Anti-IgE no presente e no futuro
Ana Margarida Pereira1,2
1 – CUF-Porto Hospital e Instituto, Unidade de Imunoalergologia, Porto, Portugal
2 – CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde, Faculdade de Medicina
da Universidade do Porto, Porto, Portugal
O único fármaco anti-IgE disponível comercialmente, na atualidade, é o omalizumab,
um anticorpo monoclonal recombinante, humanizado, aprovado para o tratamento da
asma alérgica persistente grave em indivíduos com idade igual ou superior a 6 anos(1).
O omalizumab liga-se à cadeia pesada da IgE livre, reduzindo a sua disponibilidade para
ligação aos recetores celulares; adicionalmente, leva a uma redução da expressão do
recetor de alta afinidade da IgE (FcεRI) em diversos tipos de células (figura 1). Estas
ações levam à diminuição da libertação de mediadores, com consequente redução da
inflamação e melhoria dos sintomas e complicações da doença alérgica respiratória.
Figura 1: Mecanismos de ação do omalizumab. Adaptado da referência (2).
A eficácia do omalizumab na asma alérgica grave foi largamente demonstrada em
ensaios clínicos. Uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos(3)
mostrou que o omalizumab é eficaz na redução de exacerbações [OR=0,55, intervalo de
confiança a 95%(IC95%) 0,42-0,60] e hospitalizações [OR=0,16; IC95% 0,06-0,42] por
asma, sendo mais eficaz do que o placebo no aumento do número de doentes que
conseguiram reduzir ou suspender os corticoesteróides inalados. Estes dados são
corroborados pelos resultados de estudos observacionais / de vida real conduzidos em
vários países (p. ex.: Alemanha(4), França(5), Reino Unido(6)). Em Portugal, vários
estudos observacionais recentes reportaram também melhoria no controlo da asma (710) e na qualidade de vida específica(8, 9), redução da proporção de doentes com
necessidade de corticoterapia sistémica(7, 10), diminuição do número de
exacerbações(7-9) e melhoria significativa da função respiratória(8).
A eficácia do omalizumab junta-se ao seu bom perfil de segurança, com menos efeitos
adversos graves do que o placebo(3); são de referir, no entanto, maior número de efeitos
adversos a nível do local de injeção. As suspeitas iniciais de aumento do risco de
neoplasias não foram confirmadas em estudos prospetivos subsequentes(11).
Vários biomarcadores foram estudados como possíveis fatores preditivos de eficácia no
tratamento com omalizumab. Os valores elevados de óxido nítrico no ar exalado
(FeNO), de eosinófilos no sangue periférico ou de periostina circulante(12) foram
associados a uma maior redução da frequência de exacerbações. No entanto, o interesse
destes marcadores na seleção de doentes para terapêutica com omalizumab, na prática
clínica diária, carece ainda de investigação.
As recomendações de 2014 da European Respiratory Society e da American Thoracic
Society (ATS /ERS)(1) posicionam o tratamento com anti-IgE como terapêutica
adicional a utilizar em doentes com asma alérgica grave não controlada com nível
elevado de tratamento anti-asmático standard. As recomendações mais recentes do
GINA (Global Initiative for Asthma) são semelhantes, restringindo o uso do
omalizumab a doentes com asma alérgica mediada por IgE. No entanto, alguns
trabalhos mostraram também eficácia na asma não alérgica grave(13), suportando um
papel da IgE na asma, independentemente da presença de atopia. Adicionalmente, têm
sido publicados case reports ou séries de casos reportando eficácia da terapêutica antiIgE noutras patologias das vias aéreas inferiores, tais como na aspergilose
broncopulmonar alérgica ou na pneumonia eosinofílica crónica.
Uma das limitações do tratamento com omalizumab é a sua dependência do peso e dos
níveis de IgE total, com indicação apenas em doentes com IgE entre 30-700IU/mL
(recomendações da ATS/ERS)(1) ou entre 30-1500IU/mL (no resumo das caraterísticas
do medicamento). O desenvolvimento recente de novos fármacos com maior afinidade
para a IgE, por exemplo o ligelizumab (cerca de 50 vezes maior afinidade do que o
omalizumab), poderá resolver esta limitação, para além de aumentar a eficácia clínica
do tratamento com anti-IgE.
Apesar destes desenvolvimentos recentes, há ainda várias questões em aberto / com
necessidade de esclarecimento adicional em relação ao tratamento anti-IgE,
nomeadamente:
- o tempo ideal de tratamento e que marcadores poderão ser usados para suportar a
decisão de suspender a terapêutica;
- a possível utilização de marcadores preditivos de resposta para optimizar a seleção de
doentes que poderão beneficiar deste tratamento;
- a eficácia na asma não alérgica e noutras patologias das vias aéreas inferiores;
- o uso na gravidez;
- a utilidade e custo-efetividade na asma alérgica com sensibilização a alergénios
estacionais.
Em conclusão, o tratamento com anti-IgE tem eficácia comprovada em doentes com
asma alérgica persistente grave, não apresentando efeitos adversos significativos. No
entanto, há ainda várias questões em aberto relacionadas com a sua utilização,
nomeadamente com a possível eficácia na asma não alérgica ou noutras patologias das
vias aéreas inferiores. O desenvolvimento de novos fármacos, com maior afinidade para
a IgE, poderá ultrapassar algumas das limitações atuais.
Mensagem para Medicina Geral e Familiar (até 15 linhas):
O tratamento com anti-IgE está recomendado como terapêutica adicional em doentes
com asma alérgica persistente grave não controlada com nível elevado de tratamento
anti-asmático standard (nível 4-5 nas recomendações GINA). O único fármaco
disponível atualmente é o omalizumab, um anticorpo monoclonal humanizado, de
administração subcutânea quinzenal ou mensal. Este tratamento demonstrou elevada
eficácia (quer em ensaios clínicos, quer em estudos de vida real, incluindo em Portugal),
com redução das exacerbações da asma, diminuição do número de hospitalizações,
melhoria do controlo e da qualidade de vida específica. Adicionalmente, apresenta um
ótimo perfil de segurança, sendo apenas de referir um maior risco (vs. placebo) de
reações adversas locais. Atualmente, este tratamento está disponível apenas em regime
hospitalar, pelo que os doentes com possível indicação para o fazer deverão ser
referenciados a consulta de especialidade. Os doentes sob tratamento com omalizumab
deverão manter o seguimento habitual na consulta de medicina geral e familiar, tendo
indicação para os mesmos rastreios que os restantes doentes (de acordo com o
recomentado para a idade, sexo e patologias concomitantes).
Mensagem para a população em geral (até 3 linhas):
A asma grave não controlada tem um impacto elevado na qualidade de vida. Alguns
doentes com formas graves de asma alérgica poderão ter indicação para tratamento com
os novos fármacos disponíveis. Fale com o seu médico!
Referências
1
Chung KF, Wenzel SE, Brozek JL, et al. International ERS/ATS guidelines on definition,
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