Heitor MEGALE (Universidade de Sao Paulo)
Teresa Leal Gon~alves PEREIRA (Universidade Federal da Bahia)
Joao Antonio de SANTANA NETO (Universidade Cat6lica do Salvador)
ABSTRACT:
This paper concerns on possible sources of Chastel Perilleux, the
Hugues de Saint-Cher's (+1263) De Doctrina Cordis also known as De Praeparatione
Cordis. Another possible french source is Frere Laurent's La Somme Ie Roi addressed
to Philippe Ill, King of France,
Le Chastel Perilleux e urn tratado ascetico-mistico, escrito por Frere Robert,
monge Cartuxo, que 0 dedicou a sua prima, Soeur Rose, freira da Ordem de Fontevrault,
conforme e informado em ms. Add. 32623, 2r, do Museu Britanico:
"Cy commence Ie Chasteux perilleux compile et ordonne d'un moine de l'ordre de
Chartreuse pour une nonnain de l'ordre de Frontevraux. prologue. A sa chiere cousine,
suer et amie en Dieu, Rose, frere Robert, votre cousin ...".
Tem-se conhecimento da existencia de dezesseis ap6grafos dessa obra,
distribufdos em dois grupos: doze pertencem ao grupo original, que conservam as
caracterfsticas de epfstola particular, e quatro ap6grafos adaptados da obra original
destinados a urn publico mais amplo.
o manuscrito 1881 da Biblioteca Nacional de Paris, pertencente a primeira
vertente, indica 0 ano de 1382 como data da sua elabora~iio, contudo, pelo exame das
filigranas, pode-se afirmar que ele foi elaborado em Dijon por volta de 1470. A tradu~iio
portuguesa informa a data de 1406 da Era Hispanica, a qual corresponde ao ano de
1368. Esta seria, entao, a data do ap6grafo frances que deu origem a tradu~iio
portuguesa, uma vez que 0 uso da letra g6tica semi-cursiva, utilizada no ap6grafo
portugues, corresponde a primeira metade do seculo XV. Ao que tudo indica, a obra de
Frere Robert deve ter sido compilada e ordenada por volta de 1350, uma vez que
necessita de urn perfodo para que seja elaborada a adapta~iio e a sua tradu~iio,
o tratado e, na verdade, urn mosaico de cita~Oes da BfbUa e dos Padres da
Igreja. Sao Bernardo tern 0 seu nome mencionado em vinte e nove oportunidades, e seus
proverbios tambem figuram anonimamente em mais trinta e oito passagens, como nos
Miracles de Notre-Dame e em expressoes populares ou cita~oes indefinidas, marcadas
por frases tais como: "comme dist un saint", "comme dient les saintes", "comme dient
les phitosophes".
Alem das fontes acima, pode ser identificado como fonte provavel para a
elabora~ao de Le Chastel Perilleux 0 tratado De Doctrina cordis ou De Praeparatione
Cordis (Biblioteca da Universidade de Leyde, ms. BPI. 2579), atribu!do ao Cardeal
frances Hugues de Saint-Cher, falecido em 1263.
Para examinar 0 grau de aproxima~iio entre 0 testemunho frances de Le Chastel
Perilleux e uma de suas fontes latinas, precisamente De Doctrina Cordis, estiio
justapostas algumas passagens dos referidos textos, distinguindo os enunciados do
testemunho frances, que siio tradu~iio praticamente literal do latim, daqueles que siio
glosa do testemunho latina. 0 que e redundante no testemunho frances apresenta-se em
italico.
De Doctrlna Cordis
50128·32, 5111
Sacerdos virginem ducet uxorem et
viduam et repudiatam et sordidam et
meretricem nom accipiet.
Per ego summum sacerdotem Christum
intellige, qui anime virgini lege
matrimonii copulatur.
97120·33,9811·2
Unde accidit quod, quia virgines tenent
locum ecclesie triumphantis, que sponsa
sine macula et ruga appellatur, non
consecratur mulier nisi virgo
Si autem queris, que sit ratio, quod in
muliere
consecranda
virginitas
requiritur et non in viro in episcopum
consecrando, responderi potest quod
sanctitas
virginis
sanctitatem
significat ecclesie militantis in terra.
296111-18
li souverains prestres doit prendre femme
vierge en mariaige, non pas vesve, ne
repudice, ne soillee, ne folIe femme.
Par Ie souverains prestre est entendu Jhesu
Crist qui ne veult mie estre point par mariage
a arne, se elle n'est vierae.
298112·23,29911·9
Et de ce vient que les vierges representent et
tiennent Ie lieu de l'eglise triumphant ou
vistorieuse, qui autant vault, c'est assavoir de
l'Eglise de lassus dela gloire de paradis,
laquelle Eglise est espouse sanz tache et sanz
runxe, c'esta a dire sanz ordure
Doncques
it convient
plus
grant
enterinete a une nonnain consacrer et
benei'r pour la figure des choses
celestieles qu'eHe porte, qu'it ne fait a un
evesque benei'r et consacrer, car l'evesque
porte la figure de l'eglise terrienne de ci
aval ou it a assez de taches et d'ordures
et pour ce est bien consacrez en evesque
un homme Qui n'est mie vierge.
Os dados apresentados permitem observar que estamos diante de urn trabalho
com fonte conhecida, embora niio explicitada. Tal procedimento e habitual na epoca,
niio implicando em nenhuma transgressiio de natureza autoral; as fontes das fontes, - no
caso, por exempl0, Agostinho - siio nomeadas. Por vezes, verifica-se uma tradu~iio
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literal cerrada, por vezes, uma tradu~iio que glosa a fonte e introduz refor~o ou
desenvolvimento da ideia do conteudo. Justapostos os dois textos, niio seria excesso
reconhecer nesses refor~os urn carater redundante.
Pode-se observar tambem que no paragrafo 50/28-32, 51/1 0 texto latino niio se
dirige diretamente a urn leitor ou ouvinte, enquanto 0 paragrafo equivalente do texto
frances dirige-se a alguem em segunda pessoa do plural. Ja no paragrafo 96/22-33,
97/1-12, 0 texto latino e que se dirige a alguem em segunda pessoa do singular:
"Sequitur: Posuit coronam decoris in capite tuo", enquanto 0 paragrafo equivalente do
testemunho frances assume discurso analogo ao do paragrafo anteriormente citado do
latim.: "A ceste virginite est promise ..."
Quanto a altera~oes lingUfsticas, assinalamos: "ducet" 1 "doit prendre"; "ego
intelligo"l "est entendu"; "est premium" 1 "sera commune, sera avec la couronne";
"adequare" 1 "appareiller ou comparer", entre outras da mesma natureza que revelam urn
testemunho frances mais incisivo e mais explfcito do que a fonte latina.
Outra fonte provavel de Le Chastel Perilleux e La Somme Le Roi, escrita
pelo dominicano Frere Laurent ou Lorens, endere~ado a Felipe III, rei de Fran~a. Este
tratado e tamb6m conhecido como: Le Livre de Vices et de Vertus, Le Mirror du
Monde, Livre de la Philippine e Li Livres Royaux de Vices et de Vertus. 0 manuscrito
utilizado e 0 Add. 28162, do Museu Britinico.
A partir das leituras de M. Brisson dos manuscritos de La Somme le Roi e de
Le Chastel Perilleux, observamos que , na maioria dos casos, apesar da grande
semelhan~a de certas passagens no que se ref ere as frases, expressoes ou palavras dos
dois textos, ha, notadamente,caracterfsticas lingUfsticas que permitem identificar 0 La
Somme le Roi (S) como pertencente a fase do franees antigo, perfodo que vai do seculo
XIII a primeira metade do XIV e Le Chastel Perilleux (CP) do frances medio , perfodo
que vai da segunda metade do seculo XIV ao seculo XV. Cf. Wartburg (1967:122).
Dentre todas as lfnguas romllnicas, a li'ngua francesa e a que mais apresenta
transforma~oes lingiifsticas que conduzem a estados de lfngua bastante diferenciados
cronologicamente, em vista de a dimensiio hist6rica ter exercido uma importllncia
fundamental para esse resultado.
Podemos afirmar , com Bec (1971:12) que a explica~iio para essa marca
peculiar da lfngua francesa deve-se a dialetica entre uma infra-estrutura eminentemente
inbvadora e uma superestrutura conservadora.
Os exemplos seguintes ilustram 0 que dissemos.
Em decorrencia da declina~iio de dois casos que caracteriza 0 frances e 0
proven~al antigos, a seqUencia progressiva do frances s6 mais tarde e que sera tixada.
Na fase antiga da lfngua, aseqU8ncia niio deve, em principio ser considerada como
marca gramatical e sim como urn recurso estili'stico.
Esse tipo de sistema casual permite ao frances antigo atualizar rela~oes atraves
de meios especificos, como 0 genitivo por aposi~io, tal como se da com 0 tftulo da
obra La Somme le Roi e com a constru~iio seguinte:
S - a la table le roi (91v,3); CP - a la table du roi (33v,3).
Vale ressaltar outras passagens, em que se notarn as rnarcas flexionais de caso
no texto do franc@santigo:
S - Sainz Bernarz (93r,1-2); CP - Saint Bernard (27r,4).
S - Sainz Polz (93r,5); CP - Saint Pol (27r,7-8).
S - Sainz Jeromes (14Iv,1); CP - Saint Jherosme (50v,1).
S - Sainz Amboises (123r,lO); CP - Saint Ambroise (62r,9).
S - oroisons est (118v,2); CP - oroison est (58r,2).
S - uns bons escuz (118v,2); CP - un bon escu (58r,2-3).
Urna outra inova~ao do franc@s medio e a cria~ao de urn indefinido partitivo.
No franc@santigo, usava-se, nesse caso, urn morferna zero.
S - et autresfolies (96v,7); CP - et molt d'autresfolies (l5r,18-19).
Se considerarrnos que 0 artigo definido possufa urn valor nitidamente
dernonstrativo e que no seculo XIV esse uso e abandonado em favor de uma fun~ao
individualizadora, podernos supor que 0 artigo indefinido, que servia para individualizar
urn substantivo do qual niio se tinha feito refer@ncia, e afetado no seu emprego e adquire
tambern a fun~ao de generalizar.
A extensiio do artigo definido tambern atinge 0
artigo partitivo, cujo emprego , no seculo XII, restringia-se apenas a uma quantidade
indeterrninada de urn objeto deterrninado.
Quanto aos dernonstrativos, assinalamos 0 ernprego do caso sujeito no exernplo
seguinte:
S - eels (89r,1); CP - ce (27r,1).
o franc& moderno conservou esse plural de uma paradigma mais complexo.
Para 0 caso regime masculino singular « lat. DEUM), documenta-se a forma
antiga e a posterior, em que se registra a ditonga~ao do e aberto: dieu ..
S - Deu (121 v,3, 123r,5,8); CP - Dieu (6Or,3,62r,4,7).
No que concerne as formas verbais, ressaltamos 0 emprego da 38• pessoa
singular do preterito de dire, franc@smoderno dit.:
S - dist (141v,1,118v,1,4); CP - dit (50v,1,58r,1,4).
38• pessoa singular do indicativo presente « lat. *POTET):
S - puet (141 v,9) ; CP - puet (50v,4).
Ha urn tra~o sintatico do franc@santigo relativo a inversao do sujeito, quando 0
enunciado corne~a com adverbios ou cornplementos diversos. Quando se trata de urn
sujeito nominal, essa inversiio e comum, porem, 0 que verificarnos nos dois textos e a
inversao do sujeito pronominal.
S - Or, t'aije monstre (123r,1); CP - Oravons nous monstre (62r,1).
Para a identifica~iio das fontes dos textos medievais que nem sempre eram
explicitadas pelos copistas, 0 emprego inusitado de certas expressoes, ou ate rnesmo os
erros e enganos siio mais importantes do que a estrita regularidade das caracterfsticas
lingiifsticas de cada epoca.
As cita~oes e transcri~oes de textos eram comuns, sem que houvesse a
preocupa~ao de localizar os autores e as suas respectivas obras. Quando 0 escriba se
deixa influenciar pela lfngua do texto que ele copia, 0 seu texto vai deixar transparecer
alguns vestfgios disso atraves de uma reprodu~ao ou de uma aproxirna~ilo de
determinados fatos.
A inversao do sujeito, citada anteriormente, Hustra urn desses procedimentos.
Uma ocorr@ncia curiosa e a seguinte, onde a inversiio do sujeito pronominal e exclusiva
do texto do franc@smedio:
S - Ie ne pense (l23r,1); CP - ne pense je (62r,l).
Alem desses exemplos, destacamos os seguintes, com a desin8ncia de caso
reproduzida no texto do franc8s medio:
S - tous Ie pechiez (35v,4); CP - les pechiez (50r,4).
Outras ocorr8ncias nao seguem esse parametro:
S - mes pechiez (123r,II-12); CP -Ie pechie (62r,ll).
De forma semelhante, temos:
S - Li oisiaus (97r,8); CP - Li oyseaulx (l7r,9).
S -Ii usaiges (97r, 11-12); CP -Ii usaiges (17r,13).
Essas correspond8ncias contrastam com 0 seguinte exemplo, que reflete 0 uso
caracteri'stico de cada epoca:
S -Ii calice (91 v,3); CP - Ie calice (33v, 3).
Li e 0 caso sujeito do artigo definido masculino singular Ie .0 franc8s e 0
occitano modernos generalizaram em todas as fun~es as antigas formas do caso regime,
Ie, les (occ.mod. 10, los). Assinalamos, atraves desse exemplo, 0 fato de que niio ha
coesao sintagmatica com a declina~iio do substantivo para 0 caso sujeito, pois, Ii e
comum ao singular e ao plural e a unica marca de atualiza~ao do plural e a aus8ncia de
desin8ncia. Em geral, no seculo XIV nao ha mais vestfgio dessa declin~ao bicasual, 0
que poderia ser explicado pela sfncope das consoantes finais e pela tend8ncia analftica
da lfngua espontanea.
Conforme os mesmos procedimentos , verificamos :
S - vie d'ome (89r,2); CP - vie d'omme (27r,2), mas:
S - vie d'ome (141v,2-3); CP - vie de I' omme (50v,2-3).
S -['en Ii despiece (97r,9); CP - on Ii despiece (17r,IO), porem, com a documenta~ao do
pro nome pessoal em sua fase moderna, na ocorr8ncia do Chastel:
S - I' en Ii tolt (97r,IO); CP - on lui tolt (17r, 11).
Alem do mais, citamos alguns arcafsmos lexicos encontrados nos textos
examinados:
S - sourcuidiez (93r,2); CP - oultrecuidie (27r,5).
9 dicionlirio de Bloch e Wartburg (1967) registra outrecuider, caracterfstico do
seculo XII e fora de uso desde 0 seculo XVII (todos os itens citados abaixo foram
extrafdos do referido dicionlirio).
S - menteors (96v,6); CP - manteurs (15r,18).
S - ardanz (118v,3); CP - ardans (58r,3). Latinismo documentado no seculo XII.
S - moustier (121v,3); CP - moustier (62r,8). Do latim popular *monisterium. 0 fro mod.
monastere e um emprestimo do latim ec1esiastico monasterium.
S - aumosne (123r,9); CP - aumosne (62r,8), fro mod. aumbne do latim popular
*alemosina, a1tera~ao do latim eclesiastico elemosina.
RESUMO: Esta comunicapio aborda como Jontes poss(veis de Le Chastel Perilleux,
De Doctrina Cordis tambem conhecida como De Praeparatione Cordis, de Hugues de
Saint-Cher. Outra poss(vel Jonte e 0 tratado Jranc~s de Frere Laurent La Somme Ie Rot
dirigida a Philippe Ill, rei de Fran~a.
BLOCH, 0., WARTBURG, W. von. (1960) Dictionnaire etymologique de la langue
fran~aise. Paris: Presses Universitaires de France.
BEC, P. (1971) Manuel pratique de philologie romane. Paris: Picard, v.2.
MOIGNET, G. (1981) Systematique de la languefran~aise. Ouvrage posthume public
par les soins de Jean Cervoni, Kerstin Schlyter e Annette Vassaut. Paris:
Klincksieck.
WARTBURG, W. von. (1967) Evolution et structure de la langue fran~aise. 8. ed.
Berne: A. Francke.
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Heitor MEGALE (Universidade de Sao Paulo) Teresa Leal