TELEMEDICINA ASPECTOS LEGAIS E ÉTICOS (“II CONGRESSO INTERNACIONAL DE TELEMEDICINA” – São Paulo). Fernando Neto Botelho - Juiz de Direito - O Debate: a Telemedicina e seus Aspectos Legais/Éticos Objeto do debate: a Telemedicina Telemedicina: Expressão de conteúdo multidisciplinar. Associação de Conceitos: Medicina + Telecomunicações Uma – a medicina – atividade-fim. Outra – as telecomunicações – sua atividade-meio. Ambas atividades sujeitas à definição da lei. MEDICINA, em seu conceito jurídico-formal: a “profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade”. “Deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza” (art. 1o, da Res. CFM 1.246/88). MÉDICOS – e entidades prestadoras de serviços médicos – são profissionais (e serviços) habilitados através de diplomas, titulos e certificados inscritos no MEC e nos CRM’s (art. 17 da Lei 3268/57). O exercício legal da medicina no país (por médicos e por entidades prestadoras de serviços médicos) constitui-se da précertificação e da inscrição pública dos títulos de habilitação nos Conselhos Estaduais. A medicina constitui profissão a serviço da saúde humana (saúde individual e coletiva). SAÚDE, juridicamente, constitui direito coletivo, isto é, deve ser assegurado pelo Estado ao conjunto da população. É direito representado por garantia constitucional: garantia de acesso igualitário às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196 da Constituição Federal) Logo, pode-se conceituar a medicina, no aspecto jurídico: A PROFISSÃO QUE DECORRE DA TITULAÇÃO DE PROFISSIONAL (INSCRIÇÃO PÚBLICA DO TÍTULO) E QUE ASSEGURA A ELE, PROFISSIONAL-MÉDICO, EXCLUSIVIDADE DE USO DOS MEIOS MATERIAIS DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO DA SAÚDE HUMANA, ESTA COMO DIREITO DA POPULAÇÃO. A MEDICINA TORNA-SE ASSIM INSTRUMENTO, ou CIÊNCIA-MEIO, DE REALIZAÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL-MATERIAL (direito subjetivo do cidadão) À SAÚDE, ISTO É, À SUA PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E RECUPERAÇÃO. QUAIS OS MEIOS MATERIAIS ACEITOS, SEGUNDO A LEGISLAÇÃO, PARA QUE A MEDICINA, COMO ATIVIDADE PROFISSIONAL, POSSA PROMOVER A SAÚDE NO ATENDIMENTO DA POPULAÇÃO? São: os Meios científicos (“strictu sensu”) que formam o conhecimento e a prática médicas, e também os meios tecnológicos que escoram o exercício profissional-médico. A utilização desses elementos conjugados – uso do conhecimento científico e uso da tecnologia – formam o conjunto de meios profissionais admissíveis para o exercício regular da medicina. Outros tantos recursos tecnológicos científicos foram absorvidos pela profissão médica, com igual amparo da lei: a informática, a microscopia, a radiologia, etc Não se confundem z derivação aplicativa do meio tecnológico (o que ocorre com a evolução permanente da tecnologia) com a ciência que dele se utiliza. O uso da tecnologia não muda a essência científica da profissão. Muda-lhe a “performance”. Exemplo de derivação aplicativa tecnológica: o surgimento atual da telemática, resultante da cibernética, da informática, e da associação com os progressos das telecomunicações. Como a lei considera os novos elementos tecnológicos em relação ao exercício da medicina? A lei, ou o direito brasileiro, considera aceito e adequado ao exercício da medicina profissional o uso de meios e instrumentos – técnico-científicos e tecnológicos de apoio – que não contrariem postulados legais e ético-formais, previstos, expressamente, para o exercício da profissão. Ninguém se acha obrigado, na atualidade, a fazer, ou a deixar de fazer, algo no país (mesmo profissionalmente) senão em virtude de lei expressa. Logo, os meios legais de exercício profissional serão os meios não expressamente proibidos, e que não afrontem a moralidade e os bons costumes. Portanto, não precisam estar expressamente autorizados (como meios de suporte que são) para que se tornem legalmente utilizáveis. Em medicina, meios técnicos, e a tecnologia de apoio, cientificamente aceitos para o exercício profissional, serão os moralmente admitidos e os legalmente permitidos (como tais os nãoproibidos). O caráter da proibição decorre da conjugação da lei (geral) e da ética (profissional-médica). Meios genericamente previstos em lei, suscetíveis de implemento geral e não excluídos pela ética inerente ao exercício específico da profissão, se inserem no mesmo conceito de legalidade que autoriza o exercício médico no país. O que então vem a ser meio (técnico-centífico e tecnológico) aceito tanto pela lei quanto pela ética médica? Vejamos o exemplo das telecomunicações. No Brasil, as telecomunicações constituem atuação material de “transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza” (art. 60, § 1o, da Lei 9472/97) Nestes limites da lei, a atividade – ou o uso desses meios e alternativas – de telecomunicações se faz plenamente legal. A atividade profissional de medicina que se utilize portanto desses recursos de telelecomunicações estará, antes, sob amparo da lei expressa. Constitui atividade dessa forma absolutamente legal (a do exercício da profissão médica) que use meio tecnológico previsto na lei de telecomunicações, como a radiodifusão, a teletransmissão de dados digitalizados, por fibra óptica, cabeamento telefônico, etc. Exemplos de aplicações já existentes de telecomunicações em medicina: sinais de rádio e frequência para “pagers”, interligação de sistemas de telefonia fixa comutada (TFC) em hospitais, sistemas internos de transmissão de imagens (exames, cirurgias, etc.). Se a atividade médica pode, desse modo, e com amparo da lei que assegura a atividade de telecomunicações no país, se utilizar dos recursos telecomunicativos, são estes mesmos recursos meio de válida e regular utilização (médicotecnológica). Portanto, uma primeira conclusão se obtém: a atividade médica + a atividade de telecomunicações constituem, “a priori”, atividades legais, porque previstas, ambas, em leis próprias. Resta conferir a questão do amparo ÉTICO na utilização de telecomunicações em medicina Se o uso do recurso tecnológico – ainda que inovador – se faz legal no país, se o exercício da medicina regular (inscrita a atividade no órgão público) também se apresenta amparada na lei, terá o emprego do recurso da tecnologia nos serviços médicos aptidão de alterar, por si, a legalidade da atividade? De que ética se poderá a tanto cogitar? “Latu sensu”, e de sua origem grega (“ethus”), por “ética” se compreende a “ciência da reta ordem dos atos humanos por seus princípios supremos, considerados à luz da razão natural” (“Elementos de Filosofia”, dr. Seb. Reinstadller, vol. II, ed. Herber, pág. 379). Quanto ao exercício profissional da Medicina, não se cogita, para sua análise jurídica, do conceito puramente filosófico de ética. A ética médica, transpondo o mero ou natural imperativo da moral ou do relacionamento social, assume caráter de compulsoriedade, positividade, e obrigatoriedade públicas. A norma ético-profissional médica, de mero postulado moral-social foi tornada obrigatória, préfixa, e sancionatório-pública, por decisão soberana da comunidade profissional a que se destina. A lei – Lei 3268/57 – entregou (ou delegou) aos Conselhos Profissionais (Federal e Estaduais) a prerrogativa de fixarem, com caráter impositivo, normas éticas de validade “interna corporis” (art. 5o). Vinculando à inobservância dessas normas ou postulados éticos expressas penalidades administrativas – censura, advertência, suspensão, exclusão (art. 22) – a lei permitiu que as normas de fundo ético-profissional tomassem o mesmo perfil da norma legal pública (a imperatividade e coercitividade através da “sanctio iuris”). Pode-se dizer, assim, que as normas éticas profissionais-médicas se transformam, no Brasil, em normas jurídicas, ou jurídico-normativas delegadas (delegação da lei). Todavia, a validade destas normas éticoadministrativas está condicionada ao próprio respeito à lei, à qual não podem contrariar. Mas, até que haja invalidação (judicial ou mesmo administrativa), elas, as normas éticas da profissão médica, têm validade, aplicabilidade e eficácia presumidas. Atualmente, as normas ético-obrigatórias para os médicos estão detalhadas na Res.CFM 1246/88, que edita o “Código de Ética Médica”. Pois não há, nesta resolução (no Código de Ética), qualquer proibição expressa para uso de recursos telecomunicativos no exercício da medicina. Ao Contrário, nele está fixado expressamente que: a) O Médico deverá agir sempre com uso do melhor de sua capacidade profissional (art. 2o); b) O Médico deve aprimorar seus conhecimentos e usar o melhor progresso científico em benefício do paciente (art. 5o); c) O Médico deve exercer a profissão com ampla autonomia (art. 7o); d) O Médico deve empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos (art. 14); e) Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou instituição pública ou privada poderá limitar a escolha, pelo médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para execução do tratamento (art. 16); f) É direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente (art. 21); g) É obrigação do médico utilizar os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente (art. 57); Estamos, portanto, em que, tanto do ponto de vista legal – Lei 9472/97 (art. 60) e 3268/57, c/c a Resolução 1246/88-CFM – quanto do ponto de vista ético-médico (Código de Ética Médica, artigos citados): 1) Não há proibição objetiva para o empenho de recurso telecomunicativo em apoio ao exercício profissional da promoção, proteção e recuperação da saúde; 2) Não havendo proibição expressa, a atividade profissional do médico que se utilize dos novos recursos de telecomunicação – a Telemedicina – se acha plenamente legal e infensa a qualquer debate de legalidade ou de adequação ética. Mas, ainda que assim o seja, o profissional médico – e as entidades prestadoras de serviços médicos – hão de buscar evidenciação antecipada da regularidade dos variados empregos de Telemedicina, sempre a evitar qualquer possibilidade ou risco de debates ou de pretensas responsabilizações (legal – cível/criminal – ou administrativa). Responsabilizar equivale vincular alguém – ou algum patrimônio – a um fato ou ato ilícito danoso. Sem o caráter da ilicitude do fato/ato, ou da ocorrência de determinada consequência prejudicial, não existe, no Brasil, responsabilidade legal. Relativamente aos riscos de má-interpretação administrativa – junto aos CRM’s – o médico (ou a entidade médica) deverá evitar que o uso de inovações tecnológicas possa confundir-se (meio que é) com inobservância ou contrariedade a dispositivo do Código de Ética. Lembrando-se que as evoluções da tecnologia de telecomunicações têm comandado a necessidade de celebração de parcerias e associações – entre a atividade técnica e a de telecomunicações, esta autorizada a tanto pela agência reguladora – sugerimos atenção para os seguintes aspectos: a) Toda a intervenção de tecnologia no trabalho médico, especialmente nos eventos que impliquem abordagem (terapêutica ou diagnóstica) à distância com uso de TFC ou meio digital (ou radiofônica) de transmissão de dados, e que exijam precisões e sustentações (resolução, continuidade, etc.), deverão ser detalhadamente contratadas, com fixação de respectivos compromissos (do médico/hospital, e da empresa de provimento do meio tecnológico), com a delimitação clara dos encargos de cada um; b) Toda a possibilidade da abordagem à distância – por transmissão de imagem, som, e/ou texto – haverá de ser previa e expressamente cientificada ao usuário/paciente, que deverá autorizá-lo expressamente (por escrito), com declaração de conhecimento dos riscos inerentes à especialidade; c) Todos os eventos de abordagem à distância deverão ser objeto de menção correspondente e detalhada em prontuário respectivo (físico ou eletrônico), suscetível de conferência “a posteriori” (art. 69 do Código de Ética Médica); d) Toda intervenção adicional de outros profissionais médicos – como a “Segunda opinião médica” em eventos teletransmitidos (“real time”), que consorciem a condução e execução dos trabalhos – haverá de se conduzir segundo o motivador de cada decisão tomada, isto é, assumirá a responsabilidade por cada conduta o respectivo autor da opinião determinante da parcela da terapêutica adotada, aspecto a se mencionar no detalhamento do procedimento que será feito através de prontuário conjunto dos interventores no procedimento (eletrônico ou físico); e) Impossibilitada identificação da causa preponderante ou determinante de dano que surja do consórcio das opiniões à distância, presumir-seá, na forma da lei, solidariedade obrigacional dos profissionais autores das opiniões e procedimentos que se tornem danosos; d) Cuidado com o respeito ao pudor individual do paciente, impedindo publicidade ou acesso nãoautorizado a imagens, sons, ou textos de dados médicos teletransmistidos (art. 63). Diante da inovação que as últimas evoluções das telecomunicações tem permitido ao exercício da medicina – a Telemedicina através do uso de redes fotônicas, em banda larga, com eventos “real time”, teletransmitidos – sugere-se que as entidades médicas submetam, às suas Comissões Internas de Ética Médica, os detalhes dos procedimentos. Sugere-se que os médicos e as entidades – através das Comissões de Ética, ou das Diretorias Técnica ou Clínica – provoquem, por escrito, as Comissões de Coordenação das Comissões de Ética dos Conselhos Regionais, noticiando a iniciação da utilização dos procedimentos que envolvam as inovações tecnológicas de telecomunicações, bem como os cuidados a tanto ultimados, as indicações dos parceiros e os termos da responsabilização compromissada nas parcerias; Tal providência poderá ser acompanhada de pedido de cadastramento da nova atividade/especialidade – de Telemedicina – no Conselho Regional, mediante indicação dos profissionais e respectiva habilitação para a atividade, a fim de que passe esta a se submeter à fiscalização válida da Comissão de Ética da entidade prestadora (Res. 1215/85-CFM), fazendo-se a alteração do procedimento/profissional no Regimento Interno da mesma entidade (Res. 1481/97-CFM); Relativamente à possibilidade de responsabilização judicial por eventos de Telemedicina, recomenda-se, em observância do fato de que a Justiça Brasileira segue o princípio da documentação, ou da redução de toda a prova de fatos a forma documental: 1 – Que os procedimentos e contratações de Telemedicina sejam sempre formalizados e reduzidos à possibilidade do registro documental-físico; 2 – Que se mencione e se documente, quando ocorrer, a intercorrência de testemunhos que hajam presenciado o fato de que se constitua o procedimento de Telemedicina; 3 – Que seja imediatamente documentada (fisicamente documentada) ocorrências e intercorrências, e mencionados os co-integrantes do procedimento – parceiros (funcionários de “Call-Center”, operadores de vídeo-conferências, empresas de tecnologia de telemonitorização), e médicos autores de Segunda opinião. Lembrar, por último, que, em termos de responsabilização legal, a lei, a doutrina e a jurisprudência do país, caminham no sentido de considerar a obrigação do médico, em relação à sua profissão (nos atos presenciais ou nos procedimentos teletransmitidos), como encargo de meio e não de resultado, o que lhe impõe, especificamente quanto aos meios de atuação: 1 – Esgotamento de toda a possibilidade inerente à tecnologia que disponha no momento do fato; 2 – Uso adequado e comedido dos meios tecnológicos e científicos disponíveis para a especialidade cogitada. Esgotados esses cuidados pelo médico – e comprovada esta exação – não existirá possibilidade de responsabilização judicial qualquer (cível/criminal), ainda que obtido resultado danoso.