Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 “O CAMINHO DA DIGESTÃO”: CONSTRUÇÃO DE JOGO DE TABULEIRO SOBRE SISTEMA DIGESTÓRIO Grégory Alves Dionor (UNEB-Campus X) Édila Dalmaso Coswosk (UNEB-Campus X) Ivo Fernandes Gomes (UNEB-Campus X) RESUMO: A Anatomia e Fisiologia estão entre os conteúdos que mais despertam interesse nas aulas de biologia, mas a quantidade de termos científicos é imensa. Assim, é necessário que o professor use outros materiais como jogos didáticos, pois eles despertam o interesse pelo aprendizado e facilitam a compreensão e a apropriação de nomes e funções de estruturas anatômicas. Propõe-se então um jogo didático de tabuleiro para que o professor inicie o conteúdo referente ao Sistema Digestório. O jogo servirá para que o aluno seja apresentado à temática e, com base no que for mostrado no jogo, o professor fará a explicação do conteúdo. Do ponto de vista fisiológico, ele pode simular o processo de digestão em suas diversas etapas, facilitando a compreensão de processo como algo dinâmico e contínuo. Palavras-chave: Ensino de Biologia; Material Didático; Anatomia e Fisiologia. CONTEXTUALIZAÇÃO Ensinar tem se tornado um desafio para os educadores diante de estudantes que tem acesso a tecnologias e inovações, que não chegaram à maioria das escolas no Brasil, e despertar o interesse pelas aulas tem sido um dilema constante para os professores. Segundo Black (1994) o ensino dá-se a partir de três componentes principais: professores, alunos e materiais instrucionais. Uma das principais ferramentas do professor durante sua aula é o material didático, destes, com certeza, no Brasil o livro didático, é o material mais utilizado pelos professores. Para Núnez et al. (s/d), o livro didático tem que ser capaz de guiar os processos de construção da personalidade do educando e não apenas ser uma fonte de conhecimento. Porém não há materiais didáticos que sejam infalíveis ou não possuam erros, mesmo se forem feitos especificamente para atender uma demanda bem delimitada (VILAÇA, 2010). A partir disso vê-se a necessidade de que o professor faça uso de outros materiais e metodologias que venham auxiliar os processos de ensino e aprendizagem de determinados conteúdos. Uma sugestão é a utilização de jogos didáticos como forma de despertar o interesse pelo aprendizado e assim, facilitar a compreensão de conteúdo e um aprendizado lúdico (LONGO, 2012). Utilizando o jogo, o professor estará estimulando o discente a integrar um 2809 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 novo conhecimento aos seus próprios e com as perguntas posteriores o docente terá conhecimento de qual é o nível de conhecimentos prévios que aqueles alunos já possuem. Isso é importante, pois temos de considerar que o aprendizado não é um processo que começa do zero e que os conhecimentos serão (re)construídos a partir do que o aluno já sabe (MIRAS, 2006; VITORASSO, 2010). A ideia de construção deste jogo originou-se a partir de uma proposta avaliativa da disciplina Laboratório de Leitura e Produção de Imagens (LLPI) do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia – Campus X. Esta disciplina procura trabalhar, por meio de projetos e construção de materiais, a interlocução entre as mídias digitais e imagéticas com o Ensino de Ciências Naturais e Biologia. Visto que as novas gerações apresentam várias formas de mixagem de informações (GONÇALVES, 2012) e que, a cada dia, os professores se veem numa posição em que precisam lidar com a falta de interesse de muitos estudantes (VIEIRA et al., 2010), os cursos de licenciatura, enquanto formadores de novos professores, devem preparar seus alunos para lidarem com isso quando adentrarem a sala de aula na condição de docentes. É o que afirma Lima e Steinke: Esse universo heterogêneo que oferece tantas possibilidades de linguagem audiovisual está cada vez mais acessível à sociedade em geral, mas ainda distante do domínio de uso pela maioria dos professores, ainda é comum que o cotidiano de ensino no espaço escolar tenha seu tempo preenchido somente com aulas expositivas, distantes e até mesmo alheias ao mundo exterior à escola. (LIMA; STEINKE, 2011, p. 6-7) Dentro dessa linha de pensamento, os professores da disciplina, por dominarem as áreas envolvidas – Ciências Biológicas, Meios midiáticos e a Formação de Professores – podem atuar na preparação de seus graduandos para que possam lidar com esse novo cenário presente nos contextos escolares atuais. Ademais, pela disciplina se tratar de um laboratório, preza-se justamente pela experimentação, pela possibilidade de testar, ousar e criar, saindo muitas vezes de nossa zona de conforto e estabilidade enquanto alunos e assumindo o papel de participantes ativos no nosso próprio processo de construção profissional. Frente a esse cenário, propôs-se a construção de um jogo didático de tabuleiro para que o professor inicie o conteúdo referente ao Sistema Digestório. O jogo servirá para que o aluno seja apresentado à temática e, com base no que for mostrado no jogo, o professor fará a explicação do conteúdo. No caso específico da anatomia, pode facilitar a apropriação de 2810 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 nomes de estruturas anatômicas e revisá-la de uma forma mais agradável. Do ponto de vista fisiológico, ele pode simular o processo de digestão em suas diversas etapas, facilitando a compreensão de processo como algo dinâmico e contínuo. PERCURSO METODOLÓGICO DE CRIAÇÃO No presente trabalho relatamos e refletimos sobre a produção deste jogo didático para o ensino de sistema digestório. Tal proposta avaliativa surgiu como uma atividade em grupo como requisito final para conclusão do componente curricular LLPI. A proposta de execução do componente LLPI é feita em grupos escolhidos espontaneamente na sala de aula. Este grupo trabalha em todas as atividades da disciplina e tem com atividade avaliativa final, um projeto e desenvolvimento de um produto didático. Esta escolha se fundamenta no entendimento de que numa aprendizagem com bases construtivistas o rendimento acadêmico, de forma geral, é melhor quando apoiado na cooperação. A eficiência da organização cooperativa de ensino-aprendizagem reside em dois processos fundamentais: o conflito cognitivo e o suporte para solução de problemas e conflitos (POZO, 2002). O objetivo do desenvolvimento do produto didático se fundamenta na construção de competência, entendida aqui, segundo o conceito de Perrenoud (p.7, 1999), como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”. O produto é avaliado com base no objetivo proposto no projeto, à clientela para qual foi direcionado e a adequação alcançada. Apesar de o processo ser pensado em grupo, apenas um dos alunos de fato possuía domínio sobre a manipulação das tecnologias, fato decorrente da habilidade pessoal de lidar ou não com a manipulação de tais ferramentas midiáticas. Entretanto isso, por certas vezes, acabava por gerar um acúmulo de responsabilidades acerca do projeto. Como o grupo trabalhou junto durante todo o semestre, foi possível que os integrantes passassem a conhecer melhor algumas de suas habilidades e aptidões. A partir disso pudemos distribuir as tarefas do trabalho de construção do jogo. A temática do jogo se deu a partir de discussões do grupo sem grandes conflitos. A ideia era adequar um tema a proposta do material, e não adequar o material a um determinado tema, pois um dos consensos do grupo era justamente a ideia de se trabalhar com um jogo. No grupo, composto por quatro integrantes, enquanto um dos componentes ficou responsável pelo levantamento do assunto nos livros didáticos, outros dois montaram as informações das casas e aquele que dominava o software ficou responsável por procurar as imagens e realizar a parte de confecção gráfica do jogo. 2811 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 A construção do jogo, um dos passos mais laboriosos, foi feito por apenas um componente, por ser o único que tinha o conhecimento da técnica do programa. Isso pode ser considerado um fator preocupante se analisarmos que, futuramente, os outros componentes, que não desenvolveram a habilidade de manusear tais programas, se verão limitados na sua atividade docente, já que, nesse processo, os outros integrantes não demonstraram interesse em aprender a manipular o software. Após a confecção do jogo, todos os componentes aprovaram e foi realizado três teste entre nós mesmos para saber se não haveria a possibilidade de acontecer um choque entre as instruções presentes nas casas. A escolha do conteúdo e do formato Inicialmente havíamos pensado em um jogo no formato Role Playing Game (RPG) que abordasse a temática da Educação Ambiental. Porém, após discussões durante as reuniões de orientação e acompanhamento com os professores que ministram a disciplina, nos atentamos ao fato de que, atualmente, podemos encontrar uma grande variedade de materiais que procuram trabalhar esse tema, enquanto, alguns outros assuntos da Biologia são desconsiderados, recebendo menos atenção, como o caso dos conteúdos de Fisiologia. Além disso, refletimos sobre o fato de que, apesar do intenso processo de informatização das escolas, um jogo virtual, que exigiria um computador, poderia restringir seu uso; a possibilidade da interação interpessoal entre os alunos da sala de aula também seria pouco explorada em um formato de jogo como o pensado inicialmente. A partir disso, reformulamos o projeto e, ainda procurando trabalhar com a utilização de jogos, optamos por um produto final no formato de tabuleiro que pode ser facilmente divulgado em formato pdf em meios on-line, mas que podem ser levados de forma concreta para a sala de aula, necessitando de recursos mais baratos e de fácil acesso, pois o professor pode imprimir e depois fazer uma xerox em papel A3. Ao pesquisarmos, dentre os assuntos ligados à área de Anatomia-fisiologia, decidimos explorar o Sistema Digestório. A compreensão do funcionamento do corpo humano, sempre inquietou o homem, desde cientistas até o mais simples. Figuras rupestres do período neolítico trazem representações esquemáticas do corpo humano e ao longo da história, este foi representado das mais diversas formas e seu fascínio compartilhado por cientistas e artistas, como Da Vinci, por exemplo. 2812 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 De fato a Anatomia e Fisiologia estão entre os conteúdos que mais despertam interesse nas aulas de biologia, mas a quantidade de termos científicos nestes conteúdos é imensa, o que pode dificultar sua aprendizagem. O ensino de conteúdos da área de Anatomia e Fisiologia Humana é relevante, pois pode auxiliar a compreender o novo momento de desenvolvimento tecnológico em que vivemos (FORNAZIERO ET AL., 2009) e fornecer conhecimentos valiosos para nossa própria saúde. Para a elaboração do material, primeiramente, foi pensado no formato do tabuleiro e como as informações seriam expostas e contextualizadas com o material. Frente a essas observações, realizamos pesquisas em livros de Biologia do Ensino Médio para coletarmos o conhecimento contido nos livros acerca do tema central da proposta, seu nível de aprofundamento, bem como o vocabulário utilizado. A partir do conteúdo dos livros, construímos as informações que estão nas casas do jogo, que tem o formato de jogo de tabuleiro. Desde a sua origem mais remota a Anatomia é uma disciplina que nasceu ligada a veiculação de seu conhecimento por meio de imagens. A relação com imagens é marcante nas Ciências Naturais e Biologia, relevando uma forma singular de expressar o mundo e o conhecimento científico (BRUZZO, 2004). Entendemos desta forma então que assim como o professor deve pesquisar cuidadosamente o conteúdo que leciona deve também fazê-lo com as imagens anatômicas, pois estas expressam conceitos importantes na Anatomia, não podem ser consideradas meros exemplos. O uso de desenhos para representação anatômica é, segundo Briscoe (1990 apud BRUZZO, 2004), mais apropriada do que a fotografia, pois simplifica e sintetiza representações anatômicas complexas e pode retirar detalhes que provoquem distração, além de destacar aspectos que sejam considerados mais relevantes. As imagens selecionadas foram ilustrações disponibilizadas gratuitamente em programas de computador voltados para o suporte no aprendizado de conteúdos ligados ao Corpo Humano. Depois foi feita a confecção gráfica do tabuleiro com o auxílio do software Corel Draw X5®. As cores utilizadas foram escolhidas a partir de critérios estéticos dos componentes do grupo daquilo que seria mais atrativo aos alunos e que contrastavam com as imagens dos órgãos. A relação figura-fundo é importante para destacar as estruturas que se deseja enfatizar. Ressalta-se que, sabemos da existência de outros órgãos e estruturas funcionais do corpo ligados ao processo de digestão, mas, optamos por priorizar aqueles que são mais comumente abordados nos livros didáticos. Também é importante observar que a disposição 2813 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 das imagens e das casas no jogo condiz com a ideia do nome “O Caminho da Digestão”, pois respeitamos as características anatômicas e fisiológicas do sistema. Depois de preparado e revisado pelos professores, o material foi testado pelos componentes do grupo para verificarmos se o jogo era funcional, ou seja, se as informações de fato são eficientes e não ocorrem divergências no entendimento das instruções. Porém, não pudemos aplicá-lo para testarmos se a proposta do jogo, enquanto elemento introdutório do conteúdo, realmente funciona na dinâmica da sala de aula. O material foi socializado com a turma que cursava a disciplina para que todos pudessem dar contribuições acerca do trabalho dos colegas. Nesse processo, pudemos observar que diversas foram as propostas dos outros alunos, como o uso de animações, vídeos, websites, entre outros. Mas, apesar de outros jogos terem sido construídos, não houve nenhuma outra sugestão de jogos no formato de tabuleiro. O JOGO O objetivo do jogo é conhecer os a anatomia geral do sistema na sequência de órgãos que o compõem e ter noções sobre suas principais funções no processo de digestão. Optou-se para isso por um tabuleiro (Figura 1) composto por 72 casas, das quais algumas estão associadas às imagens dos órgãos que compõem o Sistema Digestório, estas encontram-se marcadas em verde para melhor identificação. Cada uma dessas casas associadas remetem ao quadro “Fique Atento!”, onde o aluno encontrará informações sobre os órgãos correspondentes (frases destacadas em negrito) e também instruções complementares do jogo. Por exemplo, a “casa 02” está ligada à imagem da boca, mais especificamente aos dentes. No quadro o aluno lerá “>> Casa 2 – Boca _ Dentes: Os dentes são os responsáveis por cortar, perfurar e triturar os alimentos. Você foi bem mastigado e triturado. Avance três casas.”. Algumas casas não possuem instruções, apenas as informações, como a “casa 33” que está vinculada ao fígado: “Casa 33 – Fígado: Dentre as muitas funções, o fígado é o responsável pela produção de bile, enzima responsável pela quebra, principalmente, de lipídios.”. Outras, no entanto, trazem apenas instruções, como a “casa 30”: “Agora você já é um quimo. Avance sete casas”. Porém, apesar de não estar ligada a imagem de nenhum órgão, a partir dela os alunos já podem compreender que após o estômago o bolo alimentar passa a ser chamado de quimo. Não recomendamos aplicar o jogo para o Ensino Fundamental II já que são utilizados termos como “enzimas” ou “lipídios” que exigem um nível de aprofundamento maior. O professor poderá usar o tabuleiro em projeção de slides e levantar com seus alunos os conhecimentos sobre os desenhos que representam os órgãos e suas funções, depois em 2814 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 grupos os alunos podem jogar e confrontar seus conhecimentos com os fornecidos pelo jogo e dos demais colegas. Após o jogo, o docente poderá utilizar o próprio tabuleiro do jogo como material didático mediador para auxiliá-lo durante uma possível aula expositiva acerca do tema. Figura 1: Tabuleiro do jogo “O Caminho da Digestão” 2815 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 CONSIDERAÇÕES O fato de, ainda na graduação, enquanto licenciando, poder pensar e refletir sobre como minha futura prática docente e, ainda tendo a possibilidade de trabalhar com situações hipotéticas, mas bem próximas da realidade, faz com que nos tornemos mais capazes e preparados para os desafios encontrados na sala de aula e quais são algumas das estratégias que podemos utilizar para superá-los. Desenvolver o jogo em um mesmo grupo, que trabalhou durante toda a disciplina tornou notável que, no conjunto, cada um tem suas aptidões próprias e que, se o nível de interação for alto, é possível que todos trabalhem, dentro de suas possibilidade e limitações, para que o resultado encontrado seja o mais adequado para aqueles que são os atores principais nos processos de ensino e aprendizado: os alunos. Construir tal jogo, nos mostra como seria planejar uma atividade para tratar um tema tido, por muitas vezes, como complexo, podendo assim aumentar o nível de aprendizado dos alunos. Entretanto, sabemos que algumas dessas propostas exigem o domínio de certas habilidades, técnicas e programas que não são bem trabalhadas nem durante e nem depois da graduação o que pode vir um fator limitante para muitos licenciados. Porém, enquanto professores, devemos ter a capacidade de repensar e criar diversas situações, dentro de nossa realidade, que permitam melhores situações de aprendizagem. 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