Pensamento do Dia
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
mundo, na mídia diária 24/26 10 2009
--------------------------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
Governo deve segurar gastos
públicos para manter crescimento,
diz Coutinho
Presidente do BNDES vê a ideia como parte de uma nova agenda para o País, mas
ressalva que se trata de uma opinião pessoal
David Friedlander e Ricardo Leopoldo
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
Luciano Coutinho, acha que o governo precisará segurar os gastos de custeio da
máquina pública para que o País continue a crescer nos próximos anos. Coutinho
ressalva que a opinião, que toca numa das principais críticas ao governo Lula, é
estritamente pessoal. Mas entende que a ideia deveria ser discutida como parte de
uma nova agenda para o País. Nessa nova agenda, ele sugere ainda a reforma da
Previdência Social e, do lado empresarial, maior participação dos bancos privados
no financiamento de grandes projetos.
Chefe de um caixa com mais de R$ 100 bilhões para aplicar, Coutinho entende que
as iniciativas são necessárias para aumentar a taxa de investimento na economia.
Para que os próximos anos sejam prósperos, diz ele, será preciso investir o
equivalente a 25% do Produto Interno Bruto (PIB)por ano. A taxa, hoje, está
parada em 18%. Só assim o País conseguirá crescer, de forma sustentável, a um
ritmo de 6% ao ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. diz que para crescer o País precisa aumentar a taxa de investimentos,
hoje equivalente a 18% do PIB. Como fazer isso sem pressionar a inflação?
Antes da crise o investimento caminhava para 20% do PIB, o que ainda é
insuficiente. Precisamos fazer subir essa taxa e a de poupança no País para algo
próximo a 24%, 25% do PIB. Isso nos daria conforto para crescer sustentadamente
6% ao ano, sem inflação. Eu acredito que a agenda da ampliação de investimento
deveria ser uma prioridade de primeira grandeza para o País.
O que há nessa agenda?
Olhando para o futuro, isso significa ampliar a poupança doméstica e requer
reformas: contenção da taxa de crescimento do gasto de custeio do Estado,
reformas a longo prazo do sistema previdenciário e um forte incentivo da poupança
das famílias e o desenvolvimento de poupadores institucionais. Isso tem o objetivo
de fortalecer a capacidade de investimento.
A agenda que o sr. propõe vem no sentido contrário do que ocorre hoje,
especialmente em relação à gestão dos gastos públicos...
Essa é uma agenda de médio e longo prazo. Algumas decisões que alteraram os
gastos neste ano foram adotadas anteriormente. Nós estamos vivendo um período
normal em qualquer democracia, que é um período pré-eleitoral. Ela precisa ser
compreendida dentro de um momento novo.
Essa é uma agenda ainda para o governo Lula ou para o próximo governo?
Eu estou dando minha opinião como um simples economista e cidadão, que por
acaso é presidente do BNDES no momento. A decisão da agenda do governo, de
política econômica, está fora da minha esfera. É a minha opinião. Esse tema de
longo prazo é oportuno sempre que vai haver uma eleição majoritária. É um tema
oportuno para discutir a longo prazo.
Qual o papel da iniciativa privada nesse processo?
Do lado privado, eu vejo que o Brasil tem um conjunto de oportunidades de
investimento extremamente rentável, de baixo risco, em pelo menos cinco
fronteiras relevantes: toda a cadeia de petróleo e gás, o setor de infraestrutura de
energia elétrica, toda a área de logística, transportes e portos, construção civil e
agronegócios. Além deles, acredito que o Brasil deveria desenvolver investimentos
na sua indústria manufatureira. Isso requer uma política de fomento um pouco
mais ativa do que nas outras cinco fronteiras.
Há necessidade de ampliação da poupança doméstica, porque de outra forma não
será possível conciliar o crescimento do Brasil com o financiamento do investimento
agregado sem incorrer em déficits crescentes de contas correntes e portanto
tornando o País dependente de poupança externa.
Isso seria um problema?
Nada contra a poupança externa, que deve ser atraída, especialmente em
investimentos diretos. Mas depender dela de maneira excessiva torna o
crescimento vulnerável.
Até quando o BNDES será a única fonte de financiamento de longo prazo do
País?
O financiamento de longo prazo precisará da contribuição do sistema bancário
privado para que não fique estritamente sob a responsabilidade do BNDES. Essa
tarefa, no limite, pode se tornar impossível. Portanto, é importante discutir essa
agenda positiva com o sistema bancário privado. Os bancos podem e deveriam
participar mais do financiamentos dos investimentos. Mas isso demandará um
aperfeiçoamento de condições institucionais e de incentivo à poupança,
especialmente a poupança privada de médio e longo prazos.
O que é preciso mudar?
Facilitar a constituição de um "funding" (fonte de recursos) de médio e longo prazos
do próprio sistema bancário, habilitando-o a correr riscos de longas maturidades,
de projetos de maior escala que hoje têm ficado quase exclusivamente a cargo do
BNDES no lado do financiamento. É claro que o mercado de capitais ajuda, mas
esses projetos em geral são alavancados, pois há uma poupança tipicamente 30%
de equity (ações) e 70% de financiamento. O lado equity do investimento vai estar
bem equacionado pelo pujante desenvolvimento do mercado de capitais. Mas o
financiamento de longo prazo precisa do sistema bancário.
Quando o sr. acha que os bancos privados vão se mover nessa direção?
Tenho confiança de que a redução da inadimplência - a da pessoa física já caiu e a
da pessoa jurídica está começando a cair - e a movimentação mais agressiva de
alguns bancos, vai desatar a concorrência entre eles e provocar expansão da oferta
de crédito nos próximos meses.
Como o BNDES vai se financiar no ano que vem?
Há uma decisão do presidente da República e do ministro da Fazenda de assegurar
os recursos necessários ao BNDES. Estamos em tratativas e estou seguro em
relação a este ponto, mas não posso adiantar.
Como o sr. avalia a associação entre a atuação do BNDES e a política de
Estado forte do governo Lula?
Acho que aí há uma falsa avaliação. Não há uma volta ao passado, ao velho modelo
estatal desenvolvimentista. Também o modelo liberalizante foi inconsistente da
forma como foi implementado no Brasil. Nós temos de unir as duas coisas: temos
de ter um Estado eficiente, combinado com as virtudes do mercado.
Essa combinação requer, no Brasil, a criação de um paradigma novo de
relacionamento entre Estado e sistema empresarial. Me sinto muito confortável.
Não há uma disposição nossa de substituir o mercado ou o sistema privado. Ao
contrário, nosso interesse é fortalecê-lo.
Está crescendo no mercado a aposta que o senhor pode substituir o
presidente do BC, Henrique Meirelles, caso ele deixe o governo para
concorrer a um cargo público...
Isso não tem fundamento. Minha expectativa é permanecer no BNDES enquanto
continuar merecendo a confiança do presidente Lula.
----------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 26 10 2009
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Patéticas críticas ao IOF
O IOF sobre ações deixa claro
que o governo vai aumentar seu
esforço para impedir a
sobreapreciação do câmbio
ACERTARAM O presidente Lula e o ministro Guido Mantega ao decidirem pela
imposição do IOF de 2% sobre as entradas de capital especulativo no Brasil. O IOF
é um imposto regulatório que foi criado nos anos 1970 por um notável economista
desenvolvimentista -Mário Henrique Simonsen- para, através do desestímulo à
entrada de capitais especulativos, corrigir a incapacidade dos mercados financeiros
de arbitrar e, portanto, eliminar as diferenças de taxa de juros interna e
internacional.
A novidade de Guido Mantega foi incluir no imposto os investimentos estrangeiros
em ações compradas na Bolsa brasileira -um fenômeno que não existia nos anos
1970. Com isso, o governo deu clara mensagem ao mercado que pretende
aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação da taxa de câmbio.
As críticas dos economistas e jornalistas econômicos convencionais não se fizeram
esperar. Quase todos afirmaram que a grande prejudicada será a Bovespa, porque
o IOF estimulará os investidores estrangeiros a comprar ações pela Bolsa de Nova
York. E a queda imediata das ações na Bovespa pareceu confirmar a crítica. Porém
o que está sendo esquecido é que o mercado arbitrará a diferença de custo no
Brasil e em Nova York, de forma que os 2% de custo no Brasil farão com que o
preço em Nova York seja 2% maior -e em pouco tempo não haverá prejuízos para
uma instituição tão importante para o Brasil como é a Bovespa.
Outra crítica é a de que as entradas não especulativas de capitais também serão
prejudicadas, já que a decisão do governo não faz distinções -nem poderia fazerentre entradas especulativas e não especulativas. Esse problema, porém, não
existe. Para aqueles que pretendem investir seus capitais a longo prazo no Brasil, o
custo de 2% se torna irrisório porque se diluirá à medida que aumente o tempo de
permanência.
Uma terceira crítica é a de que o imposto será insuficiente para impedir a avalanche
de dólares que está inundando o Brasil. Infelizmente essa afirmação é verdadeira,
mas isso não é uma crítica: é o reconhecimento que mais deveria ser feito para
neutralizar a tendência à sobreapreciação. Curiosamente, porém, é o oposto o que
recomendam os economistas convencionais: querem apenas passividade -que o
mercado resolva...- "porque", dizem eles, "contra toda evidência, é impossível
administrar a taxa de câmbio a longo prazo". Na verdade, aceitam docilmente a
prática danosa dos especuladores estrangeiros: como estes sabem que ao comprar
ações estarão tanto empurrando para cima os preços da Bovespa como apreciando
o real, eles ganham duas vezes: na Bolsa e com o câmbio. Quem perde é o Brasil,
que fica sujeito à instabilidade e cresce pouco.
Com os 2% de IOF, o Brasil e os brasileiros estarão um pouco mais bem
resguardados dessas práticas. Entretanto devemos ter claro que a neutralização da
tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio que existe no Brasil implica a
tomada de um elenco de medidas coordenadas no quadro de uma estratégia
nacional de desenvolvimento. Nessa estratégia, o presidente da República e o
ministro da Fazenda desempenham papel importante, mas eles necessitam do
apoio da sociedade brasileira. É necessário que os brasileiros e suas elites
empresariais se convençam de que o Brasil precisa dramaticamente de uma
estratégia informal, mas efetiva, de competição internacional que assegure
estabilidade e taxas elevadas de crescimento. E que dessa estratégia faça parte
uma política de taxa de câmbio competitiva.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor emérito da Fundação Getulio
Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do
Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é
autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no
Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
---------------------------------Folha de S.Paulo 26 10 2009
É preciso novo sistema global, diz Soros
Para megainvestidor, crise mostrou necessidade de reforma do sistema monetário
e o real deve fazer parte do novo modelo
Soros crê que mercado deve seguir em alta até o fim do ano porque EUA não
poderão desmontar até lá estímulos que garantem recuperação
Joel Saget - 23.jan.2008/France Presse
O investidor húngaro-americano George Soros, que defende mudanças no sistema financeiro global, com
maior participação da China
CHRYSTIA FREELAND
DO "FINANCIAL TIMES"
Depois de interromper a aposentadoria para reassumir a administração do seu
fundo na tentativa de protegê-lo na crise, o megainvestidor húngaro-americano
George Soros, 79, volta a se afastar do cotidiano do mercado devido à sensação de
que o pior de fato ficou para trás. "A tempestade passou."
Entretanto, alerta, a fraqueza dos EUA e os limites da China em assumir o papel de
locomotiva mundial impedirão que a atividade global nos próximos anos se
assemelhe, em ritmo, à vista nos últimos anos.
Na opinião de Soros, este é o grande momento para uma efetiva reforma do
sistema monetário global a fim de que um número maior de divisas -inclusive o real
brasileiro- passe a fazer parte das reservas internacionais, diminuindo, dessa
maneira, a dependência coletiva do dólar americano.
PERGUNTA - Como o senhor vê a atual situação da economia global?
GEORGE SOROS - Certamente os mercados financeiros se recompuseram e
começaram a funcionar novamente, e a economia mundial superou o choque. Então
há uma retomada, mas acho que o mundo vai demorar bastante para absorver o
que aconteceu nessa crise, e a principal fonte de problemas está nos EUA. É lá que
os consumidores gastaram mais do que ganharam por 25 anos, e o consumo
corresponde a mais de 70% da economia do país, mas agora isso terá de mudar,
mas levará tempo.
Também houve a questão do sistema bancário, que basicamente estava falido. Está
no fundo do poço e tem que construir o seu caminho para fora do buraco. Isso está
acontecendo em um ritmo bem acelerado porque os bancos emprestam a custo
zero e compram bônus de dez anos do governo com rendimento de 3,5% [ao ano],
e essa é uma velocidade de ganho bem rápida para risco nenhum.
Então, eles vão conseguir sair do buraco, mas também vai levar tempo. E ainda
tem todo o setor imobiliário comercial, com perdas ainda desconhecidas. Portanto,
a fraqueza do mundo estará principalmente nos gastos do consumidor americano e
no, digamos, declínio do sistema bancário.
PERGUNTA - E essa fraqueza nos EUA é tão grave que possa causar uma
recuperação em forma de W, com uma nova queda?
SOROS - Bem, eu acho que pode acontecer uma outra queda nos mercados
acionários porque neste exato momento estamos aproveitando a multiplicação da
confiança e existe uma certa esperança de que esta seja uma crise como as
anteriores, uma retomada em forma de V. Então, quando essa esperança não for
satisfeita, acho que haverá...
PERGUNTA - Por que o senhor acha que não será satisfeita?
SOROS - Posso estar errado. Já estive errado outras vezes, mas não vejo de onde
pode vir o crescimento nos EUA.
PERGUNTA - Considerando a contínua fragilidade da economia americana,
as pessoas estão certas de se preocuparem com o dólar?
SOROS - Claro que estão, e o dólar é a uma moeda muito fraca com a exceção de
todas as outras. Então existe uma falta de confiança geral nas moedas e uma fuga
para ativos reais. Os chineses continuam administrando um grande superavit
comercial e ainda estão acumulando ativos, e basicamente o yuan está
permanentemente desvalorizado porque está amarrado ao dólar.
Há uma diversificação, passando dos ativos que normalmente são controlados pelos
bancos centrais para outros tipos, especialmente na área de commodities. Há uma
puxada no ouro, um fortalecimento do petróleo, o que de certa forma é uma fuga
de moedas.
PERGUNTA - Vai haver um ponto de inflexão do dólar ou essa situação
atual vai continuar?
SOROS - Enquanto o yuan estiver amarrado ao dólar, não vejo como a decadência
do dólar possa ir longe. Mas, claro, em alguma medida isso é bastante útil porque,
com os consumidores americanos economizando mais e gastando menos, as
exportações podem ser um jeito de a economia dos EUA se equilibrar. Então, uma
decadência ordenada do dólar é na verdade desejável.
PERGUNTA - É necessária uma nova organização monetária mundial?
SOROS - Acho que o sistema está quebrado e precisa ser reconstruído. Não temos
condições de seguir com esses desequilíbrios crônicos e crescentes nas finanças
internacionais. É necessário um novo sistema de moedas, e os direitos especiais de
saque [do FMI, calculado com base na cotação, em dólar, de uma cesta de quatro
divisas: o dólar, o euro, o iene e a libra esterlina] de fato fornecem as linhas gerais
de um sistema.
É burrice dos EUA resistir ao uso amplo desses direitos especiais de saque. Eles
poderiam ser muito úteis agora, quando existe uma diminuição da demanda.
Poderia na verdade ser internacionalmente criada uma moeda por meio dos direitos
de saque, e isso já foi feito. Foram lançados US$ 250 bilhões, e é um passo muito
útil.
PERGUNTA - Que tipo de acordo o presidente Obama deve buscar na
viagem à China em novembro?
SOROS - Acho que já está na hora de envolver a China na criação de uma nova
ordem mundial, uma ordem financeira global. Os chineses são um membro
relutante do FMI. Participam, mas não dão muita contribuição porque não é uma
instituição sua. Os direitos de voto não correspondem ao seu peso, então eu acho
que é necessária nova ordem mundial de cujo processo de criação a China participe
e com a qual concorde. A China tem de ser dona da nova ordem da mesma forma
que, digamos, os EUA são donos do Consenso de Washington, que é a ordem atual,
e acho que esse seria um sistema mais estável onde haveria políticas coordenadas.
Acho que a estrutura de tal ordem já existe porque o G20, ao concordar em fazer
reformas, efetivamente está se movendo nessa direção.
PERGUNTA - O sr. acha possível convencer a China a valorizar o yuan?
SOROS - Acho que eles têm defendido isso, então eu lançaria mão das suas
próprias palavras para fazer do yuan parte do sistema de direitos de saque, embora
a moeda não seja conversível. Em outras palavras, o yuan deveria ser uma das
moedas usadas no sistema de direito especial de saque, e essa ideia vai convencêlos.
PERGUNTA - Isso é possível apesar da não convertibilidade do yuan?
SOROS - Sim. Sim. Já se pensou nisso antes, e eu acho que o real, do Brasil,
também deveria ser parte do sistema. Acho que a gama de moedas da cesta pode
e deve ser aumentada.
PERGUNTA - E a preocupação dos americanos de que apoiar essa fuga do
dólar como a moeda de reserva mundial em última instância significa
enfraquecer sua economia?
SOROS - Beneficiamo-nos muito [do atual sistema], mas creio que abusamos e
não acho que podemos continuar abusando. Então, não é necessariamente do
nosso interesse ter o dólar como a única moeda mundial porque a economia global
em crescimento necessita de uma moeda adicional e, se o dólar é essa moeda
adicional, significa que os EUA precisam ter um deficit em conta corrente crônico.
Isso não é bom. Acho que é do nosso interesse reformar a estrutura.
PERGUNTA - Se os EUA não participarem ativamente desse tipo de
renegociação das finanças globais, o que vai acontecer? Qual é o pior
cenário?
SOROS - A China vai adotar a estratégia bilateral. Já a emprega. Os chineses já
possuem um acordo de compensação com a Argentina e acredito que estejam
trabalhando em um com o Brasil, e veremos mais e mais tratados bilaterais. Então,
o dólar permanecerá como a principal moeda internacional, mas o seu uso vai cair.
Acho que um mundo de relações bilaterais é menos desejável do que a continuação
de um sistema multilateral. Mas a estrutura que possuímos agora já se
desintegrou, só que ainda não nos demos conta. É necessário criar um novo, e esta
é a hora de fazê-lo.
PERGUNTA - Sobre os EUA, quão preocupado o senhor está com o deficit
orçamentário e a inflação?
SOROS - Certamente, uma queda no valor do dólar é necessária para compensar o
fato de que a economia americana continuará enfraquecida e será um peso para a
economia mundial. A China emergirá como motor, no lugar do consumo dos EUA, e,
lógico, é um motor menor porque a economia chinesa é muito menor.
Então, a economia mundial terá um motor menos potente e vai se movimentar
mais devagar do que nos últimos 25 anos. Mas a China será o motor puxando-a, e
os EUA serão um peso arrastado durante a gradual queda do valor do dólar.
PERGUNTA - Parece haver,
recuperação. Quão real ela é?
especialmente
em
Wall
Street,
uma
SOROS - No mercado de ações é bem real. Temos tido uma boa alta porque uma
imensa quantia de dinheiro está nas beiradas sem render nada e gradualmente está
sendo sugada para dentro do mercado. Provavelmente, o processo vai seguir pelo
resto do ano.
PERGUNTA - O sr. espera que o mercado siga subindo até o fim do ano?
SOROS - Não é possível fazer previsões sobre isso. Nunca se sabe quando a virada
vem, mas parece que é por aí, porque a falta de recuperação no mercado de
trabalho vai garantir que as taxas de juros não sejam elevadas. E, ao mesmo
tempo, os lucros estão razoavelmente bons e há um monte de dinheiro nas
beiradas. Por isso, acho que essas são condições favoráveis para a contínua
recuperação do mercado de agora até o final do ano.
No entanto, a economia seguirá necessitando de estímulos adicionais, porque a
recuperação está sendo basicamente sustentada por transferências, pelos
pagamentos e deficits que o governo administra. Caso sejam retirados, teríamos
uma desaceleração dupla na economia. Para evitar isso, é preciso que os incentivos
continuem. Porém, se isso é politicamente possível ou não ainda é preciso esperar,
porque não dá para ficar acumulado dívidas que significam uma sobrecarga para as
futuras gerações. Mas a alternativa seria outra recessão ou uma recessão mais
longa.
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Valor Econômico 24 10 2009
"Ad usum Luli"
Marcio Garcia
Para a educação do futuro rei de França, filho de Luís XIV, o Delfim, foram
elaboradas edições censuradas de clássicos latinos que escoimavam tais obras dos
trechos julgados moral e socialmente inadequados. Tais edições censuradas foram
denominadas "ad usum Delphini" (para uso do Delfim).
A contínua e acentuada deterioração da política econômica do governo Lula faz crer
que o presidente esteja recebendo apenas relatos "ad usum Luli", preparados por
seus assessores, sem as críticas que aparecem cotidianamente na imprensa. Cabe,
portanto, repeti-las, na esperança que possam chegar aos seus olhos e ouvidos.
O principal foco de deterioração é a política fiscal. Tendo deixado de lado, já em
2005, qualquer pretensão de realizar um programa de longo prazo de contenção do
enorme crescimento do gasto público, a deterioração da postura fiscal ganhou
grande impulso com a crise mundial recente. Com a desculpa de realizar política
fiscal anticíclica, e com a cobertura provida pela comparação com os enormes
déficits fiscais dos países desenvolvidos, levou-se à frente ambicioso programa de
aumento de despesas de custeio que havia sido desenhado antes da eclosão da
crise. Inicialmente, ainda se fazia menção ao caráter condicional dos aumentos dos
gastos ao desempenho da arrecadação tributária. Com o passar do tempo, tal
menção foi esquecida, e os aumentos persistiram a despeito dos seguidos malogros
quanto à arrecadação fiscal, mesmo levando-se em conta os efeitos da crise e das
isenções fiscais temporárias. Argúi o governo que política fiscal anticíclica é
sinônimo de déficits mais elevados, esquecendo-se, convenientemente, do caráter
temporário que necessariamente deve pautar tais políticas.
A retórica oficial contrapõe a política fiscal expansionista vigente à defesa de um
suposto "estado mínimo". A realidade, contudo, é que a combinação da atual
postura fiscal, aliada à ausência de reformas, sobretudo quanto à previdência
social, ameaça seriamente a sustentabilidade fiscal da economia brasileira em longo
prazo. Em curto prazo, os impulsos fiscais obrigam o BC a manter os juros mais
elevados para manter a inflação sob controle. Em ambos os casos, muito
prejudicam o investimento produtivo, o emprego e o crescimento da economia
brasileira.
Esta semana, os equívocos da política econômica alcançaram a política cambial.
Sem coordenação aparente com o principal executor da política cambial, o BC, o
Ministério da Fazenda decidiu criar um imposto (IOF) de 2%, sobre investimentos
estrangeiros em renda fixa e em bolsa de valores. Justificou a medida como
tentativa de evitar uma possível bolha na bolsa de valores, mas todos sabem que a
intenção é mitigar a apreciação do real.
É muito razoável que as autoridades econômicas estejam preocupadas com a
recente apreciação do real e seus impactos sobre a indústria. Entretanto, controles
de entrada de capitais estrangeiros sobre renda fixa instituídos na década passada
demonstraram ter efeito meramente efêmero sobre a taxa de câmbio, como
indicam diversos trabalhos acadêmicos feitos tanto no Brasil como no exterior ao
longo dos últimos 20 anos. O leitor interessado poderá encontrar alguns dos
argumentos críticos expostos no trabalho que Bernardo Carvalho e eu escrevemos,
intitulado "Ineffective controls on capital inflows under sophisticated financial
markets: Brazil in the nineties", disponível em www.econ.puc-rio.br/mgarcia.
A principal razão da ineficácia de tais controles em alterar persistentemente a
trajetória da taxa de câmbio é que, como ocorre também no caso atual, os
controles buscam apenas restringir parte das entradas de capitais, não todas.
Assim, dada a fungibilidade do capital, é razoavelmente fácil disfarçar um tipo de
entrada de capital passível de taxação como sendo uma entrada de capital isenta
de taxação. Por exemplo, como a medida recente não atingiu os investimentos
estrangeiros diretos (IED), e empréstimos entre a matriz de um banco estrangeiro
e sua filial no Brasil constituem IED, alguns bancos já estão oferecendo aplicações
em renda fixa no Brasil utilizando tal subterfúgio para suprimir o novo IOF. A
experiência da década passada mostra que ocorreu um jogo de gato e rato entre o
mercado financeiro e as autoridades econômicas na vã tentativa de restringir a
entrada do capital especulativo estrangeiro, então destinado à renda fixa.
A situação atual é ainda mais difícil, uma vez que se quer não só restringir a
entrada de capitais para a renda a fixa, como também para a bolsa de valores.
Investimentos em bolsa são, geralmente, mais longos do que os de renda fixa.
Ações têm preços voláteis; quem investe em bolsa sabe que pode ter de esperar
muito tempo para poder ganhar. O IOF de 2% significa pouco para esse tipo de
cálculo financeiro em prazo mais longo. Além disso, estratégias de elisão também
já apareceram. Várias empresas brasileiras têm ações negociadas em Nova York,
via American Depositary Receipts (ADRs). ADRs são pacotes de ações brasileiras
negociadas na bolsa de Nova York (NYSE). Uma das estratégias de elisão proposta
consiste em comprar ADRs na NYSE, sobre as quais o IOF não consegue incidir, e
desempacotar as ações. Assim, obtêm-se as ações sem o pagamento do IOF.
Naturalmente, apenas ações que tenham ADRs (as das maiores firmas) podem se
beneficiar de tal subterfúgio.
Apesar de o IOF dever ser razoavelmente inócuo quanto ao efeito sobre os fluxos
de entrada de capitais e sobre a taxa de câmbio, ele terá outros efeitos, quase
todos negativos. Ao criar um imposto incidente somente sobre a bolsa brasileira,
fará com que a liquidez das principais ações brasileiras migre para bolsas
estrangeiras, prejudicando fortemente o projeto de criar, no Brasil, um centro
financeiro de relevância mundial. Deverá elevar o custo de capital das empresas,
sobretudo as menores, que não têm acesso aos ADRs. Também deverá elevar as
taxas de juros mais longas, com impactos negativos sobre o custo da dívida pública
e do financiamento das empresas. O maior custo de capital deverá afetar
negativamente o investimento, fazendo o PIB potencial crescer menos, assim
forçando, em médio prazo, o BC a manter juros mais altos para manter a inflação
sob controle.
A melhor defesa possível do IOF está no argumento de que a postura monetária
atual, extremamente expansionista, nos países desenvolvidos está empurrando
capital especulativo para outros países, e o Brasil é um dos prediletos. Assim, o IOF
tentaria
minimizar
tal
distorção
temporária,
para
evitar
movimentos
desestabilizadores de entrada e saída de capital. O risco é repetirmos o ocorrido
nos anos 90, quando ocorreu uma escalada dos controles de capital, sem mexer
nos fundamentos, sobretudo o fiscal. Ironicamente, naquele período, a escalada
dos controles só terminou com a crise que redundou na flutuação do câmbio em 99
e, entre outras medidas, forçou o ajuste fiscal parcial que nos garante a saúde
econômica atual. Será que mais uma vez não conseguiremos tomar as medidas
corretas sem uma crise séria?
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de
Economia da PUC-Ri
----------------------------------------------------------Folha de S. Paulo 26 10 2009
O MST e o STF
Fábio de Oliveira Luchési - Tendências/Debates
O AUTODENOMINADO Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não conta
apenas com o dinheiro de nossos impostos para invadir e depredar imóveis rurais,
roubando bens neles existentes. Conta também com o incentivo de nosso Supremo
Tribunal Federal.
Explico. Já em 23/12/1996, para desestimular as invasões de terras, foi editada a
lei nº 9.415, para acrescentar um inciso ao artigo 82 do Código de Processo Civil,
determinando a obrigatória participação do Ministério Público nas ações que
envolvam litígios coletivos pela posse da terra.
A finalidade dessa intervenção, diferentemente do que pensam muitos membros do
Ministério Público, é exatamente a de que eles, como fiscais da lei, atuem no
sentido de restaurar o respeito ao direito de propriedade, constitucionalmente
garantido, e para que façam a persecução penal dos praticantes do crime de
esbulho possessório.
Até porque, como reiteradamente tenho escrito, não há diferença entre os crimes
de furto, roubo e esbulho possessório. A diferença diz respeito apenas ao objeto, se
móvel ou imóvel.
Vale dizer: é ladrão aquele que se apropriou de um bem alheio e o carregou para
si, assim como é ladrão aquele que invade o imóvel alheio. Em 11/6/1997, com o
mesmo desígnio de desestimular as invasões praticadas pelo MST e seus
congêneres, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, baixou o
decreto nº 2.250, para determinar: O imóvel rural que venha a ser objeto de
esbulho não será vistoriado, para os fins do art. 2º da lei nº 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993, enquanto não cessada a ocupação, observados os termos e as
condições estabelecidos em portaria do presidente do Instituto Nacional de
Colonização e reforma agrária - Incra.
No ano 2000, com a reedição nº 40 da medida provisória nº 2.027, alterou-se o
artigo 2º da lei nº 8.629, de 1993 (que regula as desapropriações para reforma
agrária), com o fim de acrescer-lhe um parágrafo 6º, para determinar que O imóvel
rural objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou
fundiário de caráter coletivo não será vistoriado nos dois anos seguintes à
desocupação do imóvel.
Evidente que, tendo sido realizada a vistoria, nenhuma outra consequência
decorreria da posterior invasão do imóvel, segundo o texto legal. Essa alteração,
entretanto, se mostrou de pouca eficácia, pois bastava o Incra realizar a vistoria
para que os integrantes do MST logo invadissem a propriedade vistoriada, como se
o simples fato da vistoria já bastasse para considerar o imóvel apto para ser
desapropriado.
Verificada a pouca eficácia dessa norma legal, que não se prestou para conter os
atos de esbulho possessório, logo no ano seguinte, em maio de 2001, foi editada a
medida provisória nº 2.109-52, que deu nova redação ao mesmo parágrafo 6º
mencionado, para determinar que os imóveis rurais que fossem invadidos não mais
poderiam ser vistoriados, avaliados ou desapropriados: O imóvel rural de domínio
público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por
conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou
desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação ou no dobro desse prazo
em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e
administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que
propicie o descumprimento dessas vedações.
É evidente que esse dispositivo legal, como forma de buscar o fim da prática
criminosa das invasões de terras, em especial daquelas praticadas por movimentos
organizados e com nítidos interesses de gerar conflitos agrários, além de proibir a
desapropriação dos imóveis invadidos, estabeleceu dever ser apurada a
responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo
ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.
Constitui, portanto, falta grave de natureza civil e administrativa permitir ou
concorrer para a desapropriação de imóvel rural invadido. Ocorre que essa questão
tem sido reiteradamente levada ao conhecimento e julgamento de nosso Supremo
Tribunal Federal, que, em evidente negativa de vigência a esse dispositivo legal,
decreta a validade dos atos que visam desapropriações que se enquadram nessas
condições.
Para a jurisprudência do STF, ainda está em vigor o texto original do referido
parágrafo 6º do artigo 2º da lei nº 8.629, de 1993, que apenas vedava a vistoria
dos imóveis invadidos. Mas, se a vistoria já foi feita e a invasão ocorreu depois
dela, então, legal a desapropriação.
Por isso causa espécie quando ministros de nossa suprema corte condenam
publicamente as invasões de terras, mas, na verdade, ao permitir a desapropriação
de imóveis invadidos, incentivam-nas, incorrendo na responsabilidade prevista na
parte final desse dispositivo legal.
Infelizmente, ao grande público, os ministros do STF dizem coisa diversa do que
efetivamente julgam.
FÁBIO DE OLIVEIRA LUCHÉSI, 67, é advogado, membro do Instituto dos
Advogados Brasileiros.
--------------------------------------------------------Valor Econômico 26 10 2009
Time dividido não controla o câmbio
Vera Saavedra Durão
O governo brasileiro deu um passo importante, embora tímido, para proteger o país
da nova onda de especulação financeira internacional. Acendeu a luz amarela e
começou a agir ao taxar em 2% de IOF a entrada de capital estrangeiro nas bolsas
e na renda fixa. Mas ainda há um longo caminho pela frente, que passa por uma
atuação forte do Banco Central. A forte apreciação cambial, no longo prazo, pode
desestruturar cadeias produtivas e substituir a produção doméstica pela
importação. Isto pode enterrar de vez o projeto de crescimento do Brasil com
ampliação da sua base industrial. Dados do FED, o banco central americano,
mostram que a taxa de valorização média de uma ampla cesta de moedas em
relação ao dólar foi de 6% entre 31 de dezembro de 2008 e 22 de outubro de 2009,
enquanto a valorização do real foi de 37%. Os números do FED mostram que o real
está se valorizando muito mais em relação à média das outras moedas.
Para Francisco Eduardo Pires de Souza, assessor da diretoria de Planejamento do
BNDES e professor de economia da UFRJ, a desestruturação de cadeias produtivas
já está em curso, como é possível comprovar pelo comportamento da balança
comercial, onde a presença dos produtos manufaturados na pauta das exportações
brasileiras já encolheu para 30% ante 70% de commodities, reforçando o
movimento de reprimarização das vendas externas do país até setembro deste ano.
Souza atribui à forte apreciação do real o encolhimento da participação dos
produtos manufaturados brasileiros na pauta de exportação do país. O fato está
levando a uma redução cada vez maior da competitividade da indústria brasileira
no exterior, diz Souza.
Em trabalho intitulado Da Reativação da economia ao Crescimento de Longo Prazo:
a Questão da Competitividade e do Câmbio, apresentado no Fórum Especial do
Inae, Souza mostra que entre 2006 e 2008, período de retomada do movimento de
apreciação do real, o crescimento das exportações de manufaturados em volume foi
de 0,1% na média do período. No período anterior, entre 1999 e 2005, quando o
câmbio estava melhor, as exportações brasileiras de manufaturados cresceram
12% ao ano.
A cobrança do IOF sobre o capital estrangeiro, segundo o economista, tem a
vantagem de punir o smart money, mas Souza acha que o governo tem de ficar
acompanhando. A medida não é a salvação da pátria, mas tem o mérito de sinalizar
para o mercado que o governo não vai ficar assistindo de forma passiva a um
derretimento da taxa de câmbio. Ele não crê que, sozinha, a taxação de IOF vá
reverter a tendência de queda do dólar, mas já é um passo importante. Só um cego
não vê que estava começando a se armar uma bolha na bolsa brasileira.
Ao contrário do mercado financeiro, que reagiu raivosamente contra a medida de
controle de capitais, representantes dos exportadores a consideraram muito tímida.
A taxação poderia ter sido muito maior, uns 4% ou mais, para desestimular o
especulador, pois temos juro real de 4,5%. O Brasil tem US$ 200 bilhões de
reserva e títulos da dívida com rentabilidade de Selic nominal de 8,75%. Isto é tudo
que o investidor quer, comenta José Augusto de Castro, vice-presidente executivo
da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). Ele acha que a taxação do IOF
não terá força para travar a tendência de desvalorização do dólar frente ao real. E
defende que o governo ataque o custo Brasil no âmbito dos altos preços da
logística, a burocracia e a alta tributação para melhorar a rentabilidade do
exportador.
Entre as novas medidas prometidas por Mantega, ativar o Fundo Soberano para
reter dólares de investidores brasileiros lá fora, como funciona na Rússia com os
dólares advindos do petróleo, pode ser uma delas. O fundo já foi criado e está
sendo usado como instrumento fiscal, disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo.
Apontado pela imprensa como um dos pais da taxação do IOF, Belluzo nega a
paternidade e lamenta que o combate ao câmbio apreciado não conte com uma
parceria ativa do Banco Central.
Belluzzo criticou a autoridade monetária por não tomar medidas adicionais à
taxação do IOF, adotada pela Fazenda, dizendo que o BC devia operar no mercado
futuro, por meio de mais margens na operação deste mercado, inibindo a
especulação, como as operações de arbitragem. O Banco Central, segundo ele,
poderia atuar na política de compra de dólares de forma mais racional, se
antecipando ao mercado para balizar o preço do dólar. Mas não o faz. O BC, no
entender de Belluzzo, só compra sobras. Não é um participante ativo do mercado.
Vai a reboque do mercado, quando deveria ser o contrário. Para Belluzzo, a
formação de preço do dólar pelo BC funcionaria como uma centralização branca do
câmbio em abundância. Mas, observou, a palavra centralização virou tabu para o
mercado.
Júlio Gomes de Almeida, economista e ex-secretário de política Econômica do
Ministério da Fazenda, acha que a taxação do IOF é apenas um paliativo. O controle
efetivo do câmbio exige regulação dos mercados futuros de câmbio pelo BC. Para
Almeida, o governo não controla o câmbio porque é muito dividido em relação a
questão. As divergências não existem só entre o Banco Central e a Fazenda, mas
em toda a alta esfera do Executivo, como Planejamento, Ministério do
Desenvolvimento e até mesmo dentro do Planalto. Almeida vê totais condições hoje
para o governo tomar medidas mais fortes para controlar a enxurrada de dólares.
Temos um Banco Central forte, uma economia sólida. Assim como o governo
conseguiu jogar 30 milhões de pessoas no mercado de consumo e aumentou o
acesso ao crédito para a pessoa física, se tiver vontade política pode controlar o
câmbio. Só não controla, porque é dividido. Time com bola dividida não faz gol.
Vera Saavedra Durão é repórter especial.
--------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
O déficit crescente do INSS
Com o desequilíbrio de R$ 9,1 bilhões nas contas do INSS em setembro, o governo
já admite rever, para mais, as projeções de déficit deste ano, de R$ 41,4 bilhões.
Entre janeiro e setembro, o desequilíbrio da Previdência Social superou em 15,6% o
de igual período do ano passado e atingiu R$ 39,1 bilhões, apenas 5% abaixo da
projeção anual.
Em 2008, quando o superávit primário do governo central alcançou 2,46% do PIB e
a Previdência Social mostrou um déficit de 1,25% do PIB, inferior ao de 2007
(1,73% do PIB), o desequilíbrio do INSS despertou preocupação menor.
Mas neste ano, até agosto, o superávit primário da União diminuiu para 1,21% do
PIB e o déficit da Previdência Social aumentou para 1,5% do PIB.
Para explicar o déficit o governo menciona a elevação real do salário mínimo, que
corrige quase 70% das aposentadorias, e a recuperação insatisfatória das dívidas
em atraso, sobretudo dos municípios.
Há outros fatores, não citados pelo secretário de Políticas de Previdência Social,
Helmut Schwarzer. Para ele, o País está melhor, pois já há "sinais positivos de
crescimento para o ano, refletido no mercado de trabalho e na massa salarial dos
trabalhadores e, consequentemente, nas contas previdenciárias".
A observação merece reparo, pois houve queda da arrecadação do INSS de mais de
R$ 300 milhões entre agosto e setembro (-2,3%). E na comparação entre os meses
de setembro de 2008 e 2009 a receita cresceu apenas 0,9%, menos do que a
inflação oficial do período, de 4,34%.
A arrecadação insatisfatória precisa ser mais bem explicada, pois não reflete a
recuperação do emprego formal, apontada nas estatísticas do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho (criação de 932
mil vagas formais neste ano). Uma hipótese é que a remuneração dos novos
empregos, sobretudo em serviços, seja mais baixa, ajudando menos o INSS do que
se esperaria, ou que os resultados da recuperação do emprego cheguem com
defasagem à Previdência.
Outra probabilidade, mais preocupante, é de que haja aumento da sonegação,
lançando dúvidas sobre a capacidade de o INSS cobrar as empresas privadas e as
estatais.
Numa conjuntura de piora das contas previdenciárias, o governo nem sequer
mobilizou a base de apoio no Congresso para tentar brecar os projetos de aumento
de benefícios, que tornarão mais difícil o equilíbrio das contas do INSS, no longo
prazo.
----------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
O paradoxo que complica
Suely Caldas*
Um paradoxo embaralha o governo Lula: a economia cresce, ampliam-se os
empregos, aumentam a renda salarial e a circulação de dinheiro, mas esse boom
de otimismo teima em não aparecer nas contas do governo. Conhecidos na terçafeira, os números de despesa e receita da União em setembro vão na contramão da
retomada econômica: comparada aos piores meses da crise deste ano, a
arrecadação tributária de setembro caiu, em vez de crescer, e o resultado
acumulado entre janeiro e setembro desabou 11% em relação ao mesmo período
de 2008. E os gastos não param de crescer.
É o 11º mês consecutivo de queda na receita com impostos, um contrassenso em
relação aos números do IBGE e do Ministério do Trabalho, que revelam
crescimentos contínuos da produção e do emprego. Contrassenso que não pode ser
explicado simplesmente com a desculpa da desoneração fiscal de automóveis e
eletrodomésticos, como tem feito o governo. Afinal, a renúncia tributária vigorou ao
longo deste ano e, com exceção de fevereiro e maio, o resultado de setembro foi o
pior de todos os meses.
Insatisfeito com o desempenho da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira
(aquela que ouviu de Dilma Rousseff o pedido de socorro ao filho de José Sarney)
na arrecadação de impostos, Guido Mantega demitiu-a, substituindo-a por Otacílio
Cartaxo. Não adiantou, a arrecadação tributária só tem piorado.
Em menos de uma semana de taxação de 2% do IOF sobre o capital estrangeiro,
aplicado em renda fixa e na Bovespa, ficou claro que o verdadeiro propósito do
Ministério da Fazenda não foi frear a desvalorização do câmbio, mas aumentar "na
marra" a receita tributária para tentar manter a ameaçada meta de 2,5% do PIB no
superávit primário deste ano. O próprio ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge,
reconheceu a ineficácia da medida sobre o câmbio e o efeito positivo na
arrecadação, que pode somar R$ 10 bilhões em um ano. Receita nada desprezível,
mas insuficiente para cumprir a meta do superávit primário.
E novo aumento de alíquota de qualquer outro imposto também será insuficiente
diante do descalabro de gastos do governo, que se descontrolam cada vez mais
com a proximidade das eleições no próximo ano. Por enquanto está mantida a meta
de superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, mas a intenção de reduzi-la já é
alvo de debate e discórdias no Ministério da Fazenda.
O governo Lula não tem por hábito planejar o longo prazo e costuma agir movido
pelo impulso político de ser bem-sucedido nas eleições. Com isso segue
contratando despesas sem se preocupar se haverá receita no futuro para cobri-las.
Quer ver?
Para agradar e atrair alianças políticas com 5 mil prefeitos reunidos em Brasília, em
fevereiro, o presidente Lula presenteou-os com o alongamento do prazo de
pagamento da dívida previdenciária dos municípios por mais 20 anos, prazo já tão
repactuado no passado. Não se preocupou com o impacto disso no déficit do INSS,
não pensou que a receita previdenciária seria fortemente abalada com a crise
econômica, não mediu as consequências de sua decisão e agora o dinheiro dos
municípios faz falta na contabilidade do INSS. Os técnicos do Ministério da
Previdência não concluíram os cálculos, mas reconhecem ser forte o impacto
negativo sobre a receita.
Setembro foi um mês cor-de-rosa para a recuperação do crescimento e do
emprego, mas negro para as receitas tributária e previdenciária. Foi também o pior
mês do ano para o déficit do INSS, que cresceu 76,4% na comparação com agosto
e 18% em relação a setembro de 2008. É verdade que a antecipação da metade do
13º salário aos aposentados influenciou negativamente o resultado de setembro,
mas não explica o absurdo crescimento de 76,4% do saldo negativo.
O governo parece brincar com a Previdência. Previu um déficit de R$ 41,4 bilhões
para 2009, e em setembro já se aproximava disso - R$ 39,12 bilhões. E ainda não
reviu a estimativa, mas sabe que pode aproximar-se de R$ 50 bilhões em
dezembro. E mais: como se trata de ano eleitoral, o presidente Lula certamente
pretende reajustar o salário mínimo acima dos R$ 505,90 previstos na proposta do
Orçamento. E o impacto sobre as despesas do INSS pode ultrapassar R$ 10
bilhões. Como resolver essa equação?
Fácil, uma brincadeirinha resolve. Como fez o líder do governo no Senado, Romero
Jucá (PMDB-RR), que apresentou aos senadores receitas extras tiradas do nada,
mas que dão mais uma folga de R$ 22 bilhões para o governo gastar mais em
2010.
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio. E-mail:
[email protected]
----------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
A China será, em 15 meses, a segunda
maior potência global
FMI prevê que o país vai superar o Japão cinco anos antes do previsto
Cláudia Trevisan
Em algum momento dos próximos 15 meses, a China deverá ultrapassar o Japão e
se tornar a segunda maior economia do mundo, no mais extraordinário processo de
ascensão de um país na história da humanidade. A ultrapassagem ocorrerá pelo
menos cinco anos antes do que se previa anteriormente e será acelerada pelo
impacto da crise financeira que abalou o mundo a partir de setembro de 2008.
As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o próximo ano colocam a
China no segundo lugar do ranking de países por Produto Interno Bruto (PIB), com
US$ 5,263 trilhões, acima dos US$ 5,187 trilhões do Japão.
Para alguns economistas, a troca de lugares só não ocorreu ainda em razão da
persistente valorização do iene japonês, que infla o tamanho do PIB do país quando
ele é convertido para o dólar. Na China, o yuan está no mesmo nível desde meados
de 2008, o que limita o valor em dólar da economia.
A ascensão da China foi meteórica e levou a uma total transformação da ordem
econômica existente na década passada, quando Estados Unidos, Europa e Japão
tinham inquestionável ascendência na arena global. Também forçou a discussão
sobre o redesenho de organizações multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial,
nas quais o poder de voto da China não reflete o tamanho de sua economia.
"O sistema internacional construído depois da Segunda Guerra Mundial será quase
irreconhecível em 2025 por causa da ascensão dos países emergentes, da
globalização da economia, da histórica transferência de riqueza e poder econômico
do Ocidente para o Oriente e da crescente influência de atores não estatais",
observa o documento "Global Trends 2025: A Transformed World", publicado pelo
Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos em novembro.
A China está no centro das forças que estão moldando esse novo cenário. Há cinco
anos, o país aparecia em sexto lugar no ranking dos maiores PIBs do mundo
elaborado pelo FMI, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra e França.
Desde então, começou uma rápida escalada, impulsionado por uma taxa média de
crescimento anual de quase 11%.
Inglaterra e França já haviam sido deixadas para trás em 2006 e, no ano seguinte,
foi a vez de a Alemanha abandonar o posto de terceira maior economia. O Japão
está prestes a perder o lugar que ocupou nos últimos 40 anos, conquistado por seu
espetacular crescimento no período pós-guerra.
Na avaliação de Stephen Green, economista-chefe do Standard Chartered para a
China, o país provavelmente já tem o segundo maior PIB do mundo, já que 20% de
sua economia está na informalidade e não aparece nas estatísticas oficiais.
Mas ele ressalta que o PIB per capita chinês continuará a ser muito inferior ao do
japonês. "Isso é o que importa para a vida das pessoas e, nesse terreno, a China
ainda é muito pobre", observa.
No próximo ano, de acordo com o FMI, o PIB per capita do país será de US$ 3,9
mil, um décimo dos US$ 40,7 mil previstos para o Japão. Nesse quesito, a China
também está bem atrás do Brasil, que deverá alcançar US$ 8,9 mil em 2010.
ZONA RURAL
Essa é outra particularidade do processo de ascensão da China. O país que será o
mais influente do mundo depois dos Estados Unidos nos próximos anos ainda está
longe de ser rico e se inclui no time das nações em desenvolvimento. Apesar do
espantoso crescimento industrial das últimas três décadas, 55% da população
chinesa ainda vive na zona rural e tem uma renda per capita anual que ronda os
US$ 800.
Os números da China melhoram quando são considerados em termos da Paridade
do Poder de Compra (PPC), que considera o poder aquisitivo da moeda nacional
dentro de cada país. Por esse critério, o FMI prevê que o PIB per capita chinês será
em 2010 de 7,2 mil dólares internacionais, a "moeda" que permite a comparação
dos valores. O Brasil estará em 10,9 mil e o Japão, em 33,9 mil.
Quando o PIB global de cada país é considerado em termos de PPC, a China ocupa
o segundo lugar no ranking desde 2001, quando passou a ter uma economia de
3,34 trilhões de dólares internacionais, comparados a 3,29 trilhões de dólares
internacionais do Japão.
A China possui o maior volume de reservas internacionais do mundo, de US$ 2,27
trilhões, e é detentora do maior volume de títulos do Tesouro americano, posição
ocupada pelo Japão até o ano passado.
O país governado por um Partido Comunista também deverá se tornar a principal
potência comercial do planeta em 2010, segundo previsão da Organização para a
Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), com uma soma de
exportações e importações superior à da Alemanha e à dos Estados Unidos.
As apostas agora são sobre quando os chineses vão ultrapassar os americanos e
assumir o posto de maior economia do mundo.
--------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
Reserva atrai reserva
Celso Ming
Entre as afirmações que o ministro Guido Mantega fez depois de ter criado um
pedágio de 2% na entrada de moeda estrangeira destinada à Bolsa e à renda fixa
está a de que o Banco Central (BC) pode ir mais longe na formação de reservas
(compra de dólares).
Mantega previu na última quinta-feira que, dentro de alguns anos, as reservas
brasileiras podem chegar a meio trilhão de dólares.
No ritmo em que o BC vem comprando moeda estrangeira, talvez essa marca seja
atingida bem antes da produção intensiva das jazidas de petróleo e gás do pré-sal a
que se referiu Mantega. Em todo o caso, o ministro está olhando para a direção
correta quando sugere que é preciso encontrar novos canais de demanda para a
moeda que desembarca no Brasil.
Mas o que se pergunta é se, a partir do momento em que o País exibir musculatura
crescentemente mais desenvolvida em reservas, não ocorreria exatamente o
contrário do que pretende o ministro. Ou seja, se o maior volume de reservas
também não aumentaria a disposição do investidor estrangeiro de despejar seus
recursos por aqui.
Uma das mais importantes razões pelas quais o Brasil passou incólume pela maior
crise global desde os anos 30 foi poder apresentar ao final de 2008 reservas de
nada menos que US$ 207 bilhões (hoje estão em US$ 233 bilhões). Como não
haveria razão para que o País ficasse insolvente, ninguém apostou na fuga de
dólares. Desta vez, foram as matrizes das empresas estrangeiras sediadas aqui que
se socorreram com os dólares fornecidos pelas suas filiais.
A impressionante posição em reservas foi, também, a principal razão pela qual,
apesar da vulnerabilidade fiscal (despesas públicas não só excessivas, mas de baixa
qualidade), o Brasil foi contemplado pelas três principais agências de classificação
de risco com o grau de investimento, condição que, por sua vez, também se
transformou em importante chamariz de capital estrangeiro.
Quando as reservas atingiram US$ 100 bilhões, o Brasil chamou a atenção do
investidor estrangeiro. Quando chegaram a US$ 200 bilhões, o País ficou sexy,
como observa o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, hoje no
Grupo Santander, Alexandre Schwartsman. Quando houver US$ 300 bilhões nas
reservas, não haverá como segurar a enxurrada.
A simples intervenção do Banco Central no dia a dia do câmbio é, ao contrário do
que pensam os imediatistas, fator de maior entrada de capital estrangeiro, como
reconheceu o diretor de Política Monetária do Banco Central, Mário Torós, em
declaração e esclarecedora explicação publicada na última sexta-feira pelo jornal
Valor.
Sim, o real está excessivamente valorizado. As decisões tomadas até agora para
reverter o jogo não vão muito longe, como eventualmente não iriam muito longe as
hoje reivindicadas intervenções do Banco Central no mercado de derivativos.
A saída não é fácil. Solução consistente tem de passar pelo aumento da poupança
interna, que hoje não ultrapassa 16% do PIB, e pela redução drástica do custo
Brasil, em condições tais que devolvam competitividade ao produto brasileiro
mesmo em situações adversas de câmbio.
---------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009
EUA já têm 106 bancos quebrados
Número de falências este ano é o maior desde 1992, quando 181 instituições
entraram em colapso
DANIEL WAGNER
O número de bancos que faliram este ano passou de 100 na sexta-feira - chegando
a 106 no final do dia - o maior número em quase duas décadas. Mas as dificuldades
do sistema bancário decorrentes dos empréstimos podres e da recessão se
aprofundam cada vez mais. Dezenas, talvez centenas, de outros bancos
permanecem abertos, apesar das mesmas fragilidades de muitos dos que
fecharam. Os órgãos reguladores estão assumindo o controle desses bancos de
maneira lenta e seletiva - em parte para não provocar pânico e em parte porque
está difícil de encontrar compradores para eles. Agem assim para ganhar tempo.
Uma recuperação econômica poderia poupar alguns bancos que, do contrário,
devem ir à falência. Mas se essa recuperação for lenta e as finanças dos bancos
menores piorar ainda mais, os custos disso só vão aumentar.
O número de falências de bancos este ano é o maior desde 1992, quando 181
instituições bancárias entraram em colapso, no final da crise das instituições de
empréstimo e poupança. Quando um banco quebra, o FDIC - Federal Deposit
Insurance Corp (fundo de garantia de depósitos) intervém, no geral em uma sextafeira à tarde. Tenta vender os ativos do banco para compradores e cobrir o seu
passivo, especialmente os depósitos em contas de clientes.
As falências bancárias custaram ao FDIC cerca de US$ 25 bilhões este ano e deve
chegar a US$ 100 bilhões até 2013. Para manter esse fundo a agência pretende
que os bancos paguem prêmios de seguro antecipado num total de US$ 45 bilhões,
que seriam devidos nos próximos três anos.
A lista de bancos com problemas fica cada vez maior. No final de junho, o FDIC
listou 416 como instituições com risco de falir, um aumento em relação aos 305
listados no fim de março e os 252 no inicio do ano. Contudo, o ritmo das falências
bancárias parece estar diminuindo. O órgão interveio em 24 bancos em julho, 11
em setembro e 11 em outubro. Se um banco apresenta um perigo imediato para os
seus clientes ou para o sistema financeiro no geral, os órgãos reguladores fecham
esse banco imediatamente, dizem os supervisores. O problema é mais complicado
no caso de bancos problemáticos que podem estar designados para fechar, mas
cujo fechamento pode ser adiado ou até evitado.
A primeira prioridade do FDIC, disse o porta-voz Andrew Gray, é manter a
confiança do público no sistema bancário.
---------------------------------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009
EMÍLIO ODEBRECHT
Modelos de crescimento
NÃO HÁ COMO negar que o modelo chinês de crescimento econômico é diferente de
tudo o que vinha sendo aplicado por outros países e que ele dá resultado.
No Brasil, prestar atenção à experiência chinesa não significa esquecer as
referências europeia e americana que nos nortearam até a década de 90. Também
não implica ignorar duas questões graves do modelo chinês como projeto de
desenvolvimento: o regime político fechado e o minúsculo impacto em termos de
justiça social.
Mas se nestes aspectos discordo do modelo, reconheço que vale a pena olhar para
as suas virtudes.
Uma delas é a forte parceria entre Estado e empresas, uma equação virtuosa na
qual o governo é forte e as empresas também são fortes.
Outro ponto positivo é a construção econômica voltada para fora. As economias que
se voltam para dentro não evoluem. O crescimento e o desenvolvimento só
acontecem quando são gerados excedentes para exportação e as empresas se
internacionalizam, com instalações e produção nos países onde estão os seus
clientes.
E temos a visão de longo prazo. O fenômeno que estamos assistindo não é fruto de
planejamento recente.
Quem quer chegar ao topo precisa olhar pelo menos 25 anos à frente. A China, no
final dos anos 70, definiu como projeto crescer 10% ao ano durante 50 anos.
Só à guisa de comparação: há 25 anos, o Brasil exportava tanto quanto a China. E
nós vendíamos mais do que eles para os Estados Unidos. Hoje, ainda somos 1% do
comércio mundial, como éramos naquela época, mas a China já alcança quase
10%.
Vale também destacar no modelo chinês: carga fiscal e regulatória baixas;
construção de infraestrutura de primeira classe pela combinação de gastos privados
e estatais; e atração do investimento estrangeiro não como poupança externa, mas
para adquirir tecnologia e para abrir novos mercados.
Há quem procure desmerecer a China tratando-a como fabricante de produtos de
má qualidade, imitadora não autorizada de marcas ocidentais e exploradora de mão
de obra barata. Há alguma verdade nessas acusações, embora isso não seja
privilégio da China.
Inquestionável é que o modelo chinês, do ponto de vista econômico, é o mais
ajustado ao mundo contemporâneo.
O Brasil também pode fomentar a cooperação entre o Estado e a iniciativa privada,
consolidar uma economia exportadora e planejar a caminhada rumo aonde
queremos chegar em 2040. Mas para tanto é preciso investir em educação,
desenvolvimento tecnológico, infraestrutura e na criação de empresas campeãs
mundiais em seus setores.
EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna.
----------------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009
RUBENS RICUPERO
Horror ao vácuo
Como a política tem horror ao
vácuo, as tentativas de ocupá-lo
podem provocar novo ciclo de
conflitos na AL
O ECLIPSE sem precedentes dos Estados Unidos na América Latina criou vácuo de
poder cuja expressão mais notável é o impasse hondurenho. Como a política tem
horror ao vácuo, as tentativas de ocupá-lo podem provocar novo ciclo de conflitos
na região.
Dois séculos atrás, os norte-americanos inauguravam sua política externa com o
discurso de adeus de Washington e a doutrina de Monroe. O primeiro era o
desinteresse pelo resto do mundo; a segunda, a reserva da exclusividade nas
Américas. Hoje, é o contrário: ativismo em toda parte, até no remoto Afeganistão,
menos na vizinhança imediata.
Desde a Guerra Fria, passando pelo Vietnã e agora pelo Iraque e pelo Afeganistão,
a percepção de que as ameaças estavam alhures conduziu à atitude de "benign
neglect" de Nixon e sucessores. Com Obama, chegou-se ao ponto baixo de
completar nove meses sem conseguir aprovar o secretário para o hemisfério e o
embaixador no Brasil!
Ambos são reféns de senadores republicanos que apoiam o governo de fato de
Honduras. A primeira reunião do grupo levou um dos presentes a declarar: "Jamais
em minha carreira tinha visto oito senadores numa sala para falar da América
Latina".
A condescendência do comentário lembra a frase do antigo redator- -chefe do "New
York Times", James Reston: "Nós, americanos, estamos prontos a fazer tudo pela
América Latina, exceto ler sobre a América Latina".
Com o tempo, a indiferença e a decepção tornaram-se recíprocas. A agenda latinoamericana dos dois partidos de Washington se reduziu ao narcotráfico, aos
imigrantes e aos acordos comerciais para garantir aos EUA direitos preferenciais na
região. Para os latinos, ao menos os exportadores de commodities (a maioria), a
emergência da China lhes trouxe grau apreciável de autonomia e diversificação em
relação à anterior dependência dos EUA.
A crise financeira, o Afeganistão, as prioridades domésticas de Obama fizeram o
resto. Nesse quadro, o novo governo achou que não valia a pena gastar nem o
mínimo de capital político necessário para repelir política desmoralizada como a do
bloqueio de Cuba. A paralisia decorrente da ambiguidade americana em Honduras,
as confusões nascidas da falta de informação sobre o acordo militar com a
Colômbia produzem penosa sensação de diplomacia à deriva.
Após a breve aparição na reunião da OEA em Trinidad, a secretária de Estado,
Hilary Clinton, e o presidente Obama não voltaram a se ocupar da América Latina,
única região onde Washington ainda não dispõe de equipe instalada. O problema é
que ninguém tem poder para ocupar esse espaço, nem a OEA ou Chávez nem o
presidente da Costa Rica ou a inexperiente diplomacia brasileira na América
Central.
Nascidas da profunda e secular simbiose entre os EUA e a América Latina, muitas
questões (imigração, crime organizado, comércio) só podem ser resolvidas
mediante colaboração esclarecida como tentou ser a fugaz Aliança para o Progresso
de Kennedy quase 50 anos atrás!
A ausência de tal política perpetua a influência deletéria de lobistas e de grupos
retrógrados. Agrava, ao mesmo tempo, vácuo de poder propício à proliferação de
episódios mais preocupantes que o de Honduras.
Ao cultivar a ilusão de que as ameaças à segurança se concentram apenas no outro
lado do mundo, Obama corre o risco de descobrir que problemas muito mais
próximos podem explodir em sua cara.
RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de
São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).
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Folha de S.Paulo 25 10 2009
VINICIUS TORRES FREIRE
A bolha e a balbúrdia no governo
Diretores do BC detonam IOF na
surdina, Meirelles "apoia"
medida em nota oficial e FMI
elogia medida de Mantega
A CONVERSA sobre a nova bolha dos emergentes está por toda parte: Brasil, Índia,
Taiwan, Coreia, Cingapura, EUA. Bolha de Bolsas, de imóveis. Basta ler entrevistas
e discursos de autoridades monetárias e acompanhar fofocas especulativas dos
mercados locais. Entre as autoridades monetárias, as mais quietas a respeito da
bolha são as brasileiras. Para ser preciso, o BC daqui não quer saber ou falar do
tema, tem raiva de quem fala e, se falasse, diria barbaridades acerca dos colegas
"heterodoxos", na Fazenda.
Deixe-se de lado, por ora, a existência da bolha, assunto sobre o qual os
economistas não se entendem, se é que acreditam em tais coisas, embora sejam
evidentes e horrendos os estragos dessas "bolhas que não existiam". Acreditando
ou não, raramente fazem algo a respeito, seja devido a "empecilhos políticos", a
mero e estúpido fundamentalismo mercadista, a autismo teórico ou a apenas
interesse material.
De mais interessante, no momento, são os contrastes e confrontos políticos
provocados pela taxação dos investimentos estrangeiros em carteira (IOF sobre
ações e títulos). A medida foi gestada no Ministério da Fazenda. Até agora se
discute se a intenção era segurar o dólar, arrecadar um troco para o cofre vazio do
Tesouro ou vacinar o país contra a bolha (ou as três coisas). Qual fosse lá a
intenção, a medida é fraca e superficial, ainda que bem-intencionada, por refletir
problemas sérios (risco de bolha e real anabolizado). A reação ao IOF embaralhou a
politiquinha da política econômica.
Parte da diretoria do BC espargiu venenos sobre o novo IOF. O cada vez mais
político presidente do BC, Henrique Meirelles, soltou uma nota oficial para dizer que
participara da decisão do IOF. Ainda está difícil dizer se a nota foi apenas política de
boa vizinhança, política de salvar a face ou se foi ditada politicamente de cima. Mas
a nota desmoralizou o zum-zum-zum venenoso disseminado pela seus próprios
diretores no BC. Além do mais, a nota reforçou o clima de fim de festa e a
dissonância nas equipes de economistas de Lula, no BC ou na Fazenda. Parte da
diretoria do BC não vê a hora de dar o fora, outra ficará e Meirelles está com a
cabeça em outra parte. A desarticulação BC-Fazenda só piora, o que reduz a
possibilidade de sucesso de políticas, para o câmbio, para a bolha e tudo o mais.
Por sua vez, economistas e publicistas "pró-mercado", que amam falar de
"jabuticabas", "boas práticas e experiências internacionais" e "imagem
internacional" do país, ficaram na mão. A seu modo provincianos, costumam
recorrer à opinião de acadêmico, instituto de pesquisa ou publicação estrangeira a
fim de avacalhar adversários "heterodoxos". No caso, tanto faz quem está certo. O
ridículo fica por conta do contraste entre a reação estereotipada e mal
circunstanciada dos mercadistas contra o IOF e a opinião de suas "referências
externas", digamos. O novo IOF teve, por exemplo, apoio de um (mau) editorial do
"Financial Times". Na sexta-feira, o historicamente fracassado FMI fazia festa para
a medida de Guido Mantega (e de Meirelles, não é?). Até alguns gestores
americanos de fundos falaram bem da medida. Sinal de que é hora de o
mercadismo mudar o disco e renovar clichês.
------------------------------------------------------------------Correio Braziliense Vicente Nunes - Brasil S/A
O primeiro deficit
É remota a possibilidade de o governo fazer superávit primário de 3,3% do PIB em
2010, ano de eleições
Na próxima sexta-feira, o Banco Central dará o sinal mais emblemático da
deterioração das contas públicas. Se os cálculos dos principais economistas do
mercado entre eles, Maurício Molan, do Banco Santander estiverem corretos, o
setor público como um todo registrou em setembro, pela primeira vez desde 1998,
deficit primário (receitas menos despesas, sem levar em conta as despesas com
juros da dívida). O rombo consolidado da União, estados, municípios e estatais
ficou próximo de R$ 5,5 bilhões, dos quais aproximadamente R$ 4 bilhões
contabilizados pelo governo federal.
Tanto o BC quanto o Tesouro Nacional, responsáveis pela divulgação dos números,
virão com as desculpas de sempre: que a deterioração das contas públicas decorre
das medidas anticíclicas adotadas pelo governo para combater os efeitos da crise
mundial; que as turbulências provocadas pelo estouro da bolha imobiliária
americana derrubaram o nível da atividade e, por tabela, a arrecadação.
Infelizmente, ninguém assumirá publicamente que o maior responsável pelo
enfraquecimento do ajuste fiscal é o aumento dos gastos com o funcionamento da
máquina, as denominadas despesas correntes, que incluem os servidores.
Com as justificativas mais que batidas virão as promessas de cumprimento das
metas de superávit do setor público neste ano, de 2,5% do Produto Interno Bruto
(PIB) sem os descontos dos investimentos do Programa Piloto de Investimentos
(PPI) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e de 1,56% se o governo
cumprir todas as promessas de desembolso nesses projetos. O problema é que, a
continuar o ímpeto gastador e com as despesas já contratadas, nenhuma dessas
metas será atingida. Portanto, se o superávit primário ficar em 1% do PIB em
2009, já será um feito e tanto.
Não se pode esquecer que, no último trimestre do ano, os gastos do governo
federal serão acelerados para cumprir parte do Orçamento. Em dezembro,
tradicionalmente, o setor público como um todo computa rombos enormes, devido
às despesas extras com o funcionalismo, por causa do pagamento da segunda
parcela do 13° salário e de adiantamentos de férias. E mais: ainda que a atividade
esteja se recuperando, com o país já crescendo a um ritmo próximo de 4% ao ano,
o crescimento das receitas com tributos não será na proporção necessária para
fazer frente a aumento dos gastos.
Nesse ponto, é importante ficar claro que, mesmo que cresça, a arrecadação não
voltará aos níveis de 2008, um ano excepcional, fora da curva. E é aí que mora o
perigo. À medida que os melhores meses do ano passado forem sendo tirados das
estatísticas, a sensação será de que as receitas voltaram com tudo. Mas os altos
índices de crescimento apresentados pela Receita Federal nada mais serão que
distorções ante a tímida base de recuperação. O discurso do governo, no entanto,
será de que tudo voltou ao normal, de que, com os cofres em dia, o cumprimento
das metas de superávit será tranquilo, sem traumas.
Terroristas fiscais
Com esse quadro à vista, o governo se sentirá ainda mais confortável para atacar
os terroristas fiscais, os analistas de plantão que tanto têm alardeado sobre os
riscos da deterioração das contas públicas. A realidade, porém, é que, mesmo que
recorra aos artifícios deste ano, raspando o tacho ao avançar sobre depósitos
judiciais e os dividendos de estatais para compor o ajuste fiscal, será remota a
possibilidade de o governo fazer superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, ano
de eleições.
É certo que, para sustentar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff,
à presidência da República, o governo entrará o próximo ano com o pé no
acelerador dos gastos, pois só poderá se comprometer com projetos até junho,
devido às limitações da Lei Eleitoral. O mesmo acontecerá nos estados, que,
ressalte-se, vêm compensando, no cômputo do superávit, as despesas crescentes
da União.
Trunfo soberano
Muitos vão se lembrar que o governo ainda conta um trunfo neste ano para, pelo
menos, fazer o superávit de 1,56% do PIB: o Fundo Soberano, no qual estão
depositados cerca de R$ 15 bilhões. Mas, como se diz dentro do próprio Tesouro
Nacional, esse também é um artifício, uma maquiagem em um problema sério. Na
visão dos técnicos, a gastança desenfreada mostrará sua fatura em forma de
inflação maior em 2010, o que levará o BC a elevar a taxa básica de juros (Selic),
congelada, atualmente, em 8,75% ao ano.
Tal posição, por sinal, está provocando uma crise dentro do Ministério da Fazenda.
Enquanto o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, apoiado em sua
proximidade com a ministra Dilma Rousseff, assegura que a situação fiscal está sob
controle, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prega a necessidade de se fazer
superávit de 2,5% neste ano e de 3,3% do PIB em 2010. Arno alega que o fato de
o mercado não acreditar nessa possibilidade já está custando caro aos cofres
públicos, pois o Tesouro está tendo de pagar mais caro para colocar títulos da
dívida no mercado.
Coutinho e o mercado
Para complementar o assunto, veja como são as coisas: rejeitado pelo mercado
para substituir Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, Luciano
Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), decidiu ajustar seu discurso para seduzir os terroristas fiscais. Em
entrevista ontem ao jornal Estado de S. Paulo, defendeu o corte de gastos
correntes do governo para se ampliar os investimentos. O ministro da Fazenda,
Guido Mantega, que se cuide.
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ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS
Folha de S.Paulo 25 10 2009
Licitação de grandes obras sai até abril
Lei de Responsabilidade Fiscal impõe prazo para contrato em ano eleitoral;
regra ambiental e resistências do TCU podem ser empecilho
Ministério Público do Pará impõe obstáculos à usina hidrelétrica de Belo
Monte, projeto de até R$ 30 bi com leilão previsto para dezembro
MARCIO AITH
AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Somam mais de R$ 90 bilhões as grandes licitações e compras de vulto a serem
concluídas pelo governo federal com fornecedores até abril do ano que vem -prazo
a partir do qual a Lei de Responsabilidade Fiscal, em razão do final de um mandato,
restringe novos acertos de longo prazo com empresas privadas.
Entre os contratos a serem assinados nesse período de seis meses (entre hoje e
abril), estão o da usina hidrelétrica de Belo Monte, o do trem-bala entre São Paulo
e Rio, o do fornecimento de caças, o da ampliação da ferrovia Norte-Sul e a
concessão de nova frequência de telefonia celular (a banda H).
Se a esse cálculo forem adicionados os grandes contratos da Petrobras e da
Transpetro, empresas de economia mista com regras próprias de compras, o
patamar de licitações e contratações pode subir para até R$ 130 bilhões. A
Transpetro selecionará os consórcios fornecedores de 16 grandes navios. A
Petrobras vai fazer o mesmo com 28 sondas de perfuração em águas profundas.
De olho no futuro
O acúmulo de tantos contratos de vulto mostra como, diferentemente da era FHC,
que chegou ao fim assolada por uma turbulência financeira de origem eleitoral e
desprovida de um colchão fiscal, o governo Lula posiciona-se, na reta final, com o
poder de influenciar o pleito e tomar importantes opções estratégicas.
Entre essas opções, está a de definir preços e escolher empresas privadas para
obras que só serão concluídas em até uma década, ainda que várias delas recebam
inaugurações simbólicas no ano que vem.
O único desafio do governo é o calendário. Regras ambientais e resistências do TCU
(Tribunal de Contas da União) e do Ministério Público têm atrasado o cronograma
de várias dessas obras. Se os contratos não forem assinados até abril, podem
sofrer contestações jurídicas de fôlego longo.
É o caso da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, uma das estrelas do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento). Enquanto o governo tenta obter a
licença prévia do Ibama, o Ministério Público Federal do Pará prepara nova ação
contra o leilão. O governo quer leiloar Belo Monte em dezembro.
Os procuradores apontam problemas ambientais e sociais, além de incertezas sobre
o custo do projeto. A previsão é que a hidrelétrica, com potência instalada 11,2 mil
MW, o que a torna a terceira maior do mundo, chegue a R$ 30 bilhões.
Acompanhamento
Para o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, a
abertura de licitações que somam R$ 90 bilhões em ano eleitoral, por si só, não é
um problema. A falha, segundo ele, está na precariedade do acompanhamento que
a sociedade brasileira faz de concorrências e assinaturas de contratos, seja em
períodos eleitorais ou não.
"Não há nenhum motivo para supor, de antemão, que contratações que ocorram
nesta época sejam mais vulneráveis a corrupção do que em outras. O problema é
que não há um acompanhamento sistemático de licitações e contratações."
Abramo avalia que a imprensa e as organizações civis falham ao não sistematizar o
acompanhamento das ações de governo. O diretor da Transparência Brasil acha
que o volume de licitações que o governo Lula abrirá em 2010 repete "prática
disseminada" no país. "Todo governante faz isso, sem exceção", afirma.
-------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009
É preciso controlar ação eleitoral, diz TCU
Para presidente do órgão, obras que não respeitem cronograma da Lei de
Diretrizes Orçamentárias podem favorecer governo
Só no mês passado, tribunal ordenou a interrupção de 41 obras federais, 13 das
quais integram o Programa de Aceleração do Crescimento
Indagado pela Folha sobre o acúmulo de licitações em tão curto espaço de tempo,
o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Ubiratan Aguiar, disse que a
situação exigirá esforço extra de planejamento do poder público e dos órgãos de
fiscalização.
"O que a lei deve guardar é que as obras sigam o que foi previsto na LDO (Lei de
Diretrizes Orçamentárias) e no PPA (Plano Plurianual)", diz. "Se foram feitas na
última hora, podem acarretar características de favorecimento eleitoral, o que não
é saudável."
Segundo Aguiar, a sintonia com o planejamento anteriormente feito "garante a
impessoalidade" nas contratações.
No mês passado, o TCU ordenou a interrupção de 41 obras federais, das quais 13
do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento).
Na sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou indiretamente o órgão
e defendeu a criação de uma câmara extraordinária de nível superior que acelere as
obras.
"Não é fácil governar com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina
de execução", disse o presidente.
Lula afirmou estar preparando um "relatório com coisas absurdas", numa referência
a obras paralisadas sem punições. Ele também defendeu as viagens dele e de
ministros pelo país em período eleitoral -reiterando um discurso já adotado desde o
ano passado.
Na entrevista à Folha, concedida antes das declarações de Lula, Aguiar disse que a
fiscalização feita pelo TCU é um reflexo da vontade da sociedade, por meio do
Congresso.
Voz do contribuinte
"As regras que o TCU segue são as estabelecidas pelo Congresso Nacional na
sabedoria de seus integrantes, o que traz aquilo que melhor possa interessar à
sociedade brasileira."
Aguiar diz ser de total interesse do tribunal que o país se desenvolva, "mas a um
custo justo para o cidadão que arca com as despesas. Nosso trabalho prima pela
qualidade técnica de suas instruções e segue os parâmetros legais. Em 2008, a
atuação do TCU gerou economia de R$ 31,9 bilhões", disse.
O presidente do TCU não quis comentar projetos específicos. Nem de que forma a
lei eleitoral afeta as formas mais modernas de parceria entre o poder público e
empresas privadas, como as PPPs (Parcerias Público-Privadas) e as mais novas
versões das concessões.
Recursos
"Tanto as PPPs como as concessões são contratos administrativos, mas com
algumas características distintas das previstas na lei 8.666/93. Seria necessária
uma análise técnica para manifestação conclusiva do TCU em um caso concreto,
para daí haver a fixação de entendimento sobre a matéria."
De acordo com Aguiar, o essencial é fazer um projeto básico de qualidade, que
garanta a execução tranquila da obra e evite aditivos nos contratos. A questãochave, diz o presidente do TCU, é a "disponibilização tempestiva dos recursos".
(MARCIO AITH)
----------------------O Estado de S.Paulo 23 10 2009
''O realismo dele como presidente é
admirável''
Daniel Bramatti
Para o antropólogo Roberto DaMatta, a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de que, no Brasil, Jesus Cristo teria de se aliar a Judas é a "constatação da
face dupla" dos brasileiros.
Segundo DaMatta, colunista do Estado, Lula revela "realismo" com sua
manifestação, mas faz "demagogia" ao dizer que a oposição, com a eventual
chegada à presidência do Senado, faria um "inferno" no País. A seguir, trechos de
entrevista concedida ontem, por e-mail:
Como o senhor analisa a declaração do presidente de que, no Brasil, Jesus
Cristo "teria de se aliar a Judas"?
Lula tem a virtude de falar claro. Às vezes eu penso que ele não tem inconsciente.
De perto, a declaração pode parecer horrível. De longe, é a constatação da nossa
face dupla, das nossas cumplicidades com o partido que não ia roubar nem deixar
ninguém fazê-lo, mas o fez o mensalão; ressuscitou Sarney e quejandos, tem
desmoralizado o Congresso; enfim, o nosso lado que odeia a lei valendo para todos
- esse Judas dentro de cada um de nós que não quer mudar o "você sabe com
quem está falando?" Já do outro lado há o Jesus dos pobres e dos famintos, dos
honestos cordeiros seguidores da lei. O realismo do Lula como presidente é
admirável. Estamos vivendo um momento de rotinização do capitalismo liberal e de
mercado no Brasil, do qual Lula tem sido um instrumento importante, histórica e
politicamente, e daí a reação a esse tipo de constatação. Ou seja: como fazer isso
sem, em algum momento, vender sua alma ao diabo, trair um pouco, ter um
curinga na manga e um plano B na cabeça, sem mentir ou exagerar e fazer
alianças com todo tipo de gente?
Que relação existe entre essa declaração de Lula e o que o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso chamava de "utopia do possível"?
Um era professor que se tornou político e presidente; o outro é um populista que
tem, como ele mesmo disse, náusea quando lê jornal.
A oposição criticou a declaração do presidente e sua política de alianças. A
oposição é mais seletiva ao buscar aliados?
Um dos problemas no nosso "liberalismo" é que não temos partidos políticos e
oposição. A política brasileira de distingue por dissolver em ácido todas as
ideologias e todo o formalismo partidário. Nela, os laços pessoais passam por cima
de quase tudo. E, em nome do possível, do realismo, fazemos tudo e deixamos
tudo para o amanhã: esse nosso grande Judas.
Segundo o presidente, o papel da imprensa tem de ser o de informar, não o
de fiscalizar. O que o senhor acha dessa declaração?
Como informar é saber e saber é poder, o fiscalizar faz parte do informar. Está
implícito nele. Seria preciso ter mais instrução liberal, visto alguns filmes - não vou
falar em livro com quem não lê - de John Ford e Frank Capra.
Como o senhor vê a alegação do presidente de que foi preciso defender
José Sarney porque a oposição, se assumisse o comando do Senado, faria
"um inferno neste País''?
Pura e profunda demagogia.
Na sua opinião, o que explica a popularidade do presidente, mesmo em
setores não beneficiados por políticas sociais?
O motivo desta entrevista.
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