PESQUISA MEIO AMBIENTE Funerárias Agrotóxicos Pesticidas Omissão e contradições da ANS agência durante muito tempo tolerou a comercialização dos cartões, afirmando que como não estavam sob a égide da legislação, não deveriam mesmo ser registrados na condição de planos de saúde. Por meio de um comunicado no 8, de 12 de dezembro de 2002, a ANS divulgou o entendimento de que esse tipo de atividade deveria estar, sim, submetida à Lei no 9.656/98. Ao mesmo tempo determinou que “as empresas que vêm oferecendo essa modalidade de produtos e serviços regularizem sua atuação junto à ANS”. Em 28 de janeiro de 2003, a ANS divulgou a Resolução Normativa (RN) no 25, que previa o cadastro e demais providências para as empresas que operam com sistemas de descontos e estabeleceu que todas deveriam detalhar os serviços oferecidos e se adequar à legislação do setor de saúde suplementar. O prazo para o cadastramento foi prorrogado, e mais de trezentas empresas compareceram à ANS solicitando registro. No total, declararam existir quase 1 milhão de compradores de cartões de desconto, segundo depoimento feito à CPI dos Planos de Saúde pelo então presidente da ANS, Januário Montone, que na ocasião reconheceu que o fato era “um caso gravíssimo de distorção na área de assistência privada”. SE CONSELHO FOSSE BOM... Contrariando seu entendimento anterior, a agência voltou atrás e passou a apenas desaconselhar esses cartões de desconto, alertando para o fato de que os consumidores teri- CPI identificou prática A prática das funerárias em operar descontos em assistência médica foi um dos assuntos da CPI dos Planos de Saúde na Câmara dos Deputados em 2003. Em seu relatório final consta que a assistência médica oferecida por essas empresas é mais barata do que a praticada no mercado pelos planos de saúde. Os clientes pagam uma taxa de adesão e depois parcelas fixas durante 24 meses, que variam de R$ 35 a R$ 40. Passada essa fase é preciso pagar uma “taxa de manutenção” por tempo indeterminado, “que é uma mensalidade disfarçada. Em troca, o cliente recebe um cartão que dá direito a descontos ou até a consultas médicas gratuitas”. A CPI solicitou ao Poder Executivo que seja encaminhado ao Congresso Nacional Projeto de Lei, de iniciativa do presidente da República, tornando a ANS o órgão fiscalizador desse “mercado paralelo, tendo em vista in- 24 formar o usuário e sanear o mercado de planos de saúde, porquanto as empresas que nele atuam não são tecnicamente operadoras, dado que não se configura nem o reembolso nem o pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor”. Sobre o tema, a CPI também propôs uma mudança na lei dos planos de saúde, por meio do Projeto de Lei no 2.934/2004, em tramitação na Câmara dos Deputados, nos seguintes termos: “Art. 35 – Constitui crime induzir o consumidor ou usuário a adquirir produto que possa ser confundido com plano privado de assistência à saúde (...) ou apresentar-se como operadora deste, por via de indicação ou afirmação falsa, enganosa ou ardilosa sobre a natureza dos produtos oferecidos, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária. Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa”. Revista do Idec | Setembro 2005 am de pagar integralmente pelos serviços que viessem a utilizar. Eximiu-se de sua responsabilidade e apenas passou a orientar o consumidor a se informar junto aos Procons. Em 6 de junho de 2003, a ANS editou a RN no 40 proibindo as operadoras de planos de assistência à saúde e as seguradoras de comercializarem sistemas de descontos ou de garantia de preços diferenciados a serem pagos diretamente pelo consumidor ao prestador de serviços, bem como a oferta de qualquer produto ou serviço de saúde que não apresente as características definidas no inciso I, parágrafo 1o, da lei dos planos. Além de vedar planos de saúde a operarem em sistemas de descontos, fixou multa de R$ 50 mil para os casos de infração. A RN no 40, no entanto, não trata das empresas que operam desconto sem cadastro da ANS. Assim, a agência não tomou nenhuma medida para alcançar as empresas que não são operadoras de planos de saúde e comercializam cartões de desconto ou cartões de saúde, como é o caso de parte das funerárias. Ou seja, a oferta ilegal continuou a existir no mercado diante da omissão do órgão regulador, cuja única providência, ao que parece, foi o comunicado acima mencionado, que não teve qualquer efeito prático. O estudo do Idec destaca ainda que é competência do órgão regulador – ANS – defender o interesse público no mercado de assistência suplementar à saúde, conforme prevê a Lei no 9961/00, que o criou. Cabe também à agência fiscalizar o cumprimento das disposições da lei dos planos e de sua regulamentação e aplicar as penalidades pelo seu descumprimento. ainda mais tóxicos? Não, obrigado A liberalização de agrotóxicos do Mercosul no Brasil é uma velha bandeira de agricultores; ainda bem que eles perderam essa contenda, ao menos por enquanto N ão é de hoje que o setor agrícola, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), busca suavizar o sistema de registro de agrotóxicos no país. Após o “tratoraço”, manifestação realizada em junho por cerca de 20 mil agricultores, o ministro Roberto Rodrigues anunciou um compromisso que incluía, além da concessão de créditos e prorrogação de dívidas, a flexibilização das regras para a importação de agrotóxicos do Mercosul. O objetivo seria reduzir os custos de produção do agricultor brasileiro, já que estes agrotóxicos seriam mais baratos do que os importados atualmente. O Brasil compra de outros países 70% dos agrotóxicos que utiliza. Caso a flexibilização fosse aprovada, seria considerado, para a importação e o uso do produto no Brasil, somente o chamado “princípio de equivalência” das suas substâncias ativas. Ou seja, bastaria avaliar as propriedades de um dos componentes do agrotóxico para que o Brasil aprovasse sua compra dos vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai. Não mais seriam exigidos os estudos de toxicologia ou ecotoxicologia, atualmente realizados para cada registro de pesticida a ser produzido, importado, exportado, comercializado ou, simplesmente, usado no país – determinação estabelecida pela Lei no 7.802/99 (Lei de Agrotóxicos). Felizmente, a proposta foi enterrada. Em meados de agosto, em uma reunião da Casa Civil com os ministérios da Saúde, Meio Ambiente e o MAPA, incluída a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ficou determinado que LÚCIA BRANDÃO A Revista do Idec | Setembro 2005 25 SERVIÇO MEIO AMBIENTE Saúde Agrotóxicos NEGÓCIO DA CHINA? Além disso, grande parte dos pesticidas dos outros países do Mercosul vem da China. Segundo Ventura Barbeiro, engenheiro agrônomo do Greenpeace, o glifosato chinês, por exemplo, possui resíduos de mercúrio e cádmio – metais pesados que se acumulam nos organismos vivos. Nos seres humanos, podem causar disfunções renais e hepáticas. “Haveria um nivelamento por baixo”, diz Gabriel Bianconi Fernandes, assessor técnico da organização não-governamental Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA). “O Brasil é o país que tem a legislação mais criteriosa para o registro dos agrotóxicos [em comparação aos demais do Mercosul]”. Isso é importante, já que somos o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo, e o primeiro na América Latina. Para se implementar o livre comércio de agrotóxicos no Mercosul, é necessária uma compatibilização das legislações nacionais a respeito do tema. A importância de um registro rígido desses produtos é ainda maior se considerado o fato de que a fiscalização dos pesticidas é uma atividade falha no Brasil. A venda sem receita agronômica (prescrição fornecida por um engenheiro), o mau uso, a falsificação e o contrabando de produtos agroquímicos são correntes. Uma outra parte do acordo com os agricultores previa a criação de uma agência única vinculada ao MAPA para avaliar e registrar os agrotóxicos. Para Gabriel Fernandes, a oposição às mudanças foi decisiva para que elas não fossem adiante. Só por intermédio do site do Idec foram enviadas mais de 250 mensagens eletrônicas para o MAPA – o Instituto mantém no ar uma campanha para alertar os consumidores sobre o risco dos agrotóxicos presentes nos alimentos (http://www. idec.org.br/emacao.asp?id=969). Mas é preciso continuar atento para quando decidirem desenterrar a proposta novamente. Mais veneno Desde 2003, a liberação dos transgênicos no Brasil levou a Anvisa a aumentar o nível de resíduos do herbicida glifosato permitido na soja Roundup Ready (RR) da Monsanto, resistente ao produto. Se antes o Limite Máximo de Resíduos (LMR) era de 0,2 mg/kg (miligrama por quilo de glifosato utilizado), a partir daquela data o índice passou a ser de 10 mg/kg, cinqüenta vezes maior. Vale lembrar que a soja RR recebe o herbicida sobre suas próprias folhas, várias vezes em uma mesma safra. Há ainda o fato de o metabolito Ampa (resultante do metabolismo do glifosato realizado pela planta), tão tóxico quanto o glifosato, não ser computado no LMR. Em análises do governo do Paraná na soja colhida este ano no Estado, a substância foi detectada em quantidade igual à de glifosato, em alguns casos até 26 Revista do Idec | Setembro 2005 ultrapassando o já elevado limite. “O consumidor tem de se preocupar com os resíduos que podem estar presentes em [produtos feitos com] derivados de soja, como óleo, bolacha”, afirma o chefe de Fiscalização do Receituário Agrônomo da Secretaria de Agricultura paranaense, Reinaldo Skalisz. A falta de monitoramento adequado não permite uma avaliação precisa dos danos que a grande quantidade de glifosato e seus componentes podem causar. Mas estudos indicam que os impactos podem ser negativos à saúde e ao meio ambiente. Informação dificultada O Idec solicitou, na época em que o LMR foi elevado, que a Anvisa divulgasse os dados técnicos que teriam embasado a medida do órgão, o que foi recusado. O Instituto entrou com uma ação na Justiça e até obteve uma decisão favorável do Tribunal Regional Federal da 1a região, em Brasília (DF). Porém, as restrições determinadas, a pedido da Monsanto, tornaram a liminar inviável. Além de as consultas só poderem ser realizadas nas dependências da Anvisa, qualquer indício de “vazamento” de informações implicaria uma multa diária de R$ 500 mil, a ser arcada pelo Idec. A decisão, assim, não assegura de fato o direito a uma informação que deveria ser pública. De olhos bem abertos Relação comercial entre óticas e oftalmologistas é ilegal, mas muito freqüente “T emos convênio com oftalmologistas”, diz a placa numa ótica de um shopping de São Paulo. A proposta parece conveniente: pague adiantado uma parcela dos óculos, que a consulta com o médico, marcada pela própria loja, é gratuita. Você não precisa se preocupar com mais nada! Essa prática é considerada ilegal segundo o Decreto no 24.492/34, que regula a venda de lentes de grau, e o Decreto no 20.931/32, que aborda aspectos do exercício da medicina. De acordo com a legislação, o oftalmologista não pode ter qualquer relação comercial com óticas, seja como dono ou sócio, nem indicar estabelecimentos ao consumidor. E as óticas são proibidas de fazer propaganda de médicos ou de manter consultórios, mesmo fora de suas dependências. O pressuposto básico é “quem prescreve não vende, quem vende não prescreve”. No centro da cidade de São Paulo, precisamente na Rua São Bento, a prática é ainda mais ostensiva e escancarada. É feita aos berros. A abordagem é feita na rua por um “divulgador”, que leva o possível cliente até a loja. No caminho até o local, o consumidor é informado de todas as “vantagens” que terá se adquirir seus óculos naquele estabelecimento. Em alguns casos, não paga a consulta, em outros, o preço da visita ao médico, na média R$ 20, é descontado do valor da armação. Na saída do prédio, um vendedor de outra ótica já corre ao seu encontro com mais uma “proposta interessante”. FÁCIL E RÁPIDO A facilidade é sempre muito grande, em geral, é só aparecer no consultório que “é aqui perto, a consulta é rápida”. Fica a pergunta: “mas e se eu pagar pelo produto e não tiver nenhum problema de visão?”. O vendedor tem a resposta na ponta da língua: “se você procura um médico, com certeza deve precisar de óculos. Se deixar para usar depois, o problema pode piorar”, diagnostica com autoridade. O Decreto no 24.492/34 ainda diz que “é expressamente proibido ao proprietário, sócio, gerente, ótico prático e demais empregados do estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de lentes de grau, sob pena de processo por exerRevista do Idec | Setembro 2005 27 PHOTOS.COM a livre comercialização seria “mais estudada” antes de qualquer decisão. Já no início de julho a Anvisa publicara uma nota técnica avaliando os riscos resultantes da liberação da importação. “Na lista de produtos citados nas resoluções do Mercosul, a grande maioria possui impurezas toxicologicamente significativas”, diz o documento. Entre eles estão agrotóxicos que já foram proibidos ou já sofrem muitas restrições no Brasil.