O PROJETO ESCOLA + A REFORMA DO SISTEMA DE ENSINO SECUNDÁRIO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Mesa Redonda Experiências de Apoio aos Sistemas Educativos com representantes de ONGD Paulo Telles de Freitas :: Instituto Marquês de Valle Flôr 30 de Outubro de 2013 O PROJETO ESCOLA + A REFORMA DO SISTEMA DE ENSINO SECUNDÁRIO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Paulo Telles de Freitas1 RESUMO: O projeto Escola + como experiência de apoio a um sistema educativo nacional, neste caso, o de São Tomé e Príncipe. Conduzido pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (ONGD) em estreita parceria com o Ministério da Educação, Cultura e Formação de São Tomé e Príncipe, com o financiamento da Cooperação Portuguesa. Principais linhas de intervenção e resultados alcançados entre 2009 e 2013. Palavras-chave: Reforma do Ensino Secundário; São Tomé e Príncipe; ONGD ABSTRACT: Project Escola + as a working experience on the support of an education system, in this case, the one of São Tomé & Príncipe. Carried out by Instituto Marquês de Valle Flôr (NGO) in close partnership with the Ministry of Education of São Tomé & Príncipe and funded by the Portuguese Cooperation. Main intervention strategies and main results achieved between 2009 and 2013. Key words: Reform of a Secondary Education system; São Tomé & Príncipe; NGO Quero em primeiro lugar agradecer à organização o amável convite e cumprimentar os membros da mesa. Venho partilhar um dos projetos do Instituto Marquês de Valle Flor (IMVF)2 em São Tomé e Príncipe, implementado com o apoio do Instituto Camões em parceria com o Ministério da Educação, Cultura e Formação de São Tomé e Príncipe. Antes de mais, umas breves palavras para apresentar a instituição. É uma Fundação, fundada em 1951 que tem, hoje, 25 projetos em 6 áreas de intervenção tão diversas como a Cooperação para o Desenvolvimento, a Educação para o Desenvolvimento, a Cooperação Descentralizada e a Ajuda Humanitária e de Emergência. Integra ainda uma área de estudos Estratégicos Internacionais e desenvolve vários projetos de Assistência Técnica. Em São Tomé e Príncipe, trabalhamos em 4 grandes linhas de intervenção: a Saúde, o Ensino a Segurança Alimentar e a Capacitação Institucional, mas hoje, venho falar-vos sobretudo do Projeto Escola +. 1 2 Presidente do Conselho de Administração, Instituto Marquês de Valle Flôr www.imvf.org Desde 1978 que foi estabelecido um Acordo Geral de Cooperação e Amizade entre Portugal e São Tomé e Príncipe e, apesar de antigo, os seus objetivos mantém-se atuais. Efetivamente, 30 anos depois, a avaliação de meio percurso (ver RIBEIRO et alli, 2007:24), realizada em Setembro de 2007, pelo então IPAD agora Instituto Camões, ao Programa Indicativo de Cooperação Portugal - São Tomé e Príncipe 2005-20073, identificou lacunas persistentes no sistema de educação nacional, nomeadamente, a escassez de oferta educativa a todos os níveis; a existência de uma maioria de professores sem formação específica; a carência de manuais atualizados e a existência de programas considerados obsoletos; a ausência de apoio pedagógico e de supervisão administrativa das escolas e a sobrelotação das turmas. Verificou-se que o envio de professores resolveria os problemas de forma apenas pontual e não conseguiria contribuir, de forma decisiva, para a resolução dos problemas estruturais do sistema de ensino. Assim, a resposta institucional às fragilidades identificadas surgiu através da criação do Fundo da Língua Portuguesa, desenhado em 2008, que tinha como missão “(…) promover a língua portuguesa como fator de desenvolvimento e combate à pobreza através da educação, em especial nos países de língua portuguesa.”4 e neste âmbito foi desenhado o projeto Escola +. O que é o projeto Escola +? É um projeto implementado pelo IMVF com o financiamento da Cooperação Portuguesa em parceria com o Ministério da Educação, Cultura e Formação de São Tomé e Príncipe que tem como ponto de partida, um ensino secundário com grandes fragilidades estruturais: infraestruturas (edifícios e equipamentos) bastante degradadas; cobertura nacional deficiente face às necessidades; total desajustamento do currículo em relação à realidade; elevada necessidade de formação e falta de motivação do corpo docente; falta de formação em gestão escolar e supervisão do sistema e a total ausência de um sistema de inspeção escolar, neste nível de ensino. Na prática, tínhamos um sistema de ensino secundário incapaz de responder às necessidades socioeconómicas do país. Foi por isso considerado necessário garantir uma intervenção abrangente, que atuasse nos diversos eixos e determinantes que influenciam e condicionam o processo educativo, em oposição ao envio isolado de professores 3 http://d3f5055r2rwsy1.cloudfront.net/images/cooperacao/pic_stp_05_07_pt.pdf http://www.gmcs.pt/pt/decreto-lei-n-2482008-de-31-de-dezembro-criacao-do-fundo-da-linguaportuguesa 4 cooperantes. Nesse sentido, o projeto foi desenhado para intervir essencialmente em 4 grandes eixos: 1) reforço e melhoria do Parque Escolar, 2) reforço de competências técnicas dos professores são-tomenses; 3) reforço da capacidade de gestão e de acompanhamento do sistema de ensino e 4) adaptação do sistema de ensino às necessidades e à realidade socioeconómica do país. A metodologia do IMVF em todos os seus projetos é a de envolver e responsabilizar os beneficiários o que implica, portanto, capacitar recursos locais e, neste caso, apostar numa estratégia de descentralização do ensino que estava, essencialmente, concentrado no Liceu Nacional - que fica na capital - e estabelecer uma coordenação entre os diferentes atores do projeto e do setor. Nesse sentido, a mudança teria que nascer de dentro do sistema de ensino são-tomense e teria que se estender à totalidade do território nacional. Em relação ao seu primeiro eixo foi reabilitado o Liceu Nacional, tendo sido intervencionadas 43 salas, construídas casas de banho, um pavilhão cultural e uma nova biblioteca, com vários recursos. Foram também criados, de raiz, espaços desportivos e oficinas de Educação Visual e Oficinal em 10 escolas e requalificadas e equipadas 3 secretarias, a nível nacional. Foram adquiridos vários equipamentos para a prática do ensino e funcionamento escolar, foi criado um centro de recursos educativos e de formação - o Ke Messe - e construídos balneários na escola de Santo António, na Região Autónoma do Príncipe. No domínio do reforço de competências técnicas dos professores são-tomenses, o projeto incluiu uma intervenção concertada de valorização dos quadros nacionais. Foi assegurada a formação em gestão curricular e supervisão pedagógica de 47 delegados, de todas as escolas secundárias do país. Paralelamente foi definido um Programa de Acompanhamento de professores do Ensino Secundário orientado para a implementação da revisão curricular. No início do projeto, este apoio traduzia-se em reuniões quinzenais com o coletivo dos professores que foram depois complementadas com um acompanhamento mais abrangente, que - como elemento transversal a todo o projeto garantiu o acompanhamento (pelos professores cooperantes, portugueses) de 343 professores no ano letivo de 2010/2011; 547 professores no ano letivo de 2011/2012 e, no ano seguinte, (2012/2013) 672 professores, todos eles a lecionar entre a 7ª e a 10º classes. Por último, destaco ainda o reforço da capacidade dos professores, através dos complementos de licenciatura - com a colaboração do Instituto Politécnico de Leiria que possibilitou a conclusão da licenciatura em matemática a 14 professores, em física e química a 10 e a ciência naturais/ biologia a 18. A par de todas estas medidas de reforço e valorização dos quadros nacionais, a motivação dos quadros técnicos foi impulsionada pela aprovação do estatuto da carreia docente e, naturalmente, pela melhoria das condições de trabalho, tanto para os professores como para os alunos. Quanto ao eixo de reforço da capacidade de gestão e de acompanhamento, foi definido um Plano Global de Intervenção que garantiu a criação de um regime de organização e gestão pedagógica e administrativa dos estabelecimentos públicos de ensino, tendo o projeto assegurado, neste domínio, uma assistência técnica contínua e permanente aos órgãos de gestão das escolas. Foram ainda formados em ‘Gestão e Administração Escolar’ 24 administradores escolares e foi criado um mecanismo de supervisão e de acompanhamento do ensino tendo, para tal, sido formados 13 professores em inspeção escolar, com o apoio do Instituto Politécnico de Leiria. Por último, para uma melhor adaptação do sistema de ensino às reais necessidades do país, procedeu-se à revisão curricular que, para além da atualização de currículos de todos os níveis do ensino secundário, integrou ainda a conceção de programas para todas as disciplinas. Medida que foi complementada com a elaboração e produção de textos de apoio que, desempenhando a mesma função que os manuais escolares, são produzidos a preços que tornam possível a sua aquisição por parte de famílias mais carenciadas. Introduziu-se ainda o 12º ano, de forma a facilitar a saída para o ensino superior, que era uma grande lacuna no país. Também a pensar no futuro profissional dos alunos, foi assegurado o apoio à dinamização do ensino profissionalizante tendo sido introduzidos cursos profissionalizantes ao nível do 1º ciclo nas áreas de carpintaria/marcenaria, costura e informática, em quatro escolas. Apostou-se igualmente no lançamento de novos cursos secundários profissionalmente qualificantes, ao nível do 2º ciclo do ensino secundário, e foi assegurada a manutenção dos cursos existentes antes do projeto. Para além do já referido, como resultados finais, destaco o aumento do número de alunos inscritos no sistema de ensino secundário, evidenciando-se uma maior capacidade de atração e de fixação, como podemos verificar nos seguintes gráficos: 1. Número de alunos matriculados no 1º Ciclo, por ano lectivo 2. Número de aluno matriculados no 2133 2º Ciclo, por ano lectivo 13.348 1690 12.236 1378 9944 2010/2011 2011/2012 2012/2013 2010/2011 2011/2012 2012/2013 Extraído de: IMVF, Relatório Final de atividades do projeto Escola +, Agosto de 2013 De realçar, igualmente, a melhoria do aproveitamento escolar. Apesar da mudança do currículo escolar e do aumento do nível de exigência, esta melhoria é visível tanto no 1º como no 2º ciclos. Antes da revisão curricular havia o receio de que o aumento do nível de exigência se repercutisse na redução do aproveitamento dos alunos mas aconteceu exatamente o contrário, como comprovam os gráficos que se seguem: 3. Nível de aproveitamento dos alunos da 10ª classe no ano lectivo de 2009/2010 Transitaram Não Transitaram 4. Nível de aproveitamento dos alunos da 10ª classe no ano lectivo de 2010/2011 Transitaram Não transitaram 2% 22% 78% 98% Extraído de: IMVF, Relatório Final de atividades do projeto Escola +, Agosto de 2013 Recentemente, em Julho de 2013, o Escola + foi alvo de uma avaliação externa que destacou como principais resultados e conquistas do projeto: i) a valorização dos recursos locais; ii) a implementação de um sistema de gestão e administração nas escolas e iii) a criação de um modelo de ensino mais adaptado às necessidades e à realidade do país. Destacou ainda como pontos positivos a coordenação do projeto ser da responsabilidade de quadros técnicos são-tomenses assessorados por técnicos portugueses e a relação de parceria estabelecida entre o Instituto Politécnico de Leiria e o Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe. Vamos agora para uma segunda fase de intervenção. Para esta segunda etapa o IMVF, em parceria com o Ministério da Educação, Cultura e Formação de São Tomé e Príncipe identificou 5 áreas de intervenção prioritárias: i) manter o apoio à requalificação do Parque Escolar; ii) dar continuidade à capacitação de professores; iii) reforçar o apoio ao ensino técnico-profissional; iv) intervir ao nível do ensino recorrente e v) reforçar a capacidade de gestão e acompanhamento dos serviços centrais do Ministério da Educação são-tomense. Contudo, face à necessidade de adaptação ao financiamento disponível, vamos essencialmente atuar em duas linhas: a capacitação de professores - incluindo a conceção e implementação de um programa de formação contínua e profissionalização em serviço - e o reforço da capacidade de gestão e o acompanhamento dos serviços centrais do Ministério. O desafio será agora procurar, juntamente com o Estado são-tomense, novos apoios para a consolidação da reforma do ensino secundário iniciada em 2009, sendo que é essencial entender estes programas - que intervêm em áreas chave da sociedade - como programas de longo prazo, independentes dos círculos políticos, tanto dos países que promovem a cooperação, como dos recetores. Por último, não queria deixar de agradecer ao Ministro da Educação, Cultura e Formação de São Tomé e Príncipe, à equipa do Escola +, aos nossos professores cooperantes e finalmente, a todas as pessoas que participam neste projeto. Esta é a prova de como podemos interferir positivamente no destino do ensino secundário de um país, com os seus quadros, mudando um paradigma que, há menos de 10 anos, era francamente débil e ineficaz. Muito obrigada a todos. Bibliografia citada: RIBEIRO, et alli,Avaliação PROGRAMA INDICATIVO DE COOPERAÇÃO PORTUGAL – S. TOMÉ E PRÍNCIPE (2005-2007), AVALIAÇÃO A MEIO PERCURSO (Relatório Final), IPAD, Setembro 2007 IMVF, RELATÓRIO FINAL DE ATIVIDADES DO PROJETO ESCOLA +, IMVF, Agosto de 2013