OS RECURSOS HUMANOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
* Ivan Veronesi de Jesus
Este é um tema que merecia ser tratado em livro próprio, já que seu
conteúdo além de ser amplo e complexo, sua usuária, a Administração Pública,
após a extinção do DASP1 e o aparecimento do MARE2 que não absorveu e
tratou satisfatoriamente dos problemas da ARH3, ficou sem uma diretriz
avançada nessa área, pois aquele Ministério provisório só tratou sofrivelmente
da Reforma do Estado4.
Para o pensamento neoliberal de muitos estudiosos de uma Nação
“politicamente organizada” sempre foi: “quanto menor o Estado, melhor para
quem o sustenta”, como se o ônus fosse só da classe empresarial e das
“grandes fortunas”5. Aumentar salários de nossos empregados, dizem os maus
empresários, nem pensar pois diminui nosso lucro!
Na verdade na cadeia distributiva e tributária o ônus recai mais sobre as
classes menos favorecidas que pagam os Impostos Federais, Estaduais e
Municipais, sendo os federais o IRPF, IRPJ6, IE, II, ITR, IOF e IPI; os estaduais
ICMS, IPVA e ITCMD e os municipais, o ISS, IPTU e o ITBI. As taxas e
contribuições são inúmeras nos três âmbitos, não cabendo aqui relacioná-las.
Por outro lado, sabemos que se a Nação cresce e se desenvolve
economicamente, deve crescer também o controle do Estado. Por isso, no
Brasil de hoje, vemos graves delitos serem denunciados pela Mídia já em
vazadas condições, nunca fiscalizados, reparados preventivamente e muito
menos punidos exemplarmente pelo Judiciário. Dizem os dirigentes da Mídia
Televisiva “o escândalo tal foi denunciado por nossa Rede de Televisão,
apenas ufanosos em mostrar que seu veículo de notícias é que tem maior valor
na sociedade”. Quem conhece bem os sérios e eficazes controles
administrativos e contábeis na Administração Pública sabe que quando a
“mídia” publica o “rombo financeiro ” o caso já está em estado avançado e não
tem a precisão do “quantum”, que só uma Auditoria preventiva competente
faria.
Voltando ao núcleo do tema, apesar de ter a CF dado ênfase ao
ingresso ao Serviço Público mediante concurso, no exercício das funções e
1
2
Departamento Administrativo do Serviço Público. Ministério da Administração e Reforma do Estado. 3
Administração de Recursos Humanos. Reforma do Estado para Bresser Pereira era tão somente privatizações. 5
Impostos de Grandes Fortunas – CF art. 153, inciso VII – ainda não instituídos. 6
O IR da Pessoa Jurídica já está embutido no preço dos bens ou serviços. 4
1 tarefas conforme a “natureza, responsabilidade e complexidade” do cargo7 e
ainda tenha disposto que a União, os Estados e Distrito Federal organizassem
Escolas de Governo para o treinamento e aperfeiçoamento de seus servidores
visando o avanço em suas carreiras8, a Administração Pública ao longo da
existência dos citados dispositivos negligenciou de sua rigorosa aplicação, em
especial no âmbito municipal, tanto que nós encontramos em inúmeras
prefeituras deste país os mais reprováveis desvios de função ou, quando não,
a nomeação de servidores sem a devida habilitação e suficiência técnica,
predominando sempre o “critério político”.
Quando do advento da LRF9 que reforçou as disposições da CF nesse
campo, muitos prefeitos municipais insurgiram-se contra ela, alegando que a
citada Lei ia trazer engessamento à sua Gestão em face das dificuldades e
amarras para administrar um município. Ou será que eram outras as intenções
dos Prefeitos!
Quem conhece bem a Administração Pública, em especial a municipal,
sabe que a LRF não trouxe nenhuma dificuldade e amarras, muito pelo
contrário, a referida Lei é mais um mecanismo de segurança ao Gestor Público
capaz e bem intencionado, primeiro, por que os mesmo são temporários e,
segundo, de que a preservação do patrimônio e da renda do Estado (receita
dos impostos, taxas, contribuições diversas etc.) é dever de todo servidor
enquanto digno cidadão.
Assim, lembramos que a CF ao referir-se aos concursos públicos manda
que a assunção aos diversos cargos públicos deva atender rigorosamente às
disposições constitucionais sobre “o cargo ou emprego”.
Ora, isso deixa claro que, quem vai lidar com tarefas jurídicas precisa
ser bacharel em Direito com registro na OAB e aprovado em concurso nas
matérias pertinentes; quem vai lidar com tarefas da saúde e assistência médica
de pacientes precisa ser auxiliar e/ou técnico em enfermagem, enfermeiro(a)
e/ou médico(a) e assim sucessivamente, com os respectivos registros nos
Conselhos próprios.
Por isso, quanto mais a Administração Pública exige conhecimentos
(saberes) concentrado e específico para cada tarefa, maior qualidade ela
(adm.) retira dos resultados, isto é, de seus objetivos.
7
8
9
Ver CF arts. 37, inciso II e 39, § 1º, inciso I. Ver § 2º do art. 39 da CF. o
Ver art. 64, § 1º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000): § 1 A assistência técnica consistirá no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos e na transferência de tecnologia, bem como no apoio à divulgação dos instrumentos de que trata o art. 48 em meio eletrônico de amplo acesso público. 2 Em face do que expusemos, a CF manda que os três âmbitos da
Federação organizem seus quadros de servidores em carreiras10 próprias e
específicas, considerando as grandes categorias de atividades, como, p. ex., a
de advogados (procuradores), médicos, farmacêuticos, engenheiros,
enfermeiros, psicólogos, administradores, auditores fiscais de tributos,
secretários(as) etc., as quais se qualificam como carreiras permanentes.
Conceituo carreira no Serviço Público da seguinte forma: é um plano ou
conjunto de planos constituindo um projeto global de métodos e processos
visando à valorização do servidor(a), enquanto trabalhador(a), no âmbito
público, desde seu ingresso por concurso público, elaboração de quadros de
cargos e salários em planos de carreiras permanentes, acompanhamento,
assistência técnica operacional com cursos de treinamento, capacitação e
reciclagens até à transposição do mesmo para a inatividade. Na verdade é um
projeto de larga envergadura, digno só de governantes que tem uma
concepção sensível inspirada na visão holística moderna do homem no
trabalho.
Por isso precisamos hoje, mais do que nunca, de uma Gestão Holística
também na Administração Pública, como conceitua Ademir Antonio Ferreira em
Gestão Empresarial de Taylor aos nossos dias. São Paulo: Editora Pioneira,
pp. 175-186:
“O holismo significa que o homem é um ser indivisível, que não pode ser entendido
através de uma análise separada de suas diferentes partes, pelo que a gestão
holística tem como base que a empresa não pode ser vista como um conjunto de
departamentos (Departamentalização) que executam actividades isoladas, mas sim
como em conjunto único, um sistema aberto em continua interacção.Com a
globalização (integração do mundo; povos e culturas) compartilhamos não somente as
oportunidades que esta oferece mais também os problemas. E para sua compreensão
exige a aplicação da teoria sistémica. Na busca de uma sabedoria sistémica, que bem
podemos interpretar como sendo a busca de uma visão holística. A visão holística pode
ser considerada a forma de perceber a realidade e a abordagem sistémica, o primeiro
nível de operacionalização desta visão. O enfoque sistémico exige dos indivíduos uma
nova forma de pensar; de que o conjunto não é mera soma de todas as partes, mas as
partes compõem o todo, e é o todo que determina o comportamento das partes. Uma
nova visão de mundo, que lhes permitirá perceber com todos os sentidos a unicidade
de si mesmo e de tudo que os cerca. Portanto para a empresa o lucro deixa de ser o
objectivo, para se tornar uma consequência de todo os processos da empresa; os
recursos humanos deixam de ser custo e os consumidores deixam de ser receita, para
se tornarem parte do todo da empresa. A empresa ganha uma nova visão, valorizando
todos os processos e departamentos, e tendo consciência que todos têm a sua
importância e que todos compõem a empresa, que a empresa não é mera soma de
departamentos e processos, mas que são eles a empresa. Traz a percepção da
10
Ver art. 39 “caput” da CF. 3 organização como uma série de processos e actividades interligadas. Uma empresa é
um processo que contém vários processos, de manufactura e/ou serviços.” (as marcas
e negritos são do original)11
Mas a Administração Pública em nível municipal dispõe de meios para
detectar e controlar as eventuais deficiências que acontece no seu âmbito?
Claro que sim! Se quiserem é claro! Quando as deficiências e impropriedades
acontecem, o Prefeito e seus respectivos Secretários Municipais devem ter
conhecimento dos fatos; das provas e onde estão localizados.
Recomenda-se que o primeiro a tomar conhecimento e providenciar a
respectiva captação dos dados/informações seja o Controle Interno, porquanto
é órgão imposto pela CF (Art. 70 “caput”) e criado por Lei em nível de Gabinete
do Prefeito que é obrigado a lhe informar da extensão e gravidade das
irregularidades.
Se, no entanto, as irregularidades não forem solucionadas pelo Controle
Interno, deve o Controle Externo12, no caso a Câmara Municipal, intervir para
tentar a solução dos casos pendentes, neste particular em forma de assessoria
ao Executivo, mas ainda em âmbito administrativo.
Quando ambas as tentativas anteriores forem
Ministério Público13 intervir, em especial os juntos aos
para apurar as responsabilidades civil e penal públicas
atos de improbidade14 omissivos e comissivos dos
promover as denúncias cabíveis.
improfícuas, deve o
Tribunais de Contas,
no que concerne aos
Agentes Públicos e
É preciso afirmar e confirmar com todas as letras que as irregularidades
são muitas, algumas por negligência e comodidade e outras com a intenção de
praticá-las, portanto, atos típicos de improbidade administrativa, sendo na área
de RH quase sempre dolosos e eivados de “critérios” políticos.
Encontrei Prefeituras onde os contratos temporários de pessoas era ou
ainda é a marca predominante, chegando em algumas secretarias a mais de
60% do efetivo, todos contratados por critérios políticos visando acumular um
“curral eleitoral” com dinheiro do bolso do contribuinte. E o que é pior
colocando-os em tarefas típicas de carreiras permanentes sem atender ao que
estatui a Constituição Federal15. Lamentabilíssimo, não? Mas isso ainda
acontece nos municípios brasileiros do terceiro milênio.
Muitas pessoas de meu relacionamento de amizade me contestavam
alegando que eu não fosse ser tão radical, já que as pessoas precisam de
11
12
Ver em: http://www.thinkfn.com/wikibolsa/Gest%C3%A3o_hol%C3%ADstica Ver arts. 31 e 70 e § único da CF. 13
Ver art. 129, inciso I e III da CF. 14
15
Ver art. 11, inciso II da LIA (Lei de Improbidade Administrativa – nº 8249/92). Ver art. 37, inciso IX da CF. 4 emprego e não pode morrer de fome! Outras colocando que se uma pessoa de
minha família tivesse essa oportunidade, como eu me portaria? Em primeiro
lugar sempre fui um pertinaz concurseiro, portanto a fome de pessoas
despreparadas e sem nenhuma habilitação não deve ser um pretexto para isso
a ser resolvido de maneira bem diversa.
Administração Pública não é “cabide de emprego” e precisa de gente
hábil e competente para que a mesma funcione bem, não sendo lugar de
“cabos eleitorais de aluguel”; segundo, em sendo assim, fazendo a
Administração Pública de “balcão de negócios” a mesma perde os seus
verdadeiros fins e vai para uma senda mais caótica do que já está.
Quanto à oportunidade de meu familiar, prefiro despender recursos
financeiros e lhe dar um bom preparo escolar para enfrentar um bom concurso
público. Só assim resgataremos a dignidade de um povo!
Quero trazer, no entanto, toda esta introdução para um campo mais
específico que são as carreiras de servidores16 que exercem tarefas na área
conhecida como TAF17. Essas carreiras hoje pela CF são consideradas típicas
de Estado18 em face à sua importância, responsabilidade e complexidade como
já o dissemos.
Se hoje temos grandes dificuldades para convencer os Prefeitos de que
a profissionalização dos servidores em geral é a melhor opção, claro fica que
no âmbito TAF não é diferente. Aliás, é nesta área onde está um dos maiores
problemas do âmbito municipal.
Jamais vamos encontrar no âmbito dos Estados e da União profissionais
concursados em níveis médios exercendo tarefas e funções de Auditoria Fiscal
de Tributos. Claro está que nestes municípios o próprio Secretário de
Fazenda/Finanças por ser um apaniguado do “poder”, quase sempre não é
profissionalizado,
Estive em visita a duas Prefeituras no interior Paraná, e isso é comum a
muitas, em que o próprio Secretário de Fazenda assinava os Autos de Infração
(indevidamente)19, quando isso é competência exclusiva do Auditor Fiscal de
Tributos conforme defende com maestria a Dra. Cleide Regina Furlani
Pompermaier, Procuradora do Município de Blumenau (SC).
A CF estatui claramente que o ingresso no Serviço Público (sic)
“depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego”.
Ora, não precisamos ir muito longe a elucubrações mentais para perceber que
16
Ver art. 37, inciso XXII, da CF (Acrescida pela EC 42/2003). Tributação, arrecadação e fiscalização (TAF). 18
http://fonacate.org.br/v2/?go=page&id=1 19
Ver http://www.fenafim.com.br/comunicacao/artigos/752‐administracao‐tributaria‐nos‐municipios. 17
5 um candidato a concurso para Agente ou Auditor Fiscal de Tributos precisa de
razoáveis noções de Direito Administrativo, de Direito e Ilícitos Penais, de
Direito Civil, Direito Tributário, Estatística, Economia, Contabilidade Avançada,
Redação Processual, de Auditoria Geral e sólidos conhecimentos de Português
e Matemática.
Por isso, recomenda-se que os candidatos tenham formação em cursos
regulares de graduação em no mínimo quatro anos, de preferência sejam
bacharéis em administração, economia, direito, e/ou ciências contábeis, já que
estes cursos de formação dão uma boa base nos ramos do direito e outras
disciplinas básicas pertinentes.
Mas, outras categorias de graduados com formação diversa pode
concorrer a concursos para Auditores Fiscais de Tributos? Isso é discutível!
Todavia, muitos candidatos com formação em agronomia, engenharia, biologia,
no passado entraram com Mandado de Segurança na Justiça e tiveram
sucesso. É claro que estes candidatos precisam de cursinhos preparatórios
intensivos, sujeitos ainda a não serem aprovados, pois os mesmos não tem a
suficiência específica nas mencionadas disciplinas antes mencionadas.
Vamos analisar sucintamente os termos do art. 37, inciso II, da CF, por
parte. Vejamos. Ela diz: (sic) “depende de aprovação prévia de provas e
títulos”. Quanto às provas qualquer candidato, mesmo com formação diversa,
pode suprir a necessidade de tais conhecimentos, todavia, quando diz: “de
títulos e de acordo com a natureza e a complexidade do cargo” a mesma veda
a possibilidade de candidatos que não tem suficiência comprovada nas citadas
disciplinas.
Qual é a natureza do cargo de Auditor Fiscal de Tributos? O que é
natureza? Segundo o Dicionário Michaelis é “a essência ou condição própria
de um ser ou de uma coisa” ou o “conjunto das propriedades de um ser
organizado20”. E o que significa complexidade. Ora, a natureza do cargo de
Auditor Fiscal de Tributos é ter uma formação em conhecimentos específicos
que só um título de bacharelado em bons cursos regulares de quatro anos nas
mencionadas áreas podem lhes dar. (grifos meus). Segundo ainda o Dicionário
Aulete complexidade do cargo: “é a qualidade daquilo que é complexo”; (sic)
“(com.ple.xo) [cs], a. 1. Que abrange ou contém muitos elementos ou aspectos
diversos, com diferentes formas de inter-relação, às vezes de difícil apreensão
ou compreensão"21.
Se ainda muitos municípios, oferecendo remuneração degradante,
continuam a promover “concursos públicos” em nível médio para área tão
20
Ver em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues portugues&palavra=natureza 21
Ver em: http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbete&palavra=complexo 6 complexa como a Auditoria Fiscal de Tributos, todos podem imaginar qual é a
qualidade dos serviços que os respectivos servidores, sem culpabilidade,
podem produzir.
* O autor é Tributarista, Auditor Fiscal Aposentado, Professor e pós-graduada em
Administração Pública com ênfase em Administração Tributária Municipal.
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