PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
' "
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados
e
TRIBUNAL DE JÜSTÍÇÃ DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°
. . . . . . . . . . . . m u nu
lllll lllll lllll llll 1111
discutidos
estes
autos
de
APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 33 9.513-5/7-00, da Comarca de
SANTA
ADELIA,
em que é apelante
MINISTÉRIO
PÚBLICO
sendo
apelada DESTILARIA SÃO GERALDO LTDA:
ACORDAM,
Tribunal
em Câmara
de Justiça
Especial
do Estado
do Meio Ambiente do
de São Paulo,
proferir
a
seguinte decisão: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO
RECURSO,
VENCIDO
O
3°
JUIZ,
QUE DECLARARÁ
VOTO",
de
conformidade com o voto do Relator, que íntegra este acórdão.
O
julgamento
teve
a
participação
dos
Desembargadores J.G. JACOBINA RABELLiO (Presidente, sem voto) ,
REGINA CAPISTRANO e AGUILAR CORTEZ.
São Paulo, 2 8 de junho de 2 007.
$?
j ^ s
.^<>
RENATO NALINI
Relcitor
I
PODER
JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SEÇÃO CE DIREITO PUBLICO
CÂMARA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE
VOTO N° 1 3 . 0 5 6
APELAÇÃO CÍVEL N° 3 3 9 . 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADÉLIA
Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO
Apelada: DESTILARIA SÃO GERALDO LTDA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL QUEIMA DE PALHA DE CANA-DEAÇÚCAR - ALEGADA PERM1SSIVIDADE DO
DECRETO ESTADUAL N° 42.056/97 - A
ORDEM CONSTITUCIONAL É SUPERIOR A
QUALQUER NORMATIVIDADE, POIS É SEU
FUNDAMENTO
DE
VALIDADE
NOCIVIDADE
MANIFESTA
PARA
O
AMBIENTE, A SAÚDE E MESMO PARA A
AGRICULTURA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
IMPROCEDENTE
APELO
DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE
PROVIDO
Vistos etc.
A s e n t e n ç a de fls.
1.455/1.459 julgou
improcedente
a ação civil pública movida
pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
c o n t r a a DESTILARIA SÃO GERALDO LTDA, sob
a r g u m e n t o de que n ã o houve dano provado, insuficiente
o d a n o p r e s u m i d o , além do que inexistiria n o r m a
proibitiva d a prática d a q u e i m a d a e, por isso, n ã o ser
acolhido o pedido.
Apela o Ministério Público a s u s t e n t a r , n a s
razões de fls. 1.462/1.479, que a q u e i m a d a foi irregular.
Evidentes os d a n o s ambientais, diante dos t r a b a l h o s
científicos elaborados. Além disso, o Decreto E s t a d u a l n°
42.056 / 97
padece
de
inconstitucionalidade,
ao
disciplinar atividade efetivamente poluidora do meio
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 513-5/7 - SANTA ADÉLIA - VOTO N° 13 056
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ambiente. Impõe-se, portanto, a reforma da sentença e o
decreto de procedência da ação civil pública.
A ré oferece contra-razões às fls. 1.483/1.494 e
posiciona-se a Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça no
sentido do provimento do apelo - fls. 1.499/1.501.
Neste Tribunal, o Exmo. Desembargador Lineu
Peinado, com assento na Egrégia 2 a Câmara de Direito
Público,
representou
ao
Exmo.
Desembargador
Presidente da Seção de Direito Público para que os
presentes fossem redistribuídos à Câmara Especial do
Meio Ambiente - fls. 1.503.
É u m a síntese do necessário.
O deslinde do presente feito passa por duas
questões: a existência ou não de norma proibitiva da
queimada de palha de cana-de-açúcar no Estado de São
Paulo, e a efetiva prática dessa conduta pela requerida.
O trato conferido pela ordem fundante ao meio
ambiente mereceu densa modificação. Hoje o artigo 225
da Carta Cidadã erigiu o direito ao meio ambiente ao
primeiro bem da vida intergeracional, ou seja, fruível
pelas futuras gerações.
Dessa opção do constituinte deriva uma outra
ordem de conseqüências no âmbito do processo. Além da
categoria de bem da vida essencial e destinado a todas as
gerações do porvir, o meio ambiente é u m valor fundante.
Como valor, passa a ser critério de interpretação para o
julgador. Sem sombra de qualquer dúvida, entre o valor
tutela ao meio ambiente e a observância de lei federal ou
decreto de leniência para com u m a prática primitiva, que
sacrifica o primeiro valor, aquele haverá de prevalecer.
Esta foi também a orientação do Colendo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, na lenta, mas efetiva evolução da compreensão do
problema da queima da palha de cana-de-açúcar. Por
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 513-5/7 - SANTA ADÊLIA - VOTO N° 13 056
3
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isso é que, enquanto no julgamento da primeira ADIN, de
Americana, dois foram os votos a favor da improcedência
e vinte e três a favor da procedência, ou seja, a favor da
queima. Na segunda ADIN, de Ribeirão Preto, houve
empate - 12 a 1 2 - e o voto de Minerva do Presidente do
Tribunal inclinou-se em desfavor
do ambiente.
Finalmente, na ADIN de Limeira, foram 15 os votos
favoráveis à compreensão de que o Município pode
proibir a queima de palha de cana-de-açúcar e 6 os votos
contrários. Votação encerrada, diante do quorum para as
ações diretas de inconstitucionalidade que, ao atingir 13
manifestações num sentido, prescindem de aferição das
demais.
Existe u m a evidente maturidade do Judiciário
em relação a tais temas. Os usineiros de bom senso e de
consciência sabem que precisam se ajustar aos novos
tempos. É de se supor que a nova orientação também
inspire o legislador a alterar posturas totalmente
inadequadas com a efetividade do direito ao meio
ambiente sadio. E o avanço tecnológico propiciará aos
plantadores de cana, com a colheita da cana crua,
maiores rendimentos e atendimento real à proteção
ambiental que a Constituição exige de todos. Sem
exceção.
Por isso é que a invocação a leis que
contradizem a vontade constituinte não inibem o
Judiciário de fazer valer as promessas feitas pelo
formulador do pacto. O concretizador das promessas
constitucionais é o Judiciário. A ele incumbe aplicar a lei,
mas sem esquecer que o fundamento de validade de
todas elas é a Constituição. Em sua explicitude e ainda
em sua implicitude. E a Constituição de 5 de outubro de
1988 é carta prenhe de princípios, os quais permitem ao
juiz
um
protagonismo
novo,
exigido
pela
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADÉLIA - VOTO N° 13 056
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contemporaneidade,
nunca
mais
aquela
posição
subalterna de servo da letra da lei.
Diante do artigo 24, VI,] da Constituição
Federal, e de seu § 2° 2 , inadmissível acolher-se a alegação
de que a Lei Federal n° 6 9 3 8 / 8 1 revogara o suporte
normativo da presente ação civil pública - a Lei Estadual
n° 9 9 7 / 7 6 e o Decreto n° 8.468/76.
O constituinte erigiu o meio ambiente no
primeiro direito intergeracionaJ explicitamente protegido
no pacto fundante. Ou seja, os viventes são titulares do
meio ambiente, mas há u m a legião de titulares ainda não
nascidos, mas igualmente merecedores de consideração e
de respeito. Assim porque perfeitamente possível à
legislação estadual impor maiores restrições que a
legislação federal, ampliando inclusive o conceito de
poluição e de poluidor.
E nem há se falar que o Decreto n° 8468/76
trouxe situação nova não prevista na
norma
3
regulamentada. O artigo 26 do Regulamento nada mais é
1
"Art 24 Compete ã União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre
( )
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da n a t u r e z a , defesa do solo e dos
r e c u r s o s n a t u r a i s , proteção do meio ambiente e controle da poluição M
2
"§ 2 o - A competência da União p a r a legislar sobre n o r m a s gerais não exclui a
competência s u p l e m e n t a r dos Estados "
3
"Art 26 Fica proibida a queima ao a r livre de resíduos sólidos, líquidos ou
q u a l q u e r outro material combustível, exceto mediante autorização prévia da
CETESB, para
I - Treinamento p a r a combate a incêndio,
II - Evita desenvolvimento de espécies indesejáveis, animal ou vegetal para
proteção à agricultura e à pecuária "
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADELIA - VOTO N° 13 0 5 6
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que u m desdobramento das normas prevista s nos
artigos 2° 4 e 3° 5 , ambos da Lei 9 9 7 / 7 6 .
Tampouco há se alegar que o Decreto n°
42.056/97, ao permitir a manutenção das queimadas
para a colheita da cana-de-açúcar, legitimaria a ação da
requerida. A tese de sua incompatibilidade com a ordem
constitucional vigente não é desarrazoada. J á se afirmou
neste Tribunal que
"a queima da palha da cana-de-açúcar
deve ser
coibida, data vênia, em face dos efeitos
degradantes
provocados
ao meio ambiente
e à saúde
da
circunvvzinhança, por atuação direta da combustão de
material em contato com o solo, a liberar resíduos
(fumaça/gases) que atingem, também, o equilíbrio dos
elementos da atmosfera ... Ainda que se controverta
na academia,
reconhecendo-se
a defesa séria e
fundamentada
de posições científicas, não se olvide
que a população-consumidora,
titular justa dos bens
da vida, de um modo ou d 'outro, sofre
as
conseqüências
comprovadas
e comprováveis
pela
perícia no sítio produtor da poluição de que se trata
4
"Artigo 2 o - Considera - se poluição do meio ambiente a presença, o l a n ç a m e n t o
ou a liberação, n a s á g u a s , no a r ou no solo, de toda e q u a l q u e r forma de matéria
ou energia, com intensidade, em q u a n t i d a d e , de concentração ou com
características em desacordo com a s que forem estabelecidas em decorrência
desta lei, ou que tornem ou possam tornar a s á g u a s , o a r ou no solo
I - impróprios, nocivos ou ofensivos à s a ú d e ,
II - inconvenientes ao bem - e s t a r público,
III - d a n o s o s aos materiais, â fauna e à flora,
IV - prejudiciais à segurança, ao u s o e gozo da propriedade e a s atividades
n o r m a i s da c o m u n i d a d e "
5
Artigo 3 o - Fica proibido o lançamento ou liberação de poluentes n a s á g u a s , no
a r ou no solo
Parágrafo único - Considera - se poluente toda e q u a l q u e r forma de matéria ou
energia que, direta ou indiretamente, c a u s a poluição do meio ambiente de que
trata o artigo anterior
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Dessarte, não fosse a grave acusação de ilegalidade
do Decreto Estadual
42 056/97,
por distorcer a
hierarquia das leis (Leis Federais
4.771/65
e
6 938/81), a par de abrir caminho ã alteração do
conceito de poluição, não tem eficácia, como outros
diplomas, de transmudcr os efeitos físicos poluidores,
substituindo-se
à perícia da matéria de fato. Pode, a
lei, definir o que não mais constitui poluição, mas não
pode decretar que seus efeitos não mais existam"6
E m trilha idêntica:
"Ação Civil Pública. Prática ilegal da queima de canade-açúcar Dano ao meio ambiente e à saúde pública.
Meio ambiente consagrado a bem coletivo, nos termos
da CF. Ilegalidade do Decreto Estadual 42 056/97
Lei 10.547/00 não aplicada na hipótese. Sentença de
improcedência reformada. Condenação nas sanções
requeridas Recurso provido7.
O u t r a n ã o t e m sido a orientação deste relator
em hipóteses análogas.
A i n d a r e c e n t e m e n t e , e m voto proferido n o
C o l e n d o Ó r g ã o E s p e c i a l a r e s p e i t o d o t e m a , tive
o p o r t u n i d a d e de asseverar:
"No Estado de São Paulo, a Lei 11.241, de
19.9.2002, regulamentada pelo Decreto Estadual
47.700, de 11.3.2003, estabelece:
Artigo I o - Esta lei dispõe sobre a eliminação do uso
do fogo como método despalhador e facihtador do
corte da cana-de-açúcar.
Artigo 2 o - Os plantadores de cana-de-açúcar
que
utilizem como método de pré-colheita a queima da
palha são obrigados
a tomar as
providências
6
7
TJSP AC 033 786. Rei VALLIM BELLOCCHI.j 22 3 1999
TJSP AC 241 215. Rei MAGALHÃES COELHO
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necessárias para reduzir a prática,
seguintes
tabelas'
ANO
1° ANO
1
observadas
ÁREA MECANIZÁVEL
ONDE NÃO SE PODE
EFETUARA QUEIMA
PERCENTAGEM DE
ELIMINAÇÃO DA
QUEIMA
2 0 % da área cortada
20% da queima
eliminada (2002)
3 0 % da queima
eliminada (2006)]
5o ANO
3 0 % da área cortada
10° ANO
50% da área cortada
50% da queima
eliminada (2011)
15° ANO
80% da área cortada
20° ANO
100% da á r e a cortada
8 0 % da queima
eliminada (2016)
eliminação total da
queima (2021)
ANO
10° ANO
ÁREA NAO
MECANIZAVEL.COM
DECLIVIDADE SUPERIOR
A 12% E/OU MENOR DE
150 HÁ ONDE
, NÃO SE PODE EFETUAR <\
!
QUEIMA
í
10% da área cortada
as
PERCENTAGEM DE
ELIMINAÇÃO DA
QUEIMA
10% da queima
eliminada (2002)
20% da queima
eliminada (2006)]
15° ANO
20% da área c o i t a d a
20° ANO
30% da área cortada
30% da queima
eliminada (2011)
25° ANO
50% da área cortada
30° ANO
100% da á r e a cortada
50% da queima
eliminada (2016)
100 % da queima
eliminada (2021)
Artigo 8 o - Os requerimentos para a queima devem
ser protocolados até o dia 2 de abril de cada ano, na
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\
8
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unidade do Departamento Estadual de Proteção de
Recursos Naturais - DEPRN que atender a respectiva
região.
§ Io - A autorização será expedida:
1 - no prazo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da
data em que for protocolado o requerimento, salvo se
houver exigência a ser cumprida, que deverá ser
comunicada ao interessado por escrito, no prazo de
10 (dez) dias úteis, a contar da data do protocolo;
2 - no prazo de 15 (quinze) dias úteis, a contar da
data do cumprimento da exigência a que se refere o
item anterior;
3 - expirados os prazos constantes neste parágrafo,
considera-se automaticamente concedida a respectiva
autorização, independentemente
de sua comunicação
ou de qualquer outra manifestação da autoridade ao
requerente.
§ 2o - O requerimento de que trata o caput deste artigo
poderá ser enviado por meios de
comunicação
eletrônicos.
Em termos de legislação, não se discute que o
interesse econômico obteve j u n t o ao Governo a
moratória de trinta anos, a evidenciar - de u m lado sua
força
persuasiva,
sempre
mediante
a
argumentação da prioridade à balança comercial,
ameaça de desemprego e necessidade de alavancar o
"progresso". De outro, o desinteresse em fazer valer o
preceito constitucional que subordina a ordem
econômica à defesa do meio ambiente 8 . Não é apenas
esse o princípio fundante em desapreço. O
primitivismo das queimadas constitui u m m a u uso
da propriedade, que o constituinte subordinou à s u a
inafastável função social 9 .
Em lugar de se adequar à contemporaneidade,
preferem os beneficiários dos métodos rudimentares
reiterar a longeva argumentação a favor da
H
9
Artigo 170, inciso VI. da Constituição da República
Artigo 186, artigo 170, inciso III e artigo 5o, inciso XXIII, todos da Constituição da Republica
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADÉLIA - VOTO N° 13 056
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destruição da natureza. Louvam-se até mesmo em
trabalhos acadêmicos, de conclusões a u m tempo
singelas, de outro altamente discutíveis.
Confira-se a fls. 17 da inicial [da ação direta de
inconstitucionalidade ora em curso), o rol das
conseqüências da interrupção do "científico" sistema
da queima de palha:
'1. Por exigir a mecanização
do corte,
causará
desemprego.
2. Diminuição dos rendimentos
operacionais
das
colhedoras e aumento do desgaste
mecânico.
3. Possível aumento de perda de matéria-prima, em
casos em que a máquina não esteja bem regulada
para cortar a cana rente ao solo.
4. Se manual, a colheita torna-se mais difícil e
perigosa em função da palha, de insetos e animais
peçonhentos que antes eram í(afugentados" pelo fogo.
5. Aumento das impurezas vegetais, aumentando o
custo com transporte, quando a limpeza da palha não
for eficientemente realizada pela colhedora.
6. Perigo de incêndio na palha antes, durante e
depois da colheita
7. Proliferação de pragas nos resíduos deixados no
solo.
8. Necessidade de variedades melhores adaptadas à
nova situação, o que pode exigir alguns anos de
estudos e pesquisas
9. Os implementos para o cultivo e adubação deverão
ser adaptados para que consigam trabalhar no solo
com palha.
10. Exigências de terrenos mais bem preparados e
planos, na busca do melhor rendimento
operacional
das máquinas.
11. Apenas 45% a 55% das terras do Estado de São
Paulo são aptas
a mecanização
da
colheita,
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADÉLIA - VOTO N° 13 056
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considerando a declividade de 15% e os tipos de solo
do Estado'10.
Dos onze argumentos, extrai-se que não se pretende
investir em estratégia menos primitiva e a intenção
de se transformar o Estado de São Paulo n u m
imenso canavial, como se essa fora a única
destinação da terra bandeirante.
A leitura que se fez do preceito do artigo 225 da
Constituição
da
República
é
acanhado
e
desconforme com a intenção do constituinte.
O teor do dispositivo é de ser analisado à luz da
vontade fundante. Dispõe:
Artigo 225 - Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Pela primeira vez o constituinte explicita u m direito
intergeracional no texto Fundante. O zelo em relação
ao meio ambiente decorre da necessidade da
preservação da vida no planeta. Não são apenas os
viventes os titulares desse direito,
mas
principalmente - as futuras gerações.
Por isso é que incumbe ao Poder Público o elenco de
atribuições descrito nos incisos de I a VII do artigo
225 da CF, de maneira alguma restritos à União ou
ao Estado. Tanto assim, que o artigo 23 da Carta é
explícito ao cometer a todas as esferas da Federação
brasileira proteger o meio ambiente e combater a
poluição em qualquer de suas formas11.
Ora, vários municípios colhem
as
nefastas
conseqüências dessa prática rude, que j á poderia ter
sido extirpada se o avanço do agronegócio brasileiro
10
Tese de Mestrado do Engenheiro Agrônomo DANIEL BERTOLI GONÇALVES, defendida em
2001 perante o Instituto de Economia da UNICAMP, qu<: deu origem ao livro "4 Regulamentação
das Queimadas e As Mudanças nos Canaxuus Paulistas". editora Rima, São Carlos, SP. 2002.
p25
" Inciso VI do artigo 23 da Constituição da República
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não se ativesse prioritariamente ao interesse do
lucro, m a s tomasse a sério as determinações
fundantes em relação ao meio ambiente.
No caso específico da região de RIBEIRÃO PRETO, a
luta contra as queimadas perdura h á quase trinta
anos. A Associação Pa.u-Brasil fez u m a consulta
pública com u r n a s espalhadas pelos diversos bairros
e apurou que 9 8 % dos votantes eram contra as
queimadas. E isso porque a população sente nos
pulmões os efeitos adversos decorrentes das
queimadas nos canaviíiis. A safra canavieira da
região se inicia entre abril e maio e termina em
novembro. Perpassa, portanto, o período de estiagem
n a região. Isso causa transtornos respiratórios,
principalmente em crianças e idosos, devido à
presença de particulados e suspensão na atmosfera
e a baixa umidade relativa.
O químico PAULO FINOTTI salienta que, "não
bastasse isso, o aquecimento da matéria orgânica
causado
pela queimada
produz
um
fenômeno
chamado piróhse, que resulta em quase uma centena
de
substâncias
químicas,
muitas
delas
cancerígenas"12.
Embora o setor de açúcar e álcool movimente 6% do
PIB e a tendência seja crescente, mercê da
disseminação da tecnologia flexfuel 2 - motores de
combustíveis flexíveis - o crescimento econômico não
pode condenar à morte milhares de crianças e
idosos. O Departamento de Saúde Ambiental da
Faculdade de Saúde Pública da USP realizou u m a
pesquisa em que se apurou incidência maior de
doenças respiratórias em regiões de queimadas em
culturas canavieiras. Essa pesquisa resultou em
dissertação de mestrado de FÁBIO SILVA LOPES,
cujo título "A utilização de sistemas de informação
geográfica no estudo da exposição humana
aos
'" Em "Mais uma vez as queimadas". Jornal Tribuna de Ribeirão Preto
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADELIA - VOTO N° 13 056
rx
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produtos da queima da palha da cana-de-açúcar no
Estado de São Paulo" não fornece a gravidade do
conteúdo. Pois os dados de janeiro de 2000 a
dezembro de 2004 evidenciaram a ocorrência de 22
mil internações ao ano por problemas respiratórios,
detectados mais de 3 mil focos de queimadas ao ano
em média naquele período 13 .
É comprovado que ao serem aspirados pelas
pessoas, os compostos emitidos pela queimada
atingem os alvéolos e chegam até à corrente
sangüínea. Desencadeiam processos inflamatórios e
causam hipertensão. Estudos realizados pelos
médicos
MARCOS ARBEX, JOSÉ
EDUARDO
CANÇADO e FÁBIO LOPES, concluem no mesmo
sentido: quando a u m e n t a m em 10% as partículas da
queima do ar, sobem em 22% as internações de
crianças e idosos. A poluição nessa região canavieira
é muito maior do que a poluída megalópole da
capital. E 80% das partículas s u s p e n s a s no ar vêm
da queima da palha de cana 1 4 .
O próprio Secretário do Meio Ambiente, o cientista
JOSÉ GOLDEMBERG, j a observou ser "um absurdo
fazer inúmeras exigências ambientais às indústrias
do Estado, tentar melhorar a disposição de lixo e
resíduos tóxicos, multar os caminhões que emitem
fumaça e inspecionar os automóveis para que estes
emitam
menos
poluentes
e,
simultânea
e
paradoxalmente, permitir a queima descontrolada da
cana-de-açúcar
que, em certas épocas do ano,
inferniza a população de parte do Estado"15.
No Brasil conduzido pela lex mercatona,
não
merecem
divulgação
as
inúmeras
pesquisas
11
Disponível em www usp br. acesso em 19 9 2006
MARCOS ARBEX é um dos autores de estudo desenvolvido no Laboratório de Poluição
Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, FÁBIO LOPES é pesquisador da
Faculdade de Saúde Publica da USP e JOSÉ EDUARDO CANÇADO e pesquisador do
Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP O estudo foi apresentado no National
Institute of Environmental Health Science e publicado no periódico cientifico Environmental
Health Perspectives Dispnivel em www mackenzie br/dhim/assssona, consulta em 19 9 2006
ls
Folha de São Paulo de 22 5 2002
14
APELAÇÃO CÍVEL N° 339 5 1 3 - 5 / 7 - SANTA ADELIA - VOTO N° 13 0 5 6
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realizadas por cientistas sérios e devotados, a
evidenciar os males advindos da queima da palha de
cana-de-açúcar. Dentre eles, a sujeira n a s casas, no
trabalho e em todas as áreas públicas; o aumento do
consumo de água de abastecimento público para
garantir a limpeza dos locais afetados com maior
freqüência 16 . Aumento dos acidentes n a s rodovias,
devido à falta de visibilidade. Influência da fumaça
no uso dos aeroportos locais e risco potencial maior
de acidentes aéreos. Problemas respiratórios em
crianças e idosos. Interrupção dos serviços de
energia elétrica por problemas causados em linhas
de transmissão próximas à área da queimada.
Desperdício de energia. Eliminação de animais
silvestres, pássaros e outros seres. Extinção da
biodiversidade. Emissão de gases prejudiciais ao
ambiente.
Em tese de doutorado defendida no Instituto de
Biocências, Letras e Ciências Exatas da UNESP, em
São José do Rio Preto, ROSA MARIA DO VALLE
BOSSO constatou
qualidades
alarmantes
de
substância
conhecida
pela
sigla
HPA
hidrocarboneto policíclico aromático - n a urina de
cortadores de cana. Com evidências comprovadas de
causar câncer, os HPAs constituem u m a família de
diversas substâncias. Entre elas o naftaleno,
fluoreno, pireno e benzc-pireno. Esses compostos e
seus derivados podem ser encontrados em todos os
compartimentos ambientais 1 7 .
6
Não e demais lembrar que toda a comunidade de RIBEIRÃO PRETO se utiliza da reserva do
chamado "Aqüífero Guarany". cuja utilização e objeto de preocupação do;» quatro países que o
hospedam - Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai O '"Jornal Nacional"* da TV Globo de
7 10 2006 noticiou que cientistas verificaram o rápido esgotamento desse manancial Ha algumas
décadas, a água surgia a 30 metros de profundidade Hoje, são necessários quase 100 metro;* de
perfuração para atingi-la F ha sinais desalentadores de contaminação do aqüífero, o que e trágico
para o futuro brasileiro
1
' Disponível sob o título "A polêmica do carvâozinho Queimar a palha de cana-de-açúcar e um
sistema de cultivo poluente e prejudicial a saúde, aponta pesquisa da Faculdade de Saúde Publica
da USP, SYLVIA MIGUEL, www usp br/|orusp/aquivo/2005/iusp738/pai?l011 htm. consulta em
19 9 2006
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Um outro trabalho acadêmico, realizado por MARY
ROSA MARCHI, do Instituto de Química da UNESP
de Araraquara, detectou grande volume de HPAs em
amostras de poeira s u s p e n s a no ar. Para conseguir
detectar as substâncias, MARY utilizou
um
equipamento capaz de coletar partículas inaláveis
com diâmetro menor que 10 microns - equivalente à
mihonésima parte do metro. Com a instalação do
aparelho a 7 metros da altura do solo, n u m terreno
situado a 5 quilômetros dos canaviais e a 10
quilômetros do centro da cidade, o estudo constatou
u m volume de HPAs quatro vezes superior durante o
período das safras, comparado à s entresafras.
Empresários mais conscientes não desconhecem tais
maléficos efeitos, tanto que se antecipam às
exigências legais e conseguem reduzir o uso do fogo
- o método mais primitivo, poluente e perigoso ainda
em uso. É que a queima emite grande volume de gás
carbônico - C 0 2 - gases de nitrogênio e enxofre,
responsáveis pelas chuvas ácidas. O efeito estufa, j á
sentido no
Brasil, é agravado em virtude das
queimadas. Elas ainda provocam significativas
perdas de nutrientes para as plantas e facilitam a
erosão e o aparecimento de ervas daninhas. Somente
após a pressão popular e das ONGs contra as
queimadas foi que alguns empresários se sentiram
estimulados a obter tecnologias para a colheita de
cana mecanizada, o que até barateou os custos de
produção.
De acordo com o Centro Nacional de Agrobiologia da
Embrapa, a palha depositada anualmente no solo,
no sistema de colheita de cana crua, varia de 10 a
15 toneladas por hectare. A queima deste material
representa
a
perda
de
vários
nutrientes,
principalmente de nitrogênio - 30 a 60 kg por
hectare - e enxofre - 15 a 25 kg por hectare.
Considerados os 3,5 milhões de hectares de cana
queimados e u m a produção média de 60 toneladas
por hectare, são perdidos todo ano 150 mil toneladas
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de nitrogênio e lançados n a atmosfera cerca de 64,8
milhões de toneladas de gás carbônico no mesmo
período 18 .
Em lugar da queima, a manutenção da palha e de
subprodutos da indústria sucroalcooleira, seria
possível u m dosamento mais racional de adubos.
Com isso, preservar-se-ia o equilíbrio ambiental. A
palha protege o solo do impacto da chuva, reduz as
perdas do terreno por erosão e a temperatura da
superfície do solo, pois conserva s u a umidade. Além
disso, a palha serve como reserva de nutrientes, que
são liberados lentamente em s u a decomposição.
Toda a argumentação de feição catastrófica e
terrorista dos que insistem no primitivismo das
queimadas desfalece ao se constatar o resultado de
estudos conduzidos por nove anos na Embrapa
Agrobiologia. Constataram eles n a Usina Cruangi,
em Timbaúba, no Pernambuco, produtividade 24%
maior em parcelas não queimadas. A diferença entre
os tratamentos a u m e n t o u com a passagem do tempo
e foi 55% n a última soca. Na Usina Cruangi, a
prática da colheita da cana após queima da palha foi
abandonada há mais de vinte anos. Com isso,
tornou-se u s u a l manter o canavial por sete socas - 8
anos - em contraste com as usinas vizinhas que, por
adotarem a queima, renovam o canavial após quatro
socas. Devido ao alto custo da colheita m a n u a l da
cana crua, o lucro obtido com a m b a s as práticas de
colheita cana
crua
ou
queimada
é
aproximadamente o mesmo, considerando-se o
aumento n a produtividade proporcionado pela
manutenção da palha 19 ."
Proibida a queima da palha de cana-de-açúcar,
logrou o Ministério Público comprovar parcialmente às
condutas imputadas à ré.
18
19
Disponível em www cnpag embrapa br. consulta em ll) 9 200b
CLÁUDIO MARQUES, in www radiobras çov br, corsulta em 19 9 2006
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O parquet, embora tenha alegado que a
requerida "desde a posse, utiliza fogo para limpeza de
solo, preparo de plantio e colheita de cana-de-açúcar nas
áreas de terras de que ê proprietária, arrendatária ou, de
qualquer forma, explora"20, comprovou a prática da
conduta apenas no ano de 1996 - documentação de fls.
21/48.
Exceções à assertiva são as queimadas na
Fazenda "São João", única sob seu domínio. A perícia
realizada nesta propriedade - üs. 8 4 5 / 9 0 1 , confirmada
pela prova testemunhai - fls. 1.439, demonstrou a
continuidade do procedimento no período compreendido
entre o ano de 1996 e a data de assinatura do laudo 25.07.2001.
Indiscutível a ocorrência da queimada e circunstância extremamente relevante para a espécie - a
ré sequer atendeu à normatividade permissiva que lhe
permitiria a queima da palha da cana-de-açúcar. Assim,
ainda se concluísse no sentido de que o decreto estadual
pudesse
viger
sem
contaminação
de
inconstitucionalidade, nem ao menos atender a tais
preceitos a apelada atendeu.
Diante da normatividade incidente e do
contexto probatório, a sentença não pode subsistir. O
dano foi comprovado, assim não fora e incidiria o
princípio da precaução, a vedar tudo aquilo que autoriza
a presunção de prejuízo, em favor das futuras gerações. A
existência de vida no Planeta depende da maturidade
com que o ambiente vier a ser tratado. Qualquer
20
1) Síüo "São Bento", Mun de Santa Adéha,
2) Fazenda "SanfAna", Mun de Santa Adéha,
3) Fazenda "São João", Mun de Santa Adéha,
4) Fazenda "Promissão", Mun de Santa Adéha;
5) Fazenda "Jardim Luciana", Mun de Santa Adéha,
6) Fazenda "Jardim Cristina, Mun de Santa Adéha"
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e m p r e e n d e d o r consciente saberia adotar estratégias q u e
conciliassem o desenvolvimento e a sustentabilidade e
n ã o malferissem a qualidade de vida d a c o m u n i d a d e
atingida por s e u e m p r e e n d i m e n t o .
Do exposto, confiro parcial provimento ao apelo
ministerial p a r a julgar parcialmente procedente a ação
civil pública movida pelo Ministério Público c o n t r a
DESTILARIA SÃO GERALDO LTDA, c o n d e n a d a :
a) ao c u m p r i m e n t o d a obrigação de n ã o
fazer, consistente em abster-se de utilizar fogo
p a r a a limpeza do solo, preparo do plantio e
p a r a colheita d a c a n a - d e - a ç ú c a r , n a s á r e a s por
ela cultivadas n a C o m a r c a de S a n t a Adélia,
m e d i a n t e substituição desse processo arcaico
por outro n ã o agressivo ao meio ambiente, sob
a
cominação
de
sanção
pecuniária
correspondente ao preço de 4.936 litros de
álcool por alqueire em q u e for empregado o
fogo como processo d e s p a l h a d o r d a cana-dea ç ú c a r , importância a reverter p a r a o F u n d o
Especial de Reparação dos Interesses Difusos
Lesados;
b) ao p a g a m e n t o de indenização pelos
d a n o s a m b i e n t a i s j á c a u s a d o s com a q u e i m a
de p a l h a de c a n a - d e - a ç ú c a r n a s á r e a s
localizadas n o Município de S a n t a Adélia,
descritas à s fls. 2 1 / 4 8 , relativa ao a n o de
1996, n o valor correspondente ao preço de
4.936 litros de álcool por alqueire;
c) ao p a g a m e n t o de indenização pelos
d a n o s a m b i e n t a i s j á c a u s a d o s com a queima
de p a l h a de c a n a - d e - a ç ú c a r n a Fazenda "São
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João", n o s termos do item "b", n o s a n o s de
1996, 1997, 1998, 1999, 2 0 0 0 e 2 0 0 1 .
d)
ao
pagamento
da^
despesas
p r o c e s s u a i s e c u s t a s do process
Por estes
provimento ao apelo.
fundamentqs</confere-se
ÍATO NALINI
Relator
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parcial
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RECURSO
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NATUREZA
AÇÃO CIVIL PUBLICA AMBIENTAL-1 a INST N 7/1997
COMARCA
APTE(S)
APDO(S)
SANTA ADELIA - 1 o OFICIO
MINISTÉRIO PUBLICO
DESTILARIA SÃO GERALDO LTDA
VOTO N. 4201/07 (VENCIDO)
VISTOS
Contra sentença que julgou improcedente ação civil
pública de natureza ambiental visando à obrigação de não fazer queima controlada no
cultivo de canaviais (fls 1455/1459) apelou o Promotor de Justiça requerente alegando
que houve queimada irregular, que há danos ambientais e que o Decreto estadual n
42056/97 é inconstitucional Foram apresentadas contra-razões defendendo a sentença e
o Ministério Público se manifestou pelo provimento
Cabe analisar as questões/proposições a que dá ensejo o
conflito de interesses posto em julgamento A atividade de queima da palha da cana de
açúcar é nociva ao meio ambiente (flora, fauna, ser humano) 7 A atividade de queima da
palha da cana de açúcar é ilegal 7
Com relação à primeira delas, tudo indica que sim, caso
contrario a legislação não exigiria sua redução gradual ate a substituição desse manejo, e
as próprias empresas não se empenhariam em fazê-lo Ainda que se considere haver
quem negue qualquer nocividade, ou que a tenha como tolerável, certo é que se trata de
manejo que empobrece o solo, mas e mantido em razão da relação custo-benefício
imediata, desde que não se leve em conta interesses outros que não o da rentabilidade
no curto prazo
É claro que se houvesse preocupação social de dar emprego os
cortadores de cana não seriam trazidos de outros Estados para trabalhar somente por
ocasião das safras e teriam mais trabalho sem a queima, onerando menos os Municípios
Não obstante, esta é apenas mais uma forma de poluição, entre tantas com que
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convivemos, e deve ser considerada a existência de política pública tendente a eliminar
essa "técnica"
Desta primeira, decorre a segunda questão/proposição,
que divide mais os estudiosos, posto que ligada ao limite de interferência ambientai tido
pelo Estado como tolerável
Parece razoável admitir que as interferências na natureza
não estão proibidas de modo absoluto, mas devem ser feitas de modo a não prejudicar a
qualidade da vida no respectivo ecossistema Cada pess.oa, cada empresa, cada esfera
de governo deve sua parcela de responsabilidade e de contribuição para assegurar não
se tornem letra morta os fundamentos e objetivos traduzidos nos princípios constitucionais
da dignidade humana (art 1 o , III), da construção de sociedade solidária sem qualquer
forma de discriminação (art 3°, I e IV) em economia que, para assegurar existência digna
(art 193), se desenvolva com observância da função social da propriedade e do dever de
defesa do meio ambiente, como bem de uso comum essencial à qualidade vida presente
e futura (art 170, III e VI, 186, II e 225), controlando o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem riscos (art 225, § 1 o , V)
Para estabelecer o controle das atividades
humanas
sobre a terra, o legislador brasileiro, já no Estatuto da Terra, Lei n 4 504/64, vinculava o
cumprimento da função social à conservação dos recursos; naturais (art 2o) e, no Código
Florestal, Lei n 4 771/65, declarou ser bem de interesse comum qualquer forma de
vegetação reconhecida de utilidade para a terra que reveste (art 1o), e proibiu o uso de
fogo sem permissão específica do Poder Público (art
27, parágrafo único)
Essa
legislação foi recepcionada pelas Constituições Federais supervenientes
A Lei Federal n 6 938/81 (Lei da Política Nacional do
o
Meio Ambiente), no artigo 3 , III, '"a", considera como poluição, entre outras, a atividade
causadora de degradação ambiental capaz de, direta ou indiretamente, prejudicar a
saúde, a segurança e o bem estar da população A Lei Federal n 8 171/91 (Lei da Política
Agrícola) dispõe que a atividade agrícola está subordinada às normas e princípios de
interesse público, inclusive quanto à função social e econômica da propriedade (art 2 o , I),
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e que é objetivo da política agrícola proteger o meio ambiente, garantir seu uso racional e
estimular a conservação e a recuperação dos recursos naturais" (art 3o, IV e art 4 o , IV) E
a Lei Federal n 8 629/93 (Lei da Reforma Agrária) dispõe que a função social da
propriedade rural implica utilização adequada dos recursos naturais e preservação do
meio ambiente pela manutenção das características próprias do meio natural e da
qualidade dos recursos ambientais, com vistas ao equilíbrio ecológico local e à saúde e
qualidade de vida das comunidades próximas (art 9o, II e § 3o)
Como se vê, qualquer atividade potencialmente lesiva ao
meio ambiente e à saúde pública está sujeita ao controle da Administração Pública, que
se fará nos limites estabelecidos pela Constituição Federal para a legislação ambiental,
ou seja, à Administração cabe controlar o emprego de técnicas e métodos que importem
riscos Ao Estado compete, pois, impedir que o dano se consume (art 225, § 1 o , V da
CF), valendo-se do princípio da precaução
Nenhuma lei ou norma administrativa pode permitir a
consumação do dano E o dano restará consumado se houver degradação ambientai pela
alteração adversa das características do meio ambiente (art 3o, II, Lei n 6 938/81),
alteração desfavorável da biota (idem, art 3o, III, "c"), emissão de matérias ou energia
fora dos padrões estabelecidos (art 3o, III, "e"), ou prejuízo para a saúde e o bem
estar da população (art 3o, III, "a")
O Decreto Federal n 2 661/98 regulamentou o parágrafo
único do artigo 27 da Lei n 4 771/65 permitindo utilização de fogo para queima controlada
em práticas agropastons e florestais mediante prévia autorização de órgão do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA e impôs eliminação gradativa em áreas passíveis
de mecanização da colheita de cana de açúcar, pela redução mínima de um quarto da
área de declividade inferior a doze por cento, ou mesmo superior, se tida como
mecanizável, a cada cinco anos, exceção feita às lavouras de até 150 ha (art 3o e 16) E
o Decreto n 3010 de 30 03 99 proibiu a queima a menos de mil metros de centro urbano,
ou de quinhentos metros de seu perímetro
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Com
estes
parâmetros,
o
Poder
Executivo
Federal
estabeleceu limites de tolerabilidade temporal e espacial, a partir dos quais os órgãos da
Administração Pública devem cuidar de evitar danos, atuando preventivamente e/ou
repressivamente
A propósito, cabe observar que o Código Florestal não
cuidava somente de florestas e vegetações nativas e sua redação atual não deixa dúvidas
sobre isto nem padece de vício de (m)constitucionahdade
No Estado de São Paulo, aprimorando o tratamento dado
à questão pelas Leis n 997/76, n 841/93 e n 6 171/88 e pelos Decretos n 8 468/76, n
28 848/88 e n 28 895/88, a Constituição Estadual (art 191/216), a Lei n 8 421/93 e a Lei
n 9 509/97 (Lei da Política Estadual do Meio Ambiente) reforçaram o dever/direito à
preservação do equilíbrio ecológico e à qualidade do meie ambiente e, depois do Decreto
n 42 056/97 (que revogou o Decr n 28 895/88 e alterou o Decr n 41 719/97), a Lei n
10 547, de 02 05 2000, publicada em 03 05 2000, e objeto de veto do Governador
rejeitado pela Assembléia Legislativa, disciplinou o emprego de fogo em práticas agrícolas
mediante controle da Secretaria do Meio Ambiente ou órgão ou instituição por ela
designado, como órgão do SISNAMA, para apreciar a "Comunicação de Queima
Controlada", e estabeleceu o mesmo critério do Decreto Federal n
2 661/98 para
eliminação gradativa dessas queimadas
Posteriormente, o Decreto Estadual n 45 869 de 22 06 01
regulamentou a Lei n 10 547/2000, impondo a redução mínima de 25% das áreas
mecanizáveis e de 13, 35% das não mecanizáveis desde então e a cada cinco anos,
progressivamente, sendo que a partir de 2003 deveria ser observada distância mínima de
mil metros do centro de qualquer aglomeração urbana, ou de quinhentos metros do
perímetro urbano, e exigiu prévia comunicação à unidade regional do Sistema Estadual
de Administração da Qualidade Ambientai -
SEAQUA (DEPRN, CETESB, Polícia
Florestal/Corpo de Bombeiros), vedando queima de área contínua superior a 500 ha Para
queima da palha de cana de açúcar, exigiu autorização ambiental a ser requerida até 15
de janeiro de cada ano A constitucionahdade desse decreto, que estabeleceu restrições
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além das constantes da lei regulamentada, foi questionada também pelos sindicatos das
indústrias de fabricação de açúcar e álcool
Valem, agora, a Lei Estadual n 11 241 de 16 09 02, que
estabeleceu cronograma de redução para eliminação total da queima até o ano 2021 para
áreas mecanizáveis (terrenos acima de 150 ha com declividade até 12%) e 2031 para não
mecanizáveis, e o Decreto n 47 700/03
De se considerar, então, que a legislação federal e a
estadual proíbem a queima de palha de cana de açúcar sempre que esta puder se
mostrar lesiva ao meio ambiente ou à saúde pública A regra geral era e é a proibição,
excepcionada nos casos em que o controle estatal admita essa queima como não
danosa, com os parâmetros legais pertinentes E o Poder Público estabeleceu, bem ou
mal, critérios para admitir a queima não lesiva ao meio ambiente e à saúde pública
Pode ser considerada arbitrária e sem fundamento a
permissão incondicional da queima em áreas de até 150 ha, assim como a previsão de
omissão do órgão administrativo como equivalente a permissão tácita
De um modo ou de outro, não se pode deixar de
reconhecer que alguma queima poderia ser autorizada, se tida como não danosa pela
Administração Pública, e que a petição inicial não aponta descumpnmento de regra
administrativa
Por outro lado, não é incumbência do Poder Judiciário
estabelecer os limites de tolerabilidade da intervenção no meio ambiente, vale dizer,
assumir o dever estatal de controle das atividades de risco
Há
necessidade
de
legislação
e
de
normatização
administrativa e as existentes não se mostram inconstitucionais, ante a impossibilidade de
fixação pelo Poder Judiciário do limite de intervenção aceitável
No acórdão relativo à Ação Rescisória n 373 280 5/1-00
(Primeiro Grupo de Câmaras de Direito Público, rei
Des
Demóstenes Braga) este
Tribunal, em 16 08 05, considerou constitucional a legislação estadual aplicável a queima
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de palha de cana de açúcar (Lei n 997 de 31 05 76, Decreto n 8 468/76 e Decreto n
41 719 de 16 04 97 com a redação do Decreto n 42 056 de 06 08 97) e não liberou a
empresa interessada das providências de mecanização do plantio e cumprimento da Lei
Estadual n 10 547/2000 e do Decreto n 45 869 de 22 06 01 que a regulamentou
Por fim, não há prova de que a Administração Pública
Estadual esteja descumpnndo a legislação federal ou estadual e admitindo a queima sem
pedido ou autorização formal com avaliação do impacto ambiental
Ante o exposto, por meu voto nega-se provimento à
apelação, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos
ANTÔNIO C e l ã o AGÜfLAR G0RTEZ
4 ° iUIZ(VENCIDGrj7
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tutela ao meio ambiente