III Forum ERS A Nova Lei-Quadro e os Prestadores de Saúde Fundação Eng. António de Almeida, Porto 27 Setembro, 16 horas Começo por cumprimentar os membros deste painel, Professor João Carvalho das Neves, Professor Álvaro Moreira da Silva, E agradeço à Entidade Reguladora da Saúde, na pessoa do seu presidente, Professor Jorge Simões, o convite para participar neste importante debate sobre a regulação em Portugal, mais especificamente no sector da Saúde. Permitam-me que realce neste fórum iniciativas importantes com que a ERS tem contribuído para a melhoria do sistema de Saúde, como sejam o projecto SINAS, os estudos de monitorização e o tratamento das reclamações dos utilizadores, os estudos específicos como o do impacto da Directiva europeia sobre cuidados transfronteiriços, e diversas analises sobre áreas importantes como a rede de urgências e atendimentos permanentes, sobre a medicina nuclear e tantos outros estudos relevantes para decisores e operadores. Portugal está hoje confrontado com a necessidade imperiosa de repensar o Estado, as suas funções, e, naturalmente - até pelo peso económico-financeiro que representa -, o sistema de Saúde. Temos - é um facto confirmado por todos os estudos internacionais - um sistema de saúde que compara bem , em termos de outcomes com outros sistemas de saúde de países desenvolvidos No entanto - é também já hoje claro para todos -, que a sustentabilidade do sistema no formato e com as regras actuais não está garantida. Aos dois factores normalmente apontados como causadores de enorme pressão sobre o sistema - o envelhecimento da população e a disponibilização de produtos e serviços cada vez mais avançados, mas também mais caros - veio juntar-se, com grande evidência nos últimos anos, um factor ainda mais premente: a escassez de recursos num país com fraco ou nulo crescimento económico. A racionalização e os ganhos de eficiência quer em termos macro quer em termos micro económicos entraram definitivamente na linha de preocupação de todos os stakeholders da área da saúde. O esforço de racionalização do sistema obriga a que olhemos com mais atenção, mais profundidade e de forma integrada: i) para a reorganização da oferta; ii) para o bom aproveitamento das capacidades existentes, sejam públicas, privadas, ou de outra natureza; iii) para as sinergias possíveis entre sectores; iv) para a disseminação das boas práticas; e v) para a separação efectiva do financiamento da prestação. Nunca como hoje se teve um tão grande conhecimento das potencialidades do nosso sistema de Saúde. A questão está em saber se os decisores estão dispostos e interessados em as aproveitar. Sabemos, por exemplo - foi o Tribunal de Contas que ainda recentemente o disse -, que um doente tratado no Hospital de Braga, gerido em parceria público-privada, custa menos 33 por cento - sim, menos 33 por cento - que um doente equivalente tratado num Hospital similar do SNS. E isto, como todos os estudos comprovam, sem que seja posta em causa a qualidade clínica e a segurança do doente. Esta conclusão do Tribunal de Contas vem juntar-se, de resto, a outros estudos que apontam para os claros benefícios que o Estado colhe das parcerias público-privadas na área da saúde. Permitam-me que mencione, pela sua importância e pela profundidade de análise, o Benchmarking Hospitalar elaborado pela Administração Central do Sistema de Saúde. É também hoje já muito evidente a dimensão, diferenciação e importância crescente que o sector privado da Saúde reveste e que, em termos de qualidade clínica e não clínica, não teme comparação - sendo disso prova os resultados do SINAS, o estudo elaborado periodicamente pela Entidade Reguladora da Saúde. E é também reconhecido, penso eu, o enorme contributo que o sector privado tem fornecido ao Serviço Nacional de Saúde, especialmente no que respeita à introdução de métodos de gestão orientados para a eficiência das organizações, para a satisfação dos clientes e para a segurança dos doentes. Obviamente, há boa e má gestão no sector privado, como há boa e má gestão no sector público - motivo acrescido para uma maior transparência na comparação e divulgação de resultados e na desejável adopção recíproca de experiências comprovadamente bem sucedidas. Em suma, o sistema é hoje , na sua natureza um sistema misto, com vários tipos de prestadores - públicos, privados, público-privados, sociais... - com uma acção balizada por dois pilares fundamentais: a garantia da qualidade clínica dos serviços prestados; e a eficiência na utilização dos recursos. Não estamos ainda, é certo, num sistema em que a liberdade de escolha – um valor fundamental dos cidadãos e um factor essencial para a melhoria qualitativa e de eficiência da globalidade do sistema, - seja uma realidade. A liberdade de escolha adoptada de forma progressiva é, - ao contrário do que alguns dizem - não só exequível, como se virá a tornar indispensável na estruturação de um sistema de saúde moderno e que responda cabalmente às aspirações da população que visa servir. Mas este não é o tema do nosso painel e por isso não vou alongar-me sobre ele. Terei no entanto o maior gosto em o discutir no debate ou noutro fórum. E é neste ambiente plural, em que o Estado mantém o seu papel de financiador maioritário e de principal prestador, e em que outros players vêm assumindo relevância crescente, que a função das entidades reguladoras é fundamental para o adequado equilíbrio do sistema. Neste enquadramento, e para que a regulação seja efectiva, estou seguro de que a entidade reguladora saberá garantir a sua independência face ao Estado, na medida em que o Estado é, no desenho actual do sistema, simultaneamente: i) o financiador/comprador, que fixa unilateralmente o preço dos serviços que compra; ii) mas é também prestador; iii) sendo ainda o mesmo Estado que define as condições de exercício dos outros prestadores, estabelecendo condições e requisitos diferentes conforme a natureza dos prestadores (e dispensando-se ele próprio de cumprir os requisitos que estabelece para outros) . São demasiados papéis e, consequentemente, demasiados conflitos de interesse que urge regular. Por aqui podemos ver que só a partir dessa posição de independência será possível à entidade reguladora assegurar ao sector condições de concorrência, seja no licenciamento, seja nos preços, seja, enfim, em todos os aspectos da actividade dos diversos prestadores e, além disso, poder contribuir, com a sua acção, para eliminar um tratamento diferenciado e injustificado entre os diversos prestadores. Essa sã concorrência, entre players, a quem seja assegurado um tratamento em igualdade de circunstâncias é, como penso ter demonstrado, um factor de sustentabilidade do sistema, pela eficiência e garantia de qualidade que inevitavelmente gera. Mas, se é certo que ao regulador compete assegurar condições de concorrência entre todos os prestadores, não é menos verdade que do seu trabalho devem resultar novos patamares de exigência, ou seja, deve haver um nivelamento por cima. Dou apenas um exemplo: seria útil para o desempenho de todo o sistema que a exigente bateria de indicadores utilizada nas parcerias público-privadas servisse de paradigma às restantes unidades do SNS. A nova lei quadro não traz novidade de monta quanto à regulação na Saúde, sendo certo que a legislação que a enquadra é relativamente recente e contém já todas as principais linhas orientadoras expressas no novo diploma. No entanto, mais que as leis, o dia-a-dia é feito por cada um de nós, os prestadores concretos e os agentes de regulação concretos. A crescente complexidade do sector exige uma cada vez maior preparação técnica, mas também cada vez maior exigência. A área da regulação é, por definição, uma área de grandes tensões. Preparação técnica e exigência na regulação da concorrência – a par de um quadro legal rigoroso e adequado à realidade – eis os ingredientes indispensáveis para uma efectiva regulação e para que as tensões normais resultem em algo de construtivo para o Sector. Obrigado pela vossa atenção.