Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo, mundo, na mídia diária 24/26 10 2009 --------------------------------------------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 Governo deve segurar gastos públicos para manter crescimento, diz Coutinho Presidente do BNDES vê a ideia como parte de uma nova agenda para o País, mas ressalva que se trata de uma opinião pessoal David Friedlander e Ricardo Leopoldo O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, acha que o governo precisará segurar os gastos de custeio da máquina pública para que o País continue a crescer nos próximos anos. Coutinho ressalva que a opinião, que toca numa das principais críticas ao governo Lula, é estritamente pessoal. Mas entende que a ideia deveria ser discutida como parte de uma nova agenda para o País. Nessa nova agenda, ele sugere ainda a reforma da Previdência Social e, do lado empresarial, maior participação dos bancos privados no financiamento de grandes projetos. Chefe de um caixa com mais de R$ 100 bilhões para aplicar, Coutinho entende que as iniciativas são necessárias para aumentar a taxa de investimento na economia. Para que os próximos anos sejam prósperos, diz ele, será preciso investir o equivalente a 25% do Produto Interno Bruto (PIB)por ano. A taxa, hoje, está parada em 18%. Só assim o País conseguirá crescer, de forma sustentável, a um ritmo de 6% ao ano. A seguir, os principais trechos da entrevista. O sr. diz que para crescer o País precisa aumentar a taxa de investimentos, hoje equivalente a 18% do PIB. Como fazer isso sem pressionar a inflação? Antes da crise o investimento caminhava para 20% do PIB, o que ainda é insuficiente. Precisamos fazer subir essa taxa e a de poupança no País para algo próximo a 24%, 25% do PIB. Isso nos daria conforto para crescer sustentadamente 6% ao ano, sem inflação. Eu acredito que a agenda da ampliação de investimento deveria ser uma prioridade de primeira grandeza para o País. O que há nessa agenda? Olhando para o futuro, isso significa ampliar a poupança doméstica e requer reformas: contenção da taxa de crescimento do gasto de custeio do Estado, reformas a longo prazo do sistema previdenciário e um forte incentivo da poupança das famílias e o desenvolvimento de poupadores institucionais. Isso tem o objetivo de fortalecer a capacidade de investimento. A agenda que o sr. propõe vem no sentido contrário do que ocorre hoje, especialmente em relação à gestão dos gastos públicos... Essa é uma agenda de médio e longo prazo. Algumas decisões que alteraram os gastos neste ano foram adotadas anteriormente. Nós estamos vivendo um período normal em qualquer democracia, que é um período pré-eleitoral. Ela precisa ser compreendida dentro de um momento novo. Essa é uma agenda ainda para o governo Lula ou para o próximo governo? Eu estou dando minha opinião como um simples economista e cidadão, que por acaso é presidente do BNDES no momento. A decisão da agenda do governo, de política econômica, está fora da minha esfera. É a minha opinião. Esse tema de longo prazo é oportuno sempre que vai haver uma eleição majoritária. É um tema oportuno para discutir a longo prazo. Qual o papel da iniciativa privada nesse processo? Do lado privado, eu vejo que o Brasil tem um conjunto de oportunidades de investimento extremamente rentável, de baixo risco, em pelo menos cinco fronteiras relevantes: toda a cadeia de petróleo e gás, o setor de infraestrutura de energia elétrica, toda a área de logística, transportes e portos, construção civil e agronegócios. Além deles, acredito que o Brasil deveria desenvolver investimentos na sua indústria manufatureira. Isso requer uma política de fomento um pouco mais ativa do que nas outras cinco fronteiras. Há necessidade de ampliação da poupança doméstica, porque de outra forma não será possível conciliar o crescimento do Brasil com o financiamento do investimento agregado sem incorrer em déficits crescentes de contas correntes e portanto tornando o País dependente de poupança externa. Isso seria um problema? Nada contra a poupança externa, que deve ser atraída, especialmente em investimentos diretos. Mas depender dela de maneira excessiva torna o crescimento vulnerável. Até quando o BNDES será a única fonte de financiamento de longo prazo do País? O financiamento de longo prazo precisará da contribuição do sistema bancário privado para que não fique estritamente sob a responsabilidade do BNDES. Essa tarefa, no limite, pode se tornar impossível. Portanto, é importante discutir essa agenda positiva com o sistema bancário privado. Os bancos podem e deveriam participar mais do financiamentos dos investimentos. Mas isso demandará um aperfeiçoamento de condições institucionais e de incentivo à poupança, especialmente a poupança privada de médio e longo prazos. O que é preciso mudar? Facilitar a constituição de um "funding" (fonte de recursos) de médio e longo prazos do próprio sistema bancário, habilitando-o a correr riscos de longas maturidades, de projetos de maior escala que hoje têm ficado quase exclusivamente a cargo do BNDES no lado do financiamento. É claro que o mercado de capitais ajuda, mas esses projetos em geral são alavancados, pois há uma poupança tipicamente 30% de equity (ações) e 70% de financiamento. O lado equity do investimento vai estar bem equacionado pelo pujante desenvolvimento do mercado de capitais. Mas o financiamento de longo prazo precisa do sistema bancário. Quando o sr. acha que os bancos privados vão se mover nessa direção? Tenho confiança de que a redução da inadimplência - a da pessoa física já caiu e a da pessoa jurídica está começando a cair - e a movimentação mais agressiva de alguns bancos, vai desatar a concorrência entre eles e provocar expansão da oferta de crédito nos próximos meses. Como o BNDES vai se financiar no ano que vem? Há uma decisão do presidente da República e do ministro da Fazenda de assegurar os recursos necessários ao BNDES. Estamos em tratativas e estou seguro em relação a este ponto, mas não posso adiantar. Como o sr. avalia a associação entre a atuação do BNDES e a política de Estado forte do governo Lula? Acho que aí há uma falsa avaliação. Não há uma volta ao passado, ao velho modelo estatal desenvolvimentista. Também o modelo liberalizante foi inconsistente da forma como foi implementado no Brasil. Nós temos de unir as duas coisas: temos de ter um Estado eficiente, combinado com as virtudes do mercado. Essa combinação requer, no Brasil, a criação de um paradigma novo de relacionamento entre Estado e sistema empresarial. Me sinto muito confortável. Não há uma disposição nossa de substituir o mercado ou o sistema privado. Ao contrário, nosso interesse é fortalecê-lo. Está crescendo no mercado a aposta que o senhor pode substituir o presidente do BC, Henrique Meirelles, caso ele deixe o governo para concorrer a um cargo público... Isso não tem fundamento. Minha expectativa é permanecer no BNDES enquanto continuar merecendo a confiança do presidente Lula. ----------------------------------------------------------Folha de S.Paulo 26 10 2009 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Patéticas críticas ao IOF O IOF sobre ações deixa claro que o governo vai aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação do câmbio ACERTARAM O presidente Lula e o ministro Guido Mantega ao decidirem pela imposição do IOF de 2% sobre as entradas de capital especulativo no Brasil. O IOF é um imposto regulatório que foi criado nos anos 1970 por um notável economista desenvolvimentista -Mário Henrique Simonsen- para, através do desestímulo à entrada de capitais especulativos, corrigir a incapacidade dos mercados financeiros de arbitrar e, portanto, eliminar as diferenças de taxa de juros interna e internacional. A novidade de Guido Mantega foi incluir no imposto os investimentos estrangeiros em ações compradas na Bolsa brasileira -um fenômeno que não existia nos anos 1970. Com isso, o governo deu clara mensagem ao mercado que pretende aumentar seu esforço para impedir a sobreapreciação da taxa de câmbio. As críticas dos economistas e jornalistas econômicos convencionais não se fizeram esperar. Quase todos afirmaram que a grande prejudicada será a Bovespa, porque o IOF estimulará os investidores estrangeiros a comprar ações pela Bolsa de Nova York. E a queda imediata das ações na Bovespa pareceu confirmar a crítica. Porém o que está sendo esquecido é que o mercado arbitrará a diferença de custo no Brasil e em Nova York, de forma que os 2% de custo no Brasil farão com que o preço em Nova York seja 2% maior -e em pouco tempo não haverá prejuízos para uma instituição tão importante para o Brasil como é a Bovespa. Outra crítica é a de que as entradas não especulativas de capitais também serão prejudicadas, já que a decisão do governo não faz distinções -nem poderia fazerentre entradas especulativas e não especulativas. Esse problema, porém, não existe. Para aqueles que pretendem investir seus capitais a longo prazo no Brasil, o custo de 2% se torna irrisório porque se diluirá à medida que aumente o tempo de permanência. Uma terceira crítica é a de que o imposto será insuficiente para impedir a avalanche de dólares que está inundando o Brasil. Infelizmente essa afirmação é verdadeira, mas isso não é uma crítica: é o reconhecimento que mais deveria ser feito para neutralizar a tendência à sobreapreciação. Curiosamente, porém, é o oposto o que recomendam os economistas convencionais: querem apenas passividade -que o mercado resolva...- "porque", dizem eles, "contra toda evidência, é impossível administrar a taxa de câmbio a longo prazo". Na verdade, aceitam docilmente a prática danosa dos especuladores estrangeiros: como estes sabem que ao comprar ações estarão tanto empurrando para cima os preços da Bovespa como apreciando o real, eles ganham duas vezes: na Bolsa e com o câmbio. Quem perde é o Brasil, que fica sujeito à instabilidade e cresce pouco. Com os 2% de IOF, o Brasil e os brasileiros estarão um pouco mais bem resguardados dessas práticas. Entretanto devemos ter claro que a neutralização da tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio que existe no Brasil implica a tomada de um elenco de medidas coordenadas no quadro de uma estratégia nacional de desenvolvimento. Nessa estratégia, o presidente da República e o ministro da Fazenda desempenham papel importante, mas eles necessitam do apoio da sociedade brasileira. É necessário que os brasileiros e suas elites empresariais se convençam de que o Brasil precisa dramaticamente de uma estratégia informal, mas efetiva, de competição internacional que assegure estabilidade e taxas elevadas de crescimento. E que dessa estratégia faça parte uma política de taxa de câmbio competitiva. LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994". Internet: www.bresserpereira.org.br ---------------------------------Folha de S.Paulo 26 10 2009 É preciso novo sistema global, diz Soros Para megainvestidor, crise mostrou necessidade de reforma do sistema monetário e o real deve fazer parte do novo modelo Soros crê que mercado deve seguir em alta até o fim do ano porque EUA não poderão desmontar até lá estímulos que garantem recuperação Joel Saget - 23.jan.2008/France Presse O investidor húngaro-americano George Soros, que defende mudanças no sistema financeiro global, com maior participação da China CHRYSTIA FREELAND DO "FINANCIAL TIMES" Depois de interromper a aposentadoria para reassumir a administração do seu fundo na tentativa de protegê-lo na crise, o megainvestidor húngaro-americano George Soros, 79, volta a se afastar do cotidiano do mercado devido à sensação de que o pior de fato ficou para trás. "A tempestade passou." Entretanto, alerta, a fraqueza dos EUA e os limites da China em assumir o papel de locomotiva mundial impedirão que a atividade global nos próximos anos se assemelhe, em ritmo, à vista nos últimos anos. Na opinião de Soros, este é o grande momento para uma efetiva reforma do sistema monetário global a fim de que um número maior de divisas -inclusive o real brasileiro- passe a fazer parte das reservas internacionais, diminuindo, dessa maneira, a dependência coletiva do dólar americano. PERGUNTA - Como o senhor vê a atual situação da economia global? GEORGE SOROS - Certamente os mercados financeiros se recompuseram e começaram a funcionar novamente, e a economia mundial superou o choque. Então há uma retomada, mas acho que o mundo vai demorar bastante para absorver o que aconteceu nessa crise, e a principal fonte de problemas está nos EUA. É lá que os consumidores gastaram mais do que ganharam por 25 anos, e o consumo corresponde a mais de 70% da economia do país, mas agora isso terá de mudar, mas levará tempo. Também houve a questão do sistema bancário, que basicamente estava falido. Está no fundo do poço e tem que construir o seu caminho para fora do buraco. Isso está acontecendo em um ritmo bem acelerado porque os bancos emprestam a custo zero e compram bônus de dez anos do governo com rendimento de 3,5% [ao ano], e essa é uma velocidade de ganho bem rápida para risco nenhum. Então, eles vão conseguir sair do buraco, mas também vai levar tempo. E ainda tem todo o setor imobiliário comercial, com perdas ainda desconhecidas. Portanto, a fraqueza do mundo estará principalmente nos gastos do consumidor americano e no, digamos, declínio do sistema bancário. PERGUNTA - E essa fraqueza nos EUA é tão grave que possa causar uma recuperação em forma de W, com uma nova queda? SOROS - Bem, eu acho que pode acontecer uma outra queda nos mercados acionários porque neste exato momento estamos aproveitando a multiplicação da confiança e existe uma certa esperança de que esta seja uma crise como as anteriores, uma retomada em forma de V. Então, quando essa esperança não for satisfeita, acho que haverá... PERGUNTA - Por que o senhor acha que não será satisfeita? SOROS - Posso estar errado. Já estive errado outras vezes, mas não vejo de onde pode vir o crescimento nos EUA. PERGUNTA - Considerando a contínua fragilidade da economia americana, as pessoas estão certas de se preocuparem com o dólar? SOROS - Claro que estão, e o dólar é a uma moeda muito fraca com a exceção de todas as outras. Então existe uma falta de confiança geral nas moedas e uma fuga para ativos reais. Os chineses continuam administrando um grande superavit comercial e ainda estão acumulando ativos, e basicamente o yuan está permanentemente desvalorizado porque está amarrado ao dólar. Há uma diversificação, passando dos ativos que normalmente são controlados pelos bancos centrais para outros tipos, especialmente na área de commodities. Há uma puxada no ouro, um fortalecimento do petróleo, o que de certa forma é uma fuga de moedas. PERGUNTA - Vai haver um ponto de inflexão do dólar ou essa situação atual vai continuar? SOROS - Enquanto o yuan estiver amarrado ao dólar, não vejo como a decadência do dólar possa ir longe. Mas, claro, em alguma medida isso é bastante útil porque, com os consumidores americanos economizando mais e gastando menos, as exportações podem ser um jeito de a economia dos EUA se equilibrar. Então, uma decadência ordenada do dólar é na verdade desejável. PERGUNTA - É necessária uma nova organização monetária mundial? SOROS - Acho que o sistema está quebrado e precisa ser reconstruído. Não temos condições de seguir com esses desequilíbrios crônicos e crescentes nas finanças internacionais. É necessário um novo sistema de moedas, e os direitos especiais de saque [do FMI, calculado com base na cotação, em dólar, de uma cesta de quatro divisas: o dólar, o euro, o iene e a libra esterlina] de fato fornecem as linhas gerais de um sistema. É burrice dos EUA resistir ao uso amplo desses direitos especiais de saque. Eles poderiam ser muito úteis agora, quando existe uma diminuição da demanda. Poderia na verdade ser internacionalmente criada uma moeda por meio dos direitos de saque, e isso já foi feito. Foram lançados US$ 250 bilhões, e é um passo muito útil. PERGUNTA - Que tipo de acordo o presidente Obama deve buscar na viagem à China em novembro? SOROS - Acho que já está na hora de envolver a China na criação de uma nova ordem mundial, uma ordem financeira global. Os chineses são um membro relutante do FMI. Participam, mas não dão muita contribuição porque não é uma instituição sua. Os direitos de voto não correspondem ao seu peso, então eu acho que é necessária nova ordem mundial de cujo processo de criação a China participe e com a qual concorde. A China tem de ser dona da nova ordem da mesma forma que, digamos, os EUA são donos do Consenso de Washington, que é a ordem atual, e acho que esse seria um sistema mais estável onde haveria políticas coordenadas. Acho que a estrutura de tal ordem já existe porque o G20, ao concordar em fazer reformas, efetivamente está se movendo nessa direção. PERGUNTA - O sr. acha possível convencer a China a valorizar o yuan? SOROS - Acho que eles têm defendido isso, então eu lançaria mão das suas próprias palavras para fazer do yuan parte do sistema de direitos de saque, embora a moeda não seja conversível. Em outras palavras, o yuan deveria ser uma das moedas usadas no sistema de direito especial de saque, e essa ideia vai convencêlos. PERGUNTA - Isso é possível apesar da não convertibilidade do yuan? SOROS - Sim. Sim. Já se pensou nisso antes, e eu acho que o real, do Brasil, também deveria ser parte do sistema. Acho que a gama de moedas da cesta pode e deve ser aumentada. PERGUNTA - E a preocupação dos americanos de que apoiar essa fuga do dólar como a moeda de reserva mundial em última instância significa enfraquecer sua economia? SOROS - Beneficiamo-nos muito [do atual sistema], mas creio que abusamos e não acho que podemos continuar abusando. Então, não é necessariamente do nosso interesse ter o dólar como a única moeda mundial porque a economia global em crescimento necessita de uma moeda adicional e, se o dólar é essa moeda adicional, significa que os EUA precisam ter um deficit em conta corrente crônico. Isso não é bom. Acho que é do nosso interesse reformar a estrutura. PERGUNTA - Se os EUA não participarem ativamente desse tipo de renegociação das finanças globais, o que vai acontecer? Qual é o pior cenário? SOROS - A China vai adotar a estratégia bilateral. Já a emprega. Os chineses já possuem um acordo de compensação com a Argentina e acredito que estejam trabalhando em um com o Brasil, e veremos mais e mais tratados bilaterais. Então, o dólar permanecerá como a principal moeda internacional, mas o seu uso vai cair. Acho que um mundo de relações bilaterais é menos desejável do que a continuação de um sistema multilateral. Mas a estrutura que possuímos agora já se desintegrou, só que ainda não nos demos conta. É necessário criar um novo, e esta é a hora de fazê-lo. PERGUNTA - Sobre os EUA, quão preocupado o senhor está com o deficit orçamentário e a inflação? SOROS - Certamente, uma queda no valor do dólar é necessária para compensar o fato de que a economia americana continuará enfraquecida e será um peso para a economia mundial. A China emergirá como motor, no lugar do consumo dos EUA, e, lógico, é um motor menor porque a economia chinesa é muito menor. Então, a economia mundial terá um motor menos potente e vai se movimentar mais devagar do que nos últimos 25 anos. Mas a China será o motor puxando-a, e os EUA serão um peso arrastado durante a gradual queda do valor do dólar. PERGUNTA - Parece haver, recuperação. Quão real ela é? especialmente em Wall Street, uma SOROS - No mercado de ações é bem real. Temos tido uma boa alta porque uma imensa quantia de dinheiro está nas beiradas sem render nada e gradualmente está sendo sugada para dentro do mercado. Provavelmente, o processo vai seguir pelo resto do ano. PERGUNTA - O sr. espera que o mercado siga subindo até o fim do ano? SOROS - Não é possível fazer previsões sobre isso. Nunca se sabe quando a virada vem, mas parece que é por aí, porque a falta de recuperação no mercado de trabalho vai garantir que as taxas de juros não sejam elevadas. E, ao mesmo tempo, os lucros estão razoavelmente bons e há um monte de dinheiro nas beiradas. Por isso, acho que essas são condições favoráveis para a contínua recuperação do mercado de agora até o final do ano. No entanto, a economia seguirá necessitando de estímulos adicionais, porque a recuperação está sendo basicamente sustentada por transferências, pelos pagamentos e deficits que o governo administra. Caso sejam retirados, teríamos uma desaceleração dupla na economia. Para evitar isso, é preciso que os incentivos continuem. Porém, se isso é politicamente possível ou não ainda é preciso esperar, porque não dá para ficar acumulado dívidas que significam uma sobrecarga para as futuras gerações. Mas a alternativa seria outra recessão ou uma recessão mais longa. ---------------------------------- Valor Econômico 24 10 2009 "Ad usum Luli" Marcio Garcia Para a educação do futuro rei de França, filho de Luís XIV, o Delfim, foram elaboradas edições censuradas de clássicos latinos que escoimavam tais obras dos trechos julgados moral e socialmente inadequados. Tais edições censuradas foram denominadas "ad usum Delphini" (para uso do Delfim). A contínua e acentuada deterioração da política econômica do governo Lula faz crer que o presidente esteja recebendo apenas relatos "ad usum Luli", preparados por seus assessores, sem as críticas que aparecem cotidianamente na imprensa. Cabe, portanto, repeti-las, na esperança que possam chegar aos seus olhos e ouvidos. O principal foco de deterioração é a política fiscal. Tendo deixado de lado, já em 2005, qualquer pretensão de realizar um programa de longo prazo de contenção do enorme crescimento do gasto público, a deterioração da postura fiscal ganhou grande impulso com a crise mundial recente. Com a desculpa de realizar política fiscal anticíclica, e com a cobertura provida pela comparação com os enormes déficits fiscais dos países desenvolvidos, levou-se à frente ambicioso programa de aumento de despesas de custeio que havia sido desenhado antes da eclosão da crise. Inicialmente, ainda se fazia menção ao caráter condicional dos aumentos dos gastos ao desempenho da arrecadação tributária. Com o passar do tempo, tal menção foi esquecida, e os aumentos persistiram a despeito dos seguidos malogros quanto à arrecadação fiscal, mesmo levando-se em conta os efeitos da crise e das isenções fiscais temporárias. Argúi o governo que política fiscal anticíclica é sinônimo de déficits mais elevados, esquecendo-se, convenientemente, do caráter temporário que necessariamente deve pautar tais políticas. A retórica oficial contrapõe a política fiscal expansionista vigente à defesa de um suposto "estado mínimo". A realidade, contudo, é que a combinação da atual postura fiscal, aliada à ausência de reformas, sobretudo quanto à previdência social, ameaça seriamente a sustentabilidade fiscal da economia brasileira em longo prazo. Em curto prazo, os impulsos fiscais obrigam o BC a manter os juros mais elevados para manter a inflação sob controle. Em ambos os casos, muito prejudicam o investimento produtivo, o emprego e o crescimento da economia brasileira. Esta semana, os equívocos da política econômica alcançaram a política cambial. Sem coordenação aparente com o principal executor da política cambial, o BC, o Ministério da Fazenda decidiu criar um imposto (IOF) de 2%, sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e em bolsa de valores. Justificou a medida como tentativa de evitar uma possível bolha na bolsa de valores, mas todos sabem que a intenção é mitigar a apreciação do real. É muito razoável que as autoridades econômicas estejam preocupadas com a recente apreciação do real e seus impactos sobre a indústria. Entretanto, controles de entrada de capitais estrangeiros sobre renda fixa instituídos na década passada demonstraram ter efeito meramente efêmero sobre a taxa de câmbio, como indicam diversos trabalhos acadêmicos feitos tanto no Brasil como no exterior ao longo dos últimos 20 anos. O leitor interessado poderá encontrar alguns dos argumentos críticos expostos no trabalho que Bernardo Carvalho e eu escrevemos, intitulado "Ineffective controls on capital inflows under sophisticated financial markets: Brazil in the nineties", disponível em www.econ.puc-rio.br/mgarcia. A principal razão da ineficácia de tais controles em alterar persistentemente a trajetória da taxa de câmbio é que, como ocorre também no caso atual, os controles buscam apenas restringir parte das entradas de capitais, não todas. Assim, dada a fungibilidade do capital, é razoavelmente fácil disfarçar um tipo de entrada de capital passível de taxação como sendo uma entrada de capital isenta de taxação. Por exemplo, como a medida recente não atingiu os investimentos estrangeiros diretos (IED), e empréstimos entre a matriz de um banco estrangeiro e sua filial no Brasil constituem IED, alguns bancos já estão oferecendo aplicações em renda fixa no Brasil utilizando tal subterfúgio para suprimir o novo IOF. A experiência da década passada mostra que ocorreu um jogo de gato e rato entre o mercado financeiro e as autoridades econômicas na vã tentativa de restringir a entrada do capital especulativo estrangeiro, então destinado à renda fixa. A situação atual é ainda mais difícil, uma vez que se quer não só restringir a entrada de capitais para a renda a fixa, como também para a bolsa de valores. Investimentos em bolsa são, geralmente, mais longos do que os de renda fixa. Ações têm preços voláteis; quem investe em bolsa sabe que pode ter de esperar muito tempo para poder ganhar. O IOF de 2% significa pouco para esse tipo de cálculo financeiro em prazo mais longo. Além disso, estratégias de elisão também já apareceram. Várias empresas brasileiras têm ações negociadas em Nova York, via American Depositary Receipts (ADRs). ADRs são pacotes de ações brasileiras negociadas na bolsa de Nova York (NYSE). Uma das estratégias de elisão proposta consiste em comprar ADRs na NYSE, sobre as quais o IOF não consegue incidir, e desempacotar as ações. Assim, obtêm-se as ações sem o pagamento do IOF. Naturalmente, apenas ações que tenham ADRs (as das maiores firmas) podem se beneficiar de tal subterfúgio. Apesar de o IOF dever ser razoavelmente inócuo quanto ao efeito sobre os fluxos de entrada de capitais e sobre a taxa de câmbio, ele terá outros efeitos, quase todos negativos. Ao criar um imposto incidente somente sobre a bolsa brasileira, fará com que a liquidez das principais ações brasileiras migre para bolsas estrangeiras, prejudicando fortemente o projeto de criar, no Brasil, um centro financeiro de relevância mundial. Deverá elevar o custo de capital das empresas, sobretudo as menores, que não têm acesso aos ADRs. Também deverá elevar as taxas de juros mais longas, com impactos negativos sobre o custo da dívida pública e do financiamento das empresas. O maior custo de capital deverá afetar negativamente o investimento, fazendo o PIB potencial crescer menos, assim forçando, em médio prazo, o BC a manter juros mais altos para manter a inflação sob controle. A melhor defesa possível do IOF está no argumento de que a postura monetária atual, extremamente expansionista, nos países desenvolvidos está empurrando capital especulativo para outros países, e o Brasil é um dos prediletos. Assim, o IOF tentaria minimizar tal distorção temporária, para evitar movimentos desestabilizadores de entrada e saída de capital. O risco é repetirmos o ocorrido nos anos 90, quando ocorreu uma escalada dos controles de capital, sem mexer nos fundamentos, sobretudo o fiscal. Ironicamente, naquele período, a escalada dos controles só terminou com a crise que redundou na flutuação do câmbio em 99 e, entre outras medidas, forçou o ajuste fiscal parcial que nos garante a saúde econômica atual. Será que mais uma vez não conseguiremos tomar as medidas corretas sem uma crise séria? Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Ri ----------------------------------------------------------Folha de S. Paulo 26 10 2009 O MST e o STF Fábio de Oliveira Luchési - Tendências/Debates O AUTODENOMINADO Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não conta apenas com o dinheiro de nossos impostos para invadir e depredar imóveis rurais, roubando bens neles existentes. Conta também com o incentivo de nosso Supremo Tribunal Federal. Explico. Já em 23/12/1996, para desestimular as invasões de terras, foi editada a lei nº 9.415, para acrescentar um inciso ao artigo 82 do Código de Processo Civil, determinando a obrigatória participação do Ministério Público nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra. A finalidade dessa intervenção, diferentemente do que pensam muitos membros do Ministério Público, é exatamente a de que eles, como fiscais da lei, atuem no sentido de restaurar o respeito ao direito de propriedade, constitucionalmente garantido, e para que façam a persecução penal dos praticantes do crime de esbulho possessório. Até porque, como reiteradamente tenho escrito, não há diferença entre os crimes de furto, roubo e esbulho possessório. A diferença diz respeito apenas ao objeto, se móvel ou imóvel. Vale dizer: é ladrão aquele que se apropriou de um bem alheio e o carregou para si, assim como é ladrão aquele que invade o imóvel alheio. Em 11/6/1997, com o mesmo desígnio de desestimular as invasões praticadas pelo MST e seus congêneres, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, baixou o decreto nº 2.250, para determinar: O imóvel rural que venha a ser objeto de esbulho não será vistoriado, para os fins do art. 2º da lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, enquanto não cessada a ocupação, observados os termos e as condições estabelecidos em portaria do presidente do Instituto Nacional de Colonização e reforma agrária - Incra. No ano 2000, com a reedição nº 40 da medida provisória nº 2.027, alterou-se o artigo 2º da lei nº 8.629, de 1993 (que regula as desapropriações para reforma agrária), com o fim de acrescer-lhe um parágrafo 6º, para determinar que O imóvel rural objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado nos dois anos seguintes à desocupação do imóvel. Evidente que, tendo sido realizada a vistoria, nenhuma outra consequência decorreria da posterior invasão do imóvel, segundo o texto legal. Essa alteração, entretanto, se mostrou de pouca eficácia, pois bastava o Incra realizar a vistoria para que os integrantes do MST logo invadissem a propriedade vistoriada, como se o simples fato da vistoria já bastasse para considerar o imóvel apto para ser desapropriado. Verificada a pouca eficácia dessa norma legal, que não se prestou para conter os atos de esbulho possessório, logo no ano seguinte, em maio de 2001, foi editada a medida provisória nº 2.109-52, que deu nova redação ao mesmo parágrafo 6º mencionado, para determinar que os imóveis rurais que fossem invadidos não mais poderiam ser vistoriados, avaliados ou desapropriados: O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação ou no dobro desse prazo em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações. É evidente que esse dispositivo legal, como forma de buscar o fim da prática criminosa das invasões de terras, em especial daquelas praticadas por movimentos organizados e com nítidos interesses de gerar conflitos agrários, além de proibir a desapropriação dos imóveis invadidos, estabeleceu dever ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações. Constitui, portanto, falta grave de natureza civil e administrativa permitir ou concorrer para a desapropriação de imóvel rural invadido. Ocorre que essa questão tem sido reiteradamente levada ao conhecimento e julgamento de nosso Supremo Tribunal Federal, que, em evidente negativa de vigência a esse dispositivo legal, decreta a validade dos atos que visam desapropriações que se enquadram nessas condições. Para a jurisprudência do STF, ainda está em vigor o texto original do referido parágrafo 6º do artigo 2º da lei nº 8.629, de 1993, que apenas vedava a vistoria dos imóveis invadidos. Mas, se a vistoria já foi feita e a invasão ocorreu depois dela, então, legal a desapropriação. Por isso causa espécie quando ministros de nossa suprema corte condenam publicamente as invasões de terras, mas, na verdade, ao permitir a desapropriação de imóveis invadidos, incentivam-nas, incorrendo na responsabilidade prevista na parte final desse dispositivo legal. Infelizmente, ao grande público, os ministros do STF dizem coisa diversa do que efetivamente julgam. FÁBIO DE OLIVEIRA LUCHÉSI, 67, é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. --------------------------------------------------------Valor Econômico 26 10 2009 Time dividido não controla o câmbio Vera Saavedra Durão O governo brasileiro deu um passo importante, embora tímido, para proteger o país da nova onda de especulação financeira internacional. Acendeu a luz amarela e começou a agir ao taxar em 2% de IOF a entrada de capital estrangeiro nas bolsas e na renda fixa. Mas ainda há um longo caminho pela frente, que passa por uma atuação forte do Banco Central. A forte apreciação cambial, no longo prazo, pode desestruturar cadeias produtivas e substituir a produção doméstica pela importação. Isto pode enterrar de vez o projeto de crescimento do Brasil com ampliação da sua base industrial. Dados do FED, o banco central americano, mostram que a taxa de valorização média de uma ampla cesta de moedas em relação ao dólar foi de 6% entre 31 de dezembro de 2008 e 22 de outubro de 2009, enquanto a valorização do real foi de 37%. Os números do FED mostram que o real está se valorizando muito mais em relação à média das outras moedas. Para Francisco Eduardo Pires de Souza, assessor da diretoria de Planejamento do BNDES e professor de economia da UFRJ, a desestruturação de cadeias produtivas já está em curso, como é possível comprovar pelo comportamento da balança comercial, onde a presença dos produtos manufaturados na pauta das exportações brasileiras já encolheu para 30% ante 70% de commodities, reforçando o movimento de reprimarização das vendas externas do país até setembro deste ano. Souza atribui à forte apreciação do real o encolhimento da participação dos produtos manufaturados brasileiros na pauta de exportação do país. O fato está levando a uma redução cada vez maior da competitividade da indústria brasileira no exterior, diz Souza. Em trabalho intitulado Da Reativação da economia ao Crescimento de Longo Prazo: a Questão da Competitividade e do Câmbio, apresentado no Fórum Especial do Inae, Souza mostra que entre 2006 e 2008, período de retomada do movimento de apreciação do real, o crescimento das exportações de manufaturados em volume foi de 0,1% na média do período. No período anterior, entre 1999 e 2005, quando o câmbio estava melhor, as exportações brasileiras de manufaturados cresceram 12% ao ano. A cobrança do IOF sobre o capital estrangeiro, segundo o economista, tem a vantagem de punir o smart money, mas Souza acha que o governo tem de ficar acompanhando. A medida não é a salvação da pátria, mas tem o mérito de sinalizar para o mercado que o governo não vai ficar assistindo de forma passiva a um derretimento da taxa de câmbio. Ele não crê que, sozinha, a taxação de IOF vá reverter a tendência de queda do dólar, mas já é um passo importante. Só um cego não vê que estava começando a se armar uma bolha na bolsa brasileira. Ao contrário do mercado financeiro, que reagiu raivosamente contra a medida de controle de capitais, representantes dos exportadores a consideraram muito tímida. A taxação poderia ter sido muito maior, uns 4% ou mais, para desestimular o especulador, pois temos juro real de 4,5%. O Brasil tem US$ 200 bilhões de reserva e títulos da dívida com rentabilidade de Selic nominal de 8,75%. Isto é tudo que o investidor quer, comenta José Augusto de Castro, vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB). Ele acha que a taxação do IOF não terá força para travar a tendência de desvalorização do dólar frente ao real. E defende que o governo ataque o custo Brasil no âmbito dos altos preços da logística, a burocracia e a alta tributação para melhorar a rentabilidade do exportador. Entre as novas medidas prometidas por Mantega, ativar o Fundo Soberano para reter dólares de investidores brasileiros lá fora, como funciona na Rússia com os dólares advindos do petróleo, pode ser uma delas. O fundo já foi criado e está sendo usado como instrumento fiscal, disse o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Apontado pela imprensa como um dos pais da taxação do IOF, Belluzo nega a paternidade e lamenta que o combate ao câmbio apreciado não conte com uma parceria ativa do Banco Central. Belluzzo criticou a autoridade monetária por não tomar medidas adicionais à taxação do IOF, adotada pela Fazenda, dizendo que o BC devia operar no mercado futuro, por meio de mais margens na operação deste mercado, inibindo a especulação, como as operações de arbitragem. O Banco Central, segundo ele, poderia atuar na política de compra de dólares de forma mais racional, se antecipando ao mercado para balizar o preço do dólar. Mas não o faz. O BC, no entender de Belluzzo, só compra sobras. Não é um participante ativo do mercado. Vai a reboque do mercado, quando deveria ser o contrário. Para Belluzzo, a formação de preço do dólar pelo BC funcionaria como uma centralização branca do câmbio em abundância. Mas, observou, a palavra centralização virou tabu para o mercado. Júlio Gomes de Almeida, economista e ex-secretário de política Econômica do Ministério da Fazenda, acha que a taxação do IOF é apenas um paliativo. O controle efetivo do câmbio exige regulação dos mercados futuros de câmbio pelo BC. Para Almeida, o governo não controla o câmbio porque é muito dividido em relação a questão. As divergências não existem só entre o Banco Central e a Fazenda, mas em toda a alta esfera do Executivo, como Planejamento, Ministério do Desenvolvimento e até mesmo dentro do Planalto. Almeida vê totais condições hoje para o governo tomar medidas mais fortes para controlar a enxurrada de dólares. Temos um Banco Central forte, uma economia sólida. Assim como o governo conseguiu jogar 30 milhões de pessoas no mercado de consumo e aumentou o acesso ao crédito para a pessoa física, se tiver vontade política pode controlar o câmbio. Só não controla, porque é dividido. Time com bola dividida não faz gol. Vera Saavedra Durão é repórter especial. --------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 O déficit crescente do INSS Com o desequilíbrio de R$ 9,1 bilhões nas contas do INSS em setembro, o governo já admite rever, para mais, as projeções de déficit deste ano, de R$ 41,4 bilhões. Entre janeiro e setembro, o desequilíbrio da Previdência Social superou em 15,6% o de igual período do ano passado e atingiu R$ 39,1 bilhões, apenas 5% abaixo da projeção anual. Em 2008, quando o superávit primário do governo central alcançou 2,46% do PIB e a Previdência Social mostrou um déficit de 1,25% do PIB, inferior ao de 2007 (1,73% do PIB), o desequilíbrio do INSS despertou preocupação menor. Mas neste ano, até agosto, o superávit primário da União diminuiu para 1,21% do PIB e o déficit da Previdência Social aumentou para 1,5% do PIB. Para explicar o déficit o governo menciona a elevação real do salário mínimo, que corrige quase 70% das aposentadorias, e a recuperação insatisfatória das dívidas em atraso, sobretudo dos municípios. Há outros fatores, não citados pelo secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer. Para ele, o País está melhor, pois já há "sinais positivos de crescimento para o ano, refletido no mercado de trabalho e na massa salarial dos trabalhadores e, consequentemente, nas contas previdenciárias". A observação merece reparo, pois houve queda da arrecadação do INSS de mais de R$ 300 milhões entre agosto e setembro (-2,3%). E na comparação entre os meses de setembro de 2008 e 2009 a receita cresceu apenas 0,9%, menos do que a inflação oficial do período, de 4,34%. A arrecadação insatisfatória precisa ser mais bem explicada, pois não reflete a recuperação do emprego formal, apontada nas estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho (criação de 932 mil vagas formais neste ano). Uma hipótese é que a remuneração dos novos empregos, sobretudo em serviços, seja mais baixa, ajudando menos o INSS do que se esperaria, ou que os resultados da recuperação do emprego cheguem com defasagem à Previdência. Outra probabilidade, mais preocupante, é de que haja aumento da sonegação, lançando dúvidas sobre a capacidade de o INSS cobrar as empresas privadas e as estatais. Numa conjuntura de piora das contas previdenciárias, o governo nem sequer mobilizou a base de apoio no Congresso para tentar brecar os projetos de aumento de benefícios, que tornarão mais difícil o equilíbrio das contas do INSS, no longo prazo. ----------------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 O paradoxo que complica Suely Caldas* Um paradoxo embaralha o governo Lula: a economia cresce, ampliam-se os empregos, aumentam a renda salarial e a circulação de dinheiro, mas esse boom de otimismo teima em não aparecer nas contas do governo. Conhecidos na terçafeira, os números de despesa e receita da União em setembro vão na contramão da retomada econômica: comparada aos piores meses da crise deste ano, a arrecadação tributária de setembro caiu, em vez de crescer, e o resultado acumulado entre janeiro e setembro desabou 11% em relação ao mesmo período de 2008. E os gastos não param de crescer. É o 11º mês consecutivo de queda na receita com impostos, um contrassenso em relação aos números do IBGE e do Ministério do Trabalho, que revelam crescimentos contínuos da produção e do emprego. Contrassenso que não pode ser explicado simplesmente com a desculpa da desoneração fiscal de automóveis e eletrodomésticos, como tem feito o governo. Afinal, a renúncia tributária vigorou ao longo deste ano e, com exceção de fevereiro e maio, o resultado de setembro foi o pior de todos os meses. Insatisfeito com o desempenho da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira (aquela que ouviu de Dilma Rousseff o pedido de socorro ao filho de José Sarney) na arrecadação de impostos, Guido Mantega demitiu-a, substituindo-a por Otacílio Cartaxo. Não adiantou, a arrecadação tributária só tem piorado. Em menos de uma semana de taxação de 2% do IOF sobre o capital estrangeiro, aplicado em renda fixa e na Bovespa, ficou claro que o verdadeiro propósito do Ministério da Fazenda não foi frear a desvalorização do câmbio, mas aumentar "na marra" a receita tributária para tentar manter a ameaçada meta de 2,5% do PIB no superávit primário deste ano. O próprio ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, reconheceu a ineficácia da medida sobre o câmbio e o efeito positivo na arrecadação, que pode somar R$ 10 bilhões em um ano. Receita nada desprezível, mas insuficiente para cumprir a meta do superávit primário. E novo aumento de alíquota de qualquer outro imposto também será insuficiente diante do descalabro de gastos do governo, que se descontrolam cada vez mais com a proximidade das eleições no próximo ano. Por enquanto está mantida a meta de superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, mas a intenção de reduzi-la já é alvo de debate e discórdias no Ministério da Fazenda. O governo Lula não tem por hábito planejar o longo prazo e costuma agir movido pelo impulso político de ser bem-sucedido nas eleições. Com isso segue contratando despesas sem se preocupar se haverá receita no futuro para cobri-las. Quer ver? Para agradar e atrair alianças políticas com 5 mil prefeitos reunidos em Brasília, em fevereiro, o presidente Lula presenteou-os com o alongamento do prazo de pagamento da dívida previdenciária dos municípios por mais 20 anos, prazo já tão repactuado no passado. Não se preocupou com o impacto disso no déficit do INSS, não pensou que a receita previdenciária seria fortemente abalada com a crise econômica, não mediu as consequências de sua decisão e agora o dinheiro dos municípios faz falta na contabilidade do INSS. Os técnicos do Ministério da Previdência não concluíram os cálculos, mas reconhecem ser forte o impacto negativo sobre a receita. Setembro foi um mês cor-de-rosa para a recuperação do crescimento e do emprego, mas negro para as receitas tributária e previdenciária. Foi também o pior mês do ano para o déficit do INSS, que cresceu 76,4% na comparação com agosto e 18% em relação a setembro de 2008. É verdade que a antecipação da metade do 13º salário aos aposentados influenciou negativamente o resultado de setembro, mas não explica o absurdo crescimento de 76,4% do saldo negativo. O governo parece brincar com a Previdência. Previu um déficit de R$ 41,4 bilhões para 2009, e em setembro já se aproximava disso - R$ 39,12 bilhões. E ainda não reviu a estimativa, mas sabe que pode aproximar-se de R$ 50 bilhões em dezembro. E mais: como se trata de ano eleitoral, o presidente Lula certamente pretende reajustar o salário mínimo acima dos R$ 505,90 previstos na proposta do Orçamento. E o impacto sobre as despesas do INSS pode ultrapassar R$ 10 bilhões. Como resolver essa equação? Fácil, uma brincadeirinha resolve. Como fez o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que apresentou aos senadores receitas extras tiradas do nada, mas que dão mais uma folga de R$ 22 bilhões para o governo gastar mais em 2010. *Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio. E-mail: [email protected] ----------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 A China será, em 15 meses, a segunda maior potência global FMI prevê que o país vai superar o Japão cinco anos antes do previsto Cláudia Trevisan Em algum momento dos próximos 15 meses, a China deverá ultrapassar o Japão e se tornar a segunda maior economia do mundo, no mais extraordinário processo de ascensão de um país na história da humanidade. A ultrapassagem ocorrerá pelo menos cinco anos antes do que se previa anteriormente e será acelerada pelo impacto da crise financeira que abalou o mundo a partir de setembro de 2008. As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o próximo ano colocam a China no segundo lugar do ranking de países por Produto Interno Bruto (PIB), com US$ 5,263 trilhões, acima dos US$ 5,187 trilhões do Japão. Para alguns economistas, a troca de lugares só não ocorreu ainda em razão da persistente valorização do iene japonês, que infla o tamanho do PIB do país quando ele é convertido para o dólar. Na China, o yuan está no mesmo nível desde meados de 2008, o que limita o valor em dólar da economia. A ascensão da China foi meteórica e levou a uma total transformação da ordem econômica existente na década passada, quando Estados Unidos, Europa e Japão tinham inquestionável ascendência na arena global. Também forçou a discussão sobre o redesenho de organizações multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, nas quais o poder de voto da China não reflete o tamanho de sua economia. "O sistema internacional construído depois da Segunda Guerra Mundial será quase irreconhecível em 2025 por causa da ascensão dos países emergentes, da globalização da economia, da histórica transferência de riqueza e poder econômico do Ocidente para o Oriente e da crescente influência de atores não estatais", observa o documento "Global Trends 2025: A Transformed World", publicado pelo Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos em novembro. A China está no centro das forças que estão moldando esse novo cenário. Há cinco anos, o país aparecia em sexto lugar no ranking dos maiores PIBs do mundo elaborado pelo FMI, atrás de Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra e França. Desde então, começou uma rápida escalada, impulsionado por uma taxa média de crescimento anual de quase 11%. Inglaterra e França já haviam sido deixadas para trás em 2006 e, no ano seguinte, foi a vez de a Alemanha abandonar o posto de terceira maior economia. O Japão está prestes a perder o lugar que ocupou nos últimos 40 anos, conquistado por seu espetacular crescimento no período pós-guerra. Na avaliação de Stephen Green, economista-chefe do Standard Chartered para a China, o país provavelmente já tem o segundo maior PIB do mundo, já que 20% de sua economia está na informalidade e não aparece nas estatísticas oficiais. Mas ele ressalta que o PIB per capita chinês continuará a ser muito inferior ao do japonês. "Isso é o que importa para a vida das pessoas e, nesse terreno, a China ainda é muito pobre", observa. No próximo ano, de acordo com o FMI, o PIB per capita do país será de US$ 3,9 mil, um décimo dos US$ 40,7 mil previstos para o Japão. Nesse quesito, a China também está bem atrás do Brasil, que deverá alcançar US$ 8,9 mil em 2010. ZONA RURAL Essa é outra particularidade do processo de ascensão da China. O país que será o mais influente do mundo depois dos Estados Unidos nos próximos anos ainda está longe de ser rico e se inclui no time das nações em desenvolvimento. Apesar do espantoso crescimento industrial das últimas três décadas, 55% da população chinesa ainda vive na zona rural e tem uma renda per capita anual que ronda os US$ 800. Os números da China melhoram quando são considerados em termos da Paridade do Poder de Compra (PPC), que considera o poder aquisitivo da moeda nacional dentro de cada país. Por esse critério, o FMI prevê que o PIB per capita chinês será em 2010 de 7,2 mil dólares internacionais, a "moeda" que permite a comparação dos valores. O Brasil estará em 10,9 mil e o Japão, em 33,9 mil. Quando o PIB global de cada país é considerado em termos de PPC, a China ocupa o segundo lugar no ranking desde 2001, quando passou a ter uma economia de 3,34 trilhões de dólares internacionais, comparados a 3,29 trilhões de dólares internacionais do Japão. A China possui o maior volume de reservas internacionais do mundo, de US$ 2,27 trilhões, e é detentora do maior volume de títulos do Tesouro americano, posição ocupada pelo Japão até o ano passado. O país governado por um Partido Comunista também deverá se tornar a principal potência comercial do planeta em 2010, segundo previsão da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), com uma soma de exportações e importações superior à da Alemanha e à dos Estados Unidos. As apostas agora são sobre quando os chineses vão ultrapassar os americanos e assumir o posto de maior economia do mundo. --------------------------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 Reserva atrai reserva Celso Ming Entre as afirmações que o ministro Guido Mantega fez depois de ter criado um pedágio de 2% na entrada de moeda estrangeira destinada à Bolsa e à renda fixa está a de que o Banco Central (BC) pode ir mais longe na formação de reservas (compra de dólares). Mantega previu na última quinta-feira que, dentro de alguns anos, as reservas brasileiras podem chegar a meio trilhão de dólares. No ritmo em que o BC vem comprando moeda estrangeira, talvez essa marca seja atingida bem antes da produção intensiva das jazidas de petróleo e gás do pré-sal a que se referiu Mantega. Em todo o caso, o ministro está olhando para a direção correta quando sugere que é preciso encontrar novos canais de demanda para a moeda que desembarca no Brasil. Mas o que se pergunta é se, a partir do momento em que o País exibir musculatura crescentemente mais desenvolvida em reservas, não ocorreria exatamente o contrário do que pretende o ministro. Ou seja, se o maior volume de reservas também não aumentaria a disposição do investidor estrangeiro de despejar seus recursos por aqui. Uma das mais importantes razões pelas quais o Brasil passou incólume pela maior crise global desde os anos 30 foi poder apresentar ao final de 2008 reservas de nada menos que US$ 207 bilhões (hoje estão em US$ 233 bilhões). Como não haveria razão para que o País ficasse insolvente, ninguém apostou na fuga de dólares. Desta vez, foram as matrizes das empresas estrangeiras sediadas aqui que se socorreram com os dólares fornecidos pelas suas filiais. A impressionante posição em reservas foi, também, a principal razão pela qual, apesar da vulnerabilidade fiscal (despesas públicas não só excessivas, mas de baixa qualidade), o Brasil foi contemplado pelas três principais agências de classificação de risco com o grau de investimento, condição que, por sua vez, também se transformou em importante chamariz de capital estrangeiro. Quando as reservas atingiram US$ 100 bilhões, o Brasil chamou a atenção do investidor estrangeiro. Quando chegaram a US$ 200 bilhões, o País ficou sexy, como observa o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, hoje no Grupo Santander, Alexandre Schwartsman. Quando houver US$ 300 bilhões nas reservas, não haverá como segurar a enxurrada. A simples intervenção do Banco Central no dia a dia do câmbio é, ao contrário do que pensam os imediatistas, fator de maior entrada de capital estrangeiro, como reconheceu o diretor de Política Monetária do Banco Central, Mário Torós, em declaração e esclarecedora explicação publicada na última sexta-feira pelo jornal Valor. Sim, o real está excessivamente valorizado. As decisões tomadas até agora para reverter o jogo não vão muito longe, como eventualmente não iriam muito longe as hoje reivindicadas intervenções do Banco Central no mercado de derivativos. A saída não é fácil. Solução consistente tem de passar pelo aumento da poupança interna, que hoje não ultrapassa 16% do PIB, e pela redução drástica do custo Brasil, em condições tais que devolvam competitividade ao produto brasileiro mesmo em situações adversas de câmbio. ---------------------------------O Estado de S.Paulo 25 10 2009 EUA já têm 106 bancos quebrados Número de falências este ano é o maior desde 1992, quando 181 instituições entraram em colapso DANIEL WAGNER O número de bancos que faliram este ano passou de 100 na sexta-feira - chegando a 106 no final do dia - o maior número em quase duas décadas. Mas as dificuldades do sistema bancário decorrentes dos empréstimos podres e da recessão se aprofundam cada vez mais. Dezenas, talvez centenas, de outros bancos permanecem abertos, apesar das mesmas fragilidades de muitos dos que fecharam. Os órgãos reguladores estão assumindo o controle desses bancos de maneira lenta e seletiva - em parte para não provocar pânico e em parte porque está difícil de encontrar compradores para eles. Agem assim para ganhar tempo. Uma recuperação econômica poderia poupar alguns bancos que, do contrário, devem ir à falência. Mas se essa recuperação for lenta e as finanças dos bancos menores piorar ainda mais, os custos disso só vão aumentar. O número de falências de bancos este ano é o maior desde 1992, quando 181 instituições bancárias entraram em colapso, no final da crise das instituições de empréstimo e poupança. Quando um banco quebra, o FDIC - Federal Deposit Insurance Corp (fundo de garantia de depósitos) intervém, no geral em uma sextafeira à tarde. Tenta vender os ativos do banco para compradores e cobrir o seu passivo, especialmente os depósitos em contas de clientes. As falências bancárias custaram ao FDIC cerca de US$ 25 bilhões este ano e deve chegar a US$ 100 bilhões até 2013. Para manter esse fundo a agência pretende que os bancos paguem prêmios de seguro antecipado num total de US$ 45 bilhões, que seriam devidos nos próximos três anos. A lista de bancos com problemas fica cada vez maior. No final de junho, o FDIC listou 416 como instituições com risco de falir, um aumento em relação aos 305 listados no fim de março e os 252 no inicio do ano. Contudo, o ritmo das falências bancárias parece estar diminuindo. O órgão interveio em 24 bancos em julho, 11 em setembro e 11 em outubro. Se um banco apresenta um perigo imediato para os seus clientes ou para o sistema financeiro no geral, os órgãos reguladores fecham esse banco imediatamente, dizem os supervisores. O problema é mais complicado no caso de bancos problemáticos que podem estar designados para fechar, mas cujo fechamento pode ser adiado ou até evitado. A primeira prioridade do FDIC, disse o porta-voz Andrew Gray, é manter a confiança do público no sistema bancário. ---------------------------------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009 EMÍLIO ODEBRECHT Modelos de crescimento NÃO HÁ COMO negar que o modelo chinês de crescimento econômico é diferente de tudo o que vinha sendo aplicado por outros países e que ele dá resultado. No Brasil, prestar atenção à experiência chinesa não significa esquecer as referências europeia e americana que nos nortearam até a década de 90. Também não implica ignorar duas questões graves do modelo chinês como projeto de desenvolvimento: o regime político fechado e o minúsculo impacto em termos de justiça social. Mas se nestes aspectos discordo do modelo, reconheço que vale a pena olhar para as suas virtudes. Uma delas é a forte parceria entre Estado e empresas, uma equação virtuosa na qual o governo é forte e as empresas também são fortes. Outro ponto positivo é a construção econômica voltada para fora. As economias que se voltam para dentro não evoluem. O crescimento e o desenvolvimento só acontecem quando são gerados excedentes para exportação e as empresas se internacionalizam, com instalações e produção nos países onde estão os seus clientes. E temos a visão de longo prazo. O fenômeno que estamos assistindo não é fruto de planejamento recente. Quem quer chegar ao topo precisa olhar pelo menos 25 anos à frente. A China, no final dos anos 70, definiu como projeto crescer 10% ao ano durante 50 anos. Só à guisa de comparação: há 25 anos, o Brasil exportava tanto quanto a China. E nós vendíamos mais do que eles para os Estados Unidos. Hoje, ainda somos 1% do comércio mundial, como éramos naquela época, mas a China já alcança quase 10%. Vale também destacar no modelo chinês: carga fiscal e regulatória baixas; construção de infraestrutura de primeira classe pela combinação de gastos privados e estatais; e atração do investimento estrangeiro não como poupança externa, mas para adquirir tecnologia e para abrir novos mercados. Há quem procure desmerecer a China tratando-a como fabricante de produtos de má qualidade, imitadora não autorizada de marcas ocidentais e exploradora de mão de obra barata. Há alguma verdade nessas acusações, embora isso não seja privilégio da China. Inquestionável é que o modelo chinês, do ponto de vista econômico, é o mais ajustado ao mundo contemporâneo. O Brasil também pode fomentar a cooperação entre o Estado e a iniciativa privada, consolidar uma economia exportadora e planejar a caminhada rumo aonde queremos chegar em 2040. Mas para tanto é preciso investir em educação, desenvolvimento tecnológico, infraestrutura e na criação de empresas campeãs mundiais em seus setores. EMÍLIO ODEBRECHT escreve aos domingos nesta coluna. ----------------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009 RUBENS RICUPERO Horror ao vácuo Como a política tem horror ao vácuo, as tentativas de ocupá-lo podem provocar novo ciclo de conflitos na AL O ECLIPSE sem precedentes dos Estados Unidos na América Latina criou vácuo de poder cuja expressão mais notável é o impasse hondurenho. Como a política tem horror ao vácuo, as tentativas de ocupá-lo podem provocar novo ciclo de conflitos na região. Dois séculos atrás, os norte-americanos inauguravam sua política externa com o discurso de adeus de Washington e a doutrina de Monroe. O primeiro era o desinteresse pelo resto do mundo; a segunda, a reserva da exclusividade nas Américas. Hoje, é o contrário: ativismo em toda parte, até no remoto Afeganistão, menos na vizinhança imediata. Desde a Guerra Fria, passando pelo Vietnã e agora pelo Iraque e pelo Afeganistão, a percepção de que as ameaças estavam alhures conduziu à atitude de "benign neglect" de Nixon e sucessores. Com Obama, chegou-se ao ponto baixo de completar nove meses sem conseguir aprovar o secretário para o hemisfério e o embaixador no Brasil! Ambos são reféns de senadores republicanos que apoiam o governo de fato de Honduras. A primeira reunião do grupo levou um dos presentes a declarar: "Jamais em minha carreira tinha visto oito senadores numa sala para falar da América Latina". A condescendência do comentário lembra a frase do antigo redator- -chefe do "New York Times", James Reston: "Nós, americanos, estamos prontos a fazer tudo pela América Latina, exceto ler sobre a América Latina". Com o tempo, a indiferença e a decepção tornaram-se recíprocas. A agenda latinoamericana dos dois partidos de Washington se reduziu ao narcotráfico, aos imigrantes e aos acordos comerciais para garantir aos EUA direitos preferenciais na região. Para os latinos, ao menos os exportadores de commodities (a maioria), a emergência da China lhes trouxe grau apreciável de autonomia e diversificação em relação à anterior dependência dos EUA. A crise financeira, o Afeganistão, as prioridades domésticas de Obama fizeram o resto. Nesse quadro, o novo governo achou que não valia a pena gastar nem o mínimo de capital político necessário para repelir política desmoralizada como a do bloqueio de Cuba. A paralisia decorrente da ambiguidade americana em Honduras, as confusões nascidas da falta de informação sobre o acordo militar com a Colômbia produzem penosa sensação de diplomacia à deriva. Após a breve aparição na reunião da OEA em Trinidad, a secretária de Estado, Hilary Clinton, e o presidente Obama não voltaram a se ocupar da América Latina, única região onde Washington ainda não dispõe de equipe instalada. O problema é que ninguém tem poder para ocupar esse espaço, nem a OEA ou Chávez nem o presidente da Costa Rica ou a inexperiente diplomacia brasileira na América Central. Nascidas da profunda e secular simbiose entre os EUA e a América Latina, muitas questões (imigração, crime organizado, comércio) só podem ser resolvidas mediante colaboração esclarecida como tentou ser a fugaz Aliança para o Progresso de Kennedy quase 50 anos atrás! A ausência de tal política perpetua a influência deletéria de lobistas e de grupos retrógrados. Agrava, ao mesmo tempo, vácuo de poder propício à proliferação de episódios mais preocupantes que o de Honduras. Ao cultivar a ilusão de que as ameaças à segurança se concentram apenas no outro lado do mundo, Obama corre o risco de descobrir que problemas muito mais próximos podem explodir em sua cara. RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). ---------------------------------------- Folha de S.Paulo 25 10 2009 VINICIUS TORRES FREIRE A bolha e a balbúrdia no governo Diretores do BC detonam IOF na surdina, Meirelles "apoia" medida em nota oficial e FMI elogia medida de Mantega A CONVERSA sobre a nova bolha dos emergentes está por toda parte: Brasil, Índia, Taiwan, Coreia, Cingapura, EUA. Bolha de Bolsas, de imóveis. Basta ler entrevistas e discursos de autoridades monetárias e acompanhar fofocas especulativas dos mercados locais. Entre as autoridades monetárias, as mais quietas a respeito da bolha são as brasileiras. Para ser preciso, o BC daqui não quer saber ou falar do tema, tem raiva de quem fala e, se falasse, diria barbaridades acerca dos colegas "heterodoxos", na Fazenda. Deixe-se de lado, por ora, a existência da bolha, assunto sobre o qual os economistas não se entendem, se é que acreditam em tais coisas, embora sejam evidentes e horrendos os estragos dessas "bolhas que não existiam". Acreditando ou não, raramente fazem algo a respeito, seja devido a "empecilhos políticos", a mero e estúpido fundamentalismo mercadista, a autismo teórico ou a apenas interesse material. De mais interessante, no momento, são os contrastes e confrontos políticos provocados pela taxação dos investimentos estrangeiros em carteira (IOF sobre ações e títulos). A medida foi gestada no Ministério da Fazenda. Até agora se discute se a intenção era segurar o dólar, arrecadar um troco para o cofre vazio do Tesouro ou vacinar o país contra a bolha (ou as três coisas). Qual fosse lá a intenção, a medida é fraca e superficial, ainda que bem-intencionada, por refletir problemas sérios (risco de bolha e real anabolizado). A reação ao IOF embaralhou a politiquinha da política econômica. Parte da diretoria do BC espargiu venenos sobre o novo IOF. O cada vez mais político presidente do BC, Henrique Meirelles, soltou uma nota oficial para dizer que participara da decisão do IOF. Ainda está difícil dizer se a nota foi apenas política de boa vizinhança, política de salvar a face ou se foi ditada politicamente de cima. Mas a nota desmoralizou o zum-zum-zum venenoso disseminado pela seus próprios diretores no BC. Além do mais, a nota reforçou o clima de fim de festa e a dissonância nas equipes de economistas de Lula, no BC ou na Fazenda. Parte da diretoria do BC não vê a hora de dar o fora, outra ficará e Meirelles está com a cabeça em outra parte. A desarticulação BC-Fazenda só piora, o que reduz a possibilidade de sucesso de políticas, para o câmbio, para a bolha e tudo o mais. Por sua vez, economistas e publicistas "pró-mercado", que amam falar de "jabuticabas", "boas práticas e experiências internacionais" e "imagem internacional" do país, ficaram na mão. A seu modo provincianos, costumam recorrer à opinião de acadêmico, instituto de pesquisa ou publicação estrangeira a fim de avacalhar adversários "heterodoxos". No caso, tanto faz quem está certo. O ridículo fica por conta do contraste entre a reação estereotipada e mal circunstanciada dos mercadistas contra o IOF e a opinião de suas "referências externas", digamos. O novo IOF teve, por exemplo, apoio de um (mau) editorial do "Financial Times". Na sexta-feira, o historicamente fracassado FMI fazia festa para a medida de Guido Mantega (e de Meirelles, não é?). Até alguns gestores americanos de fundos falaram bem da medida. Sinal de que é hora de o mercadismo mudar o disco e renovar clichês. ------------------------------------------------------------------Correio Braziliense Vicente Nunes - Brasil S/A O primeiro deficit É remota a possibilidade de o governo fazer superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, ano de eleições Na próxima sexta-feira, o Banco Central dará o sinal mais emblemático da deterioração das contas públicas. Se os cálculos dos principais economistas do mercado entre eles, Maurício Molan, do Banco Santander estiverem corretos, o setor público como um todo registrou em setembro, pela primeira vez desde 1998, deficit primário (receitas menos despesas, sem levar em conta as despesas com juros da dívida). O rombo consolidado da União, estados, municípios e estatais ficou próximo de R$ 5,5 bilhões, dos quais aproximadamente R$ 4 bilhões contabilizados pelo governo federal. Tanto o BC quanto o Tesouro Nacional, responsáveis pela divulgação dos números, virão com as desculpas de sempre: que a deterioração das contas públicas decorre das medidas anticíclicas adotadas pelo governo para combater os efeitos da crise mundial; que as turbulências provocadas pelo estouro da bolha imobiliária americana derrubaram o nível da atividade e, por tabela, a arrecadação. Infelizmente, ninguém assumirá publicamente que o maior responsável pelo enfraquecimento do ajuste fiscal é o aumento dos gastos com o funcionamento da máquina, as denominadas despesas correntes, que incluem os servidores. Com as justificativas mais que batidas virão as promessas de cumprimento das metas de superávit do setor público neste ano, de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) sem os descontos dos investimentos do Programa Piloto de Investimentos (PPI) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e de 1,56% se o governo cumprir todas as promessas de desembolso nesses projetos. O problema é que, a continuar o ímpeto gastador e com as despesas já contratadas, nenhuma dessas metas será atingida. Portanto, se o superávit primário ficar em 1% do PIB em 2009, já será um feito e tanto. Não se pode esquecer que, no último trimestre do ano, os gastos do governo federal serão acelerados para cumprir parte do Orçamento. Em dezembro, tradicionalmente, o setor público como um todo computa rombos enormes, devido às despesas extras com o funcionalismo, por causa do pagamento da segunda parcela do 13° salário e de adiantamentos de férias. E mais: ainda que a atividade esteja se recuperando, com o país já crescendo a um ritmo próximo de 4% ao ano, o crescimento das receitas com tributos não será na proporção necessária para fazer frente a aumento dos gastos. Nesse ponto, é importante ficar claro que, mesmo que cresça, a arrecadação não voltará aos níveis de 2008, um ano excepcional, fora da curva. E é aí que mora o perigo. À medida que os melhores meses do ano passado forem sendo tirados das estatísticas, a sensação será de que as receitas voltaram com tudo. Mas os altos índices de crescimento apresentados pela Receita Federal nada mais serão que distorções ante a tímida base de recuperação. O discurso do governo, no entanto, será de que tudo voltou ao normal, de que, com os cofres em dia, o cumprimento das metas de superávit será tranquilo, sem traumas. Terroristas fiscais Com esse quadro à vista, o governo se sentirá ainda mais confortável para atacar os terroristas fiscais, os analistas de plantão que tanto têm alardeado sobre os riscos da deterioração das contas públicas. A realidade, porém, é que, mesmo que recorra aos artifícios deste ano, raspando o tacho ao avançar sobre depósitos judiciais e os dividendos de estatais para compor o ajuste fiscal, será remota a possibilidade de o governo fazer superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, ano de eleições. É certo que, para sustentar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à presidência da República, o governo entrará o próximo ano com o pé no acelerador dos gastos, pois só poderá se comprometer com projetos até junho, devido às limitações da Lei Eleitoral. O mesmo acontecerá nos estados, que, ressalte-se, vêm compensando, no cômputo do superávit, as despesas crescentes da União. Trunfo soberano Muitos vão se lembrar que o governo ainda conta um trunfo neste ano para, pelo menos, fazer o superávit de 1,56% do PIB: o Fundo Soberano, no qual estão depositados cerca de R$ 15 bilhões. Mas, como se diz dentro do próprio Tesouro Nacional, esse também é um artifício, uma maquiagem em um problema sério. Na visão dos técnicos, a gastança desenfreada mostrará sua fatura em forma de inflação maior em 2010, o que levará o BC a elevar a taxa básica de juros (Selic), congelada, atualmente, em 8,75% ao ano. Tal posição, por sinal, está provocando uma crise dentro do Ministério da Fazenda. Enquanto o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, apoiado em sua proximidade com a ministra Dilma Rousseff, assegura que a situação fiscal está sob controle, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prega a necessidade de se fazer superávit de 2,5% neste ano e de 3,3% do PIB em 2010. Arno alega que o fato de o mercado não acreditar nessa possibilidade já está custando caro aos cofres públicos, pois o Tesouro está tendo de pagar mais caro para colocar títulos da dívida no mercado. Coutinho e o mercado Para complementar o assunto, veja como são as coisas: rejeitado pelo mercado para substituir Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), decidiu ajustar seu discurso para seduzir os terroristas fiscais. Em entrevista ontem ao jornal Estado de S. Paulo, defendeu o corte de gastos correntes do governo para se ampliar os investimentos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que se cuide. -------------------------------------------------------------- ECONOMIA & OUTRAS NOTÍCIAS Folha de S.Paulo 25 10 2009 Licitação de grandes obras sai até abril Lei de Responsabilidade Fiscal impõe prazo para contrato em ano eleitoral; regra ambiental e resistências do TCU podem ser empecilho Ministério Público do Pará impõe obstáculos à usina hidrelétrica de Belo Monte, projeto de até R$ 30 bi com leilão previsto para dezembro MARCIO AITH AGNALDO BRITO DA REPORTAGEM LOCAL Somam mais de R$ 90 bilhões as grandes licitações e compras de vulto a serem concluídas pelo governo federal com fornecedores até abril do ano que vem -prazo a partir do qual a Lei de Responsabilidade Fiscal, em razão do final de um mandato, restringe novos acertos de longo prazo com empresas privadas. Entre os contratos a serem assinados nesse período de seis meses (entre hoje e abril), estão o da usina hidrelétrica de Belo Monte, o do trem-bala entre São Paulo e Rio, o do fornecimento de caças, o da ampliação da ferrovia Norte-Sul e a concessão de nova frequência de telefonia celular (a banda H). Se a esse cálculo forem adicionados os grandes contratos da Petrobras e da Transpetro, empresas de economia mista com regras próprias de compras, o patamar de licitações e contratações pode subir para até R$ 130 bilhões. A Transpetro selecionará os consórcios fornecedores de 16 grandes navios. A Petrobras vai fazer o mesmo com 28 sondas de perfuração em águas profundas. De olho no futuro O acúmulo de tantos contratos de vulto mostra como, diferentemente da era FHC, que chegou ao fim assolada por uma turbulência financeira de origem eleitoral e desprovida de um colchão fiscal, o governo Lula posiciona-se, na reta final, com o poder de influenciar o pleito e tomar importantes opções estratégicas. Entre essas opções, está a de definir preços e escolher empresas privadas para obras que só serão concluídas em até uma década, ainda que várias delas recebam inaugurações simbólicas no ano que vem. O único desafio do governo é o calendário. Regras ambientais e resistências do TCU (Tribunal de Contas da União) e do Ministério Público têm atrasado o cronograma de várias dessas obras. Se os contratos não forem assinados até abril, podem sofrer contestações jurídicas de fôlego longo. É o caso da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, uma das estrelas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Enquanto o governo tenta obter a licença prévia do Ibama, o Ministério Público Federal do Pará prepara nova ação contra o leilão. O governo quer leiloar Belo Monte em dezembro. Os procuradores apontam problemas ambientais e sociais, além de incertezas sobre o custo do projeto. A previsão é que a hidrelétrica, com potência instalada 11,2 mil MW, o que a torna a terceira maior do mundo, chegue a R$ 30 bilhões. Acompanhamento Para o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, a abertura de licitações que somam R$ 90 bilhões em ano eleitoral, por si só, não é um problema. A falha, segundo ele, está na precariedade do acompanhamento que a sociedade brasileira faz de concorrências e assinaturas de contratos, seja em períodos eleitorais ou não. "Não há nenhum motivo para supor, de antemão, que contratações que ocorram nesta época sejam mais vulneráveis a corrupção do que em outras. O problema é que não há um acompanhamento sistemático de licitações e contratações." Abramo avalia que a imprensa e as organizações civis falham ao não sistematizar o acompanhamento das ações de governo. O diretor da Transparência Brasil acha que o volume de licitações que o governo Lula abrirá em 2010 repete "prática disseminada" no país. "Todo governante faz isso, sem exceção", afirma. -------------------------Folha de S.Paulo 25 10 2009 É preciso controlar ação eleitoral, diz TCU Para presidente do órgão, obras que não respeitem cronograma da Lei de Diretrizes Orçamentárias podem favorecer governo Só no mês passado, tribunal ordenou a interrupção de 41 obras federais, 13 das quais integram o Programa de Aceleração do Crescimento Indagado pela Folha sobre o acúmulo de licitações em tão curto espaço de tempo, o presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Ubiratan Aguiar, disse que a situação exigirá esforço extra de planejamento do poder público e dos órgãos de fiscalização. "O que a lei deve guardar é que as obras sigam o que foi previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e no PPA (Plano Plurianual)", diz. "Se foram feitas na última hora, podem acarretar características de favorecimento eleitoral, o que não é saudável." Segundo Aguiar, a sintonia com o planejamento anteriormente feito "garante a impessoalidade" nas contratações. No mês passado, o TCU ordenou a interrupção de 41 obras federais, das quais 13 do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento). Na sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou indiretamente o órgão e defendeu a criação de uma câmara extraordinária de nível superior que acelere as obras. "Não é fácil governar com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina de execução", disse o presidente. Lula afirmou estar preparando um "relatório com coisas absurdas", numa referência a obras paralisadas sem punições. Ele também defendeu as viagens dele e de ministros pelo país em período eleitoral -reiterando um discurso já adotado desde o ano passado. Na entrevista à Folha, concedida antes das declarações de Lula, Aguiar disse que a fiscalização feita pelo TCU é um reflexo da vontade da sociedade, por meio do Congresso. Voz do contribuinte "As regras que o TCU segue são as estabelecidas pelo Congresso Nacional na sabedoria de seus integrantes, o que traz aquilo que melhor possa interessar à sociedade brasileira." Aguiar diz ser de total interesse do tribunal que o país se desenvolva, "mas a um custo justo para o cidadão que arca com as despesas. Nosso trabalho prima pela qualidade técnica de suas instruções e segue os parâmetros legais. Em 2008, a atuação do TCU gerou economia de R$ 31,9 bilhões", disse. O presidente do TCU não quis comentar projetos específicos. Nem de que forma a lei eleitoral afeta as formas mais modernas de parceria entre o poder público e empresas privadas, como as PPPs (Parcerias Público-Privadas) e as mais novas versões das concessões. Recursos "Tanto as PPPs como as concessões são contratos administrativos, mas com algumas características distintas das previstas na lei 8.666/93. Seria necessária uma análise técnica para manifestação conclusiva do TCU em um caso concreto, para daí haver a fixação de entendimento sobre a matéria." De acordo com Aguiar, o essencial é fazer um projeto básico de qualidade, que garanta a execução tranquila da obra e evite aditivos nos contratos. A questãochave, diz o presidente do TCU, é a "disponibilização tempestiva dos recursos". (MARCIO AITH) ----------------------O Estado de S.Paulo 23 10 2009 ''O realismo dele como presidente é admirável'' Daniel Bramatti Para o antropólogo Roberto DaMatta, a afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que, no Brasil, Jesus Cristo teria de se aliar a Judas é a "constatação da face dupla" dos brasileiros. Segundo DaMatta, colunista do Estado, Lula revela "realismo" com sua manifestação, mas faz "demagogia" ao dizer que a oposição, com a eventual chegada à presidência do Senado, faria um "inferno" no País. A seguir, trechos de entrevista concedida ontem, por e-mail: Como o senhor analisa a declaração do presidente de que, no Brasil, Jesus Cristo "teria de se aliar a Judas"? Lula tem a virtude de falar claro. Às vezes eu penso que ele não tem inconsciente. De perto, a declaração pode parecer horrível. De longe, é a constatação da nossa face dupla, das nossas cumplicidades com o partido que não ia roubar nem deixar ninguém fazê-lo, mas o fez o mensalão; ressuscitou Sarney e quejandos, tem desmoralizado o Congresso; enfim, o nosso lado que odeia a lei valendo para todos - esse Judas dentro de cada um de nós que não quer mudar o "você sabe com quem está falando?" Já do outro lado há o Jesus dos pobres e dos famintos, dos honestos cordeiros seguidores da lei. O realismo do Lula como presidente é admirável. Estamos vivendo um momento de rotinização do capitalismo liberal e de mercado no Brasil, do qual Lula tem sido um instrumento importante, histórica e politicamente, e daí a reação a esse tipo de constatação. Ou seja: como fazer isso sem, em algum momento, vender sua alma ao diabo, trair um pouco, ter um curinga na manga e um plano B na cabeça, sem mentir ou exagerar e fazer alianças com todo tipo de gente? Que relação existe entre essa declaração de Lula e o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamava de "utopia do possível"? Um era professor que se tornou político e presidente; o outro é um populista que tem, como ele mesmo disse, náusea quando lê jornal. A oposição criticou a declaração do presidente e sua política de alianças. A oposição é mais seletiva ao buscar aliados? Um dos problemas no nosso "liberalismo" é que não temos partidos políticos e oposição. A política brasileira de distingue por dissolver em ácido todas as ideologias e todo o formalismo partidário. Nela, os laços pessoais passam por cima de quase tudo. E, em nome do possível, do realismo, fazemos tudo e deixamos tudo para o amanhã: esse nosso grande Judas. Segundo o presidente, o papel da imprensa tem de ser o de informar, não o de fiscalizar. O que o senhor acha dessa declaração? Como informar é saber e saber é poder, o fiscalizar faz parte do informar. Está implícito nele. Seria preciso ter mais instrução liberal, visto alguns filmes - não vou falar em livro com quem não lê - de John Ford e Frank Capra. Como o senhor vê a alegação do presidente de que foi preciso defender José Sarney porque a oposição, se assumisse o comando do Senado, faria "um inferno neste País''? Pura e profunda demagogia. Na sua opinião, o que explica a popularidade do presidente, mesmo em setores não beneficiados por políticas sociais? O motivo desta entrevista. ----------------------------