Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
DESAFIO BIOESTATÍSTICO: UM JOGO DIDÁTICO
PARA A COMPREENSÃO DOS PASSOS E
CONCEITOS DE UM EXPERIMENTO ESTATÍSTICO
Ronaldo Figueiró (Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do
Meio Ambiente (MECSMA) – UNIFOA / Laboratório de Biotecnologia Ambiental - UEZO),
Ida Carolina Neves Direito (Laboratório de Biotecnologia Ambiental - UEZO), André
Barbosa Vargas (UNIFOA), Paula Torrent (UNIFOA), Valéria Vieira (IFRJ)
Resumo
O envolvimento discente para assimilação do conhecimento apresentado no conteúdo de
algumas disciplinas, por vezes, é um grande desafio, a exemplo da disciplina Bioestatística.
Os jogos pedagógicos se apresentam como uma alternativa interessante por permitirem a
agregação dos conhecimentos prévios dos alunos aos novos conhecimentos apresentados
através da disciplina, permitindo trabalhar a Aprendizagem Significativa. Nesta proposta,
apresentamos “Desafio Bioestatístico”, um jogo em tabuleiro que visa auxiliar o processo de
aprendizagem de maneira lúdica. Neste jogo pedagógico, os alunos são obrigados a
percorrerem todas as etapas de um experimento estatístico para vencerem o jogo e, desta
forma, é estimulado o aprendizado significativo.
Abstract
Student involvement to the assimilation of knowledge presented in some disciplines is often a
great challenge. An example of this is the discipline Biostatistics. Pedagogical games are an
interesting alternative that allow the aggregation of previous knowledge to new ones
presented through the discipline, allowing to work the meaningful learning. In this proposal,
we present the “Biostatistical Challenge”, a table game that aims to help the learning process
in a ludical way. In this pedagogical game, students are obliged to cross all the stages of a
statistical experiment to win the game, and then, meaningful learning is estimulated.
I-
Introdução
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O presente trabalho busca ressaltar a importância de metodologias lúdicas para o
ensino de Ciências, mais especificamente para conteúdos de Bioestatística.
Na maior parte das vezes, as aulas de Bioestatística tendem a ser meramente
explicativas e matemáticas, utilizando-se durante o procedimento de ensino apenas quadro e
giz, ou, em alguns casos, imagens e ilustrações que possam ser projetadas com a intenção de
facilitar a compreensão dos alunos.
Muitos dos docentes do curso em questão consideram que para a compreensão da
referida disciplina é de fundamental importância que os alunos acompanhem e conheçam os
respectivos conceitos de um experimento estatístico. Nesta demanda, criou-se o “Desafio
Bioestatístico”, um jogo de tabuleiro elaborado por um grupo de docentes e discentes da
disciplina, que permite ao aluno, de forma dinâmica e lúdica, adquirir noções básicas de um
experimento bioestatístico, aproximando-se da disciplina com a aplicação de seu
conhecimento teórico.
A sugestão desta atividade é que ao longo do jogo os alunos exponham o seu nível
de conhecimento para que, por meio da participação de todos os estudantes envolvidos, a
aprendizagem tenha significado para esses alunos, facilitando a compreensão de novos
conceitos, bem como, trazendo conceitos antigos para serem expostos e trabalhados. Ou seja,
a agregação dos conhecimentos prévios dos alunos aos novos conhecimentos apresentados
através da prática do “Desafio Bioestatístico”, poderá indicar os primórdios de uma
Aprendizagem Significativa.
O objetivo desta proposta, uma atividade lúdica para o ensino de Bioestatística na
forma de um jogo de tabuleiro, no qual os estudantes são obrigados a percorrer todas as etapas
de um experimento estatístico para vencer o jogo, centra-se em estimular o aprendizado dos
alunos na busca de novos e significativos conhecimentos.
II-
Referencial Teórico
Metodologias de Ensino
O Ensino de Ciências vêm se apresentando como um desafio na atualidade
(KRASILCHICK, 2000), em parte devido ao fato da pedagogia utilizada em sala de aula ser
majoritariamente “conteudista”, com um foco principal quase sempre na transmissão de
conteúdos (MOURA & VALE, 2002). Essa pedagogia não considera a realidade do aluno e
não se baseia nos conhecimentos que eles trazem para a escola, muito menos reforça a
necessidade de uma integração com esses conteúdos.
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Possibilidades para tornar alunos mais motivados e melhorar a aprendizagem de
conceitos científicos são sempre apresentadas em literatura de ensino de Ciências, por
exemplo, em instrumentos para a avaliação dessa compreensão ou aulas mais dinâmicas
associadas às tradicionais aulas expositivas (SCHONBORN & ADERSON, 2008). Uma
ferramenta de ensino apropriada para dinamizar as aulas teóricas pode cumprir o papel,
também, de integração dos tópicos e assuntos expostos pelo professor (SANTOS &
ANACLETO, 2007; OENNING & OLIVEIRA, 2011).
A procura por novas metodologias que facilitem o ensino como um todo,
principalmente o ensino de Ciências, já é observado em várias instituições de ensino básico e
superior. Na busca por essas novas práticas pedagógicas, na intenção de melhorar a
compreensão do aluno por disciplinas que muitas vezes são consideradas complicadas por
eles, optou-se por se trabalhar de maneira mais lúdica junto aos discentes, por meio de
dinâmicas de jogos conhecidas pela respectiva faixa etária.
O lúdico e a Aprendizagem Significativa
O trabalho lúdico em sala de aula pode ser representado por diferentes
metodologias de ensino, dentre elas o jogo didático. Segundo Morati (2003), o jogo pode
favorecer ao educador um melhor conhecimento do grupo de estudantes que está trabalhando,
permitindo assim, um maior estímulo ao aprendizado dos alunos.
Esse estímulo ou motivação para o aprendizado desse aprendiz é intrínseca de
jovens em relação a jogos e contrasta com sua falta de interesse em conteúdos curriculares
(PRENSKY, 2003). Desta forma, o uso de jogos educativos tem o potencial de complementar
as metodologias tradicionais de ensino ao encorajarem o comportamento criativo
(FUSZARD, 2001).
Os jogos propiciam um ambiente lúdico, sendo possível a promoção do
desenvolvimento e estimulação das mentes dos estudantes (GOMES & BORUCHVITCH,
2005). Eles constituem um espaço privilegiado no qual os participantes, ao enfrentarem
desafios, tem seus limites testados, solucionam problemas e formulam hipóteses
(FONTOURA, 2003).
Para Kishimoto (2003), os jogos vistos em sala de aula, chamados de jogos
pedagógicos, necessitam ser trabalhados de forma equilibrada entre a função lúdica e
pedagógica, de forma que a liberdade que caracteriza os jogos seja conciliada com os
processos educativos.
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Assim, os benefícios de jogos são inúmeros, sendo possível destacar o
favorecimento à desinibição, o desenvolvimento da autoconfiança e a aquisição de
concentração (FURTADO, 2004; LAMAS, 2008).
Pensando no ato de jogar, segundo Fontoura (2004), este ao mesmo tempo se
constitui paradoxalmente de uma atividade livre, espontânea e regrada. Sendo assim, uma
forma de apropriação de conhecimentos de forma direta e ativa.
Trabalhar com o lúdico no ensino tem diversas vantagens, no entanto algumas
dessas metodologias lúdicas necessitam de alguns cuidados. Uma das vantagens da
metodologia lúdica “o jogo didático” é que quando aplicado no ambiente escolar pode
complementar o ensino em sala de aula, uma vez que a relação social produz um incentivo aos
alunos na prática pedagógica (MONTOYA, 2006).
Contudo, podemos citar que um dos cuidados do jogo didático em sala de aula é
que se torna necessário levar em conta que, durante a atividade de aplicação do jogo, o
aprendizado deve ser percebido pelo aluno como algo significativo. Como o mais importante
é o aprendizado, é essencial que o jogo, acima de tudo, facilite o entendimento do aluno sobre
o tema abordado, relacionando-o à realidade que o atinge no seu cotidiano. De acordo com
Trindade (2009), é preciso “antes de tudo, focar o trabalho didático em um exercício de
reflexão e conscientização”.
Assim, a realidade vivida é trazida para a sala de aula, tocando num tema que
atinge diretamente a vida dos estudantes e a sua comunidade, criando um significado maior ao
que está sendo ensinado. Moreira e Masini (1982), discutindo a teoria de Ausubel sobre a
Aprendizagem Significativa, comentam que este trazer significado é um processo que se
relaciona diretamente com um aspecto importante da estrutura de conhecimento do indivíduo.
Para Ausubel, a Aprendizagem Significativa significa organização e integração do
material na estrutura cognitiva e o que mais influencia na aprendizagem é o que o aluno já
sabe. Novas ideias são retidas quando conceitos relevantes já estejam claros na estrutura
cognitiva e funcionem como ponto de ancoragem às novas ideias. Essa experiência não se
restringe aos novos conceitos, mas também às interações com eles, que os modifica em
função dessa ancoragem. Os conceitos prévios que servem à essa ancoragem são chamados
por Ausubel de conceitos subsunçores (MOREIRA, 2011).
Desta forma, em uma perspectiva cognitivista o aprendizado não pode ocorrer
somente por memorização, conhecido este como aprendizado mecânico. É importante
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assimilar novos conhecimentos e integrá-los a estrutura interna do aprendiz, tornando-se
assim cognitivo (AUSUBEL et al., 1980).
III-
Metodologia
O jogo é constituído de um tabuleiro (Fig. 1), um dado, uma ampulheta, quatro
peões e de cartas perguntas sobre o tema do jogo. Os jogadores serão separados em quatro
equipes, sendo essas equipes representadas pelos peões.
Figura 1: Tabuleiro do jogo “Desafio Bioestatístico”.
O tabuleiro apresenta dois tipos de casas especiais: o primeiro tipo se refere às
casas que podem proporcionar uma bonificação (avanço de algumas casas adicionais) ou
penalidade (recuo de algumas casas), como ocorre normalmente em jogos de tabuleiro. O
segundo tipo de casas consiste das casas de questões, nas quais a parada deve ser obrigatória
(a menos que uma casa de bonificação permita que esta casa seja pulada), e implicará na
retirada de uma carta.
O jogo se inicia pelo lançamento do dado por cada uma das equipes. A equipe que
obtiver o maior número no dado será a primeira a jogar. A próxima equipe a jogar será a que
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estiver à esquerda da primeira equipe e, assim, sucessivamente. O dado será lançado para
definir quantas casas cada equipe irá andar com seu peão. Quando o peão parar nas casas de
questões, as equipes serão obrigadas a retirarem uma carta e responderem à sua pergunta, que
pode ser de uma das seguintes temáticas: hipóteses, amostragem, estatística descritiva, teste
de hipóteses. A carta de pergunta é na realidade um envelope que trará em uma de suas faces
a pergunta a ser respondida e no seu interior o cartão com a resposta da pergunta, cabendo às
equipes adversárias a responsabilidade de evitar que a equipe questionada realize a abertura
do mesmo antes de fornecer a sua resposta (Fig. 2). O tempo máximo para a resposta da
pergunta da carta será definido pelo uso da ampulheta. Caso a equipe responda corretamente à
pergunta, este poderá lançar o dado mais uma vez para andar com seu peão. Caso a equipe
não responda corretamente o seu peão fica por uma rodada no mesmo lugar, sendo sorteada
uma nova carta do mesmo tema na próxima rodada. Estas categorias de temas correspondem
basicamente a todos os passos de um experimento estatístico: desde a identificação do
problema e formulação das hipóteses ao teste das mesmas, passando pela forma que os dados
serão obtidos (amostragem) e como podem ser caracterizados (estatística descritiva).
Figura 2: Carta de questão da temática “amostragem”, com a pergunta que estará contida no
envelope (a) e a resposta contida no interior (b).
As casas com essas categorias estão distribuídas pelo tabuleiro de forma que todos
os grupos obrigatoriamente devem responder a ao menos uma questão de cada categoria.
Quando um grupo chegar à penúltima casa, deverá responder uma questão na carta escolhida
pelo último grupo a lançar os dados. Esta carta irá conter um problema estatístico, cuja
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solução exigirá o uso dos conceitos abordados ao longo do jogo. A equipe vencedora será
aquele que solucionar corretamente sua questão antes dos demais.
IV-
Discussão e perspectivas
A proposta da atividade é fazer com que a sala de aula se converta em um
ambiente que estimule os alunos a fazerem uso dos conceitos apreendidos de forma
construtiva e dinâmica na solução das questões.
O jogo foi desenvolvido por quatro docentes com formações acadêmicas distintas
dentro das ciências naturais, que compartilham da mesma necessidade do uso de técnicas
estatísticas na validação de seus resultados, e por uma discente do curso de Ciências
Biológicas, a qual já cursou a disciplina anteriormente e hoje é monitora da mesma. Esta
diversidade de formações e visões propiciou uma ampla gama de situações cotidianas da
profissão abordadas nas questões das cartas, com a qual os estudantes podem se relacionar.
O jogo se concentra nos testes de hipóteses, tendo como foco os experimentos
científicos. Diante da diversidade de ramificações existentes dentro das Ciências Biológicas,
optou-se por contemplar diversas subáreas da biologia inseridas nas questões do jogo, de
forma a não perder de vista o contexto no qual a bioestatística se enquadra.
Desta forma, o ato de jogar “Desafio Bioestatístico” faz com que o discente, de
uma forma descontraída e com naturalidade, busque seus conhecimentos anteriores para que
possam agregar estes aos novos, das diversas áreas envolvidas.
Esta iniciativa se dá devido a Estatística, por muitas vezes, ser lecionada ao
discente de um curso da área de Ciências Naturais de uma forma distanciada de sua realidade,
faltando uma maior articulação da mesma com as outras disciplinas do curso. Este cenário é
ilustrado por A’Brook e Weyers (1996) ao que demonstrarem que no Reino Unido o ensino
de estatística nos cursos de graduação em Ciências Biológicas quase sempre ser separado das
disciplinas biológicas. Os autores sugerem que, por esta razão, os discentes tem um
aprendizado falho de estatística na graduação, o que os levam à não-utilização de tratamentos
estatísticos em sua prática profissional ou ao uso equivocado dos mesmos (HORGAN et al.,
1999).
Sendo assim, com a criação deste jogo que tem o intuito de tornar os tratamentos
estatísticos menos abstratos para os estudantes, alcança-se o objetivo inicial, onde uma nova
metodologia possa estimular o aprendizado. Mesmo porque esse jogo aborda conceitos de
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forma lúdica e dinâmica, com associações de diversas áreas, trazendo, assim, significado para
os discentes e se traduzindo em uma Aprendizagem Significativa.
V-
Considerações Finais
A proposta desta nova metodologia de ensino, “Desafio Bioestatístico”, utilizada
para o trabalho de conteúdos curriculares de um curso de Bioestatística para Ciências
Biológicas foi parte integrante de um processo de amadurecimento, percepção de uma
necessária motivação dos discentes e necessidade de uma real integração entre diferentes
áreas que podem trabalhar esses conteúdos.
Torna-se muito enfática a afirmativa de que com o fato de trazermos a ludicidade
para a Bioestatística obteremos como resultado uma melhoria no aprendizado desses alunos.
O que se pretende é que com o estímulo ao estudo da disciplina e com o aprendizado de seus
conteúdos de forma Significativa, o próprio estudante busque aperfeiçoar seu conhecimento
por se sentir mais próximo desses conteúdos.
Essa experiência aqui relatada, fruto de trabalho entre docentes de diferentes
áreas, busca além da construção desse jogo e do estímulo ao aprendizado de Bioestatística,
também, fomentar a discussão das diferentes práticas de ensino em prol de um melhor
processo ensino-aprendizagem.
Como esta metodologia não se encerra em um fim, e, sim, faz parte do processo
de construção, este trabalho se propõe a ter continuidade com a aplicação do jogo em
diferentes turmas. Posteriormente, para aperfeiçoamento, realizaremos a exposição dos
resultados à comunidade científica para uma participação entre os pares.
VI-
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