INTERVENÇÃO BRASILEIRA PARA PREVENÇÃO DE TRANSMISSÃO DO HIV
EM PACIENTES COM TRANSTORNO MENTAL GRAVE: A Fase Formativa
Wainberg, M ; Mattos, P ; Terto, V; Pinto, D; Feijó, D; Furniel, T; Veloso, C; Oliveira, S; Mann, C; Passarelli, C;
Cournos, F; Remien, R; McKinnon, K; Collins, P; Susser, E.; Parker, R; Otto-Salaj, L; Gonzalez, A.
Columbia
University
INTRODUÇÃO
Associação
Brasileira
Interdisciplinar
de AIDS
3. Representação da sexualidade dos pacientes dos gêneros masculino e feminino:
O objetivo deste estudo multidisciplinar e colaborativo (Instituto de Psiquiatria da
UFRJ-IPUB, Universidade de Columbia e Associação Brasileira Interdisciplinar de
AIDS), com duração de quatro anos, é desenvolver e posteriormente avaliar uma
intervenção brasileira para prevenção da infecção pelo HIV em homens e mulheres
com transtorno mental grave usuários de serviços de saúde mental, a ser pilotada
no IPUB.
No primeiro ano da pesquisa, foi realizada a fase formativa a fim de garantir a
adequação da futura intervenção à cultura local. Esta fase foi constituída de
observações etnográficas (OE) dos diferentes contextos institucionais no IPUB e de
grupos focais (GF) com diferentes profissionais de saúde mental do IPUB e
pacientes ambulatoriais e de hospital-dia do Instituto Philippe Pinel (IPP).
METODOLOGIA
A metodologia utilizada nas OE foi a observação participante e sistemática de
locais, agentes e atores com o objetivo de documentar a dinâmica da interação
social, cultura institucional e ambiente sexual do IPUB.
Realizamos três GF interdisciplinares e mistos com profissionais de saúde mental
(PSM) do IPUB e seis grupos com pacientes do IPP, sendo dois só com pacientes do
sexo masculino, dois só com o sexo feminino e dois mistos. O número médio de
participantes por grupo foi de sete pessoas. Para os GF foi elaborado um roteiro de
perguntas abertas visando a identificação de comportamentos, experiências,
crenças, valores, atitudes e normas relacionadas aos comportamentos de risco
para a transmissão do HIV que a nossa intervenção abordará. Os grupos foram
gravados em áudio.
As notas de campo e a transcrição das fitas dos grupo foram inseridas no software
ATLAS para facilitar a análise dos dados.
a) Os pacientes do gênero masculino relatam que as pacientes tomam a iniciativa
do contato sexual
“...de fato as mulheres, de maneira geral costumavam tomar a iniciativa das cantadas. (O
pesquisador perguntou), então, como funcionava este esquema, e o paciente respondeu que
a moça chegava perto dele, levantava a roupa e dizia "Toma, isso aqui é tudo pra você",
"Pode levar, que é tudo seu".
“As mulheres são muito assanhadas e não deixam os homens em paz.”
"As mulheres chegam na gente, vem pedindo, se esfregando..”.
b) As observações constataram uma grande freqüência do assédio masculino
“...e contou (ao pesquisador) que um determinado paciente era muito abusado, estava
atacado e que na noite anterior teria assediado uma moça chamada Janete. Ela disse que
acordou no meio da noite e viu que ele tinha subido na cama da moça e estava em cima
dela.”.
RESULTADOS PARCIAIS DOS GRUPOS FOCAIS
1. Representação da sexualidade dos gêneros feminino e masculino:
a) Para as pacientes do sexo feminino
“O homem é muito mais é, materialista ele quer pegar. Ele quer sentir o prazer, a mulher não ela
é muito mais coração, mais apaixonada, mais emotiva.”
“Se o homem, ele tem essa coisa bruta com ele, essa coisa de não tratar a mulher bem, né? Essa
coisa de só querer o sexo cavalar, pá, pá, pá, pá. É mulher pra parir e acabou,entendeu?”
“a mulher não, a maioria das mulheres por sermos ainda, ainda do, (meio) arcaicos, ou sei lá
como chamar, as mulheres não. Os homens é que têm que cantá-las. Sempre é assim, mesmo
que elas olhem, mesmo que elas se insinuem, o interessante é a cantada.”
b) Para os pacientes do sexo masculino
“o homem, assim, é mais atirado, né? o homem já quer qualquer, qualquer uma, toda hora, e a
mulher não, só se ela for de programa. A mulher já é mais reservada, a não ser que ela tá afim do
cara, né?”
IPUB – LOCAL DA OBSERVAÇÃO ETNOGRÁFICA
2. Ambigüidade dos PSM relativa ao trato da sexualidade no âmbito institucional,
sugerindo a demanda por uma normatização institucional
Será (se) antes desses profissionais serem encaminhados pra cá, será se partiu de uma chefia
olha: " a posição aqui é essa, essa é a do paciente sem roupa, paciente fazendo isso e aquilo,
vocês teriam que tomar essas posições" será se foram passados pra eles? (...) Tinha que pôr
umas regras, dentro de uns limites, mas eu acho que não é o que acontece entendeu? Como o
Moisés ficava pelado aí o dia inteiro às dez horas da manhã, dez horas da manhã na cantina e
ninguém tomava uma providência em relação a isso.
Figura 1: Pátio externo do
IPUB
Figura 2: Hospital-Dia do
IPUB
Figura 3: Pátio interno da
enfermaria feminina do
IPUB
RESULTADOS PARCIAIS DAS OBSERVAÇÕES ETNOGRÁFICAS
1. Há práticas sexuais desprotegidas freqüentes nas enfermarias do IPUB, e apesar
de informados acerca dos riscos envolvidos no sexo desprotegido e das formas de
transmissão da doença, os relatos corroboram atividades sexuais sem uso do
preservativo na instituição e fora dela.
“Ao dar seu depoimento sobre sexo nas enfermarias, (o paciente) Pablo disse que isso rolava
solto, que era um sexo absolutamente desprotegido, mas na maioria das vezes, consentido...”
“(O paciente) Otávio contou também que as pessoas não costumam se proteger quando transam
nas enfermarias”
“(...) pô, você viu, transou comigo sem camisinha..." Eu perguntei se ele tinha chegado a
comentar com ela a situação e ele: "cara, ela sabia há anos que eu era soro-positivo, eu cheguei
a pegar a camisinha, eu tenho camisinha” (...) Disse que todos ali sabem que ele é soropositivo,
mas mesmo assim querem ter sexo com ele (...).”
2. Ambigüidade dos PSM relativa ao trato da sexualidade no âmbito institucional;
alternam atitudes de repressão, indiferença e omissão.
“Perguntei então como era quando os enfermeiros davam uma dura, e ele (paciente) disse que
dependia muito, se era um enfermeiro tranqüilo, só conversava, se fosse uma pessoa mais linha
dura, chamava a atenção”.
“O dado curioso do relato seria o fato do enfermeiro ter retirado o rapaz (paciente) do quarto e
ter se dirigido de forma coercitiva à moça (paciente), colocando as coisas nos seguintes termos:
"É melhor você segurar a sua onda...”
“(O paciente) disse que havia levado uma (paciente) para o seu quarto e que estavam transando
debaixo dos lençóis quando um enfermeiro passou e olhou dentro do quarto e percebeu um
volume suspeito em um dos leitos, se aproximou e levantou o lençol e flagrou o casal encaixado,
com cara de quem foi pego com a mão na massa. O enfermeiro olhou com indiferença, abaixou o
lençol e se afastou”.
“E muitas vezes eu escutei, várias vezes de um enfermeiro, de auxiliares de enfermagem, de
técnicos, vindo conversar comigo ou mesmo com, com o Tancredo, né? Dizendo da dificuldade
que era pra eles. Que que a gente faz, se pega? Separa? né?...eles só falavam isso, pra eles era
difícil saber como lidar, quer dizer, sabiam, da proibição, é claro, mas que, na hora H quando a
coisa se dava, eles não sabiam muito o que fazer, né?. Ao que me consta eu acho que a gente
nunca teve uma preparação específica, era sempre essas conversas que eram tratadas a partir
dos fatos que aconteciam geralmente.”
“Aí, do outro lado, você tem um técnico, um médico, um enfermeiro, o terapeuta ocupacional,
que têm que lidar com essa sexualidade que faz parte do tratamento muitas vezes dessas
pessoa. E aí, o que fazer com isso? Assim, como é que você trabalha com isso sem ao mesmo
tempo, passar a mão no chicote, e falar assim: "Aqui, não se faz nada, aqui..." como se fosse uma
coisa é..."strictus sensus" é extremamente uma constituição de um quartel, da pessoa não ter o
direito a se expressar, entende? Acho que é complicado, é bastante complicado.”
3. Representação do preservativo: a camisinha é vista como algo que incomoda e tira
o prazer
“Vai ter que viver sempre com aquela, diabo daquela camisinha incômoda, aquela coisa que não,
sabe? não, não tem nada a ver, é um corpo estranho. Tira a metade do prazer.”
“Incomoda, aperta, prende nos cabelos (...)”
“Eu não sinto nada quando eu faço (com camisinha), eu gozo, nem sei se eu gozei, a mulher não
consegue ficar satisfeita... (muito ruim ...prefiro passar risco...)”
4. Apesar de informados acerca dos riscos envolvidos no sexo desprotegido e das
formas de transmissão do vírus do HIV, os relatos dos pacientes ambulatoriais
corroboram atividades sexuais sem uso do preservativo
“Eu tô até inclusive fazendo uma coisa que eu não devia fazer, porque eu tô, é, fazendo sexo com
uma garota, e eu não tô usando a camisinha, acho uma coisa desconfortável.”
5. Há práticas sexuais dentro da instituição
“Eu fiz sexo com a menina aqui dentro (...) na primeira noite correu tudo bem, na segunda noite
a gente (tá no quartinho), no banheiro (...) ficou tudo isso aqui, bateram lá, viram, o pessoal da
limpeza, (...)”
“Muitas coisas (que) eu já escutei aqui, sabe? (...) aqui embaixo (instituição) tem um banheiro,
que eu não passo, aqui embaixo (no) hospital, aquele banheiro (é como um) motel, sabe? Pois é,
o pessoal, as pessoas, (... no banheiro/com seu companheiro, fazer/fazem) lá, o que elas
querem, lá é um lugar isolado, sabe? e tem outros lugares aqui, todo mundo faz suas coisas sem
ligar pra médico ou pra guarda, pra coisa assim....”
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