PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS
EDUCACIONAIS
Autor: Antonio Ferreira Cesar
Orientador: Prof. M.Sc. Joel Arruda
ANTONIO FERREIRA CESAR
CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS EDUCACIONAIS
Monografia apresentada à Banca examinadora
da Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharelado em Direito,
Orientador: Prof. M.Sc. Joel Arruda.
Brasília
2009
Trabalho de autoria de Antonio Ferreira Cesar, intitulado “CLÁUSULAS ABUSIVAS
NOS CONTRATOS EDUCACIONAIS”, requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharelado em Direito, defendida e aprovada em (data da aprovação), pela banca
examinadora constituída por:
____________________________________________________
Prof.
(Orientador)
____________________________________________________
Professor
(membro)
____________________________________________________
Professor
(membro)
Brasília
2009
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus, pela saúde e paz que me concedeu para a realização deste trabalho,
bem como aos meus familiares, amigos e colegas de faculdade; aos meus professores, e em
particular ao orientador, professor Joel Arruda.
“Se queremos progredir não devemos repetir a
história, mas fazer uma nova história”.
Ghandi
“O que mais preocupa não é nem o grito dos
violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos semcaráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o
silêncio dos bons”.
Martin Luther King
RESUMO
CESAR, Antonio Ferreira. Cláusulas abusivas nos contratos educacionais. 2009. 89 fls. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito. Universidade Católica de Brasília, Brasília,
2009.
A presente monografia tem como objetivo discutir “As Cláusulas abusivas nos contratos
educacionais”, discorrendo sobre evolução dos contratos e seus princípios; a estatização da
educação brasileira e as cláusulas abusivas mais frequentes nos contratos educacionais,
culminando nas soluções encontradas pela jurisprudência nos tribunais estaduais e tribunais
superiores. O estudo, após análise mais profunda, em seus diversos tópicos, nos indica os
caminhos para alcançarmos um equilíbrio contratual entre alunos e instituições visando
contribuir com as instituições de ensino para que as mesmas não continuem a abarrotar o
judiciário, tornando-se rés em tantas ações movidas por alunos ou por seus representantes
legais, contribuindo assim para que o futuro leitor deste trabalho possa compreender melhor o
dispositivo da lei 9870/99 que trata das relações nos contratos educacionais, identificando
com clareza as cláusulas abusivas praticadas pelas instituições de ensino, bem como a
dificuldade enfrentada pelas mesmas por serem instituições reguladas pela legislação
infraconstitucional. O tema é relevante e atual, pois, as relações contratuais, em especial as
relações de consumo, são extremamente influenciadas pela economia de mercado, o que é o
reflexo do processo de modernização que vem sendo enfrentado por toda a sociedade
contemporânea, tendo uma explosiva conscientização do consumidor face à edição do Código
de Defesa do Consumidor.
Palavras-Chave: Cláusulas abusivas. Lei 9870/99. Contratos educacionais. Instituições de
Ensino.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 - DOS CONTRATOS E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA ......................... 8
1.1 DOS CONTRATOS NO CÓDIGO DE HAMURABI ......................................................... 8
1.2 DA EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS ............................................................................... 9
1.2.1 Contrato no Direito Romano ........................................................................................... 10
1.2.2 Tipos de Contrato ............................................................................................................ 11
1.2.3 Requisitos para Validade do Contrato ............................................................................. 11
1.3 DOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ................................................................................ 12
1.3.1 Princípios Fundamentais do Direito Contratual .............................................................. 12
1.4 DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ........................................................................ 18
1.5 PACTA SUNT SERVANDA ............................................................................................. 22
1.6 REBUS SIC STANTIBUS ................................................................................................. 27
CAPITULO 2 – DA ESTATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ......................... 31
2.1 DA EDUCAÇÃO PRIVADA NO BRASIL ...................................................................... 31
2.1.1 As Deficiências do Sistema Educacional Brasileiro........................................................ 36
2.1.2 Evolução do Ensino ......................................................................................................... 38
2.1.3 Responsabilidade Social na Educação ............................................................................. 40
2.2 A ESCOLA PARTICULAR NA ATUAL CONJUNTURA.............................................. 41
2.3 DA OMISSÃO DO ESTADO E SUA TENTATIVA DE TRANSFERÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE ........................................................................................................... 44
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PÚBLICOS. .............................................................................................................................. 48
2.4.1 A Teoria da Irresponsabilidade e o Direito Brasileiro. .................................................... 49
2.4.2 Evolução Histórica da Responsabilidade Civil do Estado............................................... 50
2.4.3 A Teoria Civilista da Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro. ...................... 51
2.4.4 A Responsabilidade Civil do Estado por Ato Judicial .................................................... 52
2.4.5 A Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos ............................................ 54
2.4.6 A Responsabilidade Objetiva da Administração no Direito Brasileiro. .......................... 54
3 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS EDUCACIONAIS ............................................................................................. 56
3.1 DAS CLÁUSULAS SOCIAIS ABUSIVAS ...................................................................... 56
3.2 DOS CONTRATOS DE ADESÃO.................................................................................... 60
3.3 DA LEI 9870/99 (QUE TRATA DAS RELAÇÕES NOS CONTRATOS
EDUCACIONAIS) ................................................................................................................... 67
3.4 DAS CLÁSULAS ABUSIVAS IMPOSTAS PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E
SEU COMBATE ...................................................................................................................... 71
3.5 DA JURISPRUDÊNCIA NOS TRIBUNAIS (CLÁUSULAS EM CONTRATOS
EDUCACIONAIS) ................................................................................................................... 74
3.6 DOS JULGADOS NO STF ................................................................................................ 77
4 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 81
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 83
ANEXO .................................................................................................................................... 88
8
CAPÍTULO 1 - DOS CONTRATOS E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1.1 DOS CONTRATOS NO CÓDIGO DE HAMURABI
Do aprendizado conceitual de vários autores podemos afirmar que contrato é a
expressão de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a
estabelecer uma regulamentação de interesse entre as partes, com o escopo de adquirir,
modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza jurídica ou pessoal. Por isso, mesmo
remotamente o ser humano já pensava em como harmonizar as relações advindas do Contrato.
Desta feita, mesmo antes do direito romano, já se tinha conhecimento do Código de
Hamurabi, do rei babilônico, no 18º século A.C., estendeu grandemente o seu império e
governou uma confederação de cidades-estado. Erigiu, no final do seu reinado, uma enorme
"estela" em diorito, na qual ele é retratado recebendo a insígnia do reinado e da justiça do rei
Marduk. Abaixo mandou escrever em 21 colunas, 282 cláusulas que ficaram conhecidas como
Código de Hamurábi (embora abrangesse também antigas leis).
Legislação que se estendeu pela Assíria, pela Judéia e pela Grécia, norteando a
implantação da justiça na terra, a destruição do mal, além da prevenção da opressão do fraco
pelo forte, preocupação esta que persiste até os dias atuais, com o código alemão, francês,
italiano e o brasileiro, em especial, na legislação que rege a relação brasileira consumerista e
contratual diversa.
Hamurabi, com o seu código, consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes
e estendeu o direito e a lei a todos os súditos. Seu código estabelecia regras de vida e de
propriedade, apresentando leis específicas, sobre situações concretas e pontuais.
Mesmo em sua época o Código já se preocupava com as relações contratuais, visando
garantir direitos nas relações contratuais, conforme o os trechos abaixo selecionados:
7º - Se alguém, sem testemunhas ou contrato, compra ou recebe em depósito ouro ou
prata ou um escravo ou uma escrava, ou um boi ou uma ovelha, ou um asno, ou
outra coisa de um filho alheio ou de um escravo, é considerado como um ladrão e
morto.
37º - Se alguém compra o campo, o horto e a casa de um oficial, de um gregário, de
um vassalo, a sua tábua do contrato de venda é quebrada e ele perde o seu dinheiro;
o campo, o horto e a casa voltam ao dono.
47º - Se o cultivador, porque no primeiro ano não plantou a sua estância, deu a
cultivar o campo, o proprietário não deverá culpá-lo; o seu campo foi cultivado e,
pela colheita, ele receberá o trigo segundo o seu contrato.
48º - Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou
destrói a colheita, ou por falta d'água não cresce o trigo no campo, ele não deverá
nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar
juros por esse ano.
9
52º - Se o cultivador não semeou no campo trigo ou sésamo, o seu contrato não fica
invalidado.
122º - Se alguém dá em depósito a outro, prata, ouro ou outros objetos, deverá
mostrar a uma testemunha tudo o que dá, fechar o seu contrato e em seguida
consignar em depósito.
128º - Se alguém toma uma mulher, mas não conclui um contrato com ela, esta
mulher não é esposa.
228º - Se um arquiteto constrói uma casa para alguém e a leva a execução, deverá
receber em paga dois siclos, por cada sar de superfície edificada.
229º - Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele
construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto.
230º - Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto.
231º - Se mata um escravo do proprietário ele deverá dar ao proprietário da casa
escravo por escravo.
232º - Se destrói bens, deverá indenizar tudo que destruiu e porque não executou
solidamente a casa por ele construída, assim que essa é abatida, ele deverá refazer à
sua custa à casa abatida.
233º - Se um arquiteto constrói para alguém uma casa e não a leva ao fim, se as
paredes são viciosas, o arquiteto deverá à sua custa consolidar as paredes.1
1.2 DA EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS
Os Jurisconsultos Romanos, Florentino e Paulo foram os autores clássicos do período
romano. Segundo Florentino a obrigação é o vínculo de direito por imposição do qual somos
obrigados a solver a alguém de acordo com o direito de nossa cidade.
O contrato é um instituto que nasceu com a origem da vida, eis que Deus ao criar o
condenou às regras contratuais para com o mesmo, ante as suas leis, presente no cotidiano de
todos os seres de uma forma ou de outra. 2
Podem-se divisar, na evolução do tratamento que o direito dispensa aos acordos entre
os sujeitos privados, três modelos fundamentais.
O primeiro, em que prevalece sempre a vontade das partes, e a interferência do aparato
estatal limita-se, basicamente, a garantir tal prevalência (modelo liberal); o segundo, em que a
interferência do aparato estatal substitui, em determinadas situações, a vontade manifestada
pelas partes por regras de direito positivo (modelo neoliberal); e, por fim, o terceiro, em
gestação, em que se distingue o acordo feito por sujeitos privados iguais do contrato entre
desiguais, com o intuito de prestigiar a vontade das pastes naquele e tutelar o economicamente
mais fraco (modelo neoliberalizante).3
1
BIBLIOTECA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS DA USP. Comissão de Direitos Humanos. Código de
Hamurabi. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/hamurabi.htm>.
Acesso em: 23 fev. 2009.
2
LEITE, Gisele A evolução doutrinária do contrato. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 254. Disponível
em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1888> Acesso em: 23 fev. 2009.
3
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 5.
10
1.2.1 Contrato no Direito Romano
No Direito Romano, diferentemente dos dias atuais, o acordo de duas ou mais pessoas
sobre o mesmo objeto ou pacto não bastavam para gerar a obrigação contratual. Para Paulo o
simples pacto não nasce à ação, ou seja, o simples acordo de vontades entre as partes, sem
formalidades, não gera obrigação.
Naquela época o contrato seria o pacto acoplado com as formas. Era aplicado de forma
rígida, pois prevaleciam as formas em relação a intenção das partes. Sendo assim, constata-se
que o direito romano é por excelência formalista. A forma sempre representou algo muito
importante para o povo romano, aliás, não só no direito como na religião, política e festas.
Com base nisso Cretella Júnior4 define contrato como “o acordo de duas ou mais pessoas
sobre o mesmo objeto, seguido de formalidade e produzindo efeitos jurídicos sobre os
contratantes.”
O formalismo do direito romano apresente os seguintes aspectos positivos:
• Fixação precisa do momento da conclusão do contrato;
• Reflexão maior das partes antes da decisão contratual;
• Facilidade da ação judiciária;
• O formalismo do direito romano apresente os seguintes aspectos negativos:
• Morosidade jurisdicional;
• Prevalência do que está escrita ante a intenção das partes.
Desta feita, percebe-se que os aspectos negativos do formalismo sobrepõe os aspectos
positivos, pois o que o direito busca por meio do poder público não é resolver a letra fria dos
contratos, mas sim a intenção do que foi pactuado como prescreve. O atual Código Civil
Brasileiro determina em seu art. 112 que “nas declarações de vontade se atenderá mais á
intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”.5
As formalidades que acompanhavam o pacto do direito romano são: pelo bronze e pela
balança (“per aes et libram”); palavra (“verba”); letras (“litterae”).
Os contratos verbais (“obligationes verbis”) têm como fonte principal a “stipulatio —
a promessa solene de dar coisa certa. Nesse tipo de contrato se formaliza com a pergunta de
4
5
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 27 ed. RJ: Editora Forense, 2002.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: v.3 - contratos e das declarações de acordo com o novo Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 18-20.
11
credor, que nesse ato denomina-se “stipulator” e resposta do credor, que se denomina
“promissor”. Ademais se exige a presença dos tratantes.
1.2.2 Tipos de Contrato
Os contratos quanto à forma podem ser: formais — os quais exigem uma forma solene
prevista em lei; não formais — são os desprovidos de solenidades.
Os contratos podem ser: unilaterais — quando o contrato obrigar apenas uma das
partes, não há contraprestação da outra; bilaterais — também denominado de sinalagmáticos,
ocorre quando ambas as partes se obrigam pelo contrato. Os contratos sinalagmáticos podem
ser: sinalagmáticos perfeitos — quando gerar obrigações recíprocas para os contratantes desde
a celebração do contrato; sinalagmáticos imperfeitos — quando gerar obrigações para uma
das partes desde o início.
Ainda os Contratos podem ser: inominados — quando não prevista sua forma em lei;
nominados — quando previsto sua forma em lei.
Ademais os contratos podem ser: gratuito — quando não há uma contraprestação, há
uma liberalidade da outra parte; oneroso — quando há uma contraprestação.6
1.2.3 Requisitos para Validade do Contrato
No Direito Romano exige-se três requisitos para a validade do contrato: consentimento
das partes contratantes — que significa o livre acordo de vontade pela partes. Não pode haver
vícios, caso contrário o contrato será nulo ou anulável, impedindo-o de produzir efeitos que
tem em vista; capacidade para contratar — significa que as partes contratantes devem ser
capazes na vida civil para poder contratar, tanto o credor como o devedor, caso contrário será
assistido ou representado para que o contrato seja considerado válido; objeto — o objeto deve
ser determinado, lícito e possível.
Na mesma sistemática o atual Código Civil Brasileiro7 determina em seu artigo 104
que a validade do negócio jurídico requer: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado
6
RODRIGUES,Sílvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 15.
7
NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código civil e legislação civil em vigor. 25. ed. São
Paulo: Saraiva, 2006.
12
ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. De acordo com o princípio da
obrigatoriedade das convenções, o contrato vincularia as partes, que só se libertariam pelo
distrato, ou na impossibilidade da prestação provocada por caso fortuito ou força maior.
1.3 DOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
1.3.1 Princípios Fundamentais do Direito Contratual
A) Autonomia da vontade: Significa ampla liberdade de contratar. Têm as partes a
faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado (arts.421
e 425)
B) Supremacia da ordem pública: Limita o contrato da autonomia da vontade, dando
prevalência ao interesse público.
C) Consensualismo: Basta o acordo de vontades, independentemente da entrega da coisa,
para o aperfeiçoamento do contrato. Os contratos são, em regra, consensuais. Alguns
poucos, no entanto, são reais, porque somente se aperfeiçoam com a entrega do objeto,
subseqüente ao acordo de vontades (deposito, comodato, p.ex.).
D) Relatividade dos contratos: Funda-se na idéia de que Oe efeitos dos contratos só se
produzem em relação às partes, não afetando terceiros, salvo algumas exceções
consignadas na lei (estipulações em favor de terceiros).
E) Obrigatoriedade dos contratos: Decorre da convicção de que o acordo de vontades faz
lei entre as partes (pacta sunt servanda), não podendo ser alterado nem pelo juiz.
F) Revisão dos contratos (ou da onerosidade excessiva): Opõe-se ao da obrigatoriedade,
pois permite aos contratantes recorrerem ao Judiciário para obter alteração da
convenção e condições mais humanas, se a prestação se tornar excessivamente onerosa
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (arts.478 e 480).
(Constitui aplicação da antiga rebus sic stantibus e da teoria da imprevisão).
G) Boa-fé: Exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as
tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato o qual
ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. A boa-fé se biparte em subjetiva
(psicológica) e objetiva (cláusula geral que impõe norma de conduta).8
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações: parte especial: tomo I, contratos. 8.ed. rev., atual. São
Paulo: Saraiva, 2006. v.6. p. 17.
13
Por conseguinte, de acordo com princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a
se ligar contratualmente a ninguém, só fazendo lhe aprouver.
O princípio da autonomia da vontade esbarra sempre na limitação criada por lei de
ordem pública. Esbarra, igualmente, na noção de bons costumes, ou seja, naquelas regras
morais não reduzidas a escrito, mas aceitas pelo grupo social e que constituem o substrato
ideológico inspirador do sistema jurídico, constituindo-se, assim, em barreiras limitadoras da
liberdade individual em matéria de contrato.
O segundo princípio – o da relatividade das convenções – contém a idéia de que os
efeitos do contrato só se manifestam entre as partes, não aproveitando nem prejudicando
terceiros. O que, aliás, é lógico. Como o vínculo contratual emana da vontade das partes, é
natural que terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta
pela lei nem derivou de seu querer. Representando assim um elemento de segurança, a
garantir que ninguém ficará preso a uma convenção, a menos que a lei determine, ou a própria
pessoa delibere.
O princípio da força vinculante das convenções consagra a idéia de que o contrato,
uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se
podem desligar senão por outra avença, em tal sentido. Isto é, o contrato vai constituir uma
espécie de lei privada entre as partes, adquirindo força vinculante igual à do preceito
legislativo, pois vem munido de uma sanção que decorre da norma legal, representada pela
possibilidade de execução patrimonial do devedor. Pacta Sun Servanda!
Pela evolução do direito contratual, os princípios acima expostos sofreram alterações
no decorrer da história do direito alemão, francês, italiano, entre outros, inclusive o brasileiro,
eis que, renasce o Estado Social de Direito com a sua tônica voltada para o aumento crescente
de ordem pública para harmonizar a esfera do individual com o social. Nessa altura é inegável
que o direito contratual não mais se limita aos três princípios clássicos discutidos, a estes
vieram somar-se outros três. Conforme registra Antonio Junqueira de Azevedo, citado no
livro O Contrato e sua função social, de Humberto Theodoro Júnior.9
a) o da boa-fé objetiva;
b) o do equilíbrio econômico, e;
c) o da função social do contrato.
9
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 4. apud
AZEVEDO.
14
Que, ainda, segundo o Antonio Junqueira Azevedo, “os princípios anteriores não
devem ser considerados abolidos pelos novos tempos, mas certamente, deve-se dizer que
viram seu número aumentado pelos três novos princípios”. Conforme Humberto Theodoro
Júnior:10 “De fato busca-se novas concepções do contrato com a introdução de sistema de
melhores instrumentos para realizar a justiça comutativa, como o que se faz por meio do
princípio do equilíbrio, da proporcionalidade e repulsa ao abuso.
O contrato, segundo a lição sempre acatada de Caio Mario da Silva Pereira11, continua
se originando da “declaração da vontade”, tendo “força obrigatória”, e se formando em
princípio, “pelo só consentimento das partes”. E, mais ainda, continua nascendo, em regra,
“da vontade livre, segundo a autonomia da vontade”. Embora não tenha hoje as mesmas
proporções de outrora.
Ainda nos ensinamentos de Caio Mario,12
O contrato não encontrou o seu fim como certa doutrina chegou a proclamar. O que
no momento ocorre, e o jurista não pode desprender-se das idéias dominantes no seu
tempo, é a redução da liberdade de contratar em benefício da ordem pública, que na
atualidade ganha acendrado reforço, e tanto que Josserand chega mesmo a
considerá-lo a ‘publicitação do contrato.
Conforme Tereza Negreiros,13
O contrato deixa de ser coisa apenas dos contratantes, passando a refletir positiva e
negativamente também em relação aos terceiros. Sua eficácia, no tocante às
obrigações contratuais, é sempre relativa, mas sua oponibilidade é absoluta, quando
em jogo interesses de terceiros ou da comunidade. É assim que se cumprirá o
princípio de solidariedade preconizado pela ordem constitucional, cuja observância
toca aos contratantes, bem como a qualquer pessoa que possa influir nos efeitos da
relação contratual ou suportar suas conseqüências.
Não se pode, a rigor, classificar o princípio da boa-fé como integrante da função social
do contrato, pois a mesma cinge-se ao disciplinamento ético do comportamento dos
contratantes, desta forma, em relação aos contratos de prestação de serviços educacionais,
pode-se concluir que o Estado protege uma das partes antes mesmo da assinatura do aludido
contrato, já que o contratante dito “hipossuficiente”, possível sabedor de sua intenção de não
honrar com a sua parte no tocante ao pagamento das mensalidades, conhecedor do disposto na
lei (mensalidades escolares) realiza a matrícula sua ou de seu(s) dependente(s), com o intuito
de nada pagar, escudando-se no princípio da função social e, desta feita, causando um
10
THEODORO JÚNIOR, 2008.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 9.
12
Ibid., p. 13.
13
NEGREIROS, Tereza. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 408.
11
15
desequilíbrio econômico na relação cuja sua alegação é pela parte prejudicada que arca com
os custos do total de 10% das mensalidades de seus alunos, pelo fato do Estado ter editado lei
protetiva ao consumidor em questão, aproveitando-se, no caso em tela, para eximir-se de sua
obrigação constitucional de oferecer educação enquanto estado social.
Neste respeito, o prejuízo fica na mão da livre iniciativa que, da mesma forma, teria
que ser protegida pelo mesmo Estado Democrático de Direito, em seus Princípios
Fundamentais, (artigo 1º da Constituição de 1988) os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. Interferindo-se na relação contratual, com base na errônea interpretação do
princípio da função social que, em sua construção histórica, não foi assim elevada a princípio
contratual pelos legisladores em voga.
Já descrito como um dos novos princípios ensejados na doutrina jurídica dos países
desenvolvidos, o princípio da boa-fé consagrado no artigo 422 do Código Civil Brasileiro,
merece a tradução conceitual de Maria Helena Diniz14, que o classifica como princípio da
probidade e da boa fé, afirmando:
Está ligado não só à interpretação do contrato, pois, segundo ele o sentido literal da
linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade
das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma
vez que as partes têm o dever de agir com honradez, lealdade e confiança recíprocas,
isto é, proceder, com boa-fé tanto na conclusão do contrato como em sua execução,
impedindo que uma dificulte a ação da outra. A boa-fé subjetiva é atinente ao fato
de se desconhecer algum vício do negócio. E a boa-fé objetiva é alusiva a um
padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade, impedindo o exercício
abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação
principal,mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e
atuação diligente. Ressalta-se que em virtude da boa-fé, positivado no artigo 422 do
novo Código Civil, a violação de deveres anexos constituem espécie de
inadimplemento, independentemente de culpa. O artigo não inviabiliza a aplicação,
pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré e pós contratual. A cláusula geral
contida no dispositivo em foco impõe ao juiz interpretar e, quando necessário suprir
e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de
comportamento leal dos contratantes. E, na interpretação geral da cláusula da boa-fé,
deve levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com
outros estatutos normativos e fatores metajurídicos (Enunciados números 24, 25 ,26
e 27 aprovados na Jornada de Direito Civil, promovida, em setembro de 2002, pelo
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal).
O valor da boa fé incide em crer no que se diz e, dizer aquilo em que acredita,
espontaneamente, quem está de má fé, deliberadamente mente, mas nem todos que mentem
estão necessariamente de má fé.
O princípio da boa fé objetiva pode ser percebido do teor do art. 422 do CC de 2002
pelo qual, os contratantes estão ligados a guardar tanto na conclusão do contrato como em sua
execução e mesmo nas negociações preliminares, a conduta de lealdade e probidade.
14
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2008.
16
Esposando da mesma opinião de Judith Martins-Costa15, a boa fé objetiva
efetivamente constitui um princípio geral. Indo além, constitui uma autêntica cláusula geral
que dispõe da necessidade das partes manterem a respectiva boa fé e, assevera Thereza
Negreiros que o referido dispositivo legal traz em seu bojo as especializações funcionais da
boa fé, quais sejam: a eqüidade, a razoabilidade e cooperação.
No fundo, o princípio da boa fé assenta-se na cláusula geral da tutela da pessoa
humana inserida no art. 1º, da CF/1988, que ao lado da cidadania compõe a atual tábua
axiológica praticada pelo Direito Civil Contemporâneo. Derrubando-se os muros de Berlim
existentes outrora entre a órbita privada e órbita pública.
É óbvia a relação direta existente entre a boa fé (um preceito de ordem pública) com a
socialidade amparada também no fundamento da função social da propriedade e, por
conseguinte, do contrato (art. 5º, XXII, XXIII e art. 170, III da CF/1988).
Flávio Tartuce16 acredita nominalmente que há a boa fé subjetiva e, segundo Judith
Martins-Costa essa conceito se traduz num estado de consciência ou convencimento
individual da parte ao agir em conformidade ao direito, sendo aplicável, em regra ao campo
dos direitos reais, mais especificamente na seara possessória. Diz-se subjetiva posto que
inserida na intenção (animus) do sujeito da relação jurídica, sendo sua íntima convicção.17
Explica Tartuce que referido dispositivo legal com a expressão e (princípios de
probidade e boa fé) do teor do art. 422 C.C. alude ao somatório de uma boa intenção com a
probidade e com a lealdade. De modo que a referida conjunção aditiva por excelência, serve
para apontar a soma da boa fé relacionada com a intenção (subjetiva) e a probidade.
Adalberto Pasqualotto ensina que: “que do ponto de vista objetivo, a boa fé assume
feição de uma regra ética de conduta. É a chamada boa fé lealdade. É a treu und Glauben do
direito alemão”. Segundo Larenz, cada um deve guardar fidelidade à palavra dada e não
defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia”18.
José Fernando Simão19 textualmente comenta que o art. 422 do Código Civil de 2002
consagra a boa fé objetiva, assinalando que o Código Civil adotou sistema de cláusulas gerais,
15
MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.
16
TARTUCE, Flávio. Direito civil. 3.ed. São Paulo: Método, 2008.
17
MARTINS-COSTA, 2002.
18
LEITE, Gisele. Roteiro sobre o princípio da boa fé objetiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, n. 194.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1530> Acesso em: 7 mai. 2009.
19
SIMÃO, José Fernando. Direito civil: contratos Série Leituras jurídicas: provas e concursos. v.5. São Paulo:
Atlas, 2005.
17
pelo qual, conforme ensina Ruy Rosado de Aguar, abandona-se o princípio da tipicidade e
fica reforçado o poder reviosinista do juiz.
Definindo cláusula geral Judith Martins-Costa aduz que:
São normas jurídicas legisladas incorporadoras de um princípio ético orientador do
juiz na solução do caso concreto, autorizando-o a que estabeleça, de acordo com
aquele princípio, a conduta que deveria ter sido adotada no caso. Isso significa certa
indefinição quanto à solução da questão, o que tem sido objeto de crítica. É a antiga
bipolarização entre segurança, de um lado, e o anseio de justiça concreta de outro.20
Segundo Sílvio Salvo Venosa21 a rotulação de cláusula geral é imperfeita e não
fornece noção correta de seu conteúdo. A cláusula geral, não é, na verdade, geral. O que
primordialmente a caracteriza é o emprego de expressões ou termos vagos, cujo conteúdo é
dirigido ao juiz, para que este tenha um sentido mais norteador no trabalho de hermenêutica.
Trata-se, portanto, de norma mais propriamente dita genérica, a apontar uma exegese. Não
resta dúvida que se há um poder aparentemente discricionário do juiz, ou árbitro, há desafio
permanente para os aplicadores do Direito apontar novos caminhos que se façam necessários.
Toda cláusula geralmente remete o intérprete para um padrão de conduta às vezes
aceito no tempo e no espaço. Deve localizar o julgador em quais situações os contratantes se
desviaram da boa fé. É uma tipificação aberta.
Venosa identifica que a boa fé objetiva está no dispositivo art. 421 do C.C. de 2002, e
adiante acrescenta sobre a distinção quanto à boa fé subjetiva. Nessa última, o manifestante de
vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de ciência ou aspecto psicológico
que deve ser considerado.
Por outro lado, a boa fé objetiva, tem compleição diversa. Parte de um padrão de
conduta comum, do homo medius, naquele caso concreto, considerando também os aspectos
sociais envolvidos. Traduz-se numa regra de conduta, num dever de agir de acordo com
determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.
Identifica Venosa que há três funções nítidas para o conceito da boa fé objetiva: a
função interpretativa (art. 113 do C.C.) a função de controle dos limites do exercício de um
direito (art. 187) e a função de integração do negócio jurídico (art. 421 do C.C.).
Maria Helena Diniz22 preleciona no seu Código Civil Anotado que é a boa fé objetiva
prevista no art. 422, é alusiva a padrão comportamental pautado na lealdade e probidade
20
MARTINS-COSTA, 2002.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5. Ed. São
Paulo: Atlas, 2005.
22
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 11. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
21
18
(integridade de caráter) impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes,
no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do
dever de informar, de colaborar e atuação diligente. Ressalta ainda a mestra que a violação
desses deveres anexos constitui espécie de inadimplemento sem culpa.
Ainda esclarece que a cláusula geral contida no art. 422 do novo codex impõe ao juiz
interpretar e, quando necessário, corrigir, suprir o contrato segundo a boa fé objetiva
entendida como exigência de comportamento leal dos contratantes. Sendo incompatível com
conduta abusiva principalmente em face da proibição do enriquecimento sem causa.
Para Miguel Reale23 a boa fé é condição essencial à atividade ético-jurídica,
caracterizando-se pela probidade dos contratantes. Na melhor síntese de Judith Martins-Costa
corresponde a um cânone hermenêutico integrativo do contrato.
Cristiano Chaves de Farias24, doutrinador de clareza solar aborda o tema ao comentar
sobre a caracterização do abuso de direito revelando que para a caracterização do ato abusivo
tem-se como pedra de toque, o elemento distintivo que é o motivo legítimo, que deve ser
extraído das condições objetivas, nas quais o direito foi exercido, cotejando-as com sua
finalidade e com a missão social que lhe é atribuída, com o padrão de comportamento dado
pela boa fé e com a consciência jurídica dominante.
1.4 DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Com a promulgação do Novo Código Civil, Lei nº. 10.406, de 10/01/2002, as relações
contratuais passaram a se realizar através de um novo prisma, ressaltando princípios como o
da boa-fé, equidade e função social dos negócios jurídicos, sendo o art. 421 expresso da
seguinte forma: "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato."25
O compromisso expresso no art. 421, do Código Civil, com a função social, importa
no reconhecimento de que o contrato não pode mais ser considerado como direito absoluto,
devendo estar ligado ao instituto jurídico da igualdade.
O princípio da função social do contrato possui nítido relacionamento com o princípio
da boa fé, que exige que as partes ajam com lealdade e confiança recíprocas, devendo
23
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2003.
DE FARIAS, Cristiano Chaves. Teoria geral de direito civil. 2. Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
25
Pronunciamento do Prof. Miguel Reale na sessão de 29 de novembro de 2001, como membro da Academia
Paulista de Letras – APL.
24
19
colaborar, mutuamente, na formação e execução do contrato, tudo na mais absoluta
probidade.
A função social instrumentaliza-se pelos princípios do equilíbrio contratual e da boa-fé
objetiva, ressaltando-se que o princípio do pacta sunt servanda não vigora mais em toda a sua
intensidade.
Humberto Theodoro, muito bem descreve a inovação operada pelo Código Civil de
2002, no campo dos princípios contratuais, fundamentalmente em dois dispositivos, quais
sejam os arts. 421 e 422, ao chamar de princípio ético que norteia a conduta interna do
negócio jurídico, ou seja, exigi-se dos contratantes o dever de concluir, nterpretar e executar o
contrato segundo as regras da lealdade e da boa-fé.26
O princípio da função social do contrato revela-nos que o contrato não pode mais ser
visto pela ótica meramente individualista, já que possui um sentido social para toda a
comunidade.
“Considera-se violado o princípio da função social dos contratos quando os efeitos
externos do pacto prejudicarem injustamente os interesses da sociedade ou de terceiros não
ligados ao contrato firmado.” 27
O art. 421 do Código Civil instituiu um novo requisito de validade dos pactos,
subordinando a eficácia das avenças à observância de determinados padrões de probidade,
lealdade e sociabilidade, o que sinaliza que não podemos pensar no contrato de modo isolado,
mas sim no contexto do ordenamento jurídico em que está inserido, através do qual deve ser
assegurado, principalmente, o princípio da igualdade.
O que o princípio imperativo da "função social do contrato" estatui é que este não
pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte
contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187, "também comete ato ilícito o
titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
O art. 421 do Código Civil veio atrelar o princípio da autonomia de vontade ao da
socialidade, uma vez que a liberdade de contratar é limitada pela função social do contrato,
sendo esse artigo conseqüência dos princípios constitucionais da função social da propriedade
26
27
THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 37.
Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais.
São Paulo: Saraiva, 2006.
20
e da igualdade, atendendo aos interesses sociais, uma vez que limita o arbítrio dos
contratantes, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual.28
O novo Código Civil não ficou a margem da indispensável necessidade de integrar o
contrato na sociedade, como meio de realizar os fins sociais, pois determinou que a liberdade
contratual deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Tendo uma visão mais prática, o art. 421 do Código Civil alarga a capacidade do juiz
para proteger o mais fraco, na contratação, que, por exemplo, possa estar sofrendo pressão
econômica ou os efeitos maléficos de clausulas abusivas ou de propaganda enganosa.
O atendimento a função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um individual,
relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e
outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nessa medida, a função
social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade (distribuição de riquezas)
for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio
social
Assim, o princípio da sociabilidade adotado pelo novo Código Civil, este em
consonância com a Constituição Federal, reflete e demonstrando a prevalência dos valores
coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana.
É certo que o acordo de vontades continua sendo o elemento subjetivo essencial do
contrato, pois esse negócio jurídico só se origina da declaração de vontade. A liberdade
individual e a iniciativa pessoal continuam sendo a razão de ser dos contratos. No entanto, a
visão mais humanitária do Estado Democrático de Direito impõe certa intervenção estatal, por
força da qual a autonomia não tem hoje a mesma plenitude. O contrato não tem mais a força
volitiva de outrora. O princípio do pacta sunt servanda está muito relativizado.
Sobre o assunto, menciona a doutrina de Theodoro Júnior,29
A função social do contrato corresponde à necessidade sentida pelo Estado
moderno de limitar a autonomia contratual, em face da exigência social de
“garantirre interressi generali o coletivi” que não se satisfaziam dentro da
sistemática do Estado Liberal. A liberdade de contratar, nesta ordem não pode
contrastar com a utilidade social em temas como segurança, liberdade, dignidade
humana, devendo sobrepor à autonomia contratual interesses coletivos ligados à
educação[...].
28
DIAS, Jadison Juarez Cavalcante . A boa-fé e a função social como elementos norteadores dos contratos.
Disponível em: <http://www.notadez.com.br/content/noticias.asp?id=21524>. Acesso em: 23 fev. 2009.
29
THEODORO JUNIOR, 2008, p. 53.
21
Como se vê, o princípio da liberdade de contratar, o da força obrigatória dos contratos
e o princípio da relatividade dos seus efeitos não são mais os únicos a “conduzir” o direito
contratual.
Os três princípios acima mencionados ainda continuam vigorando, apenas devem ser
acrescidos mais três. ((Os três novos princípios são: a) o princípio da função social do
contrato; b) o princípio da boa-fé objetiva, e c) o princípio do equilíbrio econômico.
O primeiro desses novos princípios acima citados vem expressamente previsto no art.
421, do novo Código Civil, da seguinte forma: “A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social dos contratos”.
Na verdade, a própria Constituição, no seu artigo 1º, inciso IV, já traz a idéia de
função social do contrato, quando elenca como um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil o valor social da livre iniciativa. A função social também se evidencia no artigo 3º,
da Carta Magna, quando menciona que um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil é construir uma sociedade justa e solidária.
Sem dúvida alguma, o princípio da função social dos contratos serve justamente como
instrumento indispensável para se possibilitar a supremacia e efetividade do princípio
constitucional da solidariedade, mesmo quando esteja em jogo a livre iniciativa.
Vale ressaltar deixar o significado da palavra “função” e da palavra “social”. De acordo com
HOUAISS30, “função” significa “obrigação a cumprir, pelo indivíduo ou por uma instituição”.
E “social” adjetiva o que é “concernente à sociedade”, “relativo à comunidade, ao conjunto
dos cidadãos de um país”.
Agora, cabe transcrever os ensinamentos do ilustre THEODORO JÚNIOR31, com
relação ao conceito de função social do contrato, a saber:
A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus
reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre
partes que estipulam (contratantes). Já o princípio da boa-fé fica restrito ao
relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídico.
O princípio da função social do contrato é uma norma geral do ordenamento jurídico
de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser necessariamente visualizado e interpretado de
acordo com o contexto da sociedade.
30
31
HOUAISS, Antonio et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
THEODORO JÚNIOR, 2008.
22
Diante disso, para se analisar a função social do contrato, há de se partir da relação do
contrato com o seu meio social externo. O direito contratual, abarcando como um dos seus
alicerces o princípio da função social, significa dizer que o contrato deixou de ser somente
coisa dos contratantes, e passou a interferir negativa e positivamente, também, em relação aos
terceiros.
1.5 PACTA SUNT SERVANDA
Os contratos existem para serem cumpridos enquanto forças obrigatórias. Este
brocardo é tradução livre do latim pacta sunt servanda. É muito mais que um dito jurídico,
porém. Encerra um princípio de Direito, no ramo das Obrigações Contratuais. É o princípio da
força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes.
Diz Orlando Gomes a respeito da força obrigatória do contrato que, "celebrado que
seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade,
executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos."32
Segundo Maria Helena Diniz, tal princípio se justifica porque "o contrato, uma vez
concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo um a verdadeira
norma de direito".33
Para a mestra gaúcha Cláudia Lima Marques, a vontade das partes é o fundamento
absoluto da força obrigatória. De acordo com a jurista, "uma vez manifestada esta vontade, as
partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um
dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente.” 34
Consoante esta teoria, as cláusulas contratuais devem ser cumpridas como regras
incondicionais, sujeitando as partes do mesmo modo que as normas legais.
A obrigatoriedade, todavia, não é absoluta. Há que se respeitar a lei e, sobretudo,
outros princípios com os quais o da força obrigatória coexiste como o da boa-fé, o da
Legalidade, o da Igualdade, entre tantos outros; afinal, os princípios gerais do Direito
integram um sistema harmônico.
Assim, se pode dizer que pacta sunt servanda é o princípio segundo o qual o contrato
obriga as partes nos limites da lei.
32
GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense,1998. p. 36.
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 63.
34
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 2. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995. p. 93.
33
23
Primeiramente o contrato só passa a ser obrigatório entre as partes a partir do momento em
que atendidos os pressupostos de validade, aos quais Maria Helena Diniz chama "elementos
essenciais".
São requisitos subjetivos a manifestação de vontades, a capacidade genérica e
específica dos contraentes e o consentimento. Os requisitos objetivos são a licitude do objeto,
a possibilidade física e jurídica, a determinação e a economicidade. E os formais são a forma
legalmente exigida ou não vedada e a prova admissível.
De maneira genérica tais requisitos são elencados no artigo 82 do Código Civil,
segundo o qual "a validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, I), objeto lícito e
forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)."
Desde que atendidos esses pressupostos de validade, o contrato obriga as partes de
forma quase absoluta. Quase absoluta porque ainda há a possibilidade de eventos alheios à
vontade das partes, e, portanto estranhos à formação do contrato, e que importam exceções a
serem estudadas no próximo capítulo, que trata da cláusula rebus sic Stantibus.
Sobre tais limitações recorremos novamente à professora Cláudia Lima Marques para
trazer uma lição pertinente:
"A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas obrigações,
não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no
contrato em virtude da lei ou ainda em virtude de uma interpretação construtiva dos
juízes, demonstrando mais uma vez o papel predominante da lei em relação à
vontade na nova concepção de contrato."35
Grande parte dos contratos de hoje são os denominados de adesão, pelos quais uma
parte previamente estipula as cláusulas (predisponente) e a outra (aderente) simplesmente as
aceitas, sem oportunidade de discuti-las.
Esta limitação fere o princípio da liberdade de contratar, porque a parte
economicamente mais forte domina a relação, o que acaba por obrigar o aderente a admitir
disposições prejudiciais face a necessidade de sobrevivência financeira.
Exemplo típico é o dos contratos bancários, em que as instituições financeiras são
infinitamente superiores na relação com pequenas e médias empresas.
Sobre tais contratos assim dizem os tribunais:
"... as empresas que contratam com os bancos não o fazem numa situação de igualdade, mas
em verdadeiros contratos de adesão, em nítida inferioridade. É preciso recompor o equilíbrio."
RT 629/253
35
MARQUES, 1995, p. 96.
24
Orlando Gomes, ainda que não reconhecesse a possibilidade de revisão do contrato,
advertia que:
Essa submissão de uma parte a outra numa cláusula de contrato de adesão, e que,
antes de constituir ato de autonomia de vontade, é, pelo contrário, negação desta,
esbarra na tendência humanitária do Direito moderno, orientado no sentido de evitar
abusos do poder econômico pelo economicamente mais forte.36
“As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao
consumidor." (Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990;
artigo 47).
Carlos Maximiliano tem um entendimento ainda mais abrangente, dizendo que o
contrato de adesão deve ser interpretado: a) contra aquele em benefício do qual foi feita a
estipulação; b) a favor de quem a mesma obriga e, portanto, em prol de devedor e do
promitente; c) contra o que redigiu o ato ou cláusula (ou melhor, contra o causador da
obscuridade ou omissão).37
De todo modo, a doutrina é uníssona em reconhecer que os contratos, sejam ou não de
adesão, não podem prejudicar uma parte em benefício da outra, porque ferem a igualdade e
porque ferem a lei (ou o Código Civil ou o Código de Defesa do Consumidor).
A revisão do contrato, já vimos, é um efeito da cláusula rebus sic stantibus. A
conjunção de fatores necessários à configuração da aplicação da teoria da imprevisão é que
autoriza o chamado ajuste nas condições contratadas.
Só que tal ajuste, por óbvio, não poderá ser realizado sem a intervenção do Judiciário
(a menos que por convenção dos contratantes), porque implica modificação na relação
jurídica, dependente de jurisdição, que é atividade própria dos juízes e tribunais.
Há necessidade de que o Estado interfira no negócio, porquanto em muitos casos o
desequilíbrio já existe desde a celebração do contrato, quando as partes se encontram nos
pólos extremos de uma relação econômica em que há nítido domínio por parte de um em
detrimento do outro.
A força vinculante dos contratos somente será contida pela autoridade judicial em
certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitam a previsão
de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração no
conteúdo da avença, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contraentes.38
36
GOMES, 1998. p. 36
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p.
343.
38
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – v.6. São Paulo: Saraiva, p. 420.
37
25
O exemplo dos bancos é dos mais comuns no cotidiano do judiciário brasileiro.
A lesão provocada pelo poderio da instituição financeira se reveste de uma
unilateralidade intangível pelos pobres mortais que figuram do outro lado do contrato.
E justamente em razão dessa unilateralidade tão repelida pelo mundo jurídico é que
não poderia ser unilateral a correção dos abusos.
Orlando Gomes vislumbrava um "eclipse contratual" em que o instrumento particular
cederia espaço à função social do instrumento.39 E é exatamente este o sentido que vêm
tomando os contratos, genericamente considerados. Não há mais espaço para o arbítrio
incondicional, onde o homem contrata livremente, visando exclusivamente a vontade
privada.O contrato, assim como a propriedade, deve atender à função social, de modo a que,
alcançando os fins pactuados entre particulares, não se desvie dos fins sociais.
É preciso que em cada negócio jurídico, se não se possa construir, pelo menos não se
permita destruir o bem comum. E sempre que um homem é indevidamente lesado, ainda que
por contrato formalmente lícito, haverá lesão à sociedade; destrói-se o bem comum. Como
dizia o filósofo inglês John Donne, já no século XVI, no poema Por Quem Os Sinos Dobram,
"cada homem é um pedaço do continente, um pedaço da Terra." Se um homem perde,
perdemos todos.
Por isto, e principalmente, em razão da disparidade de culturas e da estratificação
social contrastante, é que há uma nítida tendência de que a tudo o quanto se possa atribuir
direito (bem jurídico) haja um correspondente controle legal. Mesmo que se trate de direito
disponível, individual e de caráter privado, há que se vigiar o devido uso deste direito.
Em se tratando de contratos, estes hão de orbitar nosso ordenamento, sob pena de,
debaixo do manto da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, escaparem ao fim
máximo do Direito, que é a justiça, ou ao fim último da justiça, que é o bem comum.
Quando um homem de cultura mediana ou economicamente debilitado contrata com
uma parte mais bem provida de informação ou de economia auto-suficiente, há uma
probabilidade acentuada de que a parte "frágil" se submeta à vontade da outra, sem conhecer
ou sem poder contestar as condições do pacto, em seu próprio prejuízo, justamente por conta
da necessidade de atingir outro fim (externo ao contrato, como, v.g., a quitação de uma dívida
com terceiro).
39
GOMES, 1998.
26
Neste sentido subjetivo já é fundamental o controle do equilíbrio. Muito mais o é
objetivamente, quando circunstâncias alheias incidam negativamente no pacto, como é o caso
da teoria da imprevisão. Daí a importância – que é crescente – do controle e da proteção deste
equilíbrio, que vem aos poucos se incorporando à filosofia dos doutrinadores, dos julgadores
e, finalmente, dos legisladores.
Neste diapasão vem ensinar a presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor - BRASILCON, Cláudia Lima Marques:
À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito
destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da
autonomia da vontade. A lei passará a proteger determinados interesses sociais,
valorizando a confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes
contratantes.40
“A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de
conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria
conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal” 41.
Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade
permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares auto-regulem suas relações
será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de Defesa do Consumidor.
É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a vontade perde a condição de
elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a
sociedade como um todo: o interesse social. Haverá um intervencionismo cada vez maior do
Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da
vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de um novo
paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. “É o contrato, como instrumento à disposição dos
indivíduos na sociedade de consumo, mas assim como o direito de propriedade, agora
limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social.”42
A lei, a começar pelo Código de Defesa do Consumidor, está cada vez mais direcionada
à proteção do equilíbrio entre as partes e principalmente às garantias constitucionais (entre as
quais o princípio da igualdade e a repressão ao abuso econômico).
O princípio da força obrigatória nos contratos tem, assim, sua relatividade
consolidada.
40
MARQUES, 1995. p.75.
REALE, Miguel. A boa-fé objetiva. Folha de São Paulo, 17 maio 1996.
42
MELO, Lucinete Cardoso de. O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano
9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027>.
41
27
Melhor seria dizer, então, que o pacta sunt servanda signifique a obrigatoriedade do
cumprimento dos contratos desde que observado o Direito (e não só a lei), ou: os contratos
existem para serem cumpridos, desde que não se lese direito de quem quer que seja.
1.6 REBUS SIC STANTIBUS
Rebus Sic Stantibus, enquanto teoria da imprevisão pode ser lido como "estando as
coisas assim" ou "enquanto as coisas estão assim". Deriva da fórmula contractus qui habent
tractum sucessivum et dependentium de futuro rebus sic stantibus intelliguntur.
É uma antiga construção do direito canônico, considerava-se inserida nos contratos de
longa duração, como condição de obrigatoriedade dos mesmos. Pressupunha, em síntese, que
se mantivessem iguais as condições de fato existentes no momento da formação do contrato
para que suas cláusulas contratuais se mantivessem obrigatórias.43
A cláusula de mesmo nome seria aquela que garantiria a adoção deste princípio pelos
contratantes, o que leva a crer que, havendo esta opção como cláusula, seu emprego constitui
exceção; a imutabilidade é a regra geral.
Pode-se dizer que o termo "teoria da imprevisão" é relativo à condição de que,
havendo mudança, a execução da obrigação contratual não seja exigível nas mesmas
condições pactuadas antes da mudança, o que leva a uma idéia de exigibilidade diversa. A
execução da obrigação continua exigível, mas não nas mesmas condições; há necessidade de
um ajuste no contrato.
Conforme Nelson Zunino Neto44, a cláusula da imprevisão (rebus sic stantibus) é a
instrumentalização deste ajuste. É a estipulação contratual ou a aplicação de um princípio de
que, presente a situação imprevista, o contrato deve ser ajustado à nova realidade. Disto se
tem a revisão do contrato.
Acquaviva45 define a cláusula rebus sic stantibus como aquela "em que as partes
estipulam que o cumprimento do contrato fica subordinado à não modificação, no futuro, dos
pressupostos e circunstâncias que ensejaram o pacto."
43
SILVEIRA. Carlos Alberto de Arruda. Contratos. São Paulo: Mundo Jurídico, 2005. p. 17.
ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Jus Navigandi,
Teresina, ano 3, n. 31, maio 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=641>. Acesso
em: 23 fev. 2009.
45
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Novíssimo Dicionário Jurídico. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p.322.
44
28
A imprevisão em razão de que esta não está compreendida pela imprevisibilidade:
mesmo que um fato não seja razoavelmente previsível, pode ter sido previsto. Tendo em conta
que "prever" (do latim praevidere: calcular, conjecturar, supor, (não implica conhecer o que
vai acontecer e sim a conhecer o que pode acontecer, a previsibilidade é a possibilidade de
conhecer o que pode acontecer. Assim, há que se distinguir uma e outra.
A previsão é a existência de conhecimento sobre a possibilidade de um acontecimento
(eu sei que aquilo pode acontecer). Já a previsibilidade é a possibilidade de que exista o
conhecimento sobre a possibilidade de um acontecimento (eu posso saber que aquilo pode
acontecer).
Neste sentido, e considerando que a imaginação humana é fértil, e que tal fertilidade é
ilimitada, não se pode dizer que alguma coisa não possa ser conhecida, imaginada. Assim, em
tese, embora nem tudo seja previsto, tudo é previsível.
Por isto é que é mais apropriado falar em previsibilidade razoável, assim entendida
aquela que se limita à conjectura mediana, excluídas as criações fantasiosas ou de
probabilidade ínfima.
Destarte, melhor seria dizer que é pressuposto do direito à revisão contratual a
imprevisibilidade razoável, ou seja, a impossibilidade de que o fato seja razoavelmente
previsto.
Dito isto, temos que rebus sic stantibus pode ser definida como a cláusula que permite
a revisão das condições do contrato de execução diferida ou sucessiva se ocorrer em relação
ao momento da celebração mudança imprevista, razoavelmente imprevisível e inimputável às
partes nas circunstâncias em torno da execução do contrato que causem desproporção
excessiva na relação das partes, de modo que uma aufira vantagem exagerada em detrimento
da desvantagem da outra.46
Ocorre que este princípio não pode ser encarado isoladamente, sem que se leve em
conta a necessária segurança jurídica e, acima de tudo, o princípio da força obrigatória que
vimos no capítulo anterior.
Aliás, pode-se dizer que estes princípios (pacta sunt servanda e rebus sic stantibus),
mais que contrapostos, se completam, porque o alcance de um só vai até o do outro.
A teoria da imprevisão, por isto, é aceitável como limitadora da força obrigatória.
Permite a alteração do contrato sem ferir a autonomia da vontade, porque só se muda o que
não está adstrito à manifestação volitiva (imprevisibilidade).
46
ZUNINO NETO, 1999.
29
O Código de Defesa do Consumidor claramente adotou a teria da imprevisão, e no
dizer de Alberto do Amaral Júnior47
O controle das cláusulas contratuais abusivas, tal como instituído pelo Código de
Defesa do Consumidor, em absoluto se choca com o princípio da liberdade
contratual, pela simples razão de que este princípio não pode ser invocado pela parte
que se encontra em condições de exercer o monopólio de produção das cláusulas
contratuais, a ponto de tornar difícil ou mesmo impossível a liberdade contratual do
aderente.
Filomeno entende que o art. 6º, V, do CDC é a cláusula rebus sic stantibus, como se
verifica no seu escólio: “fica ainda definitivamente consagrada entre nós a cláusula ‘rebus sic
stantibus’, implícita em qualquer contrato, sobretudo nos que impuserem ao consumidor
obrigações iníquas ou excessivamente onerosas”.48
Quando, entretanto, não subsistem os requisitos necessários, naturalmente não será a
Justiça arbitrária a ponto de substituir a vontade das partes sem que tenha havido alteração
circunstancial nos termos da teoria da imprevisão.
Assim é que o Supremo Tribunal Federal há muito se pronunciou sobre a aplicação da
rebus sic stantibus no caso da famigerada inflação, com a qual convivemos até pouco tempo
atrás: "o fenômeno inflacionário já era uma infeliz realidade (para os contratantes), não
podendo dizer-se, portanto, ter ele surpreendido o vendedor". 49
Não se pode restringir a discussão da teoria da imprevisão aos fenômenos
inflacionários ou, mais genericamente, aos econômicos, vez que estes são apenas parte das
possibilidades.
Contudo é oportuno o debate hoje, quando atravessamos momentos de instabilidade
econômica mundial, da qual o Brasil não está livre.
Some-se isto à globalização e teremos novidade no campo das "imprevisibilidades". Será que
o contrato entre um brasileiro e um estrangeiro, cujas circunstâncias fossem afetadas pela
crise econômica, poderia ser revisado com base na rebus sic stantibus, por conta da
imprevisibilidade? Seria imprevisível a crise asiática ou o colapso na economia russa?
Imprevisível para quem? Para o brasileiro, para o estrangeiro ou para ambos?
Certamente há que se aprofundar o estudo acerca da teoria da imprevisão no âmbito
internacional, porque as dimensões são outras, seja por conta da globalização, que une as
47
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Comentários ao código de proteção ao consumidor. 1.ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p.184.
48
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 126.
49
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 80575-3-RJ, rel. Min. Neri da Silveira, 20.9.83, RT 593/252.
30
partes, seja em face da diversidade de sistemas jurídicos, que põe em xeque a igualdade e o
equilíbrio contratual.
Por enquanto, internamente, a questão é mais clara. A teoria da imprevisão, se ainda
não está plenamente consolidada no Direito pátrio, encontra cada vez menos resistência, seja
na doutrina, na jurisprudência ou na lei.
31
CAPITULO 2 – DA ESTATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
2.1 DA EDUCAÇÃO PRIVADA NO BRASIL
Do ponto de vista histórico a educação foi iniciada no Brasil após meio século do
descobrimento.
A primeira escola foi criada em 1549 pelos Jesuítas, que administraram o sistema
educacional, com exclusividade, por 210 anos.
Somente em 1759 é que o Estado intervém no processo, chamando a si a
responsabilidade pela administração das unidades de ensino.
Durante quatro séculos somente existiam escolas básicas. O ensino superior iniciouse, de forma tênue, com a chegada da Família Real, em 1808, e a primeira universidade
somente foi criada na década de 1920.
Quando éramos Brasil Colônia todas as regras vinham de Portugal. Com a
independência, as normas passaram a ser nacionais, reforçando-se esse princípio com a
proclamação da República.
As reformas da educação se sucederam, assim como os avanços e retrocessos.
É
incontável o número de propostas modificativas dos sistemas, e poucas são as análises de
resultados.
Vale um registro das mudanças sucessivas dos responsáveis maiores pela educação
brasileira.
Em nossos 184 anos de Independência
estamos em nosso 174º ministro
encarregado pela pasta, o que representa uma média assustadora de 1,5 ministro/ano.
Em termos de leis somos pródigos, e hoje contamos com mais de 100 textos vigentes
no âmbito nacional, sem contar com as leis estaduais e municipais. Não dispomos de uma
Consolidação da Legislação do setor, o que dificulta saber o que é permitido e o que é
proibido.50
A primeira Constituição brasileira, outorgada após a declaração da Independência do
Brasil, em 1822 (influenciada pela Constituição francesa), mostrava-se absolutista, rezava no
artigo 179: “instrução primária gratuita para todos os cidadãos”. Em 1826, um Decreto
instituiu quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e
Academias. Em 1827, um projeto de lei propôs a criação de pedagogias em todas as cidades e
50
INSTITUTO DE PESQUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. Atualidades em educação, Rio de Janeiro,
n.1, v.29.5, 1995. Disponível em: <http://www.ipae.com.br/>. Acesso em 29 mar. 2009.
32
vilas, além de prever exame para a seleção de professores e instituir a abertura de escolas para
meninas. Em 1834, o Ato Adicional à Constituição dispôs que as províncias passariam a ser
responsáveis pela administração do ensino primário e secundário. Graças a isso, em 1835,
surgiu a primeira Escola Normal do país, em Niterói.
Apesar de todas as medidas citadas, a educação brasileira se perdeu mais uma vez,
obtendo resultados pífios, devido provavelmente às dimensões do país. Em 1880, o Ministro
Paulino de Souza, em seu relatório à Câmara, lamentou o abandono da educação no Brasil.
Em 1882, Ruy Barbosa sugeriu a liberdade do ensino, o ensino laico e a obrigatoriedade de
instrução obedecendo a normas emanadas pela Maçonaria Internacional.
Com a proclamação da República, em 1889, demarcou-se o Período da Primeira
República, quando surgiu um modelo político baseado no sistema americano-presidencialista.
A Reforma Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e a laicidade do
ensino, bem como a gratuidade da escola primária, em consonância com a Constituição
brasileira. Essa Reforma pretendia transformar o ensino em formador de alunos para os cursos
superiores, além de desviar o foco centrado no âmbito literário para o científico. À época, o
positivismo tinha muitos simpatizantes no país, e seus adeptos criticaram veementemente os
defensores da primazia literária, que contrariava os princípios pedagógicos de Comte.51
A Reforma Rivadávia Correa, promulgada em 1911, buscou transformar o curso
secundário em formador do cidadão em lugar de simples forma de acesso ao nível superior.
Retomando a orientação positivista, pregava a liberdade de ensino, entendida como a
possibilidade de sua oferta por escolas não-oficiais. Além disso, propunha a substituição do
diploma por um certificado de assistência e aproveitamento e atribuía às faculdades a
responsabilidade pelos exames de admissão ao ensino superior. Os resultados dessa Reforma
foram desastrosos para a educação brasileira e, para impedir sua continuidade, foi aprovada,
em 1915, a Reforma Carlos Maximiliano.52
A década de 1920 foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de mudança
das características políticas brasileiras: o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de
Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e
a Coluna Prestes (1924 a 1927). Essa época, chamada Segunda República, culminou com a
crise econômica mundial de 1929. A história da educação, na época, foi marcada pelo
confronto entre correntes divergentes, influenciadas por movimentos europeus. O clima
51
52
LIMA, Lauro de Oliveira. Estórias da educação de Pombal a Passarinho. 3. ed. Rio de Janeiro: Brasília, 1979.
BELLO, José Luiz de Paiva. Educação no Brasil: a história da ruptura. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro,
2001. Disponível em: < http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm>. Acesso em: 20 mar. 2009.
33
político e cultural propiciou a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas tomou o poder. A
nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e, para tal, era
preciso investir na educação. Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública
e, em 1931, o governo provisório sancionou vários decretos, organizando o ensino secundário
e as universidades brasileiras ainda inexistentes, criando conselhos e estatutos. No bojo do
que se convencionou chamar de “Reforma Francisco Campos”, merece ser citado o Decreto
19.851, de 11 de abril de 1931, o qual instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras, que
dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário.
A abertura política, anunciada ainda em 1978, consolidou-se no início da década de
1980, quando teve fim o Regime Militar e ocorreu a eleição indireta de Tancredo Neves. Após
seu falecimento e a posse do então vice-presidente, José Sarney, a discussão sobre as questões
educacionais assumiu um caráter essencialmente político. Pensadores de diversas áreas de
conhecimento – Sociologia, Filosofia, História, Antropologia - passaram a discutir a educação
em sentido mais amplo, abordando questões referentes à relação entre escola e a mudança
social
As eleições diretas levaram ao poder Fernando Collor de Mello, deposto um ano após
e substituído por Itamar Franco. Em 1994, foi eleito presidente um ex-professor universitário,
Fernando Henrique Cardoso e, a partir de então, viveu-se um período profícuo na história do
ensino universitário no Brasil. Durante a permanência do ex-reitor da Universidade de
Campinas, Paulo Renato de Souza, à frente do Ministério da Educação, registrou-se o maior
quantitativo de projetos na área da educação, em uma só administração. Logo no início de sua
gestão, uma Medida Provisória extinguiu o Conselho Federal de Educação e criou o Conselho
Nacional de Educação, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, órgão menos
burocrático e mais político.53
Dentre as informações mais importantes, três constatações pertinentes podem ser
destacadas do material:54
1. As escolas privadas da Região Sul são, em média, mais aparelhadas do que suas congêneres
das demais regiões – enquanto as da Região Norte apresentam indicadores de infra-estrutura
abaixo da média nacional;
53
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO TEIXEIRA – INEP. Disponível em
<http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 20 jun. 2008.
54
REDE BAHIA DE TELEVISÃO. Ensino privado: um retrato atualizado do setor. Estudo de Mercado –
Marketing, Bahia, ago. 2006. Disponível em:
<http://ibahia.globo.com/tvbahia/comercial/pdf/ensino_privado.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2009.
34
2. As escolas privadas de todas as regiões são bem mais bem aparelhadas que as escolas
públicas;
3. a diferença existente de infra-estrutura entre as escolas públicas e privadas é maior, em
média, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do que no Norte e no Nordeste.
Outra conclusão que pode ser tirada do relatório da FENEP é que, da mesma forma
que nos indicadores de infra-estrutura, o desempenho dos alunos das escolas públicas é
inferior ao dos alunos das escolas particulares – e entre as regiões do Brasil, os melhores
desempenhos estão nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o Norte e o Nordeste estão com
índices abaixo da média nacional.
Apesar de contribuir com seus impostos, empregar maciçamente quase 700 mil
pessoas e educar mais de 10 milhões de alunos, a escola particular tem sido atormentada,
ultimamente, por dois grandes problemas – que se mostram, a cada dia, verdadeiros
obstáculos para um melhor desenvolvimento do setor: a inadimplência e a pesada carga
tributária.
É de conhecimento geral que a carga tributária no Brasil é uma das maiores do mundo
– especialmente na área educacional. Para as instituições de ensino privado, o maior peso
dessa tributação está na folha de pagamento, o que faz com as mesmas tenham dificuldades e
caminhem para um mercado onde desaparece a preocupação com a qualidade e surge a
preocupação apenas com a sobrevivência empresarial.
A perda do poder aquisitivo das famílias brasileiras, bem como a criação da Medida
Provisória 2.173/99 (que impede que a escola rompa o contrato com os alunos inadimplentes
antes do término do ano letivo), aliada à elevada carga tributária, são apontadas por
empresários do setor como as três principais causas da inadimplência presente no ensino
privado.
O que torna isso um problema extremamente perverso para as escolas particulares é
que a falta de pagamento das mensalidades acaba por afetar fortemente o investimento e a
compra de equipamentos – o que, de uma maneira ou de outra, prejudica consideravelmente a
qualidade dos serviços prestados.55
O que garante hoje a sobrevivência da escola particular é mais do que conceituar ou
discutir se o serviço prestado (a educação) é ou não um negócio, mas sim entender que no
ramo em que atua há, por um lado, colaboradores e fornecedores que devem ser
55
INSITTUTO DE PESQUISA AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO, 1995.
35
recompensados pelo trabalho prestado e, por outro, há os clientes (alunos) interessados no
sucesso do empreendimento e na sua continuidade.
Pose-se afirmar, de acordo com os dados de estudos recentes, que o número de escolas
particulares vai diminuir (FUNDEB, PROUNI, Poder Aquisitivo, MENOS ESTUDANTES).
Ficarão as escolas que demonstrarem qualidade e cuidarem da boa formação do aluno em
todos os sentidos.
Permanecerá a escola que demonstrar um diferencial capaz de constituir uma boa
opção para o aluno.
Para conquistar as classes de poder aquisitivo mais baixo, a escola terá que baixar
custos e preços, sem prejudicar a qualidade.
O Vestibular – a não ser em universidade pública, mesmo assim prejudicada a escola
particular pelo PROUNI e pela reserva de vagas (cotas) – não será motivo de opção pelo
ensino privado.
O Brasil possui um extraordinário potencial, e estudos feitos por diversas organizações
mostram as tendências positivas nos próximos anos. Ocupamos a 13ª colocação dentre as
economias do mundo, e podemos subir sensivelmente nesse ranking nas próximas décadas.
Nossa população, hoje de mais de 186 milhões de pessoas, deve chegar, em 2050, a 260
milhões. Possuímos 126 milhões de eleitores, o que demonstra uma significativa taxa de
participação no processo democrático.
No campo da educação, dispomos de uma rede composta por 212 mil
estabelecimentos de ensino, atendendo aos 56 milhões de alunos, que são atendidos por 2,5
milhões de docentes. Todos os 5.561 municípios possuem escolas de educação básica.
A legislação civil não inclui a educação como bem público, embora afirme que é um
direito de todos.
As escolas particulares podem funcionar, desde que autorizadas pelo Poder Público.
Existem cerca de 35 mil colégios funcionando com cursos de educação básica e 2 mil atuando
no nível superior.
A legislação educacional assegura que as escolas podem definir seus projetos
pedagógicos com liberdade, e é prevista uma responsabilidade compartilhada no processo
educativo entre o Estado e a família.
O Sistema Educacional é estruturado através de três níveis: o Sistema Federal de
Ensino, que congrega as unidades de ensino mantidas pela União e as instituições de ensino
superior vinculadas à mantenedoras particulares, os Sistemas Estaduais (onde se inclui o do
36
Distrito Federal) e os Sistemas Municipais, aos quais se subordinam as demais casas de
ensino.
Há norma constitucional que assegura que o ensino público, em todos os níveis e
modalidades, é gratuito.
As universidades e os centros universitários, estatais ou privados, gozam de autonomia
administrativa, didática e financeira. Já as faculdades não possuem essa prerrogativa e seus
atos são mais dependentes do Poder Público.
Ao lado das escolas oficiais, existe uma significativa rede de cursos livres e centros de
formação ou aperfeiçoamento profissional, chamados mais recentemente de universidades
corporativas.
Têm liberdade plena de funcionamento, pois independem de autorização ou
credenciamento, não lhes sendo permitida a expedição de diplomas para exercício
profissional.
Existem importantes Centros de Pesquisas, onde se vê uma considerável produção
científica.
A educação é dividida em dois grandes grupos: básica (congregando a educação
infantil, o ensino fundamental e o médio) e o superior (com cursos de graduação, extensão e
pós-graduação, que se subdivide em especialização, mestrado e doutorado).
São previstas as possibilidades de educação a distância, muito embora a grande
predominância seja do sistema presencial.
A matrícula, obrigatória no ensino fundamental, cuja duração é de nove anos, deve ser
feita aos seis anos de idade. A educação infantil, feita em creches e pré-escolas, tem liberdade
quanto aos dias letivos. O ensino médio e superior têm duração variável, conforme o tipo de
curso.
São exigidos pelo menos 200 dias letivos (exceto no segmento infantil).
Há programas voltados para a educação de jovens e adultos que não conseguem
completar seus estudos dentro das faixas etárias recomendadas. São notadas algumas
iniciativas para a alfabetização de adultos.
2.1.1 As Deficiências do Sistema Educacional Brasileiro
Apesar da pujança do Brasil, investimos pouco na educação. Dados da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) mostram que a média internacional é de
37
4,9% do Produto Interno Bruto. O governo aplica apenas 4,3%, o que nos coloca em posição
de inferioridade, se comparada com outras nações.
Além de aplicarmos pouco o fazemos mal. O custo médio anual do aluno no ensino
fundamental é de R$ 905,00; no ensino médio, R$ 950,00 e no superior, R$ 11.480,00.
Temos 34,6 mil escolas sem luz, e 50,9 mil estabelecimentos de ensino possuem apenas uma
sala de aula. Apenas 20 mil unidades educacionais possuem laboratórios de informática, e tão
somente 22,6 mil têm acesso à Internet. Quarenta e três por cento das cidades não estão
conectadas à rede mundial de computadores por banda larga, dependendo dos altíssimos
custos de acesso discado. Muitos municípios têm que fazer ligações interurbanas para
alcançarem as comunicações virtuais.56
Ao lado dessa penúria de infra-estrutura, temos aproximadamente R$ 4 bilhões
decorrentes do FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
contingenciados pelo governo federal, ajudando a termos um vultoso superávit primário.
O atual Executivo Federal gastou nos últimos três anos (2004 a 2006) R$ 985 milhões
em verbas de publicidade para mostrar os seus feitos, inclusive na educação.
Podemos afirmar que há uma universalização de acesso ao ensino básico, mas, no
superior, apenas 9% dos jovens de 18 a 24 anos conseguem chegar à universidade. No Chile
essa taxa é de 21% e na Argentina, 39%.
O ponto crucial da educação brasileira, especialmente a básica, é a baixa qualidade,
que provoca repetência e evasão considerável.
Os desperdícios são imensos e as
conseqüências, irreversíveis.
O país não tem um Plano Nacional de Educação viável. O aprovado há alguns anos
pelo Congresso Nacional foi abortado pelo Executivo que vetou diversos dispositivos que
poderiam ter auxiliado na diminuição das desigualdades sociais.
Há programas nacionais, normalmente de curto ou médio prazos, objetivando atender a
interesses muito mais políticos do que técnicos. A cada troca de Ministro, normalmente os
projetos são abandonados e iniciam-se outros novos.
Em matéria de educação, somos o país do "já teve". Ao procurarmos os resultados de
boas iniciativas, quando encontramos na esfera governamental alguém que ainda se lembra,
há a assertiva de que o mesmo não mais existe ou está sendo reformulado.
Nos Municípios vê-se um processo mais sólido de continuidade pois, apesar das trocas
de chefias, as equipes são quase sempre mantidas, até mesmo por falta de opção.
56
INSTITUTO DE PESQUISA AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO, 1995.
Os
38
contingentes de servidores são menores e mais comprometidos com a população. Ademais, é
mais fácil o povo localizar e dialogar com o Prefeito ou com o Secretário Municipal do que
com o Governador do Estado ou o Presidente da República, tornando a cobrança mais fácil
de ser feita.
2.1.2 Evolução do Ensino
De acordo com a publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, se a
expansão do ensino fundamental foi significativa, dos anos 40 até hoje, a velocidade do
crescimento do ensino médio foi ainda mais vigorosa, evidenciada, nesse lapso, por um
aumento de 37,7 vezes. Entre 1940 e 1960, o crescimento foi de 2,5 vezes, mas nas duas
décadas seguintes (1960-1980) foi de 6,7 vezes, para mostrar uma desaceleração, a partir de
1980, com um aumento de 2,3 vezes até 1997, oscilações que se vão transmitir ao ensino
superior.
O hiato na passagem de um nível para outro é evidente. Em 1997, o número de
matrículas, no nível fundamental do ensino, era 5,3 vezes superior ao volume das matrículas
no ensino médio (34.229.388 alunos, no ensino fundamental e 6.405.057, no ensino médio).
Nos anos 80, São Paulo reunia 26,38% do total das matrículas do ensino médio do
País, eram 28,39%, em 1997. Seu número de estudantes de nível médio era, em 1980, 6,7
vezes superior ao total da Região Norte, 4,2 vezes maior que o Centro-Oeste, 1,5 vezes mais
que a Região Sul e 1,3 vezes mais que o Nordeste. Dezessete anos depois, o número de
matrículas do estado de São Paulo superava o Norte em 4,2 vezes, o Centro-Oeste em cerca
de 4 vezes, o Sul em 1,8 vezes e o Nordeste em 1,3 vezes.
É importante analisar, também, a evolução da população entre 15 e 17 anos, isto é, o
grupo de idade que deveria cursar o ensino médio. Em 1971, eram 6.354.716 pessoas e
8.471.982, em 1980; já em 1997, o volume era de 10.362.185, mostrando, assim, aumentos de
1,3 vezes e 1,2 vezes, respectivamente.
O número de matrículas no ensino médio, nos mesmos anos, era de 1.119.421, de
2.820.998 e de 6.405.057, o que significou um crescimento de 2,5 vezes e 2,3 vezes,
respectivamente. Em 1971, era apenas 17,62% da população dessa faixa etária que
freqüentava as escolas. Essa proporção havia aumentado para 33,3%, em 1980 e para 61,81%,
em 1997, mostrando uma extraordinária expansão do nível médio de ensino, na sociedade. De
39
uma relação de 5,68 pessoas, em idade de 15 a 17 anos, por aluno de nível médio, em 1971,
no Brasil, passamos para 3, em 1980 e para 1,62, em 1997.
Com populações milionárias na faixa dos 15 aos 17 anos, já em 1971, o Sudeste, o Sul
e o Nordeste tinham apenas 23,6%, 16,35% e 10,9%, respectivamente, desses grupos etários
no ensino médio. A Região Norte possuía 12,61% dessa população no ensino médio e o
Centro-Oeste, 15,86%.57
Enquanto a média nacional apontava, em 1971, uma relação de 5,68 pessoas entre 15 e
17 anos por aluno secundário, a Região Sudeste era a única que se situava com valores
inferiores à média (4,24) e, dentro dela, Rio de Janeiro, com 3,57 e São Paulo, com 3,69. O
menor grau de escolarização média observava-se, nesse ano, nas regiões Nordeste (9,17) e
Norte (7,93). Analisando as situações estaduais, vemos que o Acre salientava-se, com 23,15
pessoas em idade escolar por aluno.
Em 1997, a inclusão dessas camadas na matrícula de ensino médio havia pulado para
75,92% no Sudeste, 71,88% no Sul, 64,71% no Centro-Oeste, 51,73% no Norte e 41,51%, no
Nordeste.
O Brasil de 1997, com 1,62 habitantes de 15 a 17 anos por aluno secundário,
assinalava, ainda, regiões onde esse índice era menos favorável (2,41, no Nordeste e 1,93, no
Norte), apesar de uma diminuição das disparidades regionais.
Na Região Norte, salienta-se Roraima, onde 78,13% da população de 15 a 17 anos
cursa o nível médio, percentagem que supera a do estado do Paraná (75,84%). No Sudeste,
São Paulo situa-se acima da média regional, com 87,91%. É também o caso do Distrito
Federal que, com 79,42%, ultrapassa a média do Centro-Oeste.
Todavia, em virtude da queda do número de matrículas de estudantes particulares, nos
anos 90, a relação de alunos por escolas caiu de 318,6, em 1980 para 225,8, em 1997. Os
valores eram mais altos nas escolas públicas de ensino médio (471,5, em 1980 e 466,2 alunos
por unidade escolar, em 1997).
57
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Ensino superior público e particular e o território brasileiro.
Disponível em: < http://www.abmes.org.br/Publicacoes/Avulsos/Milton_Santos/anexo2.htm>. Acesso em: 14
fev. 2009.
40
2.1.3 Responsabilidade Social na Educação
Atualmente, um dos fatores que impedem o País de atingir o nível de desenvolvimento
social e econômico desejável, assim como condena milhões de pessoas a uma precária
qualidade de vida, é o impressionante contingente de brasileiros, que não tiveram acesso à
escola ou dela se evadiram.
Acresce que, a cada geração escolar, cerca de 10% da população em idade escolar
ficam à margem do sistema de ensino, vindo a engrossar acumulativamente o contingente de
analfabetos de 15 anos e mais (segundo dados do Informativo RH- março, 98). E estes
somados ao conjunto de evadidos ou reprovados do sistema de ensino, constituem os milhares
de brasileiros que sequer tiveram acesso à escola, necessitando, portanto de oportunidades
educacionais supletivas, tanto em termos de conhecimento gerais básico como em termos de
preparação para o trabalho.
Diante deste panorama e complexidade dos fatos acometidos em nossa sociedade,
seria correto questionarmos sobre o papel das Indústrias, Instituições Filantrópicas, ou
Empresas de um modo geral, como agente de mudança?
Por isto a escola deve ter um caráter de educação pública (isto se reportando a épocas
passadas), de prestação de serviço para a sociedade, sendo capaz de permitir o acesso ao saber
amplo e gratuito, que para muitos é muito importante. Esta formação é primordial para a
capacitação, compreensão e atuação na dialética do mundo atual, enquanto sujeito político,
social, cultural e produtivo.
Já a formação é o alicerce de qualquer indivíduo, tanto para sua formação profissional
como para a sua formação pessoal (satisfação), pois uma pessoa educada saberá mais
facilmente compreender, analisar, debater, sugerir, trocar, reinterpretar, enfim reconstruir
idéias e resolver situações adversas que apareceram no decorrer do curso da vida e o mais
importante, como sair delas vitorioso. O sucesso dependerá portanto apenas de sua habilidade
em continuar aprendendo, porque aprendizado é um processo contínuo.
Mais estes fatores são ainda muito simplórios para caracterizar a diversidade de fatores
que influenciam a aprendizagem contínua, mais servem de base para entender a extrema
importância dos estudos para a sociedade humana.
41
Segundo Paulo Freire58: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela
tão pouco a sociedade muda."
Apenas o Governo, não pode responsabilizar-se pelo incentivo e capacitação,
empresas e ONG`s empenham-se para realizar tal mudança para que a sociedade possa cada
vez mais ter acesso gratuito e digno a estudo e a formação profissional. Os esforços e
empenhos de cada uma dessas iniciativas que podem, de fato, contribuir com a perspectiva de
mudança do caos social que se descortina no nosso país. Um Brasil desigual, mas um País
com potencial. Um país cheio de contradições, mas com chances de ser muito mais digno e
justo com sua população.
Inúmeras empresas estão engajadas neste processo, das quais, podemos destacar a
Odebrecht, Maxitel, Bahia Sul, Ortobom, entre outras, que já despertaram para a importância
de assumir um compromisso social. Muitas dessas, a exemplo a Ortobom, criaram uma Escola
noturna para os próprios funcionários, além de também administrar uma escolinha que atende
as crianças da comunidade onde a fábrica está inserida. A Bahia Sul é responsável pela
formação de professores em educação ambiental, hoje compreendendo 31 escolas, 460
professores, isto em parceria com algumas Instituições, à saber: Universidade Estadual Santa
Cruz, Sesi, BNDES.59
2.2 A ESCOLA PARTICULAR NA ATUAL CONJUNTURA
Conforme estudo de mercado realizado em agosto de 2006 pela equipe de Marketing
da Rede Bahia de Televisão60, no intuito de melhor conhecer o mercado de educação
particular no Brasil, seja ela de ensino básico ou superior, como uma daquelas atividades
econômicas que mobiliza uma quantidade considerável de recursos produtivos. Sua
importância econômica e social pode ser medida não apenas pela quantificação destes
recursos, mas também pela crescente oferta de serviços educacionais e pela sua contribuição
para a formação do PIB nacional (que hoje gira em torno de 1,3% - número igual ao segmento
de alojamento e alimentação e superior, por exemplo, a parcela privada do setor de saúde,
cuja participação situa-se em torno de 0,9%).
58
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 6. ed Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996.
. INSTITUTO DE PESQUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. Atualidades em educação, Rio de
Janeiro, a.24, n.113, jul./ago. 2006.
60
REDE BAHIA DE TELEVISÃO, 2006.
59
42
Além disso, o ensino privado também demonstra sua representatividade e força por
meio de uma economia estimada de R$ 23 bilhões que gera aos cofres públicos (sejam eles
municipais, estaduais ou federais) – um número que traduz o quanto a esfera pública teria que
disponibilizar para dar educação aos brasileiros matriculados nas instituições privadas de
ensino. Vale salientar, inclusive, que, neste cálculo, não estão inseridos os impostos
recolhidos por estas instituições – o que, certamente, aumentaria ainda mais essa contribuição
do setor à economia do País.
Essa breve análise sobre o mercado nacional de ensino privado não estaria completa se
não fossem demonstradas aqui algumas informações fornecidas recentemente pela Federação
Nacional das Escolas Particulares (FENEP) através de seu relatório anual. Nele, é possível ter
uma dimensão exata do tamanho desse setor, que hoje, com suas mais de 36.500 instituições,
suas mais de 10 milhões de matrículas e gerando mais de 660 mil empregos diretos,
corresponde a share de 16,75% do total de estabelecimentos de ensino do Brasil.
Essas primeiras informações disponibilizadas sobre o mercado de ensino particular já
mostram claramente que mais do que assegurar a todos a formação comum indispensável para
o exercício da cidadania e fornecer-lhes os meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores, a educação básica, hoje, busca também outros objetivos que justifiquem seu papel
relevante na economia do País (sejam eles de menor ou de maior grau, empresariais ou
institucionais).61
Relatório da FENEP citado anteriormente, elaborado conjuntamente entre a instituição
e o IBOPE, apresenta outros indicadores estatísticos que revelam as principais características
qualitativas do ensino nas escolas privadas de todos o País - traçando, inclusive, um paralelo
comparativo com as escolas públicas.62
Durante a última década, mais precisamente neste qüinqüênio, pode-se observar uma
explosão de instituições particulares de ensino superior no país, com vistas a se apropriarem
da fatia da população que se esforça para pagar sua instrução. Baseados nos dados do INEP,
Monteiro e Braga apresentam estudos com visão diferenciada, das apresentadas aqui, pelos
órgãos do MEC. Os citados autores baseiam-se em pesquisa divulgada pela Revista Aprender
Virtual, cujos dados revelam que, dos 58,2 milhões de estudantes matriculados na educação
básica, 84% estudam em escolas públicas, sendo que, no ensino superior, a situação se
inverte, estando 70% dos estudantes nesse nível matriculados em instituições particulares.
61
62
MARA, Tânia. O público e o privado na história da educação. São Paulo: Autores Associados, 2005.
REDE BAHIA DE TELEVISÃO, 2006.
43
A mencionada pesquisa comprova que a demanda de alunos para as IES particulares
cresceu 38% nos últimos três anos, período em que o número de IES aumentou 46%, e o
quantitativo de vagas oferecidas se elevou 60%. Por outro lado, também o número de vagas se
ampliou, e uma análise equivocada poderia levar a uma visão positiva, mas falseada do
mercado, já que o percentual de vagas não-preenchidas, de quase 40%, somado ao índice
aproximado de inadimplência (7% ao ano) e às taxas de evasão (média de 50%) indicam que
as IES particulares constituem um mercado que vive uma situação preocupante. Essas
instituições passaram a viver um momento ímpar em sua história, com a possibilidade de
atenderem a uma demanda de aluno reprimida há mais de vinte anos, mas as instituições não
conseguem preencher as vagas.
O contexto atual é marcado por alto nível de controvérsia em torno da educação
superior privada brasileira. De um lado, estão os que entendem existir uma contradição
insanável entre os fins públicos da educação e os interesses particulares dos proprietários das
instituições privadas; de outro, estão os que defendem o entendimento de que as instituições
privadas, sobretudo as de natureza confessional, religiosa e comunitária, desempenham
função social relevante e deveriam ser subvencionadas com recursos públicos, os quais se
restringem ao financiamento das
Há hoje um sistema privado que é maior e melhor do que há dez anos, um sistema que,
além de ser quantitativamente melhor, interiorizou-se bastante. Sem isso, o atual Governo não
poderia sequer conceber a política recém formulada. Contudo, há que se considerar que o
prognóstico do governo soa como uma ação desconectada de um plano amplo e coerente; as
afirmações do atual governo parecem desmantelar as do anterior; há sugestão de
protecionismo à iniciativa privada e fuga para um investimento que deveria ser do governo.
Tal percepção é expressa pelo ex-ministro Paulo Renato Souza em um de seus artigos:
[...] Governo Federal anunciou o que chamou de “estatização” de cem mil vagas nas
universidades particulares a serem destinadas a alunos carentes ou pertencentes às
minorias raciais... constata-se que, longe de assemelhar-se a qualquer processo de
estatização, ela significa um puro e simples mecanismo de compra de vagas nas
universidades particulares por parte do governo e um passo gigantesco para uma
redefinição do sistema de financiamento do ensino superior em nosso país.63
63
SOUZA, Paulo Renato. Estatização ou privatização? O Estado de S. Paulo, 29/02/04.
44
2.3 DA OMISSÃO DO ESTADO E SUA TENTATIVA DE TRANSFERÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE
Diante da omissão por parte do Estado em relação à educação pública, crianças e
adolescentes são privados de acessarem a educação de qualidade, além de muitas vezes terem
que conviver com a falta de atenção e amor, no âmbito familiar enfrentando uma realidade de
ausência de oportunidades, vivendo estes uma vida diversa da que deveriam ter, conforme
reportagens diariamente mostradas nos noticiários da grande mídia.
Haverá de existir mecanismos eficazes, para que a sociedade venha a cobrar do Estado
por sua omissão. Além da criação de projetos coerentes que obtenham sucesso, mesmo que
copie modelos de outros países, no qual estão surgindo efeitos positivos. Assim sendo,
desativar o "poder paralelo", inibindo e fragilizando este sistema, e por outro lado
fortalecendo culturalmente os jovens, fazendo acreditar num futuro melhor.64
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu preâmbulo dispõe:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o
desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna[...].65
Estas fortes e comprometidas palavras é o avesso de nossa realidade, sendo que
somente sentimos a força que dessa poderia realmente existir, nas campanhas eleitorais. Em
toda eleição os candidatos usam da fragilidade do Estado (o que ocorre sempre em todas as
áreas, deficitária), para mostrar-nos a realidade que nos encontramos, e aproveitando da
situação expor a suas milagrosas propostas, que não deixam de serem interessantes se fossem
realmente realizadas.
É a União quem legisla privativamente sobre as diretrizes e bases da educação (art. 22,
XXIV, CF), concorrentemente com a União os Estados e o Distrito Federal legislam sobre a
educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX, CF), contudo é competência da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proporcionar os meios de acesso à cultura, à
educação e à ciência (art. 23, V, CF). A cada nova campanha vemos tristemente a realidade de
64
WEINBENG, Monica. Lições da Coréia para o Brasil. Veja, São Paulo, Editora Abril, 16 de fevereiro de
2005.
65
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
45
nosso país: a baixa qualidade da educação, a falta de recursos, o déficit de estratégias
esportivas, que atrairiam as crianças e os adolescentes a permanecerem maior tempo possível
nas escolas, e tantas outras situações lastimáveis. 66
Acredita-se profundamente na importância da existência do Estado, para que a
sociedade possa se manter organizada. A grande maioria da sociedade trabalha, paga seus
infindáveis impostos, tendo um retorno inexpressivo na educação, na saúde, na segurança,
enfim, em tudo em que o Estado se propõe a nos retornar.
Assim, como somos coagidos, a todo o momento pelo Estado, pagando por nossas
infrações, haverá de se objetivar mecanismos específicos para que o inverso também ocorra.
Continua significativo o descrito no preâmbulo, contudo em momento algum é percebido um
Estado Democrático, a democracia existe quando convém aos governantes.
Na elaboração das nossas Leis ocorre o supra-sumo do ideal, mas na prática, o que se
vê é um Estado omisso, corrupto, e egoísta, conspirando aos ideais de uma pequena minoria.
O legislador na Constituição Federal, em seu artigo 205 dispõe: "A educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade".67
O que a princípio parece democrático, nada mais é que "jogar a bomba" para a
sociedade, essa que a todo o momento se vê cobrada, até mesmo culpada dessa exclusão. O
Estado se esquece que o país é miserável, com poucos e heróicos conseguindo se manter na
classe média, e aí sim, os ricos (em que uma grande fatia são os políticos), não sendo
responsabilizados, nem cobrados em momento algum.
Diante dessa falta de educação em escolas públicas, vemos hoje um grande número de
meninas jovens, que sem maturidade já se encontram grávidas, ou com inúmeros filhos. O
Estado se esquece que o planejamento familiar é livre do casal, porém é competência do
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (art. 226, §
7, CF),68 contudo isto não ocorre.
É dever constitucional, também da sociedade assegurar à educação, colocando a
criança a salvo de toda forma de negligência (art. 227, CF). No entanto, o próprio Estado se
66
WEINBERG, Monica e RIZEK, André. A casa finalmente vai cair. Veja, São Paulo, Editora Abril, 23 de
março de 2005.
67
BRASIL, 2008.
68
Ibid., 2008.
46
encontra negligente com relação a todo tipo de educação, e a sociedade não tem como
assegurar a educação.69
Sabe-se que o próprio interesse a exclusão ocorre ainda pelos ignorantes e primitivos
governantes, "quanto mais burro o povo for, melhor". Só que a nossa realidade tem mostrado
que a falta de estudos, a educação em geral, está nos causando um caos. A pobreza não só
financeira, mas de várias formas, ou seja, generalizada, choca a todos, no que tange as favelas
crescendo desenfreadamente, e o poder paralelo da marginalidade no auge de sua plenitude,
aproveitando da fragilidade desses jovens, e da omissão do Estado.70
O direito da criança com relação à educação se assemelha a uma peça teatral, onde
cabe ao Estado ser o protagonista e a sociedade coadjuvante, muito embora o Estado tenha
demonstrado mínimo talento e dedicação, sendo que o destaque fica por conta dos
coadjuvantes, dedicando-se, organizando-se, e mostrando grande magnitude nesta empreitada.
Contudo, essa parcela beneficiada com os projetos da sociedade ainda é muito pequena, se
comparada com a realidade.
De acordo com um levantamento realizado pelo Ministério da Educação em parceria
com o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), no ano
de 2004, do total de alunos matriculados no ensino fundamental, apenas 7,6% concluíram o
curso.
Conforme a reportagem da revista Veja71, o número de homicídios teve uma queda de
40,6% em cinco anos. Houve investimentos em segurança pública, sendo esta mais equipada
que os últimos dez anos, e cresceu na periferia da metrópole a atuação de organizações nãogovernamentais, oferecendo alternativas econômicas, e de lazer à população de baixa renda.
Não é de hoje que a sociedade tem-se mostrado solidária e atuante nesta empreitada.
Não há dúvida em ser fundamental e necessária sua participação, contudo ocorre um equívoco
quando é responsabilizada pela ausência de boas escolas e educação.
Não obstante, a responsabilidade seja do Estado em proporcionar educação a todos os
brasileiros, governos sucessivos insistem em fugir desta responsabilidade, ultimamente
transferindo responsabilidades para iniciativa privada, deturpando o conceito de função social,
atropelando preceitos constitucionais e direitos consagrados pelo sistema de normas jurídicas
internacionais, ao impor a obrigatoriedade de atendimento aos contratantes inadimplentes às
69
BRASIL, 2008.
TORIKACHVILI, Silvia. Ações em larga escala. Jornal Valor Econômico, São Paulo, 25 de abril de 2005.
71
BRANCATELLI, Rodrigo. Por que se mata menos em São Paulo. Veja São Paulo, Editora Abril, 06 julho de
2005.
70
47
instituições educacionais privadas por até um ano, através de medidas provisórias e legislação
infraconstitucional.
Os governantes brasileiros pecam ao ignorarem a educação como solução definitiva
para os males que assolam a humanidade, mormente nos tempo tempos atuais, relativamente
às questões da violência, do crime e da degradação ética e moral.
Educar é incutir, imprimir, cultivar, formar e ensinar valores ao indivíduo que possam
forjar seu caráter, de maneira que seu comportamento, seus atos e seu poder atendam aos
elevados propósitos do bem comum, da justiça e da paz universal.
O que nos tem impedido de realizar esta magnânima tarefa é principalmente o
egoísmo que coloca o interesse pessoal, a satisfação dos apetites e desejos individuais muito
acima das necessidades do semelhante e dos nossos deveres para com o próximo.
De outro modo, infere-se que parte da humanidade não descobriu, ainda, que o ser
humano é um ser perfectível, que pode ser trabalhado, aperfeiçoado, por meio dos elementos
que lhe conferirão a condição de um ser melhor; posição que lhe imunizará dos elementos
deletérios da imperfectibilidade.
Precisamos compreender que ignorância não é doença incurável, nem defeito, apenas
período de insuficiência de saber ou de saber reduzido.
Esta concepção é de suma importância para determinar a postura da coletividade diante do
que fazer, do que construir e do que objetivar com o próprio ser humano.
Aqueles que acreditam que as pessoas não se emendam, não têm conserto, não se educam;
que quem é bom já nasce bom e quem é ruim já nasce ruim e que são assim por natureza, não
irá perder tempo em tentar educar, vez que sua premissa é a de que o ser humano não é um ser
educável.72
Importante refletir que o que leva o ser humano a fraudar, agredir, roubar, traficar e
matar não é a existência do dinheiro, da arma, do patrimônio, da energia nuclear ou da droga;
mas o mau uso, a má aplicação, o mau destino daqueles e de tantos outros bens, coisa que
somente um ser educado é capaz de modificar.
72
INSTITUTO DE PESQUISAS AVANÇADAS EM EDUCAÇÃO. Atualidades em educação, Rio de Janeiro,
n.1, v.29.5, 1995.
48
2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PÚBLICOS.
A potencialidade danosa do agente público no exercício de uma função estatal
desperta interesse, por correlacionar questões de direito público e privado, permitindo-nos
mais uma vez a constatação de que não se pode pretender analisar qualquer questão jurídica
atendo-se a somente um ramo do direito; ao contrário, cada vez mais a complexidade das
relações sociais exige uma visão holística do fenômeno jurídico, enfatizando que o
ordenamento é uno e indivisível, e tende à completude.
Mister é salientar que a responsabilidade civil por atos legislativos, judiciais e
administrativos corresponde a apenas uma das facetas da responsabilidade civil do Estado,
que no plano da Responsabilidade Objetiva conhece outras sanções ainda sujeitas a
controvérsias.
A consagração da responsabilidade civil do Estado constitui-se em imprescindível
mecanismo de defesa do indivíduo face ao Poder Público. Mediante a possibilidade de
responsabilização, o cidadão tem assegurada a certeza de que todo dano a direito seu
ocasionado pela ação de qualquer funcionário público no desempenho de suas atividades será
prontamente ressarcido pelo Estado. Funda-se nos pilares da eqüidade e da igualdade, como
salientou em doutas palavras PONTES DE MIRANDA:
O Estado - portanto, qualquer entidade estatal - é responsável pelos fatos ilícitos
absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O princípio de igualdade
perante a lei há de ser respeitado pelos legisladores, porque, para se abrir exceção à
incidência de alguma regra jurídica sobre responsabilidade extranegocial, é preciso
que, diante dos elementos fácticos e das circunstâncias, haja razão para o desigual
tratamento. 73
Celso Antônio Bandeira de Melo define a responsabilidade civil do Estado:
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação
que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente
garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos
74
unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Esta responsabilidade pode ser estudada sob três diferentes prismas, conforme o
aspecto de funcionamento enfocado: administrativo, legislativo e judiciário.
Importante frisar que a responsabilidade estatal não se confunde com a de seu
funcionário, uma vez que este último, no exercício de suas funções, pode causar dano tanto a
73
74
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 2.ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1966.
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
49
bens estatais quanto a de particulares. Em ambos os casos, comprovada sua culpa, deverá
ressarcir os prejuízos causados. Entretanto, o cidadão lesionado em seu direito por ato
decorrente do agir estatal não depende desta prova para requerer sua indenização, pois pode
acionar diretamente o Estado, que responderá sempre que demonstrado o nexo de causalidade
entre o ato do seu funcionário e o dano injustamente sofrido pelo indivíduo. A culpa do agente
apenas será discutida em um segundo momento, caso o Estado impetre ação de regresso.
Assim:
(...) diz-se que a responsabilidade deste do Estado é objetiva, porque não se impõe
ao particular, lesado por uma atividade de caráter público (ou alguma omissão), que
demonstre a culpa do Estado ou de seus agentes. Sinteticamente, a responsabilidade
do Estado se caracteriza pelo preenchimento dos seguintes pressupostos:
1) que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora
de serviços públicos;
2) que estas entidades estejam prestando serviço público;
3) que haja um dano causado a particular;
4) que o dano seja causado por agente (a qualquer título) destas pessoas jurídicas e;
5) que estes agentes, ao causarem dano, estejam agindo nesta qualidade. 75
Pelo acima visto, percebe-se que não se confunde a responsabilidade civil, "que se
traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização", com as
responsabilidades penais e administrativas, que não serão abordadas neste momento.
2.4.1 A Teoria da Irresponsabilidade e o Direito Brasileiro.
O Brasil, desde seu alvorecer enquanto Estado soberano, jamais esposou a tese da
irresponsabilidade do Estado no que concerne a atos decorrentes da Administração Pública.
Já a Constituição de 1824, outorgada dois anos após a declaração de independência,
proclamava em seu artigo 178, n. 29: "Os empregados públicos são estritamente responsáveis
pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, e por não fazerem
efetivamente responsáveis aos seus subalternos".
Ao contrário do que uma primeira leitura possa sugerir, doutrina e jurisprudência
jamais interpretaram este dispositivo como consagrando apenas a responsabilidade pessoal do
funcionário, ao mesmo tempo em que declarava a irresponsabilidade estatal. Na verdade,
desde sempre se entendeu que a norma traduzia uma responsabilidade solidária entre o Estado
75
ARAÚJO, Marcos. Responsabilidade civil do estado. Disponível em:
<http://www.juxtalegem.com.br/artigos/Responsabilidade_Civil_do_Estado.php>. Acesso em: 23 fev. 2009.
50
e seus agentes. Esta, todavia, baseava-se ainda na concepção de responsabilidade aquiliana,
posto exigisse a prova da culpa do funcionário para a sua caracterização.
No mesmo sentido, seguiram-se as Constituições de 1891 e 1934, que, com redações
símiles no que se refere ao objeto do atual trabalho, consagraram a responsabilidade do
Estado por ato do administrador nos mesmos moldes. Abordaremos, pois, a seguir, a teoria da
responsabilidade subjetiva do Estado, com vistas a dar prosseguimento à análise histórica do
instituto.
2.4.2 Evolução Histórica da Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil é matéria jurídica antiga, tendo sido prevista no Código do
Imperador Hamurabi da Babilônia, em sua máxima "olho por olho, dente por dente". Aquele
que sofria um dano tinha direito a repará-lo mediante a provocação de um dano semelhante ao
seu responsável. O direito romano, posteriormente, através da Lex Poeteria Papiria, proibiu as
penas corporais em sede de responsabilidade civil, instituindo que apenas o patrimônio do
agente deveria responder pelo dano por ele causado. 76
A amplitude do tema ora em pauta não nos permite tecer maiores considerações acerca
da evolução do instituto da responsabilidade civil. Desta forma, iniciaremos nosso estudo
evolutivo desde a formação dos Estados Modernos, a partir de quando nos parece ser possível
argüir sua responsabilidade.
O nascimento do Estado moderno não trouxe de pronto, como se poderia ter
imaginado, a responsabilidade estatal por atos decorrentes das suas funções. Ao contrário, a
teoria do direito divino dos reis, elaborada por Bossuet para justificar o poder absoluto dos
monarcas, impossibilitava qualquer tentativa de responsabilizá-lo, pois o rei, designado por
Deus, era infalível.
Nos dois principais Estados que adotam o sistema de Common Law, a teoria da
irresponsabilidade foi abraçada até a década de 1940, tenso sido abandonada nos Estados
Unidos através do Claims Act de 1946 e na Inglaterra por meio do Crown Proceeding Act de
1947.
76
BIBLIOTECA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS DA USP.
51
Por conseguinte, tem-se que a teoria da irresponsabilidade não mais vige em sua
integralidade em nenhum país, embora a Inglaterra ainda a adote em relação ao Rei e a alguns
de seus funcionários, conforme nos explica Aguiar DIAS:
Vigora a regra ‘The King can do no wrong’, em face da qual não há possibilidade de
acionar o rei ou funcionários diretamente dependentes dele com base na
responsabilidade civil. Há leis que excluem certos funcionários (juízes, autoridades
policiais, sanitárias e alfandegárias) de toda e qualquer responsabilidade, a menos
que incorram em culpa grave. O sistema inglês estabelece, ainda, uma série de
dificuldades às ações contra os funcionários: prescrição breve, direito, outorgado ao
funcionário acionado, de oferecer ao autor determinada composição pecuniária. 77
Entretanto, mesmo sendo irresponsável o Estado no período Absolutista, já se admitia,
consoante Caio Mário,78 "a responsabilidade pecuniária pessoal dos agentes da
Administração". Isto se devia a que, consoante Sérgio Cavalieri Filho,79 "sustentava-se que o
Estado e o funcionário eram pessoas diferentes, pelo quê este último, mesmo agindo fora de
seus poderes, ou abusando deles, não obrigava, com seu fato, a Administração". Esta solução,
todavia, deixava muito a desejar, dado que constantemente a incapacidade econômica do
funcionário frustrava a ação de indenização. Mister era, pois, buscar um mecanismo mais
eficiente ao ressarcimento da vítima.
Cumpre ressaltar que o advento das revoluções burguesas e do Estado de Direito não
foi, como em princípio se poderia supor, razão da imediata aceitação da responsabilização
civil do Estado. A aplicação prática da teoria da separação dos poderes obstaculizava sua
efetivação, sob a excusativa de que a condenação da Administração por parte do Poder
Judiciário significaria uma intromissão indevida deste na órbita de autonomia do Executivo, o
que era inadmissível.
2.4.3 A Teoria Civilista da Responsabilidade do Estado no Direito Brasileiro.
Partindo dos matizes acima expostos, durante muito tempo a teoria que imperou no
ordenamento jurídico pátrio foi a de que o Estado respondia por todo ato culposo advindo de
serviço por ele prestado ou de ação de agente seu no exercício de sua função. A base legal
para a sua sustentação residia no artigo 15 do Código Civil Brasileiro, art.15:
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus
representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo
77
DIAS, Aguiar. Da responsabilidade civil. 2. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1950.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. rev.,atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
79
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006.
78
52
contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo
contra os causadores do dano.
A inserção deste artigo na parte geral do Código Civil teve o condão de dirimir
qualquer dúvida que ainda restasse sobre a responsabilidade do Estado na álea civil, se
levamos em conta a dúbia linguagem utilizada pelas Constituições de 1824 e 1891.
O artigo 15, de acordo com a interpretação doutrinária dominante, subordinava o dever
do Estado de ressarcir os danos causados por seus agentes à comprovação de terem procedido
de forma contrária ao direito, ou seja, de terem praticado um ato ilícito.
Esta teoria evoluiu através da jurisprudência para permitir o direito de requerer
indenização não obstante a não identificação do agente causador do dano, bastando
comprovar a culpa do serviço. Esta formulação foi possível tendo em vista que o agente
administrativo age em nome Estado, e uma vez que toda pessoa jurídica procede através de
seus órgãos, é responsável pelos danos por estes causados. Chegava-se, desta forma, à
concepção da responsabilidade direta do Estado. Esta teoria veio em socorro da vítima, uma
vez que a prática havia demonstrado a dificuldade excessiva em se demonstrar qual dos
agentes administrativos havia sido o responsável pelo dano.
Desta forma, bastava restar comprovada a falta do serviço, ou seja, que houvesse uma
"falha objetiva do serviço público, ou mau funcionamento deste, ou uma irregularidade
anônima que importa em desvio da normalidade".
2.4.4 A Responsabilidade Civil do Estado por Ato Judicial
O Estado é responsável face ao erro judiciário. Em livro específico sobre o tema
"Indenização do erro judiciário", escreve Luiz Antonio Soares Lentz que
"o ato jurisdicional, como espécie do ato jurídico de direito administrativo, comporta
os que se destinam a solução coercitiva conflitos e a atividade destinada a prover
interesses em geral, como se dá com os atos de jurisdição voluntária, e têm os
mesmos pressupostos e elementos que os da espécie, dependendo de requisitos para
sua validade, sendo passíveis, outrossim, dos vícios de vontade que atacam os atos
jurídicos em geral."
O desacerto do provimento jurisdicional deve ter como causa a finalidade objetiva e
determinante do resultado, diretamente vinculada ao elemento psíquico motivador da decisão.
53
Num paralelo com o que diz Caio Mario da Silva Pereira80 em relação à formação da vontade
no negócio jurídico, caracteriza-se como a intenção dirigida no sentido de realizar a
conseqüência jurídica - que seria, aqui, o erro judiciário.
Tido como o mais elementar dos vícios do consentimento, o erro implica o
desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias de modo que se comporta o
agente de uma forma que não seria a ia vontade se conhecesse a verdadeira situação.
Citando Saleilles, lembra Caio Mario da Silva Pereira que o erro é a falta de
concordância entre a vontade real e a vontade declarada. Opera com erro o juiz sempre que
declara o direito a um caso concreto sob falsa percepção dos fatos; a decisão ou sentença
divergente da realidade conflitante com os pressupostos da justiça, entre os quais se insere o
conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica.
Na culpa, logicamente, por ser normativa, não se fala em vontade consciente dirigida a
um fim, mas em inobservância de dever de cautela (imprudência), agir desidioso (negligência)
e descumprimento de dever profissional em determinada circunstância (imperícia).
Comumente a culpa é atribuída ao serviço judiciário, anomalamente considerado, e não
identificado com o ato jurisdicional causador do dano.
Em princípio deve-se procurar situar a culpa como causa do erro judiciário,
identificando-a na conduta do juiz, para que só incida o fundamento da faute du service nos
casos em que o agente causador do dano não for o juiz ou não se puder, nas circunstâncias,
imputar a ele a prática de ato danoso por qualquer das modalidades atinentes à culpa.
No caso do Estado a sua responsabilidade é objetiva face a Justiça ser considerado um
serviço público. Por isso na França utiliza-se a expressão service public de la justice ("serviço
público da justiça"). Não há razão que justifique excluir, como exceção, a espécie "serviço
público judiciário" do gênero "serviço público geral.”81 O serviço judiciário é, sem
contestação possível, serviço público do Estado, em função da integração do Judiciário à
esfera estatal.
Certa vez ao proferir voto em recurso extraordinário, o Min. Aliomar Baleeiro
acentuou: "Acho que o Estado tem o dever de manter uma Justiça que funcione tão bem como
o serviço de luz, de polícia, de limpeza ou qualquer outro. O serviço da Justiça é, para mim,
um serviço público como qualquer outro."82
80
PEREIRA, 1998.
CRETELLA JÚNIOR, José . Direito administrativo brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 15.
82
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RTJ 64/714 e RDA 114/325
81
54
2.4.5 A Responsabilidade Civil do Estado por Atos Legislativos
Nas democracias se escolhem os dirigentes máximos da Administração, através da
eleição dos chefes do Poder Executivo, e nem por isso se chega a cogitar da exclusão de
responsabilidade pela atividade dos funcionários públicos, os quais, quase sempre, atuam com
obediência a determinação hierárquica daqueles.
Amaro Cavalcanti, em suas lições sobre o controle da constitucionalidade das leis, a
doutrina brasileira evoluiu para responsabilizar o Estado quando leis inconstitucionais ou
desproporcionais prejudicarem a atividade do particular, e esta tese muito bem pode ser
explicada no efeito dos contratos educacionais, mormente aos interesses da escola-empresa.
Quando alguém venha a sofrer prejuízo, quer em decorrência de lei inconstitucional,
quer em virtude de sua aplicação, induvidoso se torna, na sábia lição do Prof. Edílson Nobre,
o dever do Estado em efetuar a devida reparação.
2.4.6 A Responsabilidade Objetiva da Administração no Direito Brasileiro.
A responsabilidade objetiva, basilada na teoria do risco administrativo ou risco criado,
tem suporte no ordenamento jurídico pátrio, no Artigo 37, §6o, da Constituição Federal de
1988: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço
público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso nos casos de culpa ou dolo." 83
Portanto, o Estado brasileiro, em qualquer das suas três esferas – federal, estadual ou
municipal -, é responsável independentemente comprovação de culpa, pelos danos causados
por seus agentes administrativos a particulares, aí incluídos os funcionários de qualquer
entidade estatal e seus desmembramentos. Resta apenas observar que para o prejuízo não
tenha contribuído de forma culposa a vítima, quando será a responsabilidade mitigada (culpa
concorrente), ou afastada (culpa exclusiva da vítima).
A teoria objetiva é esposada pelo ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição
de 1946. Entretanto, a Constituição de 1988 trouxe-lhe maior amplitude, ao estendê-la às
pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviço público, sanando, deste modo, antiga
83
BRASIL, 2008.
55
controvérsia doutrinária. Entretanto, esta inovação não trouxe a univocidade de entendimento
pretendida, uma vez que a definição de "serviço público" e, por conseguinte, de "empresa
privada prestadora de serviço público" não se fez ainda pacífica. Não nos ateremos a esta
discussão, dada a sua amplitude e complexidade.
Admitir a total responsabilidade do Estado, não obstante restar comprovada a
concorrência de fato maior para o dano, é adotar a teoria da responsabilidade integral, a qual
transforma o Estado em segurador universal, dando-lhe mais encargos do que pode suportar, e
atentando contra os princípios da equidade entre todos os cidadãos. Ao Estado cumpre
indenizar danos ocasionados pelo seu funcionamento, mas não aqueles provenientes de fatos
imprevisíveis e inevitáveis, de origem externa. Donde a pertinência da crítica contra o citado
julgado, cuja decisão não prosperou na jurisprudência.
A responsabilidade civil do Estado é um instituto essencial à construção do Estado
Democrático de Direito, pois assegura os direitos do cidadão face a um injusto dano causado
pelo poder público a seu patrimônio. Sua objetivação coaduna-se com a doutrina mais
moderna, que almeja facilitar o ressarcimento do lesionado pelo agir dos agentes públicos,
mediante a dispensa da prova de culpa. Insere-se dentro do respeito que os agentes de um
governo que se pretende representante da soberania popular (art. 1º, § único, da CRFB/88)
estão obrigados a dispensar a seus cidadãos, garantia de que manter-se-ão dentro dos limites
da legalidade no desempenho de suas funções, e de que, ainda nessas hipóteses, caso seja
imprescindível o sacrifício de um direito particular em prol do bem comum, aquele será
prontamente ressarcido, pois atentaria contra a liberdade e a igualdade entre os cidadãos que
um indivíduo pudesse ser privado de uma parcela de seu patrimônio sem uma respectiva
compensação.
Desta forma, perece irretocável o sentido que têm dado doutrina e jurisprudência ao
disposto no §6o do artigo 37 da Carta Constitucional vigente. A adoção da teoria do risco
administrativo, sem os extremos a que levaria a adoção do risco integral, tem se mostrado
suficiente a manter o respeito pela cidadania, pelos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, e pela dignidade da pessoa humana, princípios fundamentais do Estado brasileiro
(art. 1o da CRFB/88). São, outrossim, preservados da ingerência estatal os direitos
fundamentais de todos, invioláveis consoante o artigo 5º da Carta Magna.
56
3 DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS EDUCACIONAIS
3.1 DAS CLÁUSULAS SOCIAIS ABUSIVAS
O aumento das relações entre fornecedores e consumidores advindo da nova economia
de mercado tornou perceptível uma situação, não vislumbrada até então, de desequilíbrio
entre as partes contratantes, o que acabou por franquear o questionamento de institutos
outrora inabaláveis, como o pacta som Servanda, a qual atualmente se admitem restrições; há
juristas, como Nelson Nery Junior84, que entendem não existir mais, em um contexto atual de
nosso direito, o instituto da pacta sunt servanda "stricto sensu" não existe mais. Em se
reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor no mercado de massa, fez-se indispensável a
criação de aparatos jurídicos capazes de repor equilíbrio entre os pólos contratuais, embora
fosse para isso preciso afrontar o posicionamento tradicional dos mestres civilistas a respeito
da força obrigatória dos contratos:
O princípio da força obrigatória no contrato contém ínsita uma idéia que reflete o
máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada
em conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão
profunda, que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida,
nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de
mudar o curso de seus efeitos.85
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor foram trazidos avanços ao
tratamento da proteção contratual do consumidor, tais como: os contratos que regulam as
relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes foi dada a possibilidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se os respectivos instrumentos foram
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance; é possível a inversão
do ônus da prova em favor do consumidor; como regra básica, no caso de dúvida as cláusulas
contratuais gerais devem ser interpretadas em favor do aderente; dentro do período de
reflexão de sete dias, pode o aderente exercer o direito de arrependimento, no caso de o
contrato de consumo ter sido concluído fora do estabelecimento comercial, tendo direito à
devolução imediata das quantias que eventualmente pagou, corrigidas monetariamente pelos
índices oficiais; há penalização se o termo de garantia não for adequadamente preenchido e
84
85
NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16. ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2007.
57
entregue ao consumidor; todo produto ou serviço deve ser obrigatoriamente acompanhado do
manual de instalação e instrução sobre sua adequada utilização, redigido em português, em
linguagem clara e acessível; apresenta, em seu artigo 51, uma lista exemplificativa das
chamadas cláusulas abusivas, que são aquelas cláusulas contratuais não negociadas
individualmente e que, frente as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor
um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das partes. A previsão de cláusulas
abusivas pelo CDC, portanto, não é exaustiva, sendo o Secretário Nacional de Direito
Econômico autorizado, pelo art. 58 do Decreto nº 2.181/97 (regula o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor), autorizado a editar anualmente um rol exemplificativo do que são
tidas por cláusulas abusivas.
Relações contratuais em curso na atualidade, mormente as relações de consumo, são
fortemente influenciadas pela economia de mercado, reflexo do processo de globalização no
qual se insere toda a sociedade contemporânea; como o Direito não é subsistema normativo
ético isolado dos demais, recebe essas influências que o tornam apto a regular as novas
relações que emergem do desenvolvimento da sociedade; nesse quadro, vê-se que economia é
uma das maiores influenciadoras no desenvolvimento jurídico.
"Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança
do comércio jurídico. Praticamente, o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos
significa a impossibilidade de revisão pelo juiz."86 (Orlando Gomes).
Com a crescente evolução de uma sociedade que prima pelo consumismo, surgiram os
chamados contratos de adesão, largamente utilizados para a aquisição ou utilização de bens,
destacando-se os de alienação fiduciária e o arrendamento mercantil, popularmente difundido
como leasing. Trata-se de um contrato estandardizado, que dispensa a prévia discussão das
bases do negócio instrumento, e onde vem sendo a praxe a inserção de cláusula abusiva onde
se elege o foro do estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor, de forma
que, ao atrasar qualquer das prestações avençadas é o consumidor surpreendido com ação
judicial promovida pelo estipulante no foro deste, o que significa uma verdadeira negação de
acesso à justiça.
Antes do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas abusivas eram disciplinadas
de maneira esparsa no direito positivo pátrio; o Poder Judiciário recorria às regras gerais
contidas nos arts. 4.º e 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil para suprir essa lacuna:
decidindo de acordo com a analogia, valendo-se do direito comparado e atendendo aos fins
86
GOMES, 1998.
58
sociais e às exigências do bem comum. O art. 85 do mesmo diploma legal era também
aplicado (Art. 85 - nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido
literal da linguagem). Outros diplomas legislativos também tratavam do assunto, tais como o
Decreto n. 24.038/1934, o Decreto-Lei n. 857/1969, o Decreto n. 59.195/1966 e outros. Há
apenas dois artigos no Código Civil brasileiro que proíbem o uso das cláusulas leoninas (3): o
art. 115 e o art. 1.372.
Com o advento do CDC foram trazidos avanços ao tratamento da proteção contratual
do consumidor, tais como: os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores se não lhes foi dada a possibilidade de tomar conhecimento prévio de seu
conteúdo ou se os respectivos instrumentos foram redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance; é possível a inversão do ônus da prova em favor do
consumidor; como regra básica, no caso de dúvida as cláusulas contratuais gerais devem ser
interpretadas em favor do aderente; dentro do período de reflexão de sete dias, pode o
aderente exercer o direito de arrependimento, no caso de o contrato de consumo ter sido
concluído fora do estabelecimento comercial, tendo direito à devolução imediata das quantias
que eventualmente pagou, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais; há penalização se
o termo de garantia não for adequadamente preenchido e entregue ao consumidor; todo
produto ou serviço deve ser obrigatoriamente acompanhado do manual de instalação e
instrução sobre sua adequada utilização, redigido em português, em linguagem clara e
acessível; apresenta, em seu artigo 51, uma lista exemplificativa das chamadas cláusulas
abusivas, que são aquelas cláusulas contratuais não negociadas individualmente e que, frente
as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante
entre os direitos e obrigações das partes. A previsão de cláusulas abusivas pelo CDC,
portanto, não é exaustiva, sendo o Secretário Nacional de Direito Econômico autorizado, pelo
art. 58 do Decreto nº. 2.181/97 (regula o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor),
autorizado a editar anualmente um rol exemplificativo do que são tidas por cláusulas
abusivas.
Para combater às mais variadas cláusulas abusivas que surgem no cotidiano, dispõe o
artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:
Art.51º"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
59
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a
equidade.87
Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson Nery Junior:
"são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de
consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas,
onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...".
Segundo entendimento dominante na área jurídica:
"As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam contaminar
o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte
a quem desfavoreçam". 88
Assim, há que se entender cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem
obrigações iníquas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios
da boa-fé e da eqüidade.
Conforme disposto no artigo supramencionado, tais cláusulas são nulas de pleno
direito, e não operam efeitos, sendo que a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva
não invalida o contrato, exceto quando sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das
partes; assim, somente a cláusula abusiva é nula: as demais cláusulas permanecem válidas, e
subsiste o contrato, desde que se averigúe o justo equilíbrio entre as partes.89
"Assim, a mais abalizada doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente,
têm decidido em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes
ostentam-se indisfarçavelmente ineficazes e sequer possível o seu aproveitamento". (STJ –
AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6
"Conflito de Competência. Competência Territorial. Foro de Eleição. Cláusula Abusiva O juiz
do foro escolhido em contrato de adesão pode declarar de ofício a nulidade da cláusula e
declinar da sua competência para o juízo do foro do domicílio do réu. Prevalência da norma
de ordem pública que define o consumidor como hipossuficiente e garante sua defesa em
juízo". (STJ, Processo N°: 21540, Órgão: Segunda Seção, Relator: Min. Ruy Rosado de
Aguiar, DJ-24/08/1998).
"Competência. Código de Defesa do Consumidor. Cláusula de eleição de foro. Contrato de
adesão. Cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, de que resulta dificuldade para a
defesa do réu. Tratando-se de ação derivada de relação de consumo, em que deve ser
87
BRASIL [ LEIS ]. Código de defesa do consumidor lei nº 8.078, de 11-9-1990. 13. ed São Paulo: Atlas,
2000.
88
NERY JUNIOR, 1997.
89
ALVIM, Arruda. Cláusulas Abusivas e seu Controle no Direito Brasileiro, Revista de Direito do
Consumidor, n.20, pp.24-70.
60
facilitada a defesa do direito do consumidor (Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor), impende considerar como absoluta a competência do foro do domicílio do réu,
não se exigindo, pois, exceção de incompetência. Conflito conhecido." ( STJ - 2ª Seção - j.
em 13.05.1998, DJU de 16.11.98 ).
Da preocupação do Estado com os problemas da defesa do consumidor advieram
grandes mudanças na elaboração dos contratos, assim como a compreensão e percepção desse
instituo pelos juristas; já não se aplica mais indistintamente o pacta sunt servanda, o que
denota o reflexo no âmbito jurídico do processo de evolução por que passou a economia; a
crise do liberalismo refletiu no declínio do individualismo característico daquela realidade
sócio-econômico.
Assim, dentro da proteção contratual estabelecida com o advento do Código de Defesa
do Consumidor, as cláusulas abusivas merecem um tratamento metodológico como tentativa
de conter tais procedimentos, diante da configuração contratual.
É objetivo do Código de Defesa do Consumidor assegurar ao consumidor igualdade
em face do fornecedor; como bem pontifica Ana Maria Zauhy Garms : "A proteção do
consumidor surge pela determinação de se cumprir a igualdade contratual, independentemente
da posição ou condição de cada parte envolvida".90 É o tratar de forma desigual as partes no
momento em que elas se desigualam, e igualmente quando se igualam, ou seja, tratar de forma
desigual os desiguais a fim de que se tornem iguais.
3.2 DOS CONTRATOS DE ADESÃO
A maior das abusividades é a imposição da aceitação do Contrato de Adesão, pois
exatamente neste é que vê escondem inúmeras cláusulas abusivas que Algumas Instituições
de Ensino impõem a aos contratantes, exigindo a aceitação total do contrato, não permitindo
a revisão de cláusulas que o próprio Código de Defesa do Consumidor considera abusivas.
Ora, entre assinar o contrato e perder a vaga na Instituição de Ensino, o contratante, na
maioria dos casos, assina o contrato.
Não se pode esquecer o disposto no artigo 1º do CDC que estipula que as normas nele
previstas são de ordem pública e de interesse social.
90
GARMS, Ana Maria Zauhy. Cláusulas abusivas nos contratos de adesão à luz do Código de Defesa do
Consumidor. Disponível em: <http:// www.jus.com.br/doutrina/clabusi.htm>. Acesso em: 20.nov. 2007.
61
Se existe lei de ordem pública é inadmissível sua violação sob o subterfúgio de
cláusulas abusivas e com amparo em vetustos princípios ou em normas retrógradas, pois tal
importaria não em direito do fornecedor, mas em abuso de direito contra o consumidor, com o
que não compadece a nova ordem jurídica. Como se poderia garantir ao consumidor o
exercício dos direitos elencados no CDC se se permitisse ao fornecedor inserir no contrato
cláusulas que violam esses direitos ou levar avante práticas comerciais desleais e coercitivas?
Isso não é mais possível. Devem os órgãos de defesa do consumidor, dentre eles incluídos o
Poder Judiciário, buscar os meios legais para que os direitos do vulnerável sejam respeitados e
sua vulnerabilidade, mitigada.
Nos contratos de Adesão as possibilidades de serem inseridas cláusulas abusivas,
formuladas de tal forma que obriguem os consumidores contra a própria vontade, contra
os seus interesses ou mesmo em violação de normas legais é muito grande.
As cláusulas proibidas são nulas, ou seja, não produzem qualquer efeito válido e qualquer
interessado pode invocar essa nulidade, a todo o tempo, perante o fornecedor ou perante os
tribunais. (....).
No direito brasileiro, o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor91 dispõe que
são nulas de pleno direito, não produzindo qualquer efeito, as cláusulas abusivas e este
mesmo artigo, em seu parágrafo 4º, estabelece que:
É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao
Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de
cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou que de qualquer forma
não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Maior parte das transações comerciais opera-se por meio de documentos nefastos, cujo
conteúdo encerra patente agressão aos ditames legais, quer omitindo cláusulas essenciais, quer
limitando direitos por lei assegurados, quer usando letras minúsculas e dizeres
incompreensíveis. São os chamados contratos de adesão, ardil predileto dos gananciosos,
onde não há vez para os direitos dos consumidores. Sua previsão legal encontra-se positivada
em nosso CDC, no art. 54, "caput", in verbis:” "Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas
cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo".
91
BRASIL [ LEIS ].
62
Assim, como bem salienta Leonardo Roscoe Bessa92, Promotor de Justiça do Distrito
Federal:
"É utópico falar-se nesta área em liberdade contratual e autonomia da vontade. Não
há qualquer espaço para expressão da vontade do consumidor. O propalado ´pacta
sunt servanda´ deve ser olhado com forte desconfiança. E, ainda, depois de
´celebrado´ o contrato, havendo divergência quanto à legalidade de alguma cláusula,
caberá a ele o ´ônus´ de acionar a empresa, já que esta tem sempre a posse
antecipada de parte do preço".
As instituições de ensino, prejudicando ainda mais os direitos dos consumidores,
inserem inúmeras restrições aos direitos dos aderentes sem dar às competentes cláusulas
os destaques exigidos pela lei protetiva.
A obrigação dos destaques às cláusulas que, de alguma forma, limitam os direitos dos
consumidores está disposta no parágrafo 4º do artigo 54, nos seguintes termos:
"Art. 54. (....).
§ 4º. As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas
com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
Embora esse dispositivo não preveja expressamente a conseqüência para a ausência do
destaque exigido, a doutrina entende que seja a nulidade.
De forma fundamentada, ensina Leonardo Roscoe Bessa, promotor de Justiça no
Distrito Federal: "A inobservância destes preceitos acarreta a nulidade de cláusulas, de acordo
com o disposto no artigo 51, XV(17), da Lei nº 8.078/90, vez que se trata de norma de ordem
pública e interesse social que integram o sistema de proteção ao consumidor".
Do desequilíbrio contratual em razão de fixação de obrigação tão somente para o
contratante:
"A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: (....) harmonização dos interesses dos participantes das relações de
consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos
quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com
base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores"
(CDC/4º, inciso III).
Cabe aqui, por oportuno, citar o ensinamento do professor Orlando Gomes93:
92
BESSA, Leonardo Roscoe. O consumidor e seus direitos: ao alcance de todos. 2. ed. Brasília, DF: Brasília
Jurídica, 2004.
63
O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que
aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar, porque tem necessidade de
satisfazer a um interesse que, por outro modo não pode ser atendido. Assim, quem
precisa viajar, utilizando determinado meio de transporte, há de submeter-se às
condições estipuladas pela empresa transportadora, pois não lhe resta outra
possibilidade de realizar o intento. A alternativa é contratar ou deixar de viajar, mas
se a viagem é necessária, está constrangido, por essa necessidade, a aderir às
cláusulas fixadas por aquele que pode conduzi-lo.94
A afirmação de que "não é permitido ao oblato fazer qualquer modificação ao
contrato", diante de tudo que já foi dito até aqui, constitui-se em uma heresia jurídica
inqualificável. Esquecem-se, ou fingem esquecer-se as rés, que o contrato de adesão que
elaboram e usam está sujeito ao pleno controle do aderente através dos órgãos de defesa do
consumidor, aí incluído o Poder Judiciário.
É importante frisar que a efetivação do contrato de prestação de serviços educacionais
está vinculada a dois preceitos: a) o contrato é o instrumento para cristalizar o valor de
encargo acordado em consonância com a lei específica (Lei de Mensalidade Escolar); e b) o
conteúdo do documento deve obedecer ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Falando primeiramente da cristalização do valor acordado, deve-se dizer que, no final de cada
ano letivo, as instituições de ensino, conforme previsão legal, anteriormente contida em
medidas provisórias e agora na Lei de Mensalidade Escolar (Lei nº 9.870 de 23/11/99), devem
delimitar os valores dos encargos educacionais pela sua compatibilização com os custos
efetivamente incorridos para que a instituição ministre determinado serviço educacional no
ano seguinte, tendo como base a última parcela da anualidade.
A fixação de preços não é livre, visto que a instituição deverá apresentar aos pais e
comunidade acadêmica, em específico, aos órgãos de proteção do consumidor, suas planilhas
de custos (Componentes de Custos), de onde nascerá o valor definitivo da mensalidade. Nesta
fase, a instituição de ensino deverá apresentar com clareza a sistemática de remuneração deste
serviço:
1 Da incidência ilegal de juros, multas e correção monetária sobre o débito pago
com atraso:
Enquanto a lei prevê multa de 2% sobre o valor pago em atraso e juro de 1% ao mês,
as instituições educacionais chegam a cobrar a multa por atraso no percentual de até
5%, com clara ofensa aos artigos:
a) 52, § 1º do Código de Defesa do Consumidor;
b) 1º, § 3º, da Lei de Usura (Decreto 22.626, de 07/04/1933),
c) 4, letra "a", da Lei 1.521, de 26/12/1951;
93
94
GOMES, 1998.
GOMES, 1998.
64
d) 21, item 3 do Decreto 678, de 06/11/1992, que promulga a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de
novembro de 1969; e
e) 194, § 3º, da Constituição Federal."
Todo aumento, conforme prevê a Lei de Mensalidade Escolar, deve estar previsto na
planilha de custo que deverá ser exibida aos interessados, para ver se os aumentos não foram
abusivos. Qualquer aumento de custo só pode ser feito se obedecer, rigorosamente, a lei
regente da matéria e com ampla divulgação aos contratantes.
Desta forma dispõe a lei 9870/99, sobre o tema tratado:
Art. 1º O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino préescolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato
da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai
do aluno ou o responsável.
§ 1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a
última parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior,
multiplicada pelo número de parcelas do período letivo.
§ 2º (VETADO)
§ 3º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes
terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais,
facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não
excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos
anteriores.
§ 4º Será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou
reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo
inferior a um ano a contar da data de sua fixação, salvo quando expressamente
prevista em lei.
Art. 2º O estabelecimento de ensino deverá divulgar, em local de fácil acesso ao
público, o texto da proposta de contrato, o valor apurado na forma do art. 1º e o
número de vagas por sala-classe, no período mínimo de quarenta e cinco dias antes
da data final para matrícula, conforme calendário e cronograma da instituição de
ensino."
Assim, a majoração de serviço sem informar sequer o percentual incidente constitui
grave infração aos princípios da transparência, informação, do equilíbrio, da boa-fé
objetiva e da legalidade.
Com efeito, prevê o CDC95:
"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de
vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
(....);
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
95
BRASIL [ LEIS ].
65
ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
(....).
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(....)
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem.
(....)
Art. 31 - A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas
características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de
validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à
saúde e segurança dos consumidores.
(....)
Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas
abusivas:
(....)
X - elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços.
(....)
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
(....)
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira
unilateral;
(....)
Art. 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito
ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros
requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
O Código de Defesa do Consumidor. estipula como crime qualquer informação
enganosa, mesmo por omissão:
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1º. Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º. Se o crime é culposo:
Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.
A lei que trata das mensalidades escolares não só não permite o referido
comportamento como também o proíbe expressamente, como se vê pelo disposto em seu
artigo 6º, "caput" e § 1º, "in verbis":
Art. 6º São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos
escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de
inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e
administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os
arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais
de noventa dias.
§ 1º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir,
a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos,
independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de
cobranças judiciais."
66
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços,
asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
(....).
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de
seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a
dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
(....).
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
Art. 54. – (....).
À Magistratura incumbe zelar por relações sociais harmônicas, bem assim buscar o
equilíbrio inexistente, expungindo do contrato todas as cláusulas abusivas. Nos termos da lei
protetiva, principalmente no que dispõe seu artigo 51 do CDC96:
Artigo 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que:
(....);
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
eqüidade;
(....);
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;
(....).
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato,
de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso.
§ 2º - A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto
quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo
a qualquer das partes.
Outra ilegalidade é a encontrada na exigência de que o aluno/contratante, para obter a
rescisão contratual, esteja em dia com as obrigações, criando-se, assim, uma espécie de
escravidão contratual. O devedor deve permanecer ligado ao contrato até que consiga pagar
sua conta. Enquanto não paga novas dívidas são geradas, independentemente de o devedor
usar ou não os serviços oferecido por ela, posto que ela deixar bem claro: "Se eu indeferir o
pedido de afastamento (indeferimento este que se dá todas as vezes que existir débitos), o
96
BRASIL [ LEIS ].
67
contrato não se extingue e, mesmo que o acadêmico não mais compareça às aulas, novos
débitos são gerados".
Necessário se faz registrar que a declaração do contrato como título executivo, não
pode permanecer como cláusula imposta ao contratante, posto que, os requisitos para
configuração de título executivo não estão presentes, tornando tal disposição em informação
enganosa.
3.3 DA LEI 9870/99 (que trata das relações nos contratos educacionais)
Como bem descreve o Advogado Luís Cesar Esmanhotto97, da ABMES Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, ao longo dos últimos anos, especialmente
após a publicação da Lei 9870/9998, que disciplina a questão das mensalidades escolares,
observa-se um crescimento muito grande da inadimplência dos encargos educacionais
(mensalidades), em todos os níveis da educação, decorrentes das “garantias” dadas aos alunos,
trazidas pela lei já citada.
De forma explícita a lei em comentário acabou incentivando a inadimplência, tratando
a educação como um serviço essencial, elevando-o, mais recentemente, à condição de
“serviço/bem público”, mesmo quando prestado por empresas particulares. A discriminação
legal e política sofrida pelas escolas particulares não tem paralelo em nossa legislação, que na
ânsia de beneficiar a população, chega a cometer contradições e incoerências.
Ainda que a Constituição Federal prescreva que a Educação é um direito de “todos”, o
mesmo dispositivo (Art. 205) também determina que tal direito é um dever do Estado e da
família.
Portanto, nem a Carta Magna ousou impor às empresas particulares o dever de
prestarem serviços educacionais a todos. Ao contrário, a mesma Constituição, em seu Art.
209, garante à iniciativa privada a atividade educacional, desde que respeitado o cumprimento
das normas gerais da educação e à autorização e avaliação de qualidade.
Ainda sobre a questão que envolve o “direito” à educação, cujo dever é do Estado e da
família, o Art. 208 da CF estabelece que o “dever” do Estado se restringe a garantir o ensino
97 Esmanhotto, Luís Cesar. Encargos educacionais: Lei 9.870/99. Disponível em:
<http://www.abmes.org.br/_download/Associados/Seminarios/2005/11_22_23_QuestoesIES.../esmanhotto_enca
rgos_lei_9870.doc>. Acesso em: 29 mar. 2009.
98
LEI 8790/99: Dispõe sobre o valor total das anuidades escolares. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9870.htm>. Acesso em: 23 fev.2009.
68
fundamental obrigatório e gratuito, em instituições públicas. O mesmo vale para a educação
superior, isto é, é obrigatória a oferta de ensino gratuito em instituições públicas.
Portanto, em nenhum momento a Constituição Federal impõe obrigações às empresas
privadas, diversas das que se aplicam às empresas que atuam noutros ramos.
Porém, apesar da Lei Maior estabelecer que é obrigação do Estado (União, Estados
Membros e Municípios) a oferta de ensino público e gratuito, em todos os níveis, inclusive
médio e superior, a Lei 9.870/99 traz disposições contraditórias a tais princípios
constitucionais, tratando o aluno com excessivas regalias e a escola com excessivo rigor.
É inegável que entre a escola e o aluno há uma relação contratual, de prestação de
serviços, a qual também se enquadra na definição da relação de consumo. Como tal, é
evidente que tal relação é regrada também pelas disposições da Lei 8078/90 – Código de
Defesa do Consumidor, que já visa proteger o consumidor em relação ao fornecedor.
Portanto, já havendo disposições específicas e protetivas aos alunos no CDC, deveria a
Lei 9.870/99 se limitar, se fosse o caso, a disciplinar a questão da fixação das mensalidades
escolares, sem adentrar noutras garantias. Porém, não é isto que impera e esta é a razão da
dificuldade enfrentada pelo setor.
Vale observar que nem mesmo o CDC ousou garantir o fornecimento de serviços aos
consumidores, como o faz a lei em análise. Esta “garantia” é a causa direta da situação hoje
enfrentada pelas escolas, pois ao priorizar suas obrigações, o aluno e/ou seu responsável,
deixam o compromisso com a educação como última prioridade. Porém, lembre-se que a
própria Constituição Federal, em seu Art. 205, é expressa é determinar que a educação é um
dever do Estado e da família.
Apesar da Lei 9.870/99 ser posterior à LDB (Lei 9394/96), de forma incoerente e
equivocada, a norma mais nova, em seu Art. 1o, trata os níveis educacionais da seguinte
forma:
Art. 1º O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar,
fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou
na sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o
responsável.
Como se observa, a Lei 9870/99 ainda se refere aos níveis educacionais como
“ensino” pré-escolar, em vez de educação infantil e trata de “ensino” superior, em vez de
educação superior, como são tratados tais níveis na própria LDB.
Além disto, ao disciplinar a questão dos encargos educacionais, a lei em comentário
inicia falando em que os encargos têm um valor anual ou semestral, dependendo do regime
69
adotado pelas instituições da Educação Superior, ignorando ou não reconhecendo a
possibilidade de que o regime semestral também possa ser adotado noutros níveis
educacionais, afrontando, mais uma vez, as disposições da LDB.
Porém, pior que isto, quando a Lei das mensalidades escolares adota o critério de que
os encargos educacionais são anuais ou semestrais, implicitamente ela está admitindo que tais
valores podem ser cobrados à vista e antecipadamente. Tanto é assim que as escolas estão
enquadradas no Art. 52 do CDC, para o fim de terem a multa pelo atraso no pagamento
limitada a apenas 2% (dois por cento). Afirma-se isto porque o referido dispositivo do CDC
assim prescreve:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou
concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos,
informá-lo prévia e adequadamente sobre:
§1o – As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não
poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação. (...)
Portanto, no particular, considera-se que as escolas concedem “crédito” aos seus
alunos/consumidores, a ponto de limitarem a multa moratória em apenas 2%.
Entretanto, paradoxalmente e de forma contraditória, se a escola se negar a aceitar a
matrícula de aluno inadimplente noutra escola, ou mesmo se o pai (contratante) tiver
problemas cadastrais na praça, decorrente da falta de pagamento de suas obrigações, o
judiciário, os Procons e o Ministério Público têm entendido que a escola não pode exigir
pagamento à vista, pois seu serviço é “continuado” e o pai tem direito a pagar os encargos de
forma parcelada; isto é, para este fim, não se considera que as mensalidades escolares
decorrem da concessão de um crédito.
Esta discriminação não se justifica. Ou se considera que não há concessão de crédito e,
portanto, a multa pode ser superior a 2%, ou se considera que há concessão de crédito e, como
tal, a escola pode negar o crédito às pessoas que não gozam de boas referências cadastrais.
A atividade educacional talvez seja a única que impõe às prestadoras do serviço o dever de
manter suas obrigações contratuais, mesmo diante da inadimplência da outra parte. Nem
mesmo os serviços essenciais de energia, água, saúde e outros, mesmo quando fornecidos
pelo Estado, continuam sendo prestados quando o consumidor está inadimplente. “Entende-se
que a energia elétrica, assim como água tratada, são mais indispensáveis ao cidadão do que a
educação”.
Além disto, lembre-se que a educação é um dever do Estado, que oferece ensino
gratuito à população, em todos os níveis. Se o aluno opta em estudar numa escola particular,
70
deve arcar com sua opção, da mesma forma que é obrigado a arcar com seu plano de saúde,
quando opta em não se utilizar do SUS. Não se pode cogitar que a educação é mais
importante que a saúde.
Porém, pela legislação vigente, o aluno inadimplente tem assegurada sua permanência
na escola, mesmo quando inadimplente. Pior ainda, é imposto às escolas o fornecimento do
serviço e a espera de 90 dias para que possa considerar o aluno inadimplente e aplicar ao
mesmo as sanções legais e administrativas possíveis. Além disto, mesmo que em determinado
momento seja considerado que o aluno recebe um crédito, quando lhe permitirmos pagar os
encargos de forma parcelada, no momento da matrícula é negado o direito da escola recusar o
aluno ou o pai do aluno que está com restrições de crédito na praça.
Em paralelo a isto tudo, especialmente na educação infantil e básica (fundamental e
médio), é importante lembrar que o Estado oferece vagas gratuitas a todos, por imposição da
Constituição Federal e por determinação da própria Lei 9.870/99 (§2o e 3o do Art. 6o), que
garante tais vagas para os alunos que se transfiram de escolas particulares por conta da
inadimplência. Em sendo assim, não se justifica que as escolas desses níveis sejam obrigadas
a manter o aluno por todo o ano letivo, na medida em que a transferência no meio do ano
letivo não causaria qualquer mal ao aluno, que dispõe de uma escola pública para transferir
sua matrícula.
Assim, as partes do lado das instituições educacionais acreditam que é justo com todas
as partes envolvidas que as escolas possam fazer a transferência compulsória dos alunos, no
meio do semestre civil, independentemente do regime acadêmico adotado e do nível
educacional, que tal mudança permitiria que as instituições de educação superior pudessem
retornar ao regime SERIADO ANUAL, que pedagogicamente se mostra mais adequado do
que o regime seriado semestral, a que praticamente todas as instituições se viram obrigadas a
adotar, enquanto que o Estado e consumidores acreditam que justo é o exposto na legislação
atual.
Outra discrepância legal da norma vigente, conforme os mantenedores de escolas, é a
que determina que a inadimplência somente se consuma quando o atraso no pagamento dos
encargos educacionais perdure por mais de 90 dias (parte final do Art. 6º da Lei 9.870/99).
Juridicamente está inadimplente a pessoa que deixa de pagar sua obrigação contratual
no dia do vencimento. Porém, nos contratos educacionais, a lei condiciona a aplicação de
sanções administrativas e legais apenas quando a inadimplência for superior a 90 dias, o que
mais uma vez contribui decisivamente para o atual quadro de inadimplência nas escolas.
71
Sabendo que não poderá sofrer qualquer sanção antes de 90 dias, parte dos
responsáveis e os alunos não se preocupam com o débito escolar, priorizando outras contas e
obrigações. Se a educação é inegavelmente importante, não é razoável tornar seu custeio tão
irrelevante para o aluno ou seu responsável que prefere pagar as contas de cartões de créditos,
cheques especiais e outros, cuja a multa e juros são altos, em virtude da liberdade contratual
dos outros setores.
Esta questão se torna ainda mais importante neste momento, por conta de uma decisão
recente do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu, por uma de suas turmas, que se a
inadimplência for inferior a 90 dias, o estabelecimento educacional sequer pode recusar sua
matrícula para novo período letivo, pois antes dos 90 dias há apenas impontualidade de
pagamento, uma vez que a inadimplência se consuma apenas depois do prazo previsto na lei.
Conforme a ABMES, se tal entendimento passar a ser corrente, a situação das escolas
ficará ainda mais difícil e insustentável. Por se tratar de uma decisão do STJ, há o enorme
risco da mesma formar jurisprudência corrente nas instâncias inferiores, o que precisa ser
atacado com muita rapidez.
Neste sentido, deve-se considerar inadimplente, para todos os fins, o aluno que deixou
de pagar sua mensalidade no dia do vencimento, independentemente do prazo da
inadimplência.
3.4 DAS CLÁSULAS ABUSIVAS IMPOSTAS PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E
SEU COMBATE
O Ministério Público Estadual dos diversos Estados brasileiros têm sido os maiores
combatedores das cláusulas abusivas nos contratos educacionais , quando não combatendo o
caso de forma individual, enquanto direito coletivo, emitindo recomendações e promovendo
termos de ajuste de conduta, considerando reclamações de consumidores-estudantes no
tocante a violação de seus direitos em Contratos de Prestação de Serviços escolares.
Conscientizando as instituições de ensino privado a exemplo, a conscientização dos
estabelecimentos de ensino para:
a) Não estabelecerem multas além de 2% (dois por cento) pelo atraso no pagamento de
mensalidade, respeitando assim o artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor;
b) Não estabelecer juros moratórios pelo atraso no pagamento de mensalidade superiores a
1% ao mês (um por cento) , respeitando assim o artigo 406 do Código Civil c/c Artigo 161, §
72
1º, do Código Tributário Nacional c/c Artigos 1º, § 3º e 5º do Decreto 22.626/33 (Lei da
Usura;
c) Não obrar taxas de pré-matrícula ou quaisquer outras taxas referentes aos serviços
prestados que excedam o valor total anual ou que impliquem no pagamento de mais de doze
mensalidades no ano (ou seis no caso de curso superior dividido em semestres) - Artigo 1º da
Lei 9.870/99 (v. item seguinte);
d) Preverem aumento das parcelas durante o ano, conforme o disposto no artigo 1º da Lei
9870/99: O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar,
fundamental médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou
da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o
responsável.
§ 1º O valor anual ou semestral referido no caput deste artigo deverá ter como base a última
parcela da anuidade ou da semestralidade legalmente fixada no ano anterior, multiplicada pelo
número de parcelas do período letivo.
§ 3º Poderá ser acrescido ao valor total anual de que trata o §1º o montante proporcional à
variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante apresentação de
planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte da introdução de aprimoramentos no
processo didático pedagógico.
§ 4º A planilha de que trata o §3º será editada em ato do Poder Executivo.
§ 5º O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá
vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a
apresentação de planos de pagamentos alternativos, desde que não excedam o valor total
anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores.
§ 6º Será nula, não produzindo qualquer efeito, cláusula contratual de revisão ou
reajustamento do valor das parcelas da anuidade ou semestralidade escolar em prazo inferior a
um ano a contar da data de sua fixação, salvo quando expressamente prevista em lei.
e) Não reterem documentos dos alunos para transferência como forma de coação para forçar o
adimplemento de mensalidades em atraso - Art. 6º da Lei 9.870/99 (v. item seguinte).
f) Não proibirem que o aluno matriculado freqüente as aulas, se vier a tornar-se inadimplente,
consoante o art. 6º da referida lei que estabelece que são proibidas a suspensão de provas
escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades
pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se contratante, no que couber, às
sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com
73
arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de
noventa dias.
§ 1º O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer no final do ano
letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição quando a
instituição adotar o regime didático semestral.
§ 2º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir a qualquer
tempo, os documentos de transferência de seus alunos independentemente de sua adimplência
ou a adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais.
§ 3º São asseguradas em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio as
matrículas dos alunos, cujos contratos, celebrados por seus pais ou responsáveis para a
prestação de serviços educacionais, tenham sido suspensos em virtude de inadimplemento,
nos termos do caput deste artigo.
§ 4º Na hipótese de os alunos que se refere o § 2º, ou seus pais ou responsáveis, não terem
providenciado a sua imediata matrícula em outro estabelecimento de sua livre escolha, as
Secretarias de Educação estaduais e municipais deverão providenciá-la em estabelecimento de
ensino da rede pública, em curso e série correspondentes aos cursados na escola de origem, de
forma a garantir a continuidade de seus estudos no mesmo período letivo e a respeitar o
disposto no inciso V do art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
g) Apresentarem em contrato o desconto para o pagamento antecipado de mensalidade
escolar.
Antes do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas abusivas eram disciplinadas
de maneira esparsa no direito positivo pátrio; o Poder Judiciário recorria às regras gerais
contidas nos arts. 4.º e 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil para suprir essa lacuna:
decidindo de acordo com a analogia, valendo-se do direito comparado e atendendo aos fins
sociais e às exigências do bem comum. O art. 85 do mesmo diploma legal era também
aplicado (Art. 85 - nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido
literal da linguagem). Outros diplomas legislativos também tratavam do assunto, tais como o
Decreto n. 24.038/1934, o Decreto-Lei n. 857/1969, o Decreto n. 59.195/1966 e outros. Há
apenas dois artigos no Código Civil brasileiro que proíbem o uso das cláusulas leoninas (3): o
art. 115 e o art. 1.372.
Não obstante, a clareza da Legislação ainda nos deparou com cláusulas abusivas que
necessitam da intervenção do Ministério Público e dos Tribunais para coibi-las, quando o
correto seria, por parte das instituições educacionais-empresariais trabalharem para mudar os
74
dispositivos legais contrários às mesmas pela única via legal, ou seja, pela via democrática
através de seus representantes no Congresso Nacional
3.5 DA JURISPRUDÊNCIA NOS TRIBUNAIS (CLÁUSULAS EM CONTRATOS
EDUCACIONAIS)
O Direito Educacional tem como fonte várias legislações no sentido amplo: decretos,
portarias, regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos conselhos
de educação, tratados e convenções internacionais, embora tenha na jurisprudência uma das
suas principais fontes, vez que os conflitos vêm marcando as relações entre governo, alunos e
estabelecimento de ensino.
Para João Roberto Moreira Alves, presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em
Educação:
As fontes jurisprudenciais do Direito Educacional estão presentes nas decisões dos
tribunais, ou seja, na esfera jurídica com os acórdãos e as súmulas, também
chamadas de enunciados. Igualmente, nas decisões dos colegiados (Conselho de
Educação), no campo administrativo com os pareceres das entidades educacionais,
que têm força de jurisprudência (jurisprudência administrativa).
Contudo, a fonte primeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na
Constituição federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III, intitulado Da
Educação, da Cultura e do Desporto, com uma soma de dez artigos dedicados à educação (art.
205 a 214), com os princípios do Direito Educacional.
O estudo do Direito Educacional como um ramo novo do direito com carência de
pesquisa, é fundamental para a construção da teoria, sistematização e autonomia do Direito
Educacional. Por tratar-se da possibilidade efetiva de reunir doutrinas, em corpos mais ou
menos homogêneos no contexto da ciência jurídica educacional.
Podem-se destacar três temas que estão sendo construído pela doutrina jurídica:
1º Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos de Ensino;
2º Contratos nas Relações Jurídicas Educacionais e ;
3º Direito à educação como direito personalíssimo.
Pontes de Miranda foi o primeiro jurista a discutir, a defender e a definir o direito à
educação como um direito público subjetivo. A propósito, ele, com sua larga e profunda
cultura filosófica e jurídica, avançou tanto ou mais do que os educadores na defesa dos
direitos educacionais de natureza constitucional.
75
Da mesma forma, o educador Anísio Teixeira99 foi um dos primeiros a defender o
direito à educação como direito de interesse público, promovido pela lei:
O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já não é um
processo de especialização de alguns para certas funções na sociedade, mas a
formação de cada um e de todos para a sua contribuição à sociedade integrada e
nacional, que se está constituindo com a modificação do tipo de trabalho e do tipo de
relações humanas. Dizer-se que a educação é um direito é o reconhecimento formal
e expresso de que a educação é um interesse público a ser promovido pela lei.
O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direito social fundamental
(art. 6º c/c art. 205 CF)100, com três objetivos definidos na Constituição Federal, que estão
diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF):
a) pleno desenvolvimento da pessoa; b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania; c)
qualificação da pessoa para o trabalho. Além disso, por um lado, o acesso ao ensino
fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico
do Estado oferecer o referido ensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua oferta
irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF; art. 5º § 4º
da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA).
Elaborar o contrato de prestação de serviço educacional com clareza, precisão e de
acordo com a lei vigente; disponibilizar aos alunos o regimento interno ou escolar da
instituição de ensino (carta magna do estabelecimento de ensino); divulgar o projeto
pedagógico do curso, o plano de curso e os procedimentos acadêmicos; criar
mecanismos administrativos conciliatórios como, por exemplo, uma ouvidoria, e
aplicar, se necessário, penalidades pedagógicas.
Acrescenta-se, que o Ministério Público, o Conselho Tutelar e os Conselhos
Municipais de Educação atuam, também, preventivamente, buscando o entendimento com a
pessoa ou autoridade, até porque é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou
violação dos direitos da criança e do adolescente (arts. 70 a 73 do Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei 8.069/90). Aliás, nem todos os mecanismos de proteção ao direito à
educação são judiciais, ou seja, acionados junto ao Poder Judiciário.
A Jurisprudência nos Tribunais Estaduais vem se posicionando de forma pacífica, eis
que não existem divergência acentuada nas decisões quanto à cláusulas abusivas, prescrição
ânua do valor devido entre outra abusividades praticadas pelo mercado educacional.
Seja nos tribunais de primeira instância ou tribunais superiores, o consumidor aluno ou
representante do mesmo recorre cada vez mais com maior freqüência ao judiciário para buscar
a anulação de cláusulas ilegais constante nos contratos educacionais. No entanto, por serem
99
TEIXEIRA, Anísio. Educação é um direito. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. p. 60.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
100
76
direitos difusos e coletivos tão propagados e prestigiados na mídia, no judiciário e na
sociedade como um todo, não estamos presenciando decisões destoante em diversos tribunais
regionais.
O que pode ocorrer são decisões de destoam por se tratar de casos específicos que se
aplica apenas à situação do autor.
Senão vejamos algumas das decisões estaduais sobre prescrição ânua em mensalidades
escolares:
TJDF
Classe do Processo : 20020110246503APC DF
Registro do Acórdão Número : 282564
Data de Julgamento : 01/08/2007
Órgão Julgador : 5ª Turma Cível
Relator : JESUÍNO RISSATO
Publicação no DJU: 11/10/2007 Pág. : 178
(até 31/12/1993 na Seção 2, a partir de 01/01/1994 na Seção 3)
Ementa
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. MENSALIDADES ESCOLARES.
COBRANÇA. PRESCRIÇÃO ÂNUA. CÓDIGO CIVIL DE 1916, VIGENTE À ÉPOCA DA
CONTRATAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. A PRETENSÃO DA APELANTE, DE COBRAR MENSALIDADES ESCOLARES EM
ATRASO, PRESCREVEU EM UM ANO, A CONTAR DO VENCIMENTO DE CADA
UMA DELAS, CONFORME DISPOSTO NO ART. 178, § 6º, VII, DO CÓDIGO CIVIL DE
1916, VIGENTE À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. 2. TENDO SIDO A AÇÃO
MONITÓRIA PROPOSTA MAIS DE QUATRO ANOS DEPOIS DE VENCIDA A
ÚLTIMA MENSALIDADE EM ATRASO, CORRETA A DECISÃO QUE RECONHECEU
A PRESCRIÇÃO E JULGOU EXTINTO O PROCESSO. 3. DESCABE QUALQUER
DISCUSSÃO, NO CASO, ACERCA DA INCIDÊNCIA DA LEI 9.870/99, VEZ QUE O
CONTRATO FOI CELEBRADO ANTES DE SUA ENTRADA EM VIGOR.
5. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
Decisão
CONHECER. NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.
Observações
TJDFT APC-20020110740339 TJDFT APC-20060110156313 TJDFT APC-19990110856746
TJDFT APC-49301/98 STJ RESP-647345/MG
.....................................................
TJGO
ORIGEM.....: 4ª CAMARA CIVEL FONTE......: DJ 109 de 13/06/2008 Selecionar
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ACÓRDÃO....: 15/05/2008 LIVRO......: (S/R)
PROCESSO...: 200800916217 COMARCA....: GOIANIA
RELATOR....: DR(A). JAIR XAVIER FERRO
REDATOR....:
RECURSO....: 122640-7/188 - APELACAO CIVEL Inteiro Teor do Acórdão
EMENTA.....: "PROCESSUAL CIVIL. ACAO MONITORIA. ENSINO PARTICULAR.
CONTRATO DE PRESTACAO DE SERVICOS EDUCACIONAIS. MENSALIDADES
ESCOLARES INADIMPLIDAS. PRESCRICAO ANUAL. 1- SEGUNDO O ARTIGO 178, §
6°, VII, DO CODIGO CIVIL DE 1916, APLICAVEL AO CASO, PRESCREVE EM UM
ANO A COBRANCA DE MENSALIDADES ORIUNDAS DE CONTRATO DE
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PRESTACAO DE SERVICOS EDUCACIONAIS. RESTA AFASTADA A APLICACAO
DO ARTIGO 6° DA LEI N. 8.870/99, POIS O PRAZO VINTENARIO NELA PREVISTO
SE REFERE AS SANCOES LEGAIS E ADMINISTRATIVAS ALI DESTACADAS. 2EXAURIDO, POR INTEIRO, O LAPSO PRECRICIONAL PRECEDENTEMENTE A
VIGENCIA DO NOVO CODIGO CIVIL, ININVOCAVEL A REGRA DE TRANSICAO
DE QUE TRATA O ARTIGO 2.028 DO CITADO DIPLOMA LEGAL. APELO
CONHECIDO E IMPROVIDO."
DECISÃO....: "ACORDAM OS INTEGRANTES DA QUINTA TURMA JULGADORA
DA QUARTA CAMARA CIVEL DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO
DE GOIAS, A UNANIMIDADE, EM CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE
PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. CUSTAS DE LEI."
TJSP
Apelação Com Revisão 978815002
Relator(a): Manoel Justino Bezerra Filho
Comarca: São José dos Campos
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 30/03/2009
Data de registro: 05/05/2009
Ementa: ... não pagas - Prescrição anual - Matéria conhecida de ofício - Aplicação do disposto
no art. 178, § 6°, VII do Código Civil de 1916 - Redução da multa para 2% - Cabimento, nos
termos art. 52, § Io, do CDC. - O prazo prescricional é de um ano, a contar do vencimento de
cada mensalidade, em aplicação do ...
Ementa: Prestação de Serviços Escolares - Cobrança de mensalidades não pagas - Prescrição
anual - Matéria conhecida de ofício - Aplicação do disposto no art. 178, § 6°, VII do Código
Civil de 1916 - Redução da multa para 2% - Cabimento, nos termos art. 52, § Io, do CDC. - O
prazo prescricional é de um ano, a contar do vencimento de cada mensalidade, em aplicação
do disposto no art. 178, § 6o, VII do Código Civil de 1916. A Lei 9.870/99 não alterou o
prazo prescricional anuo para que o prestador de serviços educacionais promova a cobrança
das mensalidades pendentes do aluno, conforme entendimento já exarado por esta E. 35a
Câmara de Direito Privado. Na forma da legislação processual atual, aplicável aos feitos em
curso, a prescrição pode ser declarada de ofício. - Reconhecimento da prescrição, de ofício,
em relação às mensalidades de janeiro a março, assim com em relação ao mês abril de 2001,
nos termos do § 5o do art. 219 do CPC. - Mantida a redução da multa moratória para 2%,
relativamente às parcelas não prescritas. - Aplicabilidade do artigo 52, § Io, do CDC. Recurso não provido - v.u.
A exemplos.
3.6 DOS JULGADOS NO STF
O pressuposto para que um processo seja julgado pelo STF é que a matéria envolva o
disposto no art. 102 da Constituição Federal, no entanto, face à existência, colaciona-se
algumas decisões do STF pertinentes ao tema abordado, onde identifica-se a ação da Corte na
busca dos conflitos envolvendo os direitos coletivos e difusos, onde claramente identificamos
cláusulas abusivas levadas ao julgamento na máxima instância, conforme as abaixo elencadas:
RE 395668 / SP - SÃO PAULO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
78
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 14/09/2005
Publicação
DJ 28/09/2005 PP-00069
Partes
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 395.668-0
PROCED.: SÃO PAULO
RELATORA : MIN. ELLEN GRACIE
RECTE.(S): SOCIEDADE INSTRUTIVA JOAQUIM NABUCO LTDA
ADV.(A/S): ADIB SALOMÃO E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Despacho
1. Cuida-se de recurso extraordinário, alínea a, interposto contra aresto do Primeiro Tribunal
de Alçada Civil de São Paulo que julgou procedentes os pedidos formulados na inicial da
presente ação civil pública, conforme se verifica de sua ementa: "AÇÃO CIVIL PÚBLICA Prestação de Serviços Educacionais - Desobediência às normas regulamentadoras da matéria Cláusulas consideradas abusivas - Nulidade declarada - Valores indicados na inicial tidos
como corretos - Necessidade de devolução das diferenças pagas a maior - Ação julgada
procedente - Condenação do estabelecimento de ensino em honorários advocatícios." Sustenta
a recorrente a impossibilidade de aplicação retroativa da MP 932/95 a contratos de prestação
de serviços educacionais firmados anteriormente à sua edição, ante a regra contida no art. 5º,
XXXVI, da Constituição. 2. Ocorre que o Tribunal a quo, a par de determinar a incidência da
referida MP à espécie, considerou abusivo o reajuste das mensalidades escolares com base no
art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, nestes termos: "Ademais, no presente caso, a
inicial trouxe cálculos detalhados demonstrando o aumento abusivo dos preços cobrados pelo
apelado, inclusive especificando os índices e a forma de aplicação, mas não foi rebatida tal
parte da inicial e nem demonstrado que a conta do estabelecimento de ensino estava conforme
a legislação atinente à matéria, principalmente o Código de Defesa do Consumidor, que em
seu artigo 51, considera ineficaz e nula de pleno direito as chamadas 'cláusulas abusivas'. Daí,
razão ao apelante em pretender alterar as cláusulas 7ª, 8ª e 10ª, dos contratos de 1º e 2º graus
da instituição apelada, porque, realmente, ferem o Código de Defesa do Consumidor,
reajustando indevidamente as mensalidades e de forma unilateral. Aliás, essa questão sequer
foi contestada pelo apelado, que apenas alegou a ilegitimidade de parte do Ministério Público
e a impossibilidade de retroação das Medidas Provisórias referidas, se omitindo quanto à
infração contratual aos comandos cogentes do aludido Código de Defesa do Consumidor e
sucessivas Medidas Provisórias a partir da nº 524, de 07/06/94." Trata-se de argumento de
índole infraconstitucional, que se tornou precluso ante o desprovimento, nessa parte, do
recurso especial manejado pela recorrente (autos em apenso, fls. 181-186). Dessa forma,
mesmo que esta Corte viesse a abonar a tese da recorrente, no sentido de que a MP 932/95
não pode ser aplicada a contratos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda assim
persistiria o fundamento de natureza infraconstitucional atinente ao art. 51 do Código de
Defesa do Consumidor, suficiente para a mantença do acórdão recorrido (Súmula STF nº
283). 3. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao
apelo extremo. Publique-se. Brasília, 14 de setembro de 2005. Ministra Ellen Gracie Relatora.
......................................................................................................................................................
ESTATAL, CONTRATO, PRESTAÇÃO, SERVIÇO, EDUCAÇÃO, FINALIDADE,
CONCRETIZAÇÃO, DIREITO FUNDAMENTAL, EDUCAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO,
SUPREMACIA, ORDEM PÚBLICA, LIMITAÇÃO, LIVRE INICIATIVA.
ADI 1266 / BA - BAHIA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 06/04/2005
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 23-09-2005 PP-00006
EMENT VOL-02206-1 PP-00095
LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 27-36
79
Parte(s)
REQTE.
: CONFEDERACAO NACIONAL DOS ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO CONFENEN
REQDO.
: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA
Ementa
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.584/94 DO
ESTADO DA BAHIA. ADOÇÃO DE MATERIAL ESCOLAR E LIVROS DIDÁTICOS
PELOS ESTABELECIMENTOS PARTICULARES DE ENSINO. SERVIÇO PÚBLICO.
VÍCIO FORMAL. INEXISTÊNCIA. 1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo
Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo
ser prestados pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização.
2. Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua
prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo
Estado-membro, no exercício de competência legislativa suplementar (§2º do ar. 24 da
Constituição do Brasil). 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado
improcedente.
Decisão
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, nos termos do voto do relator, vencido o
Senhor Ministro Marco Aurélio, que a julgava
procedente. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, a Senhora
Ministra Ellen Gracie. Plenário,
06.04.2005.
.......................................................................................................................................
ADI-QO 319 / DF - DISTRITO FEDERAL
QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES
Julgamento: 03/03/1993
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 30-04-1993 PP-07563 EMENT VOL-01701-01 PP-00036
Ementa
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 8.039, de 30 de maio de 1990, que
dispõe sobre critérios de reajuste das mensalidades escolares e da outras providencias. - Em
face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da
livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais,
em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular
a política de preços de bens e de serviços, abusivo que e o poder econômico que visa ao
aumento arbitrário dos lucros. - Não e, pois, inconstitucional a Lei 8.039, de 30 de maio de
1990, pelo só fato de ela dispor sobre critérios de reajuste das mensalidades das escolas
particulares. - Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos
da mencionada Lei. Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação a expressão "marco"
contida no parágrafo 5. do artigo 2. da referida Lei. Interpretação conforme a Constituição
aplicada ao "caput" do artigo 2., ao parágrafo 5. desse mesmo artigo e ao artigo 4., todos da
Lei em causa. Ação que se julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da
expressão "marco" contida no parágrafo 5. do artigo 2. da Lei no 8.039/90, e, parcialmente, o
"caput" e o parágrafo 2. do artigo 2., bem como o artigo 4. os três em todos os sentidos que
não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso
concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.::
Decisão
Por unanimidade de votos, o Tribunal, resolvendo questão de ordem proposta pelo Relator,
sobre erro na Ata da 54ª. (qüinquagésima quarta)
Sessão Extraordinária, realizada em 04 de dezembro de 1992, publicada do Diário da Justiça
da União de 10.12.92, relativamente ao julgamento da ADIn n. 319-4, decidiu retificá-la,
nestes termos: "Por maioria de votos, o Tribunal julgou procedente, em parte, a ação, para
declarar a inconstitucionalidade da expressão "março" contida no par. 5º do art. 2º da Lei nº
8039/90, e, parcialmente, o caput e o par. 2º do art. 2º bem como o art. 4º, os três em todos os
sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em
que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Vencido
80
o Ministro Marco Aurélio, que julgava totalmente procedente a ação, para declarar a
inconstitucionalidade total da Lei nº 8039/90; vencido nessa declaração genérica, ficou
vencido, também, ao declarar a inconstitucionalidade do par. 2º do art. 2º, bem como a do art.
4º, ambos da lei impugnada. Vencido ainda, o Ministro Sepúlveda Pertence, que declarava
inconstitucional o par. 2º do art. 2º, da mesma lei. Votou o Presidente. Ausente,
ocasionalmente, o Ministro Sydney Sanches, Presidente. Presidiu o julgamento o Ministro
Octávio Gallotti, Vice-Presidente". Votou o Presidente. Ausente, ocasionalmente, o Ministro
Paulo Brossard. Plenário, 03.03.93.
Como nos julgados nos Tribunais de primeira instância, a jurisprudência se firma no
sentido de garantir o exposto no CDC e demais legislação infraconstitucional, pacificando
cada vez mais a jurisprudência em relação aos conflitos contratuais.
Embora não haja definição na lei, do que são cláusulas abusivas, o Supremo Tribunal
Federal tem confirmado praticamente todas as decisões dos tribunais estaduais, anulando as
cláusulas abusivas e suspendendo os seus efeitos no contrato que possuam cláusulas abusivas.
81
4 CONCLUSÃO
Na evolução dos contratos e seus princípios a humanidade vem avançando desde o
Código de Hamurabi, tendo sua rigidez diferenciada apenas quando tratamos de diferentes
sociedades.
Na evolução dos princípios contratuais o Brasil passa por um excelente momento,
pois, como afirmam alguns juristas, “vivemos a era dos direitos” e, muito da eufórica busca
por direitos sociais e contratuais, devemos ao Código de Defesa do Consumidor e, mais
recentemente, ao Código Civil de 2002, no tocante à consagração do princípio da boa-fé da
função social do contrato.
Neste contexto, podemos afirmar que as relações contratuais entre escolas particulares
e alunos já não apresentam situações que não estejam previstas no CDC ou na Lei 9870/99, o
que existe são empresários da área educacional que, insatisfeito com a interferência do Estado
em seus negócios, continuam praticando abusividades diversas que são imediatamente
combatidas pelo judiciário, quando levadas pelo MP ou contratante lesado.
Em relação às forma de agir das escolas particulares, entende-se que a atividade é
cerceada pela constante edição de leis regulando o setor, mais precisamente quanto ao
disposto na lei 9870/99 que como legislação infraconstitucional termina por ferir Princípios
Fundamentais da Constituição, ( artigo 1º da Constituição de 1988) os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa .
Desta feita, necessário se faz cumprir o disposto na lei que dispõe sobre mensalidades
escolares, aceitando o principio da função social do contrato juntamente com o da boa-fé
para que a sociedade venha a caminhar dentro da trilha da paz social almejada por todos.
O Estado vem se escudando na legislação infraconstitucional (decretos, portarias,
regulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos conselhos de
educação, tratados e convenções internacionais ) para justificar a sua omissão na área
educacional, eis que
nega-se a promover uma revolução educacional no sentido de
oportunizar vagas em escolas públicas e de qualidade para todos os brasileiros que queiram
estudar, independente da idade, o que poderia fazer desta nação um país desenvolvido.
Não deixando de registrar que o Estado, ao editar lei excessivamente protetiva ao consumidor,
mostra a face de quem quer omitir-se do problema social e transferir ao particular a
responsabilidade que seria sua, deixando desta feita o prejuízo na mão da livre iniciativa que,
da mesma forma, teria que ser protegida pelo mesmo Estado Democrático de Direito, visto
82
que, o segmento empresarial educacional não pode ficar à mercê da insanidade de
governantes que admitem o corte de fornecimento de bens essenciais à sobrevivência imediata
da vida, como água, energia elétrica e fornecimento de gás, com apenas 30 dias de
inadimplência, enquanto que, para o corte do fornecimento dos serviços educacionais são
necessários até 12 meses de inadimplência.
Muito ainda falta ser percorrido pelo consumidor contratante, a Justiça ainda é tímida
quando o assunto é indenização por danos morais, pois, se o Judiciário condenasse as
empresas educacionais, além dos bancos, das telefônicas, em quantias intimidadoras, nunca
em valores menores do que R$ 20,000,00 reais por cliente, certamente, não teríamos tanto
desrespeito ao consumidor e, o mesmo Judiciário teria tempo para julgar causas mais
urgentes, eis que diminuiria brutalmente o número de abusividade em todos os contratos
comerciais.
83
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88
ANEXO
MEDIDA PROVISÓRIA No 2.173-24, DE 23 DE AGOSTO DE 2001.
Publicada no DOU de 24/08/2001
Altera dispositivos da Lei no
9.870, de 23 de novembro de
1999, que dispõe sobre o valor
total das anuidades escolares.
MP Originária: 1.930, de 29/11/1999
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o
art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1o O art. 1o da Lei no 9.870, de 23 de novembro de 1999, passa a vigorar acrescido dos
seguintes §§ 3o e 4o, renumerando-se os atuais §§ 3o e 4o para §§ 5o e 6o:
"§ 3o Poderá ser acrescido ao valor total anual de que trata o § 1o montante
proporcional à variação de custos a título de pessoal e de custeio, comprovado mediante
apresentação de planilha de custo, mesmo quando esta variação resulte da introdução de
aprimoramentos no processo didático-pedagógico.
§ 4o A planilha de que trata o § 3o será editada em ato do Poder Executivo." (NR)
o
Art. 2 O art. 6o da Lei no 9.870, de 1999, passa a vigorar acrescido do seguinte § 1o,
renumerando-se os atuais §§ 1o, 2o e 3o para §§ 2o, 3o e 4o:
"§ 1o O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do
ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o
regime didático semestral." (NR)
Art. 3o Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória no 2.173-23, de
26 de julho de 2001.
Art. 4o Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de agosto de 2001; 180o da Independência e 113o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Gregori
Pedro Malan
Paulo Renato Souza
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Antonio Ferreira Cesar - Universidade Católica de Brasília