ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO NO ESTADO DA BAHIA Eurivalda Santana Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil [email protected] Fernanda Taxa-Amaro Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil [email protected] Ana Virginia de Almeida Luna Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil [email protected] RESUMO Este artigo tem como objetivo principal apresentar a trajetória teóricometodológica e prática de elaboração do material didático que visa auxiliar o professor do primeiro ano do Ensino Fundamental a mediar o processo de Alfabetização Matemática dos estudantes deste ano escolar. Para alcançar esse objetivo, uma equipe formada por profissionais que atuam na área de Educação Matemática tomou como fundamentação a Teoria dos Campos Conceituais, de Gérard Vergnaud, pesquisas no âmbito da Educação Matemática e referenciais curriculares oficiais. Os primeiros resultados apresentam um material que proporciona a interlocução entre os blocos de conteúdos de matemática propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, trazendo também uma ampliação dos conceitos propostos para a Educação Infantil no que diz respeito ao conhecimento Matemático. Palavras-chave: Alfabetização, Matemática, Anos iniciais do Ensino Fundamental, Prática Docente. ABSTRACT This paper aims to show the practical, theoretical and methodological framework used to develop the didactical material, which is intended to give support to the teacher of the first year of Elementary School to mediate the process of 2 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Mathematical Literacy of the students of the same school year. In order to attain this goal, a team of professionals who work in the Mathematics Education field based their work on the Theory of Conceptual Field by Gerard Vergnaud; previous researches in the Mathematics Education and official curriculum references. The first results have evidenced some findings that make possible for the interlocution among the mathematics content indexes proposed by the National Curriculum Parameters for the Elementary School. In addition to this, a broader understanding of the concepts proposed for the Children’s Education, with respect to the Mathematics knowledge has been also evidenced. Keywords: Literacy, Mathematics, First school year of Elementary School and Teacher’s practice. 1 Introdução O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/2012) traz dentro dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) a informação que em 2009 os estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas apresentavam índice de 4,4. Quando observado o mesmo nível escolar no estado da Bahia, observamos um índice ainda mais baixo, detectado em 3,8. Tais resultados elevam a preocupação de professores, pais e toda a comunidade escolar, visto que os baixos índices refletem a formação insuficiente dos jovens, a qual se mostra aquém do desempenho acadêmico esperado. A crença de que, para reverter esse quadro, é necessário um trabalho desde os primeiros anos de escolarização impulsionou a implantação do Programa PACTO – Todos pela Escola. O referido Programa tem sido o grande desafio da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, com vistas ao desenvolvimento e fortalecimento da Educação Básica, especialmente no campo da Alfabetização Linguística e Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O programa, implantado desde 2011, conta com o compromisso do Governo da Bahia, com a adesão das prefeituras, a colaboração dos gestores, educadores e a parceria das famílias. Em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional (arts. 5º, 8º ao 11º), que caracteriza o regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e define o acesso ao Ensino Fundamental como direito público, o Governo da Bahia vem mostrando, através do Programa Pacto – Todos pela Educação, um caminho mais V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 3 adequado para se atingir a universalização do Ensino Fundamental para além do acesso à escola, da abertura de vagas e da garantia de matrícula para as crianças e os adolescentes. O direito de aprender, permanecer estudando, desenvolver-se e concluir a Educação Básica na idade adequada é questão orientadora na implementação do direito à educação de qualidade, e, nesse contexto, a Alfabetização Matemática integra a base do direito de aprender e se apropriar de números, operações, grandezas e medidas, espaço e forma, bem como do tratamento da informação como conceitos que potencializam o raciocínio lógico-matemático da criança. Tais blocos de conteúdos constituem tempos e espaços propícios para instrumentalizar a criança no processo de apropriação da matemática. Neste contexto, nós, como pesquisadores da área de Educação Matemática, aportamos a seguinte questão de pesquisa: que material pode ser desenvolvido de maneira a trabalhar no contexto da Educação ora implantada, com o fim de orientar o professor do 1º ano do Ensino Fundamental para efetivar a Alfabetização Matemática de crianças de seis anos? Buscando responder essa questão, ancoramo-nos na vertente que compreende a Alfabetização Matemática como um processo que se inicia desde cedo, quando a criança tem os primeiros contatos com um campo conceitual bastante vasto, com representações simbólicas e organização de sentidos, como, por exemplo, as relações quantitativas, a construção do número (aritmetização), e a geometrização. Assim, operações deste tipo são tomadas aqui como eixos no processo de ensino e de aprendizagem dos anos iniciais (1º e 2º anos) do Ensino Fundamental. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar a trajetória teórico-metodológica e prática de elaboração do material didático para auxiliar o professor do primeiro ano do Ensino Fundamental a mediar o processo de Alfabetização Matemática dos estudantes desse ano escolar. 2 Referencial Teórico Para a construção do material didático de Alfabetização Matemática, a equipe se fundamenta nos estudos e pesquisas da Psicologia da Educação Matemática, com viés na Didática da Matemática, em especial na Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1982), e em estudos no âmbito da Educação Matemática como os de Sinclair, Mello e Siegrist, (1990), Lerner e Sadovsky (1996), Pires, Curi e Campos (2000), Bressan (2000), Quaranta, Tarasow e Wolman (2006), Saiz (2006), Spinillo (2006), Magina (2008), dentre outros. Esses referenciais solucionam problemas como o eixo organizador do trabalho docente na educação para o exercício da cidadania pelas crianças pequenas, como também preconizam V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 4 documentos oficiais do Brasil, a exemplo do Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), bem como os princípios e normas para a matemática escolar propostos pelo National Council of Teachers of Mathematics (NCTM). 2.1 A Teoria dos Campos Conceituais A Teoria dos Campos Conceituais (TCC) é uma teoria cognitivista que foi desenvolvida pelo psicólogo, professor e pesquisador francês Gérard Vergnaud. Essa teoria tem uma forte herança da teoria de Piaget, e apresenta interfaces com os estudos de Vygotsky. A TCC proporciona um diagnóstico da aprendizagem e oferece elementos por meio dos quais é possível basear a análise do desenvolvimento de competências e da aprendizagem de competências dos estudantes consideradas complexas. Dessa forma, a sua finalidade principal é fornecer informações que possibilitam estudar as filiações e rupturas entre os conhecimentos do ponto de vista do saber fazer e dos saberes expressos envolvidos. Portanto, ela se torna passiva de grande interesse para diversos campos do conhecimento, como Didática da Matemática, Didática da Física, Didática da Biologia, dentre outros. Para Vergnaud (1982, p. 40), um campo conceitual significa: [...] um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, conteúdos, e operações de pensamento, conectados uns aos outros e provavelmente interligados durante o processo de aquisição (VERGNAUD, 1982, p. 40, tradução nossa). Conforme Vergnaud (1982, p. 40), o domínio de um dado Campo Conceitual ocorre num “longo período de tempo por meio da experiência, maturação e aprendizagem.” Considerando que as crianças normalmente constroem um campo conceitual através da experiência na vida diária e na escola, o domínio de um campo envolve momentos que estão, também, fora do seu contexto escolar. Segundo Santana (2010) o termo maturação é empregado por Vergnaud no mesmo sentido de Piaget, e se refere, principalmente, ao crescimento fisiológico e ao desenvolvimento do sistema nervoso. A experiência refere-se à interação do sujeito com o objeto em situações de sua vida diária. Por fim, a aprendizagem é, por excelência, de responsabilidade escolar. Concordamos com o autor, pois a experiência é um fator atuante na construção do conhecimento infantil. Por exemplo: no âmbito escolar, frequentemente a experiência depende diretamente da atuação do professor (suas escolhas, planejamento e desenvolvimento de experimentos didáticos). Isto significa que será necessário criar atividades que permitam a criança ter diferentes experiências e tomar contato com o objeto de estudo, a fim de favorecer V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 5 a construção de conceitos e uma aprendizagem efetiva. Quando se aborda a aprendizagem na vertente dos Campos Conceituais é preciso ressaltar que a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo acontecem conjuntamente, e quando nos referimos a crianças e adolescentes, podemos dizer que lado a lado. Dessa forma, entendemos que a aprendizagem de conceitos por crianças dos anos iniciais perpassa a questão de assumirmos o conceito como a formulação de uma ideia através de palavras e pensamentos. Por isso, assim como Vergnaud (1996, p. 156), assumimos que um conceito não pode ser reduzido a sua definição, pelo menos quando nos interessa a sua aprendizagem e ensino. Um conceito não tem sentido em si mesmo, mas adquire sentido quando está envolvido numa situação-problema. “Este processo de elaboração pragmática é essencial para a psicologia e para a didática.” (VERGNAUD, 1996, p. 156). A natureza das situações-problema com as quais os estudantes são confrontados pode ser tanto teórica como prática. É importante levar em consideração a relevância do papel da linguagem e do simbolismo na conceitualização e na ação. Vergnaud (1985), reiterando os estudos de Piaget, define “esquema” como uma forma de organização invariante do comportamento com base em uma classe de situações. Os esquemas explicitam os conhecimentos em ação dos sujeitos, e são os elementos cognitivos responsáveis para que a ação do sujeito seja operatória. Os esquemas são aliados imprescindíveis para estrutura cognitiva do sujeito e têm a função de organizar no plano do significado a articulação necessária entre as situações de referência e os significantes simbólicos. Na TCC, a construção de um conceito envolve uma terna de conjuntos e, segundo essa teoria, o conceito é chamado simbolicamente de C=(S, I, R), em que: S é um conjunto de situações que tornam o conceito significativo; I é um conjunto de invariantes (propriedades e relações) que podem ser reconhecidos e usados pelo sujeito para analisar e dominar essas situações; R conjunto de formas pertencentes e não pertencentes à linguagem que permitem representar simbolicamente o conceito, as suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento (o significante). (VERGNAUD, 1996, p. 166). Por compreendermos o conceito nessa tríade apresentada na TCC, assumimos que, ao abordar um conceito, o mesmo estará inserido em situações que envolvam ludicidade e desafios. Além disso, buscaremos aportar as situações o mais próximo possível do cotidiano da criança, trazendo sempre a oportunidade de socialização do conhecimento para que sua construção também ocorra de coletivamente. Isso sem esquecer os significantes , os quais permitem trabalhar os conceitos de maneira simbólica, e sempre abordando as propriedades inerentes ao mesmo. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 6 2.2 A matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental no âmbito da Educação Matemática Ao considerarmos estudos no âmbito da Educação Matemática, como o de Lerner e Sadovsky (1996) e Quaranta, Tarasow e Wolman (2006), compreendemos que as crianças não aprendem sobre os números a partir de uma ordem linear, de um em um, visto que no contexto que as cercam não há limites entre intervalos numéricos. Por exemplo: a criança pode grafar de forma correta o número de sua casa, como o 3.043, ainda que não saiba como escrever convencionalmente o número 42, ou mesmo números menores. Os números, em diferentes contextos, ainda mais tendo um sentido específico para uma determinada criança, pode ser lido e/ou interpretado por ela em determinadas situações, mesmo que não tenha construído as regras de organização do nosso sistema de numeração decimal. Ao pensar numericamente em diversas situações sociais, ao utilizar operações eficazes de representação e ao compreender os preceitos dos conceitos matemáticos inseridos nos problemas, tornamos-nos numeralizados (SPNILLO, 2006). Dessa forma, tornar-se numeralizado está relacionado ao sentido numérico que cada um tem consigo. Para tanto, no processo de alfabetização matemática as crianças devem investigar sobre os números para produzir o sentido numérico. Nessa direção, Spinillo (2006) apresenta alguns indicadores para auxiliar na construção do sentido de número. Como a computação numérica flexível que envolve o reconhecimento de correspondência entre quantidades que são decompostas e recombinadas de diferentes maneiras. Os julgamentos quantitativos e inferência que é a capacidade de julgar e fazer inferências sobre quantidades; nesse indicador localizamos a relevância do trabalho com a estimativa. A utilização de âncoras também é um indicador, a qual revela maneiras flexíveis de raciocínio durante o processo de resolução de uma situação-problema. Outros indicadores a serem considerados são: o reconhecimento de um resultado como adequado ou como absurdo; reconhecer a magnitude absoluta e relativa dos números, o qual envolve a habilidade de comparar quantidades em termos absolutos e relativos; a habilidade de compreender o efeito das operações; assim como usar e reconhecer que um instrumento ou um suporte de representação pode ser mais útil ou apropriado que outro e, por fim, reconhecer usos, significados e funções dos números no cotidiano, atentando-se aos diversos significados que podem ser atribuídos aos números e quanto aos usos. As funções do número são: medir, quantificar, codificar e ordenar (SINCLAIR; MELLO; SIEGRIST, 1990). Ao trabalhar o número com a função de medir é possível contemplar o bloco de V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 7 grandezas e medidas proposto pelos documentos curriculares nacionais (BRASIL, 1997, 1998), considerando o uso pelas crianças de diferentes estratégias para comparar grandezas, a fim de efetivar as primeiras aproximações com medidas de comprimento, massa, volume e tempo, por meio de unidades convencionais e não-convencionais. Quanto ao processo de construção relacionado ao conteúdo espaço e forma, as situações foram pensadas a partir do estabelecimento de relações espaciais nos deslocamentos, com atividades envolvendo a comunicação oral e a reprodução de trajetos, considerando elementos do entorno e pontos de referência. Além disso, podem ser estabelecidas relações espaciais, também, entre objetos e em objetos. As relações espaciais entre objetos ocorreram através da localização e posição no espaço, com a descrição e interpretação da posição de objetos e pessoas em determinados espaços (CAMPOS; CURI; PIRES, 2000; LUNA, 2009) No caso do estabelecimento de relações espaciais em objetos, deve se propor situações para que as crianças iniciem os desenhos de construção, antecipem a própria ação para a conquista dos resultados esperados, modifiquem o produzido em função da ação do outro ou de resistências do objeto. No trabalho com as figuras geométricas, podem ser desenvolvidas atividades nas quais as crianças descrevem as figuras a partir das formas que observa no seu cotidiano. A partir da observação, experimentação, exploração e investigação do espaço, a criança desenvolve a capacidade de perceber, visualizar, reconhecer formas, representá-las pelo desenho, identificar propriedades e, assim, construir suas definições e abstraí-las (BRESSAN, 2000). Essas noções favorecem a construção das relações espaciais que caracterizam o pensamento geométrico, ferramenta essencial para interpretar, compreender e apreciar o mundo, o qual é essencialmente geométrico. A geometria, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, inicia-se pela “percepção de” e “a ação sobre” os objetos no mundo exterior. Esses objetos são inicialmente percebidos no espaço, depois são observados e analisado. Muitas propriedades são identificadas e descritas verbalmente, levando a uma classificação e, mais tarde, à conceituação. É possível confrontar os alunos dos anos iniciais com problemas que impliquem na descrição e interpretação, tanto oral como gráfica, da posição de objetos ou pessoas em um lugar determinado. As descrições iniciais que os alunos realizam podem evoluir a partir da linguagem utilizada e do estabelecimento de pontos de referência que evidenciam a possibilidade do mesmo objeto ter diferentes representações a depender do ponto de vista do observador (BRESSAN, 2000). Nesse sentido, o domínio do espaço implica na possibilidade de descrever, comunicar e interpretar tanto a posição de um objeto ou pessoa como também seus possíveis V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 8 deslocamentos. Para representar esses deslocamentos, se pode utilizar diagramas, esboços, instruções verbais etc. E deverá permitir ao aluno avançar em seus conhecimentos geométricos baseados na percepção e na análise das propriedades das formas, suas relações e seus elementos. 2.3 Breve percurso de propostas curriculares em matemática no Ensino Fundamental A proposta didática ora apresentada considera o percurso histórico de propostas já elaboradas e veiculadas oficialmente, seja em nível estadual ou pelas indicações do Ministério da Educação, ou ainda pela implantação do currículo transversal na Espanha. Partimos da análise de alguns pressupostos conceituais preconizados pelas propostas curriculares em matemática e, a partir deles, constituímos a nossa proposta didática considerando as especificidades dos dados oficiais sobre desempenho matemático dos alunos do Estado da Bahia, buscando trazer elementos regionais, a fim de aproximar a criança de uma aprendizagem com significação no campo dos saber matemático que já possui, valendo-nos, assim, de sua vivência e da ampla e diversa cultura baiana em particular. Na década de 80, a proposta curricular para o ensino de Matemática (1º grau), elaborada pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo (CENP/SEE, 1988), evidenciava que o ensino da referida área nas séries iniciais deveria objetivar que os alunos compreendessem aspectos quantitativos da realidade física e social. Além disso, as operações mentais a serem exploradas com crianças das séries iniciais, segundo o documento, deveriam estar diretamente ligadas a processos lógicos de pensamento, integrando o conhecimento Matemático às demais disciplinas do currículo oficial. Na proposta, há uma ruptura com um enfoque mais tradicional de ensino, enfatizando a compreensão do aluno a despeito de processos memorísticos, criticando a ênfase em atividades de transmissão do professor e apresentação de regras, sinais matemáticos. Além disso, observa-se no referido documento o rompimento com as clássicas situações de “prova”, cujo objetivo centrava-se em responder a tabuada, montar o algoritmo, “fazer a conta” ou nomear figuras geométricas. Na segunda metade da década de 90, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) apresentou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Nos PCN (BRASIL, 1997) tem destaque a preocupação com o papel socializador da escola, unindo o desenvolvimento individual e o contexto sócio-cultural do sujeito, o que redunda na opção por uma escola que vise a constituição da cidadania de forma coletiva e permanente. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 9 Assim, ao se falar da importância do ensino da matemática para favorecer o exercício da cidadania pelos sujeitos, é importante ressaltar o convite que tal documento (BRASIL, 1997, 1998) nos faz para apreender a realidade quantitativa que nos rodeia e o destaque de temas transversais. Contribuir para o exercício da cidadania pelas crianças na escola requer ousadia no processo ensino e aprendizagem, sobretudo quando destacamos os problemas aritméticos, cujo enfoque deve ser estimular os alunos a suscitarem dados de contexto, desenvolverem processos de problematização elaborarem hipóteses e planos de ação (TAXA, 2006). O PCN destaca a importância construtiva do aluno e a devida intervenção do professor, e se contrapõe às concepções de ensino e aprendizagem apenas como produto de aprendizagem e propõe: [...] uma visão de complexidade e provisoriedade do conhecimento. De um lado, porque o objeto de conhecimento é “complexo” de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque o processo cognitivo não acontece por justaposição, senão por reorganização do conhecimento. É também “provisório”, uma vez que não é possível chegar de imediato ao conhecimento correto, mas somente por aproximações sucessivas que permitem sua reconstrução (BRASIL, 1997, p.44). No caso específico da matemática, os PCN destacam a solução de problemas como uma forma de linguagem que favorece de forma articulada o desenvolvimento de uma série de conceitos fundamentais, a fim de instrumentalizar o sujeito para a vida e desenvolver seu raciocínio. Nessa direção, a Proposta Didática de Alfabetização Matemática que apresentamos vai de encontro com a ideia segundo a qual a solução de problemas é definida única e exclusivamente como uma tarefa escolar, tipicamente matemática, ou seja, uma tarefa que envolve relações quantitativas e serve para aplicabilidade de técnicas operatórias do tipo algorítmicas (TAXA, 2001). Ao atribuir à solução de problemas o foco da aprendizagem matemática, os PCN de matemática (BRASIL, 1997) consideram vários aspectos fundamentais: [...] a) um problema matemático não é atividade mecânica de aplicação de fórmulas e sim uma situação que leve os alunos à interpretação do enunciado, em busca de planificação da resposta a ser dada; b) a construção de um conceito não se dá somente pelo fato de o (a) aluno (a) buscar uma resposta ao problema enunciado, pois as crianças constroem um campo de conceitos que tomam sentido num campo de problemas. Um conceito matemático se constrói articulado com outros, por meio de uma série de retificações e generalizações; c) a solução de problemas constitui o contexto apropriado para a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes ligadas ao conhecimento matemático das crianças. (BRASIL, 1997, p.44). No âmbito internacional, a reforma do ensino na Espanha, há mais de duas décadas, teve como pano de fundo, em particular na região da Catalunha (Barcelona), reflexões acerca da dicotomia entre a ênfase de um ensino voltado para as disciplinas clássicas do currículo e a introdução de um currículo que contemplasse o conhecimento social e afetivo impregnados na vida cotidiana dos sujeitos. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 10 O material didático foi elaborado e adotado na Catalunha pelo grupo de docentes do Departamento de Psicologia - Processos Cognitivos da Universidade de Barcelona em conjunto com professores da rede pública de ensino da educação primária. Intitulado “Conhecimento do Meio – A Transversalidade desde a Co-educação”, sob a direção de Moreno e Sastre et al. (1994), objetivava que as crianças refletissem sobre fenômenos e situações diversas, englobando o saber cotidiano e científico. Para os professores, o material possibilitava indicação metodológica para a integração da “Igualdade de Oportunidades entre os gêneros com a área de conhecimento do meio físico, social e cultural”. Com isso, a Língua e a Literatura, a Matemática e as Ciências (naturais e sociais) adquiriram um novo significado: o de instrumentos para organizar as experiências e aprofundar os saberes historicamente acumulados pela humanidade e veiculados, sobretudo, na escola. 3 Metodologia Esta pesquisa – de natureza bibliográfica e em uma abordagem qualitativa – procedeu, inicialmente, a análise de documentos oficiais sobre propostas curriculares, conforme já apontado no referencial teórico. Em especial, pautou-se na estrutura do material “Proposta Didática para Alfabetizar Letrando”. do Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), implantada por ações do Governo do Estado do Ceará desde 2007 para alfabetizar os alunos das redes municipais até o segundo ano do Ensino Fundamentali. O percurso metodológico desta pesquisa percorreu quatro fases, a saber: A 1ª fase teve o objetivo de delinear os conteúdos e conceitos matemáticos a serem abordados no 1º ano do Ensino Fundamental. Para isso, foi feito um levantamento das orientações dadas pelo RCNEI e pelo PCN para o ensino de Matemática na Educação Infantil e na 1ª série do Ensino Fundamental, respectivamente. Para complementar tal delineamento, operou-se um levantamento nos livros didáticos de Matemática adotados nas escolas públicas. Na 2ª fase a equipe procedeu uma revisão bibliográfica dos resultados de pesquisas que abordavam, como questão principal, os processos de Ensino e de aprendizagem de Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O principal objetivo dessa fase foi identificar que conteúdos e conceitos matemáticos o professor busca trabalhar, nesse ano escolar, quais conteúdos tem dificuldades de trabalhar e quais suportes didáticos (materiais didáticos) utilizam em sua prática. O objetivo em relação a aprendizagem foi compreender como ocorre o processo de formação de conceitos matemáticos a serem abordados nesse nível escolar. De posse das informações das etapas anteriores, a equipe, iniciou a 3ª fase que V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 11 objetivava, a luz dos referenciais teóricos adotados, compreender os fenômenos delineados nas fases anteriores e traçar o perfil do material a ser construído para a Alfabetização Matemática. A 4ª fase teve como objetivo a construção efetiva do material didático do professor e do caderno de atividades do aluno. A análise do material didático construído foi feito por uma especialista em alfabetização; foram testadas em sala de aula algumas das atividades elaboradas e, na sequência, o material foi analisado por uma equipe de 29 (vinte e nove) formadores de professores alfabetizadores que compõem a equipe de Formadores do Programa Pacto – Todos pela Educação, colocando sobre o percurso metodológico apresentado as orientações didáticas para o professor e as suas potencialidades com o fim de ser implantado na escola. 4 Apresentação dos Resultados 4.1 A estrutura do material Dirigido para o 1º ano do Ensino Fundamental, o material de Alfabetização Matemática apresenta a seguinte estrutura: Material de Orientação Didática do Professor; 2) Material Didático do Professor e Cartazes Didáticos; 3) Caderno de Atividades do Aluno 4) Encarte de Jogos e Fichas do Aluno. O Material de Orientação Didática do Professor foi estruturado com o objetivo de orientá-lo para o desenvolvimento de suas atividades de ensino diárias em sala de aula. Dessa forma, traz orientações didáticas para o desenvolvimento de cada atividade. Esse material está organizado em quatro etapas, cada uma delas refere-se a dois meses de aula, constando de oito semanas, e em cada semana três dias. Em cada dia, a divisão de três momentos para a aula. As etapas se referem às quatro unidades escolares e, em cada uma delas, os conceitos e conteúdos matemáticos são trabalhados de modo a fazer uma interlocução entre os blocos de conteúdos indicados pelo PCN (1997), bem como o avanço linear dos conteúdos. Cada dia contemplando um foco principal: No 1º dia da semana, o foco principal é a formação do conceito de número, priorizando o “número em diferentes contextos”. Buscando fazer a interlocução com os conceitos referentes a grandezas e medidas e tratamento da informação, bem como a geometria. No 2º dia da semana, o trabalho foca a “formalização” da leitura e escrita numérica. No 3º dia da semana, o trabalho com a matemática foca a geometria, bloco denominado pelo PCN (BRASIL, 1997) de “espaço e forma”, fazendo uma introdução a noções dos V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 12 conceitos geométricos a partir das noções topológicas e abordando a passagem das relações intrafigurais a interfigurais de formas geométricas planas e espaciais. As atividades propostas contemplam aritmética e geometria, conforme indicação dos PCN, e se organizam em três momentos distintos da aula, embora integrativos entre si. Estes três momentos ou tempos para auxiliar na construção de saberes matemáticos das crianças são descritos a seguir: Matematizar com Jogos e Desafios Tempo que prioriza o fazer matemático por meio de jogos, brincadeiras, atividades em grupos (duplas, trios, quartetos), contação de histórias com enredos enigmáticos, proposição de desafios e situações-problema. A dinâmica desse tempo prioriza a realização de uma atividade lúdica ou uma dinâmica rápida (não mais do que 15 minutos), objetivando iniciar o primeiro contato com o conceito ou conteúdo matemático que se planeja abordar no respectivo dia. Matematizar na Roda de Conversa Tempo que prioriza o fazer matemático por meio da socialização e registros coletivos dos saberes das crianças, suas concepções espontâneas acerca de um determinado quadro conceitual. É um tempo que também implica mudança conceitual em razão da mediação do próprio grupo que interage e propõe novas argumentações diante do que foi realizado no tempo anterior (jogos e desafios). O professor buscará explicitar nesse momento a Matemática que está presente na atividade do dia, ressaltando-a e explorando as suas potencialidades. O professor não precisa chamar a atenção dos alunos que erraram, precisa apenas trabalhar as diversas maneiras daqueles que conseguiram representar de forma correta. Matematizar com Registros Tempo que prioriza o fazer matemático por meio do registro individual da criança no seu próprio Caderno de Atividades e, a partir de sua produção, realizar a interface entre as notações pessoais e a formalização matemática. É um momento em que se pode contemplar, novamente, a proposição de registros em duplas ou trios, reforçando o valor das trocas e do conflito sócio-cognitivo advindo de uma atividade de registro que exige, prioritariamente, V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 13 construção de esquemas representacionais voltada às notações numéricas. Objetiva avaliar a apropriação pelas crianças dos conceitos e procedimentos trabalhados e expandir o trabalho realizado, checando a possibilidade de generalização. O Material Didático do Professor é composto de cartazes e encartes que o auxiliam a desenvolver as atividades propostas para o momento de matematizar com jogos e desafios e o momento de matematizar na roda da conversa. São produzidos em folhas maiores que A3 de modo a permitir a visualização das imagens por toda a turma, bem como a construção de objetos geométricos. O Caderno de Atividades do Aluno é um material que será usado com maior ênfase no terceiro momento (Matematizar com registros) de cada dia. As atividades serão desenvolvidas de maneira individual, contando com a orientação do professor. Encarte de Jogos e Fichas do Aluno e um caderno que traz os jogos que precisam ser trabalhados individualmente, dessa forma cada aluno irá destacar o material a ser usado. O material é composto por jogos, sólidos planificados, fichas para contagem, quebra-cabeças. A interlocução entre os blocos de conteúdos apresentados pelos PCN é uma constante em todo o material. A cada dia as situações apresentadas inicialmente através de jogos e desafios focam um conceito ou conteúdo matemático, mas busca abordar os diferentes blocos de modo a proporcionar uma interlocução entre eles. Vejamos exemplos na seção a seguir. 4.2 As atividades de matemática na rotina semanal Apresentaremos a seguir como elaboramos as atividades conforme a rotina semanal. Para tanto, selecionamos duas propostas de atividades: a primeira delas refere-se ao primeiro dia da 6ª semana da primeira etapa e o segundo relato, refere-se ao segundo dia da 3ª semana da segunda etapa de trabalho com o material. Ambas as etapas contemplam atividades a serem desenvolvidas no primeiro bimestre do ano letivo, como os conceitos que envolvem números e operações e grandezas e medidas. 4.2.1 A rotina semanal – 1ª etapa – 6ª semana – 1º dia (números e operações) Nessa primeira etapa, no primeiro dia de cada semana, organizamos atividades com o propósito de favorecer que as crianças se aproximassem da leitura e escrita numérica e de registros de quantidades a partir de materiais que circulam socialmente, a saber: dados, baralho, o diagrama do jogo amarelinha (jogo da cultura popular brasileira). Como esses materiais apresentam apenas a representação de números e/ou quantidades no campo numérico de 1 a 6 ou de 1 a 10, a maioria das atividades dessa etapa focaram a V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 14 contagem, leitura e escrita nesse campo, ainda que, nas atividades desde essa primeira etapa, também investimos em situações com um campo numérico mais amplo, como, por exemplo, a proposta de atividade da segunda semana, do primeiro dia, que tem como propósito a escrita de números do cotidiano, com registros numéricos, como, por exemplo, o número do calçado e o número da casa da criança. Seguiremos, neste momento, com a apresentação do passo a passo da rotina de um dia de uma semana conforme o material produzido. Para isso, como já se mencionou, selecionamos o primeiro dia da sexta semana da primeira etapa. Essa escolha foi aleatória tendo em vista que o nosso propósito nesta seção é apresentar a sequência de um dia de uma semana e não de todo o material. Para o primeiro dia da sexta semana, no momento inicial, denominado “Matematizar com jogos e desafios”, propôs-se o jogo de amarelinha, que foi escolhido por ser popular e por envolver uma sequência numérica, a qual permite que as crianças interajam com os números com a função de ordenar, no momento em que eles jogam a “pedrinha” e seguem a sequência apresentada no diagrama traçado no chão. Além disso, eles terão a oportunidade de lidar com a função de quantificar através do número, ao controlarem o número de casas que pularam em uma determinada jogada. Ao propormos o desenho da amarelinha no chão, propiciaremos que as crianças produzam o traçado da amarelinha, considerando diferentes disposições espaciais . Esta atividade de produção do diagrama envolve, também, a representação de formas geométricas diferentes como, por exemplo, as formas quadrangulares e as triangulares, conforme pode ser observado na Figura 1 a seguir: Figura 1: Diferentes tipos de formatos para o diagrama do jogo de amarelinha. Antes de dar início ao jogo com a participação de todas as crianças, o material do professor orienta que as crianças devem ficar em volta do diagrama, sentados, a fim de que possam observar os procedimentos para a realização do jogo. Em seguida, apresentamos as orientações para o registro do jogo pelas crianças em seus respectivos bloquinhos de V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 15 anotações – esse bloquinho está atrelado ao encarte de Jogos e Fichas do Aluno. A finalidade desse registro consiste em que, ao ter que passar a vez, as crianças possam anotar o número correspondente ao quadrado no qual o participante parou. Quando chegar novamente sua vez, poderá consultar o registro para saber de onde deverá iniciar. Neste material de registro não é cobrado da criança um traçado convencional, no entanto, como as crianças têm acesso ao traçado convencional no diagrama, no registro eles podem utilizar o diagrama como fonte de consulta do traçado. Com a atividade apresentada fica evidenciada a interlocução entre os blocos de conteúdos apresentados nos documentos curriculares nacionais (BRASIL, 1997,1998), nesse caso, envolvendo conteúdos do bloco número e do bloco espaço e forma, esse último denominamos no material didático com o termo geometria. No primeiro dia de cada semana, as situações, apresentadas inicialmente através de jogos e desafios, focam um conceito ou conteúdo matemático, envolvendo os números e suas diferentes funções no contexto social (quantificar, ordenar, codificar e medir). Com isso, nas atividades, desse dia em especial, podem ser abordados simultaneamente diferentes blocos, possibilitando a interlocução, por exemplo, entre conteúdos dos blocos números e operações com o de grandezas e medidas, ou entre o bloco números e operações e o de tratamento da informação. No segundo momento do dia, denominado “matematizar na roda de conversa”, o propósito da atividade foi possibilitar que as crianças refletissem sobre a ordem e a quantidade no campo numérico presente no diagrama da amarelinha. Nessa atividade, o professor é orientado, a partir do material, a fazer questões ao grupo, tais como: a) por qual número começamos a brincadeira?; b) qual o maior número da amarelinha?; c) quantas casas têm cada amarelinha?; d) por quais casas passamos até chegar a casa 8?; e) qual o número que vem depois do número 8?; f) quando você passou a vez no jogo, para qual casa você deveria lançar a pedrinha na próxima jogada? e g) quando você perdeu a vez, para qual casa você deveria avançar no jogo? Ao considerarmos que esse material está fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais, entendemos que situações-problema como as geradas desde o traçado da amarelinha até os questionamentos da roda de conversa, pois tais situações favorecem a aprendizagem de conceitos pelas crianças. O conceito aqui é entendido como a formulação de uma ideia através das palavras e do pensamento, logo, o conceito em situações como essa não é reduzido à sua definição (VERGNAUD, 1996). Com questionamentos como os apresentados anteriormente as crianças começam a atribuir sentido ao conceito de quantidade, ou seja, a cardinalidade do número. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 16 No último momento do dia, chamado “matematizar com registros”, as crianças terão a oportunidade de ler e escrever números, ordenando-os e quantificado-os em seu caderno de atividades. Na primeira questão, é proposto às crianças que desenhem o diagrama do jogo de amarelinha, podendo escolher a disposição espacial que desejarem. O critério desta atividade foi que fosse alguma das disposições desenhadas quando vivenciaram o jogo. Vejamos na figura a seguir as outras duas atividades propostas: ATIVIDADE 2 - (Caderno de Atividades) - PINTE O NUMERAL EM QUE VOCÊ PASSOU A VEZ. ATIVIDADE 3 - (Caderno de Atividades) - ESCREVA OS NUMERAIS QUE FALTAM PARA COMPLETAR A AMARELINHA E DEPOIS LEIA O QUE ESCREVEU Figura 2: Atividades 2 e 3 da sexta semana do primeiro dia (1ª etapa) do Caderno de Atividades de Matemática do (a) Aluno (a) do Programa PACTO. Atividades oportunizam que as crianças tenham oportunidade de realizar leitura, interpretação e produção de escritas numéricas, a partir de diferentes experiências. A criança tem contato com o objeto de estudo de diversas maneiras, o que pode favorecer uma aprendizagem efetiva como sugere Vergnaud (1982). 4.2.2 A rotina semanal – 2ª etapa – 3ª semana – 2º dia (grandezas e medidas) Na segunda etapa, no segundo dia de cada semana, focamos as atividades de comparação de quantidades ainda na linha de reconhecer o número no contexto social, buscando analisa-lo nas suas diferentes funções. Atividades que exploram a leitura, manipulação e análise de bilhetes de passagem de ônibus, ingressos de cinema, teatro, bem como números envolvendo o contexto de medir tempo, tendo o “ano” como unidade de medida foram a tônica desta 2ª etapa nos blocos de números e operações e grandezas e medidas. As atividades anteriores voltaram-se à, por exemplo, partilhar diferentes tipos de calendários, como os de bolso, de mesa, folhinha, na agenda, entre outros, fazendo o levantamento com as crianças sobre o contexto em que cada calendário pode ser encontrado, identificando também números que aparecem de cor diferente, datas ou dias representam esses números e porque estão em destaque. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 17 No momento inicial, denominado “Matematizar com jogos e desafios” as crianças são questionadas a investir na análise de um calendário anual, com perguntas norteadoras: a) Qual é o ano que nós estamos? E o mês? O dia de hoje? E o dia da semana?, b) Hoje estamos no dia ___ do mês de___________. Quantos dias faltam para chegar no dia 20?, c) Quantos dias já se passaram esse mês?. É indicado ainda, para o (a) professor (a), explorar outras situações, como as sequências e regularidades numéricas no calendário: “Depois que passar 3 dias do dia de hoje, em que dia estaremos? E se passar mais 3 dias?” Esses questionamentos podem ser feitos considerando a variável da contagem: 4 em 4 dias, 5 e 5 dias, 6 em 6 dias e assim sucessivamente, a fim de ampliar o repertório da sequencia de dias do mês e da semana, bem como a regularidade presente na notação do calendário. No segundo momento do dia, denominado “Matematizar na roda de conversa”, o propósito da atividade foi o de as crianças comparassem as marcas que fizeram em seus calendários, que comentassem o que observaram das marcas nos calendários dos colegas. Algumas perguntas norteadoras do (a) professor (a) foram: a) “Qual é a única data que ficou pintada diferente entre todos os calendários? (data do aniversário de cada um, salvo, por exemplo, a existência de crianças que fazem aniversário no mesmo dia/mês), b) “Quantos meses ao todo têm 31 dias?” e “Quantos meses têm 30 dias?”; c) “Qual (s) o (s) mês (s) que não têm nem 30 e nem 31 dias?”, d) em que dias da semana vocês não vêm para a escola? Olhem aí no Calendário, nesse mês de ___________________, quais os dias do mês que não virão à escola? No momento final do dia, o de “Matematizar com registros”, as crianças recorrerão à escrita e ao desenho para organizar a compreensão da noção de tempo como grandeza (dias da semana) que estão elaborando. A atividade específica de registro no caderno do (a) aluno (a) solicita, a partir da leitura de um quadro (tratamento da informação), a agenda semanal de uma das personagens da Turma dos Supermatemáticos que permeia muitas das situações-problema e atividades do caderno do aluno no material didático. Questões norteadoras também são enunciadas: a) em que dias da semana a menina Métrica brinca com os Supermatemáticos fora da escola?, b) quais os dias da semana que ela para a escola?, c) em que dia da semana ela tem aula de artes?, entre outras perguntas. 5 Discussão dos Resultados V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 18 Depois de elaborado, o material foi avaliado por uma equipe de formadores alfabetizadores e, além disso, algumas das atividades foram aplicadas em sala de aula com crianças que estavam cursando o 1º ano do Ensino Fundamental. Vejamos as colocações escritas apresentada por uma formadora: “A proposta se encontra para além dos conceitos e aplicação matemática. A maneira lúdica apresentada e as alternativas de interação apresentados remetem ao letramento que acreditamos seja o diferencial da proposta” (informação apresentada numa avaliação escrita num formulário próprio). Os formadores avaliaram os diferentes aspectos do material. Em relação ao Material Didático, concluíram que o aspecto lúdico, o caráter contextualizado do material, o qual se apresenta altamente rico e orientado, atrativo e que instiga a curiosidade infantil e dos formadores. Observa-se que os sujeitos elencaram tais aspectos com positividade, atrelando a Alfabetização Matemática a uma proposta/material envolvente e bem conceituada, além do destaque dos sentimentos causados, como: prazeroso, enriquecedor, gratificante. Dos 29 questionários, 16 respostas indicam a categoria de real viabilidade da proposta, a possibilidade de uma iniciativa de proporcionar um desenvolvimento profissional do professor em serviço. O pensar juntos, o fato de ser confeccionado, gestado na realidade do estado são outros aspetos positivos apontados pelos formadores. As atividades que foram desenvolvidas em sala de aula com as crianças de seis anos trouxeram resultados positivos, pois as crianças se envolveram nas atividades e apresentaram respostas que indicam o alcancem dos objetivos propostos inicialmente para o desenvolvimento das mesmas. 6 Conclusão Que material pode ser desenvolvido de maneira a trabalhar dentro do contexto da Educação ora implantada, de modo a orientar o professor do 1º ano do Ensino Fundamental para efetivar a Alfabetização Matemática de crianças de seis anos? Essa era a questão principal a ser respondida nesta pesquisa. Diante do exposto, é possível responder tal questão afirmando que o material construído visando auxiliar a mediação do professor em sala de aula, para oportunizar a Alfabetização Matemática de crianças de seis anos, precisa fazer uma interlocução entre os blocos de conteúdos do PCN, apresentar situações que envolva a criança através do lúdico, da socialização e da formação dos conceitos matemáticos. De maneira que não se conduza o ensino de Matemática pelo viés da memorização e mecanização do conhecimento. Matematizar é palavra-ação que marca a identidade da nossa Proposta de Alfabetização V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 19 Matemática no PACTO, implantada pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia com o programa Todos pela Escola. Matematizar implica pertença de conhecimentos matemáticos mediados constantemente pelas interações sociais que se estabelecem no contexto escolar e fora dele. Temos como traço identitário a inserção da criança na cultura Matemática, considerando que a construção do conhecimento matemático pela criança passa pela transitoriedade de saberes, de verdades inacabadas e de contínua pesquisa. Matematizar significa, aqui, ultrapassar saberes infantis que envolvam apenas o cálculo, a contagem, a escrita algorítmica, entre outros tantos conteúdos formais e clássicos da Matemática. Para além dessas funções, Matematizar deve expressar a capacidade de se poder ler informações matemáticas com criticidade, desde a infância, contidas nos veículos de informação de massa, como o jornal, as revistas, os canais televisivos, as rádios e os últimos adventos High Tech. Nunes e Bryant (1997), analisando as conexões entre conhecimento matemático e formação da cidadania do sujeito, lembram que, na organização social de muitas comunidades, as pessoas expressam grande preocupação com as habilidades matemáticas da população, e que estas preocupações devem ser transportadas para a esfera da escola como o espaço legítimo de alunos e professores que lidam com essa forma de conhecimento. Os autores alertam para o fato de que o ensino da Matemática deverá se fundamentar na ideia de crianças “alfabetizadas” e “numeralizadas” para a atualidade, o que vai além da simples ideia de ensinar aritmética, e apontam para a preocupação de fazer com que dominem o sistema escrito linguístico e numérico e das operações aritméticas segundo os conceitos da sua própria cultura. Tal aprendizagem tende a refletir um tipo de sujeito dinâmico e articulado para com os dados da realidade a analisar. Apesar de conseguir estruturar o material, que foi avaliado de maneira positiva pelos formadores e especialistas da área de Alfabetização, ainda restam outras perguntas a serem respondidas pelos pesquisadores, tais como: o material em questão será capaz de Alfabetizar Matematicamente as crianças de seis anos do Ensino Fundamental? Dessa forma, a equipe continuará com seus estudos em busca de respostas. Agradecimentos Agradecemos a Amália Simoneti, Roberta Menduni, Irene Cazorla e Sandra Magina por toda a colaboração no desenvolvimento do material da Alfabetização Matemática do Programa Pacto pela Educação. E uma agradecimento especial as designers Bianca Chagas, Camila Teixeira e Cristiane Aragão. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 20 Referências BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática, Brasília:MEC/SEF, v. 3, 1997. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. In: <http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/>Acesso em 28 de abril de 2012. BRESSAN, A. M. (Org). Razones para enseñar geometria en la educação básica: mirar, construir, decir y pensar… Buenos Aires/México: Ediciones Novedades Educativas, 2000. LERNER, D.; SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: PARRA, C. et. al. Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 73-155. LUNA, A. V. A. O processo de ensino e aprendizagem da geometria: uma experiência com o estudo de área e perímetro. In: G. Guimarães et. al (Eds.) (Org.). Reflexões sobre o ensino da matemática nos anos iniciais de escolaridade. 1ª ed. Recife: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2009, p. 73-85. MORENO, M. ; SATRE, G. et al. El conocimiento del médio – La transversalidade desde la coeducación – Materiales para el profesorado. España: Ministério de Educación y Ciencia; Instituto de La Mujer; secretaria de Estado de Educación, 1994. PIRES, C. M. C.; CURI, E.; CAMPOS, T. M. M. Espaço e forma: a construção de noções geométricas pelas crianças das quatro séries iniciais do ensino fundamental. São Paulo: PROEM, 2000. QUARANTA, M. E.; TARASOW, P.; WOLMAN, S. Abordagens parciais à complexidade do sistema de numeração: progressos de um estudo sobre as interpretações numéricas. In: PANIZZA, Mabel. Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análises e propostas. Porto Alegre: Artmed, 2006. SANTANA, E. R. dos S. Estruturas Aditivas: o suporte didático influencia a aprendizagem do estudante? Tese (Doutorado em Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2010. SÃO PAULO (ESTADO), Secretaria Estadual de Educação, Coordenadoria de estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular para o Ensino de Matemática no Primeiro Grau. 3. ed. São Paulo: SEE/CENP, 1988. SINCLAIR, A.; MELLO, D. E.; SIEGRIST, F. A notação numérica na criança. In: H. Sinclair (Org.). A produção de notações na criança: Linguagem, número, ritmos e melodias. São Paulo: Cortez, 1990. p. 71-96. SPINILLO, A. G. O Sentido de Número e sua Importância na Educação Matemática. In: BRITO, Márcia Regina Ferreira de (Org.). Solução de Problemas e aMatemática Escolar. Campinas, SP: Editora Alínea, 2006. TAXA, F. de O.S.; FINI, L.D.T. Temas Transversais e o ensino da matemática. Revista Educação e Cidadania – Publicação do Centro de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural, ano 1, n. 2, p. 151166, 2001. TAXA-AMARO. Solução de problemas matemáticos e a intervenção do professor – uma parceria necessária na educação infantil. In: DAVID, C. M.;GUIMARÃES, J. G. M. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 21 Cadernos de Formação – Caderno de educação Infantil. 2. ed. São Paulo: UNESP, Próreitoria de graduação, 2006. p. 137-161. VERGNAUD, G. Classification of Cognitive Tasks and Operations of Thought Involved in Addition and Subtraction Problems. In. CARPENTER, T.; MOSER, J., ROMBERG, T. (Orgs.). Addition and Subtraction: a cognitive Perspective. New Jerssey: Lawrense Erlbaun, 1982. p. 39-59. ______. Concepts et schèmes dans une théorie operatoire de la representation. Psychologie Française. n 30 – ¾, p. 245-252, nov. 1985. ______. A Teoria dos Campos conceituais. In: BRUN, J. Didáctica das matemáticas. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget,1996. p. 155-191. i Para mais informações, acesse: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/historico/historia