere-se a remuneração. A
pesquisa realizada pelo IBGE indica que houve queda real no salário de 1,6% entre 2003 e 2006. A
remuneração média mensal dos serviços TIC tem apresentado uma redução gradativa,
acumulando uma perda real de 2,9% no período. Isso é explicado pela influência do segmento de
telecomunicações que está passando por um processo de reestruturação com mais contratações,
mas com salários inferiores. Por outro lado, a mesma pesquisa sublinha que as atividades de
informática têm uma tendência contínua de crescimento salarial, acumulando entre 2003 e 2006,
um crescimento real de 5,8%. Além disso, o salário médio dos ocupados no setor TIC supera
aquele dos ocupados em outras atividades econômicas. A tabela 4 apresenta o rendimento médio
dos ocupados no setor de acordo com os grupos ocupacionais, a raça e o sexo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
81
Tabela 4 – Rendimento médio dos ocupados por grupos ocupacionais
do setor TIC, segundo a raça e o sexo – Brasil, 2006
Brancos
Negros
Total
Homens Mulheres Total Homens Mulheres
Dirigentes e administradores
2.767,30 3.122,31 2.119,74 1.856,95 2.062,42 1.436,98
Profissionais das ciências exatas 3.317,64 3.445,94 2.551,09 2.686,99 2.753,15 2.173,39
Técnicos
1.287,65 1.336,77 1.007,73 911,28 936,53
729,51
Industriários
744,79 783,00
563,01
636,18 669,22
465,34
Atividades subsidiárias
801,03 972,43
628,60
580,90 680,02
473,76
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, 2006. Elaboração da autora.
Grupo ocupacional
Considerando os grupos ocupacionais apresentados na tabela 4, pode-se afirmar que são os
profissionais das ciências exatas os mais bem remunerados do setor. Essa constatação é válida
para todos os grupos. Os homens brancos são os que possuem maior remuneração nesse grupo,
ficando a média em R$3.445,94. Os homens negros recebem em média o equivalente a 80% desse
valor, as mulheres brancas um pouco menos, 74% e as mulheres negras apenas 63%. O segundo
grupo que apresenta maior remuneração é o das ocupações de direção e administração. Deve-se
notar que a diferença em relação ao rendimento médio total dos dois grupos raciais é maior que
no grupo anterior, visto que naquele a população negra recebia o equivalente a 81% do
rendimento médio da população branca e nesse grupo o valor recebido cai para 74%. Salienta-se
ainda que as mulheres brancas têm rendimento superior ao dos homens negros. Na terceira
colocação, no que se refere ao rendimento, aparecem os técnicos. Tanto para os brancos quanto
para os negros o salário é bastante inferior se comparado ao dos profissionais de nível superior. Os
indivíduos negros recebem em média o equivalente a 71% do rendimento dos indivíduos brancos,
sendo que o salário médio das mulheres negras equivale a pouco mais da metade do salário dos
homens brancos. Nesse grupo, as mulheres brancas também apresentam remuneração média
superior a dos homens negros. A população branca recebe o menor rendimento no grupo dos
industriários, ainda que o valor médio total seja superior ao dos negros. A população negra, por
sua vez, recebe o menor rendimento médio total no grupo das atividades subsidiárias. Todavia,
deve-se salientar que adotando-se a divisão por sexo, homens e mulheres negras também são
piores remunerados no grupo dos industriários. Por fim deve-se destacar que é no grupo dos
industriários que estão as menores disparidades de renda, considerando-se o valor médio total
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
82
dos dois grupos raciais. A população negra nesse caso recebe em média o equivalente a 85% do
rendimento dos indivíduos brancos.
Considerações finais
A sociedade informacional no Brasil ainda se encontra em uma etapa de desenvolvimento
bastante incipiente. Saldanha (2006) calculou o grau de desenvolvimento da sociedade
informacional em 22 países e o Brasil aparece na décima sétima posição, ficando atrás de países
como o México, Chile e Argentina. O primeiro colocado no ranking é os Estados Unidos, seguido
do Japão e da Suécia. Isso se reflete, como foi possível constatar, no mercado de trabalho. O setor
das tecnologias da informação e comunicação, de um modo geral, concentra poucos ocupados.
Além disso, pode-se notar que há uma polarização da população ocupada em dois grupos das
ocupações informacionais: o dos dirigentes e administradores e o das atividades subsidiárias.
Outro elemento que precisa ser destacado é a baixa inserção das mulheres nas profissões
informacionais e a permanência das disparidades tanto de sexo quanto raciais. O aspecto positivo
desse incipiente mercado de trabalho é a incorporação expressiva da população jovem.
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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
84
Desenvolvimento, Trabalho e Território: o caso de Duque de Caxias
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa23
Esse trabalho aborda parte da pesquisa sobre o Pólo de Desenvolvimento Gás Químico de
Duque de Caxias (Rio de Janeiro) que objetiva reconhecer as novas institucionalidades regionais
criadas para atender ao contexto de flexibilização produtiva.
De imediato, é preciso dizer que se trata de uma região geográfica entrelaçada por diversas
escalas territoriais complexificando sobremaneira a vida social. Em Duque de Caxias se misturam
estratégias corporativas transnacionais, nacionais e dinâmicas locais, que induzem o
desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo asseveram as desigualdades sociais num
verdadeiro território de acentuados contrastes sociais24.
Seguidamente, é pertinente situar que na região se alongou sobremaneira a tradição
privatista do espaço da cidade por meio de uma política local que sempre misturou
assistencialismo e violência. Mas, não é um território economicamente arcaico ou virgem em
experiências fabris. A história industrial da cidade se inicia com a FNM (Fábrica Nacional de
Motores) no Governo Getúlio Vargas, prolongando-se com a refinaria de petróleo (Reduc) na
década de 1960, além de um conjunto de outras iniciativas que foram se somando ali25.
Mas, a dinamização regional da localidade, de fato, vem sendo tocada desde 1999 como
aglomeração gás química (Pólo de Desenvolvimento Gás Químico), o que tornou a região mais
atrativa para variadas empresas da área. Todavia, o incremento de demanda por força de
23
Professora do Departamento de Política Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em
Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Doutoramento em Sociologia do Trabalho na Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Programa de Estudos de Trabalho e Política/UERJ. Desenvolve pesquisa sobre trabalho e
desenvolvimento regional; e sobre a nova morfologia do trabalho. Endereço Postal: Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão João
Lyra Filho, Sala 8034, Bloco D, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil. Endereço Eletrônico: [email protected]
24
Afinal, a posição do município no ranking do IDH é a 52 entre os 92 municípios do estado e a posição 1786 no país (IDH de 0,753).
O indice de Gini que mede a desigualdade cresceu nas ultimas duas décadas, embora, o PIB do município seja o segundo maior do
estado do Rio de Janeiro e o 15º. do Brasil.
25
A refinaria de Duque de Caxias (Reduc) foi criada em 1961 e dinamizada a partir dos anos 1980 representando uma das grandes
refinarias de vanguarda do sistema Petrobrás pela estrutura técnico-produtiva, capaz de produzir 52 produtos na linha de óleos
lubrificantes, diesel, gasolina, GLP, nafta, querosene de aviação, parafina, óleo combustível, entre outros produtos. Segundo as
fontes consultadas, sua capacidade será expandida com as obras de ampliação que estão em andamento e serão concluídas em
2012.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
85
trabalho, por exemplo, não atende à população da cidade na medida em que o perfil de
qualificação requerido não é facilmente presenciado no local. Então, a indagação central aqui é
saber o que de novo se apresenta com esse reordenamento produtivo para os moradores da
cidade e de que modo é possível interferir nos rumos do modelo de desenvolvimento em
execução na região.
Traços Sociais Centrais da Região e da Aglomeração Produtiva
Duque de Caxias faz parte da ampla área nomeada como Baixada Fluminense26 e possui
cerca de 800.000 habitantes. A Baixada Fluminense conta com mais de três milhões de habitantes,
conformando a segunda região mais populosa do estado, perdendo somente para capital. Duque
de Caxias se relaciona na baixada como centro de negócios diversificados que atende à região
toda, por meio de uma teia de vias de circulação públicas.
A história de Duque de Caxias se associa organicamente aos ciclos de desenvolvimento do
país e do Rio de Janeiro: 1) de um lado, quando atendia à função de passagem na região para
comunicação com o Rio de Janeiro nos ciclos do ouro e do café; 2) e, depois, quando a cidade é
integrada como espaço urbano subordinado ao núcleo metropolitano (Rio de Janeiro) servindo
para alojar seus trabalhadores e paulatinamente também indústrias dentro do modelo de
substituição de importações (1930-1980). Todavia a ação de maior protagonismo industrial se
acentua no mesmo passo em que se dá o incremento da produção e refino do petróleo nos anos
1990/2000, ou seja, no próprio processo de reestruturação produtiva recente. De fato, a
dinamização da economia do petróleo atraiu novos investimentos - transformando o território em
campo de encontro de novos sujeitos socioeconômicos - que gravitam em torno da potência que é
a cadeia produtiva do petróleo, alavancada pelo aumento da produção e autosuficiência mineral
dos últimos anos.
Os condicionantes produtivos são muito positivos para os investimentos do capital desse
segmento econômico. O município abriga uma das principais refinarias da Petrobrás e está
localizado em região dotada de características estratégicas, pois além de sediar o refino do
petróleo, a região é entrecortada por duas importantes rodovias (Presidente Dutra e RioPetrópolis), além da Linha Vermelha e da Linha Amarela. A proximidade com o porto, o aeroporto
internacional e a vizinhança com a própria capital, Rio de Janeiro, conformam outros relevantes
26
Formada também pelos municípios de Nova Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Mesquita, Magé,
Guapimirim, Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
86
atrativos econômicos. Em verdade, um aparato logístico bem significativo para os investimentos
produtivos requeridos em estrutura mundializada.
O segmento econômico de maior peso (gás químico) envolve uma cadeia marcadamente
globalizada de característica vertical onde a Petrobrás, uma empresa estatal, tem papel chave
como empresa-mãe seguida por grandes empresas privadas do setor. As relações de terceirização
são bem acentuadas, sendo possível contar sete linhas de subcontratação junto à Petrobrás de
modo que é exigido um sistema de fornecedores bem afinado para garantir competitividade.
Duque de Caxias está já na segunda linha da cadeia produtiva do petróleo com o refino do minério
e seguidamente com outras empresas de segunda e terceira geração. A complexificação numérica
de contratos na cadeia diz respeito ao amplo conjunto de fornecedores, envolvendo também
médias e pequenas empresas.
A verticalização da Petrobrás torna as ações da cadeia de tipo limitada, pois se restringem a
produzir respostas às demandas da empresa-mãe. Isso é mais enfático entre a média e pequena
empresa que efetivamente se voltam para atender às necessidades apresentadas periodicamente
pela refinaria.
Desdobramentos Sociais da Dinamização Econômica da Região
Com efeito, nos últimos anos, evidencia-se um movimento de fixação de práticas e políticas
de órgãos públicos, empresas e entidades associativas voltados para o desenvolvimento
econômico da localidade. Essa inflexão proporciona mudança na estrutura socioeconômica, sendo
ainda necessário, todavia, clarear as características da nova institucionalidade.
Imagina-se aqui poder olhar a dinâmica política do espaço social tendo em conta a
diferenciação de sujeitos sociais atuantes no processo regional, considerando este como campo de
forças de interesses diversos baseados em diferentes recursos de poder e de classe. Focar o
problema teórico das relações sociais que atravessam o agrupamento produtivo, tendo em conta
a herança da história local e a inserção social dos agentes políticos e econômicos, verificando:
sentido das instituições criadas; e, as visões a respeito do desenvolvimento. Trata-se de pensar a
capacidade dos sujeitos locais influenciarem a atratividade territorializada da região por meio de
arranjos políticos e econômicos, interceptando a fluidez econômica que promove a deslocalização
da economia mundializada, os baixos índices de ocupação ou as relações precárias de trabalho.
Interessa verificar na prática como se realiza o alargamento da noção de desenvolvimento
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
87
ampliando-se, assim, para esfera da política, para pensar o espaço do comum, o que pode
atenuar o espaço do privado ou ao menos torná-lo campo de disputa das forças sociais.
A formação sociohistórica de Duque de Caxias se expressa numa paisagem urbana marcada
por uma perversa feição social. Conforme, se expandiram à industrialização e a forma de vida
urbana, o aspecto segregacional do crescimento e reprodução urbana atingiu mais densamente a
região.
Na verdade, a rota do desenvolvimento urbano na localidade seguiu piamente o chamado
modelo de urbanização fordista periférico, pois a autoconstrução de residências se fez como
marca estrutural da fixação dos habitantes atenuando a baixa renda dos trabalhadores e a
ausência de financiamento público para moradia. Evidencia-se na história do município acentuada
incorporação desse modelo que marcou sobremaneira a periferia urbana capitalista de modo que
a questão fundiária é um problema relevante para a população residente na cidade e que
repercute negativamente na qualidade da infra-estrutura e serviços urbanos27.
Mediando esse processo, ao longo da história do município. Estiveram em operação
sofisticados arranjos políticos que associaram violência e clientelismo como forma de acesso ao
território e aos bens públicos.
Em primeiro lugar, a forte tendência histórica de resolução do conflito social pela repressão
aos trabalhadores e pelo fortalecimento de milícias privadas – os jagunços urbanos – era
autorizada, legitimada e misturada à coisa pública.
Em segundo lugar, a Ditadura Militar entre os anos de 1960 e 1980 continuou
interceptando as esferas públicas, pois cerceou a oposição política na região, tanto de líderes
locais como de trabalhadores engajados nos movimentos sociais. Nessa época, a lógica do poder
local continuou baseada no binômio favor-terror, só que agora sob o controle da caserna. Isso foi
mais agressivo na cidade por conta do reforço ao caráter estratégico do município por sediar
refinaria de petróleo e estradas federais tornando a área objeto de segurança nacional, portanto,
sem autonomia política.
27
“Com a tarifa única implantada nas linhas ferroviárias, o Estado subsidiaria tanto o capital industrial como o imobiliário. Reduzia
o custo da reprodução da força de trabalho para a indústria e repassava ao trabalhador a responsabilidade do problema
habitacional, fazendo com que a parte do salário anteriormente gasta com os transportes fosse transferida para a compra do lote e
auto-construção.” (José Cláudio Souza Alves, Baixada Fluminense, a violência na construção do poder, Tese de Doutorado, São
Paulo, USP, 1998, p. 57)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
88
A contestação a isso veio na crise do governo militar no final dos anos 1970 e início dos
anos 1980 junto com o amplo movimento de moradores e comunidades eclesiais de base que
romperam o cenário político de modo efetivo e organizado contra a desigualdade social e
precariedade da vida urbana. Essa irrupção política trará como temas para agenda pública: a
regularização fundiária, a expansão do saneamento, a ampliação da rede de saúde e a segurança
pública contra os grupos de extermínio. Ainda que os problemas sociais de fundo persistam como
questão social, esse foi um dos primeiros lapsos de expressão política organizada de maior fôlego
na cidade.
As eleições diretas no município só chegaram em 1986, mas desde então foram
perpetuados como prefeitos, herdeiros políticos da velha elite local por força de laços de
parentesco e ação política. A historiografia política subseqüente será do rodízio de líderes
associados a esse antigo esquema que alia clientelismo e violência. Mudaram as legendas
partidárias, mas continuou-se reforçando o mesmo tipo de política que é a da não-política na
medida em que o medo e o favor prevaleceram na regulação das relações sociais.
Os anos 1990 confirmam essa reprodução política no município sob a bandeira do
“moderno” partido PSDB que passou a governar o país, o estado do Rio de Janeiro e o município
de Duque de Caxias tendo em voga as diretrizes neoliberais. Isso penalizou ainda mais a região
onde a ausência do poder público já era uma marca histórica, e, o assistencialismo se manteve na
dobra do desmantelamento ou da ausência de direitos sociais.
De forma ambígua, o papel estratégico do município para a economia fluminense e
nacional será ressaltado nesse momento evidenciando a presença de conexões globais em seu
território, de ampla rede de infra-estrutura e serviços localizados ao entorno. O desenvolvimento
econômico de Duque de Caxias aparecerá como ponta de lança dos governos de estado que irão
se revezar no poder desde então.
Na verdade, a revitalização estrutural da economia se coaduna com uma série de medidas
políticas que ao longo das décadas de 1990 e 2000 se fizeram presentes em diferentes governos
da administração pública do estado do Rio de Janeiro como, por exemplo, as fortes coalizões
políticas no legislativo. Os períodos de convergência de governos nas diferentes esferas
favoreceram ação em comum sob o ideário do desenvolvimento e interiorização da economia.
Sobretudo, porque eram anos de ausência de política nacional para a indústria e reinavam as
ações de privatização de institutos estatais. No estado do Rio de Janeiro, a ação da FIRJAN
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
89
(Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) por mais de uma década manteve forte defesa dessa
programática fortalecendo ao mesmo tempo essa perspectiva de regionalização do
desenvolvimento como metas de revitalização econômica do estado.
Na Prefeitura de Duque de Caxias, curiosamente, repetem-se secretários de
desenvolvimento que seguem essa programática tendo invariavelmente saído, todos eles, dos
quadros da Firjan. Mesmo com alternância de partidos políticos no governo, parece que a
estratégia empresarial manteve-se preponderante o que tem fortalecido o território como espaço
econômico relevante.
A questão teórica a pensar aqui: sendo a região de Duque de Caxias estruturada como bom
ativo econômico para competitividade, demandaria, ao mesmo tempo, racionalidades menos
econômicas e ação de atores locais no sentido de dar maior fôlego às requisições do
desenvolvimento? Em sendo essa ilação positiva maior protagonismo poderia ser requerida da
localidade no sentido de agir politicamente nas relações mundo/nação/local, ou seja no modo
como se concretizam estratégias corporativas de cadeia mundializada? Nessa linha de raciocínio
os processos seriam tensionados no sentido da migração de uma ação meramente de mercado
resolvido privadamente para o campo da ação coletiva do território (esfera pública) - imaginandose um campo de forças sociais em disputa ?.
O que temos verificado na pesquisa é que as ações não se configuram a partir de fóruns
políticos, no sentido de exposição e negociação pública de dissensos entre os diferentes sujeitos
da economia e do trabalho. E, isso dificulta interferências nos rumos do desenvolvimento
territorial. De fato, existem sim novas institucionalidades em razão da mobilização produtiva da
região, mas elas não são de articulação pública de interesses. Aparecem mais como dispositivos
técnicos de gestão do sistema de fornecedores da cadeia em razão da proeminente externalização
produtiva verificada.
O chamado Pólo Gás Químico definido administrativamente como uma aglutinação de
produção para refino, processamento de produtos derivados do petróleo e insumos, recebe uma
série de incentivos, mas estes seguem definidos pela empresa-mãe (Petrobrás) ou quando muito
atendem às necessidades empresariais conectadas ou desejando se conectar interfirmas. Essa
relação de poder é absolutamente estruturadora da dinâmica do pólo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
90
Articulação Interna no Pólo de Desenvolvimento
Dois instrumentos chaves do arsenal de novas instituições estão sendo examinados hoje na
pesquisa: o Fórum do APL (Arranjo Produtivo Local) e o Fórum Promimp (Programa de Mobilização
da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural). Verificamos que não há dinâmica regular e
processual de vida política nesses fóruns. Trata-se de uma articulação de instituições sob a
influência no primeiro caso do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) que
coordena o Fórum do APL cujo objetivo é capacitar pequenas empresas como fornecedoras da
Petrobrás (empresa-mãe) atendendo assim suas exigências de qualificação, produtividade e
inovação. Queremos enfatizar, então, que não se trata de espaço para negociações, pois o Fórum
do APL se volta diretamente para atender demandas da Petrobrás e das grandes empresas.
Atende diretamente ao plano anual da Petrobrás que se torna um quase livro de receita
empresarial. Para tanto inclusive um dos principais ganhos das ações do fórum é a
profissionalização da terceirização por meio do treinamento de empresas e o estabelecimento de
um cadastro de fornecedores de bens e serviços para cadeia, por onde se integra a pequena e
média empresa no sistema de fornecedores.
O outro Fórum (Promimp), se dirige para capacitação de trabalhadores para participarem
da cadeia do petróleo. O Promimp é um programa do Ministério de Minas e Energia e seu fórum
regional visa articular instituições para atingirem aquele objetivo. Sob coordenação da Refinaria
que representa o Ministério de Minas e Energia, o Fórum Promimp realiza projetos de qualificação
como são exemplos os de educação de jovens e adultos; e, o Cidade da Solda. Aqui também
verificamos a ausência de dinâmica política de esfera pública, sendo as atividades definidas
coletivamente, num primeiro momento, e depois seguem sendo executados pelo grupo autor da
proposta.
Num caso e noutro, os dois fóruns se dedicam às estratégias de qualificação de
fornecedores – um para pequena empresa e outro para trabalhadores – visando que a cadeia
funcione bem azeitada para a produtividade e competitividade dos negócios. Os achados da
pesquisa sinalizam que este tem sido o principal intento das novas ferramentas criadas para
dinamizar o pólo de desenvolvimento: a qualificação (de empresas ou de trabalhadores).
Um segundo elemento importante é que além de não haver esfera pública nestes fóruns,
não há, até o momento, medidas de impacto dos efeitos das ações desenvolvidas. Isso porque não
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
91
se previu estudo de tal natureza, e, também, porque as atividades foram iniciadas recentemente
(2006) e ainda estavam em execução até o último levantamento realizado na pesquisa em 2009.
O Fórum do APL tem participação restrita às empresas, a Reduc, ao Banco do Brasil, a Caixa
Econômica Federal, a Secretaria de Desenvolvimento e aos sindicatos patronais. Não há qualquer
interesse em interface com os trabalhadores, pois segundo a coordenação do APL o objetivo é
capacitar empresas, pessoas jurídicas e não pessoas físicas, por isso, no entender deles não há
interface com sindicatos de trabalhadores, apenas com segmento patronal. Mesmo quando
questionado sobre as experiências nacionais e internacionais que conseguiram reunir diferentes
segmentos na estrutura de gestão territorial como os sindicatos, o coordenador do APL reitera não
ser necessário, embora titubeando um pouco na medida em que a literatura na área sinaliza outra
versão. Parece que a ferramenta do APL serve para ser replicada em territórios históricos
distintos, mas de acordo com a cultura política de cada localidade e aqui, então, não inclui os
trabalhadores e segue um perfil de rede de fornecedores, sem dinâmica de esfera pública. Ou
talvez, não se afine a segmentos empresariais verticalizados como esse do petróleo.
O Fórum Promimp, contudo, inclui participação dos sindicatos, mas também não há
dinâmica pública e o único sindicato com participação orgânica é o sindicato que representa os
trabalhadores terceirizados - SITICOMMM28. A ação desse sindicato se vincula à execução do
Projeto Cidade da Solda, de sua própria autoria. A participação se limita a essas ações sem nem
atuar em reuniões do fórum a não ser que seja para tratar do projeto.
Considerados estes contornos, é interessante levantar que no quesito relação cadeia
produtiva e território, as duas instituições criadas - Fórum APL e Fórum regional do Promimp –
manifestam atenção à localidade. O problema dos resultados do desenvolvimento recaírem sobre
a região é mencionado como uma questão-dilema enfrentada pelos membros nas duas
ferramentas. Então, o Promimp se dedica à capacitação de mão-de-obra local querendo superar
esse limite na medida em que a cadeia não absorve significativamente a força de trabalho
caxiense porque esta não atende às necessidades técnicas da cadeia. A coordenação do APL
enfatizou para pesquisa que o propósito do arranjo são os empresários locais ( médio e pequeno
28
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Montagem Industrial, Mármores, Granito, Mobiliário e Vime –
SITICOMMM. Esse sindicato foi criado em 1952 e sua base sindical contempla os municípios de Duque de Caxias, São João de
Meriti, Nilópolis, Guapimirim e Magé. O corpo de sindicalizados soma 20 mil trabalhadores e o sindicato é filiado a União Geral do
Trabalhadores (UGT).
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empresário) capacitando para competitividade, gestão e inovação a partir dos planos estratégicos
da Petrobrás.
Entre os trabalhadores (sindicatos) a visão sobre essas duas instituições (Fórum APL e
Fórum PROMIMP) é comum no tocante à baixa dinâmica política presencial para negociação de
interesses, planejamento e avaliação da cadeia produtiva. Verificamos, no entanto, que os
sindicatos ligados ao núcleo principal da cadeia são os menos envolvidos com essas atividades,
como são os casos do Sindipetro29 e Sindiquímicos30. O sindicato que representa a maioria dos
trabalhadores terceirizados tem assento no fórum Promimp e também manifesta opinião sobre a
ausência de espaço público de discussões; eles são chamados somente para discutir o projeto da
Cidade da solda especificamente, o que é raro.
Todavia, além dos depoimentos dos sindicatos reforçarem esta ferramenta de
desenvolvimento (Arranjo Produtivo Local ou Pólo de Desenvolvimento) como de baixa dinâmica
política, eles também nos deixam ver que a tradição tem sido a do aquecimento produtivo local
sem incorporação de trabalhadores da cidade de Duque de Caxias nos quadros de emprego e
ocupação no Pólo Gás Químico. A base do Sindipetro, petroleiros, por exemplo, não reside em
Duque de Caxias. A base do Sindiquímica que reúne os trabalhadores das indústrias de segunda e
terceira geração do Pólo Gás Químico também, de maneira geral, é majoritariamente de fora do
município sede. Pudemos evidenciar, então, uma série de conseqüências a partir disso, sugerindo
inclusive que a dinâmica política eleitoral ou a gestão da cidade não são temas que atingem
diretamente os trabalhadores petroleiros e petroquímicos. A primeira vista, o que se depreende é
que a cidade segue apenas como locadora dos empreendimentos.
Mas, seguindo com a pesquisa evidenciamos que o sindicato que representa os
trabalhadores terceirizados, aquele que participa do Fórum do Promimp tem em sua base um
conjunto amplo de moradores de Duque de Caxias e áreas adjacentes na Baixada Fluminense.
Exatamente, a mão-de-obra que é menos qualificada. Essa é a porta de entrada de parcela dos
moradores de Duque de Caxias no pólo de desenvolvimento: nas empresas terceirizadas que lidam
com mão-de-obra menos qualificada e estão voltadas para manutenção, conservação e construção
civil.
29
Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias, criado em 1961, proximamente a própria criação da refinaria. O sindicato conta
com 2 mil trabalhadores sindicalizados e é filiado a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
30
Sindicato dos Trabalhadores Petroquímicos de Duque de Caxias, criado em 1963, é filiado a Central Única dos Trabalhadores e
conta, hoje, com 1.200 trabalhadores sindicalizados.
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93
Com este sindicato foi possível identificar problemas sobre a cidade e o trabalho no elo
fraco da cadeia produtiva, como os dilemas para garantia dos direitos trabalhistas, para a
qualificação dos trabalhadores e, de modo geral, ponderações sobre a realidade socioeconômica
local.
Os depoimentos dos diretores informantes dos outros dois sindicatos do núcleo central
produtivo sublinham uma visão política e social do desenvolvimento na localidade, mostrando que
há uma efetiva dificuldade do pólo repercutir em retorno social para a cidade. Mencionam os
problemas de saneamento, serviços de saúde e, sobretudo destacam o problema da educação em
razão da baixa escolarização formal da população e de formação para o trabalho. Mas, esses
sindicatos não desenvolvem ou atuam em nenhuma ação coletiva menos corporativa e mais
dirigida à cidade. Parece que como as empresas, onde se vinculam seus trabalhadores, também
esses sindicatos estão distantes dos problemas do município em suas práticas sindicais. Embora
tenham ideação política enfileirada à tradição da CUT e mencionem um passado recente de maior
engajamento em movimentos sociais locais, afirmam que isso hoje são lembranças dos anos 1980,
pois estão bem desarticulados localmente. De todo jeito, parece que as condições objetivas da
base sindical estão longe das terras caxienses e mesmo quando os problemas sociais da cidade
aparecem na narrativa é de forma distanciada das práticas políticas dos sindicalistas entrevistados.
Com isso, o que temos identificado é que ainda não existem atributos sociais efetivos de
agenciamentos políticos coletivos para dirigir, domar e negociar o desenvolvimento no espaço
social do pólo de desenvolvimento. Aqui, a experiência de revisão dos papéis dos sindicatos no
processo de reestruturação produtiva não atinge esse ponto de alargamento das funções para o
território da cidade. O que apareceu com força nos depoimentos foi o esforço que empreenderam
cada sindicato desses para representar os terceirizados envolvendo inclusive batalha judicial, mas
não foram bem sucedidos no conflito nem no caso de trabalho subcontratado realizado nas
dependências da própria empresa. Prevaleceu no argumento judicial uma visão corporativa de
categoria e de contratação de serviços e não de ramo produtivo. Além disso, esses três sindicatos
(Sindipetro, Sindquímica e Sinticomm) não conseguem ainda realizar lutas conjuntas em favor do
trabalho na cadeia produtiva31.
31
Vale dizer que o sindicalismo no segmento do petróleo no Rio de Janeiro parece estar em efervescência por conta dos
investimentos para área no estado através do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) que objetiva a partir de 2012
aumentar a capacidade nacional de refino de petróleo pesado e com isso reduzir a importação de derivados, como a nafta, e de
produtos petroquímicos. Verifica-se uma densa disputa entre os sindicatos pela representação dos trabalhadores que trabalharão
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94
Pode colaborar com esse distanciamento a posição dos sujeitos no espaço social da cadeia
produtiva: os sindicatos de peso na cadeia, por exemplo, se mantém muito distante da vida
política e social local32. Os problemas sociais e de desenvolvimento não entram na agenda dos
sindicatos e nem na vida dos trabalhadores do núcleo da cadeia produtiva. Ou ainda, por serem
sindicatos de peso na cadeia produtiva, se voltam para os problemas que o elo mantém no
conjunto do pólo como segmento mais dominante. O Sindicato dos Petroleiros tem uma agenda
sindical centrada nos temas: campanha petróleo é nosso (“defesa da nação”); revisão da quebra
do monopólio do petróleo; lutas e processos pela readmissão dos demitidos no processo de
privatização e greve. O Sindicato dos Petroquímicos concentram a agenda nos pontos: processos
pela readmissão de trabalhadores demitidos no processo de privatização dos anos 1990; tensão
sobre as mudanças nas relações de trabalho a partir de fusões de grandes empresas da holding;
problemas da geração de jovens trabalhadores químicos escolarizados por não se fixarem na área
e não constituírem identidade com a categoria e com o sindicato.
Com isso, estando correta essa interpretação, vemos reproduzir então entre esses sujeitos
sociais – sindicatos – uma atuação também distanciada dos problemas locais do município,
semelhantemente às empresas que dominam as rédeas econômicas do pólo. Considerações Finais
A aglomeração produtiva de Duque de Caxias se baseia na interface técnica e de
capacitação da rede de fornecedores, visando potencializar a acumulação de capital do segmento
gás-químico. Inexiste dinâmica política no pólo como esfera pública de negociação e formação de
opinião sobre os destinos e impactos do desenvolvimento. Os empresários, o poder público, as
instituições educacionais e o Sistema S se articulam de forma independente, mas voltados para a
engrenagem das necessidades setoriais e competitivas.
Inexiste também participação dos sindicatos no processo de definição e execução dos
investimentos econômicos na aglomeração. Por conseguinte, a visão de desenvolvimento
hegemônica do pólo é a de atratividade do território para intensificação e ampliação da economia
do petróleo e derivados, baseada numa perspectiva instrumental das mudanças e da relação entre
nas novas empresas ou filiais que serão situadas no grande corredor que será estabelecido por vários municípios desde Itaboraí; o
que é tanto uma luta política de representação quanto de imposto sindical.
32
A caracterização como sindicato de peso que fazemos aqui diz respeito à importância da categoria de trabalhadores no elo da
cadeia produtiva, vinculando-se às funções focais das empresas nucleares. Além disso, são sindicatos com histórico de participação
em lutas sociais de ampla mobilização da categoria e em outras de maior alcance social como a de democratização do país.
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os diferentes sujeitos sociais. Nesse limite, a dimensão política da expressão de conflitos e lutas
sociais é absolutamente esvaziada de sentido na aglomeração.
A baixa participação dos moradores de Duque de Caxias na força de trabalho das empresas
mais especializadas do pólo conta a favor do distanciamento dos sindicatos mais fortes da cadeia
produtiva das demandas locais e da interferência nas forças políticas da cidade.
O peso econômico e a influência da Petrobrás na cadeia a tornam um super agente na
aglomeração, na medida em que a história da empresa se confunde com a da própria nação e o
seu desenvolvimento industrial. Além disso, tem importância estratégica como fonte energética,
catalisador de divisa e base de apoio para outras indústrias. Nesse sentido, sua influência
dificilmente se limita à unidade subnacional o que seguramente traz problemas para o debate do
desenvolvimento regional e da possível ampliação de direitos sociais para a população da cidade.
Referências Bibliográficas
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Doutorado. São Paulo: USP, 1998.
BRANDÃO, Carlos. Território & desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. São
Paulo: Unicamp, 2007.
CARLOS, Ana Fani A. O lugar no/do mundo. São Paulo: Ed Labur, 2007.
PIQUET, Rosélia e SERRA, Rodrigo (orgs). Petróleo e região no Brasil: o desafio da abundância. Rio
de Janeiro: Garamound, 2007.
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Janeiro: Mauad, 2006.
SANTOS, Milton. Da totalidade ao lugar. São Paulo: USP, 2005.
_____. Pensando o espaço do homem. São Paulo: USP, 2007.
SIMÕES, Manoel Ricardo. A cidade estilhaçada. Mesquita: Ed. Entorno, 2007.
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96
Da instrução profissional à formação cidadã
Eliana Monteiro Moreira 33
Rejane Gomes Carvalho34
1. Introdução
As transformações ocorridas na dimensão do trabalho foram definitivas para a conformação
da sociedade brasileira, especialmente na passagem dos anos 1980 aos 1990, representando a
abertura e a modernização do país em consonância com os ventos da globalização. Tais mudanças
foram marcantes não só do ponto de vista das novas tecnologias introduzidas no processo
produtivo e nas relações sociais de trabalho mas, sobretudo, pelas reverberações que se fazem
notar sobre a face de uma nova sociabilidade construída com o alargamento do trabalho informal,
de situações de precarização do trabalho e pela condição de desemprego de longo prazo.
A modernização do processo produtivo não implica simplesmente, apesar de já nefasto, em
aumento do exército industrial de reserva, mas ampliação do número de trabalhadores excluídos
do trabalho e dos valores éticos construídos enquanto trabalhador ativo. É por isso que, ao se
considerar o desemprego e, em conseqüência deste, a pobreza, como a principal questão social da
sociedade contemporânea, nos deparamos com o desafio de conjugar o elemento racional da
qualificação e da (re)inserção da mão-de-obra no mercado de trabalho com o aspecto ético de
reinventar os caminhos para a reconstrução de uma vida social digna por meio do trabalho,
garantidor de sentidos para o sujeito na sua existência como cidadão.
O enfrentamento dessa problemática tem sido percebido amplamente através da ação das
políticas públicas de emprego, apresentando mais visivelmente a preocupação com a
intermediação e a formação da mão-de-obra para o mercado de trabalho. Contudo, esse tipo de
ação formal pode sofrer limitações e esvaziamentos conjunturais quanto às reais condições de
(re)inserção dos trabalhadores diante do agravamento da pobreza. Essas iniciativas orientadas
pela política pública de emprego no Brasil, podem representar uma resposta mesmo que
focalizada, no sentido tanto da qualificação profissional como de programas de geração de
33
Doutora em Sociologia – Picardie – França e professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia – PPGS/UFPB –
[email protected]
34
Doutoranda em Sociologia do Trabalho – PPGS/UFPB e professora do Departamento de Economia – CCSA/UFPB [email protected]
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emprego e renda, interpretadas como intervenções do Estado necessárias à regulação da mão-deobra no momento em que as relações entre o capital e o trabalho vão sendo rearrumadas a fim de
dar condições à continuidade da acumulação de capital. Entretanto, apesar de se reconhecer essa
funcionalidade do Estado para a reprodução do capital, contraditória e paradoxalmente, também
se deve reconhecer, ainda que perversamente, a seleção e reorganização da classe trabalhadora
para adaptar-se às novas condições estabelecidas pelo capital sobre o trabalho.
Desse modo, ao se tratar a questão da qualificação profissional, posta como política de
inserção ou ativação de desocupados, também se está referindo a uma forma moderna e lícita de
exclusão, na medida em que se propõe à seleção dos aptos e dos não aptos, dos que servem e dos
que não servem para o trabalho. Além do mais, a política de qualificação profissional, pode
também confundir-se, às vezes, com o campo da assistência social, no momento em que aparece
como oportunidade de inserção nutrida a cada novo curso realizado, sob a ilusão do emprego
garantido, como se fosse um serviço social oferecido como paliativo para amenizar a situação de
desempregado e alimentar a esperança em meio à exclusão.
Levando em conta essas colocações, as reflexões trazidas neste trabalho nos instiga a
indagar se a política de qualificação profissional, apresentada como proposta de inserção, não
seria mais uma resposta insuficiente, se não se fizer acompanhar de outras políticas
socioeconômicas, contra a crescente exclusão social em meio às sempre renovadas formas de
exclusão social que fazem parte do modo de acumulação capitalista. Este o maior desafio que, por
hora, nos motiva pensar o caráter da intervenção do Estado e as novas configurações da
sociabilidade criada pelo trabalho na sociedade atual, frente ao processo de exclusão social que se
vem anunciando cada vez mais intenso.
2. Política Pública de Emprego no Brasil: da proteção à competência
O modelo de produção flexível iniciado nas economias centrais e, junto com este, as
mudanças nas relações sociais de produção também tiveram seus impactos no Brasil. Mas, longe
de ser um processo gradual, apresentou-se com uma força maior sobre as relações de trabalho e
sobre o movimento sindical recém revigorado.
Na segunda metade dos anos 1980, já era possível observar-se um movimento tendencioso
para a abertura do mercado brasileiro e para a modernização das empresas, o que veio consolidarse na década de 1990. A noção de economia globalizada passou a ser incorporada às estratégias
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
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de expansão das empresas que assumiram como prioridade o aumento da produtividade do
trabalho por meio dos investimentos em novas tecnologias e do enxugamento dos custos,
requisitos fundamentais para competir no mercado global. A adaptação do setor produtivo
brasileiro à nova dinâmica do processo de acumulação mundial, provocou a falência daqueles que
não acompanharam o salto tecnológico ou não conseguiram manter-se diante da concorrência
externa com o mercado aberto, dando margem à expansão, concentração e centralização do
capital em vários setores como: alimentos, telefonia, siderurgia, setor bancário, entre outros,
movimento reforçado com o projeto de privatização da economia a partir do governo Fernando
Henrique Cardoso.
Diante das metamorfoses mais recentes no mundo do trabalho, torna-se importante
observar como o Estado vem respondendo às novas relações do capital com o trabalho. No
tocante ao emprego, as ações governamentais têm se formalizado a partir do Sistema Público de
Emprego (SPE), tendo evoluído de acordo com a própria conjuntura econômica, oscilando entre a
formação profissional e a intermediação da mão-de-obra e a assistência àqueles considerados
excluídos. Importa aqui observar qual a evolução da política pública de emprego e as suas ações
diante do crescente desemprego e da flexibilização/precarização das relações de trabalho. De
acordo com MORETTO, GIMENEZ e PRONI (2003), nos países desenvolvidos o SPE surgiu num
contexto de crescimento e estabilidade econômica, welfare state e pleno emprego, como
aprimoramento do sistema de proteção. Já no Brasil, apesar de não haver claramente um
planejamento orientado para a geração de empregos, a própria dinâmica da industrialização do
país funcionou como um forte gerador de postos de trabalho até o período áureo do milagre
econômico, tornando dispensável uma política exclusiva para o estímulo ao emprego e para sua
regulamentação.
(...) entre 1950 e 1980, o crescimento acelerado da economia brasileira foi capaz de gerar
novas ocupações _ incluindo aí não só o emprego em empresas capitalistas e o emprego
público, mas também o emprego doméstico, os trabalhadores por conta própria e os
pequenos negócios _ numa velocidade superior a taxa de crescimento da PEA. De modo
geral não havia desemprego aberto (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 245).
Contudo, a partir da década de 1970, a crise econômica nos países desenvolvidos exigiu
uma reestruturação produtiva sob novas bases tecnológicas, visando menores custos de produção
e promovendo a flexibilização nas relações de trabalho. Diante disso, a forte proteção social
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99
terminou representando um grande custo social para as empresas e para o Estado, forçando a
reorientação da política pública de emprego para a assistência social na busca de amenizar o
crescente desemprego e a exclusão. Considerando a análise dos autores:
Assim, o conceito originalmente atribuído às políticas de emprego foi esvaziado,
particularmente a partir dos anos 80, perdendo de vista o compromisso político em prol do
pleno emprego e da ampla incorporação social, que caracterizavam tais políticas no pósguerra. Se no pós-guerra as políticas de emprego nos países centrais tinham como
elemento central a promoção do crescimento econômico, conjugado à expansão das
estruturas de bem-estar, sob os ditames neoliberais o quadro se alterou. Na agenda de uma
‘nova geração’ de políticas para o mercado de trabalho, ganhou enorme importância a
necessidade de mudanças estruturais _ apontando para iniciativas de flexibilização dos
marcos regulatórios das relações de trabalho e dos sistemas públicos de emprego, tendo
em vista a preservação dos empregos ameaçados pela introdução de novas tecnologias e
novas formas de organização da produção (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p. 239).
Nesta fase, o desenvolvimento da economia industrial orientou a conformação das
relações de trabalho e criou novas demandas que foram traduzidas na criação de órgãos e
programas encarregados de dar forma ao SPE. No caso do Brasil, o sistema de proteção do
trabalhador foi se desenvolvendo junto com o processo de industrialização no país, que
consolidou o trabalho assalariado urbano e gerou novas demandas sociais. Em 1940, a
promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) representou uma importante referência
na delimitação de direitos e proteções no mercado de trabalho. Além da legislação trabalhista
havia a preocupação com a formação da mão-de-obra, composta em grande parte por imigrantes
da agricultura para o trabalho urbano industrial, sendo fundamental o surgimento das instituições
de formação profissional por iniciativa do setor privado e mediante o apoio do governo, com o
chamado “sistema S”, inicialmente com o SENAI/SESI e o SENAC/SESC35.
O surgimento das escolas técnicas também exerceu função importante na qualificação
profissional, o que ainda se verifica hoje, junto com o sistema S. Até a década de 1960, a maior
preocupação dessas instituições assentava-se na formação da mão-de-obra, uma vez que o
período de crescimento econômico parecia ser suficiente para absorver o contingente de
35
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC) e Serviço Social do Comércio (SESC). Além desses, hoje também fazem parte do Sistema S o Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), o Serviço Social do Transporte (SEST) e o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Ver: MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
100
trabalhadores atraídos pelo emprego urbano. Em 1966 foi criado o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS), visando funcionar como instrumento de proteção do trabalhador contra a
demissão sem justa causa. O Sistema Nacional de Emprego (SINE) foi criado em 1975, seguindo
orientação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de prestar assistência
aos desempregados e promover a intermediação da mão-de-obra. O programa do Segurodesemprego, apesar de previsto desde a constituição de 1946, só foi criado em 1986 e
regulamentado pela constituição de 1988, sendo viabilizado com a criação do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT) em 1990, que garantiu parte dos seus recursos ao financiamento do Segurodesemprego e de outros programas de proteção ao trabalhador e de formação profissional.
Desse modo, fica claro que o SPE no Brasil está montado na formação e intermediação da
mão-de-obra e no seguro-desemprego. Contudo, até a década de 1970, o crescimento industrial e
a intensa urbanização do país funcionaram como absorvedores de mão-de-obra, tornando menos
evidente os problemas sociais gerados com o crescimento, inclusive a expansão da pobreza, da
precarização e informalização do trabalho. Somente a partir da década de 1980, quando se
instalou a crise econômica e social, foi que o SINE e o Seguro-desemprego passaram a ter outro
significado para a política de emprego, o de assistir aos desempregados, evidenciando sua limitada
capacidade de ação diante da conjuntura de crise com baixa geração de empregos. Apesar do SPE
no Brasil ter sido montado a exemplo do modelo dos países desenvolvidos (seguro-desemprego,
formação profissional e intermediação de mão-de-obra), aqui não foram somente os custos da
proteção social que implicaram na limitação do modelo, mas a falta de compreensão e de alcance
dos órgãos para com o complexo mercado de trabalho, marcado pela precarização e flexibilização
do processo de trabalho.
Na década de 1990, a orientação da política neoliberal e a globalização também
provocaram reflexos sobre o SPE no Brasil. Ideologicamente construiu-se uma noção de
autonomia dos sujeitos no mercado de trabalho e a política pública de emprego terminou por
traduzir essa orientação no fortalecimento dos programas de qualificação profissional e nos
programas de geração de emprego e renda. Conforme os autores:
De toda maneira, o que se observou, nos anos 90, foi um novo enquadramento dos
problemas referentes à geração de empregos no país, que veio acompanhado pela
proliferação de um conjunto de programas voltados ao mercado de trabalho, importantes
no que diz respeito à constituição de um sistema público de emprego, mas visivelmente
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
101
insuficientes vis-à-vis as necessidades da economia brasileira (MORETTO, GIMENEZ e
PRONI, 2003, p. 249).
Uma das principais frentes de ação do SPE nos anos 1990 foi a qualificação profissional,
dadas as novas exigências de adaptação da força de trabalho às mudanças tecnológicas. Contudo,
foi o Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR), criado em 1995, que estendeu essa
preocupação desde a formação de trabalhadores para ocupações específicas até o treinamento
daqueles considerados vulneráveis, desempregados e excluídos do mercado, para torná-los
competitivos e recuperar a sua empregabilidade. O PLANFOR expressou com veemência os
conceitos de qualificação e competência, presentes no projeto neoliberal que, sutilmente, povoou
a nova mentalidade do mercado de trabalho servindo, ao menos, para aumentar os níveis de
escolaridade, conforme insistem os mesmos autores:
Ao longo da década, a exigência da educação formal tornou-se um dos principais fatores de
seleção no mercado geral de trabalho. Porém, menos pelas competências requeridas pelo
posto de trabalho a ser ocupado e mais pela maior disponibilidade de mão-de-obra com
maior escolaridade e disposta a exercer uma ocupação menos qualificada e com
rendimentos inferiores. Grande parte dos cursos de qualificação voltou-se para a tentativa
de elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores, ou pelo menos alfabetizá-los _ tarefa
importante como direito do cidadão, mas insuficiente para garantir maiores chances na
competição por uma vaga no mercado de trabalho (MORETTO, GIMENEZ e PRONI, 2003, p.
259).
Ainda na década de 1990, no âmbito do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (CODEFAT), foram criados programas de concessão de financiamentos de pequenos
empreendimentos no setor urbano e rural para estimular a geração de emprego e renda, o que se
consubstanciou no Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER). Este programa contou
com recursos do FAT e teve os projetos aprovados e acompanhados pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF)
e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Ainda segundo resolução do CODEFAT, em 1996 foi
criado o Programa de Expansão e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO),
visando também a criação de emprego e renda, mas com o financiamento de grandes projetos em
transportes, saneamento e infraestrutura. Junto com o programa de qualificação profissional, o
objetivo dos programas de geração de emprego e renda orientava-se em criar certa autonomia
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
102
empreendedora para os sujeitos no mercado de trabalho, como gestores de sua própria força de
trabalho, reforçando o sentido individual/liberal já anteriormente aludido dos sujeitos,
responsabilizando-os por sua condição de excluídos e estimulando-os, ainda, a criarem suas
próprias condições pessoais de inclusão.
Considerando a fase mais recente da política de formação profissional, o Plano Nacional de
Qualificação (PNQ), criado em 2003, traz também em suas diretrizes a preocupação com a
inclusão cidadã, na medida em que estimula o ministrar de aulas contemplando as discussões
sobre cidadania no conteúdo programático dos cursos de qualificação dos trabalhadores. Visto por
este lado, tal abordagem reflete preocupação em aproximar-se das lacunas, limites e dificuldades
das políticas de emprego e de inclusão social encaminhadas nos anos 2000, após o resultado
sombrio de desmonte pela ideologia neoliberal na década anterior da sociabilidade criada pelo
trabalho. Esta tônica dada à inclusão social cidadã já pelo PNQ, tem sido o principal desafio das
políticas públicas de emprego e das políticas sociais na atualidade, uma vez que denuncia a
placidez do Estado diante do crescer da pobreza e da exclusão social. A defesa pela preservação da
cidadania, contemplada pelas políticas públicas, também representa forma de resistência aos
interesses destruidores da expansão do capital e dos seus valores individualistas que têm minado
as formas de solidariedade. Assim é que a política pública voltada para a geração de emprego,
formação profissional e renda, hoje, também tem se orientado para o problema da exclusão
social, procurando encontrar mecanismos que promovam a reinserção dos trabalhadores.
3. Políticas públicas, qualificação profissional e cidadania
O aumento do desemprego e da pobreza nos anos de 1990, estimulado pelo teor
conservador das políticas neoliberais em busca da estabilidade econômica, provocou mudanças
necessárias na orientação e na ação da política pública de emprego. Esta, em alguns momentos,
passou a confundir-se com as políticas sociais, na medida em que tem na assistência ao
desempregado uma forma de amenizar a situação de privação social decorrente da ausência de
trabalho. Até então, o Sistema Público de Emprego (SPE) se orientava para a formação e
intermediação da mão-de-obra e o seguro-desemprego,36 sustentando-se na idéia de que o
crescimento econômico seria suficiente para solucionar os desequilíbrios do mercado de trabalho.
36
Ver MORETTO, GIMENEZ e PRONI (2003).
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103
A passagem para os anos de 1990 idealiza um novo conceito de inclusão nos moldes liberais,
atrelando a reinserção no mercado de trabalho à qualificação, competência e empreendedorismo,
elementos que alteram significativamente a sociabilidade do trabalhador e o lugar do trabalho no
processo produtivo. Desse modo, observa-se que a política neoliberal e as mudanças no mercado
de trabalho, privilegiando a flexibilização, provocaram também a reorientação da política pública
de emprego, da formação e gestão da mão-de-obra para a sua autonomização e assistência social
aos excluídos. Contudo, essa reorientação deve-se à incapacidade do SPE atender a crescente
oferta de trabalho frente a tendência relativamente decrescente de emprego, o que tornou cada
vez mais complexo o mercado de trabalho com a precarização e a informalização das ocupações,
resultado das estratégias de sobrevivência encontradas pelos excluídos e, por outro lado, das
formas escusas de extrair mais-valia com que se aproveita o capital na conjuntura de fragilidade
da condição do trabalhador na sociedade atual.
A atuação do SPE37 no presente reflete muito mais o momento da desproteção do trabalho,
ao contribuir com a adaptação da força de trabalho a concepção de autonomia e competência,
consubstanciadas nos programas de qualificação profissional e geração de emprego e renda que,
por si sós, não garantem a criação de empregos formais e de qualidade e nem a sustentabilidade
da renda. Além do mais, o seguro-desemprego alinha-se a outros programas de assistência ao
trabalhador desempregado configurando uma tendência que se orienta ao assistencialismo,
garantindo renda e inclusão temporária.
Para alguns autores38, a crise do desemprego altera profundamente a sociabilidade criada
com o trabalho, tendo como principal consequência a desestruturação pessoal dos trabalhadores.
Contudo, o crescente não acesso ao trabalho também pode significar uma oportunidade para que
os sujeitos se encontrem e construam uma nova identidade, buscando novas formas de
participação cidadã, desenvolvendo alternativas de ocupações produtivas e reafirmadoras do seu
lugar social em torno do trabalho. Assim, paradoxalmente, apesar de caótico e impreciso, este
seria um momento de reconstrução das sociabilidades e de busca de novas identidades. No
entanto, a relação de forças que se estabelece entre os sujeitos nesse cenário de transformações é
elemento determinante dos novos lugares, sob o risco dos indivíduos excluídos, fragilizados
37
Formado pelo Serviço Nacional de Emprego (SINE), Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), Seguro-desemprego e
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outros.
38
Ver ORTEGA et al (2004), TELLES (2001) e NOGUEIRA (2005).
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104
politicamente, serem ideologicamente cooptados pelo comportamento individualista e
produtivista dos princípios neoliberais que justificam a não absorção dos sujeitos no trabalho pela
sua falta de competência.
A política pública de emprego tenta promover inserção social orientada para o
fortalecimento da competência dos sujeitos investindo em programas de qualificação profissional
e em projetos de estímulo aos pequenos empreendedores, como parte da política de geração de
emprego e renda, mas compactuado com os fundamentos individualistas do mercado. Deste
modo, é possível perceber o aspecto contraditório deste programa, pois, ao mesmo tempo em
que favorece a inserção social pelos moldes do mercado, também desestimula a participação dos
sujeitos na construção de uma sociedade mais justa e solidária, dando uma orientação mais para a
inserção social e menos para a integração social (ORTEGA et al., p. 249).
Em decorrência do processo de flexibilização do trabalho e da perda de direitos sociais,
torna-se nítida a mudança de posições e a desqualificação39 dos sujeitos. Assim, observa-se a dura
e definitiva passagem: de empregado permanente a desempregado de longa duração; de uma
identidade no trabalho à sua autonomização em decorrência das suas ocupações temporárias; da
formação profissional, como ofício e história, para a rápida orientação profissional, dando sentido
apenas ao conceito de ocupação; da determinação de um lugar social ao não lugar; de identidade
e participação cidadã à busca da inclusão a qualquer custo, mesmo que seja a não participação,
quando é o mercado que aparece como principal elemento na determinação dos lugares sociais.
Com essa desqualificação permanente do trabalhador na sociedade atual, a ação do Estado corre
o risco, assim, de concentrar-se na “gestão da exclusão”40 com as políticas públicas de inserção
social localizando-se mais no campo da assistência, deixando de lado e até desviando a discussão a
respeito do modelo de acumulação e da distribuição de renda desigual.
O grande desafio da política pública de emprego é encontrar formas criativas de saída dos
atendidos pelos programas de assistência, que promovam a criação de postos de trabalho de
qualidade e permitam o resgate da participação dos sujeitos como cidadãos a partir da
revitalização das identidades construídas pelo trabalho digno. Por outro lado, os sujeitos excluídos
também precisam descobrir novos canais de sociabilidades que resgatem sua dignidade e
identidade, desvinculando-se da ilusão de que o mercado é igual para todos e a desigualdade de
39
Sobre o processo de desqualificação social ver PAUGAM (2003).
40
Ver ORTEGA et al (2004).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
105
renda será minorada somente pelo crescimento econômico. É preciso enxergar que neste sistema
a estratégia é tornar os sujeitos submissos e invisíveis, fazendo com que sua capacidade de ação
seja minada e as forças hegemônicas possam operar livremente, capitulando de seu papel de
sujeito “reagente” e propositivo em meio a todo este conjunto de ações imobilizadoras.
Uma característica marcante da produção capitalista atual é produzir mercadoria com valorde-uso cada vez mais volátil e valor decrescente, um estímulo permanente ao consumismo para se
recriar a necessidade de reprodução de mais mercadorias e, com isso, alimentar o processo de
acumulação41. Com a mercadoria força de trabalho ocorre efeito semelhante, pois o trabalhador
precisa estar renovando periodicamente o valor-de-uso de sua mercadoria para que ela seja
vendável e mantenha o trabalhador incluído no mercado. Se a mercadoria força de trabalho não
possuir valor-de-uso para o seu comprador, então será descartável, sem utilidade, sendo o
trabalhador levado à zona da exclusão. Desse modo, a ideologia neoliberal e os programas de
políticas públicas que estimulam a qualificação profissional parecem dar sentido ao novo caráter
do mercado de trabalho incentivando, como referido anteriormente, o processo de
empresarialização da força de trabalho e tornando o trabalhador um mercador ou empresário de
sua própria força de trabalho, como bem expressa a citação:
No hay que olvidar que muchas de estas mismas creencias, y otras parecidas, son las que se
dirigen también a los trabajadores ocupados: hay que ser activo y creativo, no limitarse a
esperar el salário a fin de mes, hay que tener visión estratégica, anticiparse a los câmbios,
capacidad de adaptación; hay que demostrar proximidad psicológica, profesional, cognitiva,
técnica, ética hacia la empresa. El nuevo protocolo empresarial es un arma contra cualquier
viejo lema del pasado obrero: se recorta espacio al empleo garantizado y se impone la
creatividad y las capacidades personales, que determinarán como los más aptos ocuparán
los mejores puestos. (ORTEGA et al, 2004, p. 259).
Por outro lado, o Estado também incorpora essa noção na medida em que orienta, qualifica
e intermedia o trabalhador para o mercado de trabalho, privilegiando os comportamentos
individualistas e o desenvolvimento das competências. Não se quer dizer com isso que a formação
profissional como política pública não seja importante, mas que, aliado às ações dessa natureza,
sejam dadas oportunidades para que os sujeitos tenham espaços para participarem ativamente
41
ANTUNES (2005).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
106
das transformações na sociedade e não sejam apenas receptores passivos e consentidores de sua
própria submissão e do processo de acumulação.
Para GOHN (2005), a preocupação da sociedade com o desemprego e a pobreza e as suas
formas de enfrentamento está inserida no que denomina de novo “protagonismo da sociedade
civil”, pauta permanente da questão social a partir dos anos de 1990. Neste cenário de mudanças,
a participação cidadã é fundamental para tornar viva a voz dos desassistidos e dos excluídos pela
força destruidora do processo de acumulação capitalista. Neste sentido, as reflexões da autora são
bastante elucidativas:
(...) o compromisso ético e a opção pelo desenvolvimento de propostas que tenham por base
o protagonismo da sociedade civil exige uma clara vontade política das forças democráticas
organizadas para a construção de uma nova sociedade e de um espaço público diferente do
modelo neoliberal, construído em cima de exclusões e injustiças. É preciso que se respeitem
os direitos de cidadania e se aumentem progressivamente os níveis de participação
democrática de sua população. Esses níveis se expressam em espaços públicos, consolidados
em instituições que dêem forma aos direitos humanos e ao exercício da participação cidadã,
presentes nos conselhos, plenárias, fóruns e outras possíveis instituições a serem inventadas
(GOHN, 2005, p. 113).
Ao se abordar a questão da competência e da qualificação profissional como política pública
de inserção, surge necessariamente o impasse de que essas ações possam limitar-se a reproduzir a
lógica da política neoliberal presente na reforma do Estado nos anos de 1990, incompatível com o
sentido de democracia, participação e cidadania42. Sendo assim, há o receio de que as ações de
qualificação profissional possam tornar-se seletivas e minimalistas na medida em que privilegiem
mais a dimensão das capacidades para o mercado e menos a participação cidadã.
Talvez a maior limitação que se tenha verificado nas ações do SPE e das políticas sociais para
atacar o problema do desemprego e da pobreza nos anos de 1990 seja o de ter considerado a
desigualdade social uma decorrência do fraco crescimento econômico 43 . Essa compreensão
estreita terminou por limitar as ações de políticas públicas em torno da dimensão do mercado
sobre a oferta de trabalho, quando deveria voltar-se para o entendimento de que a demanda
decrescente por trabalho é uma condição da reestruturação do sistema de produção. Como
consequência dessa visão reducionista, as políticas públicas de emprego privilegiaram a formação
42
43
Ver DEMO (2003) e IVO (2006).
Ver DINIZ (1998).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
107
profissional e a geração de emprego e renda focalizando a dimensão do mercado e deixando de
lado a questão política fundamental que é a distribuição e redistribuição de renda, contribuindo
para dificultar a participação e a cidadania daqueles que tem diminuídas as oportunidades de
penetração na sociedade.
Ao atuar sobre formas tradicionais de reinserção no mercado, estas políticas podem estar
reproduzindo a idéia de que são as leis do mercado os únicos elementos necessários a inclusão, à
determinação da participação e das identidades, a partir dos princípios do individualismo, da
eficiência e do empreendedorismo, fazendo com que o Estado reproduza o conteúdo
ideologizante do neoliberalismo. Tal conteúdo induz o Estado atuar para o mercado, dada a
necessidade de produzir respostas à questão social. Contudo, a sua intervenção não garante,
necessariamente, a participação cidadã dos sujeitos, muito menos se capitaneado pelos interesses
individualistas do mercado. Assim, é possível observar ambiguidade na orientação das políticas
públicas quanto ao enfrentamento da questão social uma vez que elas incentivam as formas de
inserção social pelos critérios da qualificação, competência e empreendedorismo ao mesmo
tempo em que considera possível a participação cidadã sob os símbolos do mercado. De acordo
com as reflexões de Ivo:
(...) podemos afirmar, de modo geral, a coexistência, na prática, de vários projetos e forças
sociais diferentes e conflituosas no encaminhamento da questão da pobreza: aquela
organizada em torno do mercado e a que autopotencializa o desenvolvimento cívico da
sociedade civil, na afirmação do poder cidadão, de caráter emancipatório. O desdobramento
dessas forças envolve, para as primeiras, uma estratégia de reduzir o Estado a gestor da
assistência residual dos “inaptos”; e, no segundo, ao contrário, a busca de alternativas
civilizatórias que impliquem mecanismos de segurança e de direitos para essas populações
excluídas e submetidas a processos de empobrecimento e exclusão social e de
responsabilidade pública do Estado e da sociedade (IVO, 2006, p. 82).
De todo modo, é importante reconhecer o momento de construção de novas formas de se
pensar as políticas públicas que sirvam de contraponto ao pensamento único neoliberal, ao
mesmo tempo em que mais abertas às possibilidades de uma maior participação dos sujeitos. É
exatamente e exclusivamente sua capacidade de se fazer presente e influenciar a sociedade que
pode gestar o elemento novo para a elaboração de políticas que respeitem os sujeitos e a
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108
realidade social e, o que é fundamental, tornem-se verdadeiramente efetivas na supressão do
processo de privação social a que vêm sendo subordinados.
4. Considerações finais
Quando nos propomos pensar a política de qualificação profissional, como parte da política
pública de emprego no Brasil, não há como não mencioná-la no contexto das transformações
recentes da sociedade e do mundo do trabalho, como consequência da reorientação do modelo
de acumulação capitalista. A desregulamentação e a flexibilização do trabalho entre os anos 1980
e 1990, além de provocarem mudanças significativas nas sociabilidades, de um modo geral
repercutiram na perda de direitos e lugares sociais, modificando as identidades e pulverizando
suas dignidades. Por outro lado, representaram também novas mudanças na relação entre o
Estado e a sociedade.
Considerando que a sociedade brasileira sempre apresentou um desenvolvimento marcado
pela desigualdade e pela carência de direitos sociais, as transformações na dimensão das relações
do trabalho vieram aprofundar a situação de desemprego e pobreza, constituindo-se num entrave
ao próprio desenvolvimento social. Por outro lado, a reforma do Estado nos anos de 1990,
orientada pela ideologia neoliberal, serviu para “modernizar” o conteúdo da política pública de
emprego e da política social, adaptando-as ao projeto macroeconômico de contenção e equilíbrio
fiscal, de modo a ressaltar a noção de eficiência produtiva concomitante ao assistencialismo dos
excluídos.
A política pública de emprego, destacando-se os programas de qualificação profissional, são
alvo de críticas por proporem, como parte de um mesmo processo político-pedagógico, a
formação social e profissional, ao mesmo tempo em que visam a instrução técnica da mão-deobra, esta como um princípio da competência, atendendo as necessidades do setor produtivo e
estimulando o individualismo e o empreendedorismo pessoal da força de trabalho. A visão
tradicional sobre a inserção/(re)inserção social privilegia, sobretudo, a dimensão do mercado,
como sendo um problema somente de adaptação da mão-de-obra, dando pouco realce para os
efeitos subjetivos da perda de sociabilidade dos sujeitos por meio das mudanças em torno do
trabalho humano.
Ao propor a ativação dos sujeitos excluídos com ênfase nos critérios da qualificação
enquanto instrução, da eficiência, o programa de qualificação profissional pode estar contribuindo
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
109
para renovar os princípios do individualismo e do empreendedorismo, colaborando para minar a
solidariedade e a participação política que as relações coletivas gestadas no espaço do trabalho
são capazes de proporcionar.
Diante da fraca capacidade de criação de novos postos de trabalho, como característica do
capitalismo contemporâneo, ao Estado é relegada a responsabilidade de dar respostas à crise do
emprego e criar alternativas de inserção social, o que pode ocorrer em detrimento dos direitos
sociais e da perda de qualidade dos mesmos. Com o avolumar de desinserções no trabalho,
qualquer política social pode ressoar como uma alternativa de inclusão, mesmo que em alguns
casos as ações visem apenas a aquisição de uma competência e a manutenção de uma renda
mínima, impedindo uma ação mais voltada para a construção de uma participação e de uma ação
cidadã, enquanto sujeitos conscientes e propositivos, e dificultando a participação efetiva dos
sujeitos na construção das políticas públicas. Com isso, observa-se lentamente a corrupção de
caráteres na construção das solidariedades e o consentimento da sociedade perante as novas
formas de dominação do capital sobre o trabalho, disfarçadas no discurso da modernização e da
flexibilização das relações de trabalho.
O grande desafio das políticas públicas de inserção na sociedade atual é conseguir agir
criativamente no desenvolvimento de atividades produtivas alternativas que valorizem o sujeito
no mundo do trabalho e que sejam corajosas em não seguir os preceitos do projeto neoliberal,
construindo espaços onde a discussão e a participação política responsável seja possível para os
excluídos. É preciso resgatar a capacidade de contestação, de pensamento e de ação dos sujeitos e
não entregar os espaços sociais a gestão dos interesses privados.
5. Referências bibliográficas
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DAGNINO, Evelina (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
110
DEMO, Pedro. “Focalização” de políticas sociais: debate perdido, mais perdido que a “agenda
perdida”. São Paulo, Revista de Serviço Social, Ano XXIV, nº 76, nov./2003.
DINIZ, Eli. Uma perspectiva analítica para a reforma do Estado. São Paulo, Revista Lua Nova, nº
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GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes
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TELLES, Vera da Silva. Pobreza e cidadania. São Paulo: USP, Curso de Pós-graduação em
Sociologia, Editora 34, 2001.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
111
Teletrabalho a domicílio e as Transformações do Trabalho
Márcia Regina Castro Barroso44
Este trabalho busca analisar o chamado teletrabalho, mas especificamente o que é
exercido a domicílio. Inserido num contexto de reestruturação global da economia, e de
flexibilização das relações de trabalho, iniciado na década de 1970 e intensificado após os anos
80/90, o teletrabalho apresenta-se como uma experiência emblemática de novas tendências
numa sociedade em que se prioriza o conhecimento.
Com o processo de reestruturação global da economia, principalmente a partir da década
de 1980, novos padrões organizacionais e tecnológicos foram adotados pelas empresas.
Conseqüentemente, novos elementos de organização social do trabalho foram introduzidos como
a utilização da informatização produtiva e do sistema just-in-time (Antunes, 2006).
Paulatinamente fortalece-se um modelo nas relações de produção, nas empresas de uma
forma geral, orientado pela generalização do processo de terceirização, pela compressão dos
níveis hierárquicos, pelo desenvolvimento de estratégias gerenciais com o intuito de efetivar uma
mobilização permanente da força de trabalho, pela cooperação constrangida dos assalariados,
pela administração por metas, bem como pela fragmentação da relação salarial (Braga, 2006:5).
Neste sentido, já na década de 1990 percebemos o coroamento de um novo modelo
produtivo representado pela empresa neoliberal. As empresas num processo de terceirização
reorganizam grandes coletivos de trabalho e o espaço produtivo passa a ter uma concepção
reestruturada (Alves e Antunes, 2004).
A partir justamente dessas novas concepções organizacionais produtivas é que gostaríamos
de inserir o desenvolvimento do chamado teletrabalho. Entretanto, ao selecionarmos como objeto
de nossa pesquisa uma das modalidades do teletrabalho, que é a domiciliar, também entendemos
que precisamos analisá-lo a partir do desenvolvimento do chamado “Trabalho a domicílio”.
44
Mestranda do Programa de pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense – PPGSD-UFF (Niterói-RJ)
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112
Teletrabalho: definição
Mas o que é o teletrabalho? Como podemos conceituá-lo? Para o código de trabalho
português, que possui uma legislação específica sobre o teletrabalho, considera-se teletrabalho a
prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através
do recurso a tecnologias de informação e de comunicação.45 Sendo assim, o trabalho é realizado
distante da sede da empresa, e as instruções geralmente são passadas via meios telemáticos.46
Destacamos aqui que o teletrabalho não se refere somente aquele que é exercido a
domicílio. Ele pode se apresentar de diversas formas. Nele está subjacente a idéia de flexibilidade
organizacional, produtiva e contratual. Dentre as suas modalidades podemos citar: teletrabalho no
“domicílio” (desenvolvido “em” e a “partir” da casa do trabalhador); “móvel” (desenvolvido
conforme a função que desempenha); “deslocalizado” (realizado para várias empresas
estrangeiras); “telecentro” (funcionários da mesma ou de várias empresas ocupam um escritório
alugado, distante da organização principal) (Araujo e Bento, 2002:17).
Manuel Castells nos fornece também uma divisão do teletrabalho em três categorias: a) os
substituidores, que são aqueles que substituem o serviço efetuado em um ambiente de trabalho
tradicional pelo serviço feito em casa; b) os autônomos, trabalhando on-line de suas casas; c) e os
complementadores, que trazem para casa trabalho complementar do escritório convencional
(Castells, 1999). Nesta definição nós podemos perceber que ocorre uma ampliação dos tipos de
profissionais que poderiam ser chamados de teletrabalhadores, pois ela inclui tanto os
empregados (que são subordinados) quanto àqueles que exercem a sua atividade de forma
autônoma.
Embora sejam muitas as definições para o teletrabalho podemos perceber em todas elas a
existência de três elementos principais:
a) espaço físico localizado fora da empresa onde se realize a atividade profissional;
b) utilização de novas tecnologias informáticas e de comunicação;
c) e mudança na organização e realização do trabalho (Estrada, 2006:5).
45
46
Código do Trabalho Português, 2009. Disponível em: < http://www.legix.pt/docs/CT0915_Set_2009.pdf> , p. 76.
A Telemática é entendida aqui como o conjunto de tecnologias de transmissão de dados resultante da junção entre os recursos
das telecomunicações (telefonia, cabo, fibras ópticas, etc) e da informática (computadores, softwares e sistemas de redes), que
possibilitou o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados, em curto prazo
de tempo, entre usuários à distância.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
113
No Brasil várias empresas já utilizam essa modalidade de trabalho, onde podemos citar a
Dell, a Xerox e a Shell dentre outras.47 Segundo um artigo do Jornal “Estadão”, estima-se que já
somam no Brasil cerca de 10,6 milhões de teletrabalhadores (nas suas diversas modalidades).48
Dentre as categorias profissionais que exercem essa atividade podemos citar os profissionais de
informática (digitadores, programadores, etc.), jornalistas, tradutores e os prestadores de
serviços, principalmente os relacionados ao setor de vendas.
Um exemplo da utilização do Teletrabalho dentro de uma estratégia empresarial nós
podemos citar a Ticket, uma multinacional que está presente em 40 países e que no Brasil
substituiu todos os seus escritórios de vendas por unidades de teletrabalho. Ao todo ela conta
com 120 pessoas espalhadas em seus escritórios domiciliares nas principais capitais brasileiras.
Entretanto, chamamos a atenção para a dificuldade de se obter estatísticas confiáveis
sobre essa atividade laboral. Muitas vezes fica difícil saber os limites entre o “exagero” de quem
(organizações empresarias, associações, revistas especializadas em administração e finanças) tem
como objetivo a divulgação e a expansão dessa modalidade de trabalho e as informações que
representam de fato a realidade. O acesso a esses trabalhadores também se torna dificultado
devido ao caráter “deslocalizado” dessa atividade. E quando se trata do trabalho domiciliar essa
dificuldade se torna ainda maior. Entretanto, os problemas apontados nos instigam para o
aprofundamento do tema e para maiores indagações: onde estão esses trabalhadores? Quais as
suas vivências? O que essa experiência pode nos fazer refletir sobre o mundo do trabalho?
Este artigo tem como objetivo empreender uma análise teórica a respeito de alguns
aspectos do teletrabalho a domicílio. Neste sentido, procuramos inserí-lo em dois processos
sociais: de um lado, entendê-lo como pertencente a um processo histórico mais amplo a partir do
conceito de “trabalho a domicílio”; e de outro, a partir do processo de reestruturação sócioeconômico-produtiva do capitalismo, com a introdução dos meios telemáticos à atividade laboral.
O Trabalho domiciliar e o Teletrabalho
As raízes do trabalho industrial a domicílio podem ser encontradas nos séculos XVI e XVII
na Europa, onde esteve associado à emergência de uma economia doméstica. Pesquisadores da
47
48
Internet&Cia.Ver:http://www.fenacon.org.br/fenacon_informativos/jornalcom/jornalcomercio07082002a.htm
O Estado de São Paulo – 01-06-2008. Disponível em: www.marketanalysis.com.br
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114
área argumentam que este tipo de trabalho se desenvolveu a partir de uma forte ligação entre a
vida familiar e a vida laboral (Abreu e Sorj, 1993:11). Com o advento da Revolução Industrial o
trabalho a domicílio tornou-se uma parte do sistema fabril, como já comentava Marx no século
XIX, falando sobre as transformações constantes pelas quais o sistema produtivo da sua época
estava passando. Ele considerou, ao estudar a indústria têxtil inglesa, a produção a domicílio como
uma seção externa da fábrica, da manufatura ou do estabelecimento comercial. Numa
interessante comparação Marx fala que: “o Capital põe em movimento, por meio de fios invisíveis,
um grande exército de trabalhadores a domicílio, espalhados nas grandes cidades e pelo interior
do país.” (Marx, 2006:525). E ao aprofundar a discussão, comentou ainda sobre a diminuição da
capacidade de resistência dos trabalhadores por conta do isolamento que acabavam sendo
submetidos.
Também um grande precursor dos estudos de Sociologia do Trabalho no Brasil, Evaristo de
Moraes Filho, dedicou uma grande atenção para o tema. Preocupado com as questões relativas à
proteção sócio-jurídica desses trabalhadores, este autor publicou uma interessante e aprofundada
análise em 1943 intitulada: Trabalho a domicílio e contrato de trabalho, evidenciando a
importância do tema para a sua época. Neste livro, Evaristo também confirma a posição de Marx
afirmando que a indústria a domicílio é uma espécie de transbordamento da grande indústria
fabril concentrada. Com um tom de denúncia, alerta para as desvantagens do trabalhador onde
diz que o seu único benefício é o da relativa liberdade de que goza podendo trabalhar longe do
controle direto do seu patrão. O empregador, por sua vez, se beneficia com a economia da
despesa das instalações bem como tem a possibilidade de escapar da vigilância dos inspetores do
trabalho a respeito das leis trabalhistas (Moraes, 1994:62-63).
No Brasil, embora o trabalho a domicílio tenha se desenvolvido em vários setores
produtivos, foi no setor manufatureiro que ele mais se destacou. E dentre as características que
mais estiveram presentes neste tipo de atividade podemos comentar a expressiva presença do
contingente feminino do trabalho a domicílio contemporâneo (Abreu e Sorj, 1993:13).
Também esteve intimamente ligado ao processo de reconfiguração industrial,
principalmente a partir dos anos 80, inserido em relações de subcontratação, podendo ter
favorecido a ampliação de pequenas e microempresas (Ruas, 1993: 25).
Entretanto, mesmo observando a presença de elementos comuns que nos permitem fazer
uma comparação entre o chamado Trabalho a Domicílio e o Teletrabalho, precisamos ficar atentos
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
115
para os aspectos singulares de cada atividade. Apesar da casa do teletrabalhador se apresentar
como uma “seção externa da fábrica”, aproveitando a análise de Marx, essa atividade tem um
elemento que aqui faz toda a diferença: a utilização dos chamados meios telemáticos. E a questão
que podemos colocar é a seguinte: a transformação não se dá no sentido de se introduzir apenas
as novas tecnologias em trabalhos que já poderíamos encontrar efetuados a domicílio desde o
século XIX. Essa comparação deve ser melhor analisada, pois, por exemplo, a atividade exercida
por uma costureira de uma facção é bem diferente daquela que é exercida por um analista de
sistemas ao criar um software em sua casa. E a diferença não se encontra apenas no tipo de
trabalho realizado, mas nas diferentes relações sociais presentes em cada atividade. A sociedade
do final do século XX e início do século XXI tem outros elementos que precisam ser compreendidos
para que possamos ter uma clara idéia das dinâmicas sociais presentes no chamado teletrabalho.
Embora o tradicional trabalho a domicílio permaneça, devemos nos atentar para o
fortalecimento de novos paradigmas organizacionais das empresas nas décadas recentes. A
dinâmica produtiva agora é outra. O aumento da produtividade não é visado somente seguindo-se
a cartilha do Taylorismo. Atualmente, o paradigma empresarial se dá em torno da capacidade que
as empresas têm de administrar as informações em uma rede de empresas, que por sua vez,
possuem conexões globais. Sendo assim, apesar do teletrabalho a domicílio ter as suas raízes
históricas no chamado trabalho a domicílio, ele possui aspectos singulares, tanto na forma de
realização das tarefas, quanto nas concepções organizacionais em que ele se insere.
Paralelamente a esse processo econômico-organizacional, podemos também perceber
mutações no âmbito sócio-cultural. A sociedade torna-se cada vez mais ágil, as instituições menos
solidificadas e a organização do trabalho menos rígida. (Castel, 2006: 572). Nesta perspectiva
podemos observar a sociedade moderna (particularmente no mundo Ocidental) tornando-se cada
vez mais uma sociedade que se entende formada por indivíduos. Com o crescente processo de
individualização e com as alterações na forma com que as pessoas se vêm dentro da sociedade, o
controle social está ligado mais do que nunca ao autocontrole do indivíduo (Elias, 1994: 98). Os
indivíduos têm que decidir muito mais por si, devendo ser (não como uma opção, mas como uma
imposição social) mais autônomos (Elias, 1994:102). Sendo assim esse processo de
individualização confere aos sujeitos uma imensa carga de responsabilidade por suas atividades,
uma vez que os referenciais coletivos se encontram enfraquecidos.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
116
Louis Dumont também comenta sobre o tema afirmando que o individualismo moderno
apresenta o indivíduo como um ser moral, independente e autônomo e, portanto, não-social
(Dumont, 2006:596).
E esse sentimento compartilhado coletivamente de certa autonomia e de responsabilidade
por nossos atos, favorece, por outro lado, à percepção da fragilidade de muitos pontos de
referência, que poderiam nos trazer “certezas’. Para Bauman, no seu livro A Sociedade
Individualizada, nos falta a perspectiva sobre o controle do nosso presente. Segundo o autor, cada
vez menos temos a esperança de que coletivamente podemos realizar uma mudança nas regras
do jogo. E diante de dificuldades sociais pensamos que tais problemas só podem ser enfrentados
apenas por esforços individuais (Bauman, 2001:189).
Nesse sentido, percebemos o teletrabalhador a domicílio inserido em concepções sociais
que o percebem como um “empresário de si mesmo”, embora emblematicamente mantenha a
condição de assalariamento e, portanto, de subordinação ao empregador.
Sendo assim, podemos ainda acrescentar que o aprofundamento da temática, tanto do
teletrabalho quanto a do Trabalho a domicílio como um todo, pode trazer importantes subsídios
para a análise de noções como as de “compromisso” e de “controle” (Abreu e Sorj, 1993, p.16). A
questão da subordinação do trabalho a distância e seus mecanismos de efetivação são elementos
importantes para o entendimento de relações hierárquicas e de poder neste tipo de trabalho.
O Teletrabalho e o “Novo Espírito do Capitalismo”
Analisar o desenvolvimento do teletrabalho a domicílio é, sem dúvida alguma, pensá-lo
inserido no processo de reestruturação do capitalismo no mundo contemporâneo.
Os paradigmas de organização produtiva que vislumbravam um modelo de produção em
massa, padronizada com base em linhas de montagem, instituída na grande empresa estruturada
nos princípios de integração vertical, passa a ser substituído pelo paradigma do sistema produtivo
flexível (Castells, 1999: 212). A grande empresa não deixou de existir, mas passou a controlar uma
grande rede entre empresas organizadas em torno do processo produtivo.
Sobre esse aspecto Castells nos dá uma interessante definição: “a ‘empresa horizontal’ é
uma rede dinâmica e estrategicamente planejada de unidades autoprogramadas com base na
descentralização, participação e coordenação.” (1999: 221). Nesse novo paradigma, grande tônica
será dada na capacidade que as empresas têm de gerenciar as informações do processo
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117
produtivo. E nesse aspecto, a transformação organizacional foi extraordinariamente intensificada
pelas novas tecnologias de informação (Idem: 230).
Nessa nova configuração capitalista os conceitos de “adaptação”, “mudança” e
“flexibilidade” ganharam uma amplitude sem precedentes com as transformações constantes das
novas tecnologias (Boltanski e Chiapello, 2009: 99).
A partir de então o mundo do trabalho sofre uma intensa reorganização acarretando a
articulação de serviços terceirizados, trabalhadores temporários, bem como a expansão de
serviços provedores da informação e do suporte para aumentar a produtividade e a eficiência das
empresas (Castells, 1999: 276).
O discurso empresarial é enfático: os próprios trabalhadores devem ser organizados em
pequenas equipes pluridisciplinares, onde podem se tornar mais competitivos, flexíveis, inventivos
e autônomos. Sendo assim, as “equipes” de trabalho passam a ser percebidas por essa nova
organização do trabalho como o lugar da autogestão e do autocontrole. (Boltanski e Chiapello,
2009: 103).
Divulga-se, dessa forma, uma visão de auto-organização do trabalho em que o trabalhador
adere espontaneamente ao projeto, sem que ninguém precise lhe dizer de forma detalhada o que
tem que ser feito. Robert Castel (2006) também nos acrescenta quando diz que a segmentação
dos empregos acarreta uma individualização dos comportamentos no trabalho completamente
distinta das regulações coletivas da organização fordista. Cabe aos próprios indivíduos a definição
da sua identidade profissional, e estes mesmos indivíduos precisam fazer-se reconhecidos através
de uma mobilização tanto de um capital pessoal quanto de uma competência técnica geral.
Entretanto, este processo de individualização pode ter efeitos diferenciados dependendo do
grupo afetado. Para alguns trabalhadores essa dinâmica pode permitir que expressem melhor a
sua identidade através do seu emprego, mas para outros, pode significar a fragmentação das
tarefas, precariedade, isolamento e perda de proteções.
Pensamos que essas reflexões teóricas nos auxiliam na compreensão das dinâmicas sociais
presentes no teletrabalho a domicílio. As noções de “autonomia” e de “liberdade” estão presentes
tanto nos discursos de quem procura divulgar essa atividade (seja por meio de revistas eletrônicas,
associações e outras) quanto daqueles que exercem essa atividade laboral. Nos “discursos”, a
ênfase é dada na possibilidade de se trabalhar num horário organizado pelo próprio trabalhador,
sem que ele se submeta a um controle de chefia face a face, além de poder conjugar certos
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118
“mimos” cotidianos como almoçar em casa ou se livrar dos congestionamentos dos grandes
centros urbanos.
Entretanto, queremos destacar aqui que esse mesmo indivíduo, que é entregue a si
próprio, à sua criatividade e à sua aplicação, pode ver seu espaço de residência e o seu tempo
invadido pelo espaço (material e simbólico) de outras organizações. O teletrabalhador a domicílio
é um trabalhador individual, mas ao mesmo tempo é também um trabalhador coletivo, pois seu
trabalho está inserido numa grande rede de conexões globais.
Sobre a questão da “liberdade”, precisamos também analisá-la de forma crítica, pois o
tempo na verdade não foi libertado, mas foi sujeito a novos controles como no diz Sennett (1999:
68) ao se referir ao trabalho domiciliar:
Na revolta contra a rotina, a aparência de nova liberdade é enganosa. O tempo nas
instituições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de ferro do passado, mas sujeito
a novos controles do alto para baixo. O tempo da flexibilidade é o tempo de um novo
poder.
A respeito do tempo de trabalho, podemos aqui colocar algumas questões. Como calcular
o tempo que o trabalhador precisa para realizar uma determinada tarefa? Como saber se ele terá
ou não condições de finalizar as suas atividades no prazo estipulado pelo “projeto”? Numa
relação, muitas vezes denominada de confiança, o teletrabalhador adere espontaneamente aos
objetivos propostos pelos organizadores dos “projetos” e cabe ele mesmo organizar o tempo do
seu trabalho. Organização essa que pode acarretar a intensificação dos ritmos do seu trabalho,
bem como a utilização dos finais de semana para a finalização das suas tarefas. Intensificação
presente não só nos “ritmos” de trabalho, mas também na corrida frenética para alcançar maiores
níveis de exigência de qualificação profissional.
Sobre a questão do horário de trabalho do teletrabalhador a domicílio, embora este seja
estabelecido da mesma forma que é o do trabalhador da sede da empresa, com a mesma jornada
de trabalho49, muitas vezes, para se atingir as metas propostas, o teletrabalhador acaba por
trabalhar muito mais horas semanais. Antecipando-se sobre futuros problemas jurídicos no que se
refere ao pagamento de horas extras, o “capital” está tentando aprovar um projeto de lei, n.4505
49
Sobre os limites da jornada de trabalho ver: Ivan Alemão, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 170-173.
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119
de 2008, que visa à regulamentação do trabalho a distância, onde conceitua e disciplina as
relações de teletrabalho.50 Dentre os artigos que são propostos, o que mais nos chamou a atenção
foi o que se referia ao não pagamento de horas extras ao teletrabalhador.51 Argumenta-se que
devido à dificuldade para o controle da “jornada aberta” do teletrabalho, o trabalhador deveria
ajustar a execução das tarefas às horas normais de trabalho. Sendo assim, o teletrabalhador tem
que intensificar o seu ritmo de trabalho para poder dar conta de todas as suas atividades.
Esse projeto de lei sobre o teletrabalho nos faz lembrar o processo de alterações do artigo
62 da CLT na década de 90. Dentre as alterações, podemos citar também o não pagamento de
horas extras à cargos de gerência, tidos como de confiança e exercentes de cargos de gestão, o
que proporcionou um aumento significativo dos gerentes em vários postos de trabalho. Podemos
assim atualmente encontrar gerentes de todos os tipos e para todas as funções.
Ainda sobre a questão da jornada de trabalho e das horas extras, no teletrabalho tais
conceitos ficam “embaralhados” e confusos. Apesar de todo o discurso de liberdade e de
autonomia, na prática, trabalha-se muito mais, tanto no total de horas trabalhadas quanto da
intensificação dos ritmos de trabalho.
Considerações finais
Procuramos nesse artigo compreender algumas especificidades do novo tipo de
capitalismo contemporâneo que permitiu o desenvolvimento do teletrabalho a domicílio.
Embora trabalhar em casa possa ser o sonho de muitas pessoas, tentamos neste artigo
compreender os mecanismos sociais que permeiam essa atividade e compreendê-la para além da
utopia. As noções de autonomia, liberdade e de autocontrole devem ser olhadas de forma crítica,
pois não podemos nos esquecer das fontes pelas quais o capitalismo se nutre: do trabalho
humano. Dessa forma, a subsunção ao capital, no caso do teletrabalho, ainda está presente.
Entretanto, nessas linhas finais queremos também colocar alguns questionamentos que
podem nos instigar a futuras reflexões. Embora o teletrabalho a domicílio possa representar um
“tipo ideal” para a empresa neoliberal (com trabalhadores subordinados, auto-motivados e
50
No dia 19-05-2010 o projeto de lei teve seu parecer aprovado pela Comissão de Trabalho, de administração e Serviço Público
(CTASP) e agora aguarda a realização de uma audiência.
Ver:http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=420890
51
Artigo sétimo, parágrafo único.
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120
segmentados), poderia ao mesmo tempo nos fazer ver o reverso da moeda. Se as redes
telemáticas são os principais instrumentos para a execução do trabalho, não poderiam também se
tornar em poderosos instrumentos de organização coletiva? Poderiam os sindicatos criar novos
dispositivos para facilitar o engajamento dos trabalhadores de forma on-line?
Um interessante exemplo é o caso do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de
Telecomunicações do Rio de Janeiro (o Sinttel-RJ), que apesar de não ser o órgão representativo
dos teletrabalhadores, representa profissionais que também possuem as suas atividades
intimamente ligadas aos meios telemáticos. Recentemente estão investindo nos meios de
multimídia para a divulgação de materiais e informações sindicais. Além da formação da TV Sinttel,
que está em fase de montagem, estão também presentes nas recentes mídias sociais. Hoje,
qualquer trabalhador pode acessar o sindicato pelo Twiter, Blog, Orkut, Facebook, podendo
estabelecer contato com outros trabalhadores. Sendo assim, esses trabalhadores podem
estabelecer entre si novas formas de comunicação e novos laços de solidariedade.
Dentre os inúmeros desafios para a organização sindical, esse é mais um para a
organização política dos trabalhadores.
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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
122
O Mundo do Trabalho:
A Formação, A Qualificação Profissional e o Jovem Deficiente.
Michele Paitra Alves dos Santos52
Introdução
A qualificação profissional é um tema “neufrálgico” (Carrillo, Iranzo) para a sociologia por
incluir implicações profundas que relacionam o sistema de ensino ao mundo produtivo do
trabalho. Quando pensada a formação e a qualificação profissional na modernidade temos como
um dos públicos alvos o jovem, que recém saído do sistema educacional busca sua inserção no
mundo do trabalho. Neste sentido, se destaca o jovem “especial” e ainda pouco visualizado pela
problemática da sociologia: o deficiente.
No Brasil, por meio das políticas públicas, principalmente advindas da Constituição Federal
de 1988, ele vem ganhando voz, ainda pelos outros e sendo constantemente encaminhado ao
mundo do trabalho pela formação e qualificação profissional para exercer atividade remunerada.
Para isto, precisa passar pelas políticas de inclusão e as oficinas protegidas no interior das escolas
especiais, principalmente quando nos referimos ao deficiente intelectual.
O tema a ser desenvolvido no presente artigo é uma análise sociológica mediante revisão
de literatura dos caminhos da formação e qualificação profissional no Brasil, e o estudo das
políticas públicas da década de 1990 destacando o sujeito deficiente jovem, nesse processo.
A justificativa para a escolha do tema refere-se a grande complexidade que a temática da
formação e qualificação profissional apresenta para a sociologia do trabalho, integrando
contextualmente as discussões da reestruturação produtiva, da flexibilização, das novas exigências
para os postos de trabalho pela formação incipiente e pela necessidade de qualificação
profissional.
O objetivo é o de analisar por meio de revisão de bibliografia a visão de alguns autores
latinos americanos e brasileiros da sociologia do trabalho e alguns documentos desenvolvidos
52
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em
Organização do Trabalho Pedagógico pela UFPR, Cientista Social pela mesma instituição e Pedagoga pela PUCPR. Atualmente é
integrante do grupo de trabalho GETS. Desenvolve pesquisa na área de trabalho e a inserção do deficiente jovem, em Curitiba.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
123
pelos legisladores, o discurso das políticas públicas brasileiras, para perceber os enfoques dados à
formação e qualificação profissional.
Separo os termos formação, qualificação profissional e capacitação, nos textos Latino
Americanos, por não entender tais termos como sinônimos, como em alguns casos que aparecem
nos textos, mas sim como complementares, pois podemos formar, por um sistema de ensino, num
processo mais longo e qualificar ao longo da vida profissional os sujeitos- atores, por meio de
cursos de curta duração e uma formação continuada para o mundo do trabalho.
2. Caminhos da formação e Qualificação Profissional: Políticas Públicas Brasileiras
A formação53 e qualificação profissional54 apresentam-se no conjunto, como uma temática
em voga na sociologia do trabalho, que ganhou nova preocupação e importância devido à crise do
paradigma fordista-taylorista. A emergência da produção flexível, expressa-se também nas
políticas públicas da década de 1990, devido às novas exigências ligadas às questões sociais e do
mundo do trabalho.
Para Carrilo e Iranzo, a preocupação com a qualificação profissional do trabalho já estava
presente nos clássicos da sociologia, num sentido de formação integral, de valor determinante da
aprendizagem, de trabalho fragmentado, parcial e artesanal, em Marx, por exemplo.
Pensando o mundo do trabalho para além das mudanças tecnológicas, as formas de
contratação também tem se alterado com a reduzida oferta de postos de trabalho. Há uma maior
exigência de qualificação profissional, mesmo para postos com baixa remuneração que,
juntamente com o que foi apontado, resulta em ampliação da desigualdade social e da
insegurança quanto ao trabalho.
A qualificação profissional, historicamente no Brasil, a partir da década de 1940 foi
ofertada como parceria paga pelos investimentos públicos entre o sistema de ensino e Sistema S
(SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAC – Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial, o SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o SESIServiço Social da Indústria, o SESC – Serviço Social do Comércio), que correspondia a serviços de
53
Segundo Cattani (2002, p. 128), “a formação profissional, na sua acepção mais ampla, designa todos os processos educativos que
permitam, ao indivíduo, adquirir e desenvolver conhecimentos teóricos, técnicos e operacionais relacionados à produção de bens e
serviços, quer esses processos sejam desenvolvidos nas escolas ou nas empresas”.
54
Conforme Laranjeira in Cattani (2002, p. 258), “um dos aspectos básicos relacionados à questão da qualificação é a sua relação
com as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho. A emergência de um novo paradigma de produção baseado na utilização
de novas tecnologias”.
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124
formação e qualificação para a obtenção de um ofício necessário para a época e que foram se
estruturando com relação ao mercado.
Segundo Costa (2006, p. 137) “podemos falar de três momentos na qualificação
profissional no Brasil: o primeiro, até os anos 50, associado ao período de aceleração da
industrialização, em decorrência do processo de substituição das importações; o segundo, nos
anos 70, com a educação tecnicista, associada ao “milagre econômico”; a terceira, nos anos 90,
como resposta às exigências da inserção na economia global”.
Neste sentido, estas três fases de qualificação profissional estavam intrinsecamente ligadas
muito mais a questões econômicas e de mercado, do que as relações sociais. O sistema S
representa sem dúvida, um momento significativo de qualificação profissional, se mantendo nas
demais décadas ainda como uma referência. A década de 1970 representada pelo modelo
tecnicista de uma formação aligeirada para o trabalho, foi sendo substituído pelas novas
modalidades de qualificação expressas pelas políticas governamentais da década de 1990, em
meio à globalização e reestruturação produtiva que exigiu muito mais “flexilidade” do trabalhador,
agora para além dos direitos do trabalho formal.
Na década de 1990 ocorreu uma fase de “estrangulamento” (Costa, 2006) da força de
trabalho, devido ao seu baixo nível de escolarização numa média de cinco anos e meio, com
grande número de jovens egressos do sistema escolar que não estavam preparados para enfrentar
as exigências do mercado de trabalho, grande contingente da população desatualizada para as
novas tecnologias e a pouco eficiência do sistema de formação profissional.
A qualificação profissional no início de década de 1990, não contava com uma política
pública de formação e de combate ao desemprego. Num mundo do trabalho afetado pela
globalização, pelo aumento da precarização e flexibilização das relações trabalhistas a crise social
só se aprofundou contra os trabalhadores tratados como iguais em termos legais e pouco
visualizados em suas diferenças.
Para Oliveira (2006) na década de 1990 ocorreu uma nova discussão quanto à qualificação
profissional, tendo como pano de fundo a globalização, o esgotamento do fordismo, o fenômeno
de reestruturação produtiva, as políticas de liberação do mercado, seguidas de privatizações de
empresas estatais, da abertura do sistema financeiro, de políticas macroeconômicas e de controle
inflacionário. O Brasil nesse contexto, foi introduzido no “paradigma da globalização” a partir do
governo de Fernando Collor de Melo. Na mesma década, o desemprego e a precarização do
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
125
trabalho converteram-se em graves problemas sociais, como um “fenômeno de massa”. As
políticas públicas, por sua vez, de modo contraditório, de um lado defendiam possibilidades
derivadas da Constituição Federal e de outro, adotaram determinações liberalizantes.
É importante destacar que o contexto social mostrou-se contraditório, devido ao claro
esforço do Estado em desresponsabilizar-se com as políticas sociais e estimular um movimento
difuso e desarticulado da sociedade civil, visando à ampliação da participação e gestão de políticas
públicas para a qualificação profissional.
Neste sentido, em 1995 foi criado pelo Ministério do Trabalho o Plano Nacional de
Educação Profissional (PLANFOR), passando a vigorar até 2002. Resultou em um plano de
transferência de políticas públicas para o privado, aplicando os princípios liberais, concebido a
partir de três ideias-força: noção de competência, de empregabilidade e parceria.
O PLANFOR instituído no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) pretendeu criar
uma nova institucionalidade para a área de qualificação profissional, com a ideia de se ter
“cidadãos produtivos” (Costa, 2006), que deveriam individualmente investir na qualificação
profissional, sendo culpabilizados pela situação de desemprego.
Para Oliveira (2006), o problema do emprego/ desemprego foi formulado como sendo de
natureza técnico-administrativa, cabendo ao trabalhador individualmente se requalificar
profissionalmente, conforme as exigências do mercado para se tornar “empregável”, noções
gestadas no momento em que o desemprego tornou-se drama social.
A concepção ganhou concretude “institucional, organizacional e operacional” por meio da
ideia de parceria, apontando para um campo de privatizações e descentralização dos serviços
sociais como da educação, saúde, cultura e pesquisa científica.
A noção de competência se constituiu como um elemento de referência no PLANFOR
imprimindo o trabalhador na qualificação profissional a necessidade de saber “fazer”
(preocupação do paradigma fordista de qualificação), do saber “ser” e do saber “aprender”.
Associado ao conceito de competência estava o discurso de empregabilidade,
principalmente no primeiro mandato do governo FHC, entendido como um conjunto de
conhecimentos, de habilidades, de comportamentos e de relações que deveriam tornar o
profissional necessário para qualquer organização.
Segundo Prestes (2006), a qualificação profissional no PLANFOR aliava a educação a uma
política de trabalho e renda. Pretendia envolver os interesses da empresa, do trabalhador e de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
126
toda a sociedade. O programa foi alvo de frequentes críticas que alegavam que a qualificação
oferecida era ineficaz, por não formar o trabalhador como um sujeito capaz de refletir o processo
produtivo e nem para o mercado, apenas criando expectativas inquietantes nos mesmos.
Tinha como clientela a população excluída do mundo do trabalho que se “movia” na
economia informal e necessitavam de qualificação também com vistas à certificação. O problema
é que a qualificação oferecida conduzia a ocupações tradicionais que exigiam pouca escolaridade
ou para o mercado informal, isto é, não integrando o trabalhador no mundo do trabalho, gerando
expectativas e o culpabilizando.
A avaliação das políticas públicas de trabalho e renda não deveria servir como mera
resposta burocrática de eficiência e de eficácia, mas como instrumento de reflexão,
impulsionando transformações reais no processo de vida do trabalhador pela qualificação.
Para Oliveira (2006) a discussão pública ganhou novos contornos com a instituição do
Plano Nacional de Qualificação (PNQ) em 2003, em substituição ao PLANFOR. Deu novos rumos a
qualificação profissional como um conceito social, questionou a noção de empregabilidade e
buscou centralizar o entendimento da política pública na perspectiva de direitos sociais e
integração.
O PNQ baseia-se na qualificação profissional integrada ao conjunto das políticas públicas,
numa linha de fronteira entre o trabalho e a educação, articulando-se o “Projeto de
Desenvolvimento de caráter includente, voltado à geração de trabalho, à distribuição de renda e à
redução das desigualdades regionais” (COSTA, 2006, p. 141).
Neste sentido, a qualificação profissional passa a ser tratada como um direito do
trabalhador de fato, que pode ser reformulada conforme as necessidades do contexto, sendo um
dos grandes desafios dos espaços públicos, da gestão participativa e do controle social (OLIVEIRA,
2005).
Para Oliveira (2005), o Estado passou a ter a tarefa de implementar ações no sentido de
monitorar os problemas sociais causados pelo desemprego, criando formas de estimular e de
complementar a atuação do mercado para a geração de trabalho, emprego e renda; reforçando a
necessidade da constituição de um sistema público de emprego integrado as políticas de
desenvolvimento econômico e social e trazendo a tona os debates de democratização das relações
trabalhistas.
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127
Na dimensão de política pública que envolve investimento educativo, a “qualificação social
e profissional” (Oliveira, 2005), deveria tanto envolver um caráter formativo, como de certificação
e de orientação profissional, como garantia de acesso e permanência do trabalhador no mundo do
trabalho.
Mais especificamente quanto à educação, a formação profissional, Pochmann (2001) cita
que existe uma inadequação entre a mesma e o “aparelho produtivo”. As circunstâncias que
estão imersas a educação profissional para a realização da qualificação, retratam um momento de
transição para a nova forma de economia produtiva, que aponta para uma constante formação
continuada, para a transferência tecnológica, numa multiplicidade de oferta de programas de
qualificação.
O compromisso da educação / formação profissional seria o de preparar o trabalhador ao
longo de sua vida para estar ativo no mundo do trabalho, mais do que especificamente para uma
qualificação em uma função específica para durar por toda a vida.
Para Pochmann (2001), uma renovação da formação profissional dos trabalhadores deveria
integrar a formação aos desafios recentes da economia brasileira, com o estabelecimento de
metas de efetividade, de eficácia e eficiência para os programas de qualificação profissional.
Deveria também envolver os setores governamental, empresarial e de trabalhadores como forma
de “desenhar” uma nova formação, culminando numa melhor transição do sistema educacional
para o setor produtivo, articulando também ações públicas para o mundo do trabalho e
desenvolvimentos econômico.
Gallart (2001) considera que a concepção de formação para o trabalho passou a identificarse com a formação profissional. Estudando a América Latina e a formação dos jovens, identifica
que a dinâmica dos programas de formação mostram uma tensão entre a demanda social por
capacitação, qualificação por parte dos jovens e a demanda por capacitação por parte das
empresas, com distinta amplitude, centradas na mesma especialidade: a qualificação profissional.
A educação recebida conforme a autora, influencia a entrada no mundo do trabalho. A
idade, o nível socioeconômico e o gênero também são marcas de diferença na inserção laboral. Os
jovens com maiores níveis de instrução também encontram dificuldade de conseguir espaço no
mercado. Afirmando a dinâmica do contexto do mundo do trabalho moderno, a educação
profissional tem se distanciado dessa realidade por sua falta de relevância dos seus programas que
não correspondem as expectativas do mundo do trabalho e até mesmo dos jovens.
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128
Principalmente o jovem das camadas populares, que vivem em uma situação de pobreza
na América Latina tem desempenhado um tipo de trabalho mais precarizado, em ocupações não
qualificadas e de baixos salários. As políticas de formação profissional, segundo Gallart (2001)
estão tencionadas entre as demandas por capacitação e pelas demandas das empresas que
almejam pessoal qualificado.
A maioria dos programas parte da premissa de que os jovens necessitam de formação
específica para o trabalho. Essa formação profissional também deveria integrar alguns aspectos
básicos de leitura, de escrita e de raciocínio lógico matemático, com períodos maiores de
formação. Essa preocupação esboça a mudança que se espera nos programas dos cursos, que
devem ser de maior duração. Deve-se também oferecer possibilidade de prática profissional
atrelada ao mundo do trabalho aos jovens.
Nos países em desenvolvimento se assinala a importância dada ao Estado no tocante aos
problemas de qualificação profissional. O desafio das políticas de formação profissional são de
manter uma continuidade e flexibilidade, por se tratar de um processo contínuo de aprendizado
social e de aproveitamento das experiências acumuladas.
Os aspectos que também são cruciais para as políticas de formação profissional para
Gallart (2001) são: a institucionalização dos programas, a atualização dos currículos, o perfil dos
formadores para os jovens, a articulação com as empresas, a necessidade de incorporar as
tecnologias modernas, as experiências prévias de alguns trabalhadores e a diversidade do
contexto social inseparável do mundo do trabalho. E o jovem deficiente, como é visto nas políticas
públicas de formação e qualificação profissional no Brasil?
3. Como Ser Jovem, Trabalhador e Sujeito Deficiente no Brasil – Formação e Qualificação
Profissional
Ao falarmos em sujeitos jovens e deficientes devemos ter em mente que a deficiência
aparece como “uma marca” social de anormalidade (Cerignoni e Rodrigues, 2005), por parte da
sociedade que segrega, exclui aqueles que fogem às expectativas de normalidade.
No Brasil no Censo de 2000, são identificados “cerca de 25 milhões de pessoas com algum
tipo de deficiência, o que corresponde a nada menos de 14,5% da população” (CERIGNONI e
RODRIGUES, 2005, p.6), representando um grande contingente populacional a ser pensado e
integrado pelas políticas públicas de trabalho e renda do mundo moderno.
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129
No plano legal, a pessoa, o sujeito com deficiência aparece mais integralmente na
Constituição Federal de 1988, estando sempre presente e ao mesmo tempo silenciado nas
constituições anteriores, mesmo que nas entrelinhas, como aquele que representa uma
anormalidade, uma excepcionalidade social na visão dos outros.
Neste sentido, a educação profissional, conforme Pereira e Tibola (2005), ao citarem artigo
28 e § 1º do Decreto n° 3298/99, mais especificamente para a formação profissional dos
deficientes, destacam que em termos legais, “deverá ser oferecida nos níveis básico, técnico e
tecnológico, em escola regular, em instituições especializadas e nos ambientes de trabalhos”.
Ainda no mesmo artigo, ressaltam que as escolas de formação profissional deve oferecer aos
deficientes, se necessário, serviço de apoio especializado de acordo com as peculiaridades da
deficiência. Em cursos de nível básico as matrículas devem ser condicionadas a capacidade de
aproveitamento do sujeito e não ao seu nível de escolaridade.
No Paraná, a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social, realizou uma
síntese das principais leis que regem a dinâmica das políticas públicas para a deficiência para o
ingresso no mundo do trabalho e não apenas para o mercado como indicação direta do
documento. Cita a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para afirmar que o trabalho e a
pessoa com deficiência integram uma das principais preocupações sociais. Segundo o artigo 3º do
Decreto n° 914/93 a pessoa com deficiência é “aquela que apresenta, em caráter permanente,
perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que
geram incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para
o ser humano (...) excluem-se desta consideração pessoas com pequenas limitações físicas ou
sensoriais, assim como: falta de um dedo, pequenas dificuldades ortopédicas, uso de óculos, entre
outros”. O termo legal caracteriza quem é considerado deficiente ainda segundo um padrão de
normalidade.
Retomando a Constituição Federal de 1988, no artigo 227 é apresentada legalmente a
necessidade de se criarem programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas
com deficiência, mediante integração social do adolescente por meio de treinamento para o
trabalho.
Também é de responsabilidade do Poder Público o “surgimento e a manutenção de
empregos”, inclusive de tempo parcial, para as pessoas com deficiência que não tenham acesso
aos empregos comuns, tanto no setor público como no privado. São utilizadas as denominações
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
130
capacitação profissional e a educação para o trabalho ao deficiente, para designar a formação e
qualificação profissional. Chama a atenção nesses documentos o objetivo básico de “sucesso
laboral”, que foi “retirado” do contexto das políticas públicas liberalizantes da década de 1990 no
século XX, associada a um nomenclatura internacional de capacitação para o labor.
Bartalotti (2006), expressa essa preocupação de integração social do sujeito deficiente pela
inclusão social das diferenças significativas, não apenas do deficiente, mas do precarizado, do
marginalizado, dentre outros. Para ela, a partir do século XX a deficiência passou a ser classificada,
diagnostica e sendo aplicada tratamentos especializados. Não negando as causas orgânicas
existem também os fatores psicossociais, que deixam de considerar a deficiência apenas como
uma doença, passando a ser vista como uma condição do sujeito, sendo necessárias medidas
sociais, educacionais, de formação profissional e de políticas públicas para se falar de seu
desenvolvimento.
Voltando ao nosso objetivo da análise da qualificação profissional Araújo (2006) afirma que
em especial o “deficiente mental”, intelectual com a nova nomenclatura, necessita de auxílio na
transição da escola especial para o trabalho, e necessita de “colocação, manutenção” numa
ocupação remunerada no mundo do trabalho. Acrescenta que apesar da existência da política
inclusiva em vigor, a maior parte das oportunidades de formação para o trabalho do deficiente
ocorre no interior das escolas especiais nas oficinas profissionais, com o intuito de prepará-lo para
exercer um trabalho produtivo em ambiente protegido. Outro quadro apresentado é que muitos
deficientes acabam por abandonar as escolas com o intuito de ingressar no mercado de trabalho
formal ou informal, necessitando de apoio profissional e de qualificação profissional adequada
para serem encaminhados e encontrarem uma colocação no mundo do trabalho que lhe seja
digna.
Marquezan (2009) traz uma grande contribuição da temática da deficiência pela análise do
discurso da legislação, que no caso brasileiro, traz em seu bojo, uma grande quantidade de
documentos, de textos que tentam expressar-se pelo sujeito, “produzindo uma interdição de sua
possibilidade de significar” (MARQUEZAN, 2009, p. 114).
Em termos legais, pela análise do discurso produzida pelo autor, a sociedade produz um
discurso sobre o sujeito deficiente que não passou por ele, mas que retorna sobre ele. Esse
discurso é formulado na base da representação social da deficiência por meio de um percurso
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
131
histórico de via marginal, que evidencia que o sujeito nunca se enquadra em nenhum modelo de
homem que as culturas estabeleceram no seu desenvolvimento histórico.
O discurso legal sobre o sujeito deficiente autoriza os outros, no caso o Estado, os
profissionais, a significar por ele. Diz também quem é o deficiente, o que deve ser feito, como
deve ser feito e quem deve fazer.
O deficiente deve assumir a função social como sujeito-autor, capaz de organizar, de se
responsabilizar por uma determinada produção, se inserir no mundo do trabalho. Para Marquezan
(2009) a lei, o preceito legal e principalmente a classificação do sujeito deficiente representa,
significa, mas pode também torná-lo transparente. Por exemplo, na Constituição Federal de 1988,
a nomeação de “pessoa portadora de deficiência” ao mesmo tempo que demonstra um caráter
humano, a palavra portadora exprime uma linguagem médico-sanitarista, num histórico de
doença, com o discurso legal conduzindo, mantendo a exclusão do sujeito pela sociedade.
A designação sujeito deficiente no discurso da legislação varia com freqüência: anormal,
excepcional, com deficiência, portador de deficiência, com necessidades especiais, com
necessidades educacionais especiais, podendo aludir a pessoas, crianças, aprendizes,
educandos, alunos, sujeitos, indivíduos, portadores. (...) As mudanças freqüentes na
forma de designar o sujeito deficiente pode constituir uma tentativa de impedir, pelo
silenciamento, a produção de sentidos. (MARQUEZAN, 2009, p. 142)
Com isso, é possível analisar como a preferência da determinação legal se afasta de uma
“consciência social” e que os discursos produzidos estão ligados intrinsecamente aos sentidos da
história, da economia e do mundo das relações de trabalho. A formação e qualificação profissional
para o sujeito deficiente, no nosso caso o jovem, no discurso legal, retrata ainda os princípios
liberais do capitalismo que em parte organizaram a sociedade brasileira e ainda a influenciam. Ao
oportunizar a educação pela formação e qualificação profissional como uma forma de habilitação,
de capacitação para o trabalho e convívio social, ainda estamos distantes de uma realidade
integradora, inclusiva para o trabalhador deficiente no mundo do trabalho moderno.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
132
4. Os Caminhos Metodológicos da Pesquisa
Pensando a discussão sociológica das novas exigências do mercado de trabalho pela
reestruturação produtiva, do processo de qualificação profissional e do debate público e legal das
condições de inserção do trabalhador, a pesquisa visa analisar sociologicamente a categoria
deficiente intelectual jovem mediante sua integração no mercado de trabalho, pelo caminho da
formação profissional.
A inserção do deficiente no mercado de trabalho ainda é um tema pouco visualizado na
sociologia, por isso a pesquisa pretende analisar o lugar que o deficiente jovem ocupa na
sociedade contemporânea, mais especificamente nas discussões de mercado de trabalho,
juntamente como as noções de qualificação, de competência e desempenho profissional.
Os caminhos a serem seguidos pela pesquisa, inicialmente serão de revisão bibliográfica a
ser intensificada pela busca de teses e dissertações sobre a temática da inserção do deficiente no
mercado de trabalho, em áreas das ciências humanas e sociais, como da própria sociologia, da
antropologia, da história, do direito, da educação e da economia. Esses resultados elucidarão
quais a áreas que mais têm desenvolvido pesquisas referentes à temática e como a categoria
deficiente tem sido apresentada.
Posteriormente pretende-se buscar dados do Ministério do Trabalho e Emprego e da
Educação quanto à inserção do deficiente no mercado de trabalho. Para a pesquisa serão
escolhidos os deficientes mentais, intelectuais leves, por ter como hipótese que se constitui em
um grupo mais fragilizado quanto à formação profissional e a inserção no mercado de trabalho.
Além disso, Curitiba tem apenas três escolas municipais especiais para a formação desses
indivíduos.
Outro caminho da pesquisa é o de realizar uma pesquisa documental e entrevistas tanto da
Secretaria Municipal de Educação e do Trabalho e Emprego, analisando o material utilizado pelos
gestores e o discurso dos principais indivíduos envolvidos tanto na formação e na inserção no
mercado de trabalho dos deficientes jovens, entendidos como uma categoria sociológica.
A pesquisa visa também um construtor conceitual quanto novas possibilidades de
interpretação sociológica da temática, que perpassará pela análise das políticas públicas de
trabalho e emprego para o jovem deficiente, que visam sua integração, a inclusão no mercado de
trabalho.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
133
A pesquisa qualitativa representa o caminho escolhido para corresponder melhor às
expectativas da pesquisa. Ela não determinará um método, em detrimento de outros, não
desconsiderá a pesquisa quantitativa e não se opõe a este como algumas abordagens
metodológicas entendem. Nas palavras de Tremblay (2008), a pesquisa qualitativa possui um teor
diversificado e de natureza integrativa, superando a simples explicação, podendo também
complementar certas abordagens pela sua complexidade. A pesquisa qualitativa incorpora uma
forma de produzir conhecimento científico.
O processo do conhecimento científico é, hoje, mais complexo do que outrora. Ele se
organiza segundo abordagens teóricas e normas de observação que permitem apreender
as relações entre as variáveis, ou ainda constatar o valor preponderante de uma delas
quanto a uma realidade dada, já que se trata de isolar as significações concernentes aos
conjuntos de elementos em sua inter-relações, a fim de melhor apreender as motivações,
expectativas e intenções dos atores, e de reconhecer a influência neles exercida por
diferentes contextos particulares. (TREMBLAY, 2008, p. 28)
A pesquisa qualitativa como propulsora de conhecimento científico também justificasse
nas palavras de Flick (2004), por pressupor uma forma diferente da pesquisa geral, ultrapassando
os modelos clássicos de entrevistas e questionários, mas contando com esses instrumentos. Nos
caminhos de Minayo (2002), ela abrange a compreensão específica entre o assunto e o método,
com uma interdependência mútua entre as partes isoladas do processo, com a complexidade e
incluindo o contexto. Pela riqueza da pesquisa qualitativa, um método pode ser interligado ou
complementado a outro como forma de apresentar e possibilitar uma análise mais profunda do
objeto.
O terceiro passo da pesquisa será do conhecimento das instituições escolares formadoras
dos deficientes para a inserção profissional no mercado de trabalho. Em Curitiba existem três
escolas especiais municipais que formam profissionais especiais, isto é, deficientes intelectuais
jovens para o mercado de trabalho. Lá a pesquisadora pretende coletar dados por meio de
observação, de questionários e entrevistas que visam analisar o ambiente formador, apreender
como os agentes envolvidos na formação categorizam os indivíduos deficientes e o que esperam
da formação que desenvolvem.
Outro caminho pensado para essa categorização sociológica é das histórias de vida pelo
registro de relatos de experiências individuais dos deficientes jovens, buscando em algumas
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
134
trajetórias pessoais e a interpretação ou a explicação do dinamismo para a superação ou não de
barreiras quanto ao ingresso no mercado de trabalho.
A história de vida por meio do diálogo entre o individuo e o seu contexto e práticas sociais,
para Moita (1992, p. 113) “põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza seus
conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num
diálogo com os seus contextos”.
Para completar a analise sociológica de como o deficiente é categorizado na sociedade
contemporânea, pelo caso de Curitiba, a pesquisadora pretende coletar os dados da Secretaria
Municipal do Trabalho e Emprego, das empresas que mais contratam os deficientes. Com dados
amostrais das empresas, pretende-se analisar as noções de qualificação, de competência e
desempenho profissional.
Concluindo esta apresentação, as principais dúvidas a serem levantadas são de como
relacionar os conhecimentos clássicos e contemporâneos da sociologia do trabalho, sem perder de
vista a necessária conexão entre a instituição educacional, como espaço social de formação e a
categorização de deficiente para o mundo do trabalho na sociedade contemporânea.
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135
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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
136
A distribuição espacial do Emprego Formal da Indústria
Calçadista na Paraíba
Dr. William E. Nunes Pereira55
1 Introdução
A economia brasileira tem experimentado a intensificação de transformações técnicas e
sócio-econômicas nos últimos anos. Essa intensificação se deve em grande parte ao processo de
reestruturação produtiva do capital possibilitado pelas inovações tecnológicas e organizacionais
do período. A reestruturação produtiva afetou todos os setores produtivos e, em especial, a
indústria. Nesse contexto de reestruturação produtiva, no qual a competitividade se acentua
devido às pressões geradas pela abertura do mercado brasileiro, a produtividade e a redução de
custos assumem papel fundamental à “sobrevivência” da indústria em face à acirrada
concorrência capitalista.
A procura por redução de custos, competitividade e produtividade levaram as indústrias
brasileiras a redirecionar investimentos, re-localizar plantas industriais e buscar incentivos e
estímulos públicos no intuito de superar as concorrentes. A indústria calçadista do Brasil enfrentou
contextos recessivos internos e acirrada concorrência externa nos últimos anos, devido à abertura
comercial e a entrada no circuito mundial de novos e grandes produtores, de que é exemplo a
China. O acirramento da concorrência (interna e externa) aliada a recessão econômica dos anos
1990 forçou a indústria calçadista a novas estratégias, implicando em transformações importantes
na configuração territorial dessa indústria.
Esse “paper” tem por objetivo principal mostrar a atual configuração geográfica da
indústria calçadista no estado da Paraíba. Esse objetivo pretende ser alcançado através da análise
dos dados constantes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e
do Emprego (MTE). Nesse sentido, serão utilizados os dados referentes ao emprego formal e ao
número de estabelecimentos da RAIS/MTE nos anos de 1985, 1990, 1995, 2000 e 2005. Além
disso, utilizando-se o Software SGT 7.0 pretende-se mostrar cartograficamente a localização da
indústria de calçados no estado. Na análise da configuração espacial da indústria calçadista foi
55
Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
137
considerada a classificação realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
1980.
O trabalho divide-se em quatro partes incluindo-se essa introdução. Na segunda parte
procura-se mostrar a distribuição do emprego e da indústria calçadista no Nordeste. Na terceira
parte, foca-se a distribuição do emprego e da indústria na Paraíba. A conclusão encontra-se na
quarta parte.
2 A Distribuição Do Emprego E Da Indústria Calçadista No Nordeste
No período 1985/2005, todos os estados do Nordeste apresentaram crescimento no
número de estabelecimentos na indústria calçadista56. Na verdade, tal crescimento foi bem mais
forte em alguns do que em outros, demonstrando um forte atrativo que alguns fatores, em
particular, a guerra fiscal implantada via concessão de incentivos fiscais e financeiros
proporcionou para essas indústrias. Esse atrativo é resultado, em sua maior parte, de políticas
estaduais (fiscais e para-fiscais) de estimulo e incentivo à re-localização industrial.
Secundariamente, outros fatores tais como o custo da força de trabalho e outras vantagens
contribuíram para a re-localização.
Tabela 01 - Participação relativa estadual no número de
estabelecimentos da indústria calçadista do Nordeste
ANO/UF MA
PI
CE
RN
PB
PE
1985 0,5
2,0 33,8
8,0 13,4
20,9
1990 0,0
2,1 32,1
3,8 15,0
19,1
1995 1,2
1,6 33,9
3,6 23,9
14,7
2000 0,5
2,1 40,4
4,6 22,4
7,9
2005 0,6
1,9 41,9
5,1 19,7
8,3
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
AL
1,5
2,1
2,0
1,2
1,7
SE
2,5
4,4
2,8
1,8
2,8
BA
17,4
21,5
16,3
19,2
18,0
TOTAL
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
No período em estudo, o estado do Ceará consolidou sua hegemonia na indústria
calçadista do Nordeste, ampliando de 33,8% para 41,9% sua participação no número de
estabelecimentos industriais. Essa participação no número de estabelecimentos e um percentual
de 54,25% do emprego formal no segmento indicam a elevada concentração dessa atividade no
estado. Segundo mostram os dados (tabelas 01 e 02), desde a década de 1980 o Ceará já
56
Para ver os números absolutos do crescimento do emprego formal na indústria calçadista no Nordeste ver tabela A no anexo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
138
demonstrava um elevado grau de concentração de estabelecimentos. No entanto, sua hegemonia
no emprego somente se consolida na segunda metade dos anos 1990, quando ocorre a
relocalização de médias e grandes empresas para o estado. Pernambuco se constitui no estado
que mais perdeu posição no ranking nordestino, reduzindo sua participação no contingente de
estabelecimentos no Nordeste, entre 1985 e 2005, de 20,9% para 8,3%.
Utilizando a mesma fonte de dados para se analisar o emprego formal nessa indústria,
pode-se inferir que, similarmente ao que acontece à distribuição dos estabelecimentos, os estados
do Ceará, da Bahia e da Paraíba concentram mais de 92% do emprego formal na indústria
calçadista nordestina. A diferença na distribuição do emprego em relação ao número de
estabelecimentos se deve ao fato da Paraíba apresentar um maior número de estabelecimentos
do que a Bahia, enquanto no emprego ocorre o contrário. A Bahia emprega quase três vezes mais
trabalhadores na indústria calçadista do que a Paraíba. O conflito fiscal se constituiu em um dos
principais fatores que inverteram a posição do emprego entre esses dois estados.
A tabela 02 apresenta a evolução da participação do emprego relativo na indústria
calçadista segundo os estados do Nordeste. Nessa tabela pode-se observar a importância dos três
estados (CE, PB, BA) na geração do emprego formal no segmento calçadista. Os demais estados
não apresentam participação significativa.
Tabela 02 - Nordeste - Participação dos Estados no Emprego
Formal na Indústria Calçadista (1985/2005)
ANO/UF MA PI
CE
RN PB
PE
AL SE BA
1985 0,06 0,20 22,08 3,51 11,63 52,18 0,50 0,58 9,27
1990 0,00 0,60 20,90 3,04 23,42 41,84 0,37 5,56 4,26
1995 0,03 0,19 43,79 1,13 39,29 8,44 0,41 5,13 1,58
2000 0,03 0,11 56,50 2,83 17,31 4,16 0,19 1,58 17,29
2005 0,02 0,06 54,25 2,25 10,37 2,18 0,13 2,58 28,15
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
TOTAL
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Diversos estudos mostram que a indústria calçadista em algumas cidades brasileiras tem
sua origem a partir de um longo processo histórico com base principalmente em ações privadas
(LEMOS; PALHANO, 2000), enquanto outras surgem de “deliberações de ações político-financeiras
legais, planejadas e implementadas pelos governos estadual e federal” (MOUTINHO; CAVALCANTI
FILHO; ARAGÃO, 2005, p. 543). No entanto, alguns desses espaços historicamente constituídos
sofreram inflexões no crescimento de suas economias, em especial no segmento analisado, devido
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
139
às especificidades que se formaram a partir da reestruturação produtiva e à abertura do mercado
nacional nos anos 1990. Acrescente-se a esses fatores a guerra fiscal e se tem um contexto de
elevadas pressões por uma re-localização cujo intuito é apropriar-se dos estímulos fiscais e
financeiros concedidos pelos diversos estados brasileiros, como também encontrar novas áreas
que possuam mão de obra qualificada, de baixo custo e reduzido grau de organização sindical.
Evidentemente, o principal fator se constitui na absorção dos estímulos fiscais e financeiros
oferecidos pelos estados. Nesse contexto, a Bahia se constitui em um dos principais ofertantes de
estímulos fiscais-financeiros, como também um dos principais a atrair empresas. No caso da
Paraíba e da Bahia, Pereira (1997) já chamava a atenção para a relocalização da empresa Azaléia
que se mudava do primeiro para o segundo estado, logo após o fim dos incentivos fiscais
concedidos pelo governo da Paraíba.
A guerra fiscal explica em grande parte a atração da Bahia para grandes empresas
calçadistas, que geraram elevação significativa do emprego no estado. Os estados nordestinos
que mais captaram investimentos na cadeia de calçados, graças às políticas de investimento
promovidas foram a Bahia, o Ceará e a Paraíba. Costa & Fligenspan (1997), mostraram que os
governos destes estados outorgaram quatro tipos de incentivos:
a) financiamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços);
b) isenções de impostos municipais e beneficiamentos em infra-estrutura;
c) empréstimo visando à exportação e,
d) isenção de Imposto de Renda.
Em geral, o processo de incentivo fiscal se dá através da renúncia ao recebimento de 50% a
100% do ICMS, caso as empresas investissem em capital fixo ou de giro.
No estado da Bahia, o Programa de Promoção ao Desenvolvimento da Bahia (PRÓ-BAHIA)
financia até 50% do ICMS para a região metropolitana de Salvador e até 75% no interior do
estado; ou ainda 75% do ICMS para projetos com investimentos previstos superiores a R$ 400
milhões. No Ceará, o Fundo de Desenvolvimento Industrial do estado (FDI) financia até 100% do
ICMS a ser recolhido pela beneficiária. Esse financiamento se destina às empresas industriais que
se re-localizaram, e que contam com um prazo de pagamento de seis anos para a região
metropolitana de Fortaleza e dez anos para o interior do estado. No estado da Paraíba, o Fundo de
Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba (FAIN) favorece empréstimos de 60% do ICMS
para empresas que se instalem em João Pessoa (capital), 80% nos municípios de Campina Grande
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
140
e Queimadas e 100% em outros municípios. A política de incentivo fiscais e financeiros na Bahia é
de elevada agressividade, pois em situações nas quais outros estados concedam os mesmos
benefícios, o Fundo de Defesa da Economia Baiana (FUNDECON) financia o pagamento do ICMS
com prazo de três meses e juros de 12% a.a. (MATTOSO, 1998).
O crescimento do emprego formal na indústria calçadista, nesses últimos vinte anos,
ultrapassou os mil por cento para o Nordeste. Tendo o ano de 1985 por base 100, o estado do
Sergipe foi o que apresentou o maior crescimento (5.697,3) seguido pela Bahia (3854,5), Ceará
(3.117,4) e pela Paraíba (1.131,1). O abrupto crescimento do emprego formal no segmento
calçadista em Sergipe, não é mais significativo, porque incidiu sobre uma base absoluta muito
pequena, ou seja, aumentou de 37 para 2.108 empregos. Em números absolutos, em relação a
1985, o Ceará aumentou em mais de 42 mil o número de empregos formais na indústria
calçadista, e a Bahia aumentou mais de 22 mil e a Paraíba pouco mais de 7 mil empregos (ver
tabela B no anexo). O Nordeste ampliou de 6,4 para 81,5 mil o emprego formal no segmento
calçadista. Em contraposição a essa situação de aumento do emprego, Pernambuco se constituiu
na única exceção, pois diminuiu o número de empregos formais no segmento calçadista em
aproximadamente 50% entre 1985 e 2005 (ver tabela 03).
Tabela 03 - Crescimento relativo do emprego formal na indústria calçadista do Nordeste,
segundo os estados da região – ano base = 1985
ANO/U
F
MA
100,0
0
PI
CE
RN
PB
PE
100,0
100,0
100,0
0 100,00
0 100,00
0
1985
338,4
6 107,39 98,23 228,48 90,97
1990
0,00
125,0 215,3
0
8 446,41 72,57 760,43 36,41
1995
350,0 392,3 1921,6 603,9 1117,5
0
1
2
8
1 59,80
2000
350,0 400,0 3117,4 811,9 1131,1
0
0
6
5
5 52,92
2005
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
AL
100,0
0
84,38
184,3
8
293,7
5
343,7
5
SE
BA
TOTAL
100,00
1097,3
0
2008,1
1
2067,5
7
5697,3
0
100,00
100,00
52,18
113,45
38,42
1401,0
1
3854,5
3
225,08
750,81
1268,6
1
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
141
3 A Distribuição espacial do Emprego e da Indústria Calçadista da Paraíba
A origem da atual conformação da indústria calçadista da Paraíba inicia-se no interior do
estado, em cidades que atuavam como entreposto tropeiro e algodoeiro, mais especificamente
em Campina Grande. O município foi durante muito tempo um pouso de tropeiro e centro
comercial algodoeiro (PEREIRA, 1998). A cultura do algodão57 e as atividades conexas estimularam
o desenvolvimento econômico e urbano de Campina Grande (PEREIRA, 2004). Dentre as atividades
que foram estimuladas pelo desenvolvimento econômico e urbano, encontra-se a atividade
coureiro-calçadista, beneficiada pelas externalidades positivas do processamento do algodão e de
suas sementes. Inicialmente a produção coureira se destinava à confecção de selas e artefatos de
couros, posteriormente de calçados. Esse tipo de atividade se constituiu em pré-condição para a
produção de calçados e afins de couro (LEMOS; PALHANO, 2000).
No ano de 2005, na Paraíba, apenas uma cidade possuía um estabelecimento com mais de
1,0 mil vínculos (trabalhadores) formais de emprego. A existência de apenas uma empresa com
elevado número de trabalhadores frente a existência de estabelecimentos em 17 cidades,
demonstra que ocorre uma concentração dessa atividade em alguns municípios. O mapa 02
mostra a existência de 3 pólos de concentração da industria calçadista, um no litoral, um agreste e
outro no sertão. O pólo mais dinâmico, no sentido de possui maior número de estabelecimentos
formais, incluindo a maior do estado, é o pólo do agreste, localizado em Campina Grande.
57
A cultura algodoeira apresenta suas primeiras crises e entra em declínio, ainda nos anos 1930, e não nos anos 1950, como
apresentam Lemos e Palhano (2000).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
142
Mapa Temático 01 - Distribuição dos estabelecimentos industriais com mais de mil empregados
- Paraíba - 2005
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE.
A produção no estado somente apresentou crescimento mais expressivo nos anos 1980,
devido à entrada de aproximadamente 80% do total de empresas atuantes na década seguinte.
Além de haver se estendido rapidamente no mesmo período por várias áreas do estado. Sem
dúvida, o fator-história pesou na consolidação da indústria calçadista paraibana, devido a seu
desenvolvimento histórico-produtivo para o segmento calçadista. Esse fato se deve ao grande
contingente de sapateiros, produtores informais, às empresas existentes e entrantes formais e
informais.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
143
Mapa Temático 02 - Distribuição dos estabelecimentos industriais – Paraíba - 2005
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE.
Segundo Lemos e Palhano (2000, p. 05) o:
crescimento do arranjo em número de empresas na década de 80 não se deve ao recente
processo de relocalização de empresas das regiões Sul e Sudeste para a região Nordeste.
De fato, na década de 80, duas grandes empresas do sul se instalaram no município (de
Campina Grande), uma produtora nacional de sandálias de material sintético originária do
Estado de São Paulo, e outra uma das maiores produtoras nacionais de calçados
femininos, da região Sul.
No entanto, essa última empresa mencionada pelos autores, que se instalou no município
em 1983, foi fechada em 1997, por não terem sido renovados os incentivos fiscais oferecidos,
induzindo sua relocalização na Bahia (PEREIRA, 1997 e LEMOS; PALHANO, 2000). Essa
relocalização ocorre, portanto, no contexto do processo recente de relocalização das empresas
devido à reestruturação produtiva e guerra fiscal dos anos 1990.
A configuração espacial da indústria calçadista na Paraíba mostra a existência de três pólos
produtivos localizados no litoral, no agreste e no sertão. As evidências apresentadas por Pereira
(1997) e Lemos e Palhano (2000) mostram que o pólo do agreste paraibano, constituído por
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
144
Campina Grande e cidades circunvizinhas, apresenta em sua constituição fatores históricos,
enquanto o pólo do litoral é muito mais expressividade do processo de relocalização da indústria
calçadista nos anos 1990. O pólo localizado no sertão, liderado pela cidade de Patos é, embora
expressivo para a micro-região, inexpressivo para o Nordeste e de baixo nível de geração de
empregos formais. No entanto, é fonte geradora de empregos informais. A indústria calçadista da
Paraíba possui apenas uma única empresa de grande porte (com mais de mil empregados),
localizada em Campina Grande. O índice de dispersão geográfica é muito baixo (7,6%), bem
inferior ao Ceará e a Bahia, ou seja, apenas 17 municípios apresentam a presença de indústrias
calçadistas no estado. O estado ampliou, principalmente entre 1985 e1995, sua participação no
número de indústrias calçadistas na região Nordeste. No entanto, entre 1995 e 2005, reduziu em
aproximadamente 4% sua participação, mas encontra-se participando com 19,7% do número de
estabelecimentos industriais calçadistas na região, um pouco a frente da Bahia (18%), como nos
mostra a tabela 01.
Mapa 03 - Distribuição do Emprego Formal da Indústria Calçadista na Paraíba - 2005
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados da RAIS/MTE.
O contexto da distribuição do emprego formal na indústria calçadista paraibana mostra-se
muito similar ao da indústria no seu conjunto, demonstrando que a mesma é composta em sua
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
145
maior parte por micro e pequenas empresas. No entanto, o estado já foi responsável por mais de
39% do emprego formal nessa indústria, em 1990, reduzindo sua participação nos anos seguintes
para pouco mais de 10%, mas ainda ficando com a terceira posição na participação no emprego
formal dessa indústria (ver tabela 02). Na última década o estado perdeu aproximadamente 75%
de sua participação no emprego formal na indústria calçadista nordestina. Perda similar à ocorrida
em Pernambuco no mesmo período, embora esse estado se constitua no espaço que mais perdeu
participação, se considerarmos os últimos 20 anos. Independente da perda relativa, a Paraíba vem
ampliando o emprego formal no segmento em números absolutos, alcançando um volume de
8.461 trabalhadores formais no ano de 2005. Esse volume absoluto implica no quarto maior
crescimento do emprego desse segmento no Nordeste, ficando atrás apenas de Sergipe, da Bahia
e do Ceará. Ressalte-se que o crescimento de Sergipe é relativamente alto, mas absolutamente
inexpressivo para o Nordeste (ver tabela 03).
Tabela 04 - As 10 principais cidades nordestinas, segundo
o emprego formal na indústria calçadista - 2005
CIDADES
EMPREGOS POSIÇÃO
%
Sobral-CE
14.791
1
18,1
Horizonte -CE
8.010
2
9,8
Campina Grande - PB
4.765
3
5,8
Itapetinga -BA
4.480
4
5,5
Santo Estevão - BA
2.864
5
3,5
Fortaleza -CE
2.723
6
3,3
Russas -CE
2.616
7
3,2
Maranguape - CE
2.345
8
2,9
Crato - CE
2.328
9
2,9
Itapagé - CE
2.267
10
2,8
TOTAL
47.189
57,8
Fonte: Elaboração própria a partir dos Dados da RAIS/MTE.
Nesse contexto de distribuição geográfica do emprego e de estabelecimentos da indústria
calçadista formal, pode-se detectar a partir dos dados da RAIS/MTE, as dez cidades com as
maiores proporções de emprego e indústrias no setor calçadista. Essas dez cidades são
responsáveis por mais de 57,8% de todo o emprego formal da indústria calçadista do Nordeste.
Das dez cidades que apresentam o maior volume de emprego, somente uma (Campina Grande)
apresenta fatores históricos na formação da indústria calçadista. As demais são resultados dos
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
146
recentes incentivos e das políticas fiscais e financeiras. Sobral, de elevada participação no
emprego formal, apresentou crescimento industrial recente, e a indústria calçadista se instalou em
1993. A indústria calçadista de Itapetinga se constitui fundamentalmente da empresa que se
relocalizou de Campina Grande em 1997. Quanto a Horizonte, a indústria calçadista também é
recente, da segunda metade dos anos 1990. As demais cidades integram o rol das cidades cujo
elevado volume de emprego é, normalmente, gerado por uma grande empresa, que se instalou
nos anos 1990.
Dessa forma, pode-se concluir preliminarmente que as políticas fiscais e
financeiras agressivas têm impacto significativo na atração de empresas calçadistas,
principalmente se a esse fator agregar-se uma mão de obra de custo baixo e quase nula em
organização sindical.Afinal, dessas dez cidades, sete se encontram no Ceará.
No que se refere ao número de estabelecimentos industriais, duas cidades são capitais e as
demais são do interior. Das nove cidades, três (Juazeiro do Norte, Campina Grande e Feira de
Santana) detêm fatores históricos importantes, que contribuem para explicar o número de
estabelecimentos existentes. Foram entrepostos comerciais importantes até a primeira metade do
século XX. Evidentemente, fatores de ordem política e econômica contribuem para que as mesmas
se ponham em evidência, como também para explicar as demais. È importante observar a
dissociação entre as dez cidades que agregam mais empregos e as que possuem maiores volumes
de estabelecimentos. Esse fato se explica em razão de que muitas das cidades, em especial as do
Ceará, possuem em média um único grande estabelecimentos, que em sua totalidade gera mais
emprego do que os pequenos estabelecimentos das demais cidades. Explicitando assim o
resultado de uma política de incentivos fiscal-financeiros e para-fiscais estabelecido pelo governo
cearense nos entre os anos 1980 e 1990. Uma dúvida que emerge, é se não ocorrerá com algumas
cidades do Ceará o que ocorre com outras cidades, como o caso de Campina Grande, que em
1997 perdeu a Empresa Azaléia que sai da Paraíba indo para a Bahia, por esse estado haver
“bancado os incentivos necessários” para essa relocalização.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
147
Tabela 05 - As nove* principais cidades nordestinas segundo o número
de estabelecimentos na indústria calçadista – 2005
CIDADES
ESTABELECIMENTOS POSIÇÃO
%
Juazeiro do Norte - CE
89
1
16,9
Fortaleza -CE
77
2
14,6
Campina Grande -PB
50
3
9,5
Salvador -BA
33
4
6,3
Patos -PB
23
5
4,4
Conceição do Coité -BA
22
6
4,2
Jequié - BA
21
7
4,0
Feira de Santana - BA
20
8
3,8
Barbalha - CE
11
9
2,1
TOTAL
346
65,5
Fonte: Elaboração própria a partir dos Dados da RAIS/MTE.
*Somente 09 cidades apresentaram volume de estabelecimentos superior a uma dezena.
Para finalizar, é fundamental afirmar que existem muito mais empresas e empregos do que
os que foram apresentados nesse “paper” . No entanto, esses empregos e empresas oscilam em
diversos níveis de informalidade. Como esse trabalho visa estudar o emprego e os
estabelecimentos formais, e os limites de ensaio não comportavam, negligenciaram-se maiores
detalhes sobre o verdadeiro universo que compõe a atividade calçadista informal no Nordeste.
4 Conclusões
Algumas conclusões são possíveis a partir dos dados e informações apresentados nesse
“paper”. Em primeiro lugar, é possível perceber que o Nordeste ampliou consideravelmente sua
participação no emprego formal na indústria calçadista brasileira nos anos 1990. Esse aumento
deve-se, em grande parte, às grandes empresas que para a região se transferiram em busca,
principalmente, dos incentivos fiscais e financeiros. Os incentivos fiscais e financeiros e as demais
facilidades criadas pelos estados nordestinos facilitam tanto a entrada como a saída de empresas
da região, por possibilitar o rebaixamento tanto a magnitude do investimento de relocalização,
como também o “custo” de saída. Esse incentivos favoreceram principalmente a transferência de
empresas do Sudeste e do Sul para o Nordeste. Nesse contexto, a Paraíba se beneficiou, embora
em uma parcela menor, dos investimentos industriais que se relocalizaram nos anos 1990. Esse
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
148
benefício potencializa o já consolidado pólo calçadista paraibano, em especial, o de Campina
Grande.
Em segundo lugar, a configuração geográfica atual consolida a posição hegemônica do
Ceará na produção calçadista, mas permite perceber o rápido crescimento da atividade na Bahia,
devido à “agressividade” dos incentivos concedidos por governo desse estado. A Bahia foi tão
agressiva na sua guerra fiscail e na concessão de incentivos que “arrastou” empresas de outros
estados nordestinos, em especial da Paraíba.
Em terceiro lugar, as grandes empresas (com mais de mil empregos) que se relocalizaram
optaram em sua maioria pelos estados do Ceará e da Bahia, evitando as regiões metropolitanas,
mas se instalado muito perto delas. É o caso da Azaléia, que se relocalizou em uma cidade próxima
a região metropolitana da Bahia, em Itapetinga, cidade com pouco mais de 66 mil habitantes,
segundo estimativa do IBGE.
Com a re-localização de empresas tradicionalmente localizadas nas regiões Sul e Sudeste,
pioneiras e já tradicionais nessa atividade, o Nordeste e, em especial a Bahia, passou a ser destino
alternativo, graças aos programas de incentivos fiscais e financeiros concedidos pelo governo
estadual e ao perfil da mão-de-obra da região.
Por fim, constata-se que a guerra fiscal que permitiu atrair significativos investimentos,
pode vir a prejudicar a própria região e a Paraíba, por flexibilizar excessivamente a possibilidade
de mobilidade das empresas ao rebaixar os “custos de saída”. Assim, torna-se cada vez mais
urgente um “pacto” nacional ou uma reforma tributária que dificulte o conflito fiscal e a
relocalização das empresas em busca apenas de ganhos-extras via incentivos fiscais e financeiros.
5 Referencias Bibliográficas
COSTA, A. B. da & FLIGENSPAN, F. B. (1997). Avaliação do movimento de relocalização industrial de
empresas de calçados do Vale dos Sinos. Mimeo. Porto Alegre, SEBRAE.
LEMOS, Cristina; e PALHANO, Alexandre. Arranjo Produtivo Coureiro-Calçadista de Campina
Grande/PB . Projeto de Pesquisa Arranjos e Sistemas Produtivos Locais e as Novas Políticas de
Desenvolvimento Industrial e Tecnológico. Estudos Empíricos -Nota Técnica 20 - IE/UFRJ - Rio de
Janeiro, julho de 2000
MATTOSO, M. A. de Q., (1998). A recente industrialização nordestina.Monografia de Bacharelado
em Economia. Rio de Janeiro, FEA/UFRJ.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
149
MICT. Levantamento de oportunidades, intenções e decisões de investimento industrial no Brasil –
1997/2000. Brasília, 1998.
MOUTINHO, Lúcia M. G., CAVALCANTI FILHO, Paulo Fernando de M. B., e ARAGÃO, Paulo Ortiz R.
de, Estratégias Empresariais e Políticas Regionais: as políticas de incentivos às grandes empresas
calçadistas da Paraíba. Revista Econômica do Nordeste.,Fortaleza, v. 36, n.04, out-dez. 2005
PEREIRA, William E. N., Wallig e Azaléia, qual será a próxima? Jornal da Paraíba, caderno de
economia, pág. 02. 14 de junho de 1997.
_____________, A Evolução Econômica de Campina Grande: Uma Avaliação da Economia
Municipal a partir do Comércio. Dissertação de Mestrado em Economia. Universidade Federal da
Paraíba. 1998
_________, Origens da Urbanização de um Entreposto Comercial Nordestino: o caso de Campina
Grande. Revista Tomo. (2002) Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. UFSE. Vol. Ano. N.
2004
SANTOS, Ângela M. M. M, CORRÊA, Abidack R., ALEXIM, Flávia M. Barreto, PEIXOTO, Gabriel B.
Tavares, Deslocamento de empresas para os estados do Ceará e da Bahia: o caso da indústria
calçadista. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 15, p. 63-82, mar. 2002
ANEXO
Tabela A
1985
1990
1995
2000
2005
Evolução dos Empregos Formais Na Indústria Calçadista Nos Estados do
MA PI
CE
RN
PB
PE
AL
SE
BA
4 13 1.420
226
748
3.356 32
37
596
0 44 1.525
222
1.709 3.053 27
406
311
5 28 6.339
164
5.688 1.222 59
743
229
14 51 27.287 1.365 8.359 2.007 94
765
8.350
14 52 44.268 1.835 8.461 1.776 110 2.108 22.973
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da RAIS/MTE.
Nordeste
TOTAL
6.432
7.297
14.477
48.292
81.597
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
150
Considerações sobre a Terceirização e seus impactos
na Companhia Siderúrgica Nacional
Sabrina de Oliveira Moura Dias58
A terceirização do trabalho caracteriza-se, grosso modo, pela flexibilização da produção
através da transferência de atividades consideradas acessórias à consecução dos objetivos da
contratante. Com o intuito de concentrar esforços nas etapas consideradas essenciais à produção
– o chamado core business empresarial – a empresa contratante delega a(s) sua(s) contratada(s) a
realização de serviços ou a produção de insumos considerados complementares ou periféricos.
Embora na prática a terceirização seja uma modalidade antiga de organização da produção
e do trabalho, a sua expansão e intensificação desenfreadas são características da terceirização
recente, como um novo fenômeno, impulsionado pelo processo de reestruturação produtiva
mundial inspirado no modelo japonês de produção (DRUCK, 1999:155-157). Além de setores
tradicionais da economia, a nova terceirização atinge setores mais modernos, bem como áreas
anteriormente tidas como centrais à produção como a manutenção (FARIA, 1994; DRUCK,
1999:105 e 2007:103-194, 236, SILVA e FRANCO: 2007).
Como resultado da adoção generalizada da prática terceirizante tem sido diagnosticado no
Brasil, bem como em outros países, o aprofundamento da precarização das relações de trabalho e
emprego. Embora grande esforço tenha sido realizado para distinguir a “boa terceirização” –
caracterizada pela especialização e pelo know-how – da “má terceirização” – praticada
exclusivamente com o intuito de reduzir custos – o processo tem sido associado, de maneira geral,
à deterioração das condições dos trabalhadores. Demissões, redução de salários e postos de
trabalho, aumento dos riscos à saúde e integridade física nos locais de trabalho, intensificação e
extensão da jornada de trabalho, discriminação e preconceitos entre trabalhadores do quadro e
terceirizados, instabilidade no emprego e redução de benefícios – fazendo retroagir conquistas
históricas dos trabalhadores – e fragmentação da categoria são as principais consequencias
apontadas como resultado da terceirização no Brasil.
58
Mestre em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA-UFRJ e, atualmente, aluna de doutorado no mesmo programa.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
151
Neste trabalho, nos concentraremos na análise e problematização da fragmentação de um
coletivo de trabalhadores anteriormente organizados em torno de um único patrão e de uma
pauta de reivindicações comum. A desarticulação das demandas dos trabalhadores em conjunto,
longe de ser um resultado imprevisto, foi idealizada pelos empregadores desde o princípio como
uma dentre as funções da terceirização (LEIRIA, 1992; FARIA, 1994:45; SILVA e FRANCO,
2007:145). Através de um estudo de caso baseado na experiência da terceirização recente na
Companhia Siderúrgica Nacional, pretendemos levantar questões sobre os efeitos da terceirização
na coesão dos trabalhadores e na articulação de suas demandas. A sucessão de greves nos anos de
2005, 2006 e 2007 realizadas por trabalhadores terceirizados e por trabalhadores da CSN (2007)
permite compreender melhor o significado da terceirização para a coletivização das reivindicações
e os desafios e impasses vividos pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR) quando
da multiplicação de patrões e acordos coletivos para trabalhadores que coabitam os mesmo locais
de trabalho e que desempenham atividades similares ou iguais. O caso do SMVR e dos
trabalhadores da CSN é ainda mais emblemático na medida em que ambos tornaram-se
conhecidos símbolos de sindicalismo forte e combativo e de categoria coesa durante as greves da
década de 1980 e início de 1990.
Segregando a manutenção do quadro da CSN
O enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) abriu o precedente para a
licitude da terceirização de atividades antes consideradas centrais às empresas. Atividades como a
manutenção industrial, embora de caráter permanente e contínuo para a produção, e realizadas
em grande medida na planta da contratante, tornaram-se passíveis de terceirização (FARIA, 1994;
DRUCK, 1999). O conceito de “atividade-meio” possibilitou a expansão da terceirização em direção
a funções anteriormente desempenhadas por trabalhadores do quadro próprio das empresas.
Antes mesmo da década de 1990, e da elaboração jurídica do requisito de “atividademeio”, a CSN deu início a um processo de segregação progressiva das atividades de manutenção
dentro da Usina Presidente Vargas (UPV). Durante toda a década de 1980, a empresa deslocou
grande parte da manutenção executada por efetivos próprios para a Fábrica de Estruturas
Metálicas (FEM). A FEM era, a princípio, um departamento da CSN surgido no início dos anos de
1960 com o objetivo de criar produtos específicos para a construção civil (LOPES, 2003:109).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
152
Durante os anos de 1980, a FEM continuou a concentrar as atividades especializadas em
fabricação e montagem metálica e passou a incorporar também parte das atividades de
manutenção da CSN. Foi nessa época também que ela deixou de ser departamento e passou a ser
subsidiária da CSN. A partir de então, os efetivos da FEM (antigo departamento da CSN) e da CSN
dentro da UPV passaram a compor quadros de empresas distintas, embora em sua origem
estivessem vinculados. Os trabalhadores da CSN e da FEM, na década de 1980, começaram a vestir
uniformes diferentes, a perceber salários distintos e a negociar em separado com os
representantes das duas empresas.
Inicialmente, segundo o ex-presidente do SMVR Carlos Perrut59, os trabalhadores da FEM e
da CSN “tinham os mesmos direitos”. Contudo, a partir da década de 1990, a FEM começou a
acumular prejuízos milionários, e os trabalhadores da empresa tiveram seus salários e benefícios
rebaixados em relação aos da CSN. Embora a FEM tenha sido transformada em subsidiária da CSN,
o SMVR pressionava as duas empresas pela aceitação de uma pauta única para seus
trabalhadores. As greves mais importantes ocorridas na CSN foram resultado da união e do
esforço conjunto de trabalhadores da FEM/CSN. Embora a FEM não fosse uma empresa
terceirizada, há no processo a semente da ruptura com a noção de conjunto.
É importante ressaltar ainda o fato de que durante a década de 1980, os funcionários da
FEM, principalmente os de manutenção do Departamento de Manutenção Mecânica (DMM)60,
ganharam fama como “a força das greves”, como os agitadores e desencadeadores das
manifestações dentro da UPV. Além da fama de combativos, os trabalhadores da FEM gozavam de
um prestígio nacional na qualidade de seus produtos e serviços.
Em 1993, mesmo ano em que foi realizado o processo de privatização da CSN61, ocorreu a
publicação do enunciado nº 331 do TST62, que regulamentava a terceirização nas atividades
consideradas periféricas às empresas. No ano seguinte, a empresa Sankyu firmou um contrato de
prestação de serviços com a CSN para a preservação da área da Coqueria. Após a privatização, o
contingente de trabalhadores de manutenção da CSN foi reduzido ao máximo, de maneira que o
59
Foi presidente do SMVR durante os anos de 1998 a 2006.
60
Foram estes trabalhadores que deram início à greve de 1989 (Boletim 9 de novembro de 19 de setembro de1989).
61
Privatizada em 02 de abril de 1993.
62
Aprovado em 17 de dezembro de 1993.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
153
quadro direto quase deixasse de executar tarefas para atuar apenas na fiscalização e supervisão
dos serviços terceirizados 63. Mas os grandes contratos de prestação de serviços na área de
manutenção dos equipamentos seriam firmados nos anos de 2000, não por acaso, época da
extinção da FEM. Embora a FEM viesse sofrendo um processo contínuo de enxugamento ao longo
da década de 1990, o seu derradeiro suspiro foi dado no ano de 200264.
Antes que a FEM fosse extinta, ela foi responsável por grande parte dos contratos de
manutenção da CSN. Se inicialmente ela contava com mão-de-obra própria e permanente, a partir
da década de 1990 ela começou a subcontratar trabalhadores para trabalho temporário e
permanente de manutenção preventiva ou corretiva dentro da UPV. Além dos funcionários de
manutenção da FEM e da CSN, a usina também contava com trabalhadores das “feinhas”,
“feiosas” e “horrorosas”, codinome pejorativo pelo qual eram conhecidas as subcontratações
irregulares (terceirizações e quarteirizações) da então subsidiária. Segundo Carlos Perrut, a
pressão do SMVR para barrar o processo de terceirização abusiva que estava ocorrendo na UPV
culminou com a extinção das subcontratadas da FEM e com a contratação da empresa Sankyu.
Em 2002 a FEM estruturas metálicas, ou FEM-Inepar, foi vendida para o Grupo Petrália,
enquanto que as atividades e parte do efetivo da FEM-manutenção foram repassados para as
empresas terceirizadas Sankyu, ABB e Ormec. Para Perrut, a incorporação das atividades de
manutenção pela FEM representou uma deturpação, um “desvirtuamento” da fábrica de
estruturas metálicas que já prenunciava o desejo da CSN em desarticular parte dos trabalhadores
do quadro próprio com vistas a terceirizar a manutenção da usina.
Portanto, a FEM, quando ainda estava vinculada a CSN, iniciou o processo de segmentação
e terceirização do efetivo da UPV, a princípio, através da separação dos trabalhadores de
manutenção entre as duas empresas e, posteriormente, com a multiplicação de contratos e
empresas subcontratadas pela FEM para atuarem na UPV.
63
Segundo Renato Soares, atual presidente do SMVR, os profissionais de manutenção como ele passaram a exercer funções de
chefia em relação aos terceirizados, embora continuassem a receber como profissionais. Segundo ele, o quadro de manutenção da
CSN só executa tarefas de manutenção durante os turnos, ou em atividades de emergência, dada a quase completa substituição
dos efetivos nesta função por funcionários terceirizados. Já os empregados da CSN são compostos majoritariamente por
profissionais de operação de máquinas e equipamentos. A intensificação da terceirização das atividades de manutenção industrial
foi verificada por Druck (1999 e 2007) na Bahia.
64
O processo de extinção da empresa estava previsto para se realizar entre os dias 29/04/2002 e 10/07/2002
(C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht). Na verdade, a “extinção” da FEM significou a venda da fábrica de estruturas
metálicas e seus equipamentos, e o fim da FEM-manutenção. Segundo os entrevistados, assim como em outras terceirizações na
CSN, os funcionários que atuavam na FEM apenas “trocaram de camisa”, no sentido de que continuaram com as mesmas
atividades e nas mesmas áreas que atuavam antes do deslocamento para as prestadoras de serviços.
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154
O SMVR teria conseguido à época da extinção da FEM-manutenção a garantia da CSN de
que todos os funcionários com contrato por tempo indeterminado fossem reaproveitados pelas
empresas terceirizadas que ganharam os contratos: a Ormec, a ABB e a Sankyu 65 . Com a
dissolução da FEM, os contratos de manutenção por ela mantidos foram divididos inicialmente
entre as 3 empresas, tornando a função de manutenção e seus trabalhadores cada vez mais
pulverizados66.
Em 2003 a ABB denunciou o contrato com a CSN e uma nova empresa foi contratada em
seu lugar: a multinacional italiana Comau67. Neste processo de extinção/venda da subsidiária, os
trabalhadores da FEM (muitos dos quais ex-CSN) foram novamente desligados do efetivo da CSN,
só que desta vez, de forma irreconciliável. Não eram apenas os uniformes e os acordos coletivos
que eram diferentes, mas também os patrões (sem nenhum vínculo, senão comercial com a CSN),
os benefícios e o tratamento. Diferentemente da condição de trabalhador da FEM que, embora
diferisse do trabalhador da CSN, era “cria da casa”, e compartilhava de uma tradição de lutas
juntamente com os trabalhadores do quadro, a terceirização da manutenção incorporou novos
trabalhadores sem nenhum tipo de ligação prévia com a usina, ao mesmo tempo em que deslocou
antigos trabalhadores para as empresas terceirizadas em condições precarizadas. A substituição
da subsidiária FEM por firmas terceirizadas provocou um aprofundamento da cisão na identidade
desses trabalhadores, embora os quadros das empresas terceirizadas passassem a abrigar um
expressivo número de demitidos da FEM em conjunto com trabalhadores contratados “por fora”
pela terceirizada. Contrariamente à época da FEM/CSN, na qual os estatutos diferenciados entre
os trabalhadores pertencentes ao quadro de empresas distintas convivia com uma unidade
política da categoria, a pulverização dos trabalhadores entre as empresas e a dilapidação da
condição de trabalhador da usina a partir da intensificação da terceirização da década de 1990
findaram por impulsionar o desenvolvimento de identidades políticas fragmentárias.
65
Segundo a publicação virtual do Sindicato do Mercosul, “Dos 2003 operários da FEM, 358 tem contratos temporários, 274 estão
licenciados e 65 estão sendo transferidos para a CSN, totalizando 1.306 os trabalhadores a serem absorvidos pelas empreiteiras,
que terão que contratar outros 227 operários, porque serão necessários 1.533 empregados para cumprir os contratos assinados
com a CSN, que vão durar três anos.” (C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht)
66
Atualmente, trabalham na UPV 8524 trabalhadores diretos e 9967 terceirizados. A empresa Sankyu possui 1379 funcionários, a
Comau 868, a Magnesita 105, a Vais do Brasil 215, a Verzani & Sandrini possui 947 e a Cikel 1272 (Dados da Delegacia Regional do
Trabalho de Volta Redonda – DRT/VR).
67
A Sankyu e a Comau são as duas maiores prestadoras de serviço de manutenção em atividade na UPV atualmente. Segundo
dados da DRT/VR em novembro de 2009 as duas empresas somavam cerca de 2.800 funcionários, entre trabalhadores
permanentes e temporários.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
155
Terceirização: fragmentação e desafio sindical
A terceirização da manutenção da CSN foi responsável pela desagregação de um
contingente de trabalhadores e funções anteriormente vinculadas ao quadro direto da empresa.
Os problemas gerados por este tipo de cisão foram indicados por série de autores. Aos sindicatos,
em geral, impôs-se o desafio de manter a unidade da representação sindical e de representar
grupos de trabalhadores da mesma categoria com situações e direitos cada vez mais distintos.
No caso da manutenção, o processo de terceirização possibilitou que trabalhadores que
executam suas atividades cotidianamente na unidade da contratante, alocados em tarefas
similares ou iguais a trabalhadores do quadro, fossem distintamente considerados e
recompensados (DRUCK:1999; SILVA e FRANCO:2007; DAU, RODRIGUES e CONCEIÇÃO: 2009).
Portanto, a estratégia fragmentadora consistiu na construção artificial da diferença, ou seja, de
diferenças que não tinham relação com a experiência de trabalho, mas com a introdução de novos
critérios jurídicos de contratação. Dentro das empresas, a multiplicação de uniformes contribuiu
subjetivamente para identificar trabalhadores com condições e estatutos diferenciados, embora
ainda sujeitos a uma cultura fabril comum. Os trabalhadores terceirizados são identificados como
subordinados de empresas contratadas – a quem compete seu vínculo trabalhista – todavia o
desempenho de atividades na sede da contratante os sujeita a subordinação indireta e até mesmo
direta – embora ilegalmente – em relação a contratante. Com a terceirização de trabalhadores
permanentes criou-se uma ambigüidade essencial na qual o trabalhador terceirizado sente sobre
si a autoridade, a cultura e as normas da contratante, embora teoricamente sua condição seja de
responsabilidade quase exclusiva da contratada.
Se anteriormente a força da categoria de trabalhadores estava em relação direta com a
capacidade de mobilizar o maior contingente possível face a um único patrão, com a terceirização,
em lugar de um coletivo, formam-se, no interior de um mesmo ambiente de trabalho, uma
pluralidade de grupos e subgrupos. A terceirização da “atividade meio” das empresas é a
responsável por uma alteração substancial no cotidiano, no espaço e na cultura da fábrica. Ao
mesmo tempo em que favorece o surgimento de “identidades corporativas”, enfraquece os
trabalhadores e seus coletivos organizados (ANTUNES apud DRUCK, 1999:128). Em lugar das
“velhas identidades” ligadas ao local de trabalho, surgem novas identidades vinculadas à condição
de prestador de serviços ou à condição de terceirizados de empresas diversas. Embora os
terceirizados compartilhem a condição de contratados dentro da empresa contratante, seus
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
156
benefícios, salários e acordos coletivos – embora talvez mais similares entre si do que em relação
ao dos trabalhadores do quadro – podem divergir tênue ou acentuadamente .
Contrapondo-se às estratégias desmobilizadoras da classe empresarial, os sindicatos têm
um papel histórico de forjamento de uma luta que tem como bandeira a coesão e a solidariedade
entre os trabalhadores. Esta coesão tende a se tornar ainda mais poderosa na medida em que
esses trabalhadores compartilham uma condição similar ou igual de sujeição a um mesmo patrão.
Mas o que fazer quando a terceirização é feita de maneira a segmentar um coletivo anteriormente
organizado sob um mesmo referencial?
A construção de novas diferenças, pautadas em argumentos jurídicos, introduziu uma
segmentação política real dentro do conjunto dos trabalhadores da fábrica. A terceirização de
etapas da produção é um processo responsável pela desestruturação da possibilidade de reunião
dos interesses em coletivos mais abrangentes (DRUCK, 1999:126).
Para os sindicatos neste tipo de situação, é preciso encontrar formas de trabalhar dentro
de uma única entidade a representação de trabalhadores de uma mesma unidade fabril,
praticantes de atividades similares, porém, com empregadores variados. A divisão criada dentro
da categoria partícipe do mesmo sindicato é um elemento difícil de mensurar. Os acordos
coletivos dos trabalhadores foram fracionados entre uma variedade de empresas, fazendo com
que o sindicato em época de Campanha Salarial tivesse que negociar com cada um dos
empregadores da sua base de filiados. Nestes casos, o grande desafio que envolveu os sindicatos
que tentaram se adaptar à proliferação de formas de trabalho encetadas pela reestruturação
produtiva foi lidar com demandas específicas dentro das empresas, paralelamente à difícil tarefa
de manter “coesa” a categoria (MARTINS, 1994; DRUCK, 1999).
Sem a pretensão de esgotar o assunto, a partir destas questões básicas sobre a
terceirização e a representação sindical, esperamos ter construído um quadro para a análise de
um acontecimento emblemático no curso da terceirização e da ação sindical do SMVR. As greves
de 2005, 2006 e 2007 realizadas pelo SMVR são eventos cruciais para entender alguns resultados
práticos da terceirização para a coesão da categoria de trabalhadores da UPV.
Greve na CSN e nas terceirizadas: uma re-união possível?
A greve tem quase sempre sido pensada como um termômetro do grau de comprometimento
dos trabalhadores com a consciência e a luta de classes. A adesão maciça à greve é entendida
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
157
como prova cabal da solidariedade dentro de uma categoria. O sindicalismo da década de 1980 foi
um movimento que representou, no Brasil inteiro, o auge da greve como a forma mais acabada e
exemplar dessa perspectiva classista de reivindicação dos interesses.
Embora a greve não seja a única forma de organizar as demandas dos trabalhadores, ela
encarna de maneira mais significativa o sentimento de solidariedade, uma vez que a sua realização
e sucesso dependem da participação ativa dos trabalhadores mobilizados. A escolha da greve
pelos trabalhadores como forma de pressionar os empregadores implica na aceitação voluntária
de uma situação de risco e na esperança de que outros, seus companheiros, assumam os mesmos
riscos.
Tendo em vista a greve como o “espetáculo” de mobilização direta e ativa e da organização
e de envolvimento dos trabalhadores na defesa de seus direitos enquanto conjunto articulado
analisaremos, a partir de eventos grevistas ocorridos após a intensificação da terceirização, as
dificuldades e as questões introduzidas pela desarticulação de velhos coletivos e a emergência de
novos coletivos/grupos.
A década de 1990 foi um período de decréscimo do recurso à greve como mecanismo de
combate e pressão da classe trabalhadora. Em Volta Redonda e na CSN, enquanto os anos de 1980
registraram um número expressivo de greves68, os anos da década seguinte foram exíguos neste
quesito. Grande parte do abandono da greve se deveu à postura de parceria adotada pelo SMVR a
partir de 1992 (GRACIOLLI, 2007). A greve foi julgada uma arma menor e ineficaz no novo mundo
reestruturado da produção. Outrossim, a privatização da CSN em 1993 e o aprofundamento do
desemprego em todo o mundo incentivou lideranças sindicais e trabalhadores a reverem suas
estratégias de confronto e negociação. Embora houvesse demissões na década de 1980 como
forma de retaliação aos grevistas, a passagem da condição de trabalhador estatal para trabalhador
de empresa privada disseminou e elevou os riscos de desemprego devidos a uma postura de
confronto.
A terceirização paliativa da manutenção e de outras atividades da produção fazia parte do
roteiro de reestruturação produtiva da CSN e do enxugamento dos quadros da empresa pósprivatização. Mas o enxugamento da empresa não foi o único processo responsável pelo
arrefecimento da ação sindical combativa. É importante ressaltar que a pujança do movimento
68
O SMVR sob as presidências de Juarez Antunes (1983 – 1988) e Vagner Barcelos (1989 – 1991) organizou greves e paralisações
dos trabalhadores da CSN nos anos de 1984, 1985, 1986, 1987, 1988 e, a mais longa delas, com duração de 31 dias, em 1990
(Monteiro, 1995).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
158
sindical na década de 1980 era tributária de sua aliança com os movimentos sociais que lutavam
pela redemocratização do país (SANTANA, 2003). A ausência de uma conjuntura favorável como a
de outrora (luta pela redemocratização, emprego em uma empresa pública) associada aos
processos de reestruturação produtiva e mudança do mercado de trabalho em conjunto
colaboraram para que fosse enfraquecida a prática de confrontamento sindical construída nos
anos 1980. Portanto, são várias as razões que levaram ao enfraquecimento da luta e à mudança da
estratégia sindical nos anos 1990. Os anos que se seguiram à privatização representaram, para o
SMVR, um momento de refluxo da lógica sindical combativa em relação aos trabalhadores da CSN.
Contudo, embora os trabalhadores da CSN não tivessem praticado nenhuma greve no
período que vai de 1991 a 2006, a Usina Presidente Vargas teve a sua produção prejudicada neste
ínterim pelas paralisações realizadas por vários trabalhadores terceirizados, com destaque para os
funcionários da Sankyu, que entraram em greve em 199569, 2005, 2006 e 2007. Em contraposição
à idéia de que os trabalhadores terceirizados teriam pouca capacidade de organização – devido à
ausência de uma tradição de lutas, ou a sua maior vulnerabilidade – a força de mobilização
demonstrada por eles durante esses anos aponta para a emergência de novas identidades
coletivas (embora fragmentadas em relação à situação anterior) e de respostas ao contexto da
pulverização dos trabalhadores entre vários empregadores 70. O ano de 2007, mais do que os
outros, trouxe à tona a desesperança em relação à possibilidade de realizar uma greve como de
outrora, que mobilizasse indiscriminadamente o conjunto de trabalhadores da UPV.
As maiores empresas terceirizadas da CSN entraram em greve nos anos de 2005 e 2006. A
greve de 2005 reuniu as empresas Comau, K&K, Magnesita, Emac, Sankyu, Ormec, Tecnosulfur,
Lauer, M&P e Vais do Brasil contra o sindicato patronal, ou Sindicato das Indústrias Metalúrgicas
do Sul Fluminense (Metalsul). O Metalsul negocia pela maior parte dos empregadores
terceirizados da CSN. Embora a pauta entregue pelo SMVR ao Metalsul contenha reivindicações
69
Em agosto de 1995, os 200 funcionários de manutenção da Sankyu que trabalhavam na UPV entraram em greve pela
equiparação de seus salários em relação aos empregados de manutenção da FEM, pelo recebimento de cestas básicas e pelo
pagamento de insalubridade em critérios equivalentes àqueles utilizados para os metalúrgicos da CSN (Resenha da Imprensa de 22
de agosto de 1995). A greve terminou após 3 dias de duração com um aumento de salário, concessão da cesta básica no mês de
agosto, da garantia de pagamento de repouso remunerado e com o desconto mensal dos dias parados (Boletim 9 de novembro de
25 de agosto de 1995).
70
Um dado importante a ser ressaltado é o fato de que no ano de 2009, as empresas Sankyu e Comau tinham um percentual de
sindicalização de 80% e 60%, respectivamente, entre seus funcionários, enquanto que apenas 40% dos funcionários da CSN eram
sindicalizados no mesmo período (Dados da Secretaria Geral do SMVR).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
159
iguais ou similares71 para os empregados de todas as empresas terceirizadas, o sindicato patronal
pode negociar os acordos coletivos de cada empresa em separado.
As principais reivindicações dos trabalhadores terceirizados em 2005 foram: índice
nacional de preços ao consumidor (INPC) pleno, 10 % de aumento real e um piso salarial para a
categoria72. Os trabalhadores entraram em estado de greve em 18 de maio de 2005, e assim
permaneceram até 31 do mesmo mês, quando votaram o retorno às atividades mediante a
aceitação da proposta de piso salarial profissional de R$ 600,00 reais e 10 % de aumento (6,6% de
INPC mais aumento real) para quem ganhava acima de R$ 545,46 reais. Os trabalhadores foram
obrigados a compensarem 4 dos 13 dias parados73. A greve foi considerada vitoriosa pelo SMVR já
que a partir de então ficou estabelecido um piso salarial para os trabalhadores terceirizados da
CSN.
A greve de 2006, que teve início em 22 de maio, foi realizada por trabalhadores das
empresas terceirizadas Comau, Magnesita, K&K, M&P, Ormec, Sankyu e Emac74. Os trabalhadores
das empresas terceirizadas reivindicavam o INPC integral, 5% de aumento real e novos pisos
salariais para os trabalhadores da categoria75.
A greve de 2006 teve duração diferenciada entre os trabalhadores. Os funcionários das
contratadas Emac, Magnesita, K&K e M&P aceitaram a proposta feita no dia 2 de junho e
encerraram a greve 12 dias após seu início76. Já os trabalhadores da Ormec e da Comau votaram
pelo encerramento da paralisação de suas atividades no dia 5 de junho, 15 dias após a
deflagração. Apenas os funcionários da empresa Sankyu recusaram sucessivas propostas e
findaram a greve após 19 dias de duração 77. No decorrer da movimentação grevista, o Metalsul
71
As pautas dos trabalhadores terceirizados do SMVR de 2005, 2006 e 2007 continham, na maior parte, cláusulas comuns para os
funcionários de todas as terceirizadas; algumas reivindicações pela equiparação de benefícios já introduzidos em acordos coletivos
de outras empresas terceirizadas; e algumas cláusulas específicas. É importante notar que o desnível de direitos e benefícios está
presente até mesmo entre os terceirizados de manutenção. A busca do SMVR em equiparar as condições desses trabalhadores se
baseia no nivelamento por cima, ou seja, tendo por base os acordos coletivos e/ou as cláusulas mais vantajosas já incorporadas por
uma ou outra prestadora de serviços.
72
De R$750,00 reais para os profissionais, R$460,00 reais para os ajudantes e R$1.170,00 reais para mestres (Boletim 9 de
novembro de 10 de maio de 2005).
73
Boletim 9 de novembro de 1° de junho de 2005.
74
Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006.
75
Os pisos propostos pelos trabalhadores eram de R$500,00 reais para ajudante, R$700,00 para os auxiliares, R$ 850,00 reais para
profissionais, R$1.200,00 reais para mestres e R$1.500,00 reais para técnicos (Boletim 9 de novembro de 10 de maio de 2006).
76
Notadamente a distensão foi iniciada pelos trabalhadores das empresas menores, com efetivos mais reduzidos dentro da CSN.
77
Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
160
acionou o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e ajuizou o dissídio coletivo que posteriormente
julgou abusiva a greve e determinou que os trabalhadores tivessem desconto de 50% dos dias
parados.
Os anos de 2005 e 2006 foram marcados por greves envolvendo as principais prestadoras
de serviços de manutenção da CSN e pelo desenvolvimento da capacidade de mobilização desses
trabalhadores. O SMVR buscou articular uma identidade coletiva de “terceirizado” através da
elaboração de uma pauta de reivindicações única para o grupo, embora esses trabalhadores sejam
empregados de diferentes empresas. Como contra-estratégia à mobilização dos “terceirizados”, os
entrevistados relataram que o Metalsul costuma propor acordos coletivos diferenciados entre os
trabalhadores das diferentes empresas, com ligeiras melhorias para alguns funcionários com o
intuito de incentivar a desmobilização dos grupos terceirizados.
Os movimentos grevistas dos anos de 2005 e 2006 provavelmente forneceram um
incentivo à retomada da greve como forma de pressão dentro da CSN. De acordo com os boletins
sindicais, durante esses anos, os trabalhadores da CSN ameaçaram paralisar as atividades assim
como os trabalhadores terceirizados, chegando até a votar positivamente pelo citado expediente,
embora acabassem, em seguida, negociando seu acordo coletivo.
Em 2007, a greve envolveu, além dos trabalhadores terceirizados das duas maiores
prestadoras de serviços, a Sankyu e a Comau78, os trabalhadores do quadro da CSN. A Campanha
Salarial Unificada realizada em meados de 2007 sob a presidência de Renato Soares era parte de
uma tentativa de reaproximação e esforço conjunto entre os principais sindicatos que agrupavam
trabalhadores da CSN em sua base, dentre eles o SMVR, o Sindicato Metabase de Congonhas, o
Sindicato dos Engenheiros e o Sindicato dos Contabilistas. Além da associação entre os Sindicatos,
foram realizadas assembléias que reuniam trabalhadores da CSN e trabalhadores das terceirizadas
Comau, Sankyu, Magnesita, M&P, Tecnosulfur, Ormec, Vais, K&K e Emac. A Campanha Salarial
Unificada representou uma tentativa de atacar dois tipos de divisões que comprometem a força
dos movimentos reivindicatórios e grevistas: a divisão horizontal, a partir da multiplicação de
sindicatos para representar os trabalhadores de uma mesma empresa, e a divisão que consiste na
fragmentação da categoria intra-sindicato, a partir da negociação coletiva com variadas empresas
78
As empresas Sankyu e Comau são reconhecidas pelos trabalhadores da usina como as prestadoras de serviços que reúnem o
maior número de ex-trabalhadores da FEM, por isso designadas como “a antiga FEM”.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
161
subcontratadas79. Contra as estratégias desmobilizadoras da classe patronal, o SMVR propunha
um movimento reivindicatório unificado com uma pauta de demandas aproximada para os
trabalhadores da UPV que faziam parte de sua base e trabalhadores que compunham outras bases
sindicais.
A recusa da CSN e do Metalsul em negociar com o movimento unificado levou o SMVR a
assumir uma postura de “entrincheiramento” e preparação para, findas as possibilidades de
negociação verbal, dar início a uma greve em toda a usina80. A falta de um acordo na Campanha
Salarial Unificada de 2007 culminou com a primeira greve realizada pelo SMVR em conjunto com
os trabalhadores da CSN após a privatização. Desde 1990 os trabalhadores da CSN não recorriam à
greve como forma de pressionar a empresa pela aprovação de suas reivindicações.
Para os subcontratados das empresas Sankyu, Comau, Ormec, Emac e Magnesita, a
paralisação de 2007 dava continuidade a um período sequencial no qual a greve vinha sendo
alçada à categoria de recurso privilegiado de pressão contra as empresas81. Já os trabalhadores da
CSN em 2007, embora a empresa ainda abrigasse um número significativo de herdeiros da
tradição grevista da década de 1980 e início dos 1990, estavam há 16 anos sem recorrer à greve
como forma de articular suas demandas. Portanto, a Campanha Salarial Unificada reuniu dois
grupos de trabalhadores em pontos diferenciados de suas trajetórias de existência: enquanto os
trabalhadores da CSN eram “relembrados” do papel que a greve tivera em sua história e
experimentavam a re-encenação de uma tradição vanguardista que lhes fora atribuída outrora, o
trabalhador terceirizado estava em franca construção da greve como artefato de sua categoria. A
greve de 2007 representava simbolicamente um teste à reação e ao comportamento dos
trabalhadores da CSN, ainda hoje lembrados por sua postura combativa e aguerrida da década de
1980. A própria experiência de uma greve na CSN como empresa privada, conduzida por seus
funcionários, era uma incógnita que tardava a ser respondida.
79
Boletim 9 de novembro de 17 de abril de 2007. A própria organização visual dos Boletins do SMVR durante a Campanha Salarial
Unificada denuncia a estratégia aglutinadora: com os emblemas dos outros Sindicatos da Base dos trabalhadores da CSN no topo
do periódico, e com o nome das principais empresas terceirizadas ao redor do texto (Boletins do SMVR de 28 de março a 13 de
junho de 2007).
80
Boletim 9 de novembro de 7 de maio de 2007.
81
É possível que as greves sucessivas organizadas pelos trabalhadores terceirizados tenha sido um dos fatores que levou a CSN a
criar um programa de desterceirização em 2006. A desterceirização de parte da manutenção realizada pelas empresas Sankyu e
Comau foi implementada nos de 2007 e 2008 dentro da UPV.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
162
O impulso inicial da greve de 2007 foi dado pelos trabalhadores terceirizados da Sankyu,
Comau, Magnesita, Ormec e Emac, que a iniciaram em 30 de maio. Os trabalhadores da CSN só
aderiram à greve na madrugada do dia 1° de junho. Segundo o Boletim 9 de novembro, a
paralisação das atividades havia comprometido 50% do funcionamento da UPV82.
A proposta recusada pelo SMVR e pelos trabalhadores das contratadas era de reposição de
3,44% do INPC, mais 2% de aumento real e R$ 300,00 reais de abono. Já os trabalhadores da CSN
entraram em greve contra o adicional do INPC, 1,5% de aumento real e R$ 2.000,00 reais de
abono. Para os trabalhadores contratados, o SMVR pedia 20% de aumento real. Dentre as
principais reivindicações presentes nas pautas dos acordos coletivos estava o estabelecimento do
piso salarial profissional de R$1.200,00 em lugar dos R$ 700,00 pagos na época aos trabalhadores
terceirizados, e a reposição salarial de 35,41% referente às perdas históricas no salário dos
trabalhadores da CSN83.
Vários expedientes de coerção foram utilizados pelas empresas para solapar os esforços
grevistas. Diretores sindicais teriam sido agredidos por seguranças da CSN, os chefes,
principalmente da CSN, permaneceram no local de trabalho com o intuito de fiscalizar a
frequencia dos trabalhadores, bem como de contatar pelo telefone aqueles que se ausentassem.
No dia 6 de junho de 2007, 6 dias após o início da greve de seu grupo, os trabalhadores da
CSN votaram pela aceitação da oferta acima mencionada, além da proposta de uma hora de
almoço aos trabalhadores do turno 84 e da promessa de não retaliação aos grevistas. Os
trabalhadores terceirizados da Comau e da Sankyu deram continuidade à greve que foi encerrada
cerca de 27 dias após seu início. A greve dos trabalhadores terceirizados foi julgada ilegal pelo
TRT.
A saída dos trabalhadores da CSN da greve de 2007 foi mencionada com certo tom de
ressentimento por alguns terceirizados, e lamentada por alguns trabalhadores da CSN
entrevistados, pois havia uma forte expectativa em torno do “correr juntos”. Os relatos que
mencionavam a participação dos trabalhadores da CSN, em geral, expressavam a impressão de
que ela havia encerrado antes mesmo de começar, ou seja, de que a atitude fura-greves havia sido
82
Boletim 9 de novembro de 3 de junho de 2007.
83
Boletim 9 de novembro de 16 de maio de 2007.
84
Nesta época, os trabalhadores do turno de 8 horas tinham direito a 30 minutos de almoço (Boletim 9 de novembro de 11 de
junho de 2007).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
163
mais uma regra do que exceção. Não por acaso, o então presidente do SMVR, Renato Soares,
lamentou a dissolução do esforço grevista e a impossibilidade de, como outrora, “parar a usina”,
concluindo que os anos de 1980 haviam sido singulares na história do SMVR e do sindicalismo de
confronto.
Portanto, da descrição sumária das greves realizadas por trabalhadores terceirizados é
possível perceber as tentativas do SMVR em fazer dialogar interesses fragmentários como parte
de uma estratégia para lidar com a pulverização dos trabalhadores. Por outro lado, à reinvenção
de práticas sindicais grevistas se contrapunha as novas investidas diferenciadoras da classe
patronal, diversificando e pulverizando os acordos coletivos. Além disso, é importante notar que a
nova conjuntura favoreceu a emergência de uma identidade coletiva (embora por vezes efêmera)
articulada sob a condição de terceirizado, e também as identidades grupais, vinculadas a empresas
específicas como os trabalhadores da Sankyu e da Comau.
Embora não nos tenhamos detido especificamente sobre o resultado dessas mobilizações
em termos de ganho real para a categoria, tentamos focalizar neste trabalho as complexas formas
de organização da identidade possíveis a partir da terceirização de grande contingente da CSN e
também dos limites e desafios à construção de identidades políticas abrangentes pelo SMVR.
Também exploramos pouco um elemento importante para a apreciação do processo de
terceirização: a relação entre a CSN e suas contratas. Tal esforço será combustível para trabalhos
futuros, contudo, antes de prosseguir é preciso destacar dois pontos importantes para
compreender a repercussão e os limites dessas greves no contexto da terceirização. Os
trabalhadores terceirizados, ao se lançarem em greves, têm consciência de que sua pressão
extrapola a relação com a contratada, atingindo a própria contratante. Este é um dos resultados
contraditórios de um tipo de contrato de trabalho que tenta separar juridicamente uma realidade
cotidiana inseparável: o vínculo do trabalhador com seu meio. A pressão grevista exercida pelos
terceirizados atinge a própria CSN, porque ameaça o funcionamento de sua produção e coloca em
suspenso a possibilidade da empresa honrar os prazos e compromisso
assumidos com os
compradores.
Por outro lado, vários entrevistados e líderes sindicais insistiram em afirmar que as
empresas terceirizadas não tem autonomia para negociar livremente com seus empregados. As
prestadoras de serviços não geram valor, fato que impede que elas ofereceram a seus
trabalhadores mais do que os benefícios e salários planejados para a vigência do contrato, ou seja,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
164
o limite da negociação do acordo coletivo é dado pelo cálculo da margem de lucro esperada pela
contratada, fixada previamente pelo período de 3 anos.
Reflexos das greves na concepção sobre a diferença
Nesta seção de trabalho reunimos algumas das explicações, argumentos e fundamentações
de sindicalistas e trabalhadores terceirizados e da CSN sobre o caráter dos movimentos grevistas
supra-citados e sobre as diferenças que impulsionaram terceirizados a uma atitude de confronto e
os trabalhadores do quadro a uma atitude mais contida. A construção de argumentos para
caracterizar os perfis de trabalhadores contratados e diretos contribuía para acentuar as
diferenças nas posições atualmente ocupadas pelas duas categorias de trabalhadores. As greves
desnudavam em suas “falas”, a fragmentação dos interesses e das condições dos dois tipos de
trabalhadores.
Uma das principais razões apontadas pelos entrevistados como motivadora do perfil
grevista e confrontador estava ligada ao desempenho de atividades de manutenção. Tanto o expresidente do SMVR, Carlos Perrut, quanto o atual, Renato Soares, identificaram na FEM e,
principalmente, em seu quadro de funcionários de manutenção industrial, a força das greves dos
anos de 1980 e início dos 1990. Como fora discutido anteriormente, as atividades de manutenção
da FEM, bem como parte de seus quadros, foram transferidos para as terceirizadas nos anos 2000.
A CSN à época promovia o enxugamento de seu quadro próprio a partir da transferência da maior
parte das atividades de manutenção para prestadoras de serviços, fazendo com que o quadro
majoritário da empresa fosse ocupado por profissionais de operação – que muitas vezes são
representados simplificadamente como sinônimo de “os trabalhadores da CSN”.
Com a extinção da FEM-manutenção, os trabalhadores terceirizados legaram da subsidiária
o desempenho das atividades de manutenção e, também, concomitantemente, para alguns dos
entrevistados, a postura de confronto, materializada nos anos de 2005, 2006 e 2007. Desta forma,
o perfil grevista dos terceirizados, construído a partir da experiência recente de greves sucessivas,
era explicado, em parte, pelo desempenho de atividades de manutenção, que garantiriam ao
trabalhador maior empregabilidade. Um argumento recorrente entre os entrevistados era a idéia
de que a manutenção representa uma “profissão” na medida em que independe do ambiente
fabril para se realizar. O funcionário de manutenção é um “eletricista” ou um “mecânico”,
qualificações e conhecimentos aplicáveis tanto em outros tipos de indústrias que não a
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165
metalúrgica e, até mesmo, no desempenho de trabalho autônomo. Em contraposição à maior
versatilidade do funcionário de manutenção (e da sua conseqüente maior disposição para as
greves) o funcionário de operação seria, segundo os entrevistados85, mais enraizado e menos
disposto ao confronto devido ao caráter pouco versátil e, até mesmo, “enrijecedor” das atividades
de operação, considerada extremamente especializada. Desta forma, uma primeira identificação
geral dos perfis de trabalhadores terceirizados/trabalhadores de manutenção e trabalhadores da
CSN/trabalhadores de operação com relação à atitude grevista girava em torno da dicotomia
autonomia/flexibilidade e capacidade de adaptação e, de outro lado, uma autonomia
comparativamente menor/desempenho de funções repetitivas.
Embora as explicações sobre o perfil grevista dos contratados tenha, em parte, sido
relacionada a um potencial inerente à manutenção, ou seja, à continuidade com um período
anterior, eles apareceram associados a argumentos que situam no processo de terceirização e de
precarização de salários e direitos a emergência de uma postura reivindicatória latente. A
defasagem de salários e direitos em relação ao trabalhador do quadro criaria um tipo de atitude
de descaso, uma atitude de “quem não tem nada a perder” entre os terceirizados. Por outro lado,
os trabalhadores da CSN, gozando de uma situação relativamente melhor dentro da UPV,
hesitariam mais em assumir um postura que colocasse em risco as conquistas históricas firmadas
nos acordos coletivos. Essa foi a principal explicação articulada para sustentar a saída precoce dos
trabalhadores da CSN da greve de 2007. Notoriamente a menção à existência de um clima de
intimidação dos trabalhadores por parte dos chefes da CSN aponta para uma estratégia
desmobilizadora pautada pela administração calculada da diferença, ou seja, a ameaça latente de
revogação de benefícios e o rebaixamento do trabalhador direto à condição dos “outros”, ao
“marco-zero” dos direitos mínimos garantidos pela CLT.
Portanto a opinião recorrente afirmava que, embora os trabalhadores da CSN não
considerem sua situação exatamente boa ou satisfatória, não a colocam em risco. A criação de
uma diferença entre trabalhadores terceirizados e da CSN parece uma estratégia eficaz por parte
da empresa com o intuito de defrontar diariamente o trabalhador do quadro com a possibilidade
iminente de ter seu estatuto e sua condição rebaixados tal qual o outro. A manutenção de uma
diferença de direitos e salários entre trabalhadores terceirizados e da CSN cria uma situação em
que a defesa de uma condição que é relativamente melhor alimenta o medo de sanções e
85
Dentre eles, sindicalistas, trabalhadores da CSN e das terceirizadas.
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166
represálias. Portanto, a ideia de que o trabalhador da CSN “tem mais a perder do que os
trabalhadores terceirizados” sugere a existência de uma vantagem que é relacional.
Por outro lado, a busca incessante de melhorar sua condição dentro da usina entre os
trabalhadores terceirizados parece ter um horizonte positivo encarnado pela condição de
trabalhador do quadro direto. Neste lado do pêndulo, a diferença, ao invés de causar medo,
motiva a busca por equiparação das condições entre trabalhadores das terceirizadas e da CSN, que
muitas vezes percebem salários e direitos desiguais pelo desempenho de atividades iguais ou
similares. A justaposição permanente e cotidiana de trabalhadores com estatutos diferentes,
neste ponto, parece ter criado uma situação dual: a diferença inspira o ataque de uns e a defesa
de outros.
Uma terceira explicação para definir a atitude grevista recente dos trabalhadores
terceirizados versava sobre a existência de uma pressão maior e mais intensa da contratante em
relação a seu quadro do que das contratadas em relação ao seu efetivo. Durante a greve de 2007,
foi relatado pelos entrevistados uma gama de investidas dos chefes da CSN contra a adesão dos
trabalhadores e em prol da desmobilização. Ameaças de demissão, rígido controle da frequencia
dos trabalhadores, a presença continuada dos superintendentes nas áreas, a busca de
funcionários em casa para trabalharem e até mesmo o incentivo para que eles dormissem dentro
da usina foram expedientes utilizados pela CSN para desarticular o esforço de greve. Já as
empresas contratadas foram caracterizadas como mais tolerantes e menos rigorosas durante os
eventos grevistas. Muito desta tolerância seria, segundo os entrevistados, fruto da necessidade de
manter os profissionais treinados em seus quadros, mesmo com salários e condições defasadas.
O trabalho com entrevistas tem a virtude de identificar aquilo que os trabalhadores
atribuem como formas de compreender a fragmentação e os seus resultados. Na consideração das
greves de 2005, 2006 e 2007, os trabalhadores e sindicalistas conferiram perfis e atitudes
diferenciadas a trabalhadores terceirizados em relação aos trabalhadores da CSN como resultado
de seus posicionamentos em níveis desiguais de condições. Contudo, não devemos radicalizar
certas opiniões pois elas são construídas de forma dicotomizada, quer dizer, são exacerbadas pelo
caráter relacional entre as condições de trabalhadores da CSN e prestadores de serviços. Portanto,
considerações como “os terceirizados fazem greve porque não tem nada a perder”, “as firmas
terceirizadas tem um controle mais frouxo dos seus funcionários”, ou “operadores/trabalhadores
da CSN são pouco flexíveis e engessados” são extremos que emergem de uma leitura relacional, e
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167
tendente à demarcação de uma oposição radical. Contudo, se analisados de forma não absoluta,
todos os argumentos fazem emergir novas questões sobre os resultados da dinâmica do trabalho
reestruturado e terceirizado na organização dos trabalhadores e de seus interesses nos espaços de
trabalho.
As greves do SMVR e dos trabalhadores da usina – que eram historicamente marcadas pela
adesão maciça, pelo esforço conjunto na década de 1980 e no início de 1990 – durante os anos
2000, representaram um teste à validade das estratégias tradicionais do sindicato em meio ao
contexto das novas relações de trabalho e emprego. Neste sentido, as greves do SMVR de 2005,
2006 e, particularmente, a de 2007 parecem ter fomentado o acirramento da percepção da
diferença entre os trabalhadores diretos e contratados.
A multiplicação dos empregadores e dos acordos coletivos dentro das empresas e das
categorias de trabalhadores a partir da terceirização desencadeou um processo de desarticulação
dos interesses e das experiências. A pluralidade de acordos coletivos diferenciados firmados entre
a CSN e seus trabalhadores, e entre as prestadoras de serviço e seus funcionários, intensifica a
dissociação dos coletivos na medida em que situa os trabalhadores em patamares diferenciados
de direitos e conquistas. Aos sindicatos resta a tarefa de lidar com clamores cada vez menos
uníssonos. Todavia, as experiências das greves de 2005, 2006 e 2007, principalmente entre os
terceirizados, apontam para um certo revigoramento da prática combativa, mesmo em um
ambiente de intensa pressão fragmentadora e precarizante e em uma categoria considerada
“fraca” e pouco “coesa”. Apontam também para a necessidade de um redimensionamento das
estratégias sindicais que sejam ao mesmo tempo pautadas pelo questionamento das práticas
impostas pelas novas formas, mas também pela possibilidade de incorporação de novas
identidades plurais à dinâmica institucional.
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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
172
Trabalho análogo ao escravo e o limite da
relação de emprego no Brasil
Vitor Araújo Filgueiras86
Introdução
O presente texto analisa o trabalho análogo ao escravo no Brasil contemporâneo. O objetivo
do trabalho, produto de pesquisa efetuada entre os anos de 2008 e 2010, é apresentar a natureza
do trabalho análogo ao escravo e explicar como o Estado brasileiro prescreve e tenta efetivar
controles da exploração do trabalho com base em limites à existência da própria relação de
emprego. Mais especificamente, o Estado prescreve um limite externo à relação de
assalariamento no Brasil, que contempla o tipo de coerção específica do capitalismo, pois
independe da coação individual do comprador da força de trabalho para se configurar. Os desafios
à diminuição da incidência de condições de trabalho análoga à escrava são colossais, e incluem
resistências desde os próprios aparelhos do Estado.
Aproximadamente 37 mil trabalhadores foram resgatados pelo Estado em situação análoga à
de escravos entre 1995 e maio de 201087. Este texto pretende demonstrar como e por que esse
fenômeno se constitui como o limite da relação de assalariamento no capitalismo brasileiro. A
análise será permeada pelas histórias (tragédias) de Jeferson e Janine, jovens de 15 e 14 anos de
vida, respectivamente, que ilustram paradigmaticamente a natureza e os limites (se mensuráveis)
inerentes à relação de emprego sob a lógica do capital.
Conheci Jeferson e Janine em 200988. Estes jovens não se conhecem e moram a milhares de
quilômetros de distância que separam Pará e Santa Catarina. Eles aparentemente têm pouco em
comum, como o senso comum pode especular que Pará e Santa Catarina em nada se assemelham.
Entretanto, Jeferson e Janine estão muito próximos, assim como Pará e Santa Catarina não estão
tão distantes. O que os aproxima? Os jovens eram parte de uma mesma relação social, estando
inseridos subordinadamente nessa relação. Mais especificamente, a relação que os subsumia
ultrapassou o limite permitido para que fosse socialmente legitimável. Jeferson e Janine eram
86
Universidade Federal da Bahia / Ministério do Trabalho (auditor fiscal); doutorando em Ciências Sociais.
87
Dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br).
88
Com exceção dos nomes, todos os dados apresentados sobre Jeferson e Janine correspondem estritamente aos fatos detectados
em duas operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho das quais fiz parte.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
173
trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravos, o limite da relação de assalariamento
no Brasil. A questão é: tem limite essa relação?
O assalariamento se institui historicamente a partir da dupla liberdade que a parcela
majoritária da população que trabalha passa a gozar em determinada sociedade. Por um lado,
livre dos laços de dependência específicos de outros modos de produção (como a condição de
servo ou escravo); por outro, “livre” do controle sobre os meios de produção. Essa dupla liberdade
tem como corolário, para a população que trabalha, um destino compulsório, qual seja, a
necessidade da venda de sua força de trabalho como meio para sua reprodução (inclusive física).
Os compradores da força de trabalho são os proprietários dos meios de produção, cujo objetivo
no bojo de tal relação social é a obtenção incremental do excedente socialmente produzido, que
nesta sociedade ganha a forma de lucro monetário.
A busca do lucro como objetivo do capital é um dos fenômenos mais estilizados da história
das ciências sociais, sobre o qual concordam desde os clássicos Marx (2002)89 e Weber (2003), até
a teoria econômica ortodoxa 90 . Seja por personificar o capital, pela ação racional ou pelo
hedonismo inerente ao ser humano, concorda-se que o capitalista tem como objetivo a busca do
lucro sempre renovado.
Contudo, a busca pelo lucro não é efetuada pelo capitalista apenas regularmente, mas
também compulsivamente, conforme qualifica Weber (2003, p. 94, p. 99). Para o autor, a ação
capitalista tende a desvincular-se dos meios que inicialmente a justificam, engendrando uma ação
com fim em si mesma91. Mais do que desvincular-se dos fins, constituindo-se em autojustificação,
a história do capitalismo abunda indícios de apartamento entre os meios socialmente
estabelecidos para a obtenção do lucro pelo capital e a busca efetivamente empreendida pelo
mesmo. Assim, a ação capitalista não apenas tende a se autonomizar enquanto fim, conforme
argumenta Weber (2003), mas também a se descolar dos meios que não aqueles que corroborem
89
“Enquanto a apropriação crescente da riqueza abstrata for o único motivo que determina suas operações, funcionará ele como
capitalista, ou como capital personificado, dotado de vontade e consciência” (2002, p.183). Em que pese não ser este o espaço para
esmiuçar a questão, me parece contraproducente a enorme celeuma historicamente incrustada no marxismo (dentre diversos
exemplos possíveis, ver debate milliband versus poulantzas [ideologia na ciência social]) assentada na falsa dicotomia entre
motivação e determinação para buscar o lucro, que discrimina artificialmente supostos fatores objetivos e subjetivos na explicação
da reprodução do capital. A rigor, ambas as perspectivas fetichizam a natureza da relação social.
90
A título exemplificativo, ver Mankiw (2000);
A vocação ao trabalho, da poupança e reinversão, etc., oriundos dos valores religiosos, motivam os indivíduos para a ação
capitalista, tendo como fim a salvação. Contudo, o autor percebe que a ação capitalista tende a se desvincular da sua motivação
religiosa, se constituindo em um fim em si mesmo. É desfeito o elo com o mundo: o capitalismo, segundo Weber (2003, p.99), não
carece mais do suporte do asceticismo religioso, constituindo uma convulsiva espécie de autojustificação.
91
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
174
sua reprodução92. Partindo de outro corte epistemológico, Marx (2002) demonstra fartamente
como opera a compulsão do capital pela sua reprodução incremental, que questiona limites
morais, geográficos, culturais e jurídicos estabelecidos antes ou mesmo durante a disseminação e
estabelecimento dessa relação social. Na teoria econômica ortodoxa, a busca pelo lucro deriva da
característica imanente (natural) do homem de maximizar seus benefícios e minimizar esforços,
apresentando o mercado como ente trans-histórico ideal para realização do hedonismo, cujas
resistências artificiais eventualmente imputadas são natural e necessariamente superadas pelo
cálculo custo-benefício.
Como o lucro é extraído do trabalho, este é vítima necessária e preferencial das ofensivas do
capital sobre os meios indesejados à sua reprodução. Destarte, atributos indesejáveis à
reprodução do capital, que acompanhem o trabalho, são sempre atacados, desde os primórdios
do capitalismo. Por exemplo, o processo de discussão, elaboração e efetivação da legislação fabril
na Inglaterra do século XIX é minuciosamente analisado por Marx (2002), que demonstra como o
capital lutou arduamente contra a regulação em todas as referidas etapas93.
Se por um lado o capital usa de todas as armas para extrair o máximo da riqueza social e
despender o mínimo, por outro o trabalho pode se submeter a quase qualquer situação no bojo
da relação, pois, conforme já indicado, depende da venda da sua força de trabalho para
sobreviver. Conforme argumenta Polanyi (2000), a transformação do trabalho em mercadoria
engendra a eliminação do “direito à vida”.
O resultado dessa combinação é que, dada a compulsão do capital e a “liberdade” do
trabalho, não há um limite inerente às condições de venda e uso da força de trabalho (à relação de
assalariamento), ou seja, sem a organização coletiva do trabalho ou intervenção externa podem
emergir, inclusive, padrões de uso que seriam próprios de outro modo de produção.
92
Após o quase cataclisma do mundo e posterior tentativa de domesticação da chamada Era Fordista, o capital tem reagido
intensivamente para superar elementos que obstaculizam sua “livre” reprodução.
93
Não se pode confundir o ataque conta a legislação fabril contra o ataque a qualquer regulamentação. Muitas regras, em
determinados contextos, podem contribuir para reprodução do capital, sendo consentidas ou mesmo demandadas por ele. O caso
do direito do trabalho é paradigmático. Atacado duramente desde os seus primórdios, ele é parcialmente aceito e mesmo contribui
para a reprodução do capital, conforme mostra Marx no caso do emprego das máquinas mais modernas a partir de exigências da
higiene do trabalho. A formalização dos vínculos de emprego, dos controles da jornada, etc., do mesmo modo, no período fordista
contribuíram para a padronização e subsunção do trabalho ao capital, sendo funcionais naquele contexto (mesmo que
individualmente os capitalistas resistissem à regulamentação). Todavia, a partir do momento em que a regulação dificulta (ou
simplesmente desacelera) sob qualquer modo a reprodução do capital, como agora acontece dada a hegemonia do capital
financeiro e demanda por velocidade e flexibilidade da acumulação, as regras são prontamente atacadas.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
175
Relação sem limites
Jeferson e Janine trabalhavam em condição análoga à dos escravos, estatuto formalmente
eliminado do quadro jurídico brasileiro no século XIX. O trabalho escravo foi política de Estado no
Brasil colonial (Estado português) e assim continuou após a independência, até 1888. Este foi o
modelo de relação de produção adotado para a produção do excedente sob domínio português e
mantido depois da constituição de um Estado emancipado. Subsumida à lógica da reprodução
ampliada da riqueza desde o início, a relação entre proprietário e escravo foi pautada pela
exploração extrema do último sob diversos aspectos (condições subumanas de alimentação,
moradia, higiene, segurança, saúde), inclusive da vida útil dos trabalhadores escravizados – em
torno de 20 anos após a abolição do tráfico (SILVA, 2008).
Mais de um século depois de ser cessada a propriedade formal de homem sobre homem
como política de Estado, substituída pelo assalariamento através da liberdade formal dos
indivíduos e monopolização dos meios de produção, abundam no Brasil flagrantes de condições de
trabalho parecidas, iguais ou mesmo piores que aquelas verificadas no período de escravidão
institucionalizada.
Jeferson e Janine foram vítimas de submissão a condições análogas àquelas vivenciadas
pelos escravos. As informações abaixo apresentadas acerca das condições de trabalho dos dois
jovens foram detectadas in loco, prescindindo de adjetivos para comparação com o escravismo
anterior à lei áurea:
Jeferson trabalhava no plantio de uma lavoura de tomate, no noroeste do rico estado de
Santa Catarina. O trabalho era organizado por espécies de lotes de plantação, ficando um grupo
de trabalhadores (em geral, uma família) responsável por cada lote. As famílias eram contratadas
por um intermediário, que era o dono das terras, mas totalmente financiado e subordinado ao
verdadeiro empregador, um atacadista do estado de São Paulo. Os trabalhadores eram
submetidos a um regime de suposta sociedade relativamente à área que cuidavam; não recebiam
salário e teriam uma parcela da produção final. Os trabalhadores laboravam durante todo o ciclo
produtivo, do plantio à colheita do tomate, e adquiriam seus bens de consumo num mercado com
base em crédito acertado com o intermediário, que seria descontado do pagamento ao final da
colheita. Desse modo, todos os trabalhadores estavam supostamente em dívida com o preposto
do verdadeiro empregador a partir do momento em que se instalavam no local, não podendo
deixar o estabelecimento.
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176
Jeferson e sua família estavam inseridos nesse cenário. Ocorre que a mãe do jovem teve
divergências com o intermediário e deixou a plantação. Como ela era supostamente devedora, foi
obrigada a deixar o filho como forma de pagamento, ou melhor, foi obrigada a deixar o filho para
que este trabalhasse para quitar a suposta dívida, já que a força de trabalho do jovem era a única
mercadoria possível de transacionar. Desse modo, Jeferson se abrigou na construção onde estava
alojada outra família (que também possuía filhos menores de idade em atividade) e trabalhava
para pagar os débitos.
O estabelecimento onde Jeferson trabalhava empregava vinte trabalhadores, incluindo
algumas famílias inteiras, conforme já mencionado. Os trabalhadores ficaram abrigados na
fazenda, em construções precárias (sem piso de material resistente ou cobertura capaz de
proteger contra intempéries) próximas às respectivas áreas de plantio do tomate. A água
consumida não havia passado por qualquer teste de qualidade, era marrom (literalmente), sendo
oriunda de um igarapé de água quase parada próximo à plantação. Durante a jornada as refeições
eram efetuadas nas frentes de trabalho, mas não havia qualquer espécie de abrigo, mesas e/ou
cadeiras para uso dos empregados, nem banheiros.
A cultura do tomate é pródiga na utilização de agrotóxicos, e no empreendimento que
empregava Jeferson não era diferente. Havia aplicação de diversos tipos de agrotóxicos de várias
classes toxicológicas, como I e II, respectivamente extremamente e altamente tóxicos, a exemplo
dos produtos Lannate e Kocide. Contudo, os trabalhadores expostos não foram capacitados sobre
prevenção de acidentes com agrotóxicos; o empregador não fornecia vestimentas adequadas e
por isso os trabalhadores utilizavam suas roupas de uso pessoal para aplicação dos agrotóxicos. Os
próprios trabalhadores e/ou suas respectivas esposas realizavam a lavagem das vestimentas
utilizadas na aplicação dos agrotóxicos, sem qualquer espécie de treinamento prévio. A
higienização era efetuada nas construções que abrigavam os trabalhadores e as vestimentas
utilizadas na aplicação de agrotóxicos ficavam estendidas nos varais das moradias.
Não havia qualquer espécie de sinalização nas lavouras onde estava ocorrendo aplicação de
agrotóxicos (é necessário indicar o período de reentrada). Os trabalhadores laboravam sem
utilização de equipamentos de proteção individual (vestimentas adequadas, botas, luvas e óculos
de proteção), pois não lhes havia sido fornecido. Alguns trabalhadores utilizavam uma embalagem
de agrotóxico como recipiente para conservação e consumo de água.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
177
Os agrotóxicos eram armazenados em edificação que se situava a menos de 30m das
habitações e locais onde eram consumidos alimentos. As embalagens de agrotóxicos não estavam
sobre estrados, pilhas estáveis, afastadas das paredes, nem afastadas do teto. A edificação
destinada ao armazenamento de agrotóxicos não possuía placas ou cartazes com símbolos de
perigo, nem tinha paredes e cobertura resistentes. Havia embalagens de diversos tipos de
agrotóxicos, vazias ou em utilização, totalmente expostas ao lado da plantação. Tratava-se,
inquestionavelmente, de situação de grave e iminente risco à vida de todos os trabalhadores
submetidos àquela situação, havendo também mulheres grávidas e filhos pequenos expostos ao
mesmo cenário.
Janine, no norte do país, trabalhava na atividade do roço de juquira para o pasto. Tratava-se
de um braço do empreendimento do empregador, qual seja, a produção de leite. Para isso, a
primeira etapa é roçar o terreno para a produção do pasto, onde é criado o gado que fornecerá o
leite. A jovem não trabalhava diretamente no roço, servindo como organizadora da logística para
que seus colegas trabalhassem no campo. Ela organizava os abrigos e preparava as refeições dos
trabalhadores.
Janine e seus colegas estavam abrigados em dois barracos de lona. Esses barracos eram
feitos com pedaços de madeira, cobertos com lona preta e palha de folhas secas e o piso dos
abrigos era a própria terra batida. Os abrigos não possuíam fechamento lateral (paredes) e nem
forneciam qualquer proteção contra intempéries ou ataques de animais. Os trabalhadores
relataram que fazia muito frio à noite. Eles dormiam em redes trazidas de suas próprias casas, que
ficavam penduradas nas estacas de madeira que sustentavam os barracos. Seus pertences e
alimentos ficavam espalhados pelo chão de terra batida, dentro de sacolas ou pendurados,
juntamente com foices e outras ferramentas de trabalho. Os trabalhadores realizavam suas
refeições sentados em toco de árvores ou no chão. Não havia água limpa para higienização,
mesas, assentos, depósitos de lixo com tampas.
O preparo de alimentos ocorria em vestígios de fogões rústicos, junto ao chão ou em
bancadas improvisadas, sem água limpa, sem qualquer higiene e sem condições para a
manipulação, armazenamento, higienização e conservação dos alimentos e utensílios de cozinha.
Não havia qualquer espécie de lavatório ou vaso sanitário. Os trabalhadores eram obrigados a
realizar suas necessidades fisiológicas no mato, sem garantia de condições de higiene ou de
privacidade. No local também não havia chuveiro para o banho. Os trabalhadores utilizam um
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
178
igarapé de coloração escura para a higienização, sendo a mesma água utilizada para beber,
preparar alimentos, lavar roupas e utensílios. A água quase parada era concomitantemente
utilizada por trabalhadores e pelo gado da fazenda. A água utilizada pelos trabalhadores não
recebia nenhum tipo de tratamento. Não foram apresentados quaisquer atestados de
potabilidade da água e, segundo declaração dos trabalhadores, a água tinha um gosto muito ruim.
Os trabalhadores foram admitidos sem que fossem submetidos a exame médico admissional
e não haviam recebido salário mesmo depois de mais de 2 meses de atividade. O empregador não
forneceu aos trabalhadores equipamentos de proteção individual (EPI), tais como luvas, botinas e
chapéus. Pelo que foi apurado, Janine era também obrigada à prestação de serviços sexuais aos
demais trabalhadores.
Jeferson e Janine foram vítimas de uma relação social que tende a desconhecer limites à sua
própria lógica. A lógica é estrita, qual seja, reproduzir a si mesmo. Não há qualquer maniqueísmo
nessas afirmações, nem deve haver, caso se queira apreender a natureza do fenômeno aqui
analisado. Muitas vezes os capitalistas são pessoas cordiais e honestas, enquadradas no padrão
ético e moral almejado na nossa sociedade. Ocorre que, conforme declarou o proprietário da
lavoura de tomate onde Jeferson era submetido à condição análoga à de escravo, após a
fiscalização ele percebera a gravidade da situação à qual estavam submetidos os trabalhadores,
mas que até então ele “só via os tomates”.
Ao contrário do que se poderia supor, as condições subumanas impostas aos trabalhadores
não se restringem aos confins do país, sendo o caso de Jeferson e seus colegas exemplo disso. Na
verdade, a condição análoga à de escravo é fenômeno flagrado em todas as regiões, conforme se
verá à frente, quando da análise do combate a essa prática. Do mesmo modo, não se restringe à
agropecuária, apesar da herança do latifúndio escravocrata contribuir para a alta incidência de
casos no setor. No ramo têxtil, por exemplo, há diversos exemplos de trabalho análogo ao
escravo. Em fevereiro de 2010, em São Paulo, foi constatado que a grande rede de lojas Marisa
estava diretamente articulada à exploração criminosa de 16 bolivianos e 1 peruano, que
trabalhavam através de endividamentos engendrados por vales e descontos indevidos, sem
carteira assinada, em local com instalações elétricas completamente irregulares, extintores com
carga vencida, ao lado de tecidos armazenados com risco de incêndio; as jornadas de trabalho
começavam às 7h e chegavam a se estender até às 21h; quanto aos alojamentos: “Em apenas um
cômodo nos fundos de um dos imóveis, construído para ser uma cozinha, sete pessoas dormiam
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
179
em três beliches e uma cama avulsa. Infiltrações, umidade excessiva, falta de circulação de ar, mau
cheiro e banheiros precários completavam o cenário de incorreções. Não havia separação
adequada das diversas famílias alojadas na mesma construção” (HASHIZUME, 2010).
Em outro caso ocorrido em maio de 2010 em Santa Catarina, trabalhadores estavam alojados
em um chiqueiro (literalmente), incluindo três adolescentes94. A incidência do trabalho análogo ao
escravo também não discrimina porte do capital, contemplando do pequeno produtor de leite no
Pará que empregou Janine, às lojas Marisa, passando pelo maior empresário da soja do Brasil (Erai
Maggi, o “rei da soja” (LAMBRANHO, 2010)), gigantes da produção de álcool e açúcar, como o
grupo J Pessoa e a Cosan, um dos maiores grupos de usinas do mundo.
Além de poder atentar diretamente contra a liberdade individual (apesar de não haver, em
geral, tal necessidade), a compulsão do capital ameaça a saúde dos trabalhadores, dignidade,
segurança, e, inclusive, desconhece o limite físico do próprio elemento que lhe sustenta. Segundo
Silva (2006), a vida útil dos trabalhadores no corte de cana nas décadas de 1990 e 2000 girava
entre 10 e 15 anos95, ou seja, menor do que os supramencionados 20 anos de produtividade dos
trabalhadores escravos do século XIX.
Assim, são verificadas no assalariamento condições de trabalho semelhantes às de outras
relações de produção pretéritas, especificamente, idênticas quando não piores, àquelas vigentes
na escravidão voltada para a produção mercantil, como o modelo que por séculos perdurou no
Brasil. Como entender a sobrevida de abrigos em barracos de lona preta, falta de água potável,
banheiro e local para refeições, mortes por exaustão, risco de morte por exposição a produtos
nocivos? Sequer é possível comparar o assalariamento com a maioria dos padrões de uso da força
de trabalho vigentes em outras sociedades, pois estes últimos eram geralmente desvinculados da
lógica da reprodução ampliada do excedente (onde predomina o valor de uso, ao invés do valor de
troca [MARX, 2002]), não engendrando necessariamente a exploração extrema das classes
dominadas. A condição análoga à escrava é uma potencialidade do assalariamento sob a égide do
capital.
94
Informações apresentadas em reportagem da Rede Record: Trabalhadores são libertados após dormir em chiqueiro. Obtido em
15 de maio de 2010 em: http://noticias.r7.com/economia/noticias/trabalhadores-sao-libertados-apos-dormir-em-chiqueiro20100514.html
95
Segundo a pastoral do imigrante, entre 2004 e 2007 teriam ocorrido 21 mortes de cortadores de cana por excesso de esforço
durante o trabalho (SILVA, 2006).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
180
Em que pese haver substanciais diferenças entre os capitalismos (por conta das diferentes
trajetórias que impuseram limites externos à relação), trabalho análogo ao de escravo tem sido
detectado em diversos países do mundo, inclusive nações ricas, como os Estados Unidos, França e
Itália, ou em amplo desenvolvimento capitalista, caso da China96. No Brasil, o fenômeno do
trabalho análogo ao escravo é também vinculado ao padrão específico de desenvolvimento do
nosso capitalismo retardatário, à tradição autoritária tributária do escravismo típico e à
pessoalização das relações sociais típica da nossa cultura, mesmo aquelas que a princípio seriam
impessoais (como o mercado), conforme identificado por Sérgio Buarque de Holanda (1995).
Nesse terreno, são férteis as falsas promessas de bom emprego, a crença na dívida contraída, nas
boas intenções do “gato”, que o salário um dia será pago, que o trabalho é ruim, mas não se pode
deixá-lo…
Ocorre que, no Brasil, a relação de assalariamento possui um limite externo prescrito. Caso
seja transgredido esse limite, o Estado desconhece (e desfaz) a relação. É o que acontece quando
constada a tão mencionada submissão de trabalhador à condição análoga à de escravo.
Limites da relação
No Brasil, o Estado instituiu um limite (externo) prescrito para a existência da própria relação
de trabalho assalariado97. Não se trata de regras a serem seguidas no interior da relação de
emprego, mas de um limite à própria relação, sendo que o desrespeito desse limiar elimina o
reconhecimento pelo Estado da possibilidade de assalariamento. Assim, existe um limite expresso
ao assalariamento no Brasil, manifesto no artigo 149 do código penal. Caso seja detectada pelo
Estado a transgressão desse limite, é desfeita a relação. Conforme o referido artigo, constitui
crime:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
96
Não se está aqui sugerindo qualquer espécie de retomada de interpretações restritas de qualquer lei da pauperrização da classe
trabalhadora. Padrões de distribuição de renda e condições de trabalho conquistadas em algumas sociedades capitalistas não
podem ser desconhecidos. A questão é simplesmente entender que esses avanços não estão inscritos na lógica da relação, a não
ser em situações excepcionais de escassez de força de trabalho – a tendência, pelo contrário, é que o capital crie seu próprio
exército industrial de reserva.
97
Afirmar que o limite é externo não significa que este é imposto por agente estranho à relação (no caso, o Estado). É externo
porque se trata se intervenção que não é inerente ao trabalho assalariado. O Estado é agente que necessariamente integra a
relação de emprego, pois é ele que contribui para instituir e garante a propriedade privada. Não existe trabalho assalariado sem
Estado. Todavia, pelo fato de não ser monolítico, essa mesma instituição pode propor um limite que, a priori (por natureza), a
relação não contempla.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
181
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador
ou preposto: (Redação dada pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); Pena - reclusão, de dois a oito
anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela lei nº 10.803, de
11.12.2003) (grifos nossos)
§ 1o nas mesmas penas incorre quem: (incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); I – cerceia
o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho; (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); II – mantém vigilância ostensiva no local de
trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo
no local de trabalho. (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (incluído pela lei nº 10.803, de
11.12.2003): I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003); II – por
motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela lei nº 10.803, de
11.12.2003)
Desse modo, constitui crime no quadro jurídico brasileiro a submissão de outrem a trabalho
através de coerção individual direta, seja mediante trabalho forçado, retenção de documentos,
manutenção de vigilância no local de trabalho, restrição da locomoção por contra de dívida
contraída; cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o
fim de retê-lo no local de trabalho.
A proibição do trabalho forçado é comum a qualquer país capitalista que preveja a liberdade
e igualdade formal entre os indivíduos. As Convenções da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) 29 (de 1930) e 105 (de 1957) têm previsões expressas nesse sentido, definido o problema a
ser combatido na convenção 29: “’trabalho forçado ou obrigatório’ compreenderá todo trabalho
ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido
espontaneamente”.
No Brasil, o trabalho obtido a partir de coação individual direta geralmente ocorre com base
em mecanismos criados pelo empregador/preposto/intermediário de endividamento do
trabalhador (mesmo que mentiroso, desde que a vítima acredite), quando este último é
expressamente coagido a permanecer em atividade para quitar o pretenso débito, ou se vê
moralmente obrigado a continuar trabalhando independentemente as condições oferecidas (sem
salário, por exemplo) para saldar o déficit. São casos que se enquadram na servidão por dívida,
como o exemplo de Jeferson. Estratégia comum do capital para obter a servidão por dívida é
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
182
mobilizar a força de trabalho entre diferentes localidades, dificultando seu deslocamento para sua
cidade de origem e induzindo (ou deixando como única opção) o trabalhador a consumir os itens
necessários à sua reprodução física em estabelecimento próprio ou credenciado, no qual a
pretensa dívida é eternizada. Esse sistema de endividamento conhecido é como barracão ou
“truck sistem”.
Contudo, há um aspecto particular, mas fundamental no artigo 149 do código penal
brasileiro: o conceito de trabalho degradante como caracterizador, per si, do trabalho análogo ao
escravo. Esse conceito, por independer da intencionalidade do capitalista singular, transcende o aspecto
coercitivo direto imposto ao trabalho, atingindo a essência do aspecto coercitivo imposto ao trabalho
no capitalismo. Conforme já indicado, o aspecto determinante do assalariamento é a dupla
liberdade que obriga o trabalhador a vender sua força de trabalho. A coerção do capitalista
individual pode existir nas relações contemporâneas análogas à de escravo, contudo, com o conceito de
trabalho degradante essa coerção individual deixa de ser necessária para a configuração da analogia à
escravidão. A coerção do mercado de trabalho é a coerção específica do modo de produção
vigente e é precisamente isso que o artigo 149 incorpora, ao considerar condições de uso desumanas
da força de trabalho como crime de redução à situação análoga à escravidão. É a coerção coletiva do
capital (via mercado de trabalho) que viabiliza e está sempre presente na submissão de trabalhadores
à água envenenada por agrotóxicos, aos salários atrasados, aos alojamentos de lona preta, à
ausência de banheiros, à inexistência de locais para refeição, à retenção dos salários, fornecimento
de comida estragada, enfim, submete trabalhadores a condições que seriam próprias do que
poderíamos chamar de escravismo típico.
Destarte, além dos limites presumíveis (formas de coação direta) prescritos pelo Estado
(próprios da condição individual da liberdade formal normalmente contemplados pelos Estados
capitalistas), há um limite qualitativo ao uso da força de trabalho no Brasil (que limita as
conseqüências da liberdade frente aos meios de produção).
A disputa pelo quadro jurídico assentado no art. 149 ainda é intensa, apesar de prevalecer a
interpretação de que degradância, per si, configura trabalho análogo ao escravo (esteja ela
acompanhada ou não das demais hipóteses previstas no artigo 149), ou seja, é possível dizer que a
lei está contemplando a coerção coletiva do capital via mercado de trabalho. Isso porque essa é a
interpretação hegemônica no Ministério do Trabalho, que é o aparelho de Estado que efetua o
resgate, ou seja, representa diretamente o Estado quando a relação é desfeita.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
183
O quadro jurídico é o modo como o Estado efetivamente interpreta as normas, e a
fiscalização tem se pautado pela concepção literal do artigo, que apresenta a degradância como
condição suficiente para caracterização da condição análoga à de escravo. Contudo, agentes no
interior do próprio Estado, seja na justiça, no ministério público ou na própria fiscalização,
defendem uma interpretação que só haveria condição análoga com a coerção individual direta do
capitalista.
Também conceitualmente (para além das disputas do chamado campo jurídico) há lacunas
sobre a definição do fenômeno, tarefa fundamental não apenas do ponto de vista científico, mas
também pelos impactos políticos que a definição do fenômeno engendra.
Já há décadas são estudadas as formas de trabalho que se assemelham ao escravismo
anterior à lei áurea. Figueira e Cerqueira (2008) demonstram que autores como José de Souza
Martins, Fernando Henrique Carodoso, Otavio Ianni, entre outos, já estudavam a problemática do
trabalho obtido sob pretexto de dívida, tanto no norte, quanto no nordeste do Brasil. O fenômeno
era denominado pelos autores como “semi-escravidão”, trabalho “semi-servil”, “trabalho sob
coerção”, imobilização da força de trabalho, ou mesmo “escravidão”. Ciqueira e Figueira (2008)
vão se referir ao fenômeno como escravidão contemporânea ou escravidão.
Escravidão pré-lei áurea e trabalho análogo ao escravo
O trabalho análogo ao escravo é fenômeno trágico disseminado no nosso capitalismo.
Contudo, é efetivamente distinto da relação existente na escravidão típica, padrão vigente nas
relações de produção no Brasil até fins do século XIX. A distinção conceitual entre os fenômenos,
corolário da diferença real entre os mesmos, é essencial não apenas para a apreensão da
realidade, bem como para o profícuo enfrentamento político do problema.
Muitos estudiosos e engajados, sedentos por afirmar a injustiça e a crueldade das condições
degradantes de trabalho, tratam o trabalho análogo ao escravo e o trabalho escravo típico como
se fossem a mesma coisa.
Tal postura, apesar de chocar e mobilizar mais rapidamente os
observadores menos atentos (o senso comum), incorre em duplo equívoco (um conceitual e outro
político), fomentando, inclusive, fortes obstáculos ao combate do trabalho análogo ao escravo.
O trabalho escravo típico era política de Estado, previsto em lei e mantido sob coerção direta
do proprietário e/ou dos aparelhos repressivos estatais. O ser humano, e não a força de trabalho,
era a própria mercadoria. Não havia exército industrial de reserva e o controle direto de cada
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
184
trabalhador era fundamental para a produção do excedente. As condições degradantes de
trabalho eram corolário da coação direta e legalmente estabelecida entre produtores e
proprietários.
O trabalho escravo é formalmente proibido pelo Estado no Brasil contemporâneo. Os
trabalhadores não são eles mesmos a mercadoria, não sendo vendidos no mercado. Em geral, os
trabalhadores estão submetidos a condições degradantes sem que haja exercício de violência
sobre eles. De fato, também como heranças da escravidão típica e do perfil cultural do nosso país,
são verificadas diversas modalidades de coerção individual dissimulada (ou mesmo expressas) dos
empregadores sobre os trabalhadores, especialmente através do emprego de dispositivos de
endividamento, constituindo a servidão por dívida. Contudo, o trabalho análogo ao escravo é uma
potencialidade de qualquer capitalismo sem regulação, pois, por natureza, o capital objetiva
compulsivamente o lucro no bojo de uma relação (o assalariamento) que envolve agentes
estruturalmente díspares.
Desse modo, equiparar conceitualmente trabalho escravo e trabalho análogo ao escravo é
um profundo equívoco, pois abstrai a natureza específica do fenômeno contemporâneo, qual seja,
a operação da coação do mercado (o moinho satânico de Polanyi (2000)) sobre o trabalho como
agente de imposição de condições de uso da força de trabalho iguais àquelas vigentes em outros
modos de produção. Em muitos casos, ocorrem condições piores do que à dos escravos, pois o
exército industrial de reserva permite a reposição sem custos do trabalhador (na escravidão típica
a reposição dependia da compra de novo escravo, muitas vezes um significativo investimento).
Se do ponto de vista conceitual é um erro considerar que o trabalho análogo ao escravo
idêntico ao trabalho escravo, do ponto de vista político as repercussões são ainda piores, pois tal
confusão fornece argumento ao capital na sua tentativa constante de deslegitimar a ação de
combate ao fenômeno. O capital justamente argumenta reiteradamente que o trabalho
degradante não é igual ao escravo, pois os trabalhadores não são acorrentados (por exemplo),
com o objetivo de afrontar a ação estatal de luta contra a exploração desmedida do trabalho.
Ocorre que, de fato, o trabalho degradante não é escravo no sentido literal. Por isso, a insistência
nessa homologia enfraquece o combate. É análogo, pois são as mesmas condições, mas com base
em outros mecanismos de coerção. Isso não torna o fato menos grave, pelo contrário, torna o
fenômeno mais cruel, pois a coerção impessoal do mercado sugere que o trabalhador aceita a
degradância por opção, pois pretensamente livre.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
185
É o Estado que garante a existência da propriedade privada, por conseguinte, viabiliza o
assalariamento e a reprodução do capital. Portanto, se o capital só existe com a intervenção do
Estado, seguir parâmetros elementares propostos por esse mesmo Estado, que preservem a vida e
a dignidade do trabalho (que, por “acaso”, reproduz o capital) é o mínimo que se pode esperar
como justificativa para a existência do próprio monopólio social. Do contrário, se torna difícil até
mesmo dissimular a tirania que por natureza é engendrada pela relação social denominada
capital.
Combate ao trabalho análogo ao escravo
Jeferson e Janine foram resgatados pelo Estado brasileiro através do Grupo Especial de
Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho, que conta com a participação do Ministério
Público do Trabalho e da Polícia Federal. Os jovens receberam seus salários atrasados e demais
direitos pecuniários previstos no quadro jurídico e foram devolvidos aos familiares. Seus
empregadores sofreram dezenas de autuações e devem responder criminalmente com base no
artigo 149 do código penal.
Jeferson e Janine foram dois dos aproximadamente 37 mil trabalhadores resgatados pelo
Estado em situação análoga à de escravos nos últimos 15 anos, desde que houve a
institucionalização do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) e do GEFM.
Quando do resgate, os trabalhadores têm suas carteiras assinadas, seus direitos pecuniários pagos
e são enviados à terra natal, caso assim desejem.
O quadro abaixo apresenta um resumo dos resultados obtidos pelas operações de combate
ao trabalho análogo ao escravo no Brasil desde 1995.
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ANO
2010
11/05
2009
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
TOTAL
1- QUADRO GERAL DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO - SIT/SRTE
1995 a 2010
Número de Estabelecimentos Trabalhadores Pagamento
de
resgatados
inspecionados
operações
indenizações
49
653
1.498.328,05
até 23
156
158
116
109
85
72
67
30
29
25
19
17
20
26
11
963
350
301
206
209
189
276
188
85
149
88
56
47
95
219
77
2584
3769
5016
5999
3417
4348
2887
5223
2285
1305
516
725
159
394
425
84
37205
5.908.897,07
9.011.762,84
9.914.276,59
6.299.650,53
7.820.211,26
4.905.613,13
6.085.918,49
2.084.406,41
957.936,46
472.849,69
ND
ND
ND
ND
ND
54.959.850,52
186
Autos
de
infração
701
4535
4892
3139
2772
2.286
2465
1433
621
796
522
411
282
796
1751
906
28308
Há especulações de que o número de trabalhadores em condição análoga à escrava no Brasil
atinja 40 mil (DIAP, 2010). Contudo, como, por natureza, a condição análoga à de escravo não é
publicizada pelo capitalista (como ocorre com o salário (RAIS, CAGED), registro (CAGED), etc.), pelo
contrário, se há algum interesse é justamente de que o fenômeno seja encoberto, os casos só
aparecem a partir de denúncias, e apenas se comprovam quando há fiscalização. Ocorre que o
trabalho análogo ao escravo é combatido por um número extremamente reduzido (8 grupos) de
agentes de Estado, o que torna ainda mais difícil mensurar quantos Jefersons e Janines existem no
Brasil. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, aproximadamente metade das denúncias efetuadas
na região norte em 2009 não foram fiscalizadas (PYL, HASHIZUME, 2010).
Apesar da difícil mensuração, é possível inferir, conforme já mencionado, que o trabalho
análogo ao escravo é fenômeno que atinge todo o país. O quadro abaixo demonstra que houve
flagrantes de analogia à escravidão em todas as cinco regiões do Brasil em 2009, totalizando
resgates em 20 estados da federação.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
187
2- QUADRO DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
ESCRAVO - SIT/SRTE- 2009
UF
AC
BA
CE
ES
GO
MA
MG
MS
MT
PA
PE
PI
PR
RJ
RO
RR
RS
SC
SP
TO
TOTAL
Número de
Operações
5
7
1
5
14
10
8
3
23
28
7
1
15
3
5
1
2
7
2
9
156
Estabelecimentos
visitados
5
12
1
9
37
26
8
5
57
68
10
1
47
5
6
1
4
11
6
31
350
Trabalhadores
resgatados
14
285
20
99
328
161
421
22
308
326
419
11
227
521
74
26
18
98
38
353
3769
Indenizações
(R$)
10.743,07
52.281,77
24.891,80
100.354,60
766.758,13
219.533,75
1.040.523,45
656.807,52
611.165,90
787.128,04
405.153,10
288.041,68
175.084,22
46.495,58
47.549,25
134.852,90
73.538,49
467.993,82
5.908.897,07
Autos
de
infração
60
151
17
131
841
322
182
99
403
793
294
6
492
113
47
16
60
206
62
240
4535
Além dos limites da própria fiscalização, o combate ao trabalho análogo ao escravo encontra
outros duros obstáculos. Mesmo dentre os agentes de Estado existe resistência ao
reconhecimento da existência da situação e à sanção dos responsáveis. Muitos servidores
apresentam explicitamente posições do tipo: “o trabalhador não estava amarrado”, “ele poderia
fugir”, que “eu também já fui pobre”, “a situação é ruim, mas é melhor do que não ter emprego”.
Num caso envolvendo um juiz do estado do Maranhão, por exemplo, acusado de infringir o art.
149, a justiça local negou a denúncia do Ministério Público com base no seguinte argumento:
"Sucede que o crime em espécie exige representativa submissão do sujeito passivo ao poder do
agente, suprindo o status libertatis, posto que apenas desta forma anula-se por completo a
liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a
sua dignidade" e que "há de se convir que o trato da vida envolto a uma fazenda é traçada com
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
188
singelos modos de viver, o que não podem (sic) ser confundidos com condições degradantes de
vida" (PYL, 2009) (grifos nossos).
Muitos trabalhadores, como Jeferson e Janine, retornam às condições de trabalho
degradantes algum tempo depois do resgate, pois inexistem mecanismos estatais suficientes que
lhes dêem suporte. Destaque-se, contudo, a modalidade do seguro desemprego 'Especial para o
Resgatado', benefício iniciado em 2002. O trabalhador resgatado da condição análoga à de
escravo tem direito a receber três parcelas do seguro-desemprego no valor de um salário mínimo
cada. Recentemente também tem sido promovido pelo Ministério do Trabalho cursos de
qualificação para os trabalhadores resgatados.
Não bastassem as resistências internas e a insuficiência de mecanismos de apoio, os
capitalistas pouco temem os incentivos do Estado. As condenações criminais, quando ocorrem,
são transformadas em penas alternativas. As multas aplicadas, apesar de incomodar, não
assustam. Como iniciativa de constrangimento ao capital houve a criação pelo governo, em 2004,
de um cadastro onde figuram os empregadores flagrados infringindo o art.149, conhecido como
“lista suja”. O capitalista fica impedido de obter empréstimos em bancos oficiais. Entretanto, os
casos de reincidência na prática criminosa são recorrentes98. O referido grupo sucroalcooleiro J
pessoa, por exemplo, em dois anos foi flagrado quatro vezes mantendo trabalhadores em
condições análogas às dos escravos “Ao todo, 1.468 pessoas foram libertadas de canaviais
vinculados à empresa em diferentes estados do país: Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de
Janeiro”. (HASHIZUME, 2010).
Um forte mecanismo de desincentivo ao uso desumano da força de trabalho é a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) número 438, apresentada em 1999. Ela propõe nova redação ao Art.
243 da Constituição Federal, que trata do confisco de propriedades onde forem encontradas
lavouras de psicotrópicas ilegais. A PEC estende a expropriação sem direito à indenização para
casos de exploração do trabalho análoga à escravidão. A proposta define ainda que as
propriedades confiscadas sejam destinadas ao assentamento de famílias para contribuir com a
reforma agrária. No Senado, a PEC tramitou durante dois anos e foi aprovada em 2001. Na Câmara
está parada desde 2004, quando a proposta foi aprovada em primeiro turno no Plenário, restando
votação em segundo turno.
98
Ver, por exemplo, as reportagens de: Bacha (2010), Hashizume (2010), Lambranho (2010);
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
189
Considerações
Este texto buscou demonstrar como o quadro jurídico vigente no Brasil prescreve um limite à
existência do assalariamento. Trata-se de um limite externo à relação, que contempla a coerção
específica do capitalismo, pois independe da coação individual do comprador da força de trabalho
para se estabelecer.
Por natureza, o capital questiona e ataca tudo que considerar obstáculo ou simplesmente
entrave à sua reprodução. A defesa da flexibilização do trabalho no Brasil nas últimas duas
décadas é apenas mais uma evidência desse processo. A dignidade humana também é uma
barreira à reprodução do capital, pois respeitá-la demanda dispêndio de recursos que não
necessariamente implicarão retornos financeiros. O limite às condições do assalariamento só pode
ser exógeno (seja através de intervenção subsidiária estatal, da organização coletiva dos
trabalhadores, etc.), pois a própria relação não abarca inerentemente nenhum.
O limite ao trabalho assalariado prescrito pelo Estado no Brasil vem tentando ser efetivado
através da ação de algumas instituições, mas o combate tem sido difícil em diversos aspectos. Essa
luta é fundamental e deve continuar a ser realizada. É preciso ter em mente, contudo, que por
mais que o combate ao trabalho análogo ao escravo eventualmente avance, as condições
degradantes não serão eliminadas enquanto viger o atual modo de produção da riqueza social.
Dada a imensa maleabilidade da relação social denominada capital, é efetivamente possível que
sejam atingidos elevados níveis de controle ou mesmo interrupção, por algum período, da
manifestação de condições de trabalho análogas à escravidão em formações sociais capitalistas.
Contudo, mantida a relação social, dada a sua natureza, não serão erradicáveis os episódios de
Jeferson e Janine
Referências Bibliográficas
BACHA, Rodrigo. Fazendeiros reincidem na escravidão e enganam até parentes Família migrou do
Rio Grande do Sul para trabalhar em área de parentes na Bahia. Após anos de dedicação, não tem
nem como retornar. E assim como em 2008, operação encontrou mão de obra escrava na mesma
propriedade. 30 de abril de 2010.
CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo. Introdução. Trabalho escravo contemporâneo no Brasil:
contribuições para sua análise e denúncia. CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo; PRADO,
Adonia; COSTA, Célia Maria (Orgs.). Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2008.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
190
DIAP. Trabalho escravo no Brasil pode atingir 40 mil pessoas, segundo CPT. Agência DIAP, 14 de
fevereiro de 2010. Obtido em 18/02/2010: http://www.diap.org.br/index.php/agenciadiap/12078-trabalho-escravo-no-brasil-pode-atingir-40-mil-pessoas-segundo-cpt
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil, Companhia das Letras, 1995.
HASHIZUME, Maurício. Grupo J. Pessoa: mais de 1,4 mil libertados em quatro flagrantes: Entre
novembro de 2007 e novembro de 2009, houve uma média de mais de duas libertações por dia de
áreas vinculadas à Agrisul Agrícola - braço rural do conglomerado sucroalcooleiro J. Pessoa.
Empresa contesta fiscalização. 12 de abril de 2010. Obtido em:
HASHIZUME, Maurício. Escravidão é flagrada em oficina de costura ligada à Marisa. Etapas do
processo desde o aliciamento até as lojas do magazine foram apuradas pela Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP), que aplicou 43 autos de infração, com
passivo total de R$ 633,6 mil. 17 de março de 2010. Obtido em:
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1714&name=Escravidão-é-flagrada-em-oficinade-costura-ligada-à-Marisa
HASHIZUME, Maurício. Caso Cosan: aliciamento, dívidas e cortador de 17 anos. Repórter Brasil
apresenta detalhes da fiscalização ocorrida em junho de 2007 que resultou na inclusão da
companhia na "lista suja" do trabalho escravo. Cosan foi beneficiada por liminar judicial e não está
mais no cadastro. Repórter Brasil, 20 de janeiro de 2010. Obtido em: Obtido em:
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1695
HASHIZUME, Maurício. Assentamento no Piauí simboliza limites do combate à escravidão.
Libertados do trabalho escravo que conseguiram um pedaço de terra em Monsenhor Gil (PI) ainda
não receberam créditos básicos para a fixação definitiva na área. "O assentamento só existe no
nome", conta representante. Repórter Brasil, 4 de fevereiro de 2010. Obtido em:
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1700
LAMBRANHO, Lúcio. Ação de trabalho escravo contra "rei da soja" se arrasta. Justiça gastou onze
meses para notificar Erai Maggi, primo do governador de Mato Grosso, e outros quatro acusados
em caso denunciado pelo Ministério Público Federal em abril de 2009. 6 de abril de 2010. Obtido
em: http://congressoemf oco.ig.com. br/noticia. asp?cod_canal= 21&cod_publicacao= 32450.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro, 2000.
PYL, Bianca; HASHIZUME, Maurício. 23/02/2010 CPT alerta para denúncias não fiscalizadas na
Região Norte. Em 2009, quase metade das denúncias do Norte não foi fiscalizada. "Esses
prováveis escravos não chegaram a entrar nas estatísticas porque ninguém foi lá para ver",
destaca Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Repórter Brasil, 23 de fevereiro de
2010. Obtido em 24 de fevereiro de 2010: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1708
PYL, Bianca. Tribunal rejeita denúncia e absolve juiz acusado de escravidão. Por 12 votos a 4,
Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA) arquivou processo contra Marcelo Baldochi, juiz estadual
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
191
envolvido em caso de trabalho escravo que culminou na libertação de 25 pessoas - inclusive um
jovem
de
15
anos.
1º
de
dezembro
de
2009.
Obtido
em:
http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1676
Trabalho escravo contemporâneo no Brasil: contribuições para sua análise e denúncia.
CERQUEIRA, Gelba; FIGUEIRA, Ricardo; PRADO, Adonia; COSTA, Célia Maria (Orgs.). Rio de Janeiro,
Editora UFRJ, 2008.
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. MORTES E ACIDENTES NAS PROFUNDEZAS DO ‘MAR DE
CANA’ E DOS LARANJAIS PAULISTAS. São Paulo, INTERFACEHS, 2006. Obtido em 15 de maio de
2010 em: http://www.interfacehs.sp.senac.br/br/artigos.asp?ed=8&cod_artigo=146
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo. Pioneira Thomson
Learning, 2003.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
192
Os discursos teóricos e as justificativas dos atores sociais
perante os Acidentes/doenças do Trabalho
Roberto Mendoza99
Adailton S. de Andrade100
Me matan si no trabajo/ y si trabajo me matan/
Siempre me matan, me matan, ay,/siempre me matan
(N. Guillen)
Introdução
O anuário estatístico 2008 mostra que os índices de acidente de trabalho (AT) no Brasil são
elevados e tem aumentado nos últimos anos. No país, se produzem anualmente 747.663 AT, com
uma taxa de mortalidade anual p/100 mil AT de 9,49. No nordeste, a prevalência é de 83.818 e na
Paraíba de 4.229 casos. A Política Pública sobre os AT tem evoluído de uma perspectiva da culpa a
princípio do século XX até a perspectiva do risco no Sec. XXI.
As explicações teóricas dos AT têm variado de acordo com a disputa entre capital e
trabalho. No princípio do século XX, as “teorias” que tentavam explicar os AT, estavam
hegemonizadas fortemente pelas explicações jurídicas onde os próprios acidentados eram
responsabilizados pelo AT. Considerava-se o acidente como uma falha cuja responsabilidade
recaía sobre o corpo e a mente do “faltoso”, para o qual existia, juridicamente, a figura da falta
profissional que era considerada como o resultado da “má” realização de seu ofício. Isto é, a
pressuposição da execução de um ato inseguro do operário.
Teorias sobre os Acidentes de trabalho
Na década dos anos 20 começam as tentativas de explicação científica. Os psicólogos
experimentais conceitualizaram que a AT se devia, basicamente, a causas neuropsicológicas e/ou
psicopatológicas individuais dos próprios acidentados.
99
Prof. UAAC-UNITRABALHO-UFCG
100
Aluno-Bolsista PM-UAAC
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
193
A primeira, denominada teoria da predisposição, tratou de elucidar as bases que
explicariam certa conduta acidentária sob a hipótese da existência de uma predisposição aos
acidentes como uma propriedade neurobiológica particular a certos indivíduos.
Propunha-se que esta tendência neuro-psico-biológica poderia ser considerada como
fenômeno aparentemente estável, que se manifestaria em diferentes momentos de exposição ao
risco sob diferentes condições de acidentes. Foi sugerida, também, com base em resultados nos
protocolos experimentais da psicologia da percepção, a ausência de plasticidade funcional, isto é,
da existência de uma desarmonia entre tempos de percepção e reação nos movimentos,
observável no grupo dos poli–acidentados (sujeito a múltiplos acidentes) (TIFFIN, 1976).
Um AT ocorreria por inépcia do trabalhador-vítima, só que agora fundamentada numa
explicação neuropsicológica.
A segunda foi denominada teoria da Acidentabilidade. Nesta definição, a existência de
acidentes
era
devida,
basicamente,
à
inadequação
das
características
dos
indivíduos/trabalhadores ao perfil do posto de trabalho. Um poli–acidentado seria o resultado de
insistir no erro de ocupar um posto com o empregado errado.
Vários autores desta área apresentam a hipótese de que, abaixo de certo limiar de
inteligência existiria uma insuficiência da capacidade de adaptação aos riscos, que os poli–
acidentados apresentariam menores quocientes de inteligência. Outros autores descrevem as
semelhanças entre o evento acidente e as manifestações de tendências autopunitivas
relacionadas aos traumas da infância. (TIFFIN, 1976, DELA COLETA 1991). Podemos observar que
esta teoria é um aprimoramento da noção primitiva de falta profissional.
No entanto, duas teorias opostas às anteriores surgem a partir da década dos 60, onde as
condições de trabalho aparecem como único responsável dos AT.
Na abordagem da teoria do Contexto do trabalho se conceitualiza o AT como um fenômeno
inter-relacionado entre a condição de trabalho que contém em sim um acidente potencial, e um
evento disparador que forneceria as condições concretas de passagem do potencial ao real. Isto
caracteriza um Sistema Inseguro de Produção.
Num trabalho clássico, se demonstra que o gesto nefasto – o movimento implicado
diretamente na contusão – é um gesto pertinente ao repertório de gestos empregados pelo
trabalhador na sua atividade e que seria executado numa situação de risco devido ao
condicionamento reflexo, ou seja, movimentos realizados automaticamente pela força do hábito.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
194
Por outra parte, comparando situações de trabalho similares com e sem ocorrência de acidentes,
assinala uma longa lista de fatores causais dos acidentes, que envolve varáveis relacionadas com o
contexto do trabalho, com baixa significância dos fatores psicológicos pessoais FAVERGE (1975).
Este autor observa que grande parte dos acidentes ocorreria em situações pouco comuns,
ou seja, em circunstâncias especiais que não representariam mais do que 5% do tempo de
trabalho. A compreensão de uma dada situação de trabalho não se pode resumir à descrição em
termos das situações de normalidade, mas também às situações de recuperação que, ao contrário
do que possa parecer, não são situações eventuais, mas situações correntes de trabalho. A
ausência de estabilidade ou harmonia operacional, nos processos de trabalho na indústria, passa
então a figurar como uma base conceitual importante para a compreensão do fenômeno AT. As
circunstâncias de recuperação passam a ser objeto de preocupação de alguns autores.
Também se falava em tarefas-núcleo e tarefas-periféricas como componentes de um
segmento do processo de trabalho. A estruturação de uma tarefa em elementos principais
secundários constata que existe um real aumento da periculosidade na realização de atos
referentes aos elementos secundários da tarefa. (LEPLAT & TERSSAC, 1990)
Outra abordagem semelhante, a Teoria Sistêmica da Fiabilidade. Para ela, o AT é o
resultado último de um mecanismo originário do próprio processo de trabalho. Este mecanismo se
compõe da seguinte estrutura:
a) variação de um ou mais elementos na composição do contexto de realização de um processo
de trabalho;
b) disfunção de alguns elementos/ações engendrada por essas variações;
c) Cadeia de incidentes operatórios formando uma atividade imprevista de recuperação para a
qual o processo de trabalho, evidentemente, não está devidamente aparelhado.
O AT é considerado uma saída indesejada: o acidente não é unicamente a contusão ou as feridas;
estes são os desfechos de um processo evolutivo anterior, que poderia ter sido interrompido antes
deste evento nefasto. É o resultado da combinação de um conjunto de fatores situados em
distâncias funcionais distintas com relação ao evento terminal e com influências variáveis para um
mesmo acidente típico. Em outras palavras qualquer análise parcial da situação de trabalho é
indevida para análise do acidente do trabalho. (LEPLAT & TERSSAC, 1990)
Finalmente, na década dos anos 90/2000, surge uma perspectiva sociológica nova no
estudo do AT (DWYER, 2006). Ainda que seja importante reconhecer outros autores da área da
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
195
sociologia e epidemiologia, como COHN (1985), POSSAS (1989), REBOUCAS (1989), que na década
dos 80 fizeram aportes fundamentais a esta problemática. Assim COHN (1985) construiu um perfil
sócio-demográfico dos trabalhadores acidentados de São Paulo, no qual se constatava que o
índice de acidentes era significativamente maior entre os homens, nos jovens, especialmente
entre aqueles que estavam em plena idade produtiva, entre os de menor escolaridade, sem
moradia própria, casados e, finalmente, nordestinos. (DWYER, 2006), desde outra perspectiva, diz
que a causa dos AT temos que buscar-las nas Relações Sociais de Trabalho. Ele propõe um modelo
sociológico que considera quatro níveis de analise inter-relacionados para seu estudo,
operacionalizado concretamente em: 1- O nível de recompensa, 2- O nível de comando, 3- O
nível organizacional, e o 4- O nível do próprio individuo. Diversas pesquisas de campo e
experimentais demonstram que cada um destes níveis é responsável específico pelo aumento ou
diminuição dos AT.
1- O nível de Recompensa se caracteriza pela distribuição de recompensa oferecida aos
trabalhadores pela empresa, e que podem ocorrer na forma de dinheiro e/ou estima. O nível de
recompensa encerra três relações sociais diferentes, a saber: os incentivos financeiros, a
ampliação do trabalho e a recompensa simbólica.
a) Incentivos Financeiros: Quando os empregadores almejam um aumento da produção, oferecem
para os trabalhadores estímulos financeiros. Estes estímulos, no dizer de DWYER (2006),
apresentavam-se sob uma variedade de formas, tais como trabalho por produção, trabalho por
contrato com tempo estabelecido, remuneração por serviço, pagamento de bônus e participação
nos lucros. Vários pesquisadores apresentaram estudos que relacionam os vários níveis com a
produção de acidentes do trabalho.
O estudo de FRIEDMAM (1983), por exemplo, tinha observado que equipamentos de
segurança pessoal de extrema importância eram negligenciados quando “ameaçavam” interferir
na velocidade do trabalho para realizar uma grande produção. Essa observação evidencia que o
incentivo financeiro favorece possibilidades para produção de acidentes.
b) A ampliação do trabalho: é uma relação social formada numa base diferente entre pagamento e
trabalho. Isto porque nesta modalidade o horário de trabalho é ampliado, ao invés dos esforços
em troca de remuneração (DWYER (2006). Para o citado autor, quatro elementos distintos
favorecem a formação dessa relação nas organizações: Orientações dos trabalhadores em
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
196
resposta às ofertas dos empregadores; Capacidade dos trabalhadores; Demandas de tarefas e
Período de trabalho.
A relação de ampliação do trabalho propicia a intensificação do tempo de trabalho, além
das 40 horas semanais e/ou o aumento da demanda de tarefas modificando normas do local de
trabalho que nem sempre são acompanhadas pelos trabalhadores.
Á análise dos resultados revelou relações significativas entre a produção de acidentes e a
prática de horas extras trabalhadas. VERNON, APUD DWYER (2006) apresentou alguns estudos
com resultados destacados. Um deles revelou o aumento de acidentes, em duas vezes e meia,
quando o trabalho foi ampliado de 60 para 70 horas.
Outra
pesquisa
identificou
que
a
alteração de 10 para 12 horas de trabalho, favoreceu mais acidentes entre as mulheres do que
entre os homens, em decorrência das mesmas serem também donas de casa e assim assumirem
jornada dupla de trabalho. Outro estudo revelador foi realizado por SOLINS, APUD DWYER (2006)
que relacionou a complexidade da tarefa, a relação da Ampliação de Trabalho e a produção de
acidentes. Assim, foi considerado que tarefas que demandam grandes esforços psicológicos
reduzem a capacidade do trabalhador sobre a ampliação do trabalho e por conseqüência
possibilita a ocorrência de acidentes.
c) A recompensa simbólica: acontece quando a estima, o prestigio e o status são por excelência os
estímulos oferecidos aos trabalhadores. Segundo DWYER (2006), esta modalidade oferece uma
enorme vantagem podendo adquirir resultados desejados através de um meio muito barato e
melhor controle dos trabalhadores que podem escolher a forma pela qual seu trabalho será
recompensado. A recompensa simbólica, também é considerada como tendo capacidade para
produzir acidentes. Na fabrica da Ford, por exemplo, no auge fordismo, a recompensa simbólica
de tipo étnico-racial (competição entre grupos de diversa origem étnicos), produzia, entre outras
coisas, um maior índice de acidentes, ao igual que a realização de tarefas altamente perigosas na
construção civil, levadas a cabo pelos membros de algumas tribos indígenas dos EUA, os quais
achavam um grande símbolo de prestígio e status, perante seus colegas de trabalho, realizar esse
tipo de tarefas (DWYER, 2006).
2- No nível de Comando, os empregadores gerenciam as relações dos trabalhadores com seu
trabalho, por meio de um controle direto de suas ações. Para isso, produzem, neste nível, três
relações sociais distintas:
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
197
a) Autoritarismo: o uso abusivo da autoridade, onde restringe totalmente a autonomia do
trabalhador, e as tarefas desempenhadas são submetidas à relação social controle. Caso o
trabalhador resista, usam-se meios tais como punições ou sanções. Pode-se dizer que o
autoritarismo constantemente produz acidentes, pois a pressão muitas vezes leva a desgastes
psicossomáticos, emocionais dos trabalhadores, resultando em erros e acidentes.
b) Desintegração do grupo de trabalho: sabe-se que a menor unidade funcional no trabalho é o
grupo de trabalho. Na verdade, constitui o fundamento social concreto da cooperação e da troca,
que são essenciais ao desempenho da tarefa coletiva. Sua desintegração como estratégia de
controle, reduz a comunicação a seus componentes funcionais em detrimento de seu elemento
ativo/criativo/emocional e social, produzindo desânimo e perda da identidade.
Contudo, reflete numa estratégia que procura que cada trabalhador, individualmente, crie
uma identificação com a empresa, mas não entre eles. Por exemplo: um dos mais famosos
institutos de pesquisa, o Tavistock, enfocou as mudanças dos métodos de mineração de shortwall
(frentes curtas) para longwall (frentes longas) e, como conseqüência dessas mudanças ocorreu um
aumento do absenteísmo, conflitos e inesperadas baixas nos níveis de produtividade. Segundo o
instituto, estes acontecimentos foram conseqüências da reorganização dos grupos de trabalho
(pequenos para grandes) e da perda de vínculos sociais resultante dessas mudanças. É um fator
importante quando se trata de acidentes, já que problemas na comunicação são apontados como
uma das causas que levam a acidentes no trabalho, de acordo com uma pesquisa em minas de
carvão da Alemanha Ocidental.
c) Servidão voluntária: é a atitude mais ou menos espontânea dos trabalhadores que, tendo
conhecimento das dificuldades e perigos das tarefas encomendadas pela gerência, e sem solicitar
maior recompensa, realizam suas tarefas sem se oporem as condições existentes. Um exemplo
disso é que o trabalho realizado em ambientes insalubres, considerado “normal” por
trabalhadores fatalistas, está sujeito a essa relação. Por exemplo: a ordem de trabalhar em lugares
perigosos na indústria da construção que ela é maior responsável pela quantidade de AT no Brasil.
3- No nível organizacional os empregadores tentam administrar o trabalho controlando a divisão
de trabalho, bem como sua coordenação. Todo esse processo deve levar em consideração as
relações sociais formadas nesse nível, a seguir:
a) subqualificação – falta aos trabalhadores habilidade e/ou capacidade para realização das
tarefas; rotina – resultado da simplificação e parcelarização do trabalho.
b)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
198
desorganização – quando o conhecimento relativo ao resultado ou conseqüência de uma tarefa
não é possuído pelos trabalhadores (por exemplo, quando não é efetivamente transmitido para
estes) que estarão em contato com este resultado ou conseqüência. DWYER (1991) afirma que,
em sistemas complexos, a relação social da desorganização está sempre presente, dada a própria
imprevisibilidade das possíveis interações no sistema.
4- No nível do indivíduo-membro diferente dos níveis anteriores, refere-se às características sóciodemográficas particulares das pessoas, sexo, idade, estado civil, etc. e particularidades
relacionadas com algumas deficiências congênitas físicas, cognitivas afetivas, etc. Por exemplo, por
meio da Psicologia cognitiva pode-se analisar melhor a origem dos erros nas deficiências
cognitivas dos indivíduos, tendo como exemplo, trabalhadores daltônomos poderiam sofrer
acidentes se seu trabalho exigisse a visão de cores.
Políticas públicas
Nas Políticas Públicas, as teorias técnicas do risco (Contexto e fiabilidade) tendem a
prevalecer, monitorizando-se o trabalho inseguro de acordo ao nível de gravidade dos AT: cada
órgão do corpo lesionado tem um valor, um preço determinado, o que demonstra que os atores
sociais consideram o AT como inevitável.
Por exemplo, na nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e
Doenças Profissionais, da legislação portuguesa (semelhante a da Comunidade Européia), revoga o
Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, e aprova a Tabela Indicativa para a Avaliação da
Incapacidade em Direito Civil no ano de 2007. Nela, podemos observar algumas coisas curiosas:
Por exemplo, a perda do dente incisivo tem o valor de 1% dentro de um índice predeterminado
pela justiça civil, uma perturbação cognitiva severa 61-85%, já a perda dos ovários ou testículos
vale 5%, e do pênis 40%. A possível perda do clitóris por algum AT não tem valor nenhum, não
aparece tabelado, claro que isto não é dito na referida lei.
No Brasil, a Contribuição Previdenciária para o Seguro Acidente Trabalho (SAT) teve sua
sistemática de recolhimento alterada pela Lei nº 8.212/91, que em seu artigo 22, revogando a
legislação anterior, assim dispõe: "Art. 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à
Seguridade Social, além do disposto no artigo 23, é de: (I-.....), II - para financiamento da
complementação das prestações por acidentes de trabalho, dos seguintes percentuais, incidentes
sobre (...) :a) 1% ( um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de
acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja
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199
atividade preponderante esse risco seja considerado médio e: c) 3% (três por cento) para as
empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave...” (lei 8.212/91)”.
Noutras palavras, o risco, inclusive grave, é inevitável já seja que se mercantilizem cada órgão, a
própria mente do trabalhador ou se mercantilize, genericamente, o risco do trabalho
O objetivo desta pesquisa é analisar as justificativas dos diversos atores sociais envolvidos
nos processo dos AT (empresários, trabalhadores acidentados, técnicos das empresas e do
Ministério do trabalho e sindicalistas) e como estas justificativas tendem a coincidir ou não, com
os discursos teóricos aqui expostos. Lembramos que estamos falando de atribuição subjetiva de
causalidade, ou seja, do processo cognitivo pelo qual toda pessoa tenta justificar qualquer
acontecimento social por ela observado ou participado como autora direta. Nesta tentativa de
explicar para si própria e para os outros tais acontecimentos, ela atribui algum tipo de causa, seja
interna (inerente ao próprio individuo) ou externa, (causada o determinada pelo contexto onde
aconteceu dito fato). Esta forma o processo mental/subjetivo de proceder vai, sempre,
acompanhada de valorações ideológicas que dão um sentido especifico a cada atribuição de
causalidade (DELA COLETTA,1991. MENDOZA,2000).
Metodologia
Para tanto, fizemos uma análise das argumentações espontâneas, oferecidas pelos atores
envolvidos nas relações laborais de diversas indústrias do país, como respostas a algumas
perguntas realizadas pelo jornalista do Globo Repórter (Análise do discurso e atribuições de
causalidade) num detalhado documentário sobre os AT, elaborado pela rede Globo em
colaboração com o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) no ano 2000. Consideramos
que as estratégias argumentativas do falante expressam uma série de oposições (real/possível,
afirmativo/negativo), que refere à percepção enquanto membro observador de um indivíduo do
exogrupo e à percepção, enquanto membro ator de um acontecimento próprio no endogrupo.
Para isso, se organizam auto e hetero - atribuições implícitas que atravessam o texto e que
expressam o sentido que as “eventualidades” do contexto laboral (AT e DP) têm para cada um.
Posteriormente, partindo dessa categorização, destacamos representações pivô da atribuição, que
surgem como eixos das falas dos acontecimentos vividos (PÊCHEUX, 1988, DELA COLETA, 1991).
Analise dos resultados:
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200
Discursos dos atores sociais
a- Profisionais/Técnicos das empresas e patrões:
-Engenheiro Grandomênico Angioletti, Gerente de Segurança do trabalho da Mina Morro Velho,
de Nova Lima, MG, diz:
“O perigo inerente a atividade ele existe, só Deus poderia eliminar todos os perigos inerentes a
essa atividade”.
-Comunicado oficial da Empresa Bosch, perante um AT mortal de um operário no prédio da
empresa:
“O trabalhador andava sobre o telhado sem proteção sabendo do risco que corria...”
-Gerente Engenheiro de avançada/Ford, Edson Portalti: (perante a grande quantidade de
trabalhadores com LER), diz:
“nós temos uma preocupação muito grande com a qualidade, então, para nós, a LER é algo muito
importante que esta sendo administrado, graças a Deus, com a idéia de melhoria contínua...
poderíamos afirmar que somos umas das melhores empresas do mundo nesse sentido...”
Empresário, José T. Neto, Pte da Associação Brasileira de Amianto, perante a grande quantidade
de empregados contaminados (Abestose), na região de Rio dos Peixes, Bahia.diz:
“... o amianto tem um período de latência muito longo, então, provavelmente, doenças podem
acontecer, mas por causa da exposição de muito tempo atrás, a situação, hoje, está muito bem
controlada e não existe poluição acima dos limites observados em lei...”
Empresário, proprietário da empresa extrativa de amianto de Rios dos peixes, diz (perante as
diversas punições do MT pelas péssimas condições de trabalho na sua empresa):
“O dia em que tu nasceres, já te faz mal, a partir do momento em que sai da barriga de tua mãe e
já esta morrendo...”
Os resultados mostram que os empresários e os técnicos das empresas (engenheiros, etc.),
adotam o discurso da “teoria” jurídica de principio do século XX de falta profissional ou
psicológica, de imperícia psico - neurológica, isto é, atribuem a responsabilidade do AT ao próprio
trabalhador (atribuição interna) e respaldam seus argumentos nos “limites observados em lei”, e
“em Deus”.
b- Trabalhadores Acidentados
-Trabalhador metalúrgico acidentado Pedro Severino (os dois membros superiores gravemente
feridos, inutilizados), diz:
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201
“Infelizmente foi uma fatalidade...o rapaz ligou (a máquina) para a frente no lugar de ligar para
atrás..”
-Trabalhador metalúrgico acidentado Severino Lima de Sousa (gravemente queimado)
“... O que será de mim, eu não tenho futuro...”
Os trabalhadores acidentados tendem a atribuir o AT do qual foram vitimas, á fatalidade, à
má sorte e destino. Não responsabilizam ao patrão nem a empresa. Seu discurso tende a dissentir
das teorias expostas, pois enquanto atores diretamente envolvidos no AT, fazem uma atribuição
externa, isto é buscam uma causa aléia a eles próprios para explicar o AT, más não orientem suas
atribuições para culpar a empresa.
c- Sindicalistas
-Comunicado do Sindicato perante o AT fatal na Empresa Bosch:
“a Empresa não treinou o trabalhador nem o instruiu para trabalhar nesse local...”
-Pte. do Sindicato de mineração Sr. Elias Rodrigues diz :
“Temos muitos doentes por causa da sílica, 4000 silicóticos!”
-Pte. Sindicato Metalúrgico de Osasco Sr. Carlos Clemente diz:
“... De cada 10 trabalhadores acidentados, um morre ou fica mutilado, assim o Brasil ficará
inviável...”
Os sindicalistas atribuem os AT a fatores externos, isto é, que não depende dos próprios
trabalhadores, senão, pelo contrário da empresa, particularmente pelas más condições de
máquinas e ferramentas, políticas organizacionais, etc. São os que mais perto estão da teoria das
relações sociais sobre os AT. No entanto, isto nem sempre fica totalmente explicito.
d- Trabalhadores acidentados que participam de grupos de conscientização
do sindicato
-Trabalhadora acometida pela LER. Fca. das Neves Pereira, diz:
“se é uma doença invisível, estamos sofrendo muito com isso... não queremos que aconteça com
outros, não queremos mais vitimas, queremos a prevenção!....”
-Representante da Associação Brasileira de vitimas expostas ao amianto, Fernanda Glenassi diz:
“O amianto é uns dos produtos mas nocivos que se tem conhecimento na indústria” (do mundo
todo).
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202
Estes tipos de trabalhadores participativos também atribuem os AT a fatores externos, isto
é, responsabilizam á empresa, particularmente pelas más condições de máquinas e ferramentas,
etc. Também estão pertos da teoria das relações sociais sobre os AT.
e- Profissionais/Técnicos dos sindicatos e fiscais do MT.
-Promotor de Justiça do Trabalho Rômulo de Carvalho Ferraz diz:
“Inúmeros laudos (técnicos – científicos DRT, Fundacentro, etc) provam a relação causa - efeito
entre as condições de trabalho e a silicose. ..”
-Engenheiro do trabalho do MT, Orlando Silva perante um AT fatal na Empresa Bosch, diz: “... o
AT foi comum, corriqueiro, com pequenas providências poderia ter sido evitado”.
-Engenheiro do trabalho Norton Marterello diz:
“... provavelmente, sem a perícia oportuna, este seria mais um AT fantasma, não informado..”
Finalmente, os profissionais/técnicos dos órgãos públicos tendem a fazer uma atribuição
externa, semelhantes a dos sindicalistas. Os técnicos do MTPS (médicos, engenheiros), tendem a
coincidir com o discurso das teorias técnicas, atribuindo a responsabilidade dos AT principalmente
a fatores externos, as máquinas, mas também á empresa. O que os coloca perto das teorias das
relações sociais.
Conclusões
Em geral comprovamos que as teorias analisadas (com exceção da teoria sociológica), não
levam em conta as relações de produção como causa dos AT. As quatro primeiras teorias analisam
a relação Operador-Máquina e atribuem a responsabilidade ao operador individual ou á maquina,
pressupondo que a relação principal numa empresa se daria entre o trabalhador individual com
um objeto complexo que é a máquina, e não entre pessoas, atores sociais que estabelecem
relações sociais de produção. Por outra parte, observamos que os próprios atores sociais tendem
a coincidir com as teorias analisadas.
Lembramos que estamos falando de atribuição subjetiva de causalidade.
Diversas pesquisas experimentais e de campo em todo o mundo (DELA COLETA, 1991),
demonstram que esse mecanismo cognitivo, se bem é inerente a todas as pessoas, poderia variar
dependendo de circunstâncias concretas. No caso estudado nesta pesquisa sobre AT, as pessoas
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203
se encontram numa situação de inter-relação inevitável, mas assimétrica, isto é, relações de
produção, de trabalho, na sociedade capitalista do Brasil contemporâneo.
Nesta situação notamos que o processo cognitivo, subjetivo, ou melhor, psicológico, de
atribuir causas a um acontecimento (AT) no qual estamos envolvidos, como observadores ou
atores do próprio fato, se sobrepõem ou interpenetram com os processos sócio-culturais,
particularmente ideológicos, dos quais os próprios atores e observadores fazem parte.
Sendo assim, pudemos ver como os profissionais/técnicos, gerentes e ou patrões das
diversas empresas brasileiras analisadas, enquanto observadores de um AT na própria organização
da qual fazem parte, atribuem a causa do mesmo a alguma deficiência interna dos próprios
trabalhadores: “ele sabia do risco que corria”, argumentando uma falta profissional de pericia ou
de responsabilidade, para desenvolver sua função. Até aqui o processo subjetivo, psicológico de
atribuição de causalidade interna.
Mas esses profissionais fazem mais que isso, sustentam estas afirmações com argumentos
de autoridade; não só a lei os apoiaria, senão, também Deus: “... níveis de tolerância constantes
em lei”... E “graças a Deus, nós”... ou “só Deus...” . Em definitiva, este grupo profissional com o
“beneplácito” da lei e de Deus, tende a desqualificar a vítima do AT, pois ela mesma teria realizado
algum gesto nefasto. O procedimento ideológico consiste aqui em negar a responsabilidade da
empresa com argumentos legais e éticos/religiosos, apoiando se em alguma coisa acima deles que
lhe dariam a razão perante a sociedade e perante a sua própria consciência.
Já, no caso dos trabalhadores acidentados observamos que, na medida em que eles são
atores diretos do AT, tendem a atribuir o acontecido, isto é o AT, ao acaso, destino ou a alguma
coisa incompreensível: “Foi uma fatalidade”... “não sei o que será de minha vida...”. Estamos
falando de aqueles trabalhadores acidentados que não tem nenhuma afiliação sindical, pelo
contrário, uma identidade genérica de trabalhadores.
Eles, ao atribuir a responsabilidade ao destino, ao acaso, estão cumprindo com duas coisas:
primeiro, usam o mecanismo subjetivo, psicológico de atribuição como todas as pessoas que na
situação de atores diretos de um acontecimento negativo o fazem, isto é, atribuem o AT a um
fator externo, (o acaso); e em segundo lugar, usam os valores e ideologia dominante para
resignar-se e justificar o acontecido sem responsabilizar a empresa ou patrão pelo AT. No entanto,
do ponto de vista psicológico observamos que não podem fortalecer sua atribuição com argüições
baseadas na lei, pois não a conhecem; nem em Deus, posto que para a consciência individual do
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
204
trabalhador, para seu auto-conceito e auto-estima, seria intolerável acreditar que Deus lhe fez
algum mal. Em todo caso, poderia agradecer a Deus, depois do AT, por estar vivo, por ter salvado a
sua vida, e ter mais fé e confiança em que, no futuro, será protegido. Como vemos, a ideologia e a
psicologia se coadjuvam.
Até aqui os processos subjetivos de atribuição de causalidade foram usados pelos atores
(operários acidentados) e observadores (técnico-gerentes/gerentes/patrões) tal como previsto nas
pesquisas de psicologia social. Isto é, o observador atribuirá a causa do AT a um fator interno do
ator acidentado e, este, atribuirá a um fator externo o acontecimento negativo por ele vivido. O
mesmo poderia se disser com relação á reprodução de valores e ideologias hegemônicas
realizados pelos agentes sociais que acabamos de analisar. Isto é, o grupo dominante
(patrão/técnicos/etc.) justificará o AT culpando as vitimas, como um médio de defender as
necessidades e interesses econômicos de se próprio e indiretamente de seu grupo de pertença.
Por outro lado, as vítimas (trabalhadores acidentados), na medida em que não tem
conhecimento de seus direitos trabalhistas, e não tem construído uma identidade sócio-coletiva
que lhes permita lutar, de alguma maneira, pelas suas necessidades, interesses e direitos, não
culpam ao patrão pelo AT, se não a alguma coisa difusa como o acaso. A ideologia funciona
exatamente deste modo.
Agora, no caso dos sindicalistas e dos técnicos do Ministério do Trabalho, a tendência é a
não atribuir a própria vítima a responsabilidade pelo AT. Neste caso, vemos que as previsões da
psicologia social não se cumprem.
O processo da atribuição subjetivo faz uma reviravolta, na medida em que sendo
observadores, atribuem ao contexto (organização) a responsabilidade pelo AT.
No caso dos sindicalistas, isto se justifica pelo fato deles terem uma maior informação
sobre o problema e conhecer melhor os direitos trabalhistas. Além do que têm uma identidade de
classe mais evidente sobre as suas necessidades em interesses mais ou menos divergentes da
patronal.
No caso dos técnicos do Ministério do Trabalho, conseguem identificar-se em maior
medida com as vítimas (AT). Quando a relação causa–efeito, fica clara a própria atividade de
fiscalização tende a colocá-los numa posição de “neutralidade”, e de ai, desse lugar, avaliam os
casos de AT ou DP. Isto demonstra que os mecanismos cognitivos e ideológicos não atuam
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205
automaticamente em todos os casos. Depende da situação concreta, dos hábitus, com diria
BORDIEU (2003).
Agora, diversas pesquisas independentes e de público conhecimento, em geral aquelas
desenvolvidas no âmbito acadêmico nacional e internacional, da OMS, etc., demonstram que
vários processos de trabalho e condições de produção são altamente nocivos e perigosos para a
saúde e segurança dos trabalhadores e que as leis e normas vigentes estão ultrapassadas. No
entanto, os profissionais/técnicos das empresas, que geralmente estão informados dos resultados
dessas pesquisas, continuam a culpabilizar as próprias vítimas acidentadas. A cooptação, o cinismo
e a adesão a valores de competição, poder e lucro, levam a negar uma realidade evidente,
segundo as próprias estatísticas oficiais, usando para tanto o processo cognitivo de atribuir a
responsabilidade interna as próprios acidentados pelo AT e argumentos legalistas, ético/religiosos
e até biológicos, para respaldar suas argüições:
“O dia em que tu nasceres, já te faz mal... a partir do momento em que tu sais da barriga de tua
mãe já estas morrendo...” diz um dos empresários.
Poderíamos dizer que o ideológico é o conteúdo valorativo que usa a forma psicológica
(processo cognitivo de atribuição de causalidade) de perceber um acontecimento no âmbito
laboral. No Brasil, o apelo a Deus é um traço típico da cultura nacional. Aqui, a ideologia toma uma
forma religiosa.
Por outro lado, coerente com o anterior, as políticas públicas tendem a fazer do risco o
único horizonte possível para uma política trabalhista. Isto é, alem da mercantilização do tempo
do trabalho, da energia/capacidade de trabalho, a legislação moderna avança, explicitamente, até
a monetarização de cada órgão do corpo humano e, inclusive, de sua mente. De uma maneira
velada, fica legitimada, assim, a venda de órgãos, mas só no mercado formal de trabalho, fora
dele, nenhum cidadão pode vender ou comprar órgãos próprios ou alheios. Agora, um detalhe, o
trabalhador só receberá o seu pagamento, depois que seu órgão tenha sido esmagado ou usado
até a exaustão, logo após, o trabalhador mudará de status para desempregado ou aposentado
especial (LAURELL e NORIEGA, 1989; LORRY, 1999; BILBAO, 1997.)
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206
Bibliografia
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PÊCHEUX, M.: Semântica e Discurso: uma critica à afirmação do óbvio. Campinas, SP. UNICAMP.
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207
Ação Sindical no Vale do São Francisco
José Fernando Souto Junior101
Este trabalho trata do projeto de pesquisa em desenvolvimento102 sobre as organizações
sindicais dos trabalhadores rurais que estão localizados na parte pernambucana da Região
Integrada de Desenvolvimento – (RIDE) Petrolina/Juazeiro e que integram o chamado pólo sindical
do Vale do São Francisco, região reconhecidamente de dinamismo econômico associada à
produção de “frutas para o mercado global” (CAVALCANTI, 1997).
A região tem se destacado por se diferenciar, em sua dinâmica econômica, de outras áreas
do Nordeste. Estudos publicados ressaltam o desenvolvimento regional e enfatizam o destaque na
fruticultura irrigada. No Vale do São Francisco surge uma mística que tem como ênfase o
desenvolvimento acima da média nacional, construindo a imagem da região como um oásis. Um
estudo aponta que nas últimas quatro décadas aconteceu, no Nordeste brasileiro, importantes
mudanças tanto no plano econômico quanto no social, particularmente no Semi-Árido. Apesar do
bom desempenho da economia regional em relação à economia nacional, o mesmo não se
verificou com o setor primário, que recuou de cerca de 30% do produto para menos de 10%, isto,
mesmo com o surgimento das empresas de agricultura irrigada e de produção de grãos nos
cerrados. Mas o Vale do São Francisco continuou uma exceção, isto por causa das políticas de
apoio ao desenvolvimento agrícola103.
O Vale é uma das regiões agrícolas mais dinâmicas do país. Os estudos retratam a
convergência dos fatores climáticos e também do papel do Estado como promotor desse
desenvolvimento. Segundo Silva (2009: 80), os investimentos captaneados pelo Estado para a
construção de grandes projetos de irrigação nos anos 1970, associados aos incentivos fiscais e
financeiros de agências governamentais como SUDENE e BNB. Mas a criação das usinas
hidroelétricas da CHEFS podem ser vistas também como um dos elementos propulsores desse
101
Doutor. Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
102
O projeto aprovado foi um APQ pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco – FACEPE, que tem como título:
“Análise da ação sindical e do modelo de gestão sindical do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina (1990-2008).
103
Desenvolvimento Territorial e Convivência com o Semi-Árido Brasileiro – Experiências de Aprendizagem. Relatório Final Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa.
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208
desenvolvimento e que tornou essa região um pólo atrativo de imigrantes (RIBEIRO, 2002;
ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000).
Cavalcanti (1997: 79) ressalta: “desde o fim dos anos 80 o Vale do São Francisco passou a se
distinguir por sua produção e pelos vínculos que estabelece com o mercado global”. Percebe-se um
aumento na oferta de empregos, principalmente durante os anos 1990, impulsionada pelos
produtos destinados à exportação. Para Silva (2009: 84), a exportação de frutas se consolida em
1997 e a manga e a uva passam a contribuir “com mais de 90% do volume de exportações do país”.
Cavalcanti (2003: 05) afirma que a modernização da região garantiu “às empresas privadas
um lugar privilegiado na condução da transformação dos espaços locais e no estabelecimento de
elos com novas cadeias agroalimentares”. A vantagem do Vale como região de atração para a
produção encontra-se também nas condições do clima do Semi-Árido:
Dentre as diferentes regiões produtoras de uva no Brasil (Sudeste, Sul e Nordeste), o
semi-árido nordestino tem vantagens comparativas em decorrência das condições de
luminosidade, umidade e disponibilidade de água, que possibilitam direcionar a produção
para qualquer época do ano e ocupar assim, janelas de mercado. Estratégias usadas por
diferentes tipos de produtores têm conferido vantagens competitivas, colocando a região
no rol dos principais centros produtivos e garantindo a superação das divisões sazonais, o
104
que normalmente implica em usos mais permanentes de mão-de-obra .
Constitui fato que a presença do Estado como promotor do desenvolvimento e a existência
do Semi-Árido como clima favorável aos projetos de irrigação deram o suporte necessário para,
depois de constituída a infra-estrutura necessária, o surgimento de uma iniciativa capitalista com
pretensões ao comércio exterior. Esse cenário veio a ser a fonte de inúmeros estudos sobre a
emergência de um capitalismo dinâmico em pleno interior do sertão nordestino.
Aceitando esse pressuposto em quase todos os estudos encontrados aqui, a região é
reconhecidamente palco do desenvolvimento regional e um pólo de atração de investimentos,
vários estudos trataram do assunto sob diferentes óticas. Pelo menos três perspectivas podem ser
percebidas:
104
Grifos meus.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
209
(a) Aqueles estudos que têm seu foco voltado para a dinâmica das empresas e avaliam o
desenvolvimento da região como um locus privilegiado de oportunidades de negócios,
entre as suas ênfases está a busca de estratégias singulares adotadas pelo empresariado
para atuar na região (OLIVEIRA, 2007; SOUZA, BRITO, NETO, SOARES & NASCIMENTO,
2001; LIMA & MIRANDA, 2001).
(b) Outra perspectiva analisa a dinâmica de atuação dos diversos atores políticos e o
desenvolvimento da fruticultura irrigada, esta procura compreender o sentido das ações e
sugerir correções apontando os equívocos das estratégias (CORREIA, ARAÚJO &
CAVALCANTI, 2001; SILVA, 2001 e 2009; MARINOZZI & CORREIA, 1999).
(c) Por fim, aqueles estudos que procuram compreender a dinâmica desse desenvolvimento e
seus efeitos contraditórios revelados nas relações de trabalho e pelas organizações dos
trabalhadores (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; OLIVEIRA, 1984; CAVALCANTI, 1997, 2003;
CAVALCANTI & PIRES, 2009; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO & LIMA, 2000; RODRIGUES,
2009).
A opção desse projeto é pela terceira perspectiva, pela importância do quantitativo de
mão-de-obra na região. Cavalcanti (1997: 85-86) apontou que na segunda metade dos anos 1990
não havia dados objetivos ou mesmo confiáveis para o tamanho da força de trabalho ocupada na
fruticultura. Utilizando os números de relatórios oficiais constatou haver variações. Seu palpite foi
de que os números apresentados em relatórios fossem inferiores ao número real. Para Petrolina e
Juazeiro, por exemplo, sua estimativa era de que existissem de 20 a 30 mil trabalhadores. Já para
o setor de serviços, os relatórios da CODEVASF para o ano de 1996 indicavam que o número de
empregos indiretos tenderia a ser maior. A imprecisão dos números, segundo a autora, devia-se a
dois fatores: “às formas precárias de recrutamento e remuneração da mão-de-obra” e, em
segundo lugar, a sazonalidade na contratação de mão-de-obra em certas fases da produção e
colheita. Estes fatores contribuiriam diretamente para a formalidade ou não dos contratos de
trabalho e para a discrepância entre os trabalhadores permanentes e os temporários.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
210
Para sintetizar, as características do trabalho permitem-nos uma idéia mais objetiva das
relações de trabalho. Ao mesmo tempo, e desta perspectiva poderemos vislumbrar e questionar
as condições para a ação coletiva por parte dos sindicatos:

O trabalho é praticado em regime de assalariamento permanente ou temporário.

O pagamento pode ser mensal, quinzenal ou por diária.

No caso de alguns pequenos produtores em geral não são formalizadas as obrigações
trabalhistas.

A instituição de Programas de Qualidade Total nos lotes teve por conseqüência: 1) melhoria
das condições de produção, com especial atenção às práticas ambientais e relações no
trabalho e 2) redução da mão de obra empregada.

O nível de qualificação e especialização dos trabalhadores clandestinos e registrados não
difere.

Por fim, no Vale do São Francisco algumas mobilizações políticas garantiram conquistas
salariais e melhoria das condições e nas relações no trabalho.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina
Fundado em 27 de julho de 1963, o STR Petrolina tem sua história associada ao avanço da
organização dos trabalhadores rurais no campo e aos esforços da Igreja Católica para organizar o
movimento. Tal fato não é distinto do que vários autores tem destacado da história do
sindicalismo rural estabelecendo uma relação direta entre a organização e expansão do
sindicalismo rural e a Igreja Católica, mesmo com suas divisões internas com relação ao próprio
movimento, mas como um agente importante nesse processo (FAVARETO, 2006; NOVAES, 1991;
MEDEIROS, 1988; MEDEIROS & SORIANO, 1983; COSTA & MARINHO, 2008). No caso de Petrolina,
o Padre Mansueto de Lavour foi uma personalidade de destaque no apoio direto ao movimento.
Segundo Novaes (1991), a especificidade do sindicalismo rural brasileiro está no fato de
que várias categorias estão sob o guarda chuvas do termo rural. Assalariados, pequenos
proprietários rurais, posseiros, pescadores, sem terra etc. estão no mesmo sindicato. O resultado
de tamanha diversidade seria uma complexa teia de interesses que dificultaria a construção da
unidade dos trabalhadores rurais. A autora destaca o papel importante que a CONTAG
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
211
(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) teve na construção da unidade entre os
rurais e a diversidade de movimentos que surgem com o advento do novo sindicalismo. O mesmo
tema foi trabalhado por Favareto (2006).
Costa & Marinho (2008), analisam a construção institucional do moderno sindicalismo rural
brasileiro analisando diversas portarias e leis que trataram do assunto em sucessivos governos.
Para os autores, o resultado foi um modelo de sindicalismo que se desenvolveu como resultado
dos embates entre comunistas, trabalhistas e católicos. Além dos interesses do governo, antes e
depois do golpe. Em contextos históricos específicos a combinação desses fatores limitaram ou
ajudaram a expansão dos sindicatos rurais. O destaque desse processo foi o que os autores
denominaram de “herança de uma história desagregada e episódica” (2008: 125) que teve seu
ponto alto na criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
O STR de Petrolina é produto dessa diversidade de categorias, assalariados, ribeirinho,
pequenos agricultores, assentados, pescadores etc. Destaca-se por absorver grande parte dessa
diversidade, mas tem sua maior força entre os assalariados. O movimento sindical estima em 20
000 trabalhadores rurais na sua base e são esses trabalhadores que fazem greve, lutam por
melhores salários, condições de trabalho e transporte etc.
Com essa diversidade o sindicato procura estimular movimentos de mulheres, aposentados
e jovens. Boa parte da aposentadoria dos trabalhadores rurais passa pelo STR Petrolina. É o
sindicato que cuida de organizar os documentos necessários para que os trabalhadores rurais
possam se aposentar. Documentos revelam a pressão do sindicato junto às autoridades e políticos
da região responsabilizando a chefia local do INSS por problemas causados aos trabalhadores.
No caso das mulheres, o STR Petrolina comemora ter 50% das direções sindicais formadas
por mulheres. Por estímulo da FETAPE os sindicatos da região desenvolvem atividades
relacionadas aos direitos das mulheres. Ações como estas estão garantidas na convenção de
trabalho, como exemplo o abono de faltas quando as mulheres forem tratar de problemas de
saúde.
No caso da juventude, existe uma diretoria específica para tratar dos jovens, pois
consideram importante o envolvimento dos jovens no movimento sindical, sejam filhos de
associados, sejam jovens membros do sindicato. As atividades com os jovens têm um caráter
educativo, ou mesmo moral, no sentido de lhes oferecer uma formação sobre a luta dos
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
212
trabalhadores, envolvendo-os no cotidiano sindical, quanto se pensa numa formação moral no
sentido de impedir que estes caiam no caminho das drogas.
Ação sindical no Vale do São Francisco
Vários sindicatos da região formaram um pólo sindical com o objetivo de organizar a luta
contra os desmandos da CHESF por conta dos ribeirinhos retirados por conta da criação de
barragens para as hidroelétricas. A Igreja foi o principal elemento entre para organização e apoio
nesse processo na década de 80 (IULIANELLI, 2000; RIBEIRO, 2002; ARAÚJO, 1990; ARAÚJO, NETO
& LIMA, 2000).
No ano de 1994 que apareceram os primeiros registros de greve no Vale, especificamente
em Santa Maria da Boa Vista e Petrolina. Em Matéria publicada pelo Jornal do Commercio com o
título: “no sertão a história é outra”, a imprensa destacou o papel ativo do movimento sindical,
inversamente proporcional ao descanso dos patrões.
As negociações dos trabalhadores rurais de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista,
iniciadas ontem, já estão sendo consideradas um fato histórico no Vale do São Francisco.
Pela primeira vez, os trabalhadores organizaram-se para dar início a uma campanha
salarial na região, apresentando, inclusive, uma pauta de reivindicações contendo 67
itens a serem analisados pelos patrões. Estes foram pegos de surpresa, pois a classe,
apesar de existirem os sindicatos patronais, continuam desorganizada105.
Para o Diário de Pernambuco,
Por nunca terem enfrentado um dissídio coletivo, os empresários rurais do Vale do São
Francisco não estão organizados, em seus sindicatos, o que dificultou as primeiras
negociações. Enquanto os sindicatos de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista possuem
cerca de 15 000 filiados, o sindicato patronal, em Petrolina, tem apenas 400 associados e
o de Santa Maria, 350106.
A desorganização patronal, e é possível especular que a cultura dos proprietários rurais de
não serem abertos às negociações, intensificou a publicidade ao movimento. A dificuldade para as
105
Jornal do Commercio. Recife, 18 de janeiro de 1994, terça feira.
106
Diário de Pernambuco. Recife, quarta-feira, 19 de janeiro de 1994.
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213
negociações foi tamanha que teve a participação direta do Delegado Regional do Trabalho no
estado de Pernambuco, Amaro Gantóis. Em outubro do mesmo ano foi a vez do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Lagoa Grande, cidade localizada entre os municípios de Petrolina e Santa
Maria da Boa Vista, de realizar a primeira greve de 24 horas para conseguir negociar com os
patrões107.
A ação em conjunto dos sindicatos rurais tem sido uma política defendida e estimulada
pela Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco – FETAPE, ligada à CONTAG. Assim, o
estado de Pernambuco foi dividido em áreas geográficas e nelas são desenvolvidas ações
conjuntas entre os sindicatos rurais localizados nas respectivas micro regiões.
Os dados coletados até o momento no STR de Petrolina revelam que essa experiência foi
importante para a construção da unidade em torno da preparação da primeira Convenção Coletiva
dos Trabalhadores rurais do Vale do São Francisco, que data de 1994 e foi realizada pelos STRs de
Petrolina e de Santa Maria da Boa Vista108. Não demorou muito para perceberem que muitas
empresas produziam em várias cidades do Vale. A iniciativa foi agir conjuntamente, inclusive com
os sindicatos localizados na Bahia. A experiência acumulada pelo pólo foi transpassada para fora
das suas bases territoriais, dirigindo-se para as cidades da Bahia, construindo a unidade em torno
das convenções coletivas entre os sindicatos de Pernambuco e Bahia.
Atualmente cerca de dez sindicatos participam da campanha salarial unificada entre os
estados da Bahia e Pernambuco109, perfazendo um total de cerca de 20 000 trabalhadores rurais,
segundo informações do STR de Petrolina.
As convenções coletivas de trabalho
Segundo Rodrigues (2009), um dos pontos destacados em seu trabalho, é que as
convenções têm como suas principais cláusulas, na verdade, direitos já existentes, mas que não
são cumpridos. As convenções teriam o sentido de por meio da mobilização e assinatura dos
acordos, fazer cumprir a própria lei.
107
108
Jornal do Commercio. Recife, 11 de outubro de 1994, terça-feira.
Convenção Coletiva de Trabalho. Trabalhadores Rurais: Petrolina-PE e Santa Maria da Boa Vista-PE. Fevereiro de 1996.
Participam da construção e negociação da convenção coletiva, os seguintes sindicatos de trabalhadores rurais (STRs): Petrolina –
PE, Santa Maria da Boa Vista – PE, Belém do São Francisco – PE, Lagoa Grande – PE, Cabrobó – PE, Juazeiro – BA, Casa Nova – BA,
Sento Sé – BA, Sobradinho – BA, Curaça – BA e Abaré – BA. Também estão as negociações: Federação dos Trabalhadores Rurais de
Pernambuco – FETAPE, que assume um papel de protagonista; a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – FETAG e a
Central Única dos Trabalhadores – CUT.
109
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
214
O processo de negociação costuma ser tenso. Assumem a frente das negociações os
advogados da FETAPE, FETAG e dos sindicatos patronais. São os mediadores desse processo. A
questão salarial tem sido o ponto de destaque e o que, de forma mais intensa, mobiliza as bases. É
a grande quantidade de assalariados na região que trouxe força aos sindicatos, foram com as
greves, no geral bastante reprimidas pela polícia, que conseguiram sentar com os patrões para
negociar.
Segundo as lideranças sindicais do STR de Petrolina, a primeira convenção coletiva de
trabalho deles foi a primeira do setor de frutas do Brasil, eles a chamaram de “salada de frutas”.
Nas primeiras convenções os principais ganhos salariais eram em torno de 10% acima do salário
mínimo. Mas ao longo do tempo os sindicalistas perderam essa margem de ganho e na convenção
coletiva de 2009 o sindicato barganhou R$ 11,00 reais acima do mínimo, e não levou.
Por outro lado, as convenções tem significado um avanço para os trabalhadores rurais. A
partir delas e das mobilizações, passaram a garantir transporte em ônibus para as fazendas, antes
era em cima de caminhões e sem proteções, os críticos atuais do movimento chamam atenção
para as condições dos ônibus; têm conseguido a duras penas que os trabalhadores não tenham
descontados dos seus salários os dias que por ventura faltem ao trabalho para tratar de doença,
aposentadoria etc, todos os casos previstos em lei; também continuam lutando por maior
segurança na utilização de agrotóxicos. Alguns estudos apontam (BEDOR, 2008 e 2007) a região do
Vale do São Francisco como uma das regiões com grande incidência de câncer, apesar de não
haver provas que possam estabelecer relação direta, alguns pesquisadores sugerem isso; apesar
de constar nas convenções coletivas, os sindicalistas se colocam contrários a aplicação do banco
de horas.
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217
Salário por produção: Precarização e ilicitudes no setor sucroalcooleiro
Dra. Marilda A. Menezes110
Marcos Antonio F. Almeida111
Maciel Cover112
Considerações Iniciais
No Brasil, a produção de cana-de-açúcar vem sendo impulsionada por sua crescente
valorização no mercado internacional, de tal sorte que o setor sucroalcooleiro representa,
atualmente, parte considerável da economia do país.
De fato, o açúcar brasileiro conseguiu penetrar no mercado europeu com um preço
bastante competitivo. Além disso, o álcool está novamente ganhando espaço como alternativa à
gasolina, sobretudo diante do aumento gradativo do preço do barril de petróleo, associado a uma
agenda ambiental mundial que exige a utilização de combustíveis renováveis e menos poluentes.
Na safra 2008, por exemplo, a produção brasileira de cana cresceu 13,9%, de 501,5
milhões para 571,3 milhões de toneladas. São Paulo foi responsável por 58,9% desse aumento,
Goiás por 12,3%, e Minas Gerais por 10,9%.
O crescente volume de recursos aportados no setor não tem se refletido, todavia, na
melhoria da qualidade das práticas trabalhistas vigorantes nesse segmento econômico. Ao revés, o
setor vem vivenciando um contexto de ampliação do número de trabalhadores contratados e de
intensificação da exploração dos trabalhadores, através das exigências de maior produtividade e
critérios de qualidade do trabalho exigidos pelas usinas.
As altas taxas de produtividade de muitas usinas brasileiras são garantidas pela exploração
dos trabalhadores, em contexto de perversidade que começa pela própria natureza do trabalho.
De fato, o corte da cana constitui serviço extenuante, que submete os trabalhadores a jornadas
exaustivas, em altas temperaturas, havendo casos documentados de cortadores de cana que
110
Profª Drª do PPGCS/UFCG
Mestrando do PPGCS/UFCG
112
Mestrando do PPGCS/UFCG
111
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
218
morreram de exaustão, por excesso de trabalho113. Neste particular, calha destacar as precisas
palavras de ALVES (2006, p. 85):
Eu comparo o cortador de caba a um corredor fundista, porque os trabalhadores com
maior produtividade não são necessariamente os que têm maior massa muscular, são os
que têm maior resistência física para a realização de uma atividade repetitiva e exaustiva,
realizada a céu aberto, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fumaça, em alguns
casos, e por um período que varia entre 8 a 12 horas de trabalho diário.
Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num talhão de 200 metros de
comprimento, por 8,5 metros de largura, caminha, durante o dia uma distância de
aproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 50 golpes com o podão para
cortar um feixe de cana, o que equivale a 183.150 golpes no dia (considerando uma cana
em pé, não caída e não enrolada e que tenha uma densidade de 5 a 10 canas a cada 30
cm.). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, se abaixar e se
torcer para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em
cima. Além disto, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados em uma linha e os
transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia,
mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana, com um peso equivalente a 15 kg, a
uma distancia que varia de 1,5 a 3 metros.
A vulnerabilidade dos trabalhadores acaba sendo exacerbada, também, pela forma de
remuneração imposta pelas usinas e produtores de cana: os cortadores são remunerados por
produção, de acordo com a modalidade de cana cortada.
Em verdade, de acordo com SILVA (2008), a precariedade das condições de trabalho do
setor sucroalcooleiro é marcada pela altíssima intensidade de produtividade exigida. Na década de
1980, por exemplo, a produtividade média exigida dos trabalhadores era de 5 a 8 toneladas de
cana cortada por dia. Em 1990, essa média passa para 8 a 9; em 2000, para 10, e em 2004, para 12
a 15 toneladas.
113
De acordo com SILVA (2008) a vida útil de um cortador de cana varia de 10 a 15 anos, semelhante à dos negros no período
escravocrata, cifra esta inferior à do período após a abolição do tráfico, em torno de 20 anos.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
219
A sistemática de pagamento por produção já fora, de certa forma, analisada por Marx
(1984, p. 141), que afirma que o salário por peça “[...] é naturalmente do interesse pessoal do
trabalhador aplicar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista
elevar o grau normal de intensidade. Do mesmo modo, é interesse pessoal do trabalhador
prolongar a jornada de trabalho, pois com isso sobe o seu salário diário ou semanal”.
Não obstante, a sistemática remuneratória empreendida no setor sucroalcooleiro assume
características bem distintas de outras modalidades de pagamento por produção, uma vez que os
cortadores de cana não têm prévio conhecimento do valor do que produzem.
Sobre o tema, convém registrar os esclarecimentos de ALVES (2008):
Na maior parte dos pagamentos por produção, os trabalhadores trabalham por ‘peça’
produzida, e estas têm o seu valor fixado antes da realização do trabalho. O valor da cana
cortada só é conhecido pelos trabalhadores depois que o trabalho é realizado, e ainda
depende de uma conversão de valores que é realizada à revelia dos trabalhadores. Na cana,
os trabalhadores são remunerados por metro de cana cortada, mas só está previamente
fixado o valor da tonelada de cana cortada. Para que o trabalhador conheça o valor do
metro, é necessária uma conversão de valor da tonelada para valor do metro. Essa
conversão exige certa complexidade, que, por sua vez, exige uma série de cálculos e envolve
a realização de uma amostragem.
Nessa esteira, a imposição de alta produtividade apresenta-se como fator principal para o
alto índice de adoecimento e mortes no setor sucroalcooleiro, razão pela qual muitas autoridades,
sobretudo aquelas ligas ao Ministério Público, vem defendendo a abolição do sistema de
pagamento por produção 114.
Todavia, conforme bem assinala SILVA (2008, p.7), “tal medida não é aceita nem pelos
usineiros, os quais alegam que seriam lesados, nem pelos representantes sindicais, os quais
afirmam que os trabalhadores não aceitariam trabalhar na diária (pagos por dia), porque o piso
salarial é baixo, aquém de suas reais necessidades de reprodução da força de trabalho e do
sustento de suas famílias. Segundo uma sindicalista, os trabalhadores não aceitam diminuir o
ritmo de trabalho porque não conseguiriam cortar cana devagar, pois correriam risco de se
acidentar.”
114
Tal proposta fora apresentada, por exemplo, em reuniões promovidas pela FUNDACENTRO no ano de 2006, que contaram com
a participação de pesquisadores da entidade e representantes sindicais dos trabalhadores do campo e da indústria. Os relatórios
das referidas reuniões encontram-se disponíveis em <http://www.fundacentro.gov.br>.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
220
Em arremate, a mesma professora assim preleciona:
O leitor poderia se perguntar sobre razões que levam as pessoas a aceitar essa situação.
Segundo Amartya Sen (2000), a liberdade somente existe quando, diante de no mínimo
duas alternativas, a pessoa pode escolher uma delas. Se houver uma única alternativa, não
se pode falar em liberdade, mas em imposição, já que a possibilidade de escolha é
inexistente. Esta é a situação dos migrantes que se destinam a esse trabalho nos canaviais
e laranjais paulistas e também dos chamados ‘bóias-frias’ locais. São pessoas que não
possuem alternativa de sobrevivência, senão esta. Quanto ao ritmo acelerado de trabalho,
ele foi sendo imposto e, ao mesmo tempo, incorporado pelos trabalhadores, durante estas
últimas décadas.
Ao ‘preferirem’ esse ritmo, consideram-no natural, sem questionar as conseqüências para
suas próprias vidas. Indagados acerca dessa incorporação do ritmo de trabalho, uns
afirmam que tudo depende do ‘jeito’, da destreza, da experiência, enquanto outros
afirmam que é uma dádiva de Deus. Foram encontrados trabalhadores que chegaram a
cortar mais de 60 toneladas de cana por dia!
Portanto, a migração, assim como esse trabalho, é resultante do sistema econômico-social
vigente, que se traduz pela imposição, pelo atrelamento de milhares de pessoas a um
processo de trabalho que não pode ser definido como livre, que fere a dignidade humana,
que possui as características da escravidão, porém com novas correntes, invisíveis, sob a
capa do salário em dinheiro, do contrato e do chamado ‘direito de ir e vir’. Qualquer forma
de recusa, de resistência, individual ou coletiva, é traduzida em ameaças, dispensas, medo
e perseguições. O capataz dos confins deste país é substituído pelos feitores, fiscais e
‘gatos’. As armas são substituídas pelas listas negras e rescisões de contratos.
Tem-se, portanto, que, embora seja extremamente degradante, o sistema de pagamento
por produção encontra aceitação entre os próprios cortadores de cana-de-açúcar e seus
representantes, que consideram natural esse modelo e incorporam, em suas práticas, o ritmo de
trabalho desumano traçado no próprio discurso patronal.
A exploração de trabalhadores no setor sucroalcooleiro relaciona-se, ainda, ao fenômeno
da migração de trabalhadores rurais nordestinos, que acabam vitimados pelo sistema de
acumulação do capital.
2. Trabalhadores Migrantes em Usinas
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
221
A migração de trabalhadores é uma prática recorrente em diversos setores da economia
brasileira, não sendo diferente no setor sucroalcooleiro. SILVA (1999) aponta que no complexo
agroindustrial da cana-de-açúcar, no Estado de São Paulo, os migrantes de outras regiões do país
constituem o quadro da força de trabalho das usinas desde a década de 1960. Primeiramente
trabalhadores provenientes de Minas Gerais, e posteriormente dos estados do Nordeste, como
relatam os Srs. Pedro e João, agenciadores de mão-de-obra de usina localizada no município de
Cerquilho, Estado de São Paulo:
Eu vou contar pra vocês. Quando meu pai começou. Isso é coisa que faz tempo já. O
pessoal lidava com mineiro lá. Na época. Era tudo largado mesmo, não existia registro e
nada. Não tinha pessoal melhor pra trabalhar do que mineiro. Só que o pessoal no norte
não tava migrando pra lá, certo. O pessoal não ia. E ninguém também imaginava que o
pessoal aqui iria cortar cana lá. Ai as Usinas, na época, tinha varias usinas independentes
né, hoje é tudo grupo Cosan, é forte. E trabalhavam com 500 mineiros,outras 400.Só que
quando os mineiros iam pra lá, eles queriam fazer o que eles queriam.Tipo, eles achavam
que a Usina não funcionavam sem eles. E não conseguia trabalhar sem eles, pois na época
não tinha maquina. Então eles chegavam na usina e faziam o que queriam. “oh, eu quero
fazer isso, fazer isso, fazer isso”. Ai começou imigrar nordestinos daqui pra lá. Indo por
conta acho que ia. Aqui do Ceara, da Paraíba. Iam pra chegar lá, iam sem destino.
Chegavam lá,começaram a trabalhar e o pessoal começou a gostar. Ai foi pegando esse
conhecimento. Isso foi a 20 anos atrás né, 25 anos. Ai foi pego conhecimento,
conhecimento, conhecimento.Agora duns 15 anos pra cá que começou o pessoal vindo
contratar e da uma opção de vida melhor pra pessoa né. Agora sem discriminar ninguém.
Lá em São Paulo, paraibano e cearense mata a pau. Não desmerecendo os baianos e os
mineiros, de maneira nenhuma.Só que eles no começo.Eles aproveitaram, eles acharam
que a Usina nunca ia, a Usina precisa deles, eles não precisavam da Usina,entendeu? E
tem Usina que trabalha com mineiro ainda, mas é, pouco.Só que eles mudaram também,
eles viram que eles perderam o campo deles, então mudaram, eles dependem de ir pra
lá.(Entrevista 10.04.2010).
Este fragmento da entrevista de um funcionário que recruta trabalhadores para usinas no
Estado de São Paulo ilustra bem como a reestruturação do setor sucroalcooleiro no interior
paulista, que vinha se consolidando desde a década de 1970, contribuiu para um redirecionamento das correntes migratórias da região Nordeste (SILVA, 1999, 2005). Até a década
de 90, havia uma predominância de trabalhadores migrantes provenientes do Vale do
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
222
Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais e do Estado da Bahia e a partir daquela década, os
trabalhadores migrantes crescentemente são contratados nos Estados de Piauí, Pernambuco,
Maranhão e Paraíba, conforme constatam diferentes pesquisas (MENEZES, 2010).
Quanto aos migrantes de áreas rurais do Estado da Paraíba, os estudos de GARCIA JR (1989)
e MENEZES (1985) apontam duas explicações. Primeiro, a existência de uma estrutura fundiária
concentrada, dificuldades de acesso à água, deficiência de políticas públicas de crédito e
assistência técnica e a falta de atividades de geração de renda fazem com que as famílias não
atendam suas demandas de reprodução social. Nesse caso, a migração, muitas vezes, é uma
estratégia de reprodução da família camponesa. Alguns membros da família migram e utilizam a
sua renda tanto para suprir as necessidades de consumo quanto de pequenos investimentos, e até,
muitas vezes, para adquirir um lote de terra.
A segunda explicação é que a migração também significou um rompimento com a
dominação tradicional exercida pelos grandes proprietários de terras, através do sistema de
morada. A morada consistia num sistema de organização da vida social em que o camponês,
desprovido de terra, trabalhava e morava na propriedade de outro que poderia ser um senhor de
engenho, produtor de algodão ou pecuarista. O morador tinha direito a ter um roçado, pequenos
animais e fruteiras e, pelo pagamento do uso da terra e moradia, tinha a obrigação de trabalhar na
terra ou no cuidado dos animais do proprietário-patrão. Além das condições estruturais, as
migrações também se explicam pelo ciclo de vida dos indivíduos e das famílias. A maioria dos
migrantes são homens entre 20 e 30 anos115. WOORTMANN (2009), ao analisar os processos
migratórios de comunidades camponesas em Sergipe na década de 1990, desenvolveu o conceito
de migração pré-matrimonial que é realizada por jovens que pretendem formar uma nova família.
Como a renda oriunda da agricultura não é suficiente para manter uma nova família, os jovens
buscam na migração um meio para adquirir recursos e conquistar sua autonomia em relação aos
pais, bem como preparar a formação de seu casamento. A maioria começa migrar ao completar 18
anos de idade, marcando o que WOORTAMANN identifica como um rito de passagem para a idade
adulta: “a migração marca, sobretudo, a superioridade dos que agora são homens com relação aos
que ainda são rapazes” (2009, p. 219).
WOORTMANN e MENEZES identificaram a importância da migração dos jovens de áreas
rurais do Nordeste Brasileiro em direção às cidades e metrópoles da região sudeste e Brasília nas
115
Maiores detalhes sobre idade, escolaridade e estado civil dos migrantes ver SILVA (2006) e MENEZES (2010).
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223
décadas de 1970 e 1980. Esse perfil etário persiste em décadas posteriores e em outras rotas
migratórias, como é o caso da migração de áreas rurais do Nordeste para a região canavieira de
São Paulo. Exemplo disso é o estudo de SILVA (2006) sobre a migração dos jovens de Tavares/PB
para o corte de cana em São Paulo, o que se explica como um desejo de autonomia em relação aos
pais em termos de renda e relação hierárquica:
os jovens migram, sobretudo, motivados por projetos de autonomia, pela afirmação de
suas identidades de jovens e de gênero que passa hoje pelo acesso a certos serviços e bens
de consumo: a participação em práticas culturais como as festas locais; a compra de motos
e acessórios próprios para este grupo etário: roupa, som, etc. (SILVA, 2006, p. 31).
Estes jovens, filhos de pequenos proprietários rurais, moradores, rendeiros, trabalham na
agricultura com suas famílias. Por mais que relatam gostar do sítio, eles avaliam que a penosidade
deste tipo de trabalho, as inconstâncias do comportamento do clima, que por vezes causa
prejuízos às lavouras, e a baixa renda obtida não permitem a permanência no campo. O trabalho
como cortador de cana em usinas do Estado de São Paulo significa, assim, uma possibilidade de
emprego e renda para os jovens de áreas rurais.
A abundância de força de trabalho em áreas de agricultores familiares que pode ser
utilizada pelos setores da agricultura, indústria e serviços foi entendida por MARX como
constituinte do exército de reserva formado partir do processo de acumulação primitiva. Além
disso, o exército de reserva também se forma pela intensidade da exploração de força de trabalho.
Nos termos de MARX (1984, p. 203), “o sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora
engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce
sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão, aos ditames do capital”. Assim, “a
condenação de uma parcela da classe trabalhadora à ociosidade forçada em virtude do
sobretrabalho da outra parte e vice-versa torna-se um meio de enriquecimento do capitalista
individual”, de modo acelerar “a produção do exército industrial de reserva numa escala adequada
ao progresso da acumulação social”.
Outro processo social que leva à formação de um exército de reserva é o desenvolvimento
tecnológico. Isso tem se verificado com o impacto da crescente mecanização no corte da cana-deaçúcar no Estado de São Paulo, decorrente da eliminação gradativa da queima prévia da cana e de
exigências ligadas à área ambiental.
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224
Durante recentes entrevistas realizadas no Município de São José de Piranhas, o avanço da
mecanização é relatado pelos Srs. Pedro e João, agenciadores de mão-de-obra de usina localizada
no Município de Cerquilho, Estado de São Paulo:
A gente tinha 260 pessoas. Isso. A gente nesse ano, só que ai eram mais alojamentos. Tem
alojamentos que nesse ano tá parado. Esse alojamento tá desativado, vai ficar parado lá
por motivo do que, a cortadeira hoje. [...] A Usina tem a maquina. Então, a cortadeira
toma muito o serviço deste pessoal. Hoje as maquinas entram em qualquer lugar, não tem
lugar que ela não entra, por que hoje se sabe que o computador faz coisas aí que até Deus
duvida né. [...] Então o que tá acontecendo, vai chegar um tempo que cana queimada não
vai existir mais na região lá. Que é 2014, segundo a previsão do pessoal. [...] Pra cortar
sem queimar. Manual, na palha se torna caro né. Ai a colhedeira não tem esse problema
né. Imagine, por que a cana palha pro cortador cortar a cana paga 60% em cima do preço.
É duro. O custo prum pessoal desse aí, sair da cidade dele pra ir pra lá, tem um custo em
cima disso aí. Pra tomar conta do pessoal lá, na parte de alojamento, tudo pra ele lá, os
EPIs, as coisas que tem lá fica muito caro. A alimentação. Então, não compensa.
Esse aumento dos índices de mecanização da colheita resultará, inexoravelmente, em
impactos significativos sobre o emprego, levando a uma exclusão ainda maior dos trabalhadores
rurais deste setor. De acordo com GONÇALVES (1999, p. 79),
A mecanização da colheita da cana provoca redução drástica da sazonalidade e do
emprego de safristas, exatamente esse público que já vive em condições precárias de
sobrevivência. Em outras palavras, significa dizer que esse processo acaba punindo ainda
mais os já castigados pelo processo de desenvolvimento desigual. [...] Os corolários sociais
do impulsionamento do progresso técnico representado pela colheita mecânica de cana
crua são, significativamente, dramáticos para aqueles que serão excluídos do processo
que desemprega numa economia carente de empregos e que concentra terras numa
estrutura fundiária já marcada pela elevada concentração.
A existência de um número de trabalhadores cada vez maior que a demanda de vagas de
trabalho constitui um exército de reserva necessário para a intensificação da exploração,
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225
mediante novas formas de gestão, criando ambiência propícia para a implementação e
perpetuação do salário por produção.
3. A Sistemática de renumeração por produção no Setor Sucroalcooleiro
Atualmente, o sistema remuneratório dos cortadores de cana-de-açúcar contempla, como
regra, o pagamento de determinado preço pela quantidade de cana cortada por cada trabalhador,
através da conversão da metragem da área cortada em toneladas diárias.
Nas frentes de trabalho, a produção de cana cortada é diariamente medida por metro
linear, na terceira rua ou linha com emprego de compasso fixo de dois metros, com ponta de
ferro. Posteriormente, um caminhão é carregado com carga colhida pelo trabalhador oriunda de
até três pontos diferentes desse talhão, o qual servirá de amostragem para aferição do peso
médio da cana naquela determinada área. A relação entre o peso estimado da cana cortada, a
extensão da área trabalhada e o valor da tonelada da cana resulta no valor do metro de cana
cortado. Tal relação tonelada/metros lineares encontrada na carga de cana será observada como
padrão para a conversão de toda a cana extraída do mesmo talhão.
Ocorre que esta complexa conversão é efetuada no âmbito interno das empresas, sem
acompanhamento ou controle dos trabalhadores, que – a depender das usinas – podem ter acesso
ao apontamento da sua produção diária ao final do dia, por meio de anotação conhecida por
"pirulito". Conforme ressalta Alves (2006, p. 93)
Muitas vezes, os trabalhadores sabem que cortaram uma quantidade de metros elevada,
mas como a cana pode ser de pouco peso, cana de 5ª soca, eles acabam tendo um ganho
pequeno. Desta forma, fica claro que o pagamento por produção, além de ser uma forma
de pagamento arcaica, perversa e desgastante, no caso da cana é mais perverso ainda,
pois o ganho não depende apenas dos trabalhadores, mas de uma conversão feita pelo
departamento técnico das usinas.
De fato, a aferição do peso da cana cortada é incalculável a primeira vista, eis que a massa
da cana está sujeita a diversas variáveis - como a variedade da cana, a época do corte e
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226
quantidade de socas116 -, de tal sorte que a valoração do dia trabalhado passa a depender de
instrumentos e balanças localizados no interior das usinas, impossibilitando o acompanhamento
pelo trabalhador.
Em síntese, tem-se um sistema de aferição da produção e de cálculo da remuneração que
não possibilita ao trabalhador ter efetiva noção do valor do seu dia de trabalho. Assim, para
perceber os recursos financeiros necessários para seu sustento e de sua família, especialmente
durante o período da entressafra, o empregado acaba trabalhando até o limite de suas forças, de
modo a esquadrinhar situação bastante vantajosa para o empregador, que acaba maximizando os
lucros.
Nesse diapasão, convém analisar tal sistemática remuneratória à luz do ordenamento
jurídico brasileiro em vigor, para verificar até que ponto esse modelo realmente se encontra
amparado pela legislação pátria.
4. Análise Jurídica do sistema de pagamento por produção do Setor Sucroalcooleiro
Os trabalhadores rurais receberam tratamento jurídico especial na Constituição Federal de
1988, que lhes deferiu extenso catálogo de direitos individuais, em verdadeira equiparação com os
trabalhadores citadinos (MURADAS, 2009).
Ademais, as hodiernas relações de trabalho rural são reguladas especificamente pela Lei n.
5.889/73 e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT.
Por seu turno, o art. 8º da CLT possibilita a aplicação do Código Civil como fonte subsidiária
do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais
deste.
Tais diplomas normativos não veiculam vedação expressa ao sistema remuneratório por
produtividade baseado na massa produzida, permitindo que sua implementação encontre
aparente respaldo jurídico, na medida em que a Constituição assegura a liberdade dos indivíduos
de agir e contratar desde que não seja proibido pela lei (art. 5º, II).
116
Conforme assinala FABRE (2010, p. 109), o termo “soca” equivale à quantidade de vezes que a cana já foi cortada desde que foi
plantada. Assim, cana de 5ª soca corresponde à cana que será cortada pela quinta vez desde seu plantio, sendo que, a cada corte, a
cana-de-açúcar vai perdendo seu peso e valor.
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227
Vale dizer, dada a inexistência de norma proibitiva expressa, as partes contratantes
avaliam ter ampla liberdade para fixar o conteúdo dos contratos de trabalho, inclusive no que
tange às condições salariais.
Além disso, verifica-se que a legislação vigente assimila, de certa forma, a remuneração
variável, conforme se depreende da leitura do art. 78 da CLT e do art. 7º, VII da própria
Constituição Federal. Tais diplomas normativos permitem que o salário seja ajustado por peça ou
tarefa, desde que garantida a percepção de quantia nunca inferior ao salário mínimo.
Assim, uma interpretação mais superficial do arcabouço jurídico poderia conduzir ao
entendimento de que seria juridicamente permitida a contraprestação salarial calculada a partir
da quantidade de toneladas de cana-de-açúcar cortada pelo trabalhador.
Todavia, convém ressaltar que a lacuna legal não revela um silêncio eloqüente, mas uma
imprevisão histórica e técnica, seja porque jamais se cogitou, à época da CLT ou da Lei de Trabalho
Rural, a maciça utilização do sistema remuneratório por toneladas em um dado setor econômico,
seja porque a lei, vocacionada à veiculação de normas gerais e abstratas, não é onisciente a ponto
de prever cada particularidade das múltiplas parcelas da existência humana (FABRE, 2010).
Em verdade, uma interpretação jurídica mais aprofundada e moderna, lastreada nos
princípios e vetores axiológicos do Estado Democrático de Direito brasileiro, especialmente
aqueles que incidem diretamente nas relações contratuais de trabalho, revela a ilicitude desse
sistema remuneratório no âmbito do setor sucroalcooleiro.
Com efeito, observa-se uma gradual e recrudescente tendência da comunidade jurídica
em atuar como partícipe da efetivação do direito material, mormente quando se trata dos direitos
fundamentais de cunho social, a exemplo dos direitos trabalhistas.
Essa tendência manifesta-se precipuamente no campo interpretativo e intenta,
sobretudo, conferir – na medida do juridicamente possível e logicamente razoável – o maior grau
de eficácia e efetividade aos direitos plasmados na legislação vigente.
Tal interpretação jurídica, de caráter sistemático e teleológico, pressupõe a incidência dos
princípios e dispositivos legais descritos a seguir.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
228
4.1 - Princípios da nova ordem jurídica constitucional
As transformações vivenciadas pela sociedade brasileira, sobretudo após o processo de
democratização coroado pelo advento da Constituição Federal de 1988, possibilitaram a
consolidação e o reconhecimento pela sociedade – sobretudo pela comunidade jurídica – dos
direitos fundamentais dos trabalhadores.
De fato, a partir do advento da nova Constituição Federal, os direitos fundamentais dos
trabalhadores – urbanos e rurais – ganharam abordagem ainda não vista nos textos
constitucionais anteriores, sobretudo em virtude da adoção da dignidade da pessoa humana e do
valor social do trabalho como princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (CF/88,
art. 1º, incisos III e IV).
A designação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental não contém
apenas uma declaração de conteúdo ético e moral, constituindo também “norma jurídico-positiva
com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para
além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade” (SARLET,
2007, p. 123-124).
Tal princípio apresenta inegável papel norteador dos negócios jurídicos, notadamente no
que tange aos contratos de trabalho, apresentando-se como mecanismo de concretização dos
parâmetros mínimos de civilidade e respeito que devem presidir as relações laborais, a
contemplar, por óbvio, aquelas estabelecidas no meio rural.
A nova ordem constitucional caracteriza-se, ainda, pela força normativa dos princípios
jurídicos, sobretudo daqueles que, em certa medida, viabilizam o reconhecimento e a
concretização de direitos fundamentais dos cidadãos.
Conforme bem lembra BONFIM (2008, p. 62-63), “no pensamento jurídico
contemporâneo existe unanimidade, ao menos do ponto de vista doutrinário, em se reconhecer
aos princípios jurídicos status conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica”. Para o
autor, “os princípios são normas positivas, vinculativas, obrigam, têm eficácia positiva e negativa
sobre comportamentos públicos ou privados”.
Na qualidade de normas jurídicas de inegável densidade valorativa e teleológica,
consubstanciado geralmente direitos fundamentais dos cidadãos, os princípios jurídicos
adquiriram enorme importância nas sociedades contemporâneas, tornando-se imperioso, pois,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
229
frisar a emergência de um modelo principiológico que, cada vez mais, confere-lhes uma condição
central na estruturação do raciocínio jurídico, com reflexos diretos na interpretação e aplicação de
um direito justo (FREIRE, 2008).
Entre os princípios informadores da interpretação das relações jurídicas estabelecidas no
campo, além do próprio postulado da dignidade humana, merece destaque o princípio da função
social da propriedade rural.
O âmbito conceitual do direito de propriedade vem se alterando ao longo do
desenvolvimento da sociedade. A concepção liberal da propriedade, contemplada pelo Código
Napoleônico e decorrente dos anseios da burguesia na época da Revolução Francesa, não
consegue mais se coadunar com os anseios sociais hodiernos.
De fato, o conceito de propriedade vem se adequando ao novo contexto político,
econômico e social, e tem sido abrandado, de forma a não mais constituir valor absoluto.
Seguindo essa tendência, a atual Constituição Federal, ao passo que garante o direito de
propriedade (art. 5º, caput e inciso XXII), estabelece, em seu artigo 5º, inciso XXIII, que a
propriedade deve atender a sua função social.
Sobre o tema, CRETELLA JUNIOR (1990, p. 302) assevera que o direito de propriedade “está
sujeito em nossos dias a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público e também no
próprio interesse privado, de tal sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia,
cedeu lugar a concepção bastante diversa, de conteúdo social".
Ademais, a Constituição Federal estendeu a abrangência de tal princípio às relações
jurídicas entabuladas no campo, ao estabelecer que a propriedade rural só cumprirá sua função
social desde que seja explorada de modo a favorecer o bem-estar dos obreiros, observando-se o
disposto nas normas que regulam as relações de trabalho.
Assim, considerando a natureza extenuante do trabalho dos cortadores de cana-de
açúcar, e tendo em vista a possibilidade de adoção de outro sistema remuneratório para o setor –
tal como ocorre com os trabalhadores do parque industrial da usina117 -, resta claro que atual
sistemática remuneratória acaba por se afastar – e muito - do princípio da função social da
propriedade rural.
117
Nessa linha de entendimento, destaca-se a lição de FABRE (2010, p. 122):
De acordo com a convenção coletiva da categoria, ao contrário dos trabalhadores do corte de cana, que recebem salário por
produção, os empregados do setor industrial recebem sua remuneração por unidade de tempo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
230
Enfim, afigura-se inegável que existindo dois critérios tradicionais de determinação do
salário por produção de cortadores de cana, a) sendo que um assegura ao trabalhador a
ciência do valor do seu dia de trabalho e outro torna imprevisível tal valoração e acentua o
risco do trabalho extenuante, b) com diferenças mínimas na forma de exploração da
atividade sob a ótica do empregador (que remunera por tonelada em razão de mera
comodidade, ao argumento de que toda a cadeia produtiva do açúcar e álcool é
quantitativamente avaliada a partir de toneladas produzidas, ou o faz de má fé, no
deliberado propósito de que o trabalhador labore até os limites de seu cansaço ou com o
objetivo de manipular a valoração da produtividade dos cortadores), mas com diferenças
relevantes, sob a ótica do empregado; incorre o empregador em descumprimento da
função social da propriedade rural ao adotar, dentre estas duas opções, a que menos
favorece o bem estar de seus trabalhadores, nos termos do art. 186, IV, da Constituição
Federal.
Tem-se, portanto, que a inovação da disciplina constitucional pátria, ao consolidar a
proteção de direitos fundamentais sob os influxos do solidarismo, faz refletir a necessidade de
revisão das práticas remuneratórias adotadas atualmente no setor sucroalcooleiro.
4.2 – Princípio da alteridade ou assunção dos riscos da atividade econômica
O art. 2º da CLT encampa o princípio da alteridade, segundo o qual constitui característica
inerente à figura de qualquer empregador a responsabilidade integral pelos ônus do
empreendimento econômico e do próprio trabalho contratado.
Tem-se, portanto, que a ordem jurídica trabalhista atribui ao empregador a
responsabilidade de assumir os riscos decorrentes de sua atividade empresarial, inclusive no que
tange ao próprio contrato de trabalho celebrado com o empregado.
O princípio da alteridade tem como corolário o caratér forfetário118 do salário, traduzido na
circunstância da referida parcela “qualificar-se como obrigação absoluta do empregador,
independentemente da sorte de seu empreendimento” (DELGADO, 2007, p.709).
Assim, apesar de haver alguns dispositivos legais que concebem a remuneração baseada na
produtividade do trabalhador, - o que, em certa medida, implica no deslocamento do risco da
atividade econômica ao prestador de serviços - não se mostra juridicamente razoável, com base
118
De acordo com Delgado (2007), trata-se de neologismo criado pela doutrina jurídica, oriundo da expressão francesa “à forfait”.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
231
em tais normas, defender a transposição integral dos riscos do empreendimento aos obreiros,
com total desoneração do empregador pela frustração de suas expectativas de produção.
No setor sucroalcooleiro, tal impossibilidade de repasse dos riscos ao empregado revela-se
ainda mais latente se considerarmos que, não raro, a frustração das expectativas de produção
decorre de fatores alheios ao desempenho do trabalhador, tais como a diferenças de massa da
cana de açúcar, motivada por causas como o número da soca, variedade da cana, as condições do
terreno e a época do ano (FABRE, 2010).
Aliás, convém ressaltar que tal transposição integral dos riscos da atividade econômica é
ainda mais acentuada nas relações de trabalho dos canaviais paulistas, contando, inclusive, com o
aval dos sindicatos dos trabalhadores. É que a respectiva convenção coletiva de trabalho
possibilita às usinas pagarem aos empregados um valor fixo, “nos dias em que não houver
trabalho em virtude da ocorrência de chuvas, falta de cana queimada ou outros fatores alheios a
vontade do empregado”119. Nesse dias de paralisação, os trabalhadores não são remunerados pela
média de sua produção diária (cerca de 13 toneladas), levando-lhes a intensificar ainda mais seu
ritmo de trabalho nos dias posteriores.
Diante do exposto, tem-se que a atual sistemática de remuneração adotada pelo setor
sucroalcooleiro do Estado de São Paulo, ao transferir por completo os riscos da atividade
empresarial aos empregados, traduz-se em clara infração da legislação trabalhista, notadamente
do art. 2º da CLT.
4.3 - Princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva
Modernamente,
sobretudo
em
razão
da
evidenciação
de
novos
direitos
constitucionalmente assegurados e, em especial, do princípio da dignidade da pessoa humana,
cada vez mais se analisa o direito privado à luz das regras constitucionais, podendo-se, inclusive,
em muitos casos, reconhecer a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas
(LENZA, 2009).
119
De acordo com a convenção coletiva de trabalho referente à safra 2009/2010, o valor do dia de trabalho (diária) corresponde a
R$ 16,95 (dezesseis reais e noventa e cinco centavos). Considerando que o preço médio da tonelada de cana cortada equivale
aproximadamente a R$ 2,95 (dois reais e noventa e cinco centavos), verifica-se que, nos dias de paralisação das atividades, os
trabalhadores recebem uma remuneração correspondente a apenas 5,7 toneladas de cana cortada, ou seja, em patamar bem
inferior à produtividade ordinariamente alcançada.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
232
Nessa esteira, consolidou-se progressivamente a tendência de compreender o direito
contratual a partir de valores éticos e solidários, expurgando-o de um conteúdo meramente
individualista, de modo a ensejar uma renovação dos instrumentos normativos que disciplinam as
relações contratuais entre particulares, incorporando em tais relações princípios sociais como a
função social do contrato e a boa fé objetiva.
Tal tendência restou cristalizada no Novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406/2002, a
estabelecer que a liberdade contratual deve ser exercida em razão e nos limites da função social
dos contratos, estando os contratantes obrigados a guardar, durante sua execução, os princípios
de probidade e boa-fé (arts. 421 e 422).
Assim, como espécies de negócio jurídico de natureza contratual, os contratos de trabalho
também devem ser firmados e executados sob o pálio dos princípios da função social do contrato
e da boa-fé objetiva.
De acordo com o princípio da função social do contrato, a celebração e execução do
contrato não devem objetivar o cumprimento de deveres meramente patrimoniais e exclusivos do
interesse das partes. Ao revés, a funcionalização do contrato traduz-se na vinculação entre o
instrumento contratual e os programas de solidariedade e dignidade humana do Estado Social, a
partir da valorização da igualdade material entre os contratantes, norteada pelos interesses da
comunidade (SOUZA, 2008, p. 126).
A função social do contrato não elimina, portanto, a liberdade contratual das partes
pactuantes, mas atenua seu alcance quando presentes interesses relativos à dignidade humana e
justiça social.
Por sua vez, o princípio da boa fé objetiva estabelece uma regra de comportamento
lastreada na lealdade, na confiança, na transparência, na honestidade e colaboração, capaz de
levar cada contratante a agir com respeito aos interesses legítimos da outra parte no contrato. Tal
postulado resulta na convicção de que “as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças,
sem abusos, nem desvirtuamentos” (DALLEGRAVE NETO, 2007, p. 343).
Conforme assinala LEAL (2007, p. 85), “o instituto da boa-fé, em sua vertente objetiva,
deve ser entendido como ponto de fundamental importância na modernização dos critérios de
interpretação e integração dos contratos de trabalho contemporâneos”.
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233
Assim, nas relações de trabalho, o empregado e o empregador devem agir dentro de
parâmetros de lealdade e honestidade, o que faz emergir, dentro da relação de emprego, o dever
de informação e transparência acerca das condições contratuais entabuladas pelas partes.
Além disso, como corolário do princípio da boa-fé objetiva, os arts. 122 e 123 do Código
Civil também consideram ilícitas as condições contratuais incompreensíveis ou que sujeitarem o
pactuado ao puro arbítrio de uma das partes.
Não bastasse, a transparência das condições salariais constitui preocupação constante
também no plano jurídico internacional, sobretudo no âmbito da Organização Internacional do
Trabalho – OIT.
De fato, a Convenção nº 95 da OIT estabelece que deverão ser tomadas medidas eficazes a
fim de informar os trabalhadores, de maneira apropriada e facilmente compreensível, sobre as
condições de salário que lhes forem aplicáveis.
Convém destacar que a referida convenção internacional integra a legislação brasileira,
uma vez que foi ratificada através do Decreto nº 41.721/57, a resultar inevitavelmente na adoção,
pelas autoridades nacionais, de todas as medidas administrativas e legislativas que assegurem o
direito de informação dos obreiros acerca do valor de seu dia de trabalho.
Portanto, conforme assinala CARVALHO (2010), haverá ilicitude do procedimento patronal
toda vez que for verificada a desinformação do trabalhador em relação à sua produtividade (seja
pela ausência de comunicação; seja por ser incompreensível o método de apuração; seja por não
poder acompanhar ou ser representado na pesagem da cana) e o puro arbítrio nos fatores que
levam ao cálculo da produtividade (como a técnica de estimativa baseada na experiência do fiscal
da usina).
No setor sucroalcooleiro paulista, a obscuridade no aferimento da quantidade de cana
cortada por cada trabalhador exsurge da própria convenção coletiva da categoria, decorrente de
negociação entre os sindicatos patronais e a representação dos trabalhadores.
Tal instrumento de negociação coletiva estipula que o caminhão da usina seguirá para a
balança para pesagem de carga, assegurado o direito do trabalhador interessado de acompanhálo, desde que não haja ônus financeiro para as empregadoras. Estabelece, ainda, que os
representantes sindicais dos trabalhadores somente poderão acompanhar a pesagem da cana
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
234
desde que comuniquem previamente à empresa e estejam devidamente acompanhados por
representantes do empregador120.
Ora, torna-se evidente que o direito de acompanhamento da pesagem da cana está
assegurado apenas sob o ponto de vista formal. De fato, o próprio trabalhador, remunerado por
produção, não tem interesse paralisar sua atividade sem que receba por isso. Por outro lado, a
grande abrangência territorial de alguns sindicatos não permite que seus dirigentes fiscalizem
simultaneamente a pesagem da cana em diversas usinas e, mesmo que isso fosse possível, tal
acompanhamento só pode ocorrer mediante comunicação prévia e acompanhamento do
empregador.
Vale dizer, o acordo entabulado pelos sindicatos acaba por reproduzir e confirmar nítida
violação aos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva, bem como ao dever de
transparência das condições salariais estabelecidas pelas partes do contrato de trabalho.
4.4 – Princípio da isonomia ou proibição à discriminação salarial
De acordo com BANDEIRA DE MELLO (1993, p. 10), “a lei não deve ser fonte de privilégios
ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente
todos os cidadãos”. Para o autor, “esse é o conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio
da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado
pelos sistemas normativos vigentes”.
Seguindo essa tendência, o princípio da isonomia aparece contemplado na Constituição
Federal de 1988, a preconizar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza” (art. 5º, caput).
Na seara das relações de trabalho, a Constituição Federal veicula a proibição de distinção –
inclusive salarial - no tratamento aos obreiros que desempenham trabalhos da mesma espécie
(art. 7º, XXX e XXXII). Da mesma forma, a CLT preconiza que “sendo idêntica a função, a todo
trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá
igual salário” (art. 461).
120
Cláusula Vigésima da Convenção Coletiva de Trabalho referente à safra 2009/2010. Para a atual safra 2010/2011, ainda não
foram concluídas as negociação coletivas da categoria.
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235
É bem verdade que a CLT, ao tratar da equiparação salarial, estipula que a percepção de
idêntica remuneração pressupõe que os trabalhadores realizem a atividade com a mesma
produtividade (art. 461, §1º). Não obstante, tal critério de distinção salarial é meramente fictício
no sistema de remuneração adotado pelo setor sucroalcooleiro, que pode gerar distorções
salariais lógica e juridicamente inconcebíveis.
De fato, conforme bem destaca ALVES (2007, p. 35), “como o valor da cana medido em
metro depende de seu peso e este varia em decorrência do tipo e da variedade da cana, isso
significa que um trabalhador, embora cortando mais metros do que outro, poderá receber
menos.” Tal sistemática remuneratória ainda faz com que trabalhadores de uma mesma empresa
recebam salários diferentes, apesar de despenderem praticamente o mesmo esforço para cortar
idêntica metragem de cana. Nesse sentido, enfatiza FABRE (2010, p. 118):
O sistema remuneratório em apreço possibilita que dois empregados, em um dia
trabalhado em eitos de igual metragem, despendendo o mesmo número de cortes com o
podão, percorrendo a mesma distância, realizando o mesmo número de flexões, expondose às mesmas intempéries durante a mesma quantidade de horas, sejam remunerados de
forma diferente.
Aqui, um único detalhe, praticamente irrevelante, importa em um maior esforço pelo
trabalhador que atua no corte da cana “boa”: a circunstância de que este carregará em
seus braços, a cada ida e vinda das ruas laterais para a rua central, ligeira quantidade mais
pesada de feixes de cana em relação ao trabalhador que atua no corte da cana “ruim”.
Este aspecto, de somenos importância no contexto global da situação, não induz à
existência de um liame de correlação lógica entre o fator discriminatório das
remunerações diferenciadas e uma finalidade jurídica, o que caracteriza a diferença
remuneratória em questão como ilícita.
Tem-se, portanto, que a atual sistemática remuneratória adotada pelo setor
sucroalcooleiro enseja, não raro, situações ilegítimas de discriminação salarial, em total
dissonância com o disposto na legislação vigente.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
236
5. Considerações Finais
Por todos os argumentos expostos anteriormente, verifica-se que a atual sistemática
remuneratória do setor sucroalcooleiro, baseado em estimativas da produtividade do trabalhador
rural, não resiste a uma análise jurídica mais aprofundada, sobretudo diante da incidência dos
princípios jurídicos informadores das relações contratuais de trabalho.
Contudo, não se pode olvidar que, do ponto de vista prático, há ainda uma enorme
dificuldade em se reconhecer aplicabilidade direta aos princípios jurídicos, dada sua abstração e
generalidade.
A fim de resolver tal impasse, bastaria ao Estado – ou aos sindicatos das categorias
profissional e patronal – promover a edição de regras mais explícitas que impossibilitassem a
adoção de tal sistemática remuneratória no setor sucroalcooleiro.
A edição de regramento específico, adequando-o ao hodierno entendimento sobre a
matéria, dirimiria por completo qualquer equívoco de interpretação, garantindo, assim, uma eficaz
proteção aos trabalhadores rurais.
Não obstante, enquanto não editado tal regramento específico, a solução jurídica mais
adequada para o problema é a aplicação sistemática e teleológica das normas atualmente em
vigor, a resultar, em sombra de dúvidas, no aniquilamento da exploração perpetrada pela
sistemática remuneratória atualmente adotada.
Portanto, incumbe aos operadores do Direito, norteando-se pela necessidade de
transformação social e concretização dos verdadeiros valores de justiça, adequar o alcance e
conteúdo de todo e qualquer ato normativo à dinâmica realidade dos tempos hodiernos, de modo
a conferir máxima eficácia – jurídica e social – às normas do ordenamento jurídico pátrio.
Ora, se é certo que ao exegeta não é dado criar o direito, não é demais dizer que ele
pode interpretá-lo a partir de uma postura pró-ativa, lastreada em novos paradigmas, no intuito
de encontrar soluções criativas e arrojadas, capazes de tutelar, de modo concreto e eficiente, os
anseios da coletividade de trabalhadores rurais brasileiros.
Nessa perspectiva, exsurge a seguinte indagação: se uma análise jurídica mais aprofundada
acaba por revelar a ilicitude do sistema de pagamento por produção, e na medida em que a
abolição de tal prática não ocorre em virtude da inexistência de uma regra proibitiva explícita, não
caberia ao Estado de Direito promover – ou fomentar - a elaboração de tal regra, para ser
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
237
coerente com os princípios que o rege? Ou ainda: mesmo sem regramento específico, não é
chegada a hora das autoridades públicas brasileiras, atentas à dinâmica que emerge da vida
econômica e social, passarem a enxergar as relações de trabalho no setor sucroalcooleiro à luz da
nova ordem jurídica vigente, amparada nos princípios de dignidade humana e justiça social?
Enquanto tais indagações não são efetivamente respondidas, os cortadores de cana
continuam a esperar a concretização do objetivo constitucional de se construir uma sociedade
verdadeiramente livre, justa e solidária.
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A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
239
O Trabalho Domiciliar no contexto do processo de Globalização
Eliana Monteiro Moreira - UFPB121
Edilane do Amaral Heleno - UFPB122
Introdução
As mudanças ocorridas na economia global nos últimos anos e a reestruturação produtiva
têm provocado impactos significativos sobre o setor produtivo e, em conseqüência, nas relações
sociais, especialmente nas relações de trabalho. A globalização passou a ser um fato presente nas
relações produtivas e sociais, no cotidiano e na subjetividade dos indivíduos, constituindo-se,
assim, em um grande desafio para as ciências sociais, na medida em que se colocam em discussão
as novas configurações por que vem passando o trabalho e seus impactos tanto sobre a realidade
como um todo, bem como sobre os sujeitos envolvidos nesse processo. A partir de 1990 os efeitos
desta reestruturação se fizeram sentir mais fortemente, quando se dá a intensificação da
mundialização econômica tendo como decorrência desta, a abertura comercial, fazendo com que
o processo produtivo acelerasse a implementação e adaptação às novas tecnologias e gestão do
trabalho.
Estas transformações se influenciaram por um lado, o setor produtivo de forma geral, por
outro lado, atingiu significativamente o setor têxtil brasileiro, desorganizando-o, uma vez que a
abertura comercial que ocorreu neste período foi responsável por uma reestruturação intensiva,
levando inclusive à eliminação de muitas empresas que não tiveram êxito neste processo de ajuste
(CAMPOS: 2006).
Na medida em que as novas tecnologias e as novas formas de trabalho foram sendo
inseridas e adaptadas no setor têxtil, elevavam-se os níveis de desemprego e subemprego, estes
compensados apenas parcialmente pelo surgimento de pequenas e microempresas através do
processo crescente de terceirização aí verificado (JINKINGS e AMORIM: 2006). Com a expansão
deste processo, observou-se o alargamento da precarização das relações de trabalho e, assim, da
informalidade que, embora não seja um elemento novo observado nas economias de capitalismo
121
Doutora em Sociologia – Picardie – França e professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFPB –
[email protected]
122
Doutoranda em Sociologia do Trabalho – PPGS/UFPB e professora do Departamento de Ciências Sociais – CCAE/UFPB –
[email protected]
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
240
menos avançado, passa a ser visto agora como trabalho flexível, que se adequou à nova fase de
acumulação. Nesse cenário, “a informalidade deixa de ser transitória para se tornar definitiva”,
contribuindo para o processo de acumulação em curso (LIMA e SOARES: 2002, p. 167).
Estas mudanças que vêm ocorrendo no campo do trabalho, não atingem só o plano macro
da realidade, mas o que os estudos têm apontado é que elas manifestam-se também no nível mais
micro da sociedade, ou seja, as unidades familiares de produção, tornando cada vez mais
necessário que muitos de seus membros tenham que ingressar no mercado de trabalho.
É aqui que se situa o centro de nossas buscas: não pretendemos tratar dessas modificações
anunciadas de maneira geral, mas estudar seus efeitos sobre um setor produtivo, o da produção
de redes de dormir no município de São Bento no sertão paraibano, cuja parte da organização do
processo produtivo tradicionalmente foi alicerçada no trabalho familiar. Portanto, nosso olhar
volta-se para verificar as tramas que envolvem as relações entre os sujeitos submersos nesta
atividade. Em nossos contactos, procuramos observar a organização, a divisão, o controle das
atividades (quem fazia o que), os deslocamentos existentes no que se refere às atribuições,
papéis, entre outros, para ver a pertinência ou não de um dos nossos objetivos que era o de
verificar como as transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho interferem,
modificando ou não a estrutura organizacional dessas unidades familiares de produção.
Organizamos o presente texto compondo-o em cinco momentos: no primeiro, elaboramos
uma breve introdução, onde procuramos situar, de forma geral, o objeto a ser analisado. Em
seguida, buscamos elucidar as possíveis transformações que o processo de globalização tem
promovido sobre o mundo do trabalho. Num terceiro momento, enfatizamos a discussão sobre o
processo de precarização que acompanha estas mudanças no mundo do trabalho, principalmente,
no que se refere a “retomada” da utilização do trabalho domiciliar e suas reverberações sobre as
relações familiares. No quarto momento, prezamos por fazer a apresentação do espaço que
compõe o nosso estudo de caso – as pequenas unidades (familiares) da produção de redes em São
Bento-PB123. No último, expressamos algumas considerações finais.
123
Este trabalho engloba uma pesquisa em andamento para o doutorado em Sociologia do PPGS- UFPB.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
241
2 Alterações no mundo do trabalho em meio ao processo de globalização.
As mudanças que ocorreram na lógica da acumulação capitalista, principalmente com a
intensificação
da
globalização,
afetaram
profundamente
o
mundo
do
trabalho
e,
conseqüentemente, as relações entre os sujeitos. Trabalhos alicerçados em relações familiares
que sempre marcaram o modo de produção não ficaram imunes a esse movimento.
Neste movimento, provocado pela mundialização econômica, ramos tradicionais da
produção “dão” espaço a ramos mais modernizados que, utilizando-se da inovação tecnológica e
mudanças nas formas de gestão, provocam redução no tamanho das empresas, interferem em sua
localização, bem como fazem com que determinados produtos sejam fabricados de forma
fragmentada nas diversas partes do mundo, ou sejam produzidos retomando formas antigas de
trabalho como é o caso do trabalho domiciliar ou outros, recriados na ciranda da precarização que
se assiste a partir de então.
No âmbito do capitalismo global, a reprodução ampliada do capital ganha novos
dinamismos, desenvolvem novas forças produtivas e novas relações de produção tendem a
aparecer possibilitando a aceleração e a centralização do capital agora em níveis globais. A
expansão do capital, já não se limita aos espaços nacionais, extrapola as fronteiras, provocando
uma nova divisão do trabalho que passa a ser transnacional. Sendo assim, as novas forças que se
apresentam nesse movimento tendem a subsumir as anteriores, criando e recriando espaços
físicos, sociais , econômicos políticos e culturais (IANNI, 1996).
Nesse cenário, o mundo do trabalho passa a viver significativas transformações, pois
verifica-se que a evolução tecnológica que acompanha esse processo de globalização, tem
provocado uma redução significativa do trabalhador operariado tradicional em termos
quantitativos quanto em termos qualitativos, pois ao lhes impor novas formas de contratos mais
flexíveis, rouba-lhes a segurança conquistada a base de muitas lutas, alterando assim a “forma
qualitativa de ser do trabalho”, como enfoca Antunes.
Essas transformações presentes ou em curso, em maior ou menor escala, dependendo de
inúmeras condições econômicas, sociais, políticas, culturais étnicas etc., dos diversos
países onde são vivenciadas, penetram fundo no operariado industrial tradicional,
acarretando metamorfoses no trabalho. A crise atinge ainda fortemente o universo da
consciência, da subjetividade dos trabalhares, das suas formas de representação, das
quais os sindicatos são expressões (ANTUNES: 2001; p.211).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
242
Simultaneamente a este conjunto de modificações, um importante debate tem servido
para melhor compreender os impactos delas decorrentes sobre as relações do trabalho e ao longo
da história do desenvolvimento das idéias socioeconômicas, alcançado no capitalismo
contemporâneo: refere-se à discussão sobre o reconhecimento do trabalho como elemento
essencial para prover as necessidades humanas, gerar a riqueza da sociedade e promover a
integração social dos sujeitos. Essas informações sobre a discussão da centralidade do trabalho se
encontram em detalhes nos trabalhos de Antunes (2001 e 2000), Tavares (2004) , entre outros.
A procura por gerar a riqueza e, em conseqüência, a acumulação de capital, esteve sempre
atrelada à busca de aumento da produtividade do trabalho e ao desenvolvimento de técnicas que
promovessem impactos expressivos sobre o processo de trabalho. Nesse sentido, entre o séc. XIX
e o XX, surgiram novas formas de organização do trabalho e novos modelos de produção, como o
Taylorismo e o Fordismo124. Com essas novas formas de produção, o trabalhador passou a ser
relegado a um processo de degradação, através do empobrecimento de suas tarefas com a
separação entre o chão de fábrica (execução) e a gerência (concepção) e com o controle dos
tempos de produção, através da inserção da esteira rolante e do cronômetro. Em meados dos
anos de 1960, entra em crise este modelo de organização após um longo período de acumulação
capitalista. Inicialmente foi apresentado como elemento principal para o surgimento da crise, “o
estrangulamento dos lucros (profi squeeze)”, sendo este provocado pelo aumento do poder de
compra, que gerou a elevação do custo do salário. Entretanto, os dados estatísticos da época não
confirmaram esse diagnóstico e caso o fossem, seria de fácil solução, bastaria reduzir os salários
(de forma direta ou indireta) que eliminaria a crise (LIPIETZ: 1989). Para compreender de fato os
motivos desta crise, Lipietz chama nossa atenção para outros componentes da lucratividade do
capital, em que;
[...] os ganhos de produtividade declinantes exigiram, desde metade dos anos 60, uma
elevação em valor do capital per capita, ou em termos marxistas, da composição orgânica
do capital. Desde essa época, com efeito, os ganhos de produtividade não mais
compensam o aumento da composição técnica do capital, o volume de capital fixo per
capita (LIPIETZ: 1989; p.308).
124
Braverman (1987) tem um a pertinente análise sobre o Taylorismo e Fordismo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
243
Assim, seguindo ainda a lógica do raciocínio deste autor, quer se dê ênfase a idéia de
estrangulamento de lucros ou se enfatize a alta da composição orgânica do capital, o que se
observa é que esta crise se configurou como crise da rentabilidade do capital e, portanto, de seu
processo de acumulação. Nessa discussão Antunes (2001) contribui agregando outros elementos
que possivelmente a tenham deslanchado ao longo dos anos de 1970. Entre esses, tem-se a
intensificação das lutas sociais dos anos de 1960, o esgotamento dos mercados consumidores, a
crise fiscal nos países de capitalismo avançado, o crescimento da esfera financeira que ganhou
autonomia em relação aos capitais produtivos, a crescente concentração de capitais, através das
fusões entre monopólio e oligopólios, bem como a crise do Welfare State ou do Estado do Bem
estar social.
Em resposta a este quadro conturbado, inicia-se um processo de reorganização do capital,
bem como de seu sistema ideológico e político de dominação, tendo por base as idéias
neoliberais, a abertura de mercados e a mundialização ou globalização do capital125, marcando o
novo contexto do desenvolvimento capitalista e trazendo como propostas a implementação das
privatizações das estatais e a desregulamentação do mercado de trabalho. Verifica-se, portanto,
um novo padrão de acumulação, chamado por Harvey (2002) de acumulação flexível, que
provocou alterações nas relações entre capital e trabalho, através da adoção de novas tecnologias
e novas formas de organização da produção, elevando a produtividade do trabalho a níveis
superiores aos apresentados nas décadas anteriores, mas promovendo uma séria crise no mundo
do trabalho através do aumento do desemprego estrutural. Dando seguimento a discussão,
Antunes (2000) afirma que:
A classe que vive do trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a
sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, o íntimo
inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser (ANTUNES: 2000; p.23).
Nesse momento, o cronômetro e a produção em massa já não eram suficientes para dar
continuidade à lógica da acumulação capitalista sendo, portanto, substituídos pela flexibilidade da
produção. A busca por maior produtividade seria agora assegurada pela flexibilidade, não só dos
meios produtivos, mas também das relações de trabalho, passando esta a adequar a produção, à
125
Para maior aprofundamento sobre a mundialização do capital, ver Chesnais (1996)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
244
lógica do mercado. Entretanto, como enfatizou Harvey (2002), essas substituições não ocorrem de
forma plena, pois em condições de acumulação flexível, é possível que formas de trabalhos
alternativos possam existir simultaneamente no mesmo espaço, possibilitando aos capitalistas
optarem pela melhor forma que lhes convierem.
Além disso, vale salientar que o próprio processo de globalização que permeia a expansão
da acumulação flexível nos leva a pensar em movimento. As diversas relações e processos que
ocorrem entre as sociedades estão sempre interferindo e sendo interferidas pelos acontecimentos
nas suas diversas áreas, sejam esses históricos, geográficos, culturais, econômico ou políticos,
onde, segundo Ianni (1996; p. 250) “o local e o global estão distantes e próximos, diversos e
iguais.” Essa “nova forma” de acumulação capitalista que se apresenta como saída à crise, está
inserida nesse processo de globalização, provocando impactos significativos sobre o mercado de
trabalho e no espaço produtivo.
O que se percebe, é uma expansão das formas precárias de trabalho, como o trabalho
temporário, o trabalho subcontratado, o trabalho por tempo parcial, o trabalho informalizado,
formas essas que se configuram num contexto de desemprego estrutural crescente, de
desregulamentação do mercado de trabalho e flexibilização dos contratos, onde os direitos sociais
adquiridos através de lutas históricas são minados, e a maioria dos trabalhadores acaba tendo
como destino certo a precarização. Assim, como enfatiza Lima (2002: p.21), “o emprego, sinônimo
de trabalho assalariado, carreira profissional e direitos sociais, parece cada vez mais como coisa de
um passado remoto”.
Todos os sujeitos sociais sofrem interferência desse processo, promovendo transformações
em suas ações, identidades e nas suas atribuições na própria sociedade.
Ainda sobre este contexto, Castel (2005: p.529-530) chama a atenção para o crescimento
da insegurança que passa a fazer parte do cotidiano dos sujeitos em relação a sua ocupação no
mercado de trabalho. O autor enfatiza que “a precarização do emprego e o aumento do
desemprego são, sem dúvida, a manifestação de um déficit de lugares ocupáveis na estrutura
social”, onde trabalhadores mais velhos ou jovens demais não encontram lugar no processo
produtivo. Assim, constituem-se indivíduos “não integrados e sem dúvidas não integráveis”,
afetando-os significativamente quanto à condição social, atingindo-os também no “plano cívico e
político.”
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
245
3. Entrelaçando as relações de trabalho em tempos de globalização: Do informal ao trabalho
domiciliar.
Em meio as transformações anunciadas em decorrência da mundialização da economia e
da reestruturação produtiva do capital, rebatimentos fortes sobre o mercado de trabalho têm
ocorrido como o aumento do desemprego, da precarização do trabalho, alterando, como
enfatizamos, as relações de trabalho e a própria subjetividade do trabalhador. Entre essas
alterações, verifica-se a flexibilidade nos contratos de trabalho e o crescimento das relações
informais que se configuram como alternativas à sobrevivência do trabalhador frente ao processo
de exclusão trazido pelo desemprego estrutural, mas que também cumprem sua função para o
capital . Logo, como ressalta Tavares (2004):
A flexibilidade invade a organização da produção, fragmentando e desqualificando o
trabalho, promovendo o desemprego e a reemergência de velhas formas de trabalho
precarizado, que se expressam sobretudo pelo deslocamento de muitos postos de
trabalho do núcleo formal para a informalidade, em que o trabalho cumpre a mesma
função para o capital sem os custos sociais correspondentes (TAVARES: 2004; p.18).
O crescimento das relações informais na produção capitalista já não permite que o
trabalho informal seja caracterizado apenas em unidades produtivas de caráter individual ou
familiar, que servia apenas para gerar o estritamente necessário à sobrevivência dos
trabalhadores. Este, agora, ganha novas dimensões, pois passa a ser integrado à lógica de
acumulação capitalista, já que não se trata de uma forma de produção ou “assalariamento ilegal,
mas de formas de trabalho ditas autônomas, consentidas pelo Estado, que são na verdade,
subordinadas ao comando direto do capital e funcionam enquanto parte de sua organização
produtiva” (TAVARES: 2004; p.16).
As mudanças pelas quais passa o mundo do trabalho perante o processo de globalização,
expressas na redução do emprego (principalmente o industrial), associado ao processo de
terceirização e, consequentemente, de precarização do trabalho, impõem alterações importantes
na composição da informalidade que, além de levantarem novos problemas às ciências sociais,
indicam por isso mesmo, a necessidade de uma maior investigação.
Ao analisar os conceitos de informalidade e de setor informal, Lima e Soares (2002: p.167)
afirmam que nesse panorama global, onde se sobressaem a flexibilidade e a desregulamentação
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246
do mercado de trabalho, emerge a “nova informalidade” como sinônimo da “flexibilização dos
novos tempos”, que seria caracterizada por incorporar, nesta, contingentes de trabalhadores
oriundos do mercado formal, diferenciando de épocas anteriores, pois esta situação deixa de ser
uma situação transitória para ser definitiva.
Portanto, a abordagem do conceito de nova informalidade adotada por diversos autores126,
observa o mercado de trabalho de forma dual, onde o trabalhador do mercado formal estaria
vinculado à legislação vigente no país tendo acesso a direitos127; e o trabalhador informal estaria à
descoberto dos mesmos, por estar exercendo atividades marginais.
Um elemento importante a se destacar nessa discussão refere-se ao fato de que, na
informalidade, não há apenas trabalhadores em condições precárias. Há também um contingente
daqueles que conseguiram obter níveis de renda superiores aos obtidos no setor formal,
preferindo, portanto, permanecer nessa informalidade. Assim, ao analisar o trabalho informal,
deve-se estar atento para o fato deste não se restringir apenas a atividade de sobrevivência
estando, portanto, inserido na lógica de expansão do sistema capitalista (TAVARES, 2004).
É relevante para o trabalho ora proposto determo-nos em alguns aspectos do trabalho
informal, como é o caso da produção domiciliar128 que, embora com o advento da indústria
moderna tenha se desintegrado, retorna com avidez em sua expansão através do processo de
terceirização, vinculado à reestruturação produtiva, principalmente no setor têxtil (NEVES e
PEDROSA: 2007).
É salutar salientar que o trabalho domiciliar como apresentado no cenário atual, onde o
caráter de atividade autônoma é reforçado, acaba obscurecendo a precarização que emerge nessa
relação de produção, necessitando portanto, ser melhor investigado.
Em geral, o trabalho domiciliar, em estudo, está vinculado ao setor têxtil, e é basicamente
executado por mulheres, mas que acaba por envolver também outros membros da família. Estes
aspectos relacionados ao espaço produtivo e às formas de trabalho criadas pelos sujeitos
envolvidos serão abordados na seção seguinte.
126
Para uma maior discussão sobre a nova informalidade, ver: Filgueiras, Druck e Amaral (2004), Noronha (2003), Lima e Soares
(2002) entre outros.
127
Diretos a aposentadoria, seguro desemprego, licença maternidade entre outros.
Genericamente, pode-se conceituar o trabalho domiciliar como atividade remunerada desenvolvida no espaço da moradia de
quem o executa. (NEVES E PEDROSA, 2007)
128
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247
4 Um caso a se investigar – Produção de redes de dormir em São Bento – PB
O setor têxtil da Paraíba, por estar inserido na lógica das mudanças provocadas pelo
processo de globalização, também tem experimentado mudanças significativas, respondendo com
alterações não só no processo produtivo mas, sobretudo, nas relações de trabalho e, em
decorrência, nas relações familiares, base sobre a qual se estrutura a atividade produtiva. Com o
intuito de captar mais atentamente essas transformações, sobre as relações na família e, portanto,
sobre a subjetividade dos sujeitos envolvidos, optamos por realizar nosso recorte num estudo de
caso, envolvendo não o setor têxtil em geral, mas, sobretudo, a produção de redes de dormir,
tradicional atividade econômica que se desenvolve no município de São Bento- PB, tendo como
foco o espaço doméstico, onde se concentra a etapa de produção voltada para o acabamento das
redes. Esta abarca uma série de procedimentos, cada um envolvendo habilidades e/ou
especializações próprias de quem fica responsável pela sua feitura.
A partir das primeiras investigações, verificamos que o processo de produção de redes de
dormir pode ser dividido nas seguintes fases: a) processo de melhoramento do fio – o fio recebido
da fiação passa por um processo de melhoramento que inclui alvejamento e tingimento, antes de
seguir para a tecelagem; b) tecelagem do pano - técnica empregada para a confecção de tecido
plano, como a utilizada na industria têxtil em geral; c) acabamento – esta fase é geralmente
dividida em quatro ou cinco etapas, conforme o tipo de rede. Essas etapas podem ser: trança – o
pano de rede tem em suas extremidades uns 20 cm de fios soltos, não tecidos, que são usados
para fazer ligação com o punho da rede; mamucaba – passagem de duas faixas horizontais de
tecidos nas tranças ou nos cordões acima referidos, para fortalecimento da ligação com os
punhos; varanda – consta da tessitura feita nas extremidades laterais da rede, que tem por
finalidade zelar pelo “toque“ decorativo da rede; empunhamento – Também denominado de “as
argolas das tranças” que servem de encaixe às cordas de trancelim que serão passadas em torno
destas e unidas a 60 cm da trança. Esta etapa se encarrega de
formar os punhos nas
extremidades, que serve para sua fixação em armadores ou ganchos nas paredes (ROCHA, 1983).
Todas essas etapas (fora a de tecelagem do “corpo” da rede) são geralmente realizadas no
ambiente domiciliar, envolvendo o trabalho dos membros da família. Esta breve “apresentação”
do processo produtivo da confecção das redes é que nos permite “situar” o nosso olhar em busca
entender o sentido/significação desse trabalho para esses sujeitos, o papel de suas atribuições, o
domínio de seu saber sobre o processo produtivo, como se dá a troca de suas habilidades entre os
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248
demais integrantes envolvidos no ato produtivo, como as relações familiares se configuram nesse
espaço de trabalho. Em decorrência das mudanças que este setor produtivo vem passando com a
reestruturação produtiva, tornou-se fundamental apreendermos como essas unidades produtivas
vêm operando diante de uma maior exigência em termos de produtividade, de qualidade da
produção, em resposta ao crescimento da competitividade que este setor/ramo vem sendo
submetido com a expansão dos mercados no contexto da globalização.
Pelo que nossos levantamentos preliminares têm sinalizado, o setor têxtil se encontra
entre os que foram mais afetados com o processo de mundialização da economia e, portanto, de
reestruturação produtiva no Brasil, levando-o a se adaptar às formas de produção mais flexíveis,
tendo como uma das conseqüências possíveis a precarização das relações de trabalho. Daí a
pertinência de nossa escolha em centralizar aqui, nosso interesse. Assim, compreender esse
processo, como vem se dando na Paraíba, torna-se importante pelo fato de o Estado estar situado
em uma das regiões em que a pobreza continua a ser uma marca importante, configurando-se
como região periférica no contexto nacional. Como enfatiza Araújo (1995: p.126) “ este é um traço
antigo
que
o
dinamismo
econômico
das
últimas
décadas
não
conseguiu
alterar
significativamente”.
Reforçamos ainda o sentido da escolha por este estudo de caso, ao perceber, dentro
desses primeiros momentos de busca, que embora o município de São Bento esteja localizado no
sertão paraibano - região caracterizada pelo tradicional complexo gado/agricultura de sequeiro observa-se que o setor têxtil tem se mantido como uma atividade em destaque, fugindo da regra
geral na região. Como ilustração, conforme dados do IBGE129, o Produto Interno Bruto a preço de
mercado corrente em 2005, do município de São Bento, correspondeu a R$: 78.397,00, onde
apenas 3,31% destes se referiam ao setor agropecuário, ficando 17,86% para o setor industrial e
72,99% para o setor de serviços. Portanto, torna-se importante também averiguarmos quais as
repercussões atuais dos deslocamentos dos setores produtivos que tradicionalmente movem o
cenário econômico da região.
Localizado a 420 Km da capital paraibana (João Pessoa), e possuindo atualmente 29.196
habitantes130 o município de São Bento configura-se atualmente como o maior produtor nacional
de redes de dormir. Sua produção anual gira em torno de 12 milhões de redes. De acordo com os
129
Informações colhidas no site do IBGE. www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1.
130
De acordo com a contagem populacional do IBGE de 2007. Fonte: www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?
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249
levantamentos efetuados, dentre as empresas instaladas no município, quase 90% são de redes de
dormir, correspondendo a aproximadamente 70 empresas formais e mais de 300 unidades
informais (CANDIDO, et al: 2007).
A fabricação de redes no município de São Bento - PB teve sua origem no final do século
XIX, ainda de forma artesanal, para o auto-consumo, em que apenas o que sobrava era destinado
para ser comercializado na feira popular do município. Entretanto, esta produção artesanal
começou a se modificar quando a primeira fábrica foi instalada na região em 1960 e, a partir de
então, a produção não parou de crescer, estando atualmente vinculada à economia global através
da exportação de parte de sua produção para alguns países da América do Sul como a Bolívia, o
Uruguai e o Paraguai. Logo, difere da atividade economia que se destacam tradicionalmente no
sertão nordestino, a agropecuária (NOBRE: 2003).
De acordo com os levantamentos efetuados sobre este setor produtivo, vimos que parte da
organização da atividade produtiva em geral, se dá no mesmo espaço domiciliar onde se
desenvolvem as diversas etapas do processo geral de produção, aqueles responsáveis pelo
acabamento das redes. Funciona a atividade produtiva no espaço contíguo ao da casa, ocupando
um dos seus cômodos ou em galpões construídos no quintal. Estas informações foram básicas
para estabelecermos o recorte em nossas buscas.
Pela etapa que nos encontramos em nossa pesquisa, embora inicial, já deu para
percebermos que a expansão comercial tem promovido mudanças nas formas de produção e nas
relações de trabalho, justamente na fase que se ocupa do acabamento, momento produtivo no
qual o produto ganha beleza e nele é agregado maior valor, podendo ser diferenciado e tornar-se
mais competitivo. Há sinais claros de introdução de técnicas novas, equipamentos, substituindo
lentamente o trabalho manual, provocando deslocamentos das atribuições por conta dessa
“inovação” que vêem minando o cotidiano do trabalho e das relações aí existentes.
Ainda é cedo em nossa pesquisa, para afirmar com precisão a intensidade dos efeitos sobre
a subjetividade desses pequenos produtores, por isso mesmo temos muita frente investigativa
para nos inteirarmos da complexidade que envolve esses processos: o que há de novo e o que
permaneceu em termos de relação de trabalho, sobre a estrutura e a organização do trabalho no
que se refere ao desmonte da cadeia produtiva, a flexibilidade dos contratos e o crescimento da
precarização, por conta da expansão das novas tecnologias.
Daí a ênfase que damos no
compreender os efeitos dessas transformações que vêm ocorrendo no que se refere aos
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250
deslocamentos de funções, papeis, responsabilidades, aspectos estes ligados mais diretamente ao
trabalhador, ao seu poder/domínio e controle, sobre o processo produtivo, ao desmonte do
trabalho como arte com a introdução de novas organizações de atividade produtiva em resposta
das tecnologias implementadas e a forma como os sujeitos se colocam nesse processo.
5 Considerações finais
As transformações vivenciadas no mundo do trabalho nas últimas três décadas do século
XX e, em especial, na década de 1990, provocaram marcas significativas sobre as relações sociais,
não deixando de interferir no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Essas mudanças ocorreram dentro
da lógica da acumulação flexível, que passa a delinear o processo de acumulação no cenário
global.
Foi, portanto, a busca em compreender as alterações trazidas pela globalização ao
processo produtivo que vem se orientando esta nossa pesquisa, observando, por um lado, o
impacto do global sobre o local, as reverberações que vêm se delineando a partir desse cenário no
que dizem respeito às configurações das relações de trabalho e suas implicações sobre as relações
familiares. Por outro, há indícios de possíveis desdobramentos sobre a subjetividade dos sujeitos
envolvidos, no que se refere ao domínio do saber, a questão da autonomia, da segurança, do
controle do processo produtivo, do deslocamento de competências de atribuições que vêm
exigindo um olhar mais cuidadoso em nossas considerações.
Pelo que a nossa caminhada investigativa nos tem permitido observar, podermos reafirmar
a importância em abordar este tema dando um novo olhar sobre as implicações das mudanças no
mundo do trabalho via processo de globalização envolvendo a subjetividade dos sujeitos: o que
estes sentem e como se percebem frente essas mudanças, procurando sempre observar quais são
as implicações do global no local, e vice-versa, visando averiguar o que muda e o que permanece
frente a este contexto.
Diante do que podemos observar de nossos primeiros contatos com os espaços produtivos,
objeto de nosso estudo, as atividades vinculadas ao acabamento das redes que descrevemos são
desenvolvidas não só no mesmo espaço de onde é confeccionado o corpo da rede. Essas
atividades são elaboradas nas casas e envolvem, principalmente, o trabalho da mulher, mas
também o trabalho dos homens, dos idosos da família, das crianças e adolescentes, ou seja, toda a
família acaba participando do processo produtivo. Daí se considerar relevante estudar a divisão de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
251
trabalho que tradicionalmente vem se dando no interior desses espaços produtivos, bem como
tem sido a organização e as relações aí desenvolvidas, buscando observar se as inovações técnicas
adotadas tem provocado algum deslocamento de papéis e atribuições entre os sujeitos
produtores, apreendendo, portanto, as imbricações dessa atividade produtiva na estrutura
familiar, buscando averiguar o que se modificou ou está permanecendo neste setor, após a sua
inserção na dinâmica da globalização.
É importante ressaltar que nos levantamentos iniciais realizados sobre essa realidade, não
encontramos estudos na região privilegiando estas questões, o que vem reforçando ainda mais a
significação de levarmos a frente as nossas buscas e ficarmos atentos às discussões que delineiam
em torno de um tema tão instigante, qual seja, as relações de trabalho, em especial, o trabalho
domiciliar e suas implicações sobre as relações familiares na atualidade, analisando o que isto
representa a nível local numa economia hoje sobre a batuta dos ditames da globalização.
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254
Mudanças e permanências:
sentidos e identidades do trabalho de lavagem de roupas em
uma economia tradicional e em uma economia de serviços moderna.
Andréa Monteiro da Costa131
Introdução
O texto que segue é resultado de um exercício de reflexão que busca compreender a
relação da trajetória de vida de uma mulher negra sexagenária e o empreendimento comercial
organizado por ela e suas filhas, uma lavanderia de roupas, a “Lavanderia Mãe e Filhas”. Nossa
intermediadora narrativa é Iêda da Silva Seabra, Dona Miúda, nascida de um tronco familiar de
negros que, fugindo das ameaças da seca no semi-árido, no início do século passado, deslocaramse para uma área rural no município de Parnamirim, hoje incorporado à dinâmica urbana da
Região Metropolitana de Natal. Mais adiante, apontaremos, com mais detalhes, o lócus territorial
de nosso relato.
No presente trabalho não se encontrará uma discussão que faça um sobrevôo a partir dos
olhares teóricos das visões macro-sociológicas. Aqui, na medida do possível, será possível
vislumbrar um passeio pelas trilhas pessoais indicadas pela personagem principal. Isso se traduz
em uma postura epistemológica que não pretende fazer elaborações teóricas. Tampouco nos
guiamos pela elaboração de um discurso eloqüente, o qual tende a assumir uma posição de
superioridade na promessa de salvar a vida dos homens comuns, impondo ao mundo dessas
pessoas uma forma e um conteúdo que lhes é estranho. Nesse sentido, pensamos que uma busca
objetiva, distanciada e compreensiva, pode ser entendida como um olhar que enxerga como as
grandes discussões, especialmente aquelas que pautam o campo do estudo do trabalho nas
ciências sociais contemporâneas, como é o caso das “transformações do mundo do trabalho”,
chegam no universo da vida cotidiana. E, igualmente importante, um tipo de análise como o aqui
pretendido pode nos ajudar a entender de que modo as pessoas vivenciam, elaboram, e na
medida do possível tentam adaptar suas vidas, a essas modificações que mudam o chão social em
que elas buscam se firmar.
131
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
255
Para cumprir o acima apontado, apresentamos inicialmente o território no qual estão
inseridos os personagens (ou, mais precisamente, a nossa personagem principal, D. Miúda) e, em
seguida, apontamos alguns elementos que buscam responder aquela que é a nossa questão
central: como a mesma atividade (lavagem de roupa) laboral adquire sentidos e serve de base
para identidades sociais distintas em contextos sócio-econômicos distintos? Saliente-se ainda que
os referentes empíricos que embasam o presente trabalho originam-se das seguintes aventuras de
investigação social: a) um trabalho etnográfico sobre uma matriarca de uma família residente na
localidade de Moita Verde, área rural engolida pela mancha urbana da região metropolitana de
Natal, situada no município de Parnamirim, e, há alguns anos, identificada em um mapeamento
feito pelo departamento de Antropologia da UFRN, como “comunidade quilombola”; b) as
observações etnográficas e os registros que captamos quando participamos como pesquisadora
auxiliar de uma pesquisa não diretamente relacionada ao mundo do trabalho, mas na qual essa
temática não deixava de aparecer fortemente (tratava-se da pesquisa “Saúde e sofrimento social:
a inserção da população negra do RN no SUS”; c) por último, e mais significativo, nos registros já
realizados da história de vida da filha mais velha da matriarca acima mencionada os quais
servem(servirão) de referentes empíricos para o nosso trabalho de dissertação no Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFCG.
Faz-se necessário também um certo exercício de auto-objetivação. Este trabalho
conta/reconstitui uma história de mulheres. Ou, mais precisamente, a história de uma mulher, D.
Miúda escrita por uma outra que, em certa medida, vivenciou o tempo das antigas lavadeiras. Que
tempo? Aquele em que as mulheres com um maior poder aquisitivo, quando precisavam desse
tipo de serviço, mandavam um recado por alguém (ao já pré-estabelecia certo dia da semana)
para a vinda da lavadeira às suas casas.
Um último esclarecimento antes de prosseguir: neste trabalho não utilizamos pseudônimos
ou esconderemos a identidade dos “informantes”. E essa atitude é fruto de uma negociação com
nossas personagens. Algo que se traduz, obviamente, em potencialidades, mas também em limites
na escrita. Para D. Miúda e suas filhas, o registro que estamos empreendendo com a nossa
pesquisa tem uma importância no resgate de suas trajetórias. Em relação às últimas, dado que
algumas ainda trabalham como domésticas ou diaristas, para deixá-las livres de quaisquer
cobranças ou constrangimentos posteriores, evitaremos identificá-las textualmente. Poderíamos
ter seguido outro caminho, mas “objetivo” e, certamente, mais próximo dos cânones da produção
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
256
nas ciências sociais, mas, nesse caso, teríamos que lidar com uma perda: o envolvimento e o
interesse dos personagens em (se) apresentarem (nas) as suas narrativas.
O lugar e os personagens: todos estão em permanente construção
Se os atores estão em permanente (re)construção, o mesmo ocorre, algumas vezes, com os
lugares. E com o lugar onde se situam as pessoas que tratamos nesta narrativa não é diferente.
Moita Verde? Rio dos Negros? Sítio São Pedro? Os nomes emergem nas memórias de Dona Miúda,
e, mais amiúde, naquelas de sua mãe, Nazaré dos Santos Moura, Dona Nazaré.
Pode-se dizer que “Rio dos Negros” é a denominação que, segundo nossas interlocutoras, é
mais antiga e corresponde ao nome que identificava o lugar quando Dona Nazaré, então recém
casada com o seu marido, Moisés Crispiniano da Silva, veio morar aí, advinda de Capoeira dos
Negros, comunidade situada no município de Bom Jesus.
Um fato que deve ser realçado é que a família na qual focamos nossas observações é uma
constituída por pequenos proprietários de terra. E essas terras se situam às margens do Rio
Pitimbu. As casas dos habitantes locais, ainda hoje, estão nas proximidades desse rio, tão
importante para as atividades de trabalho e para toda a vida social dessa comunidade, conforme
mostraremos mais adiante.
Esta situação, até certo ponto singular, de membros de uma população negra possuírem a
posse de uma faixa terra situada em uma área de há muito ambicionada pela especulação
imobiliária, envolve estórias e histórias. O que podemos asseverar é que, através de um processo
de negociação e mobilização de antigas relações de apadrinhamento, as pessoas da comunidade
conseguiram a posse de uma extensão de terra a qual foi repartida entre os filhos da primeira
geração que lá chegaram, formando um aglomerado de pequenos sítios. O nome da faixa de terra
onde residem Dona Nazaré, Dona Miúda e os núcleos familiares, é denominado de Sítio São Pedro
desde há muito.
Um primeiro fato histórico que redefiniu a dinâmica espacial desse lugar foi o acordo dos
governos brasileiro e norte-americano, durante a Segunda Guerra Mundial. Este impactou
enormemente a vida da cidade do Natal e entorno. Especialmente de Parnamirim, onde foi
construída uma base militar norte-americana, a Parnamirim Field. Não muito distante dessa
importante construção uma população de negros ali já viviam desde os fins do século XIX, em
terras concedidas pelo proprietário das terras da região, um português por nome de Manuel
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
257
Machado. Distante não mais do que quatro quilômetros, mesmo se de “mata fechada”, estavam
os moradores de Rio dos Negros. E, entre eles, Dona Nazaré, seu esposo e seus quatro filhos
pequenos.
Do lugar, relata-nos Dona Nazaré, ouviam-se os ruídos dos aviões em Parnamirim Field que
embora distantes das coisas e do cotidiano do seu mundo, tratava-se de acontecimentos
complicados para serem introjetados à lógica da dinâmica do então Rio dos Negros. Enquanto
nativos, essa população negra, que não aparece na historiografia oficial do contato dos
americanos com a população da cidade, foram impactados, diretamente ou indiretamente, pela
presença desse contingente de militares norte-americanos em seu território. Se para as elites
locais, esse contato significou conhecer novas possibilidades de consumo, seja da goma de mascar
ou do vocabulário dos “gringos”, para essa população negra essa situação significou a emergência
de uma possibilidade de trabalho remunerado. No caso das mulheres que se aproximaram das
famílias moradoras das vilas dos oficiais ofertando o trabalho de lavagem de roupas.
Naquele momento, Parnamirim ainda era um pequeno município que se estruturava
fundamentalmente em torno das atividades agrícolas. Mesmo a relação com Natal, não era tão
estreita. Basta lembrarmos que a capital do RN, até a instalação dos militares norte-americanos
em Parnamirim, não tinha ligação asfáltica com o seu entorno. Em Natal, chegava-se, quase
exclusivamente, de trem, navio ou avião.
Data desse período a importância da atividade de lavagem de roupas desenvolvidas as
margem do Rio Pitimbú (o “Rio dos Negros”) enquanto fonte complementar de renda familiar na
comunidade. Tanto que, finda a Guerra e desativada a base norte-americana, as mulheres da
comunidade continuaram tentando trabalhar nesse espaço, agora para famílias dos militares
brasileiros que assumiram a base. Esta ainda hoje existe e fica anexa ao Aeroporto Internacional
Augusto Severo.
Só muito recentemente, segundo uma de nossas informantes, no final da década de 1990,
o lugar passou a ser denominado de “Moita Verde”. “Foi invenção do prefeito”, diz-nos entre risos
Das Dores, uma prima da família, moradora do Sítio São Francisco, vizinho ao Sítio São Pedro.
É na segunda metade da década de 1990 que o lugar vai ser profundamente remodelado
com a construção, na área defronte, de um grande conjunto habitacional, destinado a moradores
de classe média baixa, especialmente trabalhadores dos setores de serviços. Este conjunto,
denominado Jockey Clube, tem cerca de mil unidades residenciais. Sua construção redefiniu o
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258
mapa da região, além de implicar na presença de um grande contingente populacional em área
anteriormente usada livremente pelos moradores de Rio dos Negros para recolher lenha ou soltar
pequenos animais, implicou também na atração de outros empreendimentos imobiliários nas
imediações. O mais recente deles, um condomínio fechado, com casas destinadas a moradores de
maior poder aquisitivo, e denominado, como ocorre quase sempre com empreendimentos
imobiliários destinados a esse setor, com um nome em inglês: Water View.
Uma das conseqüências dessas transformações sócio-espaciais foi que a área hoje
denominada Moita Verde, situada em terreno mais baixo do aquele em que se situa o conjunto
Jockey Clube, transformou-se num escoadouro de suas águas. Quando no período de fortes
chuvas, o Sítio São Pedro é dividido por um riacho de águas fortes que sai como faca cavando o
terreno com profundas fendas erosivas. Sendo as águas chuvosas
fenômenos naturais, a
população de Moita Verde percebe-se impotente e sem saber a quem culpar pela erosão de suas
terras. Essa situação, em si, pode ser tomada como uma metáfora do encontro dessa comunidade
com o mundo mais além.
Assim, ao deixarmos a rua (no caso, Mar da Galiléia) e adentrarmos o espaço do sítio,
defrontamos com o que nos lembra uma vida comunitária. Na maior parte do dia, com exceção do
período do dia em que o sol se faz mais inclemente, mulheres, homens e crianças estão reunidos
próximos a algumas árvores situados no centro do ajuntamento de casas do sítio ao lado da casa
de Dona Miúda. E exatamente anexo à casa desta um espaço foi destinado a Lavanderia Mãe e
Filhas. Acima, em linhas gerais, descrevemos o lugar, trata-se agora de apresentar as nossas
personagens.
Dona Nazaré é uma ativa nonagenária. Em trabalho anterior identificamo-la como a
“Matriarca do Rio dos Negros”. De fato, a própria existência do sítio é fruto de sua tenacidade e
luta. Muito cedo, seu esposo, Moisés, faleceu. Só e com quatro crianças pequenas tomou conta da
terra e resistiu às investidas de familiares do marido, e de pessoas estranhas, para que deixasse as
terras ou vendesse a terceiros. Para garantir a sua posse, conscientemente resolveu não se casar
mais para não perder a legitimidade de ser a herdeira de uma terra que era do marido, sendo
parte das terras dos outros membros de sua família.
Aos poucos tornou-se uma das figuras centrais dessa comunidade ou usando as categorias
nativas do lugar, “naturalmente tornou-se uma cabeça”, sendo articuladora de uma atividade que
reunia até recentemente as pessoas da maioria dos sítios vizinhos: as novenas do mês de maio.
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259
Dissemos “reunia”, pois, nos últimos anos, com a adesão de membros da família à igrejas
evangélicas, essa atividade passou a não ser mais tão unificadora da vida social como antes. Mas
os seus aniversários reúnem a todos, como foi o caso daquele em que comemorou os noventa e
dois anos e ao qual tivemos a oportunidade de estarmos presentes.
Dona Miúda, identificada mais acima, é a única filha de Dona Nazaré. Tem sessenta e cinco
anos, e, há pouco mais de um ano, é viúva. É mãe de nove filhas e avó por hora de 13 netos e
netas. Vem assumindo as funções de condutora da família e é a principal responsável pela
instalação e funcionamento da Lavanderia Mãe & Filhas.
A in-corporação das disposições do trabalho de lavadeira
Lembra-nos D. Miúda “eu comecei a trabalhar com 10 anos ajudando tia Geralda. Ela
pegava as roupas nas casas lá em Parnamirim, nas casas dos sargentos, trazia pra lavar aqui no rio
da gente. Quando chegava no rio, separava, eu lavava as minhas, engomava e depois ela olhava.”
Essa tia lhe passava calcinhas, guardanapos e pequenos panos. Sua tia lhe dizia: “Miúda, lave
essas roupinha que depois eu dou uma gorjeta pra tu”. Inicialmente D. Miúda sempre exercia a
atividade de lavagem de roupa sob a orientação e a gestão dessa tia. Quando tinha 13 ou 14 anos,
dado que havia aumentado a demanda pelo serviço de lavagens de roupas na região, a mesma tia
lhe disse: “você agora vai ser responsável por sua roupa. Agora ela não era mais a responsável,
tudo que houvesse era comigo”. Num primeiro momento, nas primeiras lavagens, o ganho
auferido com o trabalho, ela destinava à aquisição de roupas para os períodos festivos. Essa
situação será redefinida com a morte do pai. A partir desse momento, que pode ser tomado como
um marco, o que era apenas um meio para aquisição de bens secundários para ser uma atividade
fundamental para garantir as necessidades básicas de seu núcleo familiar, composto por uma
viúva e quatro filhos.
Ela continua na atividade até o momento o casamento. Nos primeiros tempos de casada,
Dona Miúda dedica-se exclusivamente aos cuidados da manutenção da casa e das filhas que foram
nascendo, contando sempre com a solidariedade da mãe, D. Nazaré. Com o passar do tempo, ela
afirma que se deu conta do fato de que o marido tinha dificuldades de, sozinho, garantir as
condições mínimas para sobrevivência da família. Devemos recordar ainda que o seu esposo
devido ao seu trabalho, na área de construção de estradas e pavimentação de ruas, era levado a
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260
se ausentar durante longos períodos de casa. Essa situação, segundo D. Miúda, obrigou-a procurar
casa de família para oferecer seus serviços de lavagem de roupas.
Durante muito tempo, D. Miúda pegará as roupas nas casas das freguesas (essa é uma
categoria nativa intercambiável com aquela de “patroa”) e as lavará nas margens do Rio Pitimbu,
no fundo da propriedade da família. Quando as suas filhas ficaram maiores e tinha condições de
ficar em casa sozinhas ou com a avó, D. Miúda assumiu a lavagem de roupas em algumas casas de
um bairro localizado na cidade satélite de Natal, que era naquele período o lugar mais acessível e
que “tava rolando dinheiro” como diz D. Miúda. Nesses casos, ela tinha que sair ao raiar do dia do
Sítio São Pedro para tentar condução nos veículos que levavam os operários para as fábricas
situadas na zona sul da capital do RN.
A condição de “lavar roupa nas casas” redefine a situação da lavadeira. E isso ocorre
particularmente quando a lavagem ocorre regularmente em dias determinados da semana. Nesses
casos, é possível que a lavadeira vá assumindo um conjunto de outras tarefas relacionadas aos
cuidados e limpeza da casa. Embora D. Miúda ressalve que as patroas que a contratavam já
tinham empregadas domésticas fixas (para as tarefas usuais de cuidado da casa e das crianças da
família), muitas vezes, ela era vista e tida como uma auxiliar ocasional dessas empregadas. O que a
levava a fazer pequenas compras nas imediações, ou, atendendo os caprichos da patroa, cuidar na
elaboração de uma comida especial. Resgatando esse tempo, ela nos diz que a patroa fazia esses
tipos de pedidos porque “ela confiava em mim”.
Aos poucos, nos momentos de pegar roupa ou mesmo na execução da lavagem em
algumas casas, D. Miúda foi levando as filhas mais velhas para “ajudarem”.
As situações acima descritas apontam para o tortuoso processo de incorporação das
disposições que caracterizam um determinado lugar no mundo social. Seja de um operário, de
uma lavadeira, uma empregada doméstica ou de um professor universitário. Todas essas posições,
assumidas pelos agentes como se fossem escolhas livres, quase sempre, funcionam como se
fossem escolhas que já estavam esperando os momentos de escolha dos agentes. Bourdieu nos
aponta que “as expectativas coletivas’, positivas ou negativas, tendem a se inscrever nos corpos
sob formas de disposições permanentes”. (Bourdieu, 1999, p. 77). Isso não significa que o ator seja
um simples receptáculo das injunções do coletivo. Não raras vezes, ele se insurge, se revolta,
contra as “coisas do mundo”. Mas, na maioria das vezes, o ajuste entre as esperanças individuais e
as “ofertas” das estruturas sociais é confirmado.
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261
O que dissemos acima se aplica em especial à difícil relação que as filhas de D. Miúda
estabelecem com a condição de empregada doméstica. Se a “ajuda” à mãe, desde muito cedo, vai
solidificando as disposições da futura empregada, essa condição não é uma “escolha” feita por
agente que olha o mundo com distanciamento e faz as suas opções. Pelo contrário! Essa é uma
“escolha” que, algumas vezes, é percebida pelo agente como uma espécie de destino fatal ou uma
condenação. Nesse sentido, lembramos de quando D. Miúda nos falou do dia em que uma de suas
filhas foi ser empregada doméstica em uma casa de família em Parnamirim. “Ela chorou muito”,
disse-nos em tom de risada que ameniza o pesar.
Antes de avançarmos, faz-se necessário uma apresentação da evolução do processo de
lavagem de roupas. Sempre, claro, seguindo a interpretação fornecida pela reconstituição feita
por D. Miúda.
Lavagem de roupa: técnica e processo de trabalho
Uma primeira dimensão a ser ressaltada no que diz respeito ao processo de trabalho de
lavagem de roupas é exatamente o controle de sua execução. Há não mais do que três décadas, o
processo, quando desenvolvido na casa da “patroa”, implicava um grande controle sobre o tempo
e as formas de execução das tarefas. Como isso se dava? Um controle do tempo de execução da
tarefa ou de horário de chegada à casa da patroa para receber as roupas e entregá-las engomadas
se assim fosse a lavagem feita na cada da própria lavadeira. Uma constante vigilância sobre a
qualidade do trabalho com inúmeras recomendações sobre cada peça. Ou, ainda, o cuidado com a
quantidade de sabão ou produto alvejante para não ser gasto em excesso.
Essa situação vai sendo redefinida quando a patroa, ela própria, vai sendo inserida em uma
dinâmica social predominantemente urbana e absorvida seja pelo mercado de trabalho ou pelas
novas tarefas atribuídas à dona de casa em um contexto social moderno (pegar os filhos na escola,
acompanhá-los em atividade extra-escolar, fazer as compras no supermercado, estudar, etc.).
Esse quadro reforça um tipo de trabalho de lavagem de roupa que coexistia com aquele
descrito mais acima. Referimos ao trabalho executado na própria casa da lavadeira, ou em algum
lugar público – lavanderias coletivas, margens de rios e lagoas. Enquadrava-se nessa segunda
situação, como já apontamos antes, o tipo de trabalho realizado por D. Miúda durante uma boa
parte de sua trajetória da vida como trabalhadora. Nele, embora a pessoalidade estivesse
fortemente presente, havia certa autonomia na execução do trabalho por parte da lavadeira. Mas
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262
essa autonomia, ressaltemos, era uma condição a ser conquistada. Essa lavadeira, que havia
conquistado a “confiança” de levar as roupas sujas das famílias para lavar em casa, tinha que ter
demonstrado (ou alguém de sua família tê-lo feito e afiançá-la) ser merecedora da confiança e
responsabilidade.
Nas duas situações acima identificadas (em casa e na casa da patroa), a maioria dos casos
os produtos usados na lavagem eram fornecidos pelas patroas. “Tinha vez que umas (patroas)
botava pouco e tinha vez que outras botava franco”. O que implicava, no caso das lavadeiras que
desenvolviam o seu trabalho em seus próprios domicílios, uma racionalização no uso dos
produtos. Dado que o trabalho era executado em seu próprio espaço, essa lavadeira, como era o
caso de D. Miúda, tinha a possibilidade de remanejar o uso desses produtos.
No que diz respeito à seqüência das tarefas, havia, entretanto, pouca diferença entre as
formas assumidas pelo trabalho de lavagem de roupas na casa da patroa e aquele executado nos
domínios da lavadeira. Esse era, como assegura-nos D. Miúda, um “trabalho pesado” e
extenuante. Antes de prosseguir, é importante detalhar um pouco os passos constitutivos da
atividade.
Nas duas situações acima identificadas, tínhamos como primeiro passo o recolhimento das
roupas sujas, as quais, na muitas das vezes, estavam dispersas nos cômodos das casas. Após a
juntada das roupas, havia a separação: roupas, toalhas e lençóis de crianças daqueles dos adultos
e as peças brancas das coloridas, além daquelas feitas de tecidos leves das mais grossas. Feito isso,
as roupas eram amontoadas e amarradas em “trouxas” e levadas para os locais de lavagem. No
caso de D. Miúda, como o seu trabalho, durante um bom tempo, foi desenvolvido nos domínios do
Sítio São Pedro, isso implicava em caminhar alguns quilômetros com essas roupas na cabeça.
Quando uma de suas filhas ficou maior, em torno dos oito anos de idade, ela começou a levá-la
para “ajudá-la” na arrumação e transporte das roupas. Essa participação se repetiria também ao
final do trabalho, quando as roupadas prontas (“engomadas”) eram levadas para a casa da patroa.
Essas recordações compartilhadas durante as entrevistas desse trabalho, entre D. Miúda e suas
filhas carrega um sentimento de um trabalho árduo e ao mesmo tempo de superação. Uma
destas, entre gargalhadas, afirmou: “a gente sofreu muito. Ao meio dia, saia àquelas neguinhas
todas com as trouxas na cabeça para entregar a roupa. E, depois, quando chegasse, ia pegar lenha,
coisa que a gente odiava, pra fazer o fogo pra cozinhar fora de casa”.
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263
Trazida a roupa para o Sítio, D. Miúda encaminhava-se para as margens do Rio Pitimbu,
que cortava a propriedade rural da família, e lá a lavava e colocava-a para “quarar”. Após o
“quaramento”132, as roupas eram enxaguadas e colocadas para secar “nas moitas” próximas à sua
casa. Uma parte das roupas, aquelas que continham manchas e sujeiras mais evidentes, eram
fervidas em um grande caldeirão. Depois de frias, eram lavadas normalmente. As roupas brancas
eram imersas em uma bacia d'água contendo uma pedra de anil amarrada a um pano. A secagem
das roupas nas cercas não implicava em descanso para a lavadeira. Durante o período de secagem
da roupa, ela, ou uma de suas filhas, assumia a vigilância das roupas para impedir que algum
animal doméstico (especialmente caprinos e bovinos) pudesse manchar algumas das peças ou a
força do vento levá-las, já que naquele tempo as não fazia parte das preocupações do lugar o
perigo com roubos ou assaltos.
Após a secagem, as roupas eram dispostas em cima de uma grande mesa para serem
engomadas. D. Miúda tinha que ter preparado, com antecedência, carvão para ser usado no “ferro
de engomar”. O trabalho de engomar era igualmente cansativo. Passava-se o ferro
cuidadosamente por sobre as roupas, para impedir que um deslize pudesse significar a queima e o
grande prejuízo (financeiro, social e moral) que seria “botar a perder”, por exemplo, a “calça de
linho” do marido da patroa. Goma de mandioca era usada para garantir a perfeição das golas das
camisas. Assim, em cima da “mesa de passar”, tinha-se uma pequena tigela contendo esse
produto imerso em uma porção d'água. Mas, apesar de todos esses cuidados, acidentes ocorriam.
Uma fagulha ou uma brasa pequena poderia escapar pelas brechas do ferro e alojar-se em cima de
uma peça de roupa ou mesmo provocar a queimadura de pele. Finalmente, o uso do ferro exigia
destreza e habilidade. Era necessário manter as brasas que estavam no seu interior sempre
acesas, para que isso ocorresse D. Miúda possuía dois ferros, enquanto estava utilizando um o
outro se encontrava com as brasas perto do fogo.
No que diz respeito aos produtos utilizados na lavagem das roupas, a variedade de
produtos disponíveis para a atividade, ao contrário de hoje, era bastante reduzida. Os saponáceos
em formato retangulares que para D. miúda “parecia uma barra de rapadura, preto”. Esses
produtos eram produzidos em fabriquetas locais, geralmente tendo como matérias-primas
gordura animal. Outros, mais caros, eram feitos à base de gordura vegetal, especialmente extraída
da oiticica e do algodão.
132
Corruptela de “clareamento”. O termo identifica um processo tradicional de garantir a brancura das roupas.
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264
Gênero e valor do trabalho
D. Miúda, como todas as lavadeiras de Moita Verde, negociava com as patroas, como já
dissemos. Era, portanto, um “negócio de mulheres”, entre mulheres. Nem a atividade e nem o
pagamento diziam respeito aos homens. Estes apenas aparecem, como financiadores distantes,
ou, presenças em relação as quais, quando se está trabalhando como lavadeira ou doméstica, é
necessário manter uma prudente distância.
Essa situação diz muito do viés de gênero que atravessa todo o trabalho doméstico – e não
apenas aquele contratado e executado por lavadeiras ou empregadas domésticas. Este trabalho,
assim como tudo que lhe diz respeito, é visto socialmente como inferior, como menor. Logo, não
caberia aos homens, os “donos de casa”, a tarefa de negociar “lavagens de roupas”, mas, sim, às
suas esposas. Vale a pena reter aqui uma expressiva afirmação de Bourdieu a respeito desse tipo
de trabalho:
O fato de que o trabalho doméstico da mulher não tenha uma retribuição em dinheiro
contribui realmente para desvalorizá-la, inclusive a seus próprios olhos, como se este
tempo, não tendo valor de mercado, fosse sem importância e pudesse ser dado sem
contrapartida, e sem limites, primeiro aos membros da família, e sobretudo às crianças (já
foi comentado que o tempo materno pode facilmente ser interrompido), mas também a
Igreja, em instituições de caridade ou, cada vez mais, em associações ou partidos
(Bourdieu, 1999, p. 117).
A esse respeito, diga-se de passagem, que essa desvalorização social do trabalho doméstico
está tão fortemente enraizada nas estruturas de percepção do mundo que mesmo em ambientes
acadêmicos, supostamente críticos como aquele das áreas humanísticas, reproduz-se essas
considerações pejorativas a respeito do tempo que as mulheres porventura lhe dediquem.
Desimportante enquanto atividade, esquecido como objeto de pesquisa. E, em conseqüência
disso, avança-se pouco na compreensão de uma das esferas fundamentais da reprodução da vida
social.
Voltando ao nosso enredo, importa ressaltar que essa desvalorização do trabalho
doméstico, tão bem apreendida por Bourdieu, é demonstrada por D. Miúda quando ela narra
como se dava o pagamento de suas lavagens. Este, no seu caso, ocorria uma vez por mês. Ela
preferia assim porque era uma forma de ter um rendimento mensal. Era um sacrifício calculado.
Mas, a contrapartida, eram as frustrações advindas do não-reconhecimento de seu trabalho.
Algumas patroas sempre regateavam para pagar menos, e o pagamento mensal também fazia
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265
com que aquelas se valessem da lavadeira para realizar pequenos intercâmbios entre os membros
de sua própria família. Expliquemos: como a lavadeira era “dela” (patroa) e iria receber um
pagamento no final do mês, ela se achava no “direito” de “emprestar” a “sua” lavadeira para fazer
o trabalho de lavagem de outros familiares, nos dias aprazados para as lavagens. Isso significava
que D. Miúda sempre tinha muita roupa para lavar, e que estas roupas, nem sempre, eram dos
membros do núcleo familiar de sua patroa.
A desvalorização social do trabalho transforma o tempo gasto na sua execução (e produção
– já que, por mais óbvio que seja é sempre bom lembrar, lavar roupas exige habilidades e
treinamento) mais do que em um tempo diminuído de importância, em um não-tempo. E essa é
uma apreensão que D. Miúda ressalta lembrando de uma de suas patroas: na hora de receber o
pagamento era como se a patroa, ao pagar, estivesse fazendo um favor.
Todo mês, quando era dia de me pagar eu tinha que chegar de manhã lembrando, olhe
não esqueça, hoje é dia de me pagar. Muitas vezes eu ia trabalhar só com aquele
dinheirinho da passagem de ida, esperando receber o dinheiro de voltar pra casa. Dava
certa hora, ela dizia: vou ali. Saia, não voltava, não me pagava o mês, e a volta? Como é
que eu ficava?
Ao relatar essas situações, D. Miúda aponta-nos como elas lhe davam a sensação de
impotência e, diríamos nós, de diminuição social.
A própria negociação do pagamento se dava em um espaço que acentuava a desigualdade
na relação trabalhadora e patroa: na casa da última, não raro, na frente de parentes e amigos, que
sempre podiam contribuir com os argumentos diminuindo a importância do trabalho realizado.
Havendo situações em que um desses familiares disse certa vez: “D. Miúda, a senhora ganha mais
do que eu, que sou professora formada”.
Trabalho e reconhecimento: quando a lavadeira era uma pessoa
Pareceria muito óbvio que o trabalho de lavagem de roupas, quando executado na casa da
patroa, limita a autonomia da lavadeira, aumenta o controle sobre as suas tarefas e o tempo
gasto, além de comprometê-la com atividades que alheias ao seu trabalho. Entretanto, a
percepção dos atores nunca obedece segue à risca os esquemas rígidos de interpretação do
mundo cultivados pelo que o sociólogo Pierre Bourdieu, em algumas de suas obras, denomina de
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“senso douto”. E, quando ficamos presos às suas “boas indicações” o que perdemos é a riqueza da
vida social, que é muito mais contraditória e rica do que prevêem os “bem pensantes”. Não por
expressarem uma suposta “sabedoria popular”, mas porque apontam as teias complexas que as
pessoas tecem nas suas existências.
Assim, o que D. Miúda relata-nos, mesmo se levarmos em conta o fato de que as
reconstruções do passado tendem, muitas vezes, a idealizá-lo, é que as relações com as patroas
expressavam muitos e contraditórios aspectos. O que sobressai, no seu relato, é a exaltação da
pessoalização das relações. Mesmo se, nessas relações, o seu lugar social fosse diminuído, havia
ali alguns elementos de gratificação, dentre eles o reconhecimento. Reconhecimento de que se é
uma “pessoa séria”, “trabalhadora”, “cuidadosa”, “honrada” e “dedicada” e acima de tudo de
confiança. Esse reconhecimento se transformava, algumas vezes, em pequenas recompensas,
como um “extra” (uma pequena gratificação fora do que era esperado pelo trabalho realizado).
Ou, ainda, pequenos presentes, como roupas usadas que os membros da família da patroa não
mais queriam.
Mas essa pessoalização se traduzia, para D. Miúda, acima de tudo em ser reconhecida
como uma pessoa, alguém a quem se podia confiar alguns segredos familiares. Ela lembra que,
não poucas vezes, uma patroa desabafava com ela, e, em contrapartida, criava condições para que
ela também desabafasse e falasse dos seus problemas pessoais.
No que diz respeito ao trabalho, D. Miúda chama-nos a atenção para o fato de que,
embora existissem os aspectos negativos acima mencionados (controle e fiscalização do trabalho),
havia também uma tolerância que, hoje, nas encomendas feitas à sua lavanderia, não existe. Ela
refere-se ao tempo necessário para “aprontar a roupa”. Nas casas, quando chovia, a patroa não
tinha como cobrar que o trabalho ficasse concluído. Hoje, quem contrata os serviços da lavanderia
não quer saber e nem se preocupa com as condições do tempo. Quer o serviço pronto. E ponto.
D, Miúda relata que existiram relações de trabalho como lavadeira onde essa pessoalização
não se traduzia apenas em aspectos positivos. Ela fala-nos que, algumas vezes, ia para a casa da
patroa com uma expectativa positiva e, quando chegava lá, deparava-se com ela de mau-humor e
gratuitamente agressiva. E essa ainda é, segundo ela, o aspecto mais doloroso do trabalho
doméstico: “um dia, você vai e a pessoa está com um cara, lhe trata bem; no outro, parece outra
pessoa...”. Não era raro, que, segundo ela, algumas patroas “descarregassem as raivas do marido”
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nela. Mais doloroso ainda era se imaginar alguém próximo, de confiança, e passar pelo
constrangimento de ter sua bolsa aberta na hora da saída.
Essa pessoalização também implicava em um desleixo da patroa com o pagamento. Não
era raro, segundo ela, que, no dia aprazado para receber o pagamento, tivesse que ficar o dia todo
esperando que a patroa fosse pegar o dinheiro para lhe pagar. E ela precisava voltar com esse
dinheiro, dado que, “muitas e muitas vezes”, ia para a casa da patroa apenas com o “dinheirinho
contado” para pagar a passagem de ida.
Deslocamentos, sociabilidades e habilidades
O trabalho de lavagem de roupas na Base Militar por parte das mulheres de Rio dos Negros
(hoje, Moita Verde), que continuou, conforme vimos, após a saída dos norte-americanos, com o
tempo passou a ser não-desejado. Isso porque, mesmo estando próximo espacialmente do lugar
onde as lavadeiras moravam, era um espaço que impunha entraves ao transito delas. “Era muita
burocracia para entrar lá. O pessoal não gostava”, diz-nos D. Miúda. Esse fato, aliado ao
crescimento da cidade de Natal em direção ao sul, fez com essas mulheres trocassem o trabalho
na Vila dos Oficiais para o trabalho em casas da nova área de ocupação urbana da capital.
Em uma conversa com D. Miúda, na qual algumas de suas filhas participaram, esse
deslocamento de espaço de trabalho para Natal foi objeto de discussão. Além daqueles aspectos
já ressaltados, há uma dimensão, relacionada à sociabilidade, que vale a pena ressaltar. Segundo
elas, nos de 1970, eram poucas as opções de transportes coletivos para Natal. Dado que as
patroas não davam dinheiro suficiente para o pagamento dos ônibus das linhas intermunicipais
que atravessavam Parnamirim em direção à Natal, restava-lhes tomar os transportes mais baratos
(caminhões adaptados) que tinham como passageiros quase exclusivamente os operários das
fábricas então existentes na zona sul de Natal. Rindo muito, elas comentaram que os tais
transportes eram denominados de “cata cornos”. Mas reclamaram que os homens eram
desrespeitosos e que, uma ou outra vez, chegavam a ser inoportunos. “Eles falavam palavrões,
contavam piadas sujas e nem sempre tinham muito respeito”. Mas, ressalvaram que também
tinham “bons momentos” e que, não raras vezes, D. Miúda se divertia com o comportamento
desses companheiros de viagem.
O que importa ressaltar aqui é o fato de que o trabalho de lavagem de roupas permitia,
não apenas à D. Miúda e suas filhas, mas também a outras mulheres de Moita Verde, um convívio
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com outros “mundos”. Algo que se traduzia em encontros que implicavam na necessidade de
mobilização de habilidades como o autocontrole e a capacidade de negociação. Dada a forma
como as pessoas de Moita Verde eram encaradas pelos moradores do seu entorno, que os
consideravam “fechados” e “isolados”, essas idas para a Base Militar, e depois para Natal, seja
inicialmente como lavadeiras, e mais tarde como empregadas domésticas, lhes possibilitou
adquirir elementos que as diferenciam. Esses elementos, mesmo se traduzem, para um olhar
externo, subalternidade, como é o caso do orgulho de se ser uma “boa lavadeira”, contribuiu para
reforçar a sua auto-estima.
É importante realçar os aspectos acima, pois, corre-se o risco, ao se analisar trajetórias
como a de D. Miúda, de ao focalizarmos apenas os elementos expressivos da dominação
masculina e das discriminações racial e de classe. Nesse sentido, importa ressaltar o fato de que,
em que pese todas as percepções de exploração e humilhação, D. Miúda chama a nossa atenção
para o seguinte aspecto: o trabalho de lavagem de roupas permitiu às mulheres de sua família a
conquista de um lugar social mais positivo no seio da comunidade. Elas tinham algum dinheiro
para comprar roupas para os festejos. E, não apenas isso: também puderam mobilizar recursos
(materiais e simbólicos) para a instituição do “novenário de Maria” nos meses de maio. Essa
atividade, que ocorre todos os anos, implica em gastos (com comidas para os participantes), mas
se traduz também em prestígio social (e, não apenas no seio da comunidade de Moita Verde) para
essas mulheres.
Há que se destacar também o fato de que, ao trabalharem como lavadeiras ou empregadas
domésticas, as mulheres da família de D. Miúda conseguiram um status diferenciado na relação
com os seus maridos. Ao complementarem,
com os seus ganhos, a renda familiar, elas
conquistam um lugar mais positivo na estrutura familiar. Devemos levar em conta o fato de que
essa renda, em Moita Verde, era (e o é cada vez menos) oriunda de uma atividade agrícola e
pecuária decadente economicamente e dos trabalhos precários e provisórios dos homens em
obras públicas e em serviços domésticos ocasionais.
E é essa condição alcançada que, de algum modo, será mobilizada como um capital social a
ser mobilizado pelas mulheres da comunidade para afirmarem positivamente a sua negritude,
especialmente nas estratégias matrimoniais. A esse respeito, D. Nazaré, a matriarca da
comunidade, pode expressar publicamente sua preferência para que as netas se casem com
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pessoas negras e caso o casamento seja instituído com alguém de Capoeira dos Negros, esse
casamento terá um valor simbólico superior dentro da família.
A criação da lavanderia: a imersão na lógica da moderna economia de serviços
Quando, há cerca de seis anos, D. Miúda decidiu criar a lavanderia, o maior capital
disponível era intangível: habilidade para o desenvolvimento das tarefas e envolvimento em um
projeto familiar. A ausência de capital econômico era um obstáculo quase intransponível.
Expressivo nesse sentido foi o fato de que a instalação de uma linha telefônica, necessidade básica
para que os serviços da lavanderia pudessem ser contratados, só foi possível a partir de um
planejamento que envolveu o compromisso de cada uma das filhas de assumir, por um mês, a
conta telefônica. Isso porque, nos cálculos de D. Miúda, o “negócio” não iria se “pagar”
inicialmente133.
Planejamento, perseverança e adiamento dos prazeres imediatos, qualidades que são
fundamentais para a navegação social na ordem capitalista, como o demonstra uma ampla
literatura nas ciências sociais (bastaria citarmos Max Weber para conquistarmos a fiança para essa
afirmação!), são arduamente conquistadas. Ao narrar sua trajetória de vida, D. Miúda mostra-nos
os tortuosos caminhos de aquisição das disposições de uma trabalhadora (ou, como passa a ser o
caso aqui, de uma empreendedora) em uma economia moderna.
Essas disposições possibilitaram a que D. Miúda e suas filhas enfrentassem a desconfiança
geral em relação à iniciativa empresarial. “No começo, ninguém aparecia. A gente se perguntava
se o negócio não ia dar certo. E a gente ficava preocupada, tinha a conta do telefone para
pagar...”. Após quase dois meses, os serviços começaram a aparecer. E a necessitar do
envolvimento de mais pessoas, o que levou a uma gradativa diminuição do envolvimento de D.
Miúda inicialmente, e depois de algumas filhas, em trabalho nas casas das famílias. A lavanderia ia
absorvendo-as.
O lento processo de consolidação da Lavanderia Mãe & Filhas, quando lido a partir da ótica
das agentes, fornece novos elementos para pensarmos o peso da divisão do trabalho na
emergência da “cultura do dinheiro”, segundo a abordagem feita por Georg Simmel. A esse
respeito, vale a pena retermos o seguinte trecho de um dos ensaios deste clássico das ciências
sociais:
133
Hoje, todas possuem telefones celulares.
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270
O pagamento em dinheiro promove a divisão de trabalho, pois, normalmente, só se paga
em dinheiro para um desempenho especializado: o equivalente monetário abstrato sem
qualidade corresponde exclusivamente ao produto objetivo singular desligado da
personalidade do produtor. Não se paga (onde inexiste escravidão) dinheiro para um
homem como um todo com toda sua especificidade, mas sim para o seu desempenho
na divisão do trabalho. Por causa disso, a formação da divisão de trabalho precisa de
ampliação da economia monetária e vice-versa. A partir deste fato, explicam-se as
deficiências e contradições da relação moderna com os servidores de casa (as
empregadas, etc.); pois aqui se compra com dinheiro, de fato, ainda um homem por
inteiro, inclusive a totalidade do seu desempenho. (Simmel, 1998, p. 24).
Ora, em certo sentido, o que estamos abordando aqui, tendo como suporte a narrativa de
D. Miúda, é exatamente a passagem da compra de um “homem (mulher) por inteiro” (a lavadeira)
para a aquisição de um “desempenho especializado” (a lavagem de roupa através de um serviço
agenciado por uma empresa, mesmo pequena). Se a divisão do trabalho está na base dessa
redefinição que é a transformação do “desempenho” (ou da “força de trabalho”) em mercadoria,
há que se levar em conta outra pré-condição que é a disseminação social da calculabilidade.
Nesse sentido, vale a pena relatarmos aqui uma cena presenciada quando de uma das
nossas visitas ao Sítio São Pedro. Pelo telefone, uma das filhas de D. Miúda, explicava o preço da
lavagem com uma “cliente”134, como nos explicou mais tarde, já que não conseguimos disfarçar o
interesse pela sua conversa. Após explicações sobre a forma de lavagem, ela passou a fazer o
cálculo do custo total do serviço. Descriminando as peças que a pessoa do outro lado da tinha
enviado para que fossem lavadas, ela as agrupou de acordo com uma classificação padronizada
pela lavanderia (roupas íntima, lençóis, jeans, roupa de cama, etc.), e, com o auxílio de uma
calculadora e do caderno de anotações, informou o custo total: R$ 23,00. Após esse anúncio, a
pessoa do outro lado da linha ao que parece tentou regatear o valor. Ela, inflexível, respondeu:
“olha, o preço é esse. Essa é a nossa tabela! Faça as contas!”. Segundos depois, o contrato estava
fechado: “pronto! Daqui a pouco mando entregar ”.
Dessa forma, podemos dizer, tendo em mente as colocações de Simmel mais acima, que p
funcionamento da lavanderia fez com que D. Miúda e suas filhas fossem gradativamente saindo de
relações de trabalho marcadas pela pessoalização, e colocando-as na condição de vendedoras de
134
A substituição do termo “patroa” pelo “cliente” é significativo e expressa como as “categorias nativas” traduzem a substituição
de uma lógica social tradicional por uma outra na qual centrada nas relações de mercado.
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271
um desempenho específico. O contato com as (ou os, já que, agora, homens assumem a
negociação dos contratos de lavagem) contratantes, feito muitas vezes por telefone, resume-se a
pegar e devolver a roupa na sua casa. Outras vezes, esses clientes, em automóveis, vêem ao Sítio
São Pedro entregar as roupas.
O (não) lugar dos homens
O declínio das atividades agrícolas em Moita Verde, agravado pela degradação ambiental
do Rio Pimtimbu em meados da década de 1990, foi tornando os homens da comunidade mais e
mais dependentes dos serviços temporários. Alguns poucos conseguem trabalhos estáveis. Essa
situação foi levando a atividade desenvolvida pelas mulheres a passar da condição de
complementar para central. Em alguns núcleos familiares, são elas as responsáveis pelos gastos
mais importantes da casa.
O que apontamos acima contrasta com o quadro traçado em memorável trabalho
etnográfico por Ellen Woortman, no qual o declínio das atividades agrícolas em uma comunidade
pesqueira no litoral sul do Rio Grande do Norte fez com que as mulheres saíssem de uma situação
de complementaridade para outra de dependência (Woortmann, 1991). No nosso caso,
entretanto, não se verifica, por outro lado, uma situação de dependência dos homens, mas de
contribuição inferior ao orçamento doméstico. Por outro lado, para eles, as atividades agrícolas e
pecuárias se perderam valor econômico ainda são fonte de valor simbólico e afirmação da
masculinidade. Assim, podemos perceber o esforço que fazem para mostrar a importância das
tarefas de carpina ou cuidado dos animais (bois, cabras e porcos). Em uma de nossas visitas, em
um final de tarde, um dos homens desfilava vagarosamente com um boi, o qual, anunciava, iria
vender naquele dia.
Do nosso ponto de vista, ao articularmos a obra de Florestan Fernandes com aquela de
Bourdieu, como o fez para enfatizar uma discussão mais teórica Sousa (2003), podemos nos
acercar melhor dessa “inadaptação” do mundo masculino de Moita Verde à lógica subjacente à
economia de serviços. Eles não incorporaram algumas das disposições fundamentais para a
navegação social nesta ordem, como, por exemplo, a auto-disciplina, a calculabilidade,
pontualidade, receber e cumprir ordens e a capacidade de negociação. Habilidades adquiridas
pelas mulheres pelas suas trajetórias como trabalhadoras modernas no novo urbano emergente
em Natal e região.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
272
Um fato, relatado por D. Miúda, é ilustrativo daquilo que, em linguagem de Fernandes
(1965), seria definido como ausência dos pré-requisitos sócio-psíquicos necessários para o transito
em uma ordem competitiva. Segundo ela, no início da lavanderia, tentou-se incluir os homens.
Mas não dava certo, mulher... Veja só: um dia, o marido da minha menina foi pegar a
roupa numa casa e pôs-se a demorar. Passou a horas e nada dele voltar. Eu disse: ‘vamos
atrás!’. E aí encontramos a bicicleta encostada em uma parede de um bar e ele lá dentro,
conversando e bebendo. Imagina! A roupa lá vendo a hora carregarem.. Meu Deus! E aí
eu vi que não dava certo e tomei uma decisão: homem aqui, não! Até porque o nome da
Lavanderia é mãe e filhas
Conclusões
O texto aqui apresentado é a tradução parcial de um trabalho ainda em desenvolvimento.
Em que pese essa situação, podemos adiantar que o nosso trabalho busca apontar como o sentido
que os agentes atribuem às suas práticas e ao seu mundo pode contribuir para melhorar a nossa
compreensão das grandes questões sociais. Por outro lado, mesmo em condições de nãoreconhecimento e subalternidade, marcas do trabalho doméstico em nosso país, os agentes
conseguem mobilizar recursos simbólicos para garantir pequenos espaços de auto-afirmação e de
constituição positiva de suas identidades.
Já no que diz respeito às mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho, uma
investigação como a que estamos desenvolvendo, em certo sentido indo em contramão à leitura
pessimista feita por Castel (1998), aponta como também é possível a abertura de novas
possibilidades de afirmação dos/das trabalhadoras na economia dos serviços. Isso não significa
que a exploração e a subordinação, por novas formas, mais impessoais, não permaneçam, mas
que é preciso perceber que mudanças não somente negativas estão ocorrendo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
273
Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Külner. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução Iraci Poleti.
Petrópolis: Vozes, 1998.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Àtica, 1965.
SOUSA, Jessé. “(Não) Reconhecimento e subcidadania, ou o que é ''ser gente''? Lua
Nova, nº 5, 2003.
SIMMEL, Georg. “O dinheiro na cultura moderna”. In: Jessé Souza e B. Oëlze, orgs. Simmel e a
Modernidade. Brasília: Editora da UNB, 1998.
WOORTMANN, Ellen. “DA COMPLEMENTARIDADE À DEPENDÊNCIA:a mulher e o ambiente em
comunidades “pesqueiras” do Nordeste”. Série Antropológica, nº 111, 1991.
Relações de Trabalho, Modernização e Organização Sindical:
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
274
A experiência dos Portos do Rio de Janeiro e de Santos
Maria Dalva Casimiro da Silva135
As relações de trabalho no cais do porto a partir da modernização
As relações de trabalho no interior do porto foram demarcadas pela implantação da Lei
8.630/93, ou, mais precisamente Lei de Modernização dos Portos. Pretendia-se através de
investimentos financeiros para novos equipamentos, como guindastes e esteiras facilitadoras do
movimento de carga, elevar a produtividade, ou seja, otimizar a atividade com menos custos, a fim
de garantir a competitividade entre os portos. Tal processo implicava em uma mudança não só na
estrutura do trabalho portuário como também na sua organização. Os portos, a partir de então,
passaram por profundas transformações, afetando a vida de inúmeros trabalhadores – tanto
daqueles que eram empregados do setor estatal, quanto daqueles que trabalhavam na condição
de avulso. Diga-se de passagem que o processo de reformas portuárias em curso nos portos do
Brasil, passou a definir novos papéis ao poder público e à iniciativa privada. As mudanças no
relacionamento entre os diversos agentes envolvidos na atividade portuária, como os vários níveis
de governo, arrendatários, operadores, trabalhadores, entre outros, foram profundamente
sentidos dentro de um cenário que se configurava na imposição de novos padrões tecnológicos e
gerenciais.
Em sua trajetória os sindicatos possuem como marca registrada o eterno dilema de serem
representações expressivas das classes trabalhadoras ao mesmo tempo que incorpora em sua
estrutura, características completamente corporativistas, o que lhe é peculiar mediante às
demandas e imposições do Estado e da classe empresarial. De acordo com Guilherme Marques136,
a estrutura sindical brasileira subsiste desde a sua criação, ou seja, desde a primeira metade do
século – especialmente na ditadura Vargas. Tinha-se como base, já a partir deste período, um
sindicalismo corporativista, definido pelo Estado e por ele regulado, baseado em sindicatos de
categorias específicas delimitadas territorialmente, como é o caso do sindicato dos trabalhadores
135
Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Universidade Federal Fluminense – UFF
136
Livro “O Novo Sindicalismo – A estrutura Sindical e a Voz dos Trabalhadores – 1977 a 1995” – Editora Adia, 2000.
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275
portuários avulsos. Com relação a estes, veremos mais precisamente a partir da concepção dos
trabalhadores, como mudaram o seu perfil a partir do momento em que perderam a sua
hegemonia no processo de escalação dos trabalhadores portuários avulsos.
Problematizar
as
relações entre os sindicatos, os operadores portuários na figura do OGMO e os trabalhadores
portuários avulsos, torna-se tarefa imprescindível, haja vista os acontecimentos da década de 90
que afetaram desde a implementação da Lei 8.630/93, o andamento do processo de
modernização de cunho puramente neoliberal137, de precarização do trabalho e de desconstrução
da cidadania da grande massa de trabalhadores 138. Nesse momento, o movimento sindical e
grevista, tanto no porto do Rio de Janeiro quanto em Santos, recolocou a classe trabalhadora na
cena social e política do nosso país.
A modernização portuária e o início das demissões em massa
A intensificação das tensões nas relações de trabalho no cais do porto teve início com um
movimento empresarial que reivindicava a “modernização” (privatização) por fim instituída pela
lei 8.630 de 25 de fevereiro de 1993. Faziam-se licitações para administrar por arrendamento os
terminais de contêineres, num ambiente de competição entre os operadores.
Os investimentos voltados para a agilização das operações, com vistas ao aumento da
produtividade, embutiam um propósito de reduzir o contingente de trabalhadores. Com a meta de
utilizar menos pessoal, até se chegou a propor um programa de indenização, para estimular o
desligamento voluntário; pretendia-se suprimir pelo menos a metade do quadro. Contudo, os
trabalhadores portuários naquele momento, não se interessaram por tal programa: não cogitavam
de indenização e sim de preservar o seu trabalho. Mesmo assim, a redução do contingente se
processava, visto que a automação redundava numa solicitação menor de mão-de-obra para as
tarefas portuárias. Se não se conseguia reduzir na proporção pretendida de 50%, pelo menos um
137
Considerado como uma ideologia e como uma política econômica, o neoliberalismo se tornou a figura mais adequada para o
capital nessa nova fase de desenvolvimento, nas palavras de FILGUEIRAS (1997), tanto em uma órbita microeconômica, como na
defesa da individualização das relações entre capital e trabalho, além da livre negociação sem algum parâmetro ou restrições e do
sindicato, quanto no nível macroeconômico, mediante a intenção de aniquilamento de todas as barreiras que impediam a livre
mobilização do capital, bem como a reorientação do Estado no sentido de viabilizar todas as formas de flexibilidade intencionadas
pelo capital.
138
De acordo com FILGUEIRAS, Luiz A. M. (1997), “a crise do fordismo, a partir da década de 70 anuncia, com todas as
conseqüências daí advindas, a crise de um determinado “modo de vida", a quebra de um pacto social, caracterizado pela busca do
"pleno emprego", por uma certa estabilidade no trabalho e por amplas garantias sociais. É justamente a destruição desse "modo
seguro de se viver", construído entre a Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 70, que dá origem ao profundo "mal-estar"
específico deste final de século”.
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276
quarto dos trabalhadores acabou desistindo do porto, em decorrência da precarização das
condições de trabalho. Muitos trabalhadores foram incentivados a se aposentarem, visto serem
“amparados” pela legislação previdenciária com relação à aposentadoria especial pela
insalubridade da atividade laboral.
Para os empresários, porém, isso não era suficiente. Todavia, para ir além, era necessário
enfrentar os sindicatos portuários, especialmente o dos estivadores, e promover a
desregulamentação das relações trabalhistas no porto.
Foi assim que se estabeleceu um sistema que levava em conta o fato de serem os
estivadores trabalhadores “avulsos”, não vinculados a uma companhia determinada através de
contrato: diversamente, eles se apresentam todos os dias ao porto, oferecendo seus serviços às
agências de navegação que eles necessitem. Nessa condição de “avulsos” representava-os o seu
sindicato. Era este que contratava os serviços e os distribuía entre os seus associados, além de
administrar a vida jurídica, econômica e previdenciária de cada um deles. Essas relações de
trabalho estavam definidas e reguladas na Seção VIII e no artigo 258 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
Tratando-se de um serviço irregular, sazonal por razões diversas, o artigo 258 da CLT,
combinado com uma Portaria do Ministério do Trabalho, determinara que a admissão de novos
sócios ao Sindicato se fizesse apenas quando, durante um mês, cada estivador tivesse trabalhado
mais que um certo número de horas. Nesse caso, trabalhadores matriculados não pertencentes à
corporação poderiam ser convocados e encaminhados ao Sindicato para a devida sindicalização,
obrigatória para o exercício da profissão de estivador.
Os estivadores se apresentavam e eram escalados para o serviço, sendo essa incumbência
solicitada ao Sindicato, cujo representante formava a equipe a ser enviada para cada navio,
levando em conta inclusive a adequação física dos componentes dela.
Foi justamente contra esse vínculo com o sindicato – particularmente a intermediação para
escalar a equipe de serviço solicitada – que o empresariado do porto privatizado pela Lei 8.630/93
investiu. O sistema lhe parecia retardar o objetivo da obtenção da “competitividade” através da
utilização de menos mão-de-obra, uma vez que as equipes recrutadas incluíam segundo sua
opinião, mais trabalhadores que o necessário.
A própria Lei 8.630 já sinalizava nessa direção anti-sindical, confirmada em 1998 pela Lei
9.719. Assim, pelo novo método, a escalação dos portuários era transferida para o Órgão Gestor
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277
de Mão-de-Obra – OGMO, entidade controlada pelos empresários, sendo responsável pela gestão
dos trabalhadores no cais do porto. A partir de então, intensificaram-se pressões de toda ordem.
A relação Sindicato – OGMO no processo de modernização portuária
Em dezembro de 1999 foram divulgadas as conclusões de um estudo elaborado pelo Banco
Mundial acerca da lei brasileira de modernização dos portos. Nesse documento, a redução já
alcançada do contingente de mão-de-obra era considerada insuficiente. Para atingir o nível
adequado, propunha-se a reformulação das relações trabalhistas, sob a pretensa alegação de que
na situação vigente os terminais eram levados a admitir número excessivo de trabalhadores.
Por sua vez, num artigo intitulado “A Equação Social dos Portos Brasileiros”, o presidente da
Associação Brasileira de Terminais Portuários observa que a modernização tecnológica acarretara
um problema social, pois parte da mão-de-obra portuária tornara-se “irreversivelmente
desnecessária”.
De acordo com o artigo, os empresários reclamavam do fato de serem obrigados a negociar
com os sindicatos que, na opinião patronal, escalavam muito mais trabalhadores que o suficiente.
Nas palavras de um operador portuário, “...hoje, o desembarque com guindastes em um navio de
contêineres exige 12 homens pelas regras acordadas com os sindicatos, quando apenas 5 seriam
necessários”.
O resultado insistia, “era a elevação dos custos e a diminuição da ‘competitividade’ do
porto”.
Determinados a cortar pela metade o contingente dos trabalhadores nos dois anos
subseqüentes, os operadores portuários informavam até que, preocupados com o resultante
“problema social grave”, já cogitavam de instituir um plano de desligamento voluntário, que
previa a formação de um correspondente fundo de indenização.
Em novembro de 2000, o Órgão Gestor de Mão-de-Obra tentava executar ele mesmo a
distribuição do serviço, mas os estivadores resistiram e no dia 27 de março, eclodia a greve. O
protesto foi motivado pela categoria dos trabalhadores portuários avulsos que considerava
evidente a incapacidade do OGMO em praticar a escala, visto que o critério a ser utilizado por esta
entidade seria o do mero rodízio numérico, enquanto os sindicalistas selecionavam os
trabalhadores também de acordo com a aptidão e condição física. Os trabalhadores paralisaram o
movimento de cargas no porto, destruindo as instalações e recursos materiais do OGMO, tanto do
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
278
Rio de Janeiro quanto do porto de Santos. O resultado foi um compromisso pelo qual o OGMO (ao
qual o dono do navio solicita os trabalhadores) assumia formalmente a atribuição de escalar, mas
aceitava a indicação dos trabalhadores feita pelo sindicato. Isso ocorreu no Porto do Rio de Janeiro
mediante muita resistência por parte dos sindicatos dos trabalhadores, que imporam profundos
entraves para os OGMOs assumirem suas funções. Voltando à entrevista com Eduardo Madeira,
ex-Diretor Executivo do OGMO, realizada pelo LabTec (Laboratório, Territórios e Comunicação), foi
elaborado, na ocasião, um Termo de Consenso, exatamente para que a escalação fosse efetivada
de maneira pacifica pelo OGMO, mediante o apoio das lideranças trabalhistas sindicais. Através
desse acordo, os sindicatos dos operadores e dos trabalhadores também discutiram a questão da
informatização, visto que no esquema daquele período, o trabalhador ia para o porto para
disputar a possibilidade de se empregar sem saber se trabalharia efetivamente. Com a
informatização, seria possível fazer a escala dos trabalhadores de forma automatizada, com
antecedência e sem a necessidade do trabalhador ter que ir ao porto sem saber se realmente
trabalharia, pois nesse caso, ele seria avisado previamente sobre os trabalhos que estariam
disponíveis (escalação virtual).
Assim se procedeu durante 120 dias, até que em março de 2001, numa nova investida, os
empresários obtiveram uma sentença favorável, mandando cumprir a lei federal 9.719/98, que
atribuía a escalação ao OGMO. Já no início desse processo, era visível o amplo caráter
desempregador do novo sistema portuário, o que passou a ser entendido pelos sindicatos dos
trabalhadores, segundo o ex-diretor do OGMO Eduardo Madeira. Uma vez sendo necessária a
redução do contingente de mão-de-obra a ser escalado, exigiam que houvesse alguma espécie de
compensação ao impacto social que seria gerado com esse “enxugamento” de mão-de-obra
requerida. A partir de então, os sindicatos começaram a pleitear que os empresários
apresentassem uma solução social para essa questão, através de novos incentivos, tais como
programas de capacitação profissional, a fim de que essa mão-de-obra pudesse sobreviver fora do
porto. É importante destacar que, segundo Eduardo Madeira, nem sempre o OGMO, e junto com
ele, os operadores portuários, conseguem atingir os seus objetivos visto ter “ainda” o sindicato
dos trabalhadores, muito poder político.
Com relação à redução da mão-de-obra portuária vinculada ao processo de modernização, o
presidente da Federação da Estiva e representante dos trabalhadores portuários no CAP – Ernani –
faz uma crítica ao sistema implantado também em entrevista ao LabTec:
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279
No Brasil, querem reduzir pessoal, mas utilizando os mesmos equipamentos, sobre os
quais foi estabelecida a composição dos ternos hoje vigente, sem mudanças tecnológicas
que a justifique. Essa redução de pessoal não vem acompanhada de uma discussão que
possa sanar ou atenuar os problemas sociais decorrentes da redução de postos de
trabalho.
Ernani compara a situação do Brasil a outros países que adotaram o sistema de
modernização portuária:
No exterior, há a garantia de um rendimento mínimo que permite ao trabalhador manter
certo padrão social. No Brasil, ainda estão defendendo junto ao governo a adequação
dessa recomposição dos ternos de modo que garanta certa proteção social.
Encaminharam uma proposta para ser criada uma “sobre-taxa” sob a manipulação das
cargas que permita gerar ao longo do tempo um fundo que garanta essa proteção social,
que se daria através de benefícios, incentivos, requalificação, etc. Enquanto isso, estão
solicitando ao Governo um empréstimo junto ao BNDES para poderem oferecer desde já
esses benefícios e que seria devolvido assim que o fundo pudesse oferecer algum retorno.
A respeito, seguindo as reflexões de OLIVEIRA (2003), de um modo mais geral, no Brasil, não
é possível falar de um Estado de Bem Estar tal como se observa na experiência internacional.
Porém, considerando-se as especificidades da experiência brasileira, a década de 30 representou o
período em que o Estado passou a intervir de forma mais explícita nas relações entre capital e
trabalho. É importante ressaltar, segundo a autora, que a partir do final do século XIX e das duas
primeiras décadas do século XX, houve um crescimento significativo das organizações e lutas
operárias no país, as quais conseguiram conquistar direitos essenciais, na sua maioria relativos ao
trabalho. Tivemos como exemplo o direito à organização e formação dos sindicatos, como o dos
estivadores, fundado em 1910; regulamentação da proteção relativa ao acidente de trabalho, em
1919 e a criação de caixas de Aposentadorias e Pensões.
Nos finais da década de 80 passamos a ter, por conta de adoção de uma política
perversamente neoliberal, uma relação de trabalho mais flexível, e, segundo POCHMMAN, com
fraca presença da organização dos empregados por local de trabalho, elevado excedente de mãode-obra e ausência de regras de contratação favorável aos trabalhadores. Esse conjunto de fatores
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280
acabou por inviabilizar a construção de um padrão de emprego comprometido com condições e
relações de trabalho democráticas.
A Modernização e os Sindicatos do Porto do Rio de Janeiro sob a ótica dos trabalhadores.
Abordaremos a seguir alguns pontos relevantes da história política e econômica do país que
influenciaram a trajetória e o cotidiano do sindicalismo brasileiro e portuário. Senão, vejamos:
No Brasil, para traçar a trajetória do movimento sindical, alguns estudiosos citam Arnaldo
Sussekind, membro da Comissão responsável pela elaboração da CLT nos anos 40 e primeiro
Ministro do Trabalho na ditadura militar, ao caracterizar a estrutura sindical brasileira:
corporativista, regida pelo monopólio da representação e pela obrigatoriedade do imposto
sindical. Essa foi a máquina montada por Vargas, fortemente atrelada ao Estado e
conseqüentemente: burocrata, assistencialista, apresentando carreirismo dos dirigentes,
colaboracionista e privilegiando a conciliação das classes139.
A criação das centrais sindicais, especialmente da Central Única dos Trabalhadores - CUT,
(cujo estatuto apresenta bandeiras socialistas) e as ondas grevistas entre 83 e 89 marcaram a
década de 80 como a “era” do “novo sindicalismo”, tratando-se de um forte movimento sindical,
com propostas e práticas notadamente classistas140. Sobre a nova forma de organização da classe
trabalhadora, pela sua capacidade de pressão política e social, ALVES (2000:123) afirma que este
movimento impôs ao capital, a necessidade de retomar o controle do trabalho, reconstituindo
tanto a hegemonia na produção, como novos tipos de controle do trabalho. Além disso, o caráter
classista do novo sindicalismo vinculado à CUT, apresentava obstáculos a cooptação ideológica e
política das novas lideranças operárias e sindicais.
Neste sentido, na estrutura do complexo portuário do Rio de Janeiro, é notável a
semelhança entre esta e a que ALVES (2000:187) descreve relativa ao sindicalismo brasileiro.
Segundo a autora, o sindicalismo,
139
Cf. BADARÓ (1998:58); o sindicalismo populista começou a se fortalecer no início dos anos 50 e atingiu seu auge na década de
60. Ficou conhecido por se subordinar à ideologia nacionalista e ser atrelado ao Estado, ser politicamente reformista, conciliador,
não-classista, mas colaboracionista. Entra em crise em 1964, desaparecendo em sua forma original assumindo, no entanto, formas
mistas de acordo com o novo panorama político-institucional do país.
140
Cf. ALVES (2000:289), este movimento representou uma nova prática sindical de organização de base, da construção da
intervenção operária nos locais de trabalho e o que Iran Rodrigues chamou de comissões de fábricas, comissões de empresas,
conselhos de representantes dos funcionários e comissões de garagem.
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281
É uma estrutura descentralizada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos
municipais, em sua maioria pouco expressivos, com exígua capacidade de barganha, com
parcas iniciativas e formas de ações unificadas. Finalmente, é uma estrutura verticalizada
com muitas dificuldades de se articular numa perspectiva horizontal mais ampla
(2000:282).
Embora muito cautelosamente e sem pretensão de generalizar os dados, as informações
recolhidas situam o quadro de organização dos trabalhadores portuários avulsos do Rio de
Janeiro, dentro de uma perspectiva, pelo menos, semelhante ao conjunto do movimento sindical
brasileiro, cujo principal sintoma é o de uma imensurável crise de identidade.
Pode-se observar quão fragmentados estrutural e politicamente, estão. A forma como se
constituem (sindicatos por ofícios), os torna mais vulneráveis e sensíveis aos fatores sociais, que
não só influenciam como muitas vezes podem até determinar a trajetória do movimento,
caracterizando, o que os estudiosos chamam de crise do sindicalismo no mundo e no Brasil.
Especificamente, nota-se nos referidos sindicatos, como reflexo de uma crise generalizada, uma
crise de identidade de representação política dentro das diversas categorias. Como conseqüência
mais visível, algumas importantes atribuições antes suas, passaram para a responsabilidade do
órgão (OGMO) criado estrategicamente pelo governo Federal, que conta com o apoio dos próprios
trabalhadores. Este fato se confirma pelo depoimento de alguns estivadores: “Hoje em dia é o
OGMO que faz tudo, o sindicato não faz nada”.
Muitos questionam qual o real papel sindical em uma relação de trabalho considerada
caótica, principalmente como forma de obtenção de dignidade e respeito ao trabalhador
portuário avulso. A esse respeito, dois estivadores141 falam sobre o sindicato:
Acho um absurdo você descontar 10% do seu trabalho para um órgão (sindicato) que não
te dá retorno... Da estiva ainda temos um apoio, mas e dos outros sindicatos? Do bloco? O
cara não tem uma clínica, não tem uma sede, não tem nada. Então o que acontece, eles
descontam 10% para engordar o presidente (do sindicato). Porque não temos nenhum
retorno. (...) O sindicato se tornou, na minha concepção, um cabide de emprego. Então, o
que acontece, não adianta nada eu descontar da minha folha 10% para uma entidade, se
eu não tenho retorno, eu não tenho!.
141
Entrevista coletiva realizada em 06/11/2001, com estivadores do Porto do Rio de Janeiro, no Armazém 18.
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282
Outros trabalhadores, mais incisivos afirmam: “Sindicato não serve para nada”.
Em resposta à questão “quais seriam as funções do sindicato”, os trabalhadores
demonstraram seus “reais” anseios: conseguir plano de saúde, melhorias apenas básicas, sejam
pessoais ou profissionais. Embora saibamos que existem outros elementos que determinam esse
estágio de consciência, podemos perceber como alguns trabalhadores sinalizam a incorporação de
uma lógica individualista, destituída de um outro sentido ou consciência de classe, tão comum
porque tão bem trabalhada na sociedade capitalista em que vivemos e adotada por consideráveis
parcelas do sindicalismo brasileiro. ANTUNES (1988), de certa forma, explica este fato, a partir de
sua reflexão sobre os níveis da consciência de classe:
A consciência proletária é uma longa distância que vai da falsa consciência, presa à
ideologia dominante e limitada pela imediatidade, até o máximo de consciência possível,
que corresponderia à percepção da totalidade concreta e sua possibilidade de superação
revolucionária, o que somente é possível quando a classe operária apodera-se da teoria
revolucionária, fornecida pelo marxismo e transforma-se na única classe capaz de destruir
o capitalismo e iniciar a transição para a sociedade sem classes. É preciso lembrar a
impossibilidade de tal distância ser pensada de forma linear e evolutiva: ela deve ser
concebida como um processo com fluxos e refluxos, onde ora são predominantes os
momentos da falsa consciência, ora se está próximo da consciência verdadeira. (ANTUNES
Idem:22).
ANTUNES discute as repercussões da reestruturação produtiva e a crise no sindicalismo
brasileiro apontando a mudança de direção, de classista para corporativista. Este fato é bem
explicado por COCCO em sua obra “Trabalho e Cidadania: do fordismo ao pós-fordismo”. Nela o
autor fala sobre o desnorteamento das organizações sindicais por não terem previsto os impactos
das transformações econômicas e globais sobre a composição da classe. Tenderam, pois, a se
apegarem aos segmentos sociais mais organizados localizados na administração pública,
revestindo-se desse modo, de uma roupagem conservadora e corporativista.
Nessa perspectiva, a crise do sindicalismo brasileiro atinge também o universo da
consciência, da subjetividade, do trabalho e suas formas de representação. Os sindicatos estão
aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão defensiva. Abandonam o sindicalismo
de classe dos anos 60/70, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que
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283
em geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando os aspectos fenomênicos desta
mesma ordem; abandonam a perspectiva de luta pela emancipação do gênero humano, operando
uma aceitação também acrítica da social-democratização, ou o que é ainda mais perverso,
limitando o seu debate ao universo da agenda e do ideário neoliberal. Há outras conseqüências da
automatização, da flexibilização e deste complexo de mudanças no processo de produção e de
trabalho: paralelo à redução quantitativa do operariado tradicional, altera-se a qualidade na forma
de ser do trabalho - a substituição do trabalho vivo pelo morto, transformando o trabalhador em
supervisor e regulador do processo de produção. Assim, “se por um lado houve uma
intelectualização do trabalho, por outro lado inversamente nota-se uma desqualificação e mesmo
subproletarização, expressa pelo trabalho precário, informal e temporário”. (ANTUNES 1997:78).
Percebe-se uma grande insatisfação dos trabalhadores em relação ao órgão que os
representa politicamente. Ao se referirem às suas funções, notamos uma visão pontual e
corporativista, o que parece ser reflexo de uma política mais ampla de sujeição dos órgãos de
classe à lógica capitalista e neoliberal. Assim, aberta a lacuna de uma anterior política sindical
classista142, esses trabalhadores tentam responder às suas demandas primeiras de sobrevivência,
cuja responsabilidade o Estado capitalista se liberou. Neste sentido, os trabalhadores reclamam:
“Não vai dizer que eles estão brigando pelos ‘meus interesses’ que eu discordo”.
Desta forma, parece-nos que a organização dos trabalhadores portuários no Rio de Janeiro
carece de uma visão totalizadora e histórica que possibilite a adoção de táticas de lutas
condizentes com as aspirações e necessidades deste grupo especifico, porém que o faça,
associando-as às aspirações de libertação da classe trabalhadora, que segundo Marx, é a sua
missão.
Por outro lado, há de se admitir que os sindicatos que adotam tal postura classista também
vivem esses mesmos problemas. Isto nos coloca uma questão, que nos distancia de uma conclusão
determinista. Parece que este quadro político-ideológico do sindicalismo brasileiro está muito
ligado à reestruturação produtiva, mas o que fazer para desmontá-lo? Sem a menor pretensão de
respondermos a tão complexo problema, podemos, todavia, apontar algumas pistas. Neste caso
concordamos com CRUZ (2000), ANTUNES (1998) e ALVES (1991), sobre a urgência dos
142
Cf. Maria Almeida, “O novo sindicalismo, traduzia em demandas por maior autonomia o anseio profundo de afirmação de uma
identidade operária, forjada na experiência do degredo político e de uma cidadania social de segunda classe, que convivia como
florescimento de uma sociedade de consumo”. In BADARÓ (1998:66).
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284
trabalhadores assumirem de fato o papel que lhes cabe enquanto classe. Tal concepção nos
aproxima da teoria marxista, tendo esta, o papel de nos fornecer elementos de explicação da
realidade social, sob o ponto de vista da classe, além de nos trazer respostas efetivas sobre o
destino da humanidade.
Assinala-se aí, nossa preocupação com a debandada desta direção da grande maioria dos
principais atores sociais, incluindo a principal central dos trabalhadores, a CUT. Com a investida
neoliberal, a ela tem se subordinado, voltando-se ainda para uma lógica mercantil e corporativista,
distanciando-se das suas primeiras bandeiras, de matizes socialistas, presentes em seu estatuto.
Sobre o assunto, BOITO (1994, 96) afirma que:
A CUT desde o seu surgimento, como movimento de massa transitou entre um
sindicalismo que ‘tendia’ à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras
contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista do Estado
burguês brasileiro - ou pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto
fundamental da política de desenvolvimento - para uma ação na qual os diferentes
setores da classe trabalhadora, isolam-se em suas reivindicações específicas,
desenvolvem uma nova segmentação corporativista e procuram reduzir as perdas de seu
setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando as reduções das perdas
implicam a aceitação ativa da política pró-monopolista e pró-imperialista.
Dados como esses não nos permitem creditar uma solução isolada para qualquer
categoria143. Entretanto, podemos vislumbrar pistas dos sujeitos que tentam retomar a direção de
um movimento sindical classista em termos de totalidade. Aponta o presidente da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Transporte Marítimo, Aéreo e Fluvial (CONTIMAF) Severino
Almeida Filho:
A indústria de portos está atravessando uma crise mundial. O processo de globalização, na
ótica dos principais interessados em sua implementação rápida, passa pelo desmonte da
organização dos trabalhadores da orla portuária em qualquer lugar do mundo. Foi o que
aconteceu na Argentina, no Uruguai, no Chile. Dizimaram, literalmente, a organização dos
trabalhadores. Daí que, depois desses anos da Lei dos Portos, cresceu entre os
trabalhadores e suas lideranças, a consciência da necessidade da unificação de ações e das
143
Esse termo retrata o nível de fracionamento a que a classe trabalhadora chegou, atendendo aos interesses da burguesia. Esta
divisão tem o objetivo de facilitar as investidas burguesas diante das reações isoladas dos grupos, impedindo a reação de todo o
conjunto da classe, o que seria mais forte e perigoso.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
285
entidades sindicais. Há vontade política de aglutinar forças. Uma estrutura única, que é a
discussão que vem sendo travada, terá um peso político formidável. As intersindicais que
se formam nos portos, e não tenho dúvidas de que alcançarão todos os portos, é uma
demonstração inequívoca dessa vontade dos trabalhadores de elevarem suas lutas a um
novo patamar.
Mário Teixeira, presidente da Federação dos Conferentes, Consertadores, Vigias e
trabalhadores do Bloco, chama à resistência e unificação de forças:
Nosso papel, portanto, tem de ser o de resistência, e caminhamos rapidamente para a
unificação de nossas forças no país e no mundo, como já a fizeram os empresários.
Quando não há negociação, há luta. A história humana ensina isso.
Outra alternativa pode ser vislumbrada na entrevista de um trabalhador portuário avulso
do Rio de Janeiro: “... nós temos uma comissão onde estamos correndo atrás de um direito para
alguns estivadores cadastrados, que é o nosso caso”.
Apesar de tê-lo argüido, poucas informações a este respeito foram acrescentadas. Então
perguntamo-nos: estariam retornando as organizações por local de trabalho? Tática essa de
legítima resistência, muito utilizada mundialmente nos momentos de fragilidade e de repressão
aos trabalhadores. De qualquer forma, como já vimos em ANTUNES, a consciência parte da
imediatidade, podendo vir a alcançar um nível revolucionário.
Ainda tentando pontuar as tendências, não só no complexo de sindicatos do Porto do Rio de
Janeiro, mas atendo-nos à organização sindical da classe trabalhadora em seu conjunto, podemos
situar algumas respostas que mesmo incipientes ou iniciantes, acreditamos poderem traduzir um
pouco do novo perfil do movimento sindical. Vejamos:
Considerando todos esses dados e a despeito de teses neoliberais como a de Leôncio
Rodrigues, que conclama as lideranças sindicais a “se flexibilizarem como os empresários” e que
anuncia a inexorável tendência do sindicalismo a se incorporar à lógica do capital, concordamos
com Iran Jácome quando afirma: “a forte tradição coletivista do século XIX, que serviu para
consolidar o Estado de Bem-Estar na 1ª metade do século XX, ainda não foi inteiramente
desmontada pela tentativa de ajuste neoliberal do capitalismo contemporâneo”. RODRIGUES
(1999:232).
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286
Ainda contra a tese de Leôncio Martins sobre a decadência histórica irreversível do
sindicalismo, Boito contrapõe afirmando que o recuo sofrido por este movimento, representa sim,
um refluxo e não sua decadência, parecendo esta, já ter superado seus momentos mais difíceis, o
que levou o sindicalismo a importantes mutações. Segundo ele, arrefeceram importantes setores
operários, tanto da indústria, como dos serviços (portos, ferrovias), mas por outro lado, emergiu
um novo proletariado de serviços, assinalando o já consolidado sindicalismo de classe média,
principalmente no setor público. Esse autor chama a atenção para o novo sindicalismo industrial
que apareceu no hemisfério sul, graças ao vertiginoso processo de industrialização dos últimos
anos nesta área e na América Latina. Aponta ainda que o crescente desemprego sem amparo do
Estado, fez surgir ou ressurgir vários movimentos populares: de desempregados, dos Sem-Teto,
voltando inclusive ao cenário político, o movimento camponês. Para Boito:
Sustentar que o movimento sindical tem futuro, não significa ignorar as lutas populares
emergentes. A esquerda deve valorizar esses movimentos, que devem, junto com o
sindicalismo, acumular forças para recomeçar a luta antiimperialista e anticapitalista.
Assim, antes de concluir este artigo, como ANTUNES, nos interrogamos:
como se efetiva, no contexto de uma situação defensiva, uma ação sindical que dê
respostas às necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de
uma estratégia anticapitalista e socialista? ... Procurará (o sindicalismo brasileiro) elaborar
um programa de emergência para simplesmente gerir a crise do capital ou tentará
avançar na elaboração de um programa econômico alternativo, formulado sob a ótica dos
trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho,
mas tendo como horizonte uma organização societária fundada nos valores socialistas e
efetivamente emancipatórios ? (1997: 72)
É de nossa intenção ainda, reafirmar a impossibilidade de uma saída para tão complexo
quadro ser conseguida isoladamente. Nossa única certeza é a de que a mesma deverá contemplar
toda a classe trabalhadora. Portanto, ao observarmos a realidade e a capacidade de organização
sindical dos trabalhadores portuários avulsos, podemos chegar à conclusão de que o movimento
sindical, em função de sua força coletiva como sujeito inserido no dia-a-dia dos trabalhadores, se
constitui na contemporaneidade, ainda que seguindo às determinações atribuídas pelo capital, em
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
287
um instrumento capaz de formular um novo projeto para a sociedade onde se possa aprofundar a
análise sobre concepções de vida, para a verdadeira emancipação política e humana do
trabalhador, ou seja, para o exercício pleno da cidadania.
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290
A violência anti-sindical como fenômeno regulador dos conflitos sociais,
territoriais e trabalhistas - Um estudo comparativo dos casos da
Colômbia e a Venezuela
Jana Silverman144
Apesar dos avanços normativos recentes no direito internacional do trabalho e a
propagação de conceitos como a “responsabilidade social empresarial” que em algumas das suas
formas apregoam pela instauração de relações trabalhistas baseadas no dialogo social, o
fenômeno da violência anti-sindical segue atingindo, açoitando, e transformando as realidades dos
trabalhadores sindicalizados em vários dos paises da América Latina. Segundo a Confederação
Sindical Internacional (CSI), a Colômbia continua sendo o país mais perigoso no mundo para
realizar o trabalho sindical, com outros paises latino-americanos como a Guatemala e a Venezuela
seguindo-la nesta lista da infâmia (Confederação Sindical Internacional, 2009). Esta violência
sistemática e sustenido no tempo age para inibir que os dirigentes e ativistas sindicais exercem
suas lideranças em defesa dos direitos trabalhistas e humanos tanto dentro dos lugares do
trabalho como na sociedade em geral. Em particular, a ameaça e a realização de fatos violentos
que violam os direitos fundamentais a vida, liberdade e a integridade pessoal dos trabalhadores
sindicalizados - que costuma ocorrer com mais freqüência precisamente em momentos de
conflitos trabalhistas como greves e negociações coletivas - servem para reconfigurar as relações
entre os sindicatos, empresas e Estado, assim criando uma nova forma de regulação dos conflitos
no trabalho através do terror e o medo, fora do arcabouço jurídico nacional e internacional.
Alem disso, a violência anti-sindical é utilizada como uma estratégia chave nas lutas por
controle territorial em determinados lugares onde atores semi-estatais e nao-estatais como
grupos paramilitares e máfias procuram se estabelecer como poderes hegemônicos no âmbito
econômico, político, e cultural. Através deste mecanismo cru e sangrento da eliminação física dos
sindicalistas, estes poderes territoriais emergentes não só consigam silenciar os reclamos para
melhores condições trabalhistas e mais transparência na gestão das empresas e a administração
publica, senão também quebrar o tecido social (e os valores éticos, princípios políticos, e memória
histórica encarnada em ele) construído pelas organizações sindicais e sociais da região em disputa.
144
Doutoranda em Desenvolvimento Econômico. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas
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291
Com um olhar especifico nos casos da Colômbia e a Venezuela, este paper tentará analisar
como a ausência, ineficiência ou parcialidade dos atores estatais, combinada com o desprezo
empresarial da atividade sindical, incorre na utilização da violência anti-sindical como mecanismo
regulador e punitivo em distintos territórios. Em particular, a pesquisa se concentrará na dinâmica
da violência anti-sindical nas regiões de Magdalena Medio na Colômbia e o estado de Bolívar na
Venezuela, onde atores estatais, nao-estatais, e empresariais competem para o controle político e
econômico sobre o território e seus recursos naturais abundantes, como petróleo e ferro. Nestas
duas regiões, se analisará como a desregulamentação e flexibilização do mercado do trabalho
complementa a estratégia da violência anti-sindical para frear o desenvolvimento social local e
concentrar ainda mais o poder e a riqueza nas mãos da classe dirigente.
Finalmente, se
apresentará as propostas oferecidas pelo movimento sindical para quebrar o circulo vicioso da
violência e instaurar processos de dialogo social e democratização nos territórios atingidos.
Este paper é uma primeira comunicação dos resultados preliminares de uma pesquisa em
curso sobre os impactos da violência anti-sindical nas relações trabalhistas na região Andina. A
metodologia de dita pesquisa combina a compilação de informações relevantes desde fontes
secundarias como a literatura acadêmica, documentos preparados pelas organizações sindicais e
de direitos humanos, e a prensa, com a realização de entrevistas qualitativas com atores-chaves
no campo, que foram feitas durante uma visita inicial a Caracas, Venezuela e Bogotá, Colômbia em
Abril de 2010.
O ressurgimento e persistência da violência anti-sindical na Colômbia e na Venezuela se
subscreve num contexto mais geral de reestruturação política e econômica em toda América
Latina, impelido pelo colapso do Bloco Soviético e a abertura das fronteiras comerciais,
geográficas, culturais e comunicacionais nacionais com o processo da globalização. Segundo Pilar
Calveiro, a transição do mundo bipolar da Guerra Fria a um mundo mais fragmentado e o mesmo
tempo mais interconectado tem significado uma reconfiguração das formas de organização do
poder político, as representações sociais, os valores e ate a violência (Calveiro, 2006, 360). Em
geral, as guerras convencionais entre estados têm sido substituídas por lutas contra inimigos
pouco institucionalizados e mais efêmeros como os terroristas, os narcotraficantes, e as máfias.
Aquelas guerras não são meras lutas pela dominação territorial através da violência física, mas
também batalhas para estabelecer uma nova hegemonia no plano ideológico e cultural.
Aceitando o conceito proposto por Gramsci, aqui interpretamos a hegemonia como a capacidade
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292
da classe social dominante de exercer seu poder não só com o uso das forças coercitivas senão
também através da imposição da sua visão do mundo, ou seja, sua filosofia, seus valores, seus
costumes, e seus imaginários (Macciocchi, 1976, 147). Na Colômbia e na Venezuela, hoje em dia
aquelas lutas para a hegemonia em determinadas partes do território nacional envolvem atores
fora do Estado e os partidos políticos tradicionais, como paramilitares, guerrilhas e
narcotraficantes no caso primeiro, e “tropas de choque” ligadas a agrupações governistas e da
oposição ademais de máfias criminais no segundo.
Para entender o fenômeno da violência anti-sindical também é preciso reconhecer que no
âmbito econômico, o mundo em geral e a região latino-americana em particular tenha vivido
durante as ultimas décadas uma profunda transformação, do paradigma do “consenso
Keynesiano” que significava nos paises periféricos a aplicação de políticas de desenvolvimento
industrial endógeno, a uma nova fase de acumulação capitalista imposta pelo “consenso de
Washington.” Este novo consenso implica a desregulamentação dos mercados de capitais, de
bens e serviços e também do trabalho, assim estimulando uma concorrência perversa entre paises
em via de desenvolvimento para oferecer a mão de obra mais econômica pelas empresas
multinacionais espalhadas pelo mundo que procuram deslocar sua produção a os lugares mais
lucrativos. Neste contexto, a estabilidade no emprego e as relações trabalhistas institucionais já
não são partes integrais da realidade dos trabalhadores latino-americanos, devido à flexibilização
dos contratos de trabalho, a subcontratação, o enfraquecimento dos sindicatos, e a negação dos
direitos a negociação coletiva e a greve. Tanto na Colômbia quanto na Venezuela, reformas
profundas as leis trabalhistas foram sancionadas nos anos 90 para codificar oficialmente a
implementação de este novo regime de trabalho precário e desprotegido (Vega Ruiz, 2003, 65).
Extra-oficialmente, a violência anti-sindical naqueles paises também serve o propósito de
assegurar a aplicação deste sistema de trabalho desregulamentado, alem de desanimar ações de
protesta por parte dos trabalhadores e suas organizações contra a flexibilização dos seus direitos
fundamentais.
Graças à implantação do novo modelo de trabalho desregulamentado, em combinação
com fatores políticos e estruturais herdados do passado, os movimentos sindicais da Colômbia e
da Venezuela se encontrem em situações de extrema debilidade, uma trajetória reforçada pelos
atos de violência aos quais os trabalhadores sindicalizados também são submetidos. Segundo a
Escuela Nacional Sindical da Colômbia, a Dezembro de 2009, só 810.114 trabalhadores neste país
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
293
são afiliados a uma organização sindical, chegando a uma taxa de sindicalização de apenas 4,2%
(Escuela Nacional Sindical, 2010). Em comparação, a taxa de sindicalização foi calculada em 9,3%
no ano 1984, antes da implementação da Lei 50 em 1990 que estimulava a contratação de novos
trabalhadores a curto prazo e através de contratos civis ou comerciais, assim impossibilitando a
incorporação de ditos trabalhadores na estrutura sindical do pais (Rios Navarro, 2006, 4). No ano
2008, 108.463 trabalhadores colombianos beneficiaram de novas contratações coletivas, uma cifra
que equivale a menos de 0,007% da população economicamente ativa. Também é importante
mencionar que todas as negociações coletivas realizadas no setor privado são por empresa,
devido à falta de regulamentação nas leis trabalhistas colombianas que permitiria negociações por
rama de indústria ou serviços. Os escassos trabalhadores que têm podido exercer seus direitos
fundamentais a afiliação sindical e a negociação coletiva se encontram dispersados em sindicatos
geralmente pequenos, com pouca influencia ou recursos. Segundo dados para o ano 2008,
existem 2.933 sindicatos ativos no pais, divididos entre três centrais (em ordem de tamanho, de
maior a menor, a Central Unitária de Trabajadores – CUT, a Confederacion General de Trabajo –
CGT, e Confederacion de Trabajadores Colombianos – CTC).
Sob estas condições, não e
surpreendente que o movimento sindical colombiano não tem podido articular ações eficazes para
contra-arrestar as seqüelas do desmonte das garantias trabalhistas nos anos recentes.
O movimento sindical venezuelano atualmente enfrenta algumas das mesmas dificuldades
que seus colegas colombianos, como a fragmentação organizacional, o declive na abrangência das
negociações coletivas, e o surgimento de novas formas irregulares de contratação como os
contratos de termino fixo e de concessão mercantil. Alias, com a chegada do poder do Presidente
Hugo Chavez no ano 1998, a crescente polarização política entre os defensores da “revolução
Bolivariana” do Chavez e os partidários da oposição tem dividido e enfraquecido ainda mais as
organizações sindicais.
Hoje, existem cinco centrais sindicais reconhecidas oficialmente – a
Confederacion de Trabajadores de Venezuela (CTV), ligada ao partido social-democrata Acción
Democrática e organização que lidera a oposição a Chavez; a Confederacion de Sindicatos
Autônomos (Codesa) e a Confederacion General de Trabajadores de Venezuela (CGT), de origem
social-cristão e também anti-Chavista; a Central Unitária de Trabajadores de Venezuela (CUTV)
ligada ao Partido Comunista Venezolano e com uma relação ambígua ante o governo atual; e a
Unión Nacional de Trabajadores (Unete), uma central criada no ano 2003 por seguidores do
Chavez mas ainda sem uma estrutura definida. Segundo dados para o ano 2000, a taxa de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
294
sindicalização no pais se encontrava em 17%; é provável que esta taxa tenha aumentado na ultima
década com o fenômeno da criação de organizações sindicais paralelas por parte de facções
políticas ligadas ao governo. Para ilustrar este ponto, as cifras do Ministério para o Trabalho e a
Previdência Social mostram que um promedio de 280 novos sindicatos foram registrados cada ano
entre o período 1994-1999, enquanto no período 2002-2007, se inscreveram um promedio de 539
novos sindicatos por ano (Arrieta Alvarez, 2009, 123). Apesar deste crescimento, os processos de
negociação coletiva tem enfraquecido no pais, com apenas 562 acordos coletivos registrados no
ano 2008 que segundo a ONG Provea alcançam uns 87.821 trabalhadores, que equivale a só
0,007% da população ocupada (Provea, 2009). Este fato pode ser explicado pela alta taxa de
informalidade no pais (medida ao redor de 45% da população empregada em maio de 2009), a
sobre-utilização de formas flexíveis de contratação, e também pela propensão do governo central
de negar a negociar e assinar contratos coletivos com os empregados públicos no setor da saúde e
da educação, uma tendência verdadeiramente preocupante.
Como se constatava anteriormente, a violência anti-sindical nos paises objeto de estudo
age para reforçar as debilidades organizativas e políticas dos sindicatos, incidindo como fator
decisivo nos conflitos e relações trabalhistas.
Este fenômeno é particularmente notável na
Colômbia, onde um genuíno genocídio lidado por atores estatais e suas forças para-estataias têm
dizimado o movimento dos trabalhadores nos anos recentes. 2.709 trabalhadores colombianos
têm sido eliminados fisicamente como resultado direto da sua atividade sindical durante o período
Janeiro de 1986 – Agosto de 2009, uma cifra apavorante que é incomparável e inimaginável
(Escuela Nacional Sindical, 2009, 20).
Segundo a CSI, nos últimos 10 anos, o numero de
assassinatos cometidos contra sindicalistas colombianos equivale a mais de 60% dos assassinatos
totais de trabalhadores sindicalizados a nível mundial (Confederação Sindical Internacional, 2009).
Alem dos assassinatos, a violência anti-sindical também assume a forma de outras modalidades,
como as ameaças de morte, as desaparecimentos, os casos de tortura, e os deslocamentos
forçados. É importante sublinhar que a maioria destes crimes acontecerem precisamente em
momentos de conflitos trabalhistas, como greves, protestos e negociações coletivas, então por
isso não podem ser classificados como uma manifestação duma violência indiscriminada e
acidental, produto colateral da guerra civil e a delinqüência no país (Correa, 2005, 51).
A violência sempre compunha parte das relações trabalhistas na Colômbia - o famoso
massacre dos trabalhadores das fazendas bananeiras no ano 1928 adaptado eloquentemente por
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
295
Gabriel Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão e só um exemplo de este legado histórico
sangrento. Os patronos e os políticos motejam os sindicatos abertamente como os responsáveis
pelo subdesenvolvimento e atraso do país por sua suposta função como “quebra-empresas”,
assim enegrecendo a imagem do sindicalismo no imaginário coletivo colombiano. Então, no
contexto duma sociedade altamente militarizada envolvida numa guerra civil desde o meio do
século XX, aquela justificação perversa serve para permitir a utilização da violência física como
outra estratégia, embora ilegal mas aceitada, na re-regulação das relações trabalhistas. Aquela
violência aumentou mais ainda a partir dos anos 80, no contexto dum ressurgimento da esquerda
(tanto armada como pacifica) no país. Para eliminar esta ameaça política, a oligarquia tradicional
estimulava a criação de exércitos paramilitares quem não só disputava o controle territorial com
grupos guerrilheiros em distintas áreas do pais, mas também tentava acabar fisicamente e
ideologicamente com os integrantes civis dos movimentos sociais da esquerda, incluindo os
sindicatos, através de atos horrorosos e sistemáticos de violência. Mais adiante examinaremos o
caso da violência anti-sindical na região de Magdalena Médio para entender melhor seus impactos
sóciopolíticos.
Hoje em dia, a violência anti-sindical na Venezuela também joga um papel principal na
desestabilização do movimento dos trabalhadores, enfraquecendo suas posições ante o Estado e
os empregadores.
Mas a diferencia da experiência colombiana, a utilização sistemática de
violações aos direitos a vida, liberdade e integridade física dos sindicalistas venezuelanos como
estratégia anti-sindical só começou a ser empregada nos últimos anos (após a chegada ao poder
do Hugo Chavez), e entre as formas de violações mais comuns se encontram não só os
assassinatos mas também as detenções arbitrárias e fustigamentos de dirigentes sindicais
envolvidos em conflitos trabalhistas. A aparência relativamente recente da violência anti-sindical
no país deve ao fato que, antes do triunfo eleitoral do Chavez em 1998, os lideres da CTV (a maior
central sindical venezuelana durante toda a segunda metade do século XX) tinham ligações fortes
com os partidos políticos tradicionais que alternavam no poder. Eles trocavam a promessa da paz
nos lugares de trabalho para suculentos benefícios clientelistas, como participação em instituições
tripartitas, o reconhecimento fácil de novas organizações sindicais, e ate subsídios diretos (Murillo,
2001, 36). Então em aquele momento as classes dominantes não precisavam utilizar estratégias
violentas para dominar o movimento sindical, preferindo assim comprar a coação dos sindicatos
através de prerrogativas políticas e financeiras.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
296
A violência anti-sindical só apareceu em grande escala no cenário venezuelano na ultima
década, com o pioramento das condições no mercado do trabalho, produto das reformas
neoliberais dos anos 90 e um aumento geral nos níveis da pobreza, e com a quebra das conexões
históricas entre o movimento sindical e os partidos governantes. Assim, no setor privado a
violência anti-sindical está usada como táctica suja na luta para o emprego e para o controle da
gestão nos lugares do trabalho, enquanto no setor publico, a violência serve para desacreditar e
debilitar as organizações sindicais que não subordinam seus reclamos às diretrizes políticas e
econômicas do governo. Segundo Provea, no periodo Outubro 2008 - Setembro 2009, 46
homicídios de trabalhadores sindicalizados foram registrados, alem de 33 detenções arbitrarias,
16 casos de fustigamento, e oito ameaças de morte (Provea, 2009). A contundente maioria dos
homicídios aconteceu entre trabalhadores do setor da construção civil, no qual os sindicatos
controlam em parte a escolha dos trabalhadores contratados por cada obra. Então esta violência
geralmente corresponde a uma luta intra-sindical para garantir a obtenção de postos de trabalho
para seus afiliados. Entretanto, também existe casos no qual o motivo principal da eliminação
física dos dirigentes sindicais era sua atuação contra a implantação de políticas de flexibilização
dos direitos trabalhistas, como o exemplo do assassinato em 2008 de três lideres sindicais no
estado de Aragua que protestavam à violação dos términos do acordo coletivo por parte da
empresa de bebidas e alimentos Alpina (Confederação Sindical Internacional, 2009).
Para o setor publico, a forma de violência anti-sindical mais utilizada é a detenção
arbitraria, aplicada pelo governo não só contra sindicalistas de correntes oposicionistas que
participam em atos políticos mas também contra funcionários públicos sindicalizados
reivindicando seus direitos trabalhistas fundamentais. Casos emblemáticos incluem a detenção de
dirigentes sindicais da empresa nacional de petróleo (PDVSA) e da companhia estatal do setor da
mineração Ferrominera Orinoco, por realizar atos de protesta e greve. É provável que se aumente
ainda mais o numero de este tipo de violações a liberdade pessoal e sindical, com a aplicação de
novas normas jurídicas, como o Artigo 56 da Lei Orgânica de Segurança da Nação (aprovada em
Dezembro de 2002), que proibi a realização de “atividades dentro das zonas de segurança, que
estejam dirigidas a perturbar ou atingir a organização e funcionamento das instalações militares,
dos serviços públicos, indústrias, e empresas básicas, o a vida econômica social do pais”, sob pena
de prisão.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
297
Tanto na Colômbia quanto na Venezuela, a violência anti-sindical tem uma forte
componente geográfica. Para as classes disputando o poder, ela serve como mecanismo para
reconfigurar as relações sociais e trabalhistas em distintos territórios capturados em situações de
conflito. Na Colômbia, durante as ultimas três décadas, uma dos epicentros do conflito armado e
da violência anti-sindical tem sido a região de Magdalena Médio, localizada no setor norteocidental do país, que abrange uns 35 municípios dos estados de Antioquia, Bolívar, Boyaca, César,
e Santander. A região é um foco da produção petroleira no país, alem de concentrar as atividades
produtivas da agroindústria da palma de óleo e a criação de gado.
Figura 1: Mapa da região de Magdalena Médio
Ademais, durante as ultimas 60 anos, Magdalena Médio tem sido um baluarte da esquerda
colombiana, devido principalmente à atuação sóciopolítica da Union Sindical Obrera (USO), a
historicamente poderosa organização sindical da indústria petroleira protagonista de grandes lutas
contra a privatização da empresa nacional de petróleo ECOPETROL e pelo desenvolvimento
integral da região. Graças em grande medida ao papel da USO, a partir da década dos 80, partidos
da esquerda como a Unión Patriótica obtiveram muitos simpatizantes na região, outras
organizações comunitárias, camponeses, de mulheres e de direitos humanos começaram a
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
298
florescer, e ate grupos guerrilheiros com presencia local como as Fuerzas Armadas Revolucionarias
de Colômbia (FARC) e o Ejercito de Liberacion Nacional (ELN) registraram um crescimento
significativo. Entretanto, os grandes fazendeiros e empresários procurava métodos para extinguir
este florescimento das organizações sociais e sindicais que ameaçava seu controle hegemônico no
território.
Pelo fato que nesse momento, o governo nacional encabeçada pelo Presidente
Belisario Betancur estava no processo de realizar discussões com a meta de chegar a um acordo
de paz com as FARC, o exercito oficial não estava em condições para lidar uma guerra suja contra a
nascente esquerda de Magdalena Médio. Então aqueles oligarcas da região, em aliança com
grupos de narcotraficantes, decidirem conduzir a repressão contra os sindicatos e forças da
esquerda por suas próprias mãos, formando em 1983 a Associacion Campesina de Ganaderos y
Agricultores del Magdalena Médio, que trás sua fachada de ONG albergava a coordenação do
primeiro grupo paramilitar na região, apinhado em recrutas, armas e recursos financeiros (Dudley,
2008, 113).
Alem disso, a Associacion contava com uma imprensa para tirar e distribuir
publicações incendiarias, sinalando as organizações sindicais e sociais de “guerrilhas” e
“comunistas,” apesar do fato que aquelas organizações não tinham ligações diretas nem com as
FARC nem com o Partido Comunista Colombiano.
Após a formação e consolidação dos grupos paramilitares nos anos 80, a matança
começou. Segundo os dados da Escola Nacional Sindical, aproximadamente 190 lideres e ativistas
sindicais de Magdalena Médio foram assassinados sistematicamente durante os anos 1986-2006,
quase sempre pelos paramilitares, mesmo que não se podia estabelecer precisamente quem era o
ator responsável pelo crime em todos os casos. A maioria das vitimas provinham da USO e dos
sindicatos das empresas de palma de óleo (Sintraproaceites, Sintrapalma, e Sintrainagro), mas as
organizações sindicais dos setores da saúde, educação, serviços públicos e ate os bancários
também foram atingidos (Escuela Nacional Sindical, 2007, 46). Muitos de aqueles crimes também
envolviam atos simbólicos de tortura, desenhados explicitamente a inculcar terror nos familiares e
companheiros sobreviventes. A época com a maior dispersão de violência anti-sindical abarcava
os primeiros cinco anos da década dos 90, com um numero decrescente de homicídios de
sindicalistas a partir do ano 1998, quando o processo de “pacificação” de Magdalena Médio (ou
seja, o estabelecimento da hegemonia inquestionável por parte das forcas da ultra-direita
personificadas pelos paramilitares e seus partidários) começou a chegar a seu final.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
299
Hoje em dia, os impactos desta violência anti-sindical ainda se sentem na região.
A
antigamente poderosa USO tem estado dizimado a uma fração a seu tamanho e peso político
anterior, devido a combinação da eliminação física dos seus dirigentes e as praticas de
subcontratação introduzidas por ECOPETROL. Ainda que seguem realizando ações de protesta
contundentes, o sindicato sofreu a demissão de dúzias dos seus lideres após a realização da sua
ultima greve em 2004 e não foi capaz de frear a privatização parcial da empresa em 2007. O caso
dos sindicatos do setor da palma de óleo é pior ainda – agora apenas 1,8% dos trabalhadores do
setor são afiliados a organizações sindicais que já não têm nem a capacidade de realizar
negociações coletivas com as empresas do setor (Silverman e Ramirez, 2009, 38). Na órbita
político, muitos dos caudilhos políticos da região têm sido implicados no escândalo da “parapolitica” que descobria a verdade sobre as ligações entre lideres políticos e paramilitares, com
alguns já sentenciados a anos de prisão por sua cumplicidade nos crimes mencionados neste
paper e outros. Os partidos da esquerda, e em particular o Pólo Democrático Alternativo (PDA),
têm perdido sua influencia regional. Por exemplo, o candidato do PDA pela Presidência registrou
cifras muito baixas de votação (por exemplo, 18,1% em Antioquia e 18,6% em César, em
comparação com o promedio nacional de 22%) nas eleições de 2006. A influencia política e
organizativa dos sindicatos e seus aliados nos movimentos sociais de Magdalena Médio parecer
ser irrecuperável.
No caso da Venezuela, a região que se tem consolidado em anos recentes como o foco
principal da violência anti-sindical e o estado de Bolívar, localizada na região nordeste do país. É o
maior dos estados venezuelanos, e o motor da sua economia é a indústria da mineração, com
produção em grande escala de ferro, mas também de bauxita, ouro, e diamantes. A população do
estado e das suas cidades principais, Ciudad Bolívar e Ciudad Guyana, vem crescendo devido a
fortalecimento da industria ferrosa, a expansão do porto de Ciudad Guyana sob o Rio Orinoco, e a
construção de varias barragens hidrolectricas.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
300
Figura 2: Mapa do Estado de Bolívar, Venezuela
A grande zona rural esparsamente povoada do estado de Bolívar tem sido por muitos anos
uma “terra de ninguém,” sob disputa por caudilhos locais e empresas transnacionais ávidos para
explorar seus abundantes recursos naturais. Aquele ambiente anárquico também e refletido nas
relações trabalhistas na região. Segundo a ONG Vicaria de Derechos Humanos, durante o período
2007-8, 61% das violações totais dos direitos humanos dos sindicalistas venezuelanos
aconteceram no estado de Bolívar (Vicaria de Derechos Humanos, 2009, 2). No caso da maior
empresa da região, SIDOR, sua privatização no ano 1997 significava uma redução no numero de
trabalhadores com contratos diretos de 18.000 a 4.500, acompanhada por uma ausência total de
processos de dialogo social e uma perseguição sem trégua contra os dirigentes sindicais. Em Abril
de 2008, o governo do Chavez anunciou a re-estatização da empresa como resposta as petições
dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo, a Policia Nacional estava ativamente reprimindo seus
atos de protesta a favor de um novo acordo coletivo, com 12 lideres sindicais detidos após uma
manifestação em Março daquele ano. Em outra empresa estatal localizada no estado de Bolívar, a
Ferrominera Orinoco, uma greve de 16 dias em apoio à campanha salarial sendo realizada em
aquele momento desdobrou em a detenção arbitraria dos lideres do sindicato (Sintraferrominera).
Atualmente, o Secretario Geral do sindicato Ruben Gonzalez leva oito meses na prisão, sob
acusações de danos ao patrimônio publico, instigação a delinqüir, e violação duma zona de
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301
segurança. Em ambos os casos, os dirigentes sindicais objetos da repressão por parte das forças
estatais eram simpatizantes ativos do governo de Chavez, assim que as motivações para sua
perseguição não pode ser reduzidas meramente ao tema partidário. Alternativamente, se pode
argumentar que ditos crimes foram perpetrados com o intento principal de subordinar os direitos
trabalhistas e humanos dos funcionários do estado (especialmente os que são empregadas em
setores economicamente importantes) à lógica quase-desenvolvista e autoritária do Chavez, cujo
interesse em tornar hegemônico e permanente seu projeto ideológico “Bolivariano,” lhe toma
precedência sob o respeito dos direitos humanos e trabalhistas internacionalmente adotados.
Fica mais fácil ainda sistematicamente desconhecer ditos direitos fundamentais em contextos
geográficos e históricos que faltam uma forte implantação do estado social do direito, como o
estado de Bolívar.
Para os movimentos sindicais colombianos e venezuelanos, são poucas as saídas possíveis
da armadilha da violência anti-sindical sistemática e duradouro. Eles concordam que alem de
frear os assassinatos, detenções arbitrarias, e outras formas de violações aos direitos humanos
dos sindicalistas, também é preciso quebrar as hegemonias ilegítimas implantadas em lugares
como Magdalena Médio e o estado de Bolívar e restabelecer a validade social e política das
organizações sindicais. Segundo a CUT Colômbia, isto requer que o estado fortaleça os programas
de segurança para dirigentes sindicais, agilize os processos judiciais contra os autores materiais e
intelectuais dos crimes, e dite sentencias exemplares para assim criar um efeito dissuasivo. Ao
mesmo tempo, a CUT pede que o governo deixe de estigmatizar e sinalar os sindicatos como
aliados da guerrilha e os responsáveis pela situação de guerra e pobreza no país, e que se instaura
um processo de reparação integral (política, jurídica e econômica) pelas vitimas individuais e
coletivas da violência anti-sindical (Central Unitária de Trabajadores, 2009, 40-1), nesta maneira
oferecendo a possibilidade do reflorescimento do sindicalismo e a recuperação de sua memória
histórica, que foi perdida entre as balas que destrocavam os corpos de gerações de lideres
sindicais colombianos. Para o dirigente sindical venezuelano Orlando Chirino da Unete, primeiro é
necessário que o governo reconheça que de fato existe uma situação grave em matéria dos
direitos humanos dos sindicalistas, e que depois se deve pôr em funcionamento uma comissão
tripartita para procurar soluções à problemática. Igualmente, se precisa frear a ingerência do
governo em assuntos sindicais como eleições internas e negociações coletivas, e o estado deve
parar de criar organizações trabalhistas paralelas que socavam ainda mais a legitimidade dos
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302
sindicatos. No curto prazo, nenhuma destas soluções será fácil de implementar, mas com unidade
de ação dentro do movimento sindical, vontade política por parte dos governos, e apoio desde a
comunidade internacional, talvez será possível num futuro não tão distante parar a violência antisindical em esses dois paises.
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Orlando Chirino, Dirigente Nacional de Unete, Caracas, Venezuela, 15 de Abril, 2010.
Rafael Uzcategui, Coordenador da Área de Pesquisa, Provea, Caracas, Venezuela, 15 de Abril,
2010.
Alberto Vanegas, Secretario Nacional de Direitos Humanos, CUT, Bogotá, Colômbia, 19 de Abril,
2010.
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304
“Sou metalúrgico, mas não sou de ferro:
a relação entre a Justiça e Sindicato no caso Sermetal”
Luisa Barbosa Pereira145
Orientadora: Elina da Fonte Pessanha
O presente artigo é fruto de uma pesquisa maior, desempenhada no âmbito do mestrado,
em que se procurou perceber de que maneira o Sindicato Metalúrgicos do Rio de Janeiro têm
buscado novas estratégias nos anos recentes para garantir os direitos dos trabalhadores de sua
base e a proteção social do Estado a partir do protagonismo do Poder Judiciário.
Tal objetivo foi perseguido através do estudo de um caso emblemático que envolveu
centenas de trabalhadores do setor naval, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, a Justiça
do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, a empresa Sermetal Estaleiros, e suas subsidiárias.
Diversas questões foram consideradas nessa pesquisa dentre as quais, o desenvolvimento
da indústria naval no Brasil, a luta dos trabalhadores por direitos sociais, a crise do chamado
Estado de Bem Estar Social, o desempenho econômico brasileiro no pós anos 80, a avalanche
neoliberal dos anos 90 e a intensa da flexibilização do trabalho, a aprovação da Constituição de
1988 e o substantivo aumento dos dissídios individuais no âmbito da Justiça (PESSANHA, 1985;
MORAES FILHO, 1978; THOMPSON, 1987; CASTEL, 2005; CARDOSO, 2003a; 2003b; WERNECK
VIANNA, 2008, entre outros).
Contudo, poupando o leitor, o presente artigo se concentrará especificamente no caso
estudado. Tal opção, certamente, trará prejuízos significativos à argumentação do texto. Suscitará,
provavelmente, questionamentos relevantes, que poderiam (ou não) ser sanados com a
publicação da pesquisa completa. Entretanto, ainda assim, me arriscarei aqui a pormenorizar esse
trabalho e compartilhar essa experiência bastante tímida e despretensiosa de pesquisa.
145
Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/UFRJ (PPGSA/IFCS/UFRJ). Mestre em Sociologia e Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia (PPGSA/IFCS/UFRJ)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
305
O Caso Sermetal
O caso em questão envolve cerca de 1.000 trabalhadores146 do setor naval, da empresa
Sermetal Estaleiros Ltda., que entre os anos de 2006 e 2009 tiveram seus direitos trabalhistas
descumpridos constantemente. Trabalhadores demitidos sem a liberação de suas carteiras de
trabalho; sem o pagamento das verbas rescisórias; do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS) e do Seguro Desemprego. Recolhimento do INSS, de mensalidades sindicais e do imposto
sindical sem o devido depósito. Trabalhadores efetivos sem receber seus salários integralmente,
sem ter seu FGTS depositado e de dezembro a junho de 2009, sem receber nada além da
passagem do dia de trabalho 147.
A relação dos trabalhadores com seu Sindicato – o Sindimetal-Rio, não era muito boa.
Trabalhadores acusavam o Sindicato de aliança com os diretores da Sermetal (ex-membros da
comissão de fábrica do IVI-CAJU) e encaravam com desconfiança a sua aproximação naquele
momento difícil.
Tal insatisfação era comum principalmente aos trabalhadores mais antigo do pátio – que
faziam parte ainda do Estaleiro Ishibrás, que está na origem da Sermetal. O Sindicato insistiu e a
situação de fato só melhorou quando dois trabalhadores 148 da Sermetal passaram a acompanhar
todos os processos e negociações no final do ano de 2008. Esses tiveram um papel central na
construção de uma relação harmônica entre o Sindicato e os trabalhadores149.
Primeiras Estratégias de Ação do Sindicato
Desde 2005 o Estaleiro vinha atrasando os salários dos empregados, realizando demissões
sem o pagamento das verbas rescisórias e sem a liberação da carteira de trabalho dos
empregados. A partir dos primeiros atrasos o Sindicato buscou dialogar com a diretoria da
Sermetal, visando solucionar o problema. A empresa normalmente estabelecia um prazo para o
pagamento dos salários e algumas vezes cumpria de fato o prometido. Porém, continuava sem
146
Considerando os trabalhadores demitidos desde 2006.
147
A empresa só pagava a passagem de um dia por vez, evitando assim que os trabalhadores gastassem o dinheiro da passagem
com qualquer outra coisa.
148
Ambos jovens. Um era técnico em segurança do trabalho e o outro técnico em projetos navais. Nessa pesquisa, foram realizadas
duas entrevistas com cada um deles. Esses serão referidos aqui como técnico em segurança do trabalho e técnico em projetos
navais.
149
Importante destacar que diferente dos outros trabalhadores entrevistados, mais ligados de fato ao processo de produção, esses
dois trabalhadores se referiam espontaneamente aos trabalhadores como “colaboradores” da Sermetal.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
306
depositar o FGTS e o INSS, pagar as verbas rescisórias, o imposto e a mensalidade sindical. Em
2008, os trabalhadores ficaram três meses sem salários, de janeiro a março.
Mesmo com um clima de distanciamento e desconfiança entre o Sindicato e a base de
trabalhadores da Sermetal Estaleiros, o Sindimetal começa a estimular o diálogo constante com os
trabalhadores, visando a resolução do fato. A empresa pedia tempo, garantindo que honraria seus
compromissos. O Sindicato chegou a evitar uma paralisação dos trabalhadores buscando
centralmente a negociação com a empresa e “entendendo” as suas dificuldades financeiras.
Tal ação do Sindicato veio amparada no compromisso firmado com a Sermetal em ter o
controle sobre as verbas que viriam a ser arrecadadas pela empresa. Essas, seriam primeiro
direcionadas aos trabalhadores, tudo isso sob a inspeção do Sindicato. Contudo a empresa não
cumpriu o combinado.
Conseguimos pagar uma parte dos salários dos trabalhadores, que já estavam atrasados
há um mês. A empresa manobrou por dentro, desviou o que tinha que desviar, e nós não
conseguimos que os trabalhadores, realmente, tivessem acesso àquilo que lhes é de
direito, o salário. (Presidente do Sindimetal-Rio, no dia 01 de junho de 2009 em audiência
pública na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro).
A Sermetal vinha recebendo encomendas de navios. Os diques nunca ficavam vazios, seja
para manutenção e reparo de embarcações, seja pelo simples atracamento – o que gerava receita
para a empresa pelo aluguel do espaço – a exemplo do navio nigeriano Tuma, atracado há dois
anos. Assim, a Sermetal afirmava aos trabalhadores e ao Sindicato que as dívidas seriam sanadas,
e estimulava-os a trabalhar ainda mais para a garantia do pagamento, colocando sempre o
término de uma encomenda como pressuposto para a efetivação do pagamento.
As negociações continuam, mas o Sindicato já começava a perceber que a empresa
utilizava a negociação para ganhar tempo, e impedir a intermediação da Justiça do Trabalho.
Foram feitas apenas algumas poucas homologações, mas a Sermetal não resolvia o problema de
fato.
Com o passar do tempo, a negociação do Sindicato visava emergencialmente a liberação do
FGTS e do seguro desemprego. A empresa, contudo, não correspondia a solicitação alegando que
pretendia recontratar os funcionários e pagar todos os atrasados. De fato a Sermetal tinha
perspectivas e encomendas à vista, entretanto não garantia na prática o pagamento dos
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
307
trabalhadores. Assim o Sindicato conclui que a negociação com a empresa dificilmente levaria a
alguma solução:
A Sermetal enrolou tanto a gente quanto os trabalhadores. Usava o Sindicato para
enrolar e se manter no pátio. O que está programado é aproveitar aquela área para fazer
uma reestruturação e adequá-la à modernidade. Com a demanda do Pré-Sal a carteira de
encomenda da Petrobras é imensa e esse estaleiro tem o maior dique seco da America
Latina que pode produzir embarcações de grande porte. A Petrobrás sabendo disso está
querendo desenvolver isso através de outros parceiros, empresários sérios (e não esses
da Sermetal)... O Rio de Janeiro tem perdido obras para outros Estados. (Entrevista com o
Secretário Jurídico do Sindimental-Rio dia 28 de maio de 2009).
Sem uma postura definitiva da Sermetal, o Sindicato então promove uma denúncia ao
Ministério Público do Trabalho (MPT) no ano de 2007 que inicia o Procedimento Preparatório de
Inquérito Civil150 n. 1679/2007 em face de Sermetal Estaleiros Ltda.
Importante destacar que o problema não envolvia apenas a empresa Sermetal. Outras
empresas, subsidiárias da Sermetal e que prestavam serviço para o Estaleiro, também se
encontravam na mesma situação. São elas: N. B. Arnautos Serviços Navais e Metalúrgicos e
Geminy Serviços Metalúrgicos Ltda. Além disso, a Sermetal desenvolve atividades nas
dependências de uma quarta empresa, a BRIC Brazilian Intermodal Complex S.A – BRICLOG (ExPoliporto)151.
O foco das denúncias do Sindicato era o não pagamento de verbas rescisórias a uma
coletividade de trabalhadores que prestavam serviços à Sermetal Estaleiros e às suas subsidiárias.
As denúncias, contudo, envolviam também os débitos das contribuições sociais, o pagamento das
férias, das gratificações natalinas, das integralizações dos depósitos ao FGTS, das diferenças no
pagamento de horas extraordinárias e suas projeções, das verbas rescisórias, e de honorários de
advogado.
150
O Inquérito Civil é um procedimento do MPT que tem como função produzir um conjunto probatório de efetiva lesão aos
interesses meta-individuais.
151
A BRICLOG ficou famosa no início do ano de 2008, no caso de roubo de HDs e notebooks da Petrobrás contendo informações
sobre as reservas de petróleo e gás na Bacia de Santos. Os quatro vigilantes presos eram trabalhadores da empresa.
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308
Uma resposta concreta do MPT, no entanto, demorou a acontecer. O Procedimento
Preparatório de Inquérito Civil só deu o seu parecer a favor da instauração do Inquérito em 10 de
junho de 2009152, quando a situação já ganhara proporções extraordinárias.
Pressão sindical, negociações e MPT
O Ministério Público do Trabalho buscou reunir provas que justificassem sua ação frente à
Sermetal Estaleiros para a instauração do Inquérito Civil. Dessa forma, realizou também audiências
entre as partes pretendendo colher depoimentos e promover conciliação. O MPT, contudo, não
conseguiu solucionar o problema.
À medida que a situação fica mais crítica, o Sindicato busca outras saídas e, com uma
postura ousada, procura em 2009 a empresa locadora do pátio – a BRICLOG – também credora e
autora de ação de despejo contra a Sermetal153.
A BRIC tem interesse em retirar a Sermetal com urgência do pátio, para arrendá-lo à
Petrobrás em uma operação extremamente lucrativa que envolve interesses do Governo Estadual
e Federal. Na área, está prevista uma grande reforma e as obras futuras seriam licitadas. Assim,
apenas as empresas vitoriosas poderiam trabalhar no pátio.
A Sermetal quer – de alguma maneira – ter vantagens nesse projeto. Por isso resiste em
sair, mesmo sem ter condições de permanência. Já a BRIC, detentora do pátio, seria uma das
principais beneficiadas no processo. No entanto precisa garantir a liberação urgente do espaço,
para o projeto não ser transferido para outra área.
O Governo do Estado do Rio de Janeiro, que vem perdendo obras para outras regiões como
Rio Grande do Sul, Pernambuco e Amazonas, também tem interesse no projeto. O Estaleiro
Sermetal, após um impasse no consórcio Rio Naval, já perdera a encomenda de nove navios no
âmbito da Promef I da Transpetro. Cinco foram transferidos para Pernambuco, no Estaleiro
Atlântico Sul, e apenas quatro permaneceram no Estado, no EISA, antigo Emaq. Pelo menos dois
mil empregos deixaram de ser gerados no Rio. Assim, diversas reuniões foram realizadas entre o
Sindicato e a BRICLOG em um processo que durou alguns meses.
A proposta final da BRICLOG foi considerada extremamente proveitosa para o Sindicato. A
BRIC garantiu que “se o Sindicato quisesse negociar” arcaria com todos os passivos trabalhistas,
152
Posteriormente o MPT atuará na condição de custos legis, como veremos a seguir.
A Sermetal não paga o aluguel do pátio, de R$ 1.000,00, a cerca de 2 anos. O contrato de locação também prevê, no caso de
atraso, a saída imediata da empresa.
153
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309
todos os salários atrasados e as dívidas com os trabalhadores. Além dessas dívidas – que estariam
em torno de 15 milhões – a empresa também se comprometeu a saldar os débitos da Sermetal
com o Sindimetal, relativas à apropriação indevida do imposto sindical e da mensalidade sindical.
A BRIC ainda recontrataria e qualificaria os trabalhadores gerando cerca de três mil empregos
diretos e mais quatro empregos indiretos para cada um desses três mil. Entretanto, para a
realização de tudo isso, o Sindicato deveria garantir à saída imediata da Sermetal do pátio
pertencente a BRICLOG.
A partir da intervenção do Sindicato, a locatária do pátio também realizou um empréstimo
à Sermetal para o saldo de três folhas de pagamento. Esse pagamento, diga-se de passagem, foi o
último recebido pelos trabalhadores154.
Além do interesse financeiro futuro, devido ao arrendamento da Petrobrás, a BRIC também
é responsável por quaisquer acontecimentos no interior de suas dependências. O Sindicato
alegava que na abertura de uma ação trabalhista junto à Justiça do Trabalho, a BRIC também seria
ré.
Dentro desse quadro, o Sindimetal procura mais uma vez o MPT 155 solicitando a
intervenção da Superintendência do Ministério Público, garantindo o repasse das dívidas
trabalhistas da Sermetal para a BRICLOG.
Na primeira audiência, a empresa manda um preposto, que não tinha autonomia para
representá-la. Na segunda audiência, a Sermetal deixou de levar um documento importante para
a abertura da mesma, e mais uma vez nada foi feito156.
Percebemos nessa pesquisa que o Ministério Público do Trabalho era visto como um
parceiro pelo Sindicato. O Sindimetal recorre constantemente às denuncias ao MPT e é vitorioso.
O caso Sermetal, no entanto, se mostrou extremamente complexo. A empresa de fato não tinha
como pagar os trabalhadores quando a situação se agravou, por mais que tivesse recebido
significativas encomendas nos anos recentes.
154
Tal pagamento foi efetuado em dezembro de 2008. Depois disso, os trabalhadores não receberam mais salários, nem de forma
integral, nem parcelada.
155
156
O Procedimento Preparatório de Inquérito de 2007 continuava em curso, paralelamente.
Segundo informações coletadas na entrevista com o diretor jurídico do Sindimetal, realizada no dia 28/05/09 e com os
trabalhadores da Sermetal.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
310
Em entrevista com trabalhadores da Sermetal foi alegada a competência do MPT em
outros casos envolvendo o Estaleiro. Como destacou um técnico em projetos navais da Sermetal
Estaleiro:
Teve uma empresa (Tecnauto) que foi trabalhar para a Sermetal em 2007 como
tercerizada e a Sermetal não pagou. A Tecnauto entrou com uma ação no MPT, e ele foi
averiguar a situação. Nessa ação eles foram rápidos, foram no local, viram ainda que a
condição de trabalho era sub-humana e o MPT fez a Sermetal pagar tudo (Entrevista com
o técnico em projetos navais da Sermetal Estaleiros dia 24 de junho de 2009).
Em todas as audiências com o Ministério Público, o Sindicato movimentou centenas de
funcionários da Sermetal e foi construindo um clima de mobilização permanente no interior da
empresa. A Sermetal continuava tentando persuadir os trabalhadores, adotando postura crítica
em relação ao Sindicato, argumentando que sua presença impedia o diálogo entre empresa e
trabalhadores e que sua intenção era “fechar a empresa”.
A partir de todo esse desgaste e da atitude da Sermetal frente às audiências no MPT, o
Sindicato passa a estimular uma postura cada vez mais crítica dos trabalhadores em relação à
empresa. São realizadas constantes paralisações no ambiente de trabalho. Essas contam com
adesão de quase a totalidade dos trabalhadores, excetuando apenas alguns funcionários do setor
administrativo do Estaleiro. Entretanto, são reprimidas.
A Sermetal contratou 15 seguranças (apelidados pelos funcionários de pitbuls) que visam
impedir qualquer manifestação no interior e nas proximidades do estaleiro. O Sindicato passa a só
poder entrar na Sermetal de carro e acompanhado de dois “seguranças”. A situação dos
trabalhadores vai ficando cada vez mais insustentável:
Um cara quebrou o departamento pessoal desesperado, por que ninguém quis atender
ele e acabou que esse camarada foi espancado. Você não pode nem dar parte contra os
pitbuls por que eles são policias. No nosso país não existe lei para quem tem dinheiro, só
para os pobres (Entrevista com o técnico em segurança do trabalho da Sermetal
Estaleiros dia 24 de junho de 2009).
A partir das paralisações e da repressão da empresa é construído um profundo clima de
indignação. Cerca de 400 funcionários continuavam em atividade e mais uma vez o Sindicato
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
311
mostra ousadia em sua forma de ação: propõe a demissão coletiva de todos os trabalhadores com
a palavra de ordem “justa causa pro patrão”.
Em relação a essa estratégia, o presidente do Sindicato destacou:
A gente não tinha outra saída não. Os trabalhadores estão passando por uma situação
terrível e precisamos tentar de tudo. Sabemos que nossa postura é arriscada, mas nossa
intenção principal com essa ação é garantir pelo menos a liberação imediata do FGTS e
do Seguro Desemprego... tem muito trabalhador aqui passando fome, muita família
sendo desfeita... 157 (Entrevista com o presidente do Sindimetal-Rio, dia 29 de junho de
2009).
A Recorrência à Justiça do Trabalho
No dia 24 de abril de 2009, 389 trabalhadores entram com uma ação coletiva de rescisão
indireta do contrato de trabalho tendo o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro como
substituto processual158 de praticamente todos os trabalhadores em atividade na Sermetal. Nas
palavras do presidente do Sindicato “os trabalhadores demitem a Sermetal como patrão!”.
A ação coletiva foi aberta na Justiça do Trabalho em face à Sermetal Estaleiros e às suas
subsidiárias: N. B. Arnaus Serviços Navais e Metalúrgicos e Geminy Serviços Metalúrgicos Ltda. A
BRIC Brazilian Intermodal Complex S.A. – BRICLOG é também indicada como ré e a ação fica sob
responsabilidade da 49º Vara do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho no Rio de Janeiro
(TRT-RJ).
Na ação o Sindicato alega que os réus não procederam corretamente no recolhimento dos
valores devidos ao FGTS. Solicita que as reclamadas tragam aos autos as fichas financeiras de seus
empregados. Noticia a existência de débitos dos réus com relação às contribuições sociais. Exige a
condenação dos réus ao pagamento das férias, com o terço constitucional respectivo, e das
gratificações natalinas em atraso; das integralizações dos depósitos ao FGTS; das diferenças a
título de horas extraordinárias, e suas projeções; das verbas rescisórias e de honorários de
advogado. Pretende também a liberação das guias para movimentação do FGTS, com a
indenização compensatória de 40%159.
157
158
Entrevista concedida a autora no dia 9 de julho de 2009.
Ou seja, representando todos os trabalhadores. A possibilidade do sindicato ser substituto processual é referendada pelo
cancelamento do Enunciado 310, em 2003. Para mais ver: Gonçalves Jr, 2003.
159
Processo n. 00510-2009-049-01-00-4.
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312
Com o argumento de potencializar as mobilizações e sensibilizar a Justiça é iniciada uma
greve dos trabalhadores no dia 12 de maio de 2009. A denúncia ao MPT é mantida e a apuração
de provas e a realização de audiências continuam.
Em uma das audiências160 no MPT, promovida após a instauração da ação de rescisão
indireta, a intenção central do Sindicato era a garantia imediata da liberação do FGTS e do seguro
desemprego. Os trabalhadores estavam passando fome e diversos conflitos sociais já eram
visualizados. Alguns já tinham sido despejados de suas casas e casamentos tinham sido desfeitos.
Segundo relatos, um dos trabalhadores tinha recorrido a criminalidade, e problemas de alcoolismo
eram constantes com a grande maioria dos trabalhadores161. Todos esses conflitos marcaram os
últimos seis meses desses indivíduos, mostrando a centralidade do trabalho na vida desses
operários. Como destacou um dos trabalhadores:
A Sermetal abusou muito... Quando eu sai da Sermetal me senti um peixe fora d’água. Eu
fui no Centro (centro do Rio de Janeiro) e fiquei perdido, me sentindo sozinho no meio da
multidão. Imagina aquele trabalhador que ficou confinado na Sermetal, que trabalhou
décadas no estaleiro desde o Ishibrás acontece isso. Você fica isolado, confinado dentro
de casa, não sabe o que fazer pois seu emprego era a sua vida. (Entrevista com exfuncionário da Sermetal Estaleiros, dia 29 de junho de 2009).162
Em entrevista realizada no dia 24 de junho de 2009 o técnico em projetos navais ressaltou:
Temos colegas que eram casados e as esposas separaram por que não acreditavam nos
maridos. Pois você ia trabalhar todo dia e não recebia o salário. A sua mulher acha que
você está com mulher fora...(Entrevista com o técnico em projetos navais da Sermetal
Estaleiros, dia 24 de junho de 2009)
160
Realizada no dia 22 de junho de 2009.
161
Segundo entrevistas coletadas com diversos trabalhadores no dia da audiência na sessão de Varas do Tribunal Regional do
Trabalho do Rio de Janeiro, dia 29/06/09.
162
Entrevista concedida no dia da primeira audiência no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
313
Contudo, o tema da audiência do dia 22 de junho de 2009 no Ministério Público do
Trabalho era a negociação entre as partes. Participaram da audiência o Sindicato, a Sermetal e
funcionários da empresa, através da mediação do procurador João Batista Berthier Leite Soares.
Segundo informações do Sindicato e dos trabalhadores, o FGTS já estaria em juízo,
aguardando a audiência que aconteceria no dia 29 de junho, na 49º Vara do Trabalho do Tribunal
Regional do Trabalho do Rio de Janeiro. O MPT alegava que, estando em juízo, não poderia fazer
nada. Tal postura indignava os trabalhadores. Assim como destacou um técnico em segurança do
trabalho:
Por mais que a empresa esteja errada, a gente está na mão dela. Mas nesse processo,
existe 389 empregados contra quatro pessoas (os diretores da Sermetal). Os erros estão
aparentes. Não precisa o MPT reconhecer que a empresa está errada por que está na
cara. É uma falta de respeito do poder público para com os trabalhadores.(Entrevista com
o técnico em segurança do trabalho da Sermetal Estaleiros, dia 24 de junho de 2009).
O representante da Sermetal na audiência alegou que os funcionários estavam
trabalhando, e que o Sindicato não tinha condições de representá-los. O Sindicato, no entanto,
tinha a documentação que comprovava a rescisão do contrato de trabalho e uma planilha com o
nome de todos os trabalhadores..
Na ocasião, o representante da empresa também alegou – em tom de ameaça – que “a
questão com a BRICLOG já estava resolvida, e que o Sindicato deveria desistir da negociação”.
Sem uma solução em vista junto ao MPT, o Sindicato busca novos aliados e deposita todas
as suas esperanças na Justiça do Trabalho. Mesmo entendendo que a única saída é a recorrência à
Justiça do Trabalho, o Secretário Jurídico do Sindicato avalia de forma crítica a postura da Justiça.
O problema é que a Justiça do Trabalho se preocupa mais com a burocracia, os
procedimentos jurídicos, o processo, do que com o trabalhador. Quem entra na Justiça
tem que amarrar tudo direitinho por que qualquer probleminha a Justiça se apega e
paralisa o processo. Assim ela vê mais o lado burocrático que o social. A gente está
lidando com vidas e a Justiça só vê papel (Entrevista com o Secretário Jurídico do
Sindimetal, dia 28 de maio de 2009). 163
163
A entrevista foi concedida no dia 28/05/09, antes da resolução do caso.
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314
TRT e ALERJ
A partir dessa movimentação foram realizadas duas audiências de conciliação na Justiça do
Trabalho. Na primeira delas o representante legal da Sermetal não compareceu, marcando assim
uma nova data. Na segunda audiência estava presente um representante da BRICLOG, interessado
em saldar os passivos trabalhistas. O representante da Sermetal impediu a sua participação
destacando que “não aceitaria que ninguém pagasse suas dívidas”.
Há um projeto maior para aquela área, um projeto que pode gerar diretamente 3.000
empregos. E o pior disso tudo: há uma empresa interessada em assumir todo o passivo
trabalhista desses trabalhadores. Mas a Sermetal não concorda que isso ocorra! Ela não
concorda que isso ocorra! Palavras da direção da empresa, da presidência da empresa: “é
uma humilhação muito grande alguém assumir nossos débitos”. Como se não fosse
humilhação esses 1000 trabalhadores ficarem com as suas famílias largadas ao relento,
alguns passando fome. Isso não é humilhação? (Alex dos Santos, presidente do
Sindimetal-Rio, em audiência na ALERJ, dia 1º de junho de 2009)
Em ambas as audiências, o Sindicato mobilizou dezenas de trabalhadores para a porta do
TRT-RJ, Fórum Ministro Arnaldo Süssekind situado na Av. Presidente Antonio Carlos, centro da
cidade do Rio de Janeiro, sensibilizando o desembargador Aloysio Santos, presidente do TRT-RJ, e
deputados da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), que participaram da manifestação
do Sindicato164.
O desembargador recebeu o Sindicato no mesmo dia 165 e, segundo depoimento do
presidente do Sindicato, foi bastante atencioso e solidário. Alegou também que ajudaria no que
fosse possível. O Sindicato informou o desembargador sobre os funcionários que estavam sem
receber salário há cinco meses e sobre os empregados demitidos desde julho de 2008, que ainda
não tinham recebido suas verbas rescisórias.
O desembargador deu orientações para garantir a agilidade junto à Justiça do Trabalho, por
conta da urgência e particularidade do caso, e de fato a audiência na 49º Vara Trabalhista –
prevista para outubro – foi marcada para o dia 29 de junho de 2009 (cerca de duas semanas
depois).
164
O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro fica bem próximo a Assembléia Legislativa do Estado.
165
Dia 26 de maio de 2009.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
315
A estratégia foi avaliada como positiva pelo Sindicato, já que garantiu a celeridade do
processo. Contudo, a reação da juíza responsável pelo caso, da 49º Vara Trabalhista do Rio de
Janeiro, não foi muito boa. Ela não gostou da postura do Sindicato em procurar o desembargador
presidente do TRT, mas a situação foi contornada posteriormente.
A audiência pública da ALERJ, realizada no dia 1º de junho de 2009 e presidida pelo
deputado Paulo Ramos, teve como convidados o Sindicato, os trabalhadores da Sermetal, a
Federação dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, a empresa Sermetal, o sindicato patronal
(SINAVAL), a Secretaria de Trabalho e Renda do Rio de Janeiro e Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Energia, Indústria e Serviços. Os representantes da empresa Sermetal, contudo, não
compareceram. Enviaram apenas um oficio desculpando-se pela ausência.
O objetivo da audiência era buscar saídas para o problema, a partir da negociação e
intermediação do Estado, e foi realizada pela Comissão de Trabalho, Legislação Social e Seguridade
Social da ALERJ.
O clima da audiência foi bastante comovente. Trabalhadores deram depoimentos
emocionados que sensibilizaram todos os presentes. Além das críticas feitas sobre o atraso de
pagamentos, os trabalhadores também denunciaram a permanência de seguranças no interior da
empresa, que os impediam de buscar os seus pertences. Um trabalhador relatou que em uma
ocasião ele e mais dez colegas ao irem buscar seus objetos pessoais deixados na empresa foram
revistados de forma humilhante. Entraram na empresa em fila, com um segurança na frente e
outro atrás. Ambos estavam armados. Em outra ocasião os seguranças arrombaram os armários
dos trabalhadores e espalharam os pertences pelo chão do estaleiro.
O presidente da audiência, deputado Paulo Ramos, ficou chocado com as denúncias e
decidiu visitar a Sermetal com uma comissão de parlamentares no dia seguinte, às duas horas,
com a presença do Sindicato. Ficou também marcada uma visita à Petrobrás, solicitando que ela
assuma esse processo garantindo a preservação dos postos de trabalho – se não na Sermetal ao
menos na sua sucessora. Foi também agendada uma reunião com a Secretaria de
Desenvolvimento e com o Presidente do Sindicato da Indústria de Construção Naval (SINAVAL)166.
166
Tais iniciativas, realizadas a partir da atuação da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro serão de grande valia na condução final
do processo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
316
O presidente do Sindicato e o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil do Rio de Janeiro (CTB-RJ) também foram à Brasília tentar uma articulação com o Tribunal
Superior do Trabalho, mas nada foi garantido.
Toda essa movimentação do Sindicato gerou uma reação rápida da empresa. A Sermetal,
vendo-se pressionada por diversas esferas, propôs um acordo para os trabalhadores. O Sindimetal
preparou imediatamente uma assembléia, para discutir a proposta.
Na assembléia, realizada na sede do Sindicato, cerca de 150 trabalhadores participaram de
maneira ativa das discussões. Além de contas erradas e a não estipulação dos valores a serem
pagos, o acordo exigia que os trabalhadores retirassem imediatamente a ação na Justiça do
Trabalho.
Tal postura da empresa mostrou seu receio em relação ao julgamento da Justiça. Os
trabalhadores, por sua vez, ganharam ânimo e avaliaram a possibilidade de conquistarem um
acordo mais vantajoso. Mesmo estando pressionados a aceitarem qualquer acordo que
viabilizasse o pagamento rápido, a recusa a proposta da Sermetal foi quase unânime. Os
trabalhadores acabam depositando todas as suas esperanças na audiência prevista para o dia 29
de junho de 2009.
Na assembléia foi aprovada a prioridade pela liberação do FGTS – que significava cerca de
60% da dívida da empresa – e a liberação da carteira de trabalho dos funcionários da Sermetal,
para que pudessem procurar outro emprego.
Justa Causa pro Patrão!
Apesar de ter sido utilizada como uma palavra de ordem e ter um sentido figurado, a
rescisão indireta do contrato de trabalho está prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Caso o empregador não cumpra com as obrigações legais ou contratuais ajustadas
entre as partes, o empregado pode rescindir o contrato de trabalho e solicitar multa por isso167.
A estratégia da rescisão indireta ainda não tinha sido usada pelo Sindicato, que procurou
reunir todas as provas necessárias para o andamento do caso. Os advogados do réu, no entanto,
questionaram em todo momento a legitimidade do Sindicato como substituto processual.
167
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
317
A Sermetal alegava que o Sindicato “é detentor apenas do direito processual na presente
ação, e não do direito material sub judice, razão pela qual não está autorizado a renunciar ou a
transigir, como pretende através da proposta de acordo levada a juízo.168”
Assim, na opinião da empresa, o Sindicato não poderia celebrar os acordos já que
“pleitearia em nome próprio direito alheio, caracterizado este como direito indisponível dos
trabalhadores”. Na verdade a argumentação da empresa contraria as disposições do art. 8º, inciso
III, da Constituição da República (artigos 82, inciso IV, do CDC e 843, da CLT) onde os sindicatos
podem atuar como substitutos processuais da categoria que representam, sendo desnecessária,
em princípio, a autorização individual.
Tal entendimento é ainda reforçado pelo cancelamento do Enunciado 310, que se baseava
na perspectiva de que o dispositivo constitucional – ou seja, o artigo 8º da Constituição Federal –
não seria “auto-aplicável”. Dependeria então de uma legislação definindo as hipóteses em que o
sindicato poderia agir em nome próprio defendendo direitos de terceiros (os trabalhadores).
A Ação na Justiça do Trabalho
No dia da audiência os trabalhadores estavam extremamente mobilizados. Com várias
faixas relatando a situação, cerca de 100 trabalhadores se localizavam em frente ao prédio do
Tribunal e uma rápida plenária foi realizada. Logo depois, todos subiram para o sétimo andar, local
da audiência, e foram impedidos de entrar na sala reservada da audiência, por determinação da
juíza. O andar contava também com um número elevado de seguranças e os trabalhadores
indignaram-se com o tratamento.
A sessão foi demorada e durante esse período pudemos entrevistar alguns trabalhadores.
Esses estavam enfurecidos com a postura da empresa no acordo proposto. A Sermetal agora dizia
que se a totalidade dos trabalhadores não aceitasse o acordo, não pagaria ninguém e não liberaria
nada.
A empresa propôs um acordo absurdo... queria pagar cerca da metade do que devia sem
considerar as multas. E ainda disse que se a totalidade dos trabalhadores não aceitassem
o acordo não pagaria ninguém, nem FGTS, nem seguro desemprego, nem nada. Então
achamos melhor esperar o julgamento da juíza. Agora está tudo na mão dela. (Entrevista
com o técnico em segurança do trabalho da Sermetal, dia 29 de junho de 2009).
168
Processo n. 00510-2009-049-01-00-4.
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318
Um trabalhador da Sermetal, representante da comissão de fábrica, destacou:
Tínhamos que ter entrado com uma ação antes... a Justiça do Trabalho é muito lenta,
parece que não se preocupa com a dor do trabalhador... não libera o FGTS, o auxílio
desemprego, não dá baixa na carteira de trabalho. A gente não pode nem pegar a nossa
carteira de trabalho para arrumar um outro emprego. Estamos de pés e mãos atadas. O
pessoal não tem dinheiro da condução para ir nas assembléias e no julgamento. Aqui era
“pra” ter muito mais gente, só que o pessoal não tem o dinheiro da passagem. Não tem
dinheiro para comer vai ter dinheiro para pagar passagem vindo de Santa Cruz, Belford
Roxo, Engenheiro Pedreira... (Entrevista com trabalhador da Sermetal, dia 29 de junho de
2009).
Após a sessão, foi realizada uma outra plenária em frente ao prédio do TRT, na Rua do
Lavradio, centro do Rio de Janeiro. O parecer da juíza que acompanhava o caso foi anunciado: a
liberação do FGTS ficaria atrelada à aceitação de um novo acordo proposto pela empresa.
Segundo o Secretário Jurídico do Sindicato, o acordo era um pouco melhor que o anterior,
mas ainda muito ruim. Desta vez, discriminava os valores a serem pagos e incluía o pagamento da
multa de rescisão de contrato, não presente antes.
O Sindicato deveria convocar os trabalhadores individualmente, e aqueles que não
aceitassem o acordo deveriam entrar com processo individual – a partir da ajuda do setor jurídico
do Sindicato. A data para a liberação do FGTS também não foi estabelecida. Somado a isso, a juíza
entraria de férias na mesma semana encerrando, portanto, o processo na próxima audiência, no
dia 02 de julho de 2009.
A reação entre os trabalhadores foi heterogênea. Alguns ficaram entusiasmados com a
decisão, por estarem sem receber nada e terem ali alguma perspectiva. Outros, pela mesma razão,
se viram “chantageados” pela Justiça e pela empresa.
A fala do Sindicato na assembléia também foi ambígua. Como destacou Alex dos Santos,
presidente do Sindicato: “Esperávamos conquistar de prontidão a liberação do FGTS e poder
renegociar o acordo. Mas pelo menos agora temos perspectiva de que os trabalhadores vão
receber”.
Na assembléia ficou bem claro que a decisão agora era de cada um dos trabalhadores. Os
que desejassem fazer o acordo deveriam se encaminhar para a sede do Sindicato no dia seguinte,
munidos do documento de identificação.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
319
O Sindicato tentou ainda alentá-los, destacando que pelo menos agora tinha-se uma
perspectiva concreta. Destacou-se também que o Sindicato fez tudo o que estava no seu alcance.
Cerca de 80% dos funcionários da Sermetal foram à sede do Sindicato no dia seguinte,
aceitar o acordo. O Sindicato montou uma estrutura de alimentação e recepção dos trabalhadores
que passaram praticamente o dia todo na sede do Sindimetal.
No dia 02 de julho, em nova audiência, os trabalhadores estiveram presentes em menor
número. A prioridade ainda era a liberação rápida do FGTS. As partes foram convocadas e desta
vez foi permitida a entrada de todos. A audiência foi ministrada por outra juíza que ao pedir
silencio destacou a importância da presença dos trabalhadores para a sua decisão.
No final da audiência uma nova plenária foi feita. Essa, porém, com muito mais
entusiasmo. A Justiça decidiu que o valor do FGTS, das férias atrasadas e a multa referente à
rescisão de contrato deveriam ser pagas de 08 de julho de 2009 a 21 de julho de 2009, seguindo a
ordem de matrícula dos trabalhadores na fábrica. Assim seria liberada também a carteira de
trabalho. A animação dos trabalhadores foi evidente. Para Wallace Aragão, a mudança das juízas
foi fundamental para alterar o ritmo do processo:
Essa juíza foi mais sensível aos trabalhadores. A audiência foi um bate-papo. Os
trabalhadores puderam participar e intervir nela sem aquele tom de formalidade. Com
isso a gente rebatia os argumentos da Sermetal (Entrevista com o Secretário Jurídico do
Sindimetal, dia 2 de julho de 2009169)
Na plenária o Sindicato ainda destacou a possibilidade dos trabalhadores entrarem com
uma ação de danos morais, buscando reparar todos os problemas suscitados por esse descaso da
empresa.
Os trabalhadores estavam completamente sem perspectiva. Muitos já tinham desistido. A
recorrência à Justiça naquele momento foi a única saída para os trabalhadores adquirirem esse
direito básico: o salário mensal.
Para um ex-funcionário da Ishibrás e da Sermetal, membro do Sindicato dos Metalúrgicos,
que acompanhou todo o caso de bem perto:
169
Entrevista concedida a Allysson Lemos, no dia da segunda audiência no TRT-RJ
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
320
Toda a vez que tiver esse problema os trabalhadores tem que entrar em peso na Justiça,
pois é o único meio de você reaver os seus direitos. Se ficar quieto acontece igual o
Caneco (Estaleiro) que tem 16 anos e ninguém pegou um centavo. (Entrevista com
Anelsino Santos Bento, ex-funcionário da Ishibrás e da Sermetal Estaleiros e diretor do
Sindimetal-Rio dia 03 de outubro de 2009).
No entanto o sindicalista ainda analisa de forma crítica a postura dos juízes, acusando-os
de preocuparem-se muito mais com a burocracia do que com os trabalhadores:
A Justiça nossa ainda tem falha, pois o juíz teria que ser mais ágil e ir em cima dos
patrões. Tem muito juiz que não sabe a dificuldade dos trabalhadores, não sabe o que é
passar necessidade, sofrer pressão do patrão, queimar a vista numa solda....a JT devia se
basear nos fatos (Entrevista com Anelsino Santos Bento, ex-funcionário da Ishibrás e da
Sermetal Estaleiros e diretor do Sindimetal-Rio dia 03 de outubro de 2009)
O Ministério Público do Trabalho atuou na audiência na qualidade de custos legis, ou seja,
como interveniente no processo. Essa condição ocorre quando o MPT não faz parte do processo
nem como autor nem como réu. Sua tarefa é dar um parecer sobre o caso de forma
fundamentada e em defesa dos direitos difusos e coletivos da sociedade. A resolução do caso foi
considera como bastante positiva pelo Sindicato. Os trabalhadores estavam sem alternativas e a
empresa a beira da falência. Para Maurício Ramos, presidente da Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil do Rio de Janeiro (CTB-RJ), a resolução foi favorável, mas muito dolorosa
para os trabalhadores:
O processo teve um andamento muito rápido, mas a doutora juíza ficou magoada por
que a gente entrou em contato com o presidente (do TRT)... isso gerou uma certa
ciumeira, não sei se é a palavra certa, entre a doutora juíza. Mas essa juíza entrou de
férias e assumiu uma substituta que acelerou o processo chamando os trabalhadores um
a um para fazer o acordo da rescisão...foi um processo muito doloroso por que a
empresa não tinha dinheiro para pagar os salários atrasados e muito menos as
rescisões... acabou se fazendo acordo com parcelamentos muito grandes...até 30 vezes a
rescisão. O que salvou foi a liberação do FGTS de trabalhadores mais antigos, com 10, 15
ou 6 anos, que tinham ainda Fundo para receber.por que a empresa estava atrasada nos
últimos 3 anos.... (Entrevista com Maurício Ramos, presidente da CTB, dia 09 de
novembro de 2009).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
321
Contudo alguns trabalhadores questionaram a decisão da Justiça e a postura do Sindicato.
O Sermetal está pagando as verbas rescisórias parceladas. Lembrando que as parcelas
podem chegar até 34 vezes... o que é um absurdo. Infelizmente o nosso poder público é
patronal. Entretanto, acho que todos os colaboradores do Sermetal que tanto se
dedicaram ao trabalho, estão vivendo um dia após outro... Aonde vamos parar com
essa indiferença? Hoje, alguns ex-colaboradores do estaleiro Sermetal estão tendo que
deixar suas casas e familiares para trabalharem em outros estados como: Pernambuco Estaleiro Atlântico Sul. Você entende isso? Desculpa-me o desabafo, pois não acredito
mais no poder público, e também no nosso Sindicato da classe. Ás vezes fico me
perguntando, por quê isso acontece só aqui no Rio de Janeiro... (Relato do técnico em
projetos navais, dia 20 de outubro de 2009)170
A partir da resolução na Justiça, novos encaminhamentos foram buscados por parte do
Sindicato, tendo como foco recuperar os postos de trabalho perdidos. As movimentações junto à
ALERJ, desdobradas após a audiência pública, foram de grande valia para acelerar o processo de
ocupação do pátio pela Petrobrás.
No início do mês de outubro de 2009 foi realizada uma reunião com o presidente da
Petrobrás, Sérgio Gabrielli, o deputado federal Edmilson Valentim, o governador Sérgio Cabral,
presidentes das empresas do setor naval, o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e o
Sindicato Nacional da Indústria Naval. O objetivo central era estimular as negociações para o
arrendamento da planta onde está situada a Sermetal Estaleiros.
No projeto está anunciada a produção de navios, plataformas e outros equipamentos que
serão usados na extração do petróleo na região do pré-sal. A retomada da produção deverá gerar
cerca de três mil empregos diretos, conforme previsto. Logo após a reunião o processo ganhou
novas proporções. A Petrobrás arrendou a planta e já começará o processo licitatório. A Sermetal
tem um prazo para sair do pátio, mas as obras serão desenvolvidas mesmo sem a sua saída.
170
Em relato feito por e-mail, enviado a autora no dia 20 de outubro de 2009.
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Considerações Finais
Thompson (1987), analisando a construção da Lei Negra171, vai realçar a importância da
legislação como um “bem humano incondicional” e fruto da conquista dos homens destituídos de
poder.
O autor não deixa de considerar que vimos, ao longo da história, a lei mediar e legitimar
relações de classe existentes, onde os trabalhadores eram as partes desprivilegiadas. No entanto
destaca que a mediação é diferente do exercício da força – imposta pela classe dominante – sem
qualquer arbitragem. Sem ela os trabalhadores ficariam totalmente à mercê das vantagens dos
patrões. A lei, em suas formas e retórica, pode inibir o poder do dominante e oferecer proteção
aos destituídos de poder.
A lei também não é fruto do acaso. Negar sua importância é negar todo o histórico de lutas
pelas mesmas: “Significa lançar fora uma herança de luta pela lei, e dentro das formas da lei, cuja
continuidade jamais poderia se interromper sem lançar homens e mulheres num perigo imediato”
(Idem, p. 358).
E ainda, se é verdade que a lei foi criada para mediar as relações de classe existentes, em
proveito dos dominantes, é também verdade que ela se tornou instrumento de restrição às
próprias práticas da classe dominante. Os mesmos instrumentos que serviam para consolidar a
sua força e acentuar sua legitimidade, paradoxalmente, serviram também para colocar freios no
seu poder (THOMPSON, 1987b).
Para o autor “a lei também pode ser vista como ideologia ou regras e sanções específicas
que mantêm (muitas vezes um campo de conflito) com as normas sociais” (Idem, p. 351).
Entretanto, em relação ao Domínio da Lei, critica de maneira firme o pressuposto da lei como
mero reflexo da superestrutura. Dessa maneira, a partir do conflito entre capital e trabalho, a
própria lei se altera possibilitando outros patamares para os conflitos de classe.
Tais reflexões nos são extremamente relevante na presente pesquisa. O entendimento do
espaço judicial como importante campo de disputa de classe na cena contemporânea nos serve
como referencial fundamental, considerando principalmente a importância da lei na história da
sociedade brasileira, caracterizando nosso modelo legislado de relações do trabalho (NORONHA,
2000; CARDOSO, 2003b; PESSANHA; ALEMÃO; SOARES, 2009).
171
Importante Lei da história jurídica do século VIII que, na essência, visava a garantia do direito à propriedade e a repressão a um
grupo organizado de homens da floresta de Windsor na Inglaterra, chamados de negros. Para Thompson “O conflito florestal, em
sua origem, foi um conflito entre usuários e exploradores” (Idem, p. 331).
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323
O quadro colocado pela situação do emprego no Brasil principalmente na década de 90 foi
extremamente prejudicial aos trabalhadores. O avanço do projeto neoliberal, a crise da dívida
externa e o arrefecimento da indústria impuseram um cenário de constante flexibilização dos
direitos sociais (CARDOSO, 2003a).
O ambiente é de insegurança e ameaças ao emprego, entretanto, vários grupos de
trabalhadores balizados pelas conquistas estabelecidas na Constituição de 1988, buscaram meios
de resistir. O freqüente apelo à intermediação da Justiça, de maneira individual e coletiva, para
fazer valer seus direitos conquistados, foi um deles.
A partir dos anos 2000, com o crescimento da economia do Brasil e o reaquecimento da
indústria no país, a geração de emprego formal aumenta substancialmente. O Ministério do
Trabalho identifica que no ano de 2003 o país contava com 861.014 empregos formais. Já no ano
de 2008 os empregos formais somam 1.834.136. O Estado do Rio de Janeiro atinge em dezembro
de 2008 cerca 3,7 milhões de empregos formais (RAIS, 2009).
Contudo o descumprimento dos direitos trabalhistas conquistados historicamente ainda
permanece. Nesse contexto, sindicatos procuram progressivamente a intermediação da Justiça do
Trabalho e do Ministério Público no conflito entre capital e trabalho.
A JT, em princípio, recebe muitas críticas do Sindimetal-Rio. Apesar de ser avaliada
positivamente pela população – em relação às outras Justiças – como demonstra a pesquisa de
Grynszpan (1999), os sindicalistas metalúrgicos do Rio questionam frequentemente sua postura e
demonstram preferir não recorrer à Justiça do Trabalho.
Assim, busquei nessa pesquisa acompanhar uma experiência concreta de dificuldades
enfrentadas pelo Sindicato e percebi um processo rico e contraditório em que os trabalhadores e
o Sindicato fizeram escolhas, avaliaram opções de encaminhamento para a resolução do caso,
buscaram o Ministério Público do Trabalho e por fim a própria Justiça do Trabalho.
O caso em questão, apesar de não evidenciar uma tendência do sindicalismo nacional em
sua relação com a Justiça, mostrou uma imensa capacidade de articulação de um sindicato através
da combinação de novas estratégias – como as denúncias ao Ministério Público do Trabalho – com
estratégias mais tradicionais – tais como as paralisações na empresa. E ainda, as mobilizações
eram estimuladas com a justificativa de pressionarem a Justiça e os atores do Estado a uma
decisão favorável aos trabalhadores. O Sindicato e os trabalhadores – nesse rico e contraditório
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324
episódio – realizam escolhas, promovem diferentes ações e evidenciam a complexa relação entre
o Sindicato e a Justiça.
O Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, tal como evidenciado nas entrevistas dos
sindicalistas e no curso dessa pesquisa, buscou a Justiça do Trabalho apenas quando os
trabalhadores se viram sem alternativas e a avaliação do Sindicato sobre a resolução do caso, de
forma geral, foi positiva. A Sermetal entraria em processo de falência e os trabalhadores ficariam
sem receber os salários referentes aos dias trabalhados e seus direitos como empregados.
Contudo, não se deixou de questionar a lentidão da Justiça para solucionar o problema e o longo
período que os trabalhadores teriam que esperar para receber tudo o que lhes era devido como
direito, já que se acordaram longos parcelamentos.
A presente pesquisa, sem pretender julgar os posicionamentos do Sindicato frente ao caso
e o desfecho dado pela Justiça do Trabalho, pôde verificar que:
- as instituições do Estado são esferas em constante disputa e a ação dos atores sociais
influenciam substancialmente o seu posicionamento. Assim, o estudo desse campo se colocou como
um grande desafio investigativo na medida em que analisou uma forte instituição de ação coletiva:
o sindicato.
- o processo de relação entre sindicato e Justiça é extremamente contraditório, e revelador de
práticas que alternam aproximações e distanciamentos entre esses atores sociais, e a experiência
histórica da categoria e de seus segmentos – no caso, os operários navais – certamente serve de
referência para a avaliação dessa relação.
- a capacidade dos trabalhadores e seus sindicatos de avaliar o processo e o contexto social em que
estão inseridos e, a partir daí, articular estratégias de ação consideradas mais adequadas para a
solução de suas demandas coletivas – ora incorporando o Ministério Público e a Justiça do Trabalho,
ora apelando para práticas de pressão e negociação política – é um fato que não pode ser
desconsiderado.
- o ambiente de consolidação democrática, respaldo constitucional e judicialização das relações
sociais, vivido pela sociedade brasileira nas décadas recentes, certamente tem um peso significativo
em todo o processo observado.
Os resultados de pesquisa apontam para esse quadro de contradições na relação entre
sindicatos de trabalhadores e aparelhos da Justiça do Trabalho e podem estimular novas análises.
Estão longe (e nem objetivam) mostrar um perfil de ação do sindicalismo no Brasil. Contudo, o caso
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325
estudado nos parece evidenciar a necessidade de investigação mais profunda sobre o tema, aliando
a pesquisa sociológica no campo da sociologia do trabalho ao campo dos estudos sobre direitos e
judicialização. Estar atento às movimentações desses expressivos atores sociais, em um contexto de
ampliação da influência e expansão da ação do Poder Judiciário, de transformações na atuação
sindical e de potencial aprimoramento da democracia em nosso país, parece-nos um importante e
instigante objeto de pesquisa.
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329
Os Sentidos da Judicialização da Relação Capital-Trabalho
e seus Efeitos sobre a Dinâmica Sindical
Antonio Teixeira Lima Junior172
Carla Gabrieli Galvão de Souza173
Selma Cristina Silva de Jesus174
Introdução
A judicialização das relações sociais é um tema bastante em voga nos dias atuais,
comumente usado para categorizar o contexto de institucionalização do direito na vida social.
Trata-se de um fenômeno que se intensificou após a Constituição de 1988, com o processo de
democratização e o fortalecimento de instituições de defesa de direitos (Ministério Público, por
exemplo), bem como com a criação de novos direitos difusos e coletivos e procedimentos
judiciais.
Na seara trabalhista, pesquisas demonstram que o aumento da utilização do Judiciário se
deu em escala crescente ao longo do século XX, com especial destaque para a década de 90,
quando milhares de ações foram ajuizadas. Em termos gerais, as abordagens enaltecem a atuação
do Judiciário como nova seara de luta democrática, ante a crise dos modelos clássicos de luta
baseada na representação política. Sem pretender submeter as mudanças na vida institucional
brasileira a uma análise dualista, consideramos que as análises preliminares deixam intocadas
algumas questões relevantes sobre o tema, tais como as modificações da lógica de atuação dos
sindicatos num cenário com novos protagonistas, os avanços e/ou retrocessos da concretização
de direitos trabalhistas pela via judicial, bem como os reflexos gerais da institucionalização das
lutas políticas sobre a organização da classe trabalhadora.
Se este artigo, por um lado, está longe de constituir um esboço às grandes questões acima
formuladas, cremos ser possível delimitar criticamente os limites e as contradições do processo de
judicialização enquanto estratégia de intervenção social das organizações sindicais.
172
173
174
Mestrando pelo PPGSD/UFF e pesquisador do IPEA.
Mestranda pelo PPGSD/UFF.
Profª Drª Bolsista de Pós-Doutorado do PPGCS/UFBA. pesquisadora associada do CRH-UFBA.
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330
Em síntese, articulamos sistematicamente bibliografia sobre a judicialização das relações
sociais em geral e das relações capital-trabalho, em particular. De forma suplementar, o estudo
está ancorado em grandes séries históricas elaboradas a partir dos dados secundários do Tribunal
Superior do Trabalho (TST) e do DIEESE.
A judicialização não é um fenômeno estático, mas carregado de contradições e impasses. A
transferência da solução dos conflitos de classe para a Justiça do Trabalho expressa a contradição
do sistema de ordenação social que construímos ao longo dos últimos 20 anos: de um lado, o
crescimento das demandas judiciais está conectado à ampliação de direitos sociais pela
Constituição de 88, criando mecanismos de democratização do acesso ao sistema de justiça; por
outro lado, parte dos incentivos às demandas judiciais trabalhistas se relacionam ao contexto de
flexibilização das relações de trabalho, que teve como seus subprodutos um alto grau de
fragmentação dos trabalhadores e a deslegitimação da norma trabalhista enquanto instrumento
público de regulação da relação capital-trabalho.
O recurso à justiça, pois, está inserido numa conjuntura bem mais complexa e instigante.
Para além de ressaltar os efeitos positivos e negativos, cabe aqui investigar as relações existentes
entre as conquistas sociais normatizadas e a conjuntura adversa para as organizações coletivas
que se sucedeu.
2. O fenômeno da judicialização das relações sociais
A judicialização das relações sociais ou das relações de classe é um fenômeno que se
expandiu diante do atual cenário de radicalização da igualdade, no qual a vida política e social foi
invadida pela agenda dos direitos e temas institucionais. Houve nos últimos anos do século XX
uma crescente institucionalização do direito na vida social (VIANNA et alli, 1999).
A idéia de instituições judiciárias herméticas e isoladas da realidade social, inacessíveis aos
cidadãos comuns e à vida pública representa a história do Judiciário e sua imagem perante a
sociedade durante muitos anos. Hoje em dia, com o processo de democratização a que estão
sujeitas as sociedades capitalistas centrais e, de certa maneira, as periféricas, o Judiciário é tido
como instituição basilar à consecução do Estado Democrático de Direito.
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331
A invasão do direito sobre o social avança na regulação dos setores mais vulneráveis, em
um claro processo de substituição do Estado e dos recursos institucionais classicamente
republicanos pelo Judiciário, visando dar cobertura à criança e ao adolescente, ao idoso e
portadores de deficiência física. O juiz se torna protagonista direto da questão social. Sem
política, sem partidos e vida social organizada, o cidadão se volta para ele, mobilizando o
arsenal de recursos criado pelo legislador a fim de proporcionar vias alternativas para a
defesa e eventuais conquista de direitos (VIANNA; BURGOS; SALLES, 2006, p. 3-4).
O magistrado à frente da função jurisdicional ganhou visibilidade social enquanto
protagonista da solução de conflitos nas diversas esferas. Essa explosão de litigiosidade foi, para
Boaventura de Souza Santos (1999 apud ARRUDA, 2008, p. 46), uma das duas condições sociais
que demonstram que essa maior participação do Judiciário no processo político e na vida pública
foi uma necessidade histórica e não simplesmente fruto da vontade desta instituição. A segunda
condição seria a crise da administração da justiça, na década de 70, fruto da expansão da luta pela
efetivação de direitos sociais, apesar de este processo ter sido conduzido pela própria burguesia.
Observa-se que o acesso à justiça, antes mitigado ou mesmo inviabilizado por requisitos e
condições que excluíam a maior parte da população da dinâmica judiciária, foi elevado à situação
de política pública, o que explica, para os autores já citados, a criação dos juizados especiais cíveis
e criminais e crescente busca das instituições judiciárias e de defesa de direitos.
Com efeito, o fenômeno da judicialização reflete, ainda, o êxito da utilização do direito e de
suas instituições na organização do capitalismo após a crise do Welfare State. Há uma nítida
mediação das relações por instituições políticas democráticas, evidenciando o papel do “legislador
implícito” que adquire o Poder Judiciário (VIANNA et alli, 1999, p. 19-21). Em uma conjuntura de
subrepresentação dos cidadãos no Congresso Nacional, em que a democracia representativa é
colocada em xeque, e o descumprimento da norma jurídica ganha contornos ainda mais intensos,
a busca pela efetivação de direitos por meio de instituições judiciárias apresenta-se como um
caminho viável.
O Direito do Trabalho tem participação nesse processo, uma vez que os conflitos
trabalhistas viraram matéria sob jurisdição da Justiça do Trabalho, ensejando a mediação de
relações sociais por uma instituição política democrática. Os conceitos de justiça e igualdade
material penetraram numa seara até então privada, exigindo uma instituição pública de regulação,
uma resposta para os conflitos de classe. Segundo Vianna et alli (1999, p. 15) “a criação desse
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332
direito novo envolverá, assim, uma revisão dos pressupostos que informavam a ordem liberal,
conferindo a ela um viés igualitário por meio da publicização da esfera privada”. Eis que a
judicialização do mercado de trabalho, com a introdução da mediação pública na relação travada
entre sujeitos desiguais, é tida nesse contexto como um indicador de democratização social.
Contudo, como poderemos observar logo adiante, o caráter democratizante das
instituições pós-constituinte entrou em contradição com as transformações econômicas e sociais
que passaram a redefinir o papel do Estado brasileiro na década de 90. A porta da justiça
trabalhista que se abriu aos indivíduos tornou-se estreita para as reivindicações judiciais coletivas,
sentenciando um “novo mundo do trabalho” em súmulas e sentenças.
3. Bem-vindo ao admirável novo mundo do trabalho...
A partir dos anos 1980, o capitalismo passa por uma fase de reestruturação em nível
mundial. Tal processo é marcado pela implementação da globalização, da reestruturação
produtiva e do neoliberalismo. Em linhas gerais, a globalização é um movimento estrutural do
capitalismo, que juntamente com a reestruturação produtiva e o neoliberalismo, desenvolve
características presentes desde os primórdios do capitalismo, mas também apresenta fenômenos
novos, típicos desta época, a exemplo: das empresas transnacionais, da financeirização da
economia, da livre circulação de capitais (sobretudo, financeiro), do desenvolvimento da
telemática, das empresas transnacionais e da forte atuação das instituições multilaterais (Druck,
1999).
A reestruturação produtiva é também um movimento de caráter estrutural do capitalismo
que implementa intensas mudanças no mundo do trabalho e acontece em todos os países
capitalistas industrializados, constituindo-se em uma resposta a um determinado padrão de
acumulação capitalista do pós 2ª guerra, que entra em crise na década de 1970, qual seja: o
fordismo. Assim, assiste-se a emergência de um novo padrão de acumulação, denominada por
Harvey (1992) de acumulação flexível, que marca o processo de transição para as práticas mais
flexíveis de organização da produção.
No nível macro-sociológico, a reestruturação produtiva caracteriza-se, basicamente, pelo
surgimento de novos setores, novos padrões competitivos, fusões e incorporações de empresas,
crescimento do setor de serviços, reordenamento do mercado de trabalho e novas formas de
relações de trabalho. No sentido mais restrito, a reestruturação produtiva caracteriza-se pela
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333
aplicação de novos métodos de gestão e organização do trabalho - na maioria dos países, tais
métodos são inspirados no modelo japonês-, bem como a introdução de inovações tecnológicas.
No Brasil, a conjunção destes movimentos, configura um novo (“e precário”) mundo do
trabalho que é caracterizado, fundamentalmente, por uma crise do emprego (ou do trabalho
assalariado), por altas taxas de desemprego e pela emergência de novas (e precárias) formas de
contratação da mão-de-obra, disseminadas através do aumento extraordinário da terceirização
nos setores industrial e de serviços (ALVES, 2000).
Druck e Franco (2007) afirmam que assistimos a um processo intenso de precarização
social, que se expressa também: 1) nos baixos graus de proteção social e o não respeito aos
direitos trabalhistas – como, por exemplo, o aumento expressivo da terceirização, do trabalho
precário e das diversas formas de inserção inadequada dos trabalhadores (falsas cooperativas,
relações de assalariamento disfarçadas, como as empresas do “eu sozinho”); 2) na expansão da
informalização do mercado de trabalho; 3) na emergência de problemas de saúde e acidentes de
trabalho, em função da intensificação do trabalho, da falta de treinamento dos trabalhadores,
sobretudo, os terceirizados; 4) na fragilização e pulverização das organizações sindicais, que
passam a vivenciar uma crise, encontrando dificuldades para conter a precarização do trabalho
(voltaremos a falar desta questão de forma mais detalhada mais à frente).
Druck (2009) defende que a atual precarização do trabalho é um fenômeno novo, cuja
dimensão indica um processo inédito no país de precarização social nos últimos 20 anos, que está
associado ao conjunto de mudanças políticas e macroeconômicas resultantes da implantação
destes três processos distintos, mas que se retroalimentam (Filgueiras, 2006). Trata-se, portanto,
de um processo que instala e institucionaliza a flexibilização do trabalho, renovando e colocando
em novas bases a historicamente precária estrutura do mercado de trabalho brasileiro.
A precarização do trabalho torna-se central na dinâmica do capitalismo atual no Brasil e no
mundo, além de ser ampliada e generalizada para todos os segmentos e setores produtivos. A
institucionalização desta precarização ocorre por meio das alterações na legislação do trabalho e
da previdência, das novas formas de atuação de instituições públicas e de associações civis e pela
fragilização e pulverização dos sindicatos. No âmbito mais geral, a tese defendida por Druck,
relaciona-se a idéia de Appay (1997 apud Hirata e Préteceille, 2002) de que a precarização social
se processa por meio de uma dupla institucionalidade: de um lado, a precarização econômica, que
institucionaliza a flexibilização do trabalho; e de outro, pela precarização do sistema de proteção.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
334
Conforme Druck (1996, p. 33), as dificuldades políticas dos sindicatos diante do
neoliberalismo são resultantes, em certa medida, de uma “epidemia da inevitabilidade” e da
“inexorabilidade”, que tem levado o sindicalismo a adotar uma postura de adaptação e adequação
à ordem vigente. “Os sindicatos são pressionados a cumprirem seu papel enquanto instituição da
ordem capitalista”, uma vez que não há outra via além da ordem vigente. Em outros termos, a
disseminação da epidemia da inevitabilidade e da inexorabilidade contribuiu para uma
“despolitização” dos sindicatos.
Divididos num terreno hostil e selvagem, os trabalhadores passaram a bater às portas do
Poder Judiciário como última instância de reivindicação. Aqui, porém, não é permitido entrar de
qualquer forma: o acesso “universal” à justiça foi contrabalanceado pelo bloqueio à atuação
sindical, motivo pelo qual a judicialização das relações capital-trabalho merecem um tratamento
específico diante do otimismo reivindicatório da geração de cidadãos-consumidores pósconstituinte.
4. A judicialização seletiva das relações capital-trabalho
Em um modelo legislado como o brasileiro, o recurso à justiça representa a busca pela
concretização da norma jurídica e, no caso do justrabalhismo, a efetivação de direitos
desrespeitados (CARDOSO, 2001, p. 20). Com base no gráfico abaixo, podemos observar a
judicialização das relações de trabalho a partir do incremento da demanda trabalhista individual
no século passado:
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
335
Gráfico 1175:
Processos recebidos e solucionados nas Juntas de Conciliação e Julgamento
da Justiça do Trabalho por ano, Brasil: 1941-2000
2000000
1500000
1000000
1999
1997
1995
1993
1991
1989
1987
1985
1983
1981
1979
1977
1975
1973
1971
1969
1967
1965
1963
1961
1959
1957
1955
1953
1951
1949
1947
1945
1943
0
1941
500000
Fonte: TST
Acerca do gráfico Cardoso (2001, p. 20-21) explica que:

Entre 1941 e 1961, a reta equivale a um acréscimo médio de 7.024 processos ao ano;

Entre 1962 e 1970, a reta representa uma média de 32.252 processos a mais a cada ano;

Entre 1971 e 1973, registra-se uma queda de mais de 14 mil processos ao ano, decorrente
da ditadura repressiva;

Entre 1974 e 1987, a reta inclina-se novamente apontando acréscimo de 36.293 processos
ao ano;

O período entre 1988 e 1997 representa a explosão de demandas individuais trabalhistas:
112.489 processos a mais a cada ano, o que significa um aumento do ritmo de crescimento
três vezes maior;

Por fim, entre 1998 e 2000, há uma queda que reflete a volta às médias anteriores de
crescimento, reforçando o aumento vertiginoso do período anterior.
175
Citado por CARDOSO, 2001, p. 22.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
336
Atrelado aos processos políticos vividos pelo país, o fenômeno da judiciarização176 das relações de
trabalho pode ser analisado a partir de momentos históricos como o fim da Era Vargas, a Ditadura
Militar e a Constituição de 1988.
Ao que tudo indica, há razões para acreditar que o processo de judiciarização das relações
de trabalho está contaminado por aspectos da conjuntura política bem além do que seria
de se esperar se o fenômeno fosse estritamente jurídico. As retas pontilhadas no gráfico,
que ilustram cada um destes períodos, sugerem também que, depois de 1987, vivemos
um momento inteiramente novo no processo de judiciarização das relações de trabalho,
por sua intensidade inaudita (CARDOSO, 2001, p. 21).
Esse período novo na judiciarização é marcado por um aumento expressivo na
transferência dos conflitos trabalhistas para a Justiça do Trabalho, conforme tabela abaixo:
TABELA 1
JUSTIÇA DO TRABALHO: MOVIMENTAÇÃO PRECESSUAL
Novos Processos Recebidos e Julgados por grupos de anos (1981-2008)
Anos
1981-1985
1986-1990
1991-1995
1996-2000
2001-2005
2006-2008
Total
Recebidos
V.A
(%)
4.232.785
6,9
5.582.119
9,1
9.744.846
15,9
11.978.909
19,6
11.283.648
18,4
7.834.068
12,8
61.171.370
100,0
Julgados
V.A
3.913.091
4.967.282
8.981.483
12.016.665
11.129.434
7.679.039
58.428.689
(%)
6,7
8,5
15,4
20,6
19,0
13,1
100,0
Fonte: Coordenadoria de Estatística do Tribunal Superior do Trabalho
Contatamos um crescimento acentuado das ações trabalhistas entre os anos 1986-1990,
passando de 4.232.785 novos processos recebidos (em 1981-1985) para 5.582.119 (1986-1990),
representando um aumento de 6,8% de casos em relação ao período anterior. Não por acaso,
neste período, inicia-se uma profunda recessão na economia brasileira - os anos de 1980 foram
considerados pelos economistas como a década perdida, por conta da recessão marcada pelo
aumento da inflação e do desemprego -, e, nos anos 1990, o movimento sindical brasileiro começa
sofrer os impactos da reestruturação capitalista. Ou seja, no contexto recessivo dos anos 1980
176
Adalberto Cardoso (2001) assim chama o fenômeno em questão.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
337
(aumento das taxas de desemprego e inflação juntamente com as constantes defasagens salariais)
e, ao mesmo tempo, de refluxo do movimento sindical, em 1990, cresce o número de
movimentações processuais na Justiça do Trabalho.
Verificamos, ainda, que a partir dos anos 1990 até 2000, há uma trajetória ascendente do
número de movimentações processuais na Justiça do Trabalho, mesmo sob o reflexo do aumento
do desemprego, que em tese, poderia ter causado uma queda no número de processos, por conta
da diminuição do contingente de trabalhadores (principalmente dos assalariados). De 1996-2000,
observamos o pico das movimentações processuais, com o recebimento de 11.978.909 processos.
Tal período é marcado pelo aprofundamento da crise do movimento sindical, que levou tais
entidades a buscarem outros campos de atuação, para além dos tradicionalmente utilizados nas
décadas de 1970 e 1980.
Por fim, verificamos uma pequena queda do recebimento de novos processos de 2001-2005,
representando uma ínfima redução de 1,2% em relação ao período imediatamente anterior. Já o
período de 2006-2008 não pode ser analisado comparativamente, por estar agrupado no intervalo
menor de tempo do que os demais períodos analisados.
Cardoso entende que o aumento das demandas trabalhistas individuais no Brasil está
ligado à crescente “deslegitimação da norma jurídica entre os empresários, num ambiente em que
outros agentes relevantes são incapazes de obrigá-los” (CARDOSO, 2001, p. 18). Temos, pois, duas
faces de uma mesma moeda: de um lado há os empregadores que não se curvam ao Direito do
Trabalho; de outro, há uma tentativa de os trabalhadores fazerem valer a normatividade prescrita
em seu favor, diante do contexto de precarização das condições de trabalho. Na ausência ou
insuficiência dos agentes de regulação fiscalizatórios das relações de trabalho, na incerteza da
organização coletiva, e nesse contexto em que o empresariado coloca à prova os limites da ordem
constitucional, trabalhadores individualmente recorrem mais à Justiça do Trabalho do que às
greves para fazerem valer seus direitos, aumentando sua consciência jurídica e diminuindo sua
atuação política (MORAES, 2008).
No Brasil a lei é o elemento central da regulação capital e trabalho, motivo pelo qual a
efetivação das normas é fundamental para a sua validade no mundo real. De uma forma bem
vulgar, podemos afirmar que o Brasil é um exemplo de ordenamento, onde as leis historicamente
não são cumpridas. E muitas vezes, apesar de efetivamente aplicadas as normas, o espírito das leis
não é levado a cabo pelos tribunais.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
338
Nesse sentido, afirmam Cardoso e Lage: “é justamente a centralidade da lei no modelo
brasileiro que torna relevante o estudo do desenho legal e do funcionamento real das instituições
do mercado de trabalho”. Eis porque “nos modelos legislados o problema da validade e da
faticidade da norma jurídica é central” (CARDOSO; LAGE, 2007, p. 17). Como a realidade aponta
para um reiterado descumprimento da legislação e para uma insuficiente fiscalização177 por parte
dos órgãos competentes, devido a problemas estruturais, observamos, assim como Cardoso
(2001, p. 19), que “há razões para crer que, mais do que pela norma, a flexibilização opera
intensamente por medidas administrativas e judiciárias”, numa alusão às instituições estatais de
regulação do trabalho: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho
(MPT) e a própria Justiça do Trabalho.
A transferência dos conflitos trabalhistas para o Judiciário revela o processo de busca de
concretização de direitos trabalhistas e, conseqüentemente, o não cumprimento contínuo à
legislação pelos empregadores - seja pelo desrespeito a direitos, seja pela negativa de vínculo ou
pela despedida sem pagamento das verbas rescisórias. São condutas que forçam os trabalhadores
a ingressarem no Judiciário como meio de efetivação de direitos, arcando com o ônus de provar
seus pedidos, com a realidade burocrática do processo judicial e da espera de meses ou anos.
Atrele-se a estas condutas o fato de os empregadores valerem-se das condições de necessidade
do desempregado para fazerem acordos lucrativos, abaixo dos valores devidos pelo trabalho
realizado, prática que contribui para a idéia de que a Justiça do Trabalho transformou-se em um
“balcão de negócios”. Diante disso, observamos que ajuizar uma ação trabalhista não significa
garantia de direitos, nem mesmo a concretização do que foi burlado. A utilização do Judiciário
pelo capitalista revela, muitas vezes, mais uma estratégia de exploração.No que diz respeito às
demandas coletivas, observa-se uma queda no ajuizamento de dissídios coletivos. O
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômico (Dieese) realizou uma
pesquisa178, em 2006, com intuito de mensurar a taxa de judicialização das negociações coletivas
de trabalho no Brasil, no período de 1993-2005. Para tanto, utilizou como fonte de dados as
informações dos instrumentos normativos resultantes dos processos de negociação coletiva
177
A fiscalização das empresas no Brasil é escassa e tímida, além do que, desde a década de 90, há uma política de
valorização da negociação coletiva em detrimento das sanções por não cumprimento da legislação.
178
DIEESE. Estudos e Pesquisas, ano 2, n. 21, jun, 2006.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
339
cadastrados no Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas (SACC), desenvolvido
pelo próprio Dieese.
Nesta pesquisa, construiu-se um indicador síntese designado de “taxa de judicialização na
solução de conflitos” – que diz respeito à proporção de instrumentos normativos decorrentes da
Justiça do Trabalho179 sobre o total de instrumentos de negociações coletivas registrados no SACCDieese. De 1993-2005, a referida taxa de judicialização foi, em média, de aproximadamente 10%.
A análise da evolução deste indicador revelou, conforme o Dieese (2006), uma tendência de
queda. Em 1993, a taxa de judicialização das negociações coletivas foi de 20,2%, subindo para 28,3
no ano seguinte, alcançando o seu pico em 1994. E a partir daí, a pesquisa revelou uma queda
acentuada até o ano de 2000, quando alcançou o patamar ínfimo de 2,3%. A partir daí, em 2001, a
um pequeno aumento dessa taxa, passando para 6%. Depois, volta a declinar um ano após o
outro, conforme podemos observar na tabela abaixo:
179
A solução dos conflitos trabalhistas coletivos pode ocorrer por duas vias: a administrativa - quando as partes envolvidas
conduzem sozinhas o processo de negociação, dando ensejo à convenção coletiva ou ao acordo coletivo de trabalho -, e a judicial quando as partes levam o conflito ao Judiciário. No âmbito da Justiça do Trabalho, os conflitos coletivos podem ser solucionados de
duas maneiras. Na primeira, há uma negociação dos termos do dissídio coletivo instaurado pelas partes, tendo o juiz como
mediador. Se houver acordo neste processo de negociação, procede-se a homologação normativa e o caso está solucionado.
Contudo, caso não seja possível chegar a um acordo, o juiz assume a função de arbitrar o conflito e prolatar uma sentença
normativa. No indicador construído pelo Dieese foi levado em conta o total de instrumentos normativos da Justiça do Trabalho,
independentemente se resultaram de acordos entre as partes, de homologação por juízes ou de sentenças normativas proferidas
por juízes.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
340
TABELA 4
DISTRIBUIÇÃO DOS INSTRUMENTOS NORMATIVOS REGISTRADOS NO SACC-DIEESE,
POR MODO DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO E INSTÂNCIAS DE FORMALIZAÇÃO, E
TAXA DE JUDICIALIZAÇÃO NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS - BRASIL, 1993-2005 (%)
MODOS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS E INSTÂNCIAS DE FORMALIZAÇÃO
ANOS
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
ACORDOS HOMOLOGADOS EM
ACORDOS E
DISSÍDIO COLETIVO
CONVENÇÕES
COLETIVAS
TRT
TST
TOTAL
79,9
19,1
19,1
71,7
22,8
22,8
79,8
18,0
18,0
80,5
13,8
13,8
85,2
10,2
2,3
12,5
89,5
5,8
2,3
8,1
96,3
97,7
1,1
1,1
94,0
3,6
2,4
6,0
95,4
3,4
3,4
96,6
2,3
2,3
98,9
-
(1)
2005
SETENÇAS NORMATIVAS
TRT
TST
TOTAL
1,1
1,1
5,4
5,4
2,2
2,2
5,7
2,3
5,7
2,3
2,3
2,3
2,3
3,7
1,2
3,7
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
1,1
100,0
TAXA DE
JUDICIALIZAÇÃO
20,2
28,3
20,2
19,5
14,8
10,5
3,7
2,3
6,0
4,6
3,4
1,1
0,0
Fonte: SACC-DIEESE
(1) Cerca de 10% das unidades de negociação acompanhadas pelo SACC-DIEESE não haviam formalizado seus instrumentos normativos
no momento da elaboração desse estudo. Parte deles pode estar em tramitação na Justiça do Trabalho.
Em síntese, verificamos que a taxa de judicialização das negociações coletivas no Brasil,
apresenta uma trajetória declinante a partir de meados de 1990. Para o Dieese, o fator explicativo
do acentuado processo de queda da taxa é o caráter refratário da Justiça do Trabalho, uma vez
que a redução do recurso à via judicial é proporcional à crescente rejeição dos juízes em julgar o
mérito dos dissídios coletivos. A pesquisa concluiu que (2006, p. 13):
A análise da taxa de judicialização no período compreendido entre 1993 e 2005 revela
uma forte tendência de queda na recorrência à Justiça do Trabalho nos processos de
negociação coletiva a partir de meados dos anos 1990. A trajetória declinante dessa taxa
atingiu todos os setores econômicos e as regiões do País. Com isso, a via judicial de
solução dos conflitos coletivos, que respondia por cerca de uma em cada cinco
negociações coletivas entre 1993 e 1996, passou a ser pouco utilizada pelos agentes da
negociação ao final da década. Cabe assinalar que a redução do recurso à via judicial
ocorreu paralelamente a um processo de crescente rejeição do judiciário trabalhista a
julgar o mérito dos dissídios coletivos.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
341
Se nos anos 80, época do sindicalismo novo, a Justiça do Trabalho respondeu bem às
conquistas dos trabalhadores pela via coletiva, legitimando-as, na década de 90 esse cenário
sofreu transformações, o que deu ensejo à conclusão de que “no campo do direito coletivo e da
organização dos trabalhadores a Justiça do Trabalho criou obstáculos a uma condição de avanço”
(KREIN; BIAVASCHI, 2007, p. 8).
Como o Dieese não apresentou evidências deste caráter refratário da Justiça do Trabalho,
buscamos ampliar as fontes de informações a partir de uma pesquisa realizada na Justiça do
Trabalho180.
De fato, há um alto índice de rejeição do mérito dos dissídios coletivos. É o que verificamos
na análise do Relatório Geral da Justiça do Trabalho para 2008, elaborado pelo Tribunal Superior
do Trabalho (TST), ano em que foi recebido um total de 988 dissídios coletivos. A autoria de 80%
destes dissídios é proveniente da categoria empregado, isto é, 791 ações foram ajuizadas pelos
trabalhadores. Entretanto, a decisão majoritária da Justiça do Trabalho foi pela extinção de 40%
destas ações, ou seja, 331 ações foram rejeitadas e extintas sem julgamento de mérito.
Atrelada a esses dados está a atuação do TST na década de 90, que expressou a limitação
da função normativa da Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o
uso do Judiciário na solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Horn (2006), ao analisar os
“requerimentos processuais para a solução judicial dos conflitos coletivos”, afirma que até os anos
90 havia menos formalidade para a admissão dos dissídios, tendência revertida a partir de 1993,
quando o TST publicou a Instrução Normativa n° 4, a qual abrigava uma maior formalidade
procedimental.
Em 1998, o TST procedeu a uma revisão dos precedentes normativos, os quais ganharam
um conteúdo mais procedimental (relativo às regras formais de admissão dos dissídios pelo TST)
do que substancial (ligado às temáticas trabalhistas). Segundo dados de Horn (2006) “o número de
regras sobre a relação de emprego reduziu-se de 97 para 81 PN/TST, ao passo que o número de
regras de procedimento aumentou de 22 para 42 PN/TST”, o que demonstra a mudança de
pensamento dos ministros. Considera o autor que a diminuição de precedentes reguladores do
180
Trata-se de uma pesquisa documental e da base de estatísticas do TST, cuja atribuição é, dentre outras, a produção de
relatórios anuais levando em consideração os dados do Judiciário Trabalhista na sua totalidade, isto é, em todas as suas instâncias
(Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Varas Trabalhistas). Estes relatórios e também uma série de
informações estatísticas encontram-se disponíveis no site http://www.tst.gov.br/. Acesso: 04/11/2009. O processo de pesquisa
consistiu, na primeira fase, no levantamento dos relatórios e dos dados estatísticos. Após, selecionamos os dados mais
significativos para compreender o processo de judicialização da relação capital-trabalho.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
342
cotidiano das relações de trabalho mostrou um recuo do TST no julgamento dos dissídios e um
distanciamento dos entes coletivos.
Foi, portanto, a partir de meados de 90 que o tribunal adotou o caminho da formalidade
procedimental no que tange aos dissídios coletivos, ao cancelar precedentes normativos positivos
e modificar o conteúdo de outros, gerando as altas taxas de decisões sem o julgamento do
mérito181. A mudança de posicionamento do tribunal refletia a conjuntura de então. A valorização
das negociações entre as partes na relação laboral não repercutia apenas nas relações individuais.
Com o novo posicionamento do TST, a regulação das relações coletivas de trabalho fica a cargo da
literalidade da lei e dos consensos entre patrões e empregados.
Observa-se um recuo das instâncias do Judiciário trabalhista na manutenção e promoção
do poder normativo182 desta justiça, onde o TST inibiu a consecução desse instrumento judicial
coletivo. Conforme Alemão (2005), o tribunal trabalhista tratou de limitar a função normativa da
Justiça do Trabalho, pela instituição de barreiras formais que dificultam o uso do Judiciário na
solução dos conflitos coletivos nos anos 90. Opina Garbin (1998) que “o comportamento do TST
faz parte da estratégia de flexibilização da solução judicial e de incentivo da negociação direta
como forma de resolução dos conflitos intersindicais”.
Desse modo, entendemos que as conquistas sindicais da década de 80, através da força
política dos trabalhadores, que haviam desembocado na edição de precedentes a eles favorável e
com conteúdo ampliador, sofreram forte abalo com a mudança de posicionamento do TST,
repercutindo na postura dos sindicatos nas mesas de negociações coletivas.
Com efeito, a redução da taxa de judicialização dos conflitos coletivos tem relação direta
com o fortalecimento da negociação pela via administrativa. Uma das expressões deste processo é
o aumento das convenções e acordos coletivos realizados pelas entidades patronais e de
empregados sem interferência da Justiça. Conforme o estudo de Horn (2009), para avaliarmos o
aumento das negociações coletivas e entender se este aumento representa o fortalecimento da
regulação do trabalho no país, é fundamental avaliar as cláusulas que as compõem - se são
181
É o que faz Ivan Alemão (2005) questionar a judicialização, tratando-a como “desjudicialização” no que tange às demandas
coletivas. Há, desde meados de 1990, uma queda no número de demandas coletivas na Justiça do Trabalho, ensejando negociações
coletivas entre as partes e longe do crivo do Judiciário. Segundo o autor, houve uma tendência do TST a evitar julgamentos,
configurando o que chamou de absenteísmo de cúpula.
182
Trata-se da competência que a Justiça do Trabalho tem para solucionar dissídios coletivos, criando desta forma norma entre as
partes que deve ser cumprida nos ditames da sentença normativa. Abordaremos essa peculiaridade da Justiça do Trabalho mais
adiante.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
343
cláusulas adicionais, que representam conquistas de direitos para além daqueles já trazidos pela
legislação ou se apenas reproduzem o conteúdo celetista183.
Krein (2004, p. 46), ao analisar a regulação do trabalho pelas negociações coletivas na
década de 90, afirma que, diferentemente do que ocorreu nos anos 80, a maioria dos temas em
pauta na mesa de negociação tinha relação com a flexibilização e que não se havia obtido, por esta
via, novos direitos ou conquistas.
A flexibilização também ocorreu na dinâmica dos atores sociais, via negociação coletiva, e
pelo poder discricionário das empresas. Analisando o comportamento das negociações
coletivas é possível observar que os novos temas de disputa são os relacionados com a
flexibilização. Além disso, poucas categorias conseguiram conquistas substantivas no
período. A manutenção das cláusulas sociais e dos benefícios conquistados anteriormente
foi considerada, pelos dirigentes, como uma conquista. Os pontos principais da agenda de
negociação foram: PLR, barganha de direitos, recuperação das perdas salariais, saúde e
segurança, flexibilização da jornada de trabalho, etc. Em outros termos, nos anos
recentes, diferentemente da década de 1980, as negociações não conseguiram ser um
espaço de novas conquistas, mas de administração de prejuízos.
Esta análise de Krein (2007, p. 76) conclui que no período de 1995-2003, as negociações
coletivas deixaram de ser expressão da ampliação da regulação e passaram a contribuir para a
desregulamentação de direitos e legitimação da flexibilização. Desse modo, questionamos a
validade do aumento do número de negociações coletivas realizadas pelos sindicatos como
expressão de autonomia e de conquista de direitos.
Quais são, pois, os reflexos da judicialização sobre a atuação sindical? O que levou sindicatos
e trabalhadores a optarem pela “judicialização” dos conflitos oriundos da relação capital-trabalho?
Eis o que pretendemos abordar a seguir.
5. A judicialização e as novas faces da atuação sindical
O protagonismo crescente do judiciário na seara trabalhista está conectado a
transformações nas estruturas sindicais, na sua capacidade de organização e modos de atuação.
No período em que o movimento sindical detinha uma maior capacidade de mobilização, como
183
Ressaltam Horn (2009) e Krein (2007) que não são desprezíveis as cláusulas que simplesmente reproduzem a lei, já que reflete
“uma estratégia sindical para garantir a efetividade da norma legal através da publicização, servindo, também, para viabilizar a
cobrança de multas no caso de descumprimento da lei, através da sua ‘transformação em cláusula’” (KREIN, 2007, p. 57).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
344
ocorreu no contexto do “novo sindicalismo”, o recurso a via judicial era secundário. Mas no
contexto de flexibilização do trabalho e dos direitos trabalhistas, com o grau de fragmentação,
institucionalização e burocratização do sindicalismo, a via judicial passa a ser acionada com maior
freqüência. Os conflitos trabalhistas passam a ser transferidos de forma individualizada para a
Justiça do Trabalho.
A ênfase na atuação nos espaços institucionais em detrimento dos movimentos de massa
revela, conforme Druck (1996), que o sindicalismo vivencia um intenso processo de despolitização,
a qual se expressa, de um lado, na falta de perspectiva política mais geral de transformação e de
luta pela hegemonia na sociedade; e de outro no reforço da atuação dos sindicatos enquanto
instituição do capital. Este fato faz com que o sindicalismo atue no campo da “legalidade do
capital”, sem conseguir vislumbrar um caminho independente para a classe trabalhadora. Assim,
os sindicatos deixam de se constituir em um “meio para construir a legalidade própria da classe
trabalhadora, que reconstitua a sua identidade, e que contribua efetivamente na construção de
um projeto político alternativo a hegemonia neoliberal”. (DRUCK, 1996, p. 34).
A falta de um projeto político que dê uma direção mais ampla ao movimento sindical ocupa
um lugar central no processo de despolitização vivenciado pelos sindicatos, pois a ausência deste
projeto tem levado a emergência de dois processos: de um lado, a atuação mais imediatista,
referenciada apenas no presente, estabelecendo, portanto, uma ruptura com a construção
histórica das estratégias do movimento sindical dos anos 1980; e de outra parte verifica-se uma
apologia ao “novo”, levando as direções sindicais a descartar práticas políticas em nome de novas
formas de atuação, mais “condizentes” com o novo contexto (DRUCK, 1999).
Em uma pesquisa que abordou a relação entre o MPT e os sindicatos, Valentim e Carelli
(2006) apontam para o crescimento gradual da utilização da instituição pelos sindicatos por meio
de representações. Em suma, os autores revelam que os sindicalistas passaram a encarar o MPT
como um aliado na luta pela garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores, reduzindo,
porém, a atuação dos sindicatos à defesa dos interesses de suas respectivas categorias.
Se as lutas mais gerais estão desconectadas da práxis cotidiana das organizações sindicais, a
judicialização surge no horizonte sindical como uma opção que segue a mesma lógica de inserção
institucional nos aparelhos de Estado, ressalvadas as especificidades de cada Poder. Esta relação
com os aparelhos de Estado, contudo, nunca foi consensual, mesmo nos extratos hegemônicos do
sindicalismo brasileiro.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
345
Por outro lado, não se pode olvidar que parte dos conflitos entre capital e trabalho decorre
dos limites estruturais das instituições de fiscalização do sistema de regulação das relações de
trabalho. Não havendo fiscalização eficiente o resultado são relações de trabalho precárias, nas
quais o patronato ou atua com base na normatividade flexibilizada ou se vale da ilegalidade. Os
sindicatos são empurrados, pois, para uma atuação defensiva e extremamente desigual. Sobre o
assunto opina Souto Maior (2008):
Diante da falência estrutural dos entes de fiscalização, percebeu-se que melhor mesmo
seria não registrar o empregado, pois nenhuma incidência tributária precisaria ser
respeitada e em eventual futura reclamação trabalhista, movida pelo “ex-empregado”, o
próprio vínculo poderia ser posto em discussão. O acordo, então passava a ter uma
abrangência global. Pagamento de um valor “x” pela “quitação” de tudo, incluindo a
própria natureza do vínculo. [...] Mesmo sem a concretização do acordo, a situação
configurava-se vantajosa porque parcela da Justiça do Trabalho, um tanto quanto
desatenta à realidade social e aos preceitos da teoria geral do processo, considerava que
o vínculo jurídico declarado em juízo não gerava incidência das multas pertinentes aos
descumprimentos da legislação trabalhista. Assim, quem registrava seus empregados e
pagava as verbas rescisórias com um dia de atraso estava sujeito a pagar multa prevista
do §8° do art. 477 da CLT. Já quem não registrava e, conseqüentemente, sequer pagava
verbas rescisórias, não estava sujeito a multa alguma.
Ademais, numa conjuntura de fragilização das condições de vida da população e de
sujeição de vastas camadas da classe trabalhadora a uma extrema vulnerabilidade social, o
recurso à justiça retira para obtenção de acordos acaba por se transformar na via mais rápida para
o atendimento das necessidades básicas do trabalhador num país marcado por altas taxas de
desemprego de longa duração.
No plano individual os efeitos não deixam de ser danosos. Reflexo do indivíduo econômico
que se desenvolve na conjuntura neoliberal, a fragmentação dos coletivos arrefece os conflitos de
classe (e a capacidade de resistência dos trabalhadores), transformando-os em conflitos
individuais, fruto do contrato entre duas partes. Ingressando individualmente no Judiciário à busca
da efetivação dos seus direitos, o trabalhador adquire consciência jurídica e perde atuação política
(MORAES, 2008).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
346
Dentro de uma estrita atuação judicial, trabalhadores individualizados e sindicatos estão
plenamente integrados à ordem vigente, atuando sobre um cenário de diálogos pré-fabricados,
cujos resultados estão limitados ao juridicamente previsto.
6. Considerações finais
As transformações do capital no mundo do trabalho alteraram radicalmente a “forma de
ser de classe trabalhadora” (ANTUNES, 1997). No Brasil, estas mudanças são marcadas: 1) pela
constituição de um processo de desindustrialização e desproletarização; 2) pela redução do
trabalhador fabril, industrial, manual e estável; 3) pelo aumento das formas flexíveis de
contratação; 4) pelo aumento do desemprego estrutural; 5) pelo crescimento do setor de serviços;
6) pelo aumento da participação do trabalho feminino na economia. Esse cenário instituiu uma
conformação mais complexa da classe trabalhadora, que se tornou mais heterogênea e
fragmentada, impondo novos desafios ao movimento sindical.
Diante do cenário apresentado, vários fatores são utilizados para explicar o
comportamento das taxas de judicialização da relação capital-trabalho, dentre os quais
destacamos: a) a ampliação de direitos sociais pela Constituição de 88; b) deslegitimação da
norma trabalhista no modelo legislado brasileiro; c) o reiterado descumprimento das normas pelo
capitalista e o cálculo racional do custo benefício deste descumprimento; d) a flexibilização da
legislação trabalhista e do mercado de trabalho; e) a insuficiente capacidade fiscalizatória estatal;
f) o alto grau de fragmentação dos coletivos; g) a fragilização da combatividade sindical; h) o
ajuizamento de ações civis públicas pelo Ministério Público do Trabalho; i) a atuação refratária da
Justiça trabalhista diante dos dissídios coletivos.
São razões ensejadoras de um contexto complexo e dinâmico que desafia o caráter
benéfico da judicialização, apresentando elementos que demonstram o uso do Judiciário como
estratégia capitalista de dominação sobre o trabalho. Contexto este que revela os reflexos de uma
judicialização ao revés para os dissídios coletivos e a obrigatoriedade das negociações coletivas
como caminho para a atuação sindical.
É inegável que os fatores apresentados se relacionam intimamente, gerando o fenômeno
da judicialização. É o que ocorre com a deslegitimação (e inefetividade) da norma trabalhista na
lógica do modelo legislado, processo que se acentua por meio da insuficiente fiscalização estatal,
do reiterado descumprimento da lei e, conseqüentemente, pelo cálculo racional efetuado pelo
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
347
capitalista sobre os custos e benefícios do pagamento dos direitos trabalhistas ou do uso do
Judiciário.
Observamos, portanto, que no contexto de flexibilização e precarização do trabalho, bem
como da crescente institucionalização do direito na vida social, a atuação sindical apresenta novas
faces e os conflitos trabalhistas são transferidos cada vez mais ao judiciário de forma
individualizada, ao passo que negociações coletivas são incentivadas, sem contudo responder à
necessidade de garantia e conquista de direitos.
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350
“Práticas sindicais na Toyota do Brasil: os casos de
São Bernardo do Campo (SP) e Indaiatuba (SP)”
Gustavo Takeshy Taniguti184
Introdução185
Esta pesquisa procura sistematizar uma discussão a respeito dos trabalhadores e dos
sindicatos da Toyota do Brasil no contexto recente de abertura de novas plantas produtivas e de
transformações na atuação dos sindicatos metalúrgicos, que tem início a partir da metade da
década de 1990. Dentro deste debate sindical, a atenção se volta para aqueles que representam
os trabalhadores da Toyota: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos
de Campinas e Região. Em ambos os casos, o objetivo é se debruçar sobre as atividades sindicais
nesta empresa, relacionando-as a movimentos sindicais mais gerais.
De forma mais ampla, no caso do ABC Paulista, essas atividades dizem respeito a práticas
que surgiram como alternativa a um novo contexto da indústria automobilística brasileira,
marcado em grande parte por demissões, processos de reestruturação, modernização, adoção de
novas tecnologias e pela desterritorialização de unidades produtivas. Quanto ao Sindicato dos
Metalúrgicos de Campinas e Região, as práticas sindicais em questão dizem respeito às suas
principais formas de atuação a partir do crescimento de um novo contingente de trabalhadores
frente a um cenário anterior caracterizado pelo desemprego e por processos de modernização
produtiva.
Argumenta-se que com o crescimento das atividades da Toyota no Brasil houve uma
ampliação na atuação sindical de seus trabalhadores, mas percorrendo dois caminhos distintos.
Um breve esboço daquilo que sugiro chamar de dois “padrões de sindicalismo” nos oferece pistas
para compreender quais foram as alternativas colocadas em prática por estes sindicatos.
Por um lado, as atividades sindicais na unidade da Toyota de São Bernardo do Campo
desenvolveram-se especialmente a partir da metade da década de 1990, acompanhando a
tendência de organização por local de trabalho e negociação por empresa do sindicalismo do ABC.
184
185
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado parcial da pesquisa “Sindicatos e relações de trabalhos na Toyota do Brasil: São Bernardo do Campo e
Indaiatuba em uma perspectiva comparada”, financiada pela Fapesp, a quem agradeço pelo apoio.
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351
Por outro lado, na unidade da Toyota de Indaiatuba, as atividades sindicais mais expressivas têm
início no final daquela década e, apesar de ali também haver uma tendência às negociações por
empresa desde os anos 80, a maioria dos temas negociados ainda dizia respeito aos salários
(reajuste, reposição de perdas, aumento real, piso salarial) e às condições de trabalho (refeitório,
convênio médico, condições de trabalho insalubres e perigosas, renovação de benefícios sociais)
(ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001).
Quanto à estrutura de representação interna e à organização sindical, também há
diferenças marcantes entre o sindicalismo do ABC e o de Campinas: no primeiro vigora atualmente
um modelo “híbrido” de representação interno às fábricas, que contempla as comissões de fábrica
e os comitês sindicais de empresa. Já no segundo caso, oficialmente não há representação sindical
interna, o sindicato atua, portanto, fora dos portões das fábricas.
Em um primeiro momento do artigo introduzo um debate sobre a indústria automobilística
brasileira, localizando a discussão sobre os trabalhadores metalúrgicos e seus sindicatos. Em
seguida, apresento o contexto geral que envolveu o sindicalismo metalúrgico durante a década de
1990, ressaltando os casos do ABC Paulista e de Campinas. Baseado nos dados da RAIS (Relação
Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho), realizo uma breve caracterização das
regiões de Campinas e do ABC Paulista em termos de emprego e mão-de-obra do setor. Por fim,
busco demonstrar quais foram as principais ações sindicais mais recentes na Toyota do Brasil.
E quais são os motivos que levam a um estudo sobre os trabalhadores da Toyota do Brasil?
Em seguida, procuramos responder a esta questão.
Elegemos como objeto de análise os trabalhadores da empresa que, devido ao seu
pioneirismo, tornou-se emblemática no que se refere a formas de gestão da produção: a Toyota.
Mas, apesar desta empresa ter sido objeto de vários estudos no âmbito acadêmico internacional
nas últimas três décadas, cabe ressaltar que esta pesquisa se apóia em uma lacuna observada na
literatura da sociologia do trabalho brasileira. Aponto para o fato de que há, até o presente
momento, poucos estudos de caso dedicados à Toyota do Brasil que contemplem questões a
respeito dos sindicatos metalúrgicos e do cotidiano de seus trabalhadores ao longo da trajetória
desta empresa no país. Parte da ausência de estudos de caso sobre as atividades da Toyota do
Brasil se deve a algumas particularidades. Em seguida, sugerimos quais seriam elas.
A primeira unidade produtiva internacional da empresa (ou seja, fora do Japão) foi instalada
em 1958 no município de São Paulo. Quatro anos mais tarde, em 1962, no município de São
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
352
Bernardo do Campo (SP), foi inaugurada outra unidade produtiva, dedicada à fabricação do
veículo Bandeirante. Dando início a um novo período de investimentos, somente no ano de 1996
esta planta sofreu um processo intenso de reestruturação produtiva, ou seja, quase trinta e cinco
anos após a sua chegada ao Brasil.
No ano de 1998, uma nova unidade produtiva foi criada no município de Indaiatuba (SP),
com investimentos de cerca de 300 milhões de dólares e no ano de 2008, a empresa anunciou a
criação de uma futura unidade de produção no município de Sorocaba (SP), com investimentos
estimados em cerca de 1 bilhão de dólares. A atual baixa participação da Toyota na produção do
mercado interno de veículos (cerca de 56.000 veículos produzidos em 2007 ou 2,34% do total) e a
implantação tardia de formas de gestão e novas tecnologias em uma nova unidade produtiva
talvez explique, em partes, a escassez de estudos dedicados aos trabalhadores desta empresa,
hoje em um número total de cerca de 3.300186, distribuídos em duas unidades produtivas e dois
escritórios administrativos.
Apenas recentemente a Toyota tornou-se representativa na produção de veículos de
passeio no mercado brasileiro, sendo possível constatar que há um intervalo de décadas desde a
chegada da empresa ao Brasil à inauguração de plantas “enxutas” sob o formato de gestão do STP
(Sistema Toyota de Produção). Do ponto de vista das relações de trabalho estabelecidas no âmbito
da produção, esta distância se apresenta enquanto práticas sociais construídas de formas distintas
em São Bernardo do Campo e em Indaiatuba. Sob este ponto de vista, trata-se de diferenças que
então parecem reverberar como uma tensão.
Além de questões relacionadas à dinâmica do setor, gestão da produção, cadeias produtivas
e políticas industriais entre outros, esta ampliação das atividades da Toyota do Brasil coloca em
discussão a representação sindical de seus trabalhadores especialmente por dois motivos, que
parecem apontar para uma ampliação das ações sindicais: a) se comparada às grandes empresas
do setor, até o ano de 1996 a organização sindical dos trabalhadores da unidade da Toyota de São
Bernardo do Campo era bastante limitada, fato que passa a mudar com o anúncio da criação de
uma nova montadora da empresa e da subseqüente reestruturação desta planta; b) a partir de
1999, na unidade da Toyota de Indaiatuba, o movimento sindical de seus trabalhadores se torna
atuante, apesar da inexistência de formas de organização sindical internas à empresa;
186
Fonte: ANFAVEA, 2009
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
353
Assim, algumas questões podem ser levantadas: quais foram os caminhos percorridos pelos
sindicatos metalúrgicos face às dificuldades encontradas durante a década de 1990? Quais os
impactos que a abertura de novas plantas produtivas teve para a ação sindical de antigas e novas
localidades? Quais foram as demandas e as ações dos trabalhadores da Toyota nesse período?
Procurarei no decorrer deste artigo responder a tais questões. Inicialmente, é útil realizar
uma breve caracterização das mudanças ocorridas na indústria automobilística brasileira a partir
da década de 1990, assim como demonstrar a interpretação de uma literatura sobre esses
acontecimentos. Através disso, é possível identificar como tais mudanças tiveram impacto na
organização do movimento sindical, especialmente na mobilização de suas bases e na
transformação das relações de trabalho.
Mudanças nas Relações de Trabalho na Indústria Automobilística
É possível afirmar de uma forma geral que na década de 1990 a indústria automobilística
emergiu novamente no âmbito da produção industrial como um passaporte para a modernização
da economia do país. Diferente da década de 1960, desta vez ela esteve acompanhada pelo
discurso da “reestruturação” e pela disseminação de um vocabulário extenso intimamente ligado
às novas tecnologias, às novas formas de gestão da produção e aos novos encadeamentos
produtivos: Just-In-time, Kanban, Kaizen, Círculos de Controle de Qualidade, flexibilização,
multifuncionalidade, lean production.
Tais mudanças sofridas pela indústria automobilística podem ser compreendidas enquanto
estratégias de racionalização do processo produtivo que acompanham historicamente as
empresas do setor, de forma que são constantes as mudanças que visam aumentar a
produtividade e atender as demandas do mercado (RODRIGUES & RAMALHO, 2007). Vários foram
os estudos da sociologia do trabalho brasileira que na década de 1990 procuraram desvendar
como essas formas de gestão passaram a ser aplicadas na indústria nacional (ARBIX &
ZILBOVICIUS, 1997; LEITE & RIZEK, 1997; GITAHY & BRESCIANI, 1998; ABREU, PAIVA & RAMALHO,
1998; CARDOSO, 1999).
No final da década de 1980 foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento entre Brasil e Argentina, um acordo bilateral fixando como meta o
estabelecimento de um mercado comum, no qual outros países latino-americanos poderiam se
unir, o que de fato ocorreu em 1991 com a adesão do Paraguai e do Uruguai, dando origem ao
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
354
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O complexo automotivo brasileiro, defasado em termos
tecnológicos se comparados aos modelos das matrizes mundiais, agora enfrentava as novas
exigências colocadas pela regionalização e pela expansão global em termos de competitividade.
A reação das montadoras com relação a esse novo contexto foi visar a sua sobrevivência a
longo prazo e, nesse sentido, a experiência da Câmara Setorial Automotiva 187, iniciada em 1991,
recebeu grande atenção por parte das empresas, do Estado e dos trabalhadores, espantando as
previsões mais pessimistas. No entanto, tal experiência foi abandonada no ano de 1995, no início
do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.
Um aspecto a ser ressaltado é que em 1995 o déficit comercial foi de US$ 3,3 bilhões ou
2,5% do PIB (IPEA, 1997). Por isso, em março do mesmo ano, junto com o Novo Regime
Automotivo, uma Medida Provisória aumentou a alíquota de importação de 20% para 70%,
favorecendo as montadoras já instaladas no país. Com isso, o governo procurou aliviar a balança
comercial. A partir daquele ano, novas políticas industriais regulatórias tomavam rumos com o
Novo Regime Automotivo (NRA), criado a partir da Medida Provisória 1.024 de 13/06/1995.
Desencadeando uma intensa disputa fiscal que envolveu estados e municípios, a atração de
novos investimentos por empresas do setor automotivo foi bem-sucedida durante a vigência do
NRA. Mas, por outro lado, o universo do trabalho e dos trabalhadores não fora contemplado por
tais políticas (ZILBOVICIUS; ARBIX, 1997; CARDOSO, 2000; ARBIX, 2002), e o discurso que
alimentava a constituição de novas institucionalidades constantemente condenava a ação dos
sindicatos. Para estes personagens, o horizonte de possibilidades parecia traduzir-se no desfecho
de um ciclo de renovação a partir do chamado “novo sindicalismo” para a abertura de um outro,
caracterizado pela desregulamentação.
Do ponto de vista das relações de trabalho nas montadoras, os novos arranjos produtivos,
considerados em seu nível da “prática” (ZILBOVICIUS, 1997), contribuíram para promover
movimentos de mudança na divisão e no conteúdo do trabalho no ambiente interno das fábricas,
assim como na composição da mão-de-obra das empresas.
Estas mudanças na organização do trabalho, se comparadas a períodos anteriores,
especialmente no período de 1960 a 1980 no caso brasileiro, são bastante significativas e nos
permitem dizer que, devido ao ineditismo dos próprios arranjos organizacionais ─ ou seja,
187
As Câmaras Setoriais  criadas em 1989 e desativadas em 1995  foram um arranjo institucional que teve como objetivo
promover a discussão de medidas de política industrial setorial, a serem promovidas pelo governo federal. Para mais informações
sobre a Câmara Setorial da Indústria Automobilística ver ARBIX (1997) E ANDERSON (1999).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
355
considerando que estes são objetos historicamente construídos em determinadas condições ─,
representam mudanças substantivas relacionadas ao trabalho nos “chãos-de-fábrica”,
desdobrando-se também em desafios para os sindicatos. Podemos dizer que tais transformações
passaram a afetar as bases de sustentação dos sindicatos metalúrgicos em pelo menos três
aspectos: reduzindo sua base quantitativa; mudando o perfil de qualificação dos trabalhadores; e
introduzindo modelos de gestão da força de trabalho.
Para além da discussão das formas de gestão que passaram a compor as estratégias de
produção das montadoras no período, vale ressaltar que as formas organizacionais isoladamente
não explicam mudanças nas relações de trabalho. Neste sentido, o trabalho de Martins &
Rodrigues (1999) é bastante elucidativo ao demonstrar a complexidade e a heterogeneidade do
debate sindical a respeito das mudanças nas relações de trabalho em meados da década de 1990.
Os autores afirmam que houve, no período, a ampliação do escopo da negociação direta entre
patrões e empregados e haveria, entre esses dois pólos, uma pluralidade de elementos
importantes, como, por exemplo: os padrões distintos de ação sindical dos metalúrgicos de São
Paulo, representados pela Força Sindical, e dos metalúrgicos do ABC Paulista, representados pela
Central Única dos Trabalhadores (CUT); a ação direta do Estado através Medida Provisória da
Participação dos Trabalhadores nos Lucros e Resultados;
Já Cardoso (1999) constata que apesar de o sindicalismo brasileiro ser fragmentado,
descentralizado e manter traços gerais da “velha estrutura” corporativista, tal fragmentação
também é sinônimo de organização de interesses, e não de fragilidade do movimento sindical. Ou
seja, apesar da estrutura sindical combinar conservação e mudança, ela possui um dinamismo
inovador na ampliação quantitativa e qualitativa da prática sindical.
Dentre as diversas conclusões sobre o sindicalismo brasileiro na década de 1990, uma delas
pareceu unânime na literatura: a constatação de que os trabalhadores metalúrgicos e seus
respectivos sindicatos foram pressionados por uma nova conjuntura, tanto nos “chãos-de-fábrica”,
isto é, no espaço microorganizacional, quanto fora deles. Pesquisadores apontavam a existência
de uma “nova contratualidade” entre os principais atores envolvidos no complexo automotivo,
isto é, a relação dos sindicatos com as empresas estaria passando de um tipo “conflitivo de
anulação” a uma “relação conflitiva de reconhecimento mútuo”. Nos países centrais,
especialmente na Europa, o declínio da participação dos sindicatos nas questões relacionadas ao
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
356
trabalho parecia ser um processo de difícil retorno que anunciava a “crise” do sindicalismo
(RODRIGUES, 1999).
As especificidades e as recentes formas de atuação dos sindicatos analisados nesta pesquisa
permitem demonstrar alguns aspectos que vão em direção contrária ao debate sobre a “crise”, ao
observarmos que o espaço para a organização sindical no setor automotivo brasileiro tem
revelado novas formas de participação política e de negociação. Tomando de empréstimo a tese
de Hyman (1997), podemos argumentar que o que ocorre não é propriamente a desagregação, a
divisão e o fim do sindicalismo solidário, mas sim uma crise de orientações tradicionais do
sindicalismo, sendo necessário levar em consideração, por exemplo, mudanças geracionais e de
orientação dos trabalhadores (PIALOUX & BEAUD, 2009).
Se avançarmos até os recentes estudos de caso sobre trabalhadores de novos (no caso do
Sul fluminense e do Paraná) e antigos locais produtivos (no caso do ABC Paulista) do setor
automotivo (RAMALHO 2007; RODRIGUES & RAMALHO, 2007), o que se constata é que os
trabalhadores e os sindicatos dessas localidades “têm se posicionado de modo a ampliar o seu
escopo de atuação assumindo novas responsabilidades e repensando seu modo de atuação” (Idem
p. 39).
Consideradas caso a caso conforme a localidade, as empresas analisadas, o perfil do
trabalhador e as diferentes propostas defendidas pelos sindicatos, os estudos mencionados acima
procuram trazer novas questões para discussão, contribuindo para reconsiderarmos o declínio do
sindicalismo entendido enquanto um debate encerrado. Mais do que isso, dado a tendência mais
geral de organização sindical que se caracteriza pelas negociações por empresa, é necessário estar
atento às diversas formas de atuação sindical existentes.
Como veremos mais adiante, os trabalhadores da Toyota de São Bernardo do Campo e de
Indaiatuba procuraram estabelecer novas formas de organização coletiva a partir de meados da
década de 1990, justamente no mesmo período em que o declínio do sindicalismo aparecia na
literatura e nos discursos enquanto uma tendência inevitável. Ao mesmo tempo, as questões
relativas ao trabalho nas montadoras ganharam novas características e contingentes de
trabalhadores em novas localidades passaram a surgir, trazendo novos elementos de análise para
os pesquisadores.
Após estas considerações, procuramos em seguida caracterizar a composição do emprego
na indústria automobilística dos dois municípios analisados entre os anos de 1998 a 2008, assim
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
357
como também demonstrar a evolução do emprego nas regiões do ABC Paulista e da Região
Metropolitana de Campinas. A partir disso, torna-se possível verificar quais são os principais
atributos da mão-de-obra metalúrgica sobre a qual este estudo pretende se debruçar e como se
comportou o setor automotivo em termos de emprego.
Caracterização dos Trabalhadores Metalúrgicos
Considerando as dificuldades de se realizar uma pesquisa aprofundada sobre os
trabalhadores metalúrgicos com a permissão da Toyota do Brasil, a exposição dos dados a seguir
pretende estabelecer um perfil mais geral e sintético dos trabalhadores metalúrgicos da Toyota de
São Bernardo do Campo e de Indaiatuba. As questões relacionadas à filiação sindical, participação
em assembléias, ou seja, de atividades sindicais, foram exploradas através de entrevistas com
trabalhadores, cipeiros e dirigentes sindicais.
No período de 1998 a 2008 a atividade do setor automotivo refletiu, em grande medida,
uma expansão dos investimentos feitos durante o NRA. No ano de 2007 o Brasil foi o sétimo
maior produtor de veículos do mundo, contando com 27 montadoras e 49 plantas industriais
abastecidas por mais de 600 empresas de autopeças. O seu complexo industrial possuía no
momento capacidade instalada para produzir 3,5 milhões de veículos por ano. A participação do
setor automotivo sobre o PIB industrial chegava 22,1% e a participação sobre o PIB total do país
somava 5,4%. Segundo estimativas da ANFAVEA, o ciclo total de investimentos alcançaria o
patamar de US$ 20 bilhões nos próximos três anos, o que inclui a cadeia de fornecedores188. As
empresas associadas à ANFAVEA responderam, em 2007, pela geração de 120 mil postos de
trabalho direto.
Ainda que atualmente o aumento da quantidade de efetivos tenha, em alguma medida,
afastado as previsões mais pessimistas, diferente do que aconteceu em décadas anteriores a
dinâmica do mercado de trabalho deste setor passou a privilegiar  enquanto tendência 
trabalhadores majoritariamente do sexo masculino, mais jovens e com maior instrução formal.
Isso é válido tanto para o caso do ABC quanto para Campinas, como veremos adiante.
Na região do ABC Paulista, no ano de 1988 o número total de trabalhadores empregados
formalmente no setor era de 76.767. Uma década depois, em 1998, os trabalhadores somavam
59.714, havendo uma redução de cerca de 22,2% em relação ao primeiro ano. A redução desse
188
Fonte: BNDES, 2008
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
358
contingente pode estar relacionada diretamente aos processos de racionalização produtiva
(CARDOSO, COMIN & CAMPOS, 1997) e ao contexto de organização das relações de trabalho
industrial do período. Para Conceição (2007), a abertura comercial, a intensificação do global
sourcing e o surgimento de novos pólos automotivos contribuíram para a queda no nível dos
empregos no ABC.
Segundo o gráfico 1, é possível verificar que houve um ligeira estabilidade de empregos na
indústria automobilística do ABC Paulista até o ano de 2003, quando houve queda de 3,1% no
número de empregados. A retomada do setor, ancorada pelo mercado interno, teve início em
2003, acompanhando o crescimento geral de empregos na indústria de transformação, como é
possível verificar na tabela 1. Inicialmente, o principal motor do processo foi o crescimento
sustentado da economia, como mudanças institucionais que afetaram a concessão de crédito e a
queda dos juros que impulsionaram o mercado (BNDES, 2008).
GRÁFICO 1: EVOLUÇÃO DO EMPREGO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA DO ABC
PAULISTA, 1998-2008
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE
Os processos de enxugamento de mão-de-obra, assim como os critérios de contratação têm
se tornado cada vez mais seletivos em termos de grau instrução e idade. É possível verificar que
houve uma mudança significativa no perfil do trabalhador metalúrgico no ABC: trata-se de jovens,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
359
empregados majoritariamente com cursos profissionalizantes e com maior grau de instrução, se
comparados com aqueles trabalhadores que estiveram à frente das lutas trabalhistas do final da
década de 1970 e da década seguinte (RODRIGUES, 2002). Na tabela 2, referente ao município de
São Bernardo do Campo, é possível verificar que o envelhecimento da mão-de-obra têm se
concentrado nas faixas etárias acima dos 50 anos, apontando para uma possível tendência à
estabilização no emprego. Outra tendência, mais visível, repousa no aumento do nível de
escolaridade do trabalhador, que entre os operários tende cada vez mais a se concentrar no
ensino médio. Em cargos de chefia e administração, houve um crescimento do número de
empregados com nível superior completo e pós-graduação (mestrado ou doutorado).
Indústria automobilística
Taxa de
crescimento %
Taxa de
crescimento %
Anos
Empregos
1998
190.448
-13,1
59.714
-18,7
1999
185.428
-2,6
55.745
-6,6
2000
191.276
3,1
55.924
0,3
2001
191.189
-0,1
57.757
3,3
2002
189.449
-0,9
55.494
-3,9
2003
190.164
0,4
53.599
-3,1
Empregos
2004
210.034
10,5
59.756
11,5
2005
218.118
3,8
61.829
3,4
2006
225.304
3,3
63.480
2,7
2007
238.183
5,7
68.283
7,5
2008
247.250
3,8
71.646
4,9
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE
Um outro aspecto importante é uma desconcentração do número de trabalhadores de
grandes empresas, com mais de 500 funcionários, para pequenas (até 99) ou médias empresas
(até 499). Isto significa que, ao contrário de outros períodos de desenvolvimento industrial em São
Bernardo do Campo, é possível que as empresas do setor estejam agora se organizando de forma
diferenciada, reorganizando-se em termos espaciais, modularizando a produção e fragmentando
etapas do processo produtivo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
360
No caso da região de Campinas, durante a década de 1990 houve um grande movimento de
demissões no setor metalúrgico, fazendo com que o desemprego se tornasse uma das grandes
questões enfrentadas pelo sindicato. Segundo Araújo e Gitahy (1998), entre 1988 e 1998 houve
uma redução de cerca de 30% do número de empregados no ramo metalúrgico da região. Já o
Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região contabiliza que entre 1990 e 1999 foram
demitidos 8.190 trabalhadores do setor metalúrgico em dez grandes empresas.
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/TEM
Um dos casos mais marcantes de demissões do período foi o da Mercedes-Benz, que
empregava cerca de 4 mil funcionários na planta dedicada à fabricação de ônibus e caminhões.
Entre 1995 e 1996, esse número foi reduzido para cerca de mil funcionários (DE SOUZA, 2005), e
em 1998 a empresa encerrou a sua produção de caminhões e ônibus.
Esses movimentos de demissões em massa parecem ter fim no ano de 2000, quando não
houve demissões de mais de 100 funcionários registradas pelo sindicato. Entre 1997 e 2005, como
resultado de políticas de estímulo ao crescimento industrial, segundo a fundação SEADE, foram
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
361
investidos na região metropolitana de Campinas cerca de 14,3 bilhões de dólares no setor
industrial, o que representou 77,8% dos investimentos totais na região. Desse último montante,
cerca de 13,71% se destinou à indústria automotiva, e somente entre os anos 2003 e 2007 foram
investidos cerca de 440 milhões de dólares na indústria automobilística campineira em projetos de
modernização e ampliação de epresas.
No gráfico 2 podemos observar que a partir do ano de 1998 o número de trabalhadores
empregados nesta indústria automobilística tem crescido continuamente, acompanhando o
crescimento das atividades da indústria de transformação.
GRÁFICO 2: EVOLUÇÃO DO EMPREGO NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA DA REGIÃO
METROPOLITANA DE CAMPINAS, 1998-2008
35.000
30.000
25.000
20.000
34.087
32.408
30.921
27.712
24.667
20.436
18.803
17.697
17.380
16.52216.193
15.000
10.000
5.000
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/MTE
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
A abertura das plantas produtiva da Honda no ano de 1997 em Sumaré e da Toyota no ano
de 1998 em Indaiatuba teve importância central para a retomada dos investimentos no setor
automotivo campineiro e consolidar a região de Campinas enquanto um novo pólo de produção, o
que criou expectativas com relação à geração de empregos. No entanto, tais expectativas vindas
do sindicato e da população em geral foram logo desmistificadas pelo baixo número inicial de
cerca de 300 trabalhadores contratados em cada empresa.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
362
Além disso, a média salarial dos recém-contratados era praticamente metade daquela
existente no ABC189 e as exigências no ambiente de trabalho, maiores. Acompanhando o aumento
de sua produção, nos anos seguintes as duas empresas passaram a contratar mais trabalhadores,
mas os critérios de contratação de mão-de-obra ― assim como ocorreu de forma generalizada na
indústria metalúrgica ― passaram a ser mais sele
vos em termos de grau instru
ção e idade.
Indústria de transformação
Anos
Empregos
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
165.096
164.324
170.255
175.986
192.373
202.984
219.216
234.989
239.793
Indústria automobilística
Taxa de
crescimento %
8,7
-0,4
3,6
3,3
9,3
5,5
8
7,2
2
Empregos
17.380
17.697
18.803
20.436
24.667
27.712
30.921
32.408
34.087
Taxa de
crescimento %
7,3
1,8
6,2
8,6
20,7
12,3
11,5
7
5,2
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados online da RAIS/TEM
Na tabela 4, referente ao município de Indaiatuba, com exceção do ano de 2008, é possível
verificar que a mão-de-obra tem se concentrado nas camadas mais jovens e a participação das
mulheres tem se tornado cada vez maior, representando cerca de 15% do total. A mudança mais
expressiva, assim como ocorre no ABC, diz respeito à elevação da escolaridade dos trabalhadores,
em sua grande maioria concentrados atualmente no nível de escolaridade de ensino médio. Em
1998, a maioria dos trabalhadores (41,7%) possuía ensino fundamental, enquanto em 2008 esse
número foi reduzido para 18,4%.
189
A pesquisa realizada pelo DIEESE em 17 municípios com produção automobilística no Brasil revela a diferença de remunerações
e poder de compra dos trabalhadores. Mais do que isso, é possível perceber a existência de mercados regionais ou locais que
diferem entre si. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo-SP possuem remuneração 1,9 vezes maiores do que os de Indaiatuba
(SP) e Sumaré (SP). Fonte: DIEESE, CUT-CMN, SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC. (2003), Do holerite às
compras:remuneração, preços e poder aquisitivo do tempo de trabalho em 17 municípios com produção automobilística no Brasil.
São Paulo, SMABC.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
363
Após estas considerações, procuro demonstrar quais foram as principais ações realizadas
pelos sindicatos metalúrgicos no ABC e na região de Campinas dentro deste contexto explicitado.
A partir disso, torna-se possível ressaltar algumas das principais diferenças em suas formas de
atuação. Trata-se de dois tipos de organização sindical e de condução de práticas que, em alguma
medida, orientam as formas de organização coletiva de trabalhadores em cada uma dessas
montadoras.
As Ações Sindicais nas Regiões do ABC Paulista E Campinas
No ABC paulista, a diminuição de postos de trabalho ilustra o impacto que as mudanças
organizacionais tiveram na atividade econômica industrial da região: de um total de 69.154
trabalhadores empregados em montadoras em janeiro de 1980, o número passou a 31.745 em
dezembro de 2002, o que representou a desativação de 55% dos postos de trabalho no período
(RODRIGUES & RAMALHO, 2007, p.49). Diante deste cenário, os metalúrgicos do ABC passaram a
considerar novas formas de atuação sindical naquele contexto em que demissões, processos de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
364
reestruturação, automatização e desterritorialização das plantas produtivas passavam a ocorrer de
forma intensa.
Houve, assim, mudanças na ação sindical, caracterizadas por uma postura de maior
negociação com as empresas e com a administração pública da região, criando oportunidades de
discutir e de criar mecanismos de participação em políticas públicas e no desenvolvimento
econômico.
A organização por local de trabalho ganha destaque entre os mecanismos de fortalecimento
de negociação de interesses, ao abrir possibilidades de modernização nas relações de trabalho.
Existentes no ABC desde 1981, as comissões de fábrica representaram, sem dúvida, um avanço
nas relações de trabalho, tendo desdobramentos ainda maiores, resultando em um atual modelo
“híbrido” de representação sindical. No ano de 1999, as comissões de fábrica passaram a coexistir
com os comitês sindicais de empresa, conforme deliberado no 3º Congresso dos Metalúrgicos do
ABC, no ano de 1996. Neste congresso, os trabalhadores realizaram uma proposta integral de
reforma estatutária, com finalidade de adequar suas resoluções sobre a estrutura organizativa do
sindicato. O objetivo da reforma foi compatibilizar a estrutura do sindicato com a convenção nº
135 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa à proteção dos representantes dos
trabalhadores.
Em alguns casos, preocupadas somente com questões internas às fábricas, algumas
comissões de tornavam distantes do sindicato. No caso dos comitês sindicais, estes são
constituídos pelos diretores do sindicato eleitos nas empresas onde exercem suas atividades
profissionais com os votos dos trabalhadores sindicalizados, e o número de membros dos Comitês
Sindicais de Empresa corresponde proporcionalmente ao número de trabalhadores sindicalizados
em cada empresa. Em suma, os comitês foram criados na tentativa de aprimorar a presença do
sindicato nos locais de trabalho.
Entre as experiências de participação em políticas públicas, podemos citar como mais
expressivas o Consórcio Intermunicipal, o Fórum da Cidadania e a Câmara Regional do ABC.
O Consórcio Intermunicipal, criado em 1990, foi o primeiro arranjo institucional de caráter
regional do ABC, criado como forma alternativa de recuperação política e econômica para resolver
problemas em temas como: saúde, transportes, questão ambiental. O Fórum da Cidadania foi
criado em 1994 e procurou atuar por meio de grupos temáticos para propor soluções para
questões regionais (CONCEIÇÃO, 2008). Já a Câmara Regional do Grande ABC foi criada no ano de
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
365
1997 constituindo-se em um fórum de debates formado pela associação entre o poder público
(governos locais, governo estadual, governo federal e poder legislativo) e a sociedade civil
(empresários, sindicatos, ONGs) (DOS REIS, 2007).
Já o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região (SMRC) atravessou um processo de
renovação após sua diretoria ter sido conquistada pela Oposição Sindical no ano de 1984. A
atividade sindical adotada foi então mais combativa, filiando-se na época à corrente Fórum
Socialista da CUT e a nova diretoria teve como principais bandeiras o fim do assistencialismo e das
contribuições compulsórias, a organização de base, a democracia colegiada e a liberdade e
autonomia na organização sindical. Conhecido no interior do sindicalismo brasileiro como símbolo
de resistência, a entidade se define como um Sindicato “combativo, independente, classista,
democrático e organizado pela base” (DE SOUZA, 2005).
Este sindicato se opôs firmemente à participação nas Câmaras Setoriais, no e às tentativas
desta central em negociar com o governo (ARAÚJO; CARTONI; JUSTO, 2001). Em 2007, o SMRC se
desfiliou da CUT devido a divergências com relação . Pinto (2007) afirma que desde os anos 80,
embora tendendo à negociação por empresa, a grande maioria dos temas tratados pelo sindicato
esteve relacionada à questão salarial, às condições de trabalho e à manutenção do emprego.
Aspectos relativos às transformações nos processos de trabalho também têm sido negociados,
como os planos de cargos e salários e a Participação em Lucros e Resultados (PLR).
Durante a década de 1990 o SMRC atuou também em questões relacionadas ao
desemprego na região, como a montagem de uma associação de trabalhadores com a finalidade
de gerir os bens de uma empresa e a tentativa de recuperação de uma fábrica através da criação
de uma cooperativa de produção autogestionária. Sobre estas experiências, De Souza (2005)
identifica que houve contradições entre: a “ofensividade” das reivindicações de caráter político do
sindicato e a “defensividade” das reivindicações puramente sindicais; e a contradição entre o
discurso crítico e a prática de acomodação à estrutura sindical;
No entanto, ao contrário do que ocorre no ABC Paulista desde a década de 1980, até o
presente momento quase não há representação interna sindical no interior das empresas do setor
metalúrgico na região de Campinas, o que limita as atividades do sindicato para locais externos às
fábricas, como os pátios das montadoras. Quanto aos desafios enfrentados pelo SMRC, alguns
deles são semelhantes com os existentes no ABC, como constata Pinto (2007): redução de sua
base, mediante a intensificação das terceirizações entre 1986-97; elevação geral da escolaridade
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
366
entre os trabalhadores na região de Campinas; mudanças no perfil etário do trabalhador, agora
mais jovem; As práticas sindicais do SMRC estariam, segundo este último autor, mais relacionadas
a questões referentes ao encolhimento de suas bases, a negociações de salários, jornadas, PLR e
intensificação do trabalho.
Como já foi dito anteriormente, a Toyota acompanhou os incentivos do NRA e construiu sua
segunda planta produtiva no ano de 1998, agora voltada para a produção nacional do veículo
Corolla. Além das unidades de São Bernardo e Indaiatuba, a Toyota possui atualmente um
escritório administrativo na cidade de São Paulo e um centro de distribuição em Guaíba (RS). A
partir do ano de 2003, com a criação de uma organização interna da empresa para integração do
gerenciamento na América Latina ― a Toyota M ercosul ― as plantas produtivas de Indaiatuba e
de São Bernardo consolidaram-se como pólos de exportação, inclusive para o México e Caribe.
Atualmente, a empresa possui cerca de 3.300 funcionários, além de investimentos com capital
direto em empresas de autopeças.
Até o ano de 1989, praticamente não havia qualquer tipo de participação do sindicato
dentro da Toyota, com exceção da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Assim
como a Toyota parecia ter uma trajetória particular com relação às outras empresas do setor, os
seus trabalhadores pareciam não participar das atividades sindicais em curso no ABC.
No ano de 1996 a planta da Toyota de São Bernardo do Campo, com mais de 34 anos de
existência, passava por um intenso processo de reestruturação produtiva. O veículo Bandeirante
deixaria de ser produzido em breve, havendo até mesmo a possibilidade concreta de desativação
dessa planta, uma vez que a nova unidade de Indaiatuba já estava sendo construída. A atuação do
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC neste processo de reestruturação foi decisivo para que a
unidade de São Bernardo continuasse em atividade, o que foi a principal tarefa das negociações
que ocorreram ao longo de três anos.
Ao mesmo tempo, outro entrevistado ressalta que a unidade produtiva sofria de problemas
relacionados à defasagem de sua infra-estrutura, repercutindo sobre as condições de trabalho. Ou
seja, as formas de gestão “toyotistas”, discutidas tão intensamente pelos estudiosos durante as
décadas de 1980 e 1990 em nível internacional e no Brasil não ocorriam, na prática, na Toyota de
São Bernardo do Campo.
Esta reestruturação foi importante, segundo o entrevistado, porque tornou a relação entre
empresa e sindicato mais próxima para formular negociações que contemplassem as
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
367
reivindicações dos trabalhadores, assegurando postos de trabalho. Mesmo havendo demissões e o
risco do fechamento da unidade de São Bernardo do Campo devido à criação da planta de
Indaiatuba, a reestruturação pode ser considerada como um momento central para a atividade
sindical na Toyota.
A confirmação dos investimentos da Toyota em uma nova unidade produtiva em Indaiatuba
foi feita no ano de 1996, quando a empresa iniciou o processo de reestruturação da sua unidade
em São Bernardo do Campo. Inicialmente, como foi apontado, havia dúvidas sobre o destino desta
antiga fábrica, havendo até mesmo a possibilidade do seu fechamento. A chegada da Toyota e da
Honda no intervalo de dois anos consolidou a região de Campinas enquanto uma nova região
industrial do setor automotivo, criando expectativas com relação à geração de empregos. Isto
pode ser ressaltado pelo fato de que em 1997 a Mercedes-Benz, então principal empresa
automobilística do município de Campinas, instalada em 1979, anunciou a criação da nova
unidade da empresa em Juiz de Fora (MG), o que culminou na desativação da sua produção de
caminhões.
Em um primeiro momento, no início de suas atividades, a empresa contratou cerca de 600
funcionários para a produção de Corolla. Com o relativo sucesso das vendas deste modelo no
mercado interno, houve o aumento gradual da produção, acarretando contratações diretas no
quadro de funcionários da empresa.
Essas novas unidades, tanto da Honda como da Toyota, se caracterizaram por serem
fábricas “enxutas”, ou seja, se traduziam, no plano produtivo, pela dinâmica de cadeias regionais e
globais visando maior produtividade. Já no plano organizacional, as formas de gestão
correspondiam às recentes estratégias que privilegiam o envolvimento do trabalhador. Como
revela o dirigente sindical entrevistado, os primeiros anos de atividade da unidade de Indaiatuba
foram bastante conflitivas, tendo em vista as condições de trabalho bastante intensas, e com
remunerações muito abaixo do que era esperado.
Neste sentido, a greve ocorrida em 3 de novembro de 1999 é considerada pelo sindicato
campineiro um marco na sua atuação, mesmo que não tenha conseguido se prolongar por muito
tempo devido à forte pressão exercida pela empresa.
As principais ações do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região puderam ser
resumidas na fala do dirigente sindical entrevistado, na qual são ressaltados os principais
resultados positivos das negociações desde 1999, envolvendo principalmente questões referentes
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
368
à jornada de trabalho, à PLR e aos salários. Estas considerações são importantes para constatar
que houve uma ampliação na atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.
Entre as principais pautas atuais dos trabalhadores no sindicato, o entrevistado explica que
a questão do ritmo de trabalho intenso tem sido bastante discutida. As doenças ocupacionais
também são ressaltadas como um dos problemas centrais nas condições de trabalho na unidade
de Indaiatuba. O ritmo de trabalho intenso, segundo ele, também trouxe mudanças na
organização do trabalho, em que a prioridade é exclusivamente a produção.
Conclusões
Os dados obtidos até o presente momento nos permitem concluir que, no caso do ABC
paulista, a mudança de atuação nas práticas sindicais observada é traduzida pela adoção de uma
postura de maior negociação com as empresas, pela renovação de sua estrutura de representação
e por uma maior participação em questões econômicas e sociais junto aos órgãos de
administração pública. Isto foi expresso, por exemplo, a partir de experiências como a Câmara
Setorial Automotiva, a Câmara Regional do Grande ABC, a participação do sindicato no Planfor.
Com relação às negociações por empresa, observamos que houve uma renovação na atuação
sindical na Toyota no ano de 1996, quando o processo de reestruturação produtiva teve início da
unidade de São Bernardo do Campo. O avanço nas negociações entre sindicato e empresa
possibilitou a criação de uma comissão interna de fábrica, além de assegurar a permanência desta
planta na região, hoje dedicada à fabricação de componentes para a unidade de Indaiatuba e
também para o exterior.
No caso de Indaiatuba, constatamos que a postura mais “combativa” do sindicato
metalúrgico desde 1984 foi bastante distinta daquela existente no ABC, rejeitando, por exemplo, a
sua participação nas Câmaras Setoriais. A chegada da Toyota à região de Campinas trouxe,
inicialmente, uma expectativa com relação à geração de novos empregos. Estas expectativas
foram logo sendo desmistificadas por práticas de contratação, salários e jornada de trabalho que
desapontavam os trabalhadores e o sindicato metalúrgico, especialmente quando comparadas à
realidade vivida em São Bernardo do Campo.
Neste caso, observamos a partir da fala dos entrevistados que a partir de 1999 houve
mudanças significativas na ação sindical, período em que ocorreu a primeira greve dos
trabalhadores da unidade de Indaiatuba. Esta greve revelou a possibilidade de questionar as
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
369
condições de trabalho e reivindicar melhorias nos salários dos trabalhadores. Mais do que isso, é
possível verificar que a greve de 1999 representou a capacidade coletiva de organização dos
trabalhadores, ainda que estes não possuam representação sindical interna de fábrica.
E, se, por um lado, a abertura da planta da Toyota em Indaiatuba no ano de 1998 se
concretizou motivada pela busca da empresa por redução de custos na produção e pelo
recrutamento de trabalhadores com pouca participação sindical, a atuação do sindicato
metalúrgico de Campinas desde então vem se fortalecendo.
Desta forma, argumentamos que apesar da tendência ao estreitamento das bases dos
sindicatos metalúrgicos verificada durante a década de 1990 e da mudança no perfil dos
trabalhadores metalúrgicos, isto não significa em dias atuais o enfraquecimento da ação sindical,
mas sim a consolidação de uma tendência à micro-regulação nas relações de trabalho. De uma
forma geral, as novas formas de atuação dos sindicatos revelam um crescimento qualitativo de
prática sindical metalúrgica em dias atuais. Já nas duas unidades produtivas verificadas, as ações
sindicais não necessariamente representam ações sindicais inéditas, mas o ineditismo parece ser
sim residir em um maior diálogo com a empresa, tornando possível atender as reivindicações dos
trabalhadores.
Do ponto de vista das relações de trabalho socialmente construídas, trata-se então da
existência de práticas distintas em São Bernardo do Campo e em Indaiatuba. Apesar das
diferenças regionais, salariais, de tempo de empresa e experiência em organização sindical, tais
práticas distintas, no limite, se tornam similares quando consideramos a fala dos entrevistados,
pois buscam contornar os desafios trazidos aos sindicatos por um novo contexto da indústria
automobilística brasileira.
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373
Práticas de resistência dos migrantes paraibanos nos
Canaviais do Estado de São Paulo
Marilda A. Menezes190
Marcelo Saturnino da Silva191
Introdução
A crescente demanda por etanol brasileiro tem propiciado uma expansão considerável do
agronegócio, especificamente, do setor canavieiro. Expande-se também, nos círculos acadêmicos
uma literatura que visa abordar as conseqüências do aumento da plantação de cana-de-açúcar e,
assim, chamar a atenção para o alto preço do “progresso”, representado na destruição ambiental;
na alta de preços de alimentos com o conseqüente aumento da fome. Vários estudos identificam
a alta exploração a que são expostos os trabalhadores das usinas de cana de açúcar,
especialmente os migrantes que cortam cana. Conforme especificado por Silva (1999)
O ato de cortar cana resume-se à seqüência de gestos, curvatura do corpo, manejo do
podão, destreza, rapidez, dispêndio de força. É necessário cortar um certo quantum de
cana, diariamente, que é determinado pela usina. Ademais, exige-se um corte de boa
qualidade, alguns centímetros acima do chão para facilitar uma excelente rebrotação, o
aparar as pontas, montes ordenados para facilitar o carregamento feito por máquinas.
Tudo se passa de forma combinada. Corta-se, formando vários montes. No final da
rua,volta-se e se aparam as pontas. Reinicia-se o processo nas outras cinco ruas, até
acabar o talhão (p. 201)
Mesmo considerando a mecanização em curso no setor, estudiosos têm chamado a
atenção para o fato de que as novas tecnologias não têm representado uma diminuição da
penosidade, insalubridade e periculosidade do trabalho, mas exatamente o contrário. Nas palavras
de Scopinho (2000),
190
Professora, PPGS/UFCG [email protected]
191
Doutorando - PPGCS/UFCG. [email protected]
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
374
a introdução da colhedeira mecânica no corte da cana-de-açúcar não diminui as cargas de
trabalho do tipo físico, químico e mecânico existentes no ambiente de trabalho e ainda
acentua a presença de elementos que configuram as cargas do tipo fisiológico e psíquico,
porque intensificam o ritmo de trabalho. Por exemplo, as jornadas de trabalho dos
operadores de máquinas agrícolas variam de 12 até 24 horas, durante a safra. O trabalho
no corte mecanizado da cana é organizado em turnos de 8 ou 12 horas e, na época do
revezamento, a jornada estende-se até 24 horas de trabalho, com pequenas pausas para
descanso e para fazer as refeições no próprio local de trabalho (p. 97).
Estamos, pois, diante de um processo de trabalho marcado pela alta exploração dos
trabalhadores cuja eficácia demanda a elaboração de sutis mecanismos de controle por parte das
usinas no sentido de garantir um corpo que seja, concomitantemente, dócil e útil ou, em outras
palavras, adestrado de tal maneira que execute o mínimo gesto com o máximo de eficiência e
eficácia, e seja, ao mesmo tempo, um corpo “educado”, isto é, obediente, controlado, resignado
diante de toda e qualquer exploração.
Os trabalhadores estão envolvidos em formas de dominação, que muitas vezes os colocam
em situações de violência física (Freitas, 2003: 54), trabalho análogo à escravo (Silva, 2007; 2006)
ou instituições de vigilância total, como é o caso dos alojamentos (Menezes, 2002). No entanto,
há, também, formas de resistência que são tecidas nos meandros e brechas das relações de
dominação.
Neste texto, pretendemos abordar, como os migrantes nordestinos, especificamente dos
Estados da Paraíba e de Pernambuco, que são cortadores de cana-de-açúcar nos canaviais do
Estado de São Paulo, constroem formas de resistência às condições de exploração utilizadas pelas
usinas de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo. Buscaremos compreender as brechas de
resistência através das narrativas dos arregimentadores quando expressam que os trabalhadores
migrantes “dão trabalho” ou “dão problema” e das narrativas dos migrantes sobre as normas da
usina, especificamente, aquelas relativas ao corte de cana. Buscando ler estas falas pelo avesso,
propomos uma inversão de sinais que torne possível considerar o “dar problema” ou a não
aceitação automática das regras de organização do trabalho como formas de resistência. Estamos
aqui nos fundamentando na concepção de ‘resistência cotidiana’ proposta por James Scott (1985,
1990, 2002) e Menezes (2002), para compreender as práticas sociais que são difusas,
fragmentadas, não publicas, diferentemente das ações coletivas e institucionais, por exemplo,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
mediadas pelos sindicatos ou movimentos sociais.
375
Esperamos, assim, contribuir para
compreender que esses trabalhadores não se reduzem a um lugar de passividade, conformismo,
imobilismo frente ao sistema de exploração em que estão envolvidos, mas são sujeitos de sua
história, uma história que se faz não como se quer, mas a partir de seus campos de possibilidades.
1. Seleção e arregimentação dos trabalhadores:
Todos os anos, milhares de trabalhadores dos estados da Paraíba e de Pernambuco,
deixam seus roçados, suas famílias e se dirigem para os canaviais paulistas, onde vão oferecer sua
força de trabalho, no período da colheita da cana-de-açúcar. No estado da Paraíba os migrantes
partem, principalmente, de pequenos municípios de diversas micro-regiões do Sertão, Já em
Pernambuco, os municípios que compõem a microrregião do Vale do Alto Pajeú é o local de onde
mais saem trabalhadores para os canaviais do estado de São Paulo.
Como se trata de migrações temporárias, dificilmente são captadas pelo Censo
Demográfico. Só para termos uma idéia, a estimativa é que, apenas das regiões de Princesa Isabel,
na Paraíba e do Vale do Pajeú em Pernambuco saiam, anualmente, mais de seis mil trabalhadores
rumo aos canaviais do Estado de São Paulo. De acordo com o gerente da Empresa Agropecuária
Santa Luiza, empresa responsável pela contratação dos trabalhadores para a usina Santa Isabel,
para a safra de 2009, foram contratados, apenas nas regiões de Princesa Isabel (PB) e do Vale do
Pajeú (PE), cerca de mil e seiscentos trabalhadores para o período da safra. Para a safra atual, até
o final do mês de Fevereiro de 2010, nessas mesmas regiões, já foram contratados, pela empresa
Santa Luiza Agropecuária, cerca de dois mil trabalhadores, sendo que a previsão é que durante a
safra haja mais contratações. É importante frisar que a Santa Luiza Agropecuária é apenas uma,
dentre as várias empresas ligadas ao setor canavieiro do estado de São Paulo, que anualmente se
fazem presente nos pequenos municípios do Sertão da Paraíba e de Pernambuco, com o objetivo
de recrutar mão de obra tanto para o plantio, quanto para a colheita da cana.
A pesquisa foi realizada nos municípios de Tavares e São José de Piranhas no Estado da
Paraíba, Santa Cruz da Baixa Verde, em Pernambuco e nos municípios de Cosmópolis, Engenheiro
Coelho, Rio das Pedras, Guariba, Novo Horizonte e Sales no Estado de São Paulo, no período de
março de 2007 a dezembro de 2009. Eles têm um contrato de trabalho temporário referente ao
período de safra da cana de açúcar, em geral entre abril e dezembro, moram em alojamentos,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
376
pensões improvisadas e cortiços localizados na periferia dos municípios da região canavieira de
São Paulo.
Dados de um questionário aplicado em um dos municípios estudados, visando construir o
perfil dos que migram, apontam que a maior parte dos migrantes está situada na faixa etária dos
17 aos 37 anos, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:
Gráfico 01 – Faixa Etária dos migrantes
DADOS DO MUNICÍPIO DE TAVARES - PB
CARACTERIZAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
(Por Faixa Etária e Estado Civil)
15
10
SOLTEIRO
CASADO
5
SEPARADO
0
Fonte dos dados: Pesquisa dos autores, 2008
A maior parte desses trabalhadores é proveniente da agricultura familiar, numa região
marcada pelas irregularidades das chuvas, aliada à dificuldade de acesso a terra e às poucas
alternativas de emprego e renda no próprio local192. Dessa forma, sem muitas alternativas de
acesso a trabalho e renda em seus locais de origem, esses trabalhadores, tendo como centralidade
seu lugar de moradia, tendem a se conectarem a outros lugares, mobilizando-se em busca de
acesso a trabalho e renda que lhes permita a satisfação de suas necessidades e, em última
instância, a reprodução do seu grupo familiar.
Por outro lado, o baixo nível de escolaridade que tais trabalhadores possuem, como
demonstrado no gráfico 02, não contribui para sua absorção no mercado de trabalho urbano ao
tempo em que sua socialização na agricultura familiar, os torna mão de obra privilegiada para o
setor canavieiro, por se tratar de trabalhadores acostumados à execução de determinadas tarefas
192
Trata-se de pequenos municípios com menos de 20.000 habitantes, com forte presença da agricultura familiar e com pouca
oportunidade de emprego e renda para os seus habitantes.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
377
repetitivas, cansativas e que requerem resistência física. Os migrantes são percebidos, dessa
forma, como os “mais aptos a suportar os rigores da produção canavieira do que os trabalhadores
locais, fundamentalmente da região canavieira de Ribeirão Preto”. (Alves, 2007: p.44).
Gráfico 02 – Escolaridade dos Migrantes do Município de Tavares - PB
Dados do Município de Tavares - PB
Caracterização dos Entrevistados
(Escolaridade)
14
12
10
Analfabeto
8
6
Ens. Fund. Incompleto
4
Ens. Fund. Comp.
2
0
Ens. Méd. Incomp.
Ens. Méd. Completo
N. Inf.
Fonte dos dados: Pesquisa dos autores.
Além disso, fatores que para muitos seriam vistos como negativos, a exemplo da
temporalidade do contrato de trabalho, são visto de forma positivas pelos trabalhadoresmigrantes, como expressa o seguinte fragmento da entrevista:
Outra coisa que nós acha mais fácil. É que nós vamos pro corte de cana, nós sabe o dia
que sai e, não havendo nada, um contratempo nenhum, nem ninguém adoecendo, nós
sabe o dia que volta. Nós já sabe o dia que começa a safra. No dia que nós começa a safra,
nós já sabe o dia dela terminar. A gente faz uma reunião e o encarregado vai dizer “olha,
nós vamos trabalhar tal tempo, tem que tirar tal cana, assim, assim... só que a safra ta
programada pra terminar dia 10 de Novembro ou dia 10 de dezembro”, que nem a
Guarani. Então você já entra sabendo que você vai ter que tirar aquela tarefa todinha. Pra
você ir pra São Paulo, você começa a trabalhar num emprego, você nem sabe quando é
mandado, às vezes você quer vir pra casa, você não pode vir. (Davi, tavarense, 47 anos,
cortador de cana)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
378
Nas cidades de origem, a seleção e arregimentação desses trabalhadores é realizada por
uma rede de agentes – arregimentadores, empreiteiros e turmeiros - que atuam de forma
conectada para viabilizar as diversas fases de seleção e contratação dos trabalhadores migrantes.
Os mecanismos de controle começam a se fazer presente já no momento da classificação e
seleção dos corpos aptos e inaptos, isto é, dos que podem e dos que não podem cortar cana-deaçúcar. Neste sentido ganha relevo a estratégia das usinas que cada vez mais têm se utilizado de
arregimentadores dos locais de moradia dos migrantes para realizarem uma espécie de “primeira
triagem” dos trabalhadores (Menezes e Silva, 2008)
Esses arregimentadores são os antigos “gatos” de que fala Silva (1999), que a eles se refere
como “agenciadores de mão de obra”, cuja função situa-se tanto nos locais de saída, onde
arregimentam os futuros cortadores de cana, providenciam o transporte – o ônibus -, e organizam
a saída; quanto nos locais de destino, onde, na qualidade de “chefes de turma” fazem a mediação
entre membros da turma e os turmeiros, fiscais, empreiteiros, sendo, portanto, responsáveis pela
turma que levam de seus locais de origem.
Para os migrantes eles são apenas mais um fiscal, eles mesmos, no entanto, se intitulam
como informantes, cuja função é a cada ano arregimentar os futuros trabalhadores, organizar a
viagem dos mesmos e, uma vez no local de destino, zelar pelo bom comportamento e
desempenho dos trabalhadores. Sua função envolve ainda o cuidado com os trabalhadores sobre
sua custódia, como um deles nos afirmou durante entrevista coletiva:
Eu já estou responsável pela turma, desde aqui. Para ver serviço em roça, ver em casa, ver
tudo, parte do alojamento. Se adoecer uma pessoa meia noite, eu tenho a obrigação de ir
com ele para o hospital. (Raimundo, chefe de turma, São José de Piranhas, PB).
É mediante os chefes de turma que o trabalhador estabelece o primeiro contato com a
usina, por isso, eles conhecem bem tanto o pessoal da usina com suas demandas, quanto o
pessoal do lugar de origem, foi o que nos informou o senhor Valdaberto (42 anos, chefe de turma,
Cajazeiras.PB):
Porque eu já tenho bastante ano que ando pra lá, tenho muitos conhecimentos com o
pessoal de lá e com os daqui... Eu tenho mais responsabilidade de ir atrás dessa pessoa,
né? Que ele não vai mandar qualquer um ir atrás dessa pessoa, porque chega lá, você vai
aí, só arrumando quem quer que seja ai....
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
379
Assim é que a função de formar as turmas para cada safra, esconde uma outra: selecionar
os candidatos a partir do perfil desenhado pela usina, como especifica Valdaberto:
Porque, vamos supor: prá não procurar gente que não tem qualidade de trabalhar, tá
entendendo? Porque fica dando problemas, lá... Eu já pego a pessoa que, assim, que tem
mais conhecimento, que dá menos trabalho... Meu trabalho foi este, ano passado [2007]...
O que é confirmado também por Benedito (34 anos, chefe de turma , Tavares. PB):
Marcelo: você levou turma este ano?
Benedito: Eu levei dez pessoas...
Marcelo: E como é que faz pra levar turma, qualquer pessoa pode levar?
Benedito: Não, primeiro você tem que ter conhecimento com o fornecedor lá e saber
quem é as pessoas que trabalham aqui também, pessoas que a pessoa leve e não dê
trabalho lá, pessoas direitas, honestas, trabalhadoras...
Ou seja, eles são chamados a informar e buscar, nos locais de origem, futuros
trabalhadores para as usinas, de preferência pessoas que trabalhem e não dêem trabalho. Não
esqueçamos que muitos daqueles que vão cortar cana-de-açúcar provém do meio rural ou dos
pequenos municípios, onde predomina o interconhecimento, ou seja, onde todos “conhecem”
todos. Desta forma, ao utilizar-se do olhar e do conhecimento nativo dos arregimentadores as
usinas garantem uma maior precisão nas escolhas de seus trabalhadores e, assim, reduzem os
problemas e tensões durante a safra.
Este é o perfil do bom cortador de cana-de-açúcar que emerge nos relatos dos
arregimentadores: um indivíduo que trabalhe, isto é, se esforce, pegue no pesado, seja
produtivo193 e, ao mesmo tempo, não dê trabalho, expressão cujo sentido equivale a não causar
problemas tanto para o chefe de turma quanto para os outros funcionários da usina. Não dar
trabalho equivale a seguir o padrão da usina, ou seja, você todo dia cumprir com a tarefa do
trabalho, como nos informou o senhor Raimundo (São José de Piranhas, PB; arregimentador local).
Os que dão trabalho são conhecidos como “nó cego”, a referência é a um nó difícil de desatar e,
portanto, trabalhoso. Ser um trabalhador “nó cego” é atitude difícil de se prever
193
Não esqueçamos que trabalhar é, também, sinônimo de produzir e, sob a égide do capitalismo, produzir significa produzir maisvalia, portanto, encerra a noção de produtividade; ser trabalhador, portanto é ser produtivo.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
380
antecipadamente, ou seja, no processo de seleção, e, às vezes, pode se revelar durante o próprio
processo de trabalho. Nas palavras de Damião (São José de Piranhas, PB; arregimentador local):
Aqui tem tanto cara que é bonzinho, quando chega lá, vira o cabra nó cego.
Sugerimos que as várias formas de se virar nó cego, quando vistas do ângulo dos
cortadores de cana-de-açúcar, referem-se, sobretudo, as várias formas de fazer frente às
tentativas das usinas de lhes extorquirem mais trabalho, podendo ser, portanto, pensadas, como
formas cotidianas de resistência, que nos termos propostos pelo antropólogo James referem-se às
Armas comuns dos grupos relativamente sem poder: fazer “corpo mole’, a dissimulação, a
submissão falsa, os saques, os incêndios premeditados, a ignorância fingida, a fofoca, a
sabotagem e outras armas dessa natureza (Scott 2002: p. 12).
Mais adiante o autor ainda esclarece:
Micro-resistência entre camponeses é qualquer ato de membros da classe que tem como
intenção mitigar ou negar obrigações (renda, impostos, deferência) colocados à essa
classe por classes superiores (proprietários de terra, o estado, proprietários de máquinas,
agiotas ou empresas de empréstimos de dinheiro) ou avançar suas próprias reivindicações
(terra, assistência, respeito) em relação às classes superiores (Scott, 2002: p. 24)
Para o autor, tais formas por ele denominadas de “formas brechtianas de luta de classe”,
são caracterizadas (1) pelo pouco grau de organização/planejamento; (2) por representarem uma
forma de auto-ajuda individual e, finalmente, (3) por fazerem uso da confrontação simbólica em
detrimento da confrontação direta. Além disso, esse tipo de resistência não tem como horizonte
último a revolução, isto é, o que as motiva não é tanto a mudança do sistema ou das estruturas,
mas, antes, fazer com que o sistema trabalhe a seu favor. Nesse sentido elas são, como o próprio
Scott as denomina, armas dos fracos contra os fortes, com vista a conquistar brechas de
resistência em relações sociais de dominação.
Podemos pensar as formas cotidianas de resistência, mediante o conceito de tática forjado
por Certeau (2007). Diferentemente da estratégia, que segundo este autor, remete a um lugar
capaz de ser circunscrito como próprio e, portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas
relações com uma exterioridade distinta (Certeau, 2007: p. 46), sendo, portanto, algo próprio dos
dominantes que podem contar com a segurança de um lugar próprio, a “tática” remete a ausência
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
381
de um lugar próprio, expediente dos que ocupam o lugar do outro, a tática, é algo que se insinua,
de forma fragmentada,
neste lugar do outro e que, por isso, dependem do tempo, das
possibilidades descobertas de ganho, enfim de momentos oportunos, ocasiões nas quais se busca
“tirar partido” (Cf. Certeau, 2007: p. 46-7). Em suas palavras:
A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve jogar com o terreno que lhe é
imposto tal como o organiza a lei de uma força estranha. (...) A tática é movimento,
“dentro do campo de visão do inimigo” e no espaço por ele controlado. (...) Ela opera
golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para
estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela ganha não se
conserva. (...) Tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão
abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar
onde ninguém espera. É astúcia (Certeau, 2007: p. 101).
Comentando as reflexões de Scott, Menezes (2002) chama a atenção para o fato de que
“mesmo quando conduzidas a nível individual, elas [as formas cotidianas de resistência] podem se
expressar de forma persistente e recorrente entre um número expressivo de trabalhadores e,
assim, influenciar as relações de trabalho” (Menezes, 2002: p. 198).
2. Práticas cotidianas de resistência no cotidiano dos canaviais:
De acordo com relatos dos chefes de turma paraibanos, são muitas as situações
trabalhosas, isto é, situações nas quais os migrantes aparecem como dando trabalho, virando nós
cegos. Portanto, o exercício que faremos aqui será no sentido de ler, pelo avesso, a fala dos
arregimentadores. Tal leitura implica numa inversão de sinais de modo a fazer com que tais
relatos revelem aquilo mesmo que o discurso oculta, encobre, invizibiliza. Captar as formas de
resistência cotidianas nas quais os trabalhadores migrantes cortadores de cana-de-açúcar se
envolvem significa reconduzi-los do lugar de passividade, imobilismo e vítima no qual geralmente
são colocados para o lugar de sujeitos de sua história, uma história que se faz não como se quer,
mas a partir de suas possibilidades concretas e objetivas. O que implica em afirmar que eles não
são simplesmente vítimas, que eles também atuam com as armas de que dispõem e com outras
possíveis de serem “fabricadas” com o material mesmo de seu cotidiano, muito embora, seja
preciso, igualmente questionar, os limites dessas formas de resistência cotidiana.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
382
Dentre as situações consideradas trabalhosas pelos arregimentadores e fiscais, merece
destaque aquelas relacionados ao sistema de trabalho194, ou seja, aos conflitos entre a maneira
correta de executar o trabalho, tal como ditado pela Usina e a maneira pela qual os migrantes o
executam. Ou, em outras palavras, entre trabalho prescrito e trabalho efetivamente realizado. As
queixas aqui se referem principalmente a tocos baixos, ponteiros mal feitos e montes mal
formados.
Quando se fala em serviço bem feito, a ênfase é no acabamento das tarefas. O ideal é que
o facão seja batido “o mais rente possível ao solo, promovendo um corte horizontal-basal de cana,
evitando assim o toco alto” (SENAR, 2005:50), isto porque, quanto maior o toco, maior a perda
para a usina, pois é no pé da cana que está contido o maior teor de sacarose. Outro cuidado é com
o ponteiro, o qual deve ser feito no final do palmito. Desponte feito abaixo do palmito acarreta a
perda da cana agregada no ponteiro, o que representa, também, perda para a usina.
Estas informações nos são confirmadas por José Félix (34 anos) e José João da Silva (34
anos), ambos migrantes, cortadores de cana-de-açúcar e residentes no município Paraibano de
Imbiara, os quais, durante entrevista realizada no dia dezessete (17) de setembro de 2007, no
município de Engenheiro Coelho – SP, ressaltaram a importância do trabalho bem feito, que,
segundo eles, envolve alguns cuidados, como por exemplo: (a) sempre cortar o toco baixo; (b)
fazer a lera (local onde a cana cortada é amontoada) limpa, para quando a máquina vir não levar
sujeira para usina; (c) não picar muito a cana, cana curta é prejuízo (se a cana for curta demais,
costuma cair no caminho provocando perdas para a usina); (d) limpar bem a cana, quando a
mesma é cortada na palha visando tirar pelo menos 50% da palha; (e) e obediência aos fiscais.
Uma vez que o pagamento é por produção e que, portanto, o cuidado e o zelo com o
serviço tende a ser visto pelos trabalhadores como perda de tempo, como nos revela o seguinte
trecho da narrativa de um trabalhador:
A gente não faz produção, porque a gente ta fazendo uma coisa e a pessoa fica mandando
voltar atrás toda hora, aí a pessoa não temo como ir para frente. Quem trabalha por
produção não pode perder tempo. Você tem que fazer uma coisa e não voltar atrás, tem
que andar para frente (Fabrício, 24 anos, Santa Cruz da Baixa Verde – PE).
194
A expressão é dos próprios arregimentadores.
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383
Como o depoimento deixa claro, o serviço bem feito está relacionado à busca de extração
de mais trabalho, por parte das empresas, isto é, de um trabalho não pago e que, por sua vez, se
traduz em maiores lucros para o capital. Assim é que, por exemplo, em muitas usinas o cortador
de cana-de-açúcar é obrigado a, após cortar a cana, ajuntá-la num monte, facilitando, dessa
forma, a ação das carregadoras, isto é, das máquinas que recolhem a cana cortada. Para fazer os
montes, o trabalhador tem que parar sua atividade específica (cortar cana), o que representa um
prejuízo em sua produtividade, já que o tempo em que ele passa fazendo os “montes” não é um
tempo contabilizado, se constituindo para ele como “tempo perdido”.
Como resistem os trabalhadores? Podemos captar a partir das falas dos arregimentadores
e mesmo dos cortadores de cana-de-açúcar, quando lidas pelo avesso, duas principais formas de
resistência dos cortadores de cana-de-açúcar no cotidiano do eito. A primeira refere-se ao
envolvimento desses trabalhadores o que se, por um lado, os torna cúmplice da opressão, por
outro lado, “representa uma forma de adaptação menos traumatizante ao trabalho; a melhor
defesa contra a negação de si mesmo representada por um universo de trabalho concebido para
desumanizar” (Linhart, 2007 p. 47). São muitos os casos de bons trabalhadores, e não raramente
os próprios chefes de turma se apresentam e são apresentados como tendo encarnado este perfil
[bom trabalhador]. Este envolvimento tem também outras razões, pois pode implicar em ganhos,
imediatos ou não, que se pode tirar dessa situação: ser bem quisto aos olhos da gerência, com os
conseqüentes elogios e retorno em temo de auto-imagem que o trabalhador faz de si, mas,
também, em termos da possibilidade de se conquistar outros favores: uma promoção, garantir a
vaga na empresa para o próximo ano [se autoemancipando com relação ao arregimentador local].
Outra forma de resistência no cotidiano do eito é constituída por pequenos gestos de
sabotagens sutis, de ignorância fingida. Consiste em não fazer o serviço bem feito, utilizando-se
de artimanhas como “esconder” o toco mal feito, o monte mal arrumado. Nas palavras de Odair
(21 anos, Santa Cruz da baixa Verde – PE),
Você deixa o toco maior abaixo do monte, você cobre os tocos altos, jogando a cana em
cima, ai o fiscal não ta vendo... Depois que passa colhendo a cana, aí depois fica tudo e
acontece, muitas vezes, da turma ser obrigada a reparar aquele serviço... As vezes quando
a cana é caída, no lugar do monte, você não corta, só picota e joga a cana em cima.
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384
Como sinaliza Certeau (2007) a utilização dessas táticas demanda um senso da
oportunidade, uma sabedoria que possibilite aproveitar um momento de dispersão das figuras de
controle (fiscais). Prática individual? Ledo engano, pois não acontece sem contar com a
cumplicidade de uma rede antidisciplinar, constituída pelos que estão “num mesmo barco”. Assim
é que um trabalhador-migrante de Santa Cruz da Baixa Verde – PE nos segredou que quando
alguém avista o fiscal, deve alertar os demais companheiros, afim de que fiquem atentos. Com
esta intenção códigos são criados e partilhados: “Quando o fiscal vem, os cabras [trabalhadores]
gritam: ‘Tá escurecendo!’, ‘Olha o fogo!’ , assim, dá tempo pra gente se ajeitar e o fiscal encontrar
tudo em ordem” (Beto, 29 anos, Santa Cruz da Baixa Verde).
Aproveitar a ocasião, a oportunidade, implica num jogo em um espaço que, como se disse,
não é próprio, mas do outro, assim, há sempre a possibilidade de que o truque não dê certo
quando então a desobediência é descoberta, podendo resultar em sanções para os trabalhadores
envolvidos, os quais são então obrigados a refazerem o serviço.
Tal informação é confirmada ainda por outro informante, o Rosinaldo (chefe de turma,
Tavares.PB) que nos explica:
Se não fizer o trabalho bem feito ele vai te mandar ajeitar o trabalho. Daí você diz “Ah,
mas meu serviço tá bem feito”. “Rapaz, lá tem toco alto, tem ponteiro mal batido”. Daí
você se recusa e o que eles vão fazer com você? Eles vão lhe punir. “Marcelo, você não
quer ir não, não? Então vem aqui assinar uma advertência”. Primeiro vai de advertência,
você assina a advertência e se você se recusar a assinar aquela advertência, eles vão te dar
gancho, entendeu. Durante aquela advertência, se você pegar três advertências, na quarta
já é três dias de gancho, três dias de gancho é pra você ficar em casa, você não vai ganhar
nada, você perde, você não vai ganhar hora de ônibus, você não vai ganhar remunerado,
você não vai ganhar, inclusive nada, você só vai sujar seu nome. Dali pra frente, o fiscal vai
ficar pegando no seu pé, porque você fez o serviço errado a primeira vez, então eles vão
pensar que você vai fazer o serviço errado, direto. Então, você tem que trabalhar o melhor
possível, que é para ninguém pegar no seu pé...
São muitos os relatos de confusão entre os
trabalhadores e fiscais, motivados por
“serviços mal feitos”. Os trabalhadores reclamam que muitas vezes são tratados de forma
desigual, que há trabalhadores para os quais o fiscal faz “vista grossa”, não se importando com a
qualidade do serviço, conforme expressou João Paulo (23 anos, Migrante Cortador de cana-deaçúcar, Tavares.PB)
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385
Os fiscais chatos. Na hora do meio dia, o sol queimando, juízo cozinhando e eles enchendo
o saco: ‘Esse serviço tá mal feito’, ‘Olha o tamanho dos tocos’, eles querem que cortem
certinho. Eu não deixava toco, mas eles chegam só para encher o saco, porque eles falam
só pra encher o saco, porque tem gente que corta alto, deixa toco e eles [os fiscais] não
falam, gostam dele [de alguns que deixam toco], aí não diz nada. Já tem gente que corta
certo e eles chegam só para encher o saco.
Esta informação também é confirmada por outros informantes, como mostram as falas
abaixo transcritas:
A humilhação aqui é grande. Se deixar um toco eles dizem: ‘olhe, pra eu te dar um gancho
é ligeiro’ Nem equipamentos eles dão. Eles dão a primeira botina, da segunda por diante eles
mandam comprar, custa uns R$ 39,00, 40,00 reais cada. (Valdecir, 42 anos, oriundo do município
de Tavares. PB, cortador de cana)195.
Eles, os chefes, reclamam muito, diz que não faz os serviços do jeito que eles querem. Cada
um tem um superior, e os fiscais (da empresa) também têm os fiscais da Usina. (José Laércio, 37
anos, oriundo do município de São José de Piranhas. PB, migrante cortador de cana)196.
Quando reclamados, são muitos os trabalhadores que revidam, respondendo e mesmo
ameaçando o fiscal, sobretudo quando o fiscal chama a atenção do trabalhador de forma
considerada “desrespeitosa”. No município de Santa Cruz da Baixa Verde – PE, soubemos de um
conflito entre trabalhador e fiscal que culminou na morte deste último pelo trabalhador. Outros
relatos de trabalhadores dão conta de fiscais que saíram correndo no espaço dos canaviais,
ameaçados que foram por trabalhadores de facão na mão. Tais narrativas costumam ser contadas
de forma jocosa, e é possível ver um misto de felicidade na face do narrador que tende a se
identificar com o fato narrado assumindo a posição dos trabalhadores. Em visita à usina Santa
Isabel, no ano de 2009, soubemos que os fiscais portavam um facão, questionados sobre a função
dos mesmos nas mãos desses atores, ficamos sabendo que seu porte visa mostrar aos
trabalhadores que o fiscal não está desarmado, visando assim intimidar e com isto coibir o uso da
violência na relação entre fiscais e trabalhadores cortadores de cana.
Um terceiro tipo de trabalho que os migrantes costumam dar às usinas refere-se à baixa
produção no dia e absenteísmo. A primeira forma aparece na fala dos arregimentadores como
195
196
Entrevista realizada no dia 16 de Setembro de 2007, no município de Novo Horizonte - SP.
Entrevista realizada no dia 14 de Setembro de 2007 no município de Rio das Pedras, interior Paulista.
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386
fazer corpo mole e é própria dos cabras que dão nó, isto é, daqueles que chegam no trabalho, aí
cortam corta dois, três metros de cana aí se deitam e pronto, não fazem mais nada...Param, não
trabalham direito” (Benedito, 34 anos, chefe de turma, Tavares.PB). A segunda forma de
abstinência, do trabalho, refere-se a faltas, mesmo em se tratando de faltas acobertadas por
atestados médicos. Para chefes de turma e mesmo migrantes o fato de uma pessoa apresentar
muitos atestados à usina, durante um ano, é indicio de que a pessoa é enrolada, gosta de dar nó. É
recorrente na fala dos migrantes, seja cortadores de cana, sejam chefes de turma, situações em
que alguns trabalhadores passam a noite bebendo e, no outro dia, sem disposição para ir ao
trabalho, simplesmente faltam ou colocam atestado. Nas palavras de Raimundo (São José de
Piranhas, PB, chefe de turma): “essa coisa de perder dia, as vezes tem por exemplo, amanhã é
folga, o camarada vai para cidade, vai para zueira, chega em casa tarde da noite, aí no outro dia
não quer ir trabalhar, fica em casa”. Nós mesmo, durante visita de campo, realizada ao sindicato
de Novo Horizonte, interior de São Paulo, pudemos constatar in loco a busca por atestado médicos
naquele sindicato, onde os trabalhadores podiam comprar os atestados que eram vendidos por
um real e cinqüenta centavos ( R$ 1,50).
Linhart (2007) escrevendo sobre a vivência no trabalho e fazendo menção ao absenteísmo
anota que é para “preservar [sua] especificidade que cada qual recusa e foge diversas vezes de seu
universo de trabalho, expressando sua necessidade de escapar do trabalho, ou seu desejo de viver
outra coisa por algum temo” (p. 48) e, mais adiante:
O absenteísmo traduz, então, a necessidade de fugir, por um tempo, do que, de repente,
se tornou insuportável. Mas o absenteísmo pode, e aí está uma outra face, responder ao
desejo de desfrutar um pouco de vida (...) podendo ser interpretado como uma gestão
autônoma do tempo – em limites evidentemente bem restritos. Uma gestão individual e,
além disso, clandestina, pois é preciso justificar a necessidade de fuga do trabalho, ou o
desejo de viver outra coisa, fornecendo um atestado médico. (p. 48)
Mas, se há resistência da parte do trabalhador, também há as estratégias por parte das
usinas. Assim, é cada vez mais recorrente na fala de trabalhadores e chefes de turma a menção ao
período de experiência, tempo utilizado pela usina para detectar e dispensar os trabalhadores
“improdutivos”. Este ano de 2010, tivemos acesso à lista negra elaborada pelo setor de recursos
humanos da empresa Santa Luiza Agropecuária. Na lista constam os nomes de trabalhadores
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
387
“queimados”, isto é, trabalhadores que por algum motivo, estão impedidos de serem contratados
pela empresa. Dentre os motivos listados no referido documento consta “pouca produção”,
“trabalho pouco”, “baixa produtividade”. Embora seja algo não reconhecido oficialmente pelas
usinas, é do conhecimento dos trabalhadores e fiscais que as empresas não têm interesse em
manter os trabalhadores cuja produtividade não seja suficiente para que os mesmos alcancem, no
mínimo, o piso salarial da categoria, isto porque, nesses caso, a empresa estaria obrigada a realizar
a complementação do salário desse trabalhador.
Ainda no quesito aqui examinado – fazer corpo mole – há relatos de fiscais segundo os
quais, quando se inicia o mês de dezembro, os trabalhadores tendem a baixar a produtividade.
Em entrevista coletiva, arregimentadores da região de Cajazeiras, na Paraíba, chegaram a falar em
greve forçada, se referindo ao fato de que depois do dia quinze (15) de Dezembro, fica difícil
convencer os trabalhadores a manter os mesmos níveis de produtividade. No ano de 2009,
segundo relato de um gerente da Santa Luiza Agropecuária, por conta das chuvas, a colheita
manual da cana precisou ser estendida até o dia vinte (20) de Dezembro. Para convencer os
trabalhadores a não baixarem o nível de produção a empresa lançou mão de um sorteio de quatro
motos, do qual só pôde participar os trabalhadores cuja média de produtividade não tivesse
decaído muito, no mês de dezembro, com relação aos demais meses.
Segundo o gerente, a empresa dispõe de dados de cada trabalhador, inclusive sua média
de produtividade e assim, não houve dificuldade em acompanhar os trabalhadores que, por conta
do sorteio e na esperança de “ganhar” uma moto, continuaram trabalhando no mês de Dezembro
com a mesma intensidade dos meses anteriores.
Quanto aos atestados médicos,: tornou-se prática comum por parte das usinas, a retirada
parcial ou total do ticket alimentação para o trabalhador que colocar, durante um mês, uma
determinada quantidade de atestados. Segundo informação dos próprios trabalhadores, a
apresentação de dois atestados, em um mesmo mês, equivale à perda de 50% do valor do ticket
alimentação, três atestados, perda de 75% e, quatro atestado ou mais, perda do valor total do
ticket. Além de que, há relatos de trabalhadores cujos nomes passaram a constar nas “listas
negras” por terem apresentando “muitos” atestados durante a safra.
Pelo exposto claro fica que a configuração da organização e relações de trabalho no espaço
dos canaviais é resultado da correlação de força entre os atores sociais aí presentes (trabalhadores
e representantes das empresas), desse modo, os canaviais não podem ser visto apenas como lugar
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388
da produção, mas também como lócus de luta contínua entre os trabalhadores e aqueles
interessados em extrair-lhe mais trabalho. Por sua vez essa luta assume uma variedade de
formas, que são tributárias tanto da experiência desses atores quanto do ambiente político quer a
nível institucional, quer a nível societário mais amplo.
Há em primeiro lugar o fato de que os trabalhadores nordestinos não levam para os
canaviais do estado de São Paulo, uma experiência de ação sindical em sua região de origem. Tal
como em Sedaka, lócus de estudo de James Scott, nas cidades de origem da força de trabalho aqui
em foco, as organizações sindicais existentes surgiram por decreto do Estado e não como resposta
à experiência do campesinato. Além de que, como a maior parte das contribuições sindicais tem
sua origem na aposentadoria, esta passou a ser o foco da ação sindical, desde a sua instituição em
final da década de 1980. A comparação com os municípios da região do Vale de Pajeu revela-se
aqui importantíssima, visto que as práticas sindicais ai vigente ainda guarda relação com as
condições de existência e reprodução dos pobres do campo, pautando-se pela busca de direitos.
Assim, no conjunto de trabalhadores dos dois estados aqui em analise, são os trabalhadores
oriundos do Vale do Pajeú, Pernambuco os que mais se inserem em práticas de resistência, sendo,
por isso, considerados rebeldes, trabalhosos etc. No ano de 2009, a usina Santa Isabel despediu
uma turma constituída inteiramente de trabalhadores provenientes do município de Santa Cruz da
Baixa Verde – PE e adjacências. São também os trabalhadores de Pernambuco que, ao retornam
aos seus locais de origem, mas têm procurado a justiça trabalhista visando requerem direitos
violados durante a época da safra.
Ainda no nível da experiência dos trabalhadores é mister retomar a reflexão de Scott sobre
a economia moral do campesinato. Na obra: The Moral Economy of the Peasant: Rebellion and
Subsistence in Southeast Asia, Scott (1976) fundamentando-se no conceito de Economia Moral de
E. P. Thompson, mas também nos trabalhos de E. Wolf, B. Moore e Chaynov, dentre outros,
formula a noção de ética de subsistência para explicar o comportamento do campesinato.
Segundo Menezes (s/d) tal noção se baseia em três elementos, a saber:
No princípio de safet-first (segurança em primeiro) ou “risk-avoidance”; segundo, numa
noção de justiça permeada na rede de reciprocidade entre amigos, parentes, relações
patrões – clientes ou até mesmo o estado e, terceiro, na noção de subsistência como uma
reivindicação moral (Menezes, s/d: p. 03)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
389
Acreditamos que os conceitos de “segurança primeiro” e “risco mínimo”, ao acenar para a
busca de evitar risco, por parte do camponês que vive próximo dos níveis mínimos de
sobrevivência, explica, em grande medida, a opção desses sujeitos pelas formas micro de
resistência, pela qual se evita os riscos representado pelo confronto direto com os dominantes,
especialmente, nos contextos onde tais riscos implicaria em colocar em xeque a sobrevivência
própria e a da família.
Outro elemento que se impõe na explicação dos motivos da opção dos trabalhadores pelas
formas cotidianas de resistência é o fato de que as relações de dominação no mundo dos
canaviais, possuem concomitantemente uma face burocrática, constituída por hierarquias e
normas estabelecidas pelas usinas e
outra face personalizada. Não esqueçamos que os
trabalhadores são arregimentados a partir de seus laços pessoais de parentesco e vizinhança. Tais
laços funcionam de duas formas: De um lado, como canal mediante o qual, os determinados
trabalhadores conseguem um tratamento diferenciado com relação aos demais, amenizando,
dessa forma, o peso das normas e exigências. Por outro lado, esta personalização da dominação
permite escamotear os conflitos de classe, revestindo os interesses das usinas e funcionários
responsáveis pelo controle, de uma matriz pessoal. Em muitas situações, o fiscal não é apenas o
fiscal, mas também o compadre, o irmão, o primo. Quanto aos arregimentadores pelo fato dos
mesmos terem conseguido a vaga para o trabalhador, este se sente em dívida moral para com ele,
o que dificulta a emergência de conflitos em outros níveis.
Não podemos perder de vista, também, o papel desempenhado pelo medo que ronda os
espaços dos canaviais. Medo de perder o emprego, de figurar na lista negra da usina, não sendo
mais aceito em seus quadros, tendo então que buscar outras usinas e morar em outras cidades,
não podendo, portanto, contar com a rede de conhecimento (comerciantes, donos de imóveis,
mulheres etc.) já construída naquele município para onde se migra anualmente, e que facilitam a
permanência durante o tempo da safra. Questionados sobre o porque de não se envolverem com
as greves e paralisações muitos trabalhadores relatam os prejuízos que resultam de tal
envolvimento, tal como a demissão e a inclusão do nome na lista negra das usinas.
Aquilo que Scott chamava de dureza do cotidiano é outro fator que ajuda a explicar a
opção dos trabalhador-migrantes pelas formas cotidianas de resistência no espaço dos canaviais.
Por “dureza do cotidiano”, Scott se refere aquilo que no contexto nordestino é tido como
“precisão”, “necessidade” e, ao mesmo tempo, aponta para a falta de alternativas, o que favorece,
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
390
da parte dos pobres, uma adaptação pragmática, isto é, uma adaptação que não implica em
consentimento, mas que está relacionada, de um lado, à clareza quanto à consequências
prováveis de uma ação claramente contestatória, e, por outro lado, a não existência de
alternativas, levando-se, claro em consideração, as motivações da ação. Assim é que Scott
apresenta, para melhor expressar suas idéias,
As palavras de Hassan, um homem pobre que recebia aquém do salário mínimo para
organizar pilhas de grão de arroz. Ao ser perguntado porque ele não dizia “não” ao seu
rico patrão, ele respondeu ‘Os pobres não podem reclamar, quando estou doente ou
precisando de trabalho, posso precisar dele outra vez. Fico com raiva no meu coração’
(Scott, 2002: p. 18).
O ultimo desabafo de Hassan transcrito por Scott “Fico com raiva no meu coração”,
esclarece bem o fato de que a subalternidade não significa concordância ou mesmo ausência de
uma consciência da exploração. Nesse ponto, também, é esclarecedora a seguinte consideração
de Scott: “Eles [os pobres de Sedaka] lutam sob condições que são amplamente independentes de
sua determinação e, assim, suas necessidades materiais permanentes precisam de algo como a
acomodação diária a essas condições” (Scott, 2002: p. 18).
Finalmente é necessário que pensemos no peso do contexto societário mais amplo. Com
efeito, não são apenas um punhado de anos que nos separa do contexto que favoreceu as grandes
greves dos trabalhadores do setor canavieiro no estado de São Paulo, nos anos de 1984,
movimento que ficou conhecido como a Greve de Guariba, por ter sido esta cidade do interior
paulista palco e ponto a partir do qual o movimento se irradiou para outras partes daquele estado.
De lá para cá, muita coisa mudou: os setores de esquerda, sobretudo, os sindicatos, vivenciaram
uma crise sem precedente diante de uma situação de desemprego estrutural e no qual as
reivindicações por direitos passaram a ser substituída por reivindicações pela permanência dos
postos de trabalho, pela não demissão de mais trabalhadores, a questão de permanência no
trabalho passando a palavra de ordem do dia e escamoteando
outras reivindicações que
passaram a gozar de menos legitimidade. Isto é, numa época marcada pela inserção de tecnologia
e pelo cada vez mais crescente desemprego, os olhos e a ação da classe trabalhadora, terminaram
por voltar-se para estratégias focalizadas na busca por garantir o emprego o que implicou,
inclusive, em abrir mão de alguns direitos já conquistados.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
391
Nesses tempos de incerteza em que o medo ronda a mente de cada trabalhador, a luta
aberta torna-se uma opção remota, o que não significa que os trabalhadores aceitem o nível de
dominação e exploração ao qual estão exposto. Tal aceitação, embora aparente, é uma ilusão que,
inclusive, os poderosos do mundo, nos querem fazer acreditar. Todavia, um olhar atento sobre o
cotidiano do mundo do trabalho, é capaz de revelar que tal aceitação é apenas aparente e que a
luta não deixou de existir, apenas se faz em outros planos. Nesse sentido embora tenham como
lócus próprio os bastidores, há sempre a possibilidade de que essas formas cotidianas de
resistência irrompam no palco, na cena pública, o que tem sido atestado pelos inúmeros episódios
de greves, paralisações, acesso a justiça trabalhista, protagonizados pelos trabalhadores migrantes
como resposta a um cotidiano de trabalho marcado pela exploração e que sinalizam para o fato de
que a chama que alimenta a rebeldia, o sentimento de injustiça e de dignidade ferida, a
capacidade de indignar-se com a própria exploração e com a do outro, continua presente e seus
sinais, mesmo quando sutis, continuam marcando o cotidiano dos espaços de produção.
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393
A reconfiguração da precariedade nas relações de trabalho:
Um estudo sobre os trabalhadores de moto-táxi
em Campina Grande – PB 197
Jucelino Pereira Luna198
Até os nossos dias, a histórica de toda a sociedade
tem sido a história das lutas de classe. (Marx e
Engels, 1998)
Introdução
Na realidade, assistimos a uma nova dinâmica sócio-econômica na esfera global, marcada
pela financeirização dos capitais e pela liberalização dos mercados. Esse novo contexto é marcado
pela desarticulação do sistema de produção fordista,199 que predominou no pós-guerra nos países
industrializados. Esse regime assentava-se no “pleno emprego”, baseado em contratos de trabalho
de natureza coletiva. O novo cenário exige a flexibilização das relações laborais, resultando em
elevadas taxas de desemprego. Esse cenário tem sugerido a partir da década de 1970 um debate
sobre o futuro do trabalho200.
Nesse sentido, a hipótese que norteia as nossas reflexões é a de que o moto-taxismo é
parte da resposta que os trabalhadores e a sociedade vêm dando, por meio de processos
espontâneos, à crise do trabalho, principalmente do emprego entendido em termos clássicos, e
que tem atingido o mundo e o país, na forma de um reincremento das formas de trabalho
197
O texto apresentado é parte da nossa pesquisa de tese de doutoramento em andamento, realizada junto ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande. Uma versão deste texto foi publicada pela Editora da
UFCG/UEPB – Paraíba. Este debate também foi compartilhado no X Congresso Luso Afro Brasileiro De Ciências Sociais na
Universidade de Braga – Portugal de 04 a 07 de fevereiro de 2009 e também no VI Encontro da Associação Latino Americana de
Sociologia do Trabalho em abril de 2010.
198
Professor da Universidade Estadual da Paraíba e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Campina Grande realizou sanduiche no Programa de doutoramento em Relações de Trabalho,
Desigualdades Sociais e Sindicalismo do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra – Portugal.
199
Cf. Lipietz (1989: 304). O Fordismo é um regime de acumulação que se desenvolveu na maior parte dos países da OCDE, após a
Segunda Guerra Mundial (Aglietta, 1976; Boyer e Mistral, 1978; Coriat, 1978; e Lipietz, 1979). Para ele, do ponto de vista do
processo de trabalho, o fordismo caracteriza-se por uma disjunção, por tripartição das atividades em três níveis: I – A concepção, a
organização dos métodos tomados autônomos; II – A produção qualificada, requerendo uma mão-de-obra adequada; III – A
execução e montagem desqualificadas, não exigindo, em princípio, qualquer qualificação (313).
200
Para aprofundar o debate remetemos o leitor ao texto de Ricardo Antunes. Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo,
Boitempo: 2006.
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394
autônomo e informal. Sendo assim, a questão central que envolve a pesquisa é buscar apreender
que tipos de relações de trabalho e formas de sociabilidade estão na base de constituição desse
novo segmento de trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de relações de trabalho
que estão na atualidade compondo o mundo do trabalho.
Para tanto, requer situar os termos atuais da flexibilização das relações de trabalho, como
tendência mundial, ao mesmo tempo buscando realçar suas repercussões específicas em países
que, como o Brasil, traz nesse campo a marca da precariedade e da informalidade201. Faz-se
necessário, ainda, explorar com especial atenção as práticas e percepções sociais, em construção,
em conflito, entre os atores sociais envolvidos na atividade do moto-taxismo, como se veêm e são
vistos, sobre como dialogam (conformando-se, resistindo e reinventando-se) com as condições
que lhes são impostas por tal situação.
A fundamentação teórica da pesquisa foi pautada, desde contribuições de autores
referidos a um debate teórico mais geral até aportes mais especificamente relacionados ao tema.
São exemplos: a noção de "experiência" Edward P. Thompsom; a discussão sobre "produção
flexível” trazida por David Harvey; a ideía de "fordismo periférico" de Alain Lipietz; a crítica da
"razão dualista" por Francisco de Oliveira; as abordagens sobre o trabalho informal e precário no
Brasil, por Cristina Cacciamali, Márcio Pochmann, Ricardo Antunes, Graça Druck, Márcia Leite,
Jacob Carlos Lima, entre outros. Além desse conjunto de aportes teóricos, utilizamos a pesquisa
documental e, ainda um conjunto de 12 (doze) entrevistas, 9 (nove) entrevistas, 3 (três) em cada
segmento de trabalhadores e mais 3 (três), uma com o representante do Sindicato, uma com o
gestor da STTP (Superintendência de Trânsito e Transportes Públicos) e por último com o
proprietário da empresa CG Motos. Além disso, como estratégica metodológica complementar
aplicamos um total de 207 questionários com 25 (vinte e cinco) perguntas cada nos três
segmentos de trabalhadores, com o objetivo de captar questões que não foram possíveis de
serem apreendidas nas entrevistas.
Vale ressaltar que a pretensão aqui não é e nem poderia ser, diante da gigantesca tarefa
que isso significaria, de chegar a conclusões definitivas. Trata-se apenas de contribuir com o
debate que já está em curso, e cujos contornos só serão possíveis de serem desnudados a partir
201
Par aprofundar esse debate sobre “setor informal” e as origens da informalidade remetemos o leitor a leitura de Hart, Keith
(1973); OIT (1972).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
395
de um esforço coletivo através de uma sistematização do que vem sendo feito e de uma reflexão
sobre as novas questões que estão postas.
Feito este preâmbulo, passaremos então a discutir as seguintes questões: em primeiro
lugar vamos contextualizar os processos de reestruturação produtiva (Taylorismo, Fordismo e
Produção Flexível), em seguida discutir a nossa situação de pesquisa: os trabalhadores de mototáxi e, para concluir, faremos as nossas considerações finais.
II. O Taylorismo, o Fordismo e a Produção Flexível: Do Centro para a Periferia
A primeira Revolução Industrial orientou a transição da manufatura para a indústria
moderna, ou seja, a era da maquinaria, das fábricas, da expansão do trabalho assalariado
marcando um período histórico, onde se fez necessário a adaptação do homem ao rítmo das
máquinas. Posteriormente, inaugura-se um novo momento, marcado pelos modelos de
acumulação rígidos: o Taylorismo e o Fordismo, aprofundando a racionalização e implantando a
linha de montagem, tornando a produção mais previsível, controlável e planejável. O surgimento
do Taylorismo nos Estados Unidos provocou uma nova concepção produtivista e sistemática de
organização do trabalho, onde as tarefas passaram a ser feitas de forma ritmada e cada vez mais
individualmente pelos operários, eliminando as atividades em grupo e simplificando as mesmas.
Este processo ampliaria a produtividade e intensificaria o controle sobre o trabalhador, pois o
mesmo passou a ser vigiado e, através de um marcador do tempo, o cronômetro, passava a
cumprir a determinação do seu superior para realizar suas tarefas em uma limitada carga horária.
A linha de montagem, a racionalização do trabalho e as tecnologias efetivadas pelo
Fordismo seguiram o mesmo caminho do Taylorismo, elevando o grau de mecanização na
realização das atividades, simplificando-as e padronizando-as cada vez mais, através da produção
em série e de massa, conforme foi muito bem representado no filme ´Tempos Modernos”, de
Charles Chaplin.
O Fordismo que nos países centrais visava obter produção e consumo em massa, se
expandiu também para a América Latina, inclusive para o Brasil. Entretanto, dadas as
características próprias da industrialização brasileira, marcada por um caráter tardio, produziu-se
um padrão especial de industrialização: o “fordismo periférico” (Lipietz, 1991), numa composição
entre um setor dinâmico, restrito, onde se estabeleceu um mercado formal de trabalho, e outro
tradicional, mais amplo, onde predominou um mercado informal de trabalho.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
396
Esse contexto é marcado pelo “desenvolvimentismo”, em que o Brasil assume um papel de
economia complementar ao processo de acumulação dos capitais nos países centrais. Nesse
sentido, a evidente desigualdade de que se reveste o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
combina-se com uma base de acumulação razoavelmente pobre para sustentar a expansão
industrial e a conversão da economia pós-anos 30. Nos termos de Oliveira (2006), essa
combinação de desigualdades não é original; em qualquer mudança de sistema ou de ciclos, ela é,
antes, uma presença constante. A originalidade consistiria talvez em dizer que – sem abusar do
gosto pelo paradoxo – a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no
arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação
global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a
acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o
potencial de acumulação liberados exclusivamente para fins de expansão do próprio novo.
Essa forma parece absolutamente necessária ao sistema em sua expressão concreta no
Brasil, quando se opera uma transição tão radical de uma situação em que a realização da
acumulação dependia quase integralmente do setor externo, para uma situação em que será a
gravitação do setor interno o ponto crítico da realização, a permanência dele mesmo. Desta feita,
o sistema caminhou de forma inexorável para uma concentração de renda e do poder, de maneira
que as tentativas de intenção corretiva ou redistributivista – na visão de alguns – transformaramse no pesadelo “prometeico” da recriação ampliada das tendências que se queria corrigir nos
termos de Francisco de Oliveira (2006). Esse contexto estava sintonizado com a industrialização e
a introdução do Fordismo no Brasil, de natureza periférico.
O economista francês Lipietz (1988: 97)
caracteriza o “fordismo periférico”
como:“Fordismo autêntico, com um verdadeiro processo de mecanização e um acoplamento da
acumulação intensiva e do crescimento dos mercados do lado dos bens de consumo duráveis”.
Após alguns sucessos iniciais, o modelo de industrialização fordista na periferia centrado na
adoção parcial e freqüentemente ilusória do modelo central de produção e consumo, ainda que
sem a adoção das correspondentes relações sociais, mostrou-se, com efeito, incapaz de inserir-se
no “circulo virtuoso” do fordismo central: “nesse fracasso a responsabilidade da “dependência”,
que é real, é muito mais mediata do que afirma os slogans vingativo”.
O elo que falta deve ser procurado, antes de qualquer coisa, na estrutura social interna –
consolidada pela manutenção de uma distribuição muito desigual da renda no setor de exportação
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
397
de matérias–primas e pelo fracasso redistributivo das reformas agrárias – e na incapacidade de
ampliar o setor manufatureiro e de realizar a integração do consumo popular ao regime de
acumulação. A existência do centro pesa, sobretudo (além das marcas da colonização na estrutura
social interna), em função do sucesso de sua própria “autocentragem”: a difusão do regime de
acumulação intensiva amplia, pelo menos nessa época, as diferenças de competitividade entre o
centro e a periferia, excluindo esta última do comércio internacional e bens manufaturados. E, no
entanto, é em razão mesmo desse sucesso que o centro irradia seu modelo de produção e suas
normas de consumo, levando a substituição de importação a uma armadilha mimética (Lipietz,
1989: 309-311).
Ainda na trilha de Lipietz (1989: 332), “O desenvolvimento do “fordismo periférico” opera
em uma escala que exclui o espaço territorial e reduz os países a “pontos”em um espaço mundial
discreto, enquanto o desdobramento dos circuitos de ramos fordistas nos territórios do centro
visa, ao contrário, adaptar-se às nuances do tecido social espacializado”.
Nesse sentido, o capital, a partir de suas demandas e de acordo com o contexto que se
evidencia, desenvolve novas estratégias a fim de assegurar sua sustentabilidade. O exemplo
clássico foi a substituição da produção em série e de massa, característica do período Taylorista
/Fordista, quando não foram mais suficientes às suas demandas.
Desse modo, nesse período, era preciso reestruturar sem alterar os pilares do modo de
produção capitalista, “racionalizar ao máximo as operações feitas pelos trabalhadores,
combatendo o desperdício na produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho,
visando à intensificação das formas de exploração” (Antunes, 1999: 37).
Esses modelos tinham como objetivo a superação da crise do capitalismo desde o final do
século XIX, possibilitando o aumento da produção, o controle do patrão sobre o trabalhador e,
sobretudo, o aumento das taxas de lucro. Entretanto, na década de 1970, uma nova crise do
sistema capitalista já era notada, com a insatisfação dos trabalhadores, a crise do Welfare State e
o processo de globalização fizeram com que uma nova estratégia de aumentar - ou pelo menos de
manter - a produção dentro da lógica capitalista fosse desenvolvida. Surgiram, então, os modelos
de produção flexíveis - destacando-se na Europa, Ásia e EUA, inovando no sentido da organização
do trabalho, onde a subjetividade do trabalhador passa a ser cada vez mais considerada para gerar
o aumento da produtividade.
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398
Segundo (Antunes, 2001: 47-48), em resposta à crise estrutural estabelecida pelo sistema
capitalista de produção:
O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, por meio
da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing, das formas de gestão
organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio
taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o ‘toyotismo’ ou o modelo japonês.
Essas transformações, decorrentes da própria concorrência intercapitalista (num
momento de crises e disputas intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e
monopolistas) e, por outro lado, da própria necessidade de controlar as lutas sociais
oriundas do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua crise estrutural.
É neste cenário de imensas mudanças no processo de organização no interior fabril, que emerge,
em meados da década de 1980, a era da acumulação flexível, constituindo-se como novo
paradigma produtivo oposto ao modelo de produção em massa, característico da indústria
fordista. Surge então, o trabalho multifuncional, polivalente e flexível, vinculado a novas
demandas do mercado, que combinam de modo inovador práticas que o capital já experimentara
no passado. A flexibilização do trabalho, além de refletir na vida profissional e social, também
fomenta a ordem ideológica dominante, distanciando, cada vez mais, os horizontes
revolucionários Tavares (2004).
Como conseqüência disso, tem-se a expansão e a intensificação do trabalho informal, que
sob a lógica de um discurso manipulador propaga a alternância de função no processo produtivo,
ou seja, o empregado de hoje pode tornar-se o empregador de amanhã. Este processo, no
entanto, tende a obscurecer as relações de exploração e marginalização a que são submetidos os
trabalhadores que, movidos por um discurso utópico de tornar-se patrão, investem todos os seus
bens, sua força de trabalho e de sua família, em busca da idéia de trabalho autônomo, livre e por
conta própria.
Ser autônomo’ ‘ser responsável’ estes apelos são doravantes ordens, acabam por nos
afundar naquilo que os psicólogos chamam um Double bind, uma forma de vínculo
contraditório com pessoas e coisas. No mesmo ato a individualização-emancipação dobrase de uma individualização-fragilização. Tudo se torna mais indeterminado e cada um de
nós é levado a corganizar sua vida de um modo mais precário e mais solitário.
(Rosanvalon; Fitoussi, 1997: 19)
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399
Esse processo de “autonomização” tem levado a uma intensificação do trabalho informal,
tornando-o cada vez mais funcional a lógica de acumulação de capital. O trabalho informal, aqui é
entendido no contexto da “nova informalidade" 202, não está à margem do modo de produção
capitalista, mas integrado e subordinado a este, participando do processo de acumulação. Desse
modo, a informalidade é uma criação do capital, necessária à sua manutenção, que se propaga de
acordo com seu desenvolvimento.
Convergimos, então, com (Tavares, 2004:131), quando esta diz,
[...] afirmamos que certas ocupações executadas sob relações informais fazem parte do
trabalho combinado, sem querer sugerir com isso um novo trabalhador coletivo, mas,
apenas, a mais recente adequação da Organização da produção às exigências da
valorização do valor.
Desta feita, os mecanismos de terceirização vêm contribuindo para essa adequação, na
medida em que o trabalho informal assume, nas atuais relações de produção, funções produtivas
e improdutivas, estabelecendo uma interação entre o trabalho informal e a produção capitalista,
moldado por um discurso moderno de nova forma de trabalho que se caracteriza pela natureza
flexível (Tavares, 2004).
Assim, o mercado informal não deve ser visto apenas como oposição ao mercado formal,
mas como um movimento de valorização do capital, que neste momento apresenta-se necessário
às suas novas demandas, muito embora as novas possibilidades e estratégias modernizadoras
venham contribuindo para que se tornem “invisíveis os fios com os quais o trabalho informal é
articulado à produção capitalista” (Tavares, 2004:131).
Para esta autora, a propagação em defesa da organização voluntária do trabalho tende a
reforçar as possibilidades de liberdade e o discurso de autonomia, fomentando a idéia de que o
pequeno proprietário pode ser o dono de suas decisões, podendo até passar de uma classe para
outra, saindo de uma condição desfavorável para uma situação mais favorecida. Porém, esse
202
Refiro-me a Tavares em Os fios invisíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho, que trata de
atividades que estão subordinadas ao processo de produção capitalista e não apenas às atividades de sobrevivência, cuja expansão
é recomendada pelas instituições financeiras internacionais . Conforme explicitam Filgueiras et al (2003) “nova informalidade se
caracteriza pela presença de novos trabalhadores informais, em velhas e novas atividades articuladas ou não com os processos
produtivos formais, ou em atividades tradicionais da velha informalidade que são por eles redefinidos” (pg.6). A simbiose entre
formalidade e informalidade é, portanto, muito maior atualmente. Como adverte Roberts (1989), a informalidade encontra-se hoje
no coração da formalidade por meio dos processos de flexibilização (Leite, 2008:8).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
400
discurso não teria tamanha aceitação e poder de convencimento se fosse divulgado que metade
desses negócios não atinge um ano de vida e apenas um em cada dez consegue se desenvolver,
quando subordinado ao movimento do capital. E mais,
[...] essas determinações do mercado subordinam a existência dos membros dispersos
pela divisão do trabalho a uma dependência coisificada, cujas decisões singulares estão
submetidas à lógica do capital. Sob essa ótica, questionamos a autonomia atribuída às
atividades informais (Tavares, 2004:138).
Assim, a nova conjuntura vem se caracterizando como a era do trabalho informal, ou,
como afirma (Antunes, 1999:119), o capital necessita “cada vez menos do trabalho estável e cada
vez mais das diversificadas formas de trabalho parcial ou part-time (...)”; visto que esta mudança
não é apenas uma simplória troca de posição sem nenhuma conseqüência para a classe
trabalhadora.
Nessa perspectiva, conforme ressalta Lima (2001), “Independentemente de positividade ou
negatividade, o conceito de informalidade é difuso, seja pela dificuldade de estabelecer suas
origens, seja pela multiplicidade de seus processos, o que faz com que sua análise restrinja-se a
situações particulares” (Peattie, 1987; Tabak, 2000). Apesar do crescimento de dados estatísticos
sobre a informalidade, sua diversidade continua a exigir o estudo de caso como forma de captar as
particularidades econômicas, sociais, históricas e geográficas assumidas pelo processo.
Entre 1990 e 1995, o trabalho informal aumentou em função do desemprego. Em 1982, os
trabalhadores com carteira assinada representavam 57,7% do mercado de trabalho. Já em 1990,
decresceu para 55,1%, e em 1995, eram apenas 47,8% dos agentes produtivos em atividade, ou
seja, o trabalhador informal passou a representar maior número de pessoas em idade disponível
para compor o exército de mão-de-obra (IBGE/1999) 203.
Os dados do CAGED – Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados, do Ministério do
Trabalho demonstram a eliminação de 2.560 milhões de empregos no setor formal, no período de
janeiro de 1990 e dezembro de 1997.
Em pesquisa do economista José Pastore, pesquisador da Universidade de São Paulo, sobre
o mercado nacional de trabalho, no período de julho de 2003 julho de 2004, foi constatado que a
taxa de crescimento do setor informal foi quatro vezes maior do que a do mercado de trabalho
203
Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
401
formal. O primeiro cresceu 9,6%, enquanto que o segundo cresceu apenas 2,4% (O Globo
22/12/2004, apud Porto e Bartolo, 2006).
Esse novo contexto, sugere uma “nova informalidade”, intrínsica à flexibilização e faz parte
da reação do capital ao trabalho organizado iniciada desde o começo dos anos 1970. A nova
informalidade torna-se, assim, parte orgânica da produção capitalista, apresentando-se como
constitutiva da nova engrenagem produtiva. Neste sentido, já não pode ser considerada como
pouco produtiva, nem como não capitalista. É trabalho precário mais produtivo (Leite, 2008:8).
Neste sentido, a nova informalidade não se propaga apenas nos segmentos da produção
familiar, mas engloba também aqueles que disponibilizam sua força de trabalho ao capital,
estejam estes no setor produtivo comercial ou de serviços. Vejamos, então, no próximo item a
discussão sobre a nossa situação de pesquisa que procuram dialogar com essa dimensão macro da
informalidade e da precarização do trabalho: trabalhadores de moto-táxi.
Esta categoria de trabalhadores nessa nova dinâmica sugere a emergência de uma “nova
classe” marcada por elementos de distinção evidentes. Na análise de Thompson (1981), os
fenômenos sociais e culturais ganham relevância e deixam de ser pensados apenas como reflexos
imediatos da vida econômica. Analisá-los significa, por meio das evidências, investigar suas
particularidades e, ao mesmo tempo, perceber como se expressam em condições materiais
constituídas historicamente. Assim, os próprios valores de uma sociedade são percebidos fazendo
parte desse nexo relacional e principalmente como resultado das experiências humanas:
Os valores não são “pensados”, nem “chamados”; são vividos, e surgem dentro do mesmo
vínculo com a vida material e as relações materiais em que surgem nossas idéias. São as
normas, regras, expectativas etc. necessárias e aprendidas (e “aprendidas” no
sentimento) no “habitus” de viver; e aprendidas, em primeiro lugar, na família, no
trabalho e na comunidade imediata. Sem esse aprendizado a vida social não poderia ser
mantida e toda produção cessaria (Thompson, 1981:194).
É nesse aspecto que se pode entender que Thompson recusa a noção de classe social como
efeito, resultado do modo de produção. Para ele, a classe é um fenômeno histórico, resultado de
relações entre os homens reais em contextos reais. Para ele:
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
402
Classe é uma formação social e cultural (freqüentemente adquirindo expressão
institucional) que não pode ser definida abstrata ou isoladamente, mas apenas em
termos de relação com outras classes; e, em última análise, a definição só pode ser feita
através do tempo, isto é, ação, reação, mudança e conflito. Quando falamos de uma
classe, estamos pensando em um corpo de pessoas, definido sem grande precisão,
compartilhando a mesma categoria de interesses, experiências sociais, tradição e
sistemas de valores, que tem disposição para se comportar como classe, para definir, a si
próprio em suas ações e em sua consciência em relação a outros grupos de pessoas, em
termos classistas. Mas classe, mesmo, não é uma coisa, é um acontecimento (1998a:
102).
A classe constitui-se no seu fazer-se, num movimento ativo que articula ação humana e
condicionamentos sociais. É fruto de experiências comuns que podem levar à formação de uma
determinada identidade, que por sua vez se coloca contra a identidade de outros homens em
função de interesses materiais e culturais que são opostos (Thompson, 1997:10). Ao tratar classe
social como um fenômeno histórico, “definida pelos homens enquanto vivem sua própria história”,
Thompson afirma a perspectiva de ver a realidade histórico-social como um movimento contínuo,
sujeita a transformações oriundas das lutas de classes. Disso resulta a preocupação metodológica
desse autor de que, para ter validade, toda categoria teórica deva ser considerada histórica.
Portanto, para Thompson as categorias teóricas, embora imprescindíveis no processo de
construção do conhecimento científico, devem estar em permanente diálogo com a realidade. Só
assim são capazes de ajudar a compreender as mudanças em curso em determinada realidade
histórico-social. Isso significa, na perspectiva desse autor, entender a realidade social em seu
movimento e complexidade, na qual, sob condições determinadas, homens e mulheres
constituem-se como sujeitos. É nessa trilha teórico-metodológico orientada por Thompsom que
vamos introduzir a nossa dimensão empírica de análise.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
403
III – A Problemática do Moto-Táxi em Campina Grande - PB
Esse novo espaço de “reprodução social” da força de trabalho campinense está marcado
por conflitos, tensões, dominação e resistência entre os atores sociais envolvidos (trabalhadores
de moto-táxi, sindicatos, taxistas, polícia, ministério público, prefeitos, usuários). Nesse campo, os
protagonistas (moto-taxistas) reproduzem simbolicamente no seu imaginário a falsa idéia de
autonomia e liberdade oferecida por esta atividade de prestação de serviços.
O uso de motocicletas para transporte alternativo de passageiros tem se disseminado em
vários países, embora de formas diferentes. Em Londres e Paris, por exemplo, moto-táxis
constituem como uma alternativa, principalmente para o traslado de passageiros de aeroportos,
em motocicletas confortáveis, de alta cilindrada, inclusive com modelos elétricos, mas com preços
geralmente acima dos cobrados pelo serviço de autotáxi. No entanto, a realidade de tais serviços
em países de economia periférica ou emergente é outra e o mototáxi constitui uma alternativa de
transporte acessível às camadas desfavorecidas, além de uma oportunidade de trabalho, a
despeito do perigo que oferecem ou da precariedade em que se efetivam. Assim ocorre, por
exemplo, em diversas cidades no Brasil, Venezuela, Argentina, Vietnã, Indonésia, Camboja, Índia,
além de outros países. (NUNES, 2010, p. 18)
No Brasil os condutores de mototáxi (mototaxistas) não são cadastrados na Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO), ou seja a ocupação não é reconhecida como pertencente a um
sistema de transporte de pessoas, certamente em função da pequena segurança e conforto que
oferecem. Entretanto, os motobois, ocupados em transporte de objetos ou pequenas cargas, são
reconhecidos e cadastrados na CBO, na família ocupacional de “Motociclistas e ciclistas de
entregas rápidas”. Prevê-se que o reconhecimento da categoria ocupacional de mototaxista esteja
próximo, visto que foi sancionada pelo presidente Lula, em 29 de julho de 2009, a Lei 12.009, Lei
12.009, que regulamenta o exercício da atividade de profissionais que transportam passageiros
em motocicletas, ou que usam esse meio de transporte para entregar mercadorias. Antes da
aprovação dessa Lei, o serviço de mototáxi só se tornava legalizado em algumas cidades brasileiras
mediante o empenho de associações e sindicatos para a aprovação de leis, geralmente em nível
do município, que regulamentam a concessão do direito de prestar esses serviços. (NUNES, 2010,
p. 19)
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
404
O moto-táxi em Campina Grande surgiu em 1996. Até então, não havia nenhuma
regularização do serviço. Bastava o trabalhador ter o veículo (a moto) e poderia sair pela cidade
em busca de passageiros. Mas, paulatinamente o setor foi ganhando dimensões significativas,
convertendo-se no “refúgio dos sem trabalho”.
Com a expansão da atividade dos moto-taxistas surgiram algumas pequenas empresas
para explorar o serviço. Dentre elas, destacou-se a CG Moto-Táxi, existente até hoje. O vínculo do
moto- taxista à empresa acontecia da seguinte forma: o moto-taxista proprietário da moto
cadastrava-se e recebia uma credencial de autorização para transportar passageiros, além de uma
jaqueta padronizada; a contrapartida era o pagamento de uma diária de R$ 5,00 pela utilização da
marca da empresa; esta chegou a ter em torno de 600 (seiscentos) mototaxistas cadastrados, o
que equivalia a R$ 3.000,00 (três mil reais) de receita diária.
Inicialmente, houve uma grande resistência por parte dos táxis convencionais e também
das empresas de ônibus. Mas, por outro lado, a sociedade campinense apoiava o serviço,
alegando sua rapidez e eficiência. É importante salientar que o período de 1996 a 1998 foi
marcado por fortes tensões para estes trabalhadores. Dentre as empresas que exploravam o
serviço, a CG Moto-Táxi foi a única que conseguiu uma liminar na justiça autorizando o seu
funcionamento. As demais empresas ficaram na clandestinidade, fazendo surgir uma nova
categoria de trabalhadores, os clandestinos, que passaram a ser perseguidos sistematicamente
pelas autoridades do trânsito.
Quanto ao segmento dos mototaxistas clandestinos, este é constituído por trabalhadores
sob condições mais precárias do que os primeiros. Na maioria das vezes, suas motos não estão
emplacadas e, em alguns casos, não têm habilitação para conduzir o veículo. Esta é uma
constatação das fiscalizações realizadas na época. Embora grande parte destes fiscalizados
estivesse em situação regular (do veículo e habilitação) eram tirados de circulação, tendo seu
veículo retido. A liberação acontecia após o pagamento de uma multa.
É bem sabido que em geral a categoria dos trabalhadores (mototaxistas) exercem suas
atividades sob condições extremamente precárias, sem plano de saúde, sem previdência, sem
acesso a nenhuma cobertura social. Como são vítimas do desemprego, são obrigados a buscar sua
reprodução social nas “franjas” do sistema, na informalidade.
Atualmente, esses trabalhadores estão distribuídos em três segmentos: os mototáxistas
devidamente regularizados pelo órgão público responsável, Superintendência de Trânsito e
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
405
Transportes Públicos (STTP) e filiados ao Sindicato dos moto-táxistas e entregadores de
encomendas em motocicleta e similares (SINDIMOTOS-CG); os mototáxistas da CG MOTOS; e por
último os clandestinos, que circulam na cidade sem o alvará de tráfego.
No primeiro segmento, existe atualmente 727, mototáxistas permissionários, estes
possuem permissão para circular na cidade como veículo habilitado para o transporte de
passageiros, desde que estejam em dia com o Órgão Público responsável (STTP). A
regulamentação formal desse serviço no município de Campina Grande derivou de uma aprovação
do poder Legislativo, proposta de autoria do Poder Executivo (Comissão de Justiça e Redação), já
que o serviço se constituiu a partir das demandas da sociedade.
O segundo segmento representa os mototáxistas filiados na CG MOTOS, empresa privada
que oferece o serviço de moto-táxi desde 1996, mesmo antes da Lei Municipal n° 3768/99,
resultado da aprovação do projeto de Lei n° 150/99, que regulamenta este serviço na cidade. A
empresa, além de disponibilizar o serviço de moto-táxi, funciona, também, como comércio de
peças para motos e prestação de serviços de entregas e encomendas em motocicleta, tendo em
vista que esta foi legalmente autorizada pelo Município de Campina Grande, que concedeu o
alvará para a prestação desse serviço.
No entanto, a empresa CG Motos funciona por meio de um mecanismo judicial, Mandado
de Segurança, expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (desde 02 de dezembro de
1996), que assegura a esta o livre funcionamento de seus serviços. Posteriormente, este direito de
exploração do serviço foi confirmado pelo Tribunal Superior de Justiça (STJ), em vigência até o
momento.
A CG MOTOS possui uma rotatividade em torno de 200 a 250 moto-táxistas cadastrados,
disponibilizando a estes o apoio por sistema de rádio, declaração de renda, apoio jurídico e
fardamento (jaqueta com identificação da empresa). É cobrada mensalmente pela empresa aos
seus filiados uma quantia por esses serviços.
O terceiro e último segmento é representado pelos moto-táxistas clandestinos204, aqueles
que são detentores do meio de trabalho (a moto), sem autorização do órgão competente para
transportar passageiros. Esses por sua vez são considerados desautorizados pelos órgãos
fiscalizadores. No contexto dessa nova informalidade esta categoria de trabalhadores está num
204
Conforme os trabalhadores regularizados deste serviço são classificados como clandestinos aqueles que não são cadastrados no
STTP nem filiados à empresa CGMOTO.
A N A I S - IV REUNIÃO INTERMEDIÁRIA TRABALHO & SINDICALISMO - Anpocs
406
patamar maior de precarização e vulnerabilidade em relação aos outros que são regularizados,
uma vez que não são reconhecidos.
Desse modo, a questão central que nos orienta é tentar captar que tipos de relações de
trabalho e de formas de sociabilidade estão na base de constituição desse novo segmento de
trabalhadores, tendo-se em conta os novos padrões de relação de trabalho que estão compondo
na atualidade o mundo do trabalho.
V – Considerações Finais
A economia e os processos produtivos passam por profundas transformações. Setores que
constituíam o núcleo do movimento dos trabalhadores são varridos do mapa ou então suas
condições de trabalho e de vida sofrem tamanha deterioração que se tornam irreconhecíveis. A
legislação que por um longo período estabeleceu parâmetros públicos de regulamentação das
relações de trabalho torna-se obsoleta e começa a ser derrubada, dando margem à precarização e
aprofundando a exploração. Diante do estreitamento do mercado de trabalho formal, vastos
contingentes são jogados na informalidade, e parte expressiva passa a se organizar de forma
cooperativa, na qual vislumbra-se um embrião de uma economia alternativa. Segmento das
classes médias, que a pouco faziam causa comum com as classes populares na luta democrática,
abraçam com fervor o culto ao livre mercado. Aderem também a uma ideologia utilitarista que
reduza a pobreza e suas degradáveis manifestações a um problema técnico, a ser resolvido pela
subordinação do Estado e da sociedade à razão instrumental, da qual se consideram,
evidentemente, os representantes naturais. (FORTES, 2006:196)
Na realidade, assistimos a uma nova dinâmica sócio-econômica na esfera global, marcada
pela finaceirização dos capitais, pela liberalização dos mercados e pela precarização das relações
de trabalho.
Na transição da década de 1980 para 1990, a desestruturação do mercado de trabalho tem
gerado o desemprego e, com ele, o crescimento e a diversificação da informalização das
atividades. O dinamismo da tecnologia atrelado à lógica do sistema capitalista de produção
globalizado, alterou a configuração no mundo do trabalho, transportando trabalhadores - outrora
indispensáveis - para um outro lado, onde não exerçam mais suas funções. A evolução desse novo
modelo econômico favorece o desemprego, provocando uma maior precarização da força de
trabalho e atingindo quase todos os segmentos sociais. Ao longo das últimas décadas, milhares de
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407
trabalhadores foram substituídos nos setores industriais e de serviços pelas máquinas que, uma
vez desempregados, são obrigados, para sobreviver, a inserirem-se no setor informal, passando a
exercer atividades por conta própria.
Os problemas sociais decorrentes da informalidade produzem fenômenos que podem ser
vistos sem muito esforço. Aspectos como: o subemprego, a desigualdade social e a precarização
das relações e das condições de trabalho neste setor, podem variar de acordo com o local e a
atividade exercida. A sociedade tem estagnado no tocante ao seu desenvolvimento econômico e
social, o que leva à má distribuição de renda e desigualdades sociais absurdas. Neste contexto, o
desmanche de instituições regulatórias provoca o esgassamento do tecido social, o que gera o
setor informal. O exercício da cidadania torna-se cada vez mais difícil de ser realizado dignamente
em um sistema excludente, que reprime, discrimina e desqualifica, criando um patamar de
contradições sociais, culturais e econômicas visivelmente observadas, deixando uma grande parte
da população em situação de vulnerabilidade e insegurança.
Diante desse problema, a população passa a reinventar o seu próprio trabalho como
estratégia
de
sobrevivência
e
como
forma
objetiva
de
resposta
ao
desemprego
independentemente de sua “utilidade” para o processo de acumulação de capital. As atividades
criadas pelos próprios trabalhadores representam uma alternativa imediata na tentativa de
minimizar os problemas no mundo do trabalho. Esse desenvolvimento do setor informal denuncia
à sociedade que está faltando emprego e que milhares de trabalhadores estão lutando por
trabalho e por condições dignas para manterem suas famílias.
Por outro lado, concordando com Thompson, no processo histórico, no fazer-se, as classes
sociais, criam seu espaço de diferenciação, estabelecem um meio de participação na história,
reagindo às determinações estruturais, mas, ao mesmo tempo, se articulando, na medida do
possível, aos propósitos da cooptação, para registrar sua experiência nesse cenário plural e
dialógico.
As trilhas teórico-metodológicas orientadas por Thompson, portanto, nos ajuda em grande
medida, nas reflexões sobre os trabalhadores de moto-táxi, tendo em vista que, a partir delas,
pudemos constatar a possibilidade de compreensão da vida, do sujeito, da sociedade, da política e
de toda a dinâmica que envolve o processo sócio-histórico.
Constatamos, pois, que a experiência desses atores impulsiona mudanças na
processualidade histórica, porque, mesmo diante das determinações estruturais, imposta pelo
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408
capital, o sujeito encontra espaços na fronteira do capital para sua atuação, embora a atividade
dos trabalhadores de moto-táxi esteja marcada pela precarização do trabalho. Pois, essa “nova
informalidade” nos desafia a pensar no que se refere à questão da influência da experiência
desses sujeitos na formação da identidade, tendo em vista as imagens sociais que eles vão
construindo deles para com eles próprios, usuários, familiares e o poder público.
No âmbito desta pesquisa rejeitamos a tese dualista setor formal/setor informal. Para esta
perspectiva de análise, até o início da década de 70, a literatura dominante visualizava o conjunto
da atividade produtiva como a soma dos segmentos modernos e de subsistência, entre os quais
não havia relação. No segmento moderno estavam as relações assalariadas, e no setor de
subsistência as formas de trabalho autônomas. Para os defensores desta tese, o desenvolvimento
econômico do setor moderno tinha a capacidade de incorporar os contingentes da população
economicamente ativa, até extinguir o núcleo de subsistência. Para este pensamento uma política
desenvolvimentista corrigia esta distorção (TAVARES, 2004:29). A pesquisa em andamento aqui
apresentada sugere que a “nova precariedade” no caso do moto-táxi é produto da nova dinâmica
de acumulação capitalista.
Entretanto, os trabalhadores de moto-taxi estão situados dentro de uma dinâmica dos
processos de acumulação de capital, mas esse processo suscita a existência de outros processos
que se apresenta sob óticas diferentes, o caso da periferia significa uma das especificidades,
sobretudo no caso dos trabalhadores de moto-táxi que aparecem nos “interstícios” dos processos
de acumulação de capital e reinventam o seu próprio trabalho. Assim, as relações de trabalho no
serviço de moto-táxi estão informadas pela dinâmica da acumulação de capital, mas esse
segmento de classe orienta-se também, através da luta cotidiana pela sobrevivência, uma vez que
estes se encontram fora dos espaços de luta pelo poder, ou seja, atua nas “franjas”. Portanto,
nesse processo criam novas sociabilidades e novas identidades em consonância com os novos
padrões de relações de trabalho que se estabelecem.
Nesse sentido, a economia informal adquire um conceito dinâmico: se, por um lado, define
aqueles trabalhadores que se encontram excluídos do mercado formal de trabalho da economia
capitalista, por outro lado, “a informalidade ofereceu um trabalho e uma forma de ganhar a vida
para imensos continentes de desocupados...” (Malaguti, 2002, p. 65).
O “setor informal” pode ser analisado como saída dos que se encontram excluídos dos
novos processos de organização da produção capitalista. O caminho para aqueles trabalhadores,
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409
que antes considerados exército industrial de reserva, agora, marginalizados e “desnecessários”
aos novos padrões de acumulação, possuem como única alternativa, o ingresso no trabalho
informal, caracterizado por suas precariedades: falta de segurança no trabalho, ausência de
benefício-doença, aposentadoria, ausência de repouso entre outros.
Por fim, vale salientar que o conjunto da literatura especializada realça em grande “tom”
que os processos de reestruturação produtiva e globalização impactaram de tal maneira no
mundo do trabalho que provocou a desestabilização dos estáveis. No caso brasileiro, e em
particular, na periferia do capitalismo esses processos têm conduzido a um posicionamento do
Estado no sentido de formalização dos informais, o que nos conduz a hipótese de que esses
processos podem resultar, na instabilização dos instáveis. A dinâmica do processo de trabalho no
caso do mototaxismo revela essa tendência, configurada a partir da condição dos mototaxistas
clandestinos, estes por sua vez são altamente estigmatizados até pelos seus colegas de trabalho
que os vêem como concorrentes “desleais”. Conforme a seguinte declaração do entrevistado:
existe uma concorrência desleal na cidade... por causa da concorrência desleal já houve
morte entre os moto-taxistas... concorrência desleal o passageiro contribui pegando os
motoqueiros não cadastrados, eu já perdi vários passageiros para os não cadastrados, não
tem fiscalização de maneira nenhuma. (Severino dos Santos).
As imagens que os trabalhadores de moto-táxi vinculados a STTP constrói em relação aos
seus colegas de profissão (vinculados a CG motos e clandestinos) é que eles são concorrentes
desleais, tendo em vista que estes não foram submetidos ao processo de licitação que os
primeiros passaram, conforme exigência da prefeitura. A submissão ao conjunto de regras
imposta pelo permissionário deveria dar aos cadastrados condições diferenciadas no processo de
aquisição de passageiros segundo relato dos permissionários, uma vez que estes tiveram um custo
muito elevado para serem aprovados no processo de licitação e, por conseguinte assegurar o
direito de trabalhar regularmente, nesse sentido eles considera uma concorrência desleal. Assim,
essa condição distintiva, pode gerar a fragmentação das lutas coletivas que possam surgir pelo
fato deles não reconhecerem o outro como igual, portanto o igual no que se refere à condição de
trabalhador, pelo contrário, os vêem como concorrentes desleais. Nesse sentido, essa constatação
demonstra
que
o
mundo
trabalho
precariedade/heterogeineidade/fragmentação.
se
apresenta
marcado
pela
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410
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413
Transformações no Mundo do Trabalho:
considerações sobre o modelo de competências205
Dayane Gomes206
Introdução
Já há algum tempo o paradigma da qualificação vem fazendo-se presente nas análises acerca
do mundo do trabalho especialmente para áreas como a Sociologia e a Educação. Este debate
tem-se tornado cada vez mais atual diante as mudanças na organização da produção. A partir da
crise do modelo taylorista/fordista e a emergência da produção flexível, os estudos a respeito da
qualificação profissional ganharam notável destaque.
O ideal taylorista de separação entre concepção e execução das tarefas, entre o trabalho
mental e o manual, conforme acentuado por Braverman (1987) promoveu um tipo de
desqualificação gradual do trabalhador na medida em que a divisão do trabalho foi aprofundada.
A noção de qualificação como ligada ao conhecimento científico, técnico, passou a ser
concentrada especialmente nas mãos da gerência, da administração, e não dos trabalhadores
braçais, paras os quais a visão de qualificação esteve sempre ligada ao desenvolvimento de uma
habilidade específica, repetitiva e limitada. Demandava-se do trabalhador a capacidade de
cumprir o que lhe fora ordenado. Logo a qualificação exigida ligava-se a capacidade de realização,
em cada posto de trabalho, do que fora prescrito.
Como bem acentuou Veras (2006), dos anos 1971 para 1980, com a crise do taylorismo e
do fordismo e a introdução de novos modos de organização da produção, denominados por
Harvey (1992) como acumulação flexível, o mundo do trabalho vem sofrendo significativas
mudanças no sentido da flexibilização. Demanda-se do trabalhador que ele contribua de forma
criativa e comprometida com a empresa, realçando-se o aspecto individual. Num contexto de
desemprego crescente, e da necessidade de uma inserção mais eficiente frente a crescente
competitividade do mercado, é cobrada ao trabalhador uma qualificação mais ampla, versátil e
continuada, capaz de garantir sua entrada e permanência num mercado de trabalho cada vez mais
seleto.
205
Trabalho a título de avaliação para disciplina Sociologia do Trabalho, ministrada pela professora Eliana Moreira.
206
Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba- UFPB. E-mail: [email protected] .
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414
Tais mudanças trouxeram a tona o debate sobre a qualificação profissional, com destaque
para o surgimento da noção de competência. É como se a idéia de qualificação estivesse para o
paradigma taylorista/fordista como a de competência para o da acumulação flexível.
Este artigo propõe-se a analisar as mudanças ocorridas no papel da qualificação
profissional, a partir da possível superação desse conceito pelo de competências. Ele está dividido
em quatro seções além desta parte introdutória. Primeiramente retrata-se, resumidamente, as
características do modelo taylorista, fordista e da reestruturação produtiva. Na segunda seção
discute-se o modelo de competências a partir da interlocução com o de qualificação. Logo depois,
apresentam-se algumas implicações do modelo de competências. Por fim são tecidas algumas
considerações finais.
1. Modelos de produção e seus impactos no mundo do trabalho
O Taylorismo, ou Gerência Científica, foi um modelo de organização do trabalho criado pelo
engenheiro Frederick W. Taylor nas últimas décadas do século XIX a partir de sua observação a
trabalhadores industriais. Taylor propôs a intensificação da divisão do trabalho, de tal modo que o
trabalhador desenvolvesse tarefas setorializadas, especializadas e repetitivas e que o trabalho
intelectual fosse separado do manual. O tempo gasto em cada tarefa deveria ser controlado para
que houvesse uma racionalização do tempo e dos custos da produção.
Braverman (1987) mostra que com a Gerência Científica o conceito de controle gerencial
ganhou um novo sentido distinto da mera idéia de supervisão. Trata-se de um controle total,
completo, sobre toda atividade no trabalho. Ao trabalhador não caberia tomar qualquer decisão.
O conhecimento do ofício e sua sistematização passariam às mãos do empregador, e ao operário
deveria ser dado o mínimo de conhecimento necessário para o desenvolvimento da função que
lhe fora prescrita.
Segundo este autor o taylorismo ancorou-se em três princípios centrais: primeiro, na idéia de
que o conhecimento do trabalho deve ficar a cargo do gerente, sendo dissociado das
especialidades dos trabalhadores; segundo, na noção de que o trabalho mental e o manual devem
ser separados, cabendo ao trabalhador apenas a execução das tarefas; por último, no princípio de
que é função particular da gerencia controlar o modo de execução do trabalho, através do preparo
das tarefas e da forma como elas devem ser executadas.
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415
Dando continuidade à teoria de Taylor, Henry Ford lançou por volta de 1914 o Fordismo, que
se diferenciava do taylorismo essencialmente por sua preocupação com o consumo em massa.
Harvey (1992) bem lembra que o que tornava Ford especial era o reconhecimento de que uma
produção em massa gerava um consumo em massa, logo os trabalhadores deveriam ganhar bem
para consumir mais.
O fordismo visava organizar a linha de montagem fabril em virtude do aumento da produção,
através do maior controle às fontes de matérias-primas e de energia, aos transportes, e a
formação da mão-de-obra.
Harvey mostra como o fordismo preocupava-se não só em disciplinar o trabalhador, mas com
o oferecimento a este de renda e lazer suficientes para fazê-los consumir a produção em massa da
empresa.
Hirata (1994) destaca que o modelo fordista teve por base a fabricação em massa de produtos
padronizados, por meio da utilização de máquinas especializadas e do uso de uma massa de
trabalhadores semiqualificados e que foi factível devido à existência de um largo mercado capaz
de absorver a enorme quantidade de mercadorias simples e padronizadas.
No entanto, a partir dos anos 1970 a realidade do mercado consumidor sofreu alterações
profundas. Tornou-se instável e individualizado, demandando a produção de bens de formas as
mais variadas possíveis e que atendesse a gostos específicos, demandando a produção em
pequenas séries e a renovação habitual de produtos. Logo, o fordismo entra em crise pela baixa
produtividade e pela dificuldade em absorver as novas demandas do mercado.
As décadas de 1970 e 1980 são descritas por Harvey (1992) como um conturbado período de
mudanças nos campos econômico, social e político 207 , onde as organizações tiveram a
lucratividade reduzida, especialmente devido à diminuição da produtividade e ao aumento da
competitividade internacional. Logo, tem-se início um processo de Reestruturação Produtiva, a
busca por um novo caminho, uma nova forma de acumulação que garantisse os interesse do
capital, preservando as altas taxas de lucros.
A reestruturação produtiva engloba as mudanças ocorridas na organização do trabalho
industrial nos últimos tempos, com a emergência de novidades tecnológicas, organizacionais e de
gestão, rumo a uma maior flexibilidade. Os modelos de organização da produção pós-fordistas
207
Para ver em detalhes as mudanças ocorridas nas décadas de 1970 e 1980, ver HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 5.ed. São
Paulo: Loyola, 1992., especialmente o Cap. 9- Do Fordismo à Acumulação Flexível, p. 135-162.
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416
surgiram, desse modo, centrados em uma lógica de trabalho mais maleável e dotada de inovações
que entraram em confronto direto com a rigidez taylorista/fordista e ofereceram resposta aos
anseios capitalistas.
Diferentemente dos outros padrões de produção, caracterizados por aspectos como a
produção em massa, de bens em larga escala, com estoque, pouca diferenciação, maquinário,
mão-de-obra e matérias primas padronizados, apostava-se agora em estoques-zero, uma
produção enxuta 208 , economia de mão-de-obra, com controles de qualidade, mão-de-obra
multifuncional e envolvida no processo produtivo.
Desse modo, para superação da crise de produção em massa fordista surge a reestruturação
produtiva, focada no trabalhador multifuncional, bem como na relação de cooperação entre a
gerência e o operariado, algo impensável na teoria taylorista. Trata-se de um novo conceito de
produção e , em certa medida, uma ruptura209 com o taylorismo/fordismo.
Com a acumulação flexível, cuja forte representação é o modelo empresarial japonês, o
Toyotismo, aumenta-se o emprego temporário em contraposição a diminuição do emprego
regular. A produção em massa foi substituída pela produção de bens variados e em pequenos
lotes, o que possibilitou um melhor atendimento aos imperativos do mercado.
Além do modo de produção e da lógica de acumulação do capital, sofreram alterações a
própria mão-de-obra utilizada, da qual passou a ser cobrada uma atitude bem diferenciada da
exigida no modelo de produção taylorista e fordista, especialmente em relação à qualificação.
[...]os novos conhecimentos científicos e tecnológicos, característicos do pósfordismo,
associaram-se às exigências empresariais de contratação de uma mão-de-obra com
polivalência multifuncional, maior capacidade motivadora e habilidades laborais adicionais
no exercício e prática do trabalho. (Pochmann, 2001,apud Helal & Rocha, 2008)
208
Termo utilizado por CASTEL, em CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. 4ª Ed. São Paulo. Paz e Terra. 2000.
Ao falar em ruptura com o taylorismo/fordismo, não falo de modo uniforme, geral. Em países como o Brasil, por exemplo,
estudos como o de Hirata (1994) e Leite (2003) demonstram que embora tenha havido mudanças na produção, esta não perdeu
suas características dos modelos taylorista e fordista.
209
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417
2. Qualificação & competências
Quando o taylorismo e o fordismo mostram-se incapazes de assegurar a expansão do capital, o
trabalhador “desprende-se” da máquina e passa a ter que desenvolver formas mais flexíveis de
trabalho, ser polivalente, mediante as novas formas de produzir, de controlar o trabalho e as
novas políticas de salário, gestão e de formação. Deixa de ter uma visão parcial e fragmentada
para ter uma visão do conjunto do processo do trabalho, porque esta é necessária para que ele
possa identificar e solucionar os problemas cotidianos do processo de trabalho.
Ao operário é cobrada
[...] a capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa e responsabilidade, de consertar, de
administrar a produção e a qualidade a partir da linha, isto é, ser simultaneamente operário
da produção e de manutenção, inspetor da qualidade e engenheiro. (Hirata, 1994)
Mourão (2009), afirma que as novas formas de produção exigiram uma série de
conhecimentos e atitudes diferenciadas das de antes e um tipo de qualificação começa a ser
ressaltado pelo campo empresarial, como essencial para o incremento de produtividade.
Esse novo tipo de qualificação difere-se do antigo e tem como centro a emergência da noção
de competência, que foi pouco a apouco adquirindo relevância frente à noção de qualificação
típica dos modelos taylorista/fordista. A difusão da noção de competência tem relação com estas
recentes transformações no mundo do trabalho, especialmente no que diz respeito à mão-deobra.
[...] o novo modelo de produção flexível exige novas atitudes e habilidades no processo
produtivo. Por isso, a produção flexível requer um perfil diversificado de trabalhador,
criando assim, novas demandas de formação e qualificação profissional. Se antes, no
modelo taylorista/fordista, predominava o conceito de qualificação do emprego, já no
modelo de acumulação flexível desenvolve-se o novo conceito de competência,
intrinsecamente associado aos novos cenários de empregabilidade e flexibilidade.
(Vasconcelos & Lima,2008)
Paiva (2003) relaciona a emergência do conceito de competência, e sua progressiva
substituição ao conceito de qualificação, a crise de assalariamento e a nova onda de racionalização
oriunda da reestruturação produtiva.
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Tal crise levou igualmente à contestação do conceito de qualificação na medida em que este
esteve colado à escolarização e sua correspondência no trabalho assalariado, no qual o
status social e profissional estava inscrito nos salários e no respeito simbólico atribuídos
pela sociedade a carreiras de longa duração. (Paiva, 2003)
A busca pela redução de custos e pelo aumento da produtividade aliadas ao progresso
tecnológico provocou a diminuição dos postos de trabalho, que em meio a um cenário de
polivalência, de trabalho multifacetado, entrou em crise, dificultando a existência de um sistema
sólido de remuneração e classificação das profissões e gerando uma quebra com o conceito de
qualificação, identificado diretamente com o de educação formal. E é neste sentido que, segundo
Veras (2006) e Paiva (2003), o conceito de qualificação está sendo substituído pelo de
competências210.
[...] identifica-se um distanciamento da noção de posto de trabalho e de tarefa em função
da valorização da flexibilização funcional e da polivalência. Como conseqüência, os laços
entre qualificação profissional e salário se enfraquecem, as descrições de cargos se
tornam mais genéricas, ou seja, mais calcadas em qualificações tácitas do que em
conhecimentos sedimentados pela qualificação profissional. Este distanciamento torna
compreensível a valorização, pelas organizações, do conhecimento tácito dos
trabalhadores, já que este potencializa a flexibilização funcional e sedimenta o processo
de integração. (Arruda, 2000)
A idéia de qualificação está ligada a um trabalho parcelado, com tarefas bem
determinadas, as quais o trabalhador tem que desempenhar com precisão. Já competência tem
como pressuposto a superação disto. Está ligada aos trabalhos flexíveis e autônomos. O
trabalhador deve estar a par do processo de produção como um todo, para que posso agir sobre
um possível problema que surja.
A propagação da noção de competência está intimamente relacionada às transformações
no trabalho após o surgimento de uma nova forma de produzir baseada na flexibilização da
organização e dos contratos de trabalho.
Assim, a noção de qualificação está ligada às profissões remuneradas de acordo com o grau
e área de escolaridade, ou seja a um tempo de formação institucionalizada. Há um destaque à
formação escolar e a idéia de que os sindicatos seriam responsáveis pelas negociações em torno
210
Para autores como Tomasi, (2002) não há uma substituição de um conceito por outro mas um rearranjo.[...]” talvez o mais
indicado seja falarmos em um rearranjo dessas noções, muito mais do que de substituição ou de superação de uma por outra.”
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dos salários. Enquanto que a idéia de competência centraliza o aprendizado contínuo no e fora do
trabalho e valoriza as ações individuais. A remuneração é dada de acordo com os méritos e
negociações particulares.
O tradici
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