Orbis: Revista Científica
Volume 2, n. 3
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ANÁLISE SÓCIO-JURÍDICA DO ACESSO À JUSTIÇA
Alinaldo Guedes Campos1
RESUMO
O acesso à Justiça, sob o aspecto sociológico, pode ser entendido, acima de tudo, como
resultado de lutas travadas pelos mais diversos grupos sociais ao longo da história dos Estados
de Direito. Dentro desse contexto, surge toda uma crise da administração da Justiça, a partir
da explosão no número de demandas levadas aos órgãos estatais encarregados de prestar a
jurisdição, tudo isso contagiado a partir de uma busca incessante pelo aperfeiçoamento na
solução de litígios. As recentes transformações sociais traduzem o dilema relativo à qualidade
na prestação da justiça frente à crescente demanda jurídica. Os mecanismos de atuação da
sociedade servem como importante fator de aperfeiçoamento e na democratização do serviço
público jurisdicional. O interesse da sociologia diante dessa problemática consiste em buscar
meios de se alcançar o bem estar social, na medida em que analisa o fenômeno social do
acesso à justiça e a crescente movimentação do complexo aparelho estatal responsável pela
pacificação social.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça. Crise Legislativa. Organização Judiciária. Meios de
Resolução de Conflitos.
ANALYSIS LEGAL PARTNER OF THE ACCESS TO JUSTICE
ABSTRACT
The access to Justice, under the sociological aspect, can be understood, above all, as resulted
of fights stopped for the most diverse social groups throughout the history of the Rules of law.
Inside of this context, all appears a crisis of the administration of Justice, from the explosion
in the number of demands taken to the state agencies in charge giving the jurisdiction,
everything this infected from an incessant search for the perfectioning in the solution of
litigations. The recent social transformations translate the relative quandary to the quality in
the installment of justice front to the increasing legal demand. The mechanisms of
performance of the society serve as important factor of perfectioning and in the
democratization of the jurisdictional public service. The interest of the sociology ahead of this
problematic one consists of searching ways of if reaching the welfare state, in the measure
where it analyzes the social phenomenon of the access to justice and the increasing movement
of the complex responsible state device for the social pacification.
1
Graduado em Direito pela UFPB.
Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Brasileira de Estudos Constitucionais.
Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo UNIPÊ/ESMA-PB.
Professor da Disciplina de Direito Penal do Centro de Educação Superior Reinaldo Ramos - CESREI.
Analista Judiciário do TJPB.
Assessor de Juízo de Primeiro Grau do TJPB.
[email protected]
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KEYWORDS: Acess to Justice. Legislative crisis. Judiciary Organization. Half of Conflit
Resolution.
1. INTRODUÇÃO
O
interesse
da
sociologia pelas dimensões processuais,
institucionais
e
organizacionais do Direito surge a partir de vários fatores. Um primeiro se relaciona com os
movimentos sociais que lutaram pela efetivação da democracia.
A Sociologia também se interessa pela dinâmica do processo jurisdicional e dos
tribunais, na medida em que se instaura uma crise na administração da Justiça, em função do
rápido crescimento do número de litígios levados à seara do Poder Judiciário. O número
crescente de conflitos explica-se pela passagem do Estado Liberal para um Estado
Providência, que expandiu direitos sociais e integrou classes trabalhadoras ao circuito de
consumo.
Nesse contexto, o Estado demonstra claramente uma certa limitação na capacidade
de expandir seus serviços de administração da justiça e oferecer um serviço jurisdicional
compatível com a procura verificada.
A Sociologia, neste âmbito, busca analisar e compreender o acesso à Justiça a partir
de observações sobre a administração do Judiciário, sobre a ótica da organização dos
tribunais, a formação e o recrutamento dos magistrados, as motivações das sentenças, sobre o
custo da justiça e seu ritmo de andamento.
2. O ACESSO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
A partir de um estudo feito ainda na década de 60 do século passado, por meio do
amplo projeto de pesquisa científica, diversos dados sobre o funcionamento do Poder
Judiciário de alguns países foram colhidos, analisados e, posteriormente, compilados numa
obra intitulada “Acesso à justiça, segundo Cappelletti” 2.
Muito embora esse estudo tenha despertado a atenção de sociólogos, juristas e tantos
outros cientistas, o tema do acesso à justiça, dentro dos estudos jurídicos, esteve envolvido
2
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
Disponível em:<http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/.../article/view/.../101 >. Acesso em:
20 jul. 2009 .
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com dois enfoques distintos. O primeiro deles diz respeito a um estudo do acesso à justiça
voltado ao normativismo e ao substantivismo. Noutras palavras, essa tendência diz respeito à
coerência das normas num dado sistema jurídico e à eficácia social destas como forma de
promover o acesso à justiça, segundo Santos3.
Por outro lado, o estudo analisou
profundamente as questões institucionais, organizacionais e processuais do universo jurídico.
Surge, assim a chamada sociologia dos tribunais, um dos temas estudados pela sociologia do
direito.
Segundo Santos4, a compreensão restritiva ou formal do tema relativo ao acesso à
justiça refere-se à mera garantia formal de postulação jurisdicional, de acesso ao Poder
Judiciário,com enfoque na resolução de conflitos com base no dispositivo pétreo, segundo o
qual a lei não "excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º,
XXXV da CF/88).Ocorre que, embora pertinente, pode a via judicial não ser a mais adequada,
principalmente se outras formas de resolução do conflito não foram intentadas.
A norma regente da carreira da Magistratura Nacional – lei complementar n° 35, de
14 de março de 1979 – dispõe sobre os mais variados deveres dos profissionais membros do
Judiciário. Destaque-se, dentre estes, os de cumprir e fazer cumprir, as disposições legais e os
atos de ofício; tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os
advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça e atender aos que o
procurarem, a atuação independente e serena, além da assiduidade ao expediente forense ou às
sessões de julgamento, não se ausentando o magistrado injustificadamente antes de seu
término, conforme enumera Avelino 5.
Ainda para para Santos,6 acesso à Justiça significa acesso a todo e qualquer órgão,
poder, informação e serviço, especialmente, mas não apenas os públicos. Afinal, não apenas o
poder judiciário viabiliza justiça, mas muitos outros órgãos e instituições, estatais ou não,
desenvolvem ações no mesmo sentido, sem necessariamente culminarem em litígios judiciais.
As ações paralelas desses órgãos e entidades, de maior ou menor previsão legal, deslocam da
3
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 2000.
4
SANTOS, Nivaldo. Da negação do acesso à Justiça. Disponível em http//: www.existencialismo.org.br
Acesso em 20 de julho de 2009.
5
AVELINO, Juliana de Britto. A distância prática entre o juiz e o cidadão à luz do Estado Democrático
de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 998, 26 mar. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8136>. Acesso em: 20 jul. 2009.
6
Op. cit.
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apreciação do judiciário um sem número de possíveis demandas, permitindo a seus órgãos, já
sobrecarregados, ocuparem-se de outros casos, reduzindo, assim, o volume de processos em
curso.
2.1 As diversas formas de compreensão do tema acesso à Justiça
Com o desenvolvimento da sociedade e o nascimento de inúmeros direitos sociais a
Sociologia passou a ter um importante papel na investigação dos obstáculos que as mais
diversas classes populares passaram a enfrentam para ter acesso ao Poder Judiciário e as
possíveis soluções para esses problemas.
Assim, sob o aspecto econômico, o tema do acesso à Justiça investiga o acesso dos
desfavorecidos aos serviço público do Judiciário. Surge, então a idéia de que não basta a
assistência através de advogados, em Juízo, pois ela pode e deve ser extra e pré-judicial, uma
vez que a porque pobreza significa, normalmente, não apenas pobreza econômica, mas
também em termos de informação dos direitos que lhes são conferidos, e como garanti-los.
Em qualquer caso, trata-se de assistência a ser prestada por profissionais devidamente
habilitados.
Neste sentido, até o século passado, defendia-se que os profissionais envolvidos na
assistência jurídica aos pobres seriam detentores de obrigação honorífica, daí não lhes caber
qualquer compensação econômica por seus préstimos. Já nos tempos do Walfare State,
reconhece-se a efetivação do direito de acesso à justiça como tarefa fundamental do Estado.
Raciocínio estendido a legislações nacionais orientadas segundo diversas perspectivas
políticas, que passaram a reconhecer o dever de compensação aos advogados
A representação judicial dos pobres deu-se, então, por advogados privados, conforme
a experiência européia e por procuradores públicos, escolha norte-americana. Contudo,
observou-se que o adequado seria um terceiro sistema, segundo o qual as partes carentes de
informação e/ou assistência judicial pudessem escolher entre advogados privados ou públicos,
detendo estes últimos, ainda, atribuição para demandas coletivas e/ou difusas.
Um outro enfoque, de que trata Santos7, refere-se à questão dos interesses difusos.
Interesses que isolados mostram-se de valor econômico insuficiente para despertar o interesse
dos seus detentores em enfrentar judicialmente grandes corporações industriais e mesmo o
7
Op. Cit.
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Estado. Assim, com diversas demandas afetas às relações de consumo e quase todas
relacionadas à proteção e defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Essas
últimas nem sempre passíveis de quantificação econômica.
O enfrentamento da questão e tendência das legislações modernas legitima
ativamente os cidadãos, órgãos estatais específicos, ONGs e o Ministério Público, além de
outros, a proporem ações judiciais e procedimentos administrativos.
Para Santos,8 ainda há um terceiro enfoque do acesso à Justiça, que diz respeito à
necessária transformação da estrutura judicial, desburocratizando tribunais e procedimentos.
Implica numa ampla cadeia de reformas que necessariamente passam pela legislação,
operacionalização e por que não dizer pela mentalidade do operador do Direito.
Vários são os exemplos de simplificação e desburocratização desse acesso ao
Judiciário. Há até pouco tempo isso poderia ser entendido como algo fantasioso (hoje, no
máximo, utópico): a responsabilidade objetiva, no âmbito do Direito Cível; a inexigência da
culpa para o divórcio (o inverso desse raciocínio ainda vige em alguns países); a simplificação
processual, por exemplo, decorrentes dos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e das Cortes de Conciliação e Arbitragem ou ainda da Mediação e tantos outros,
imagináveis ou ainda não.
3. CRISE LEGISLATIVA ENFRENTADA PELO PODER JUDICIÁRIO
É por todos sabido que o Poder Judiciário passa por uma grave crise fruto segundo
Melo Sobrinho apud Junqueira 9, do excessivo número de leis, desorganização e
irracionalidade da administração judiciária. Nesse sentido, o Estado retira sua legitimidade do
fato de apresentar à sociedade uma instituição arbitral neutra que garante e aplica um
determinado quadro legal e por isso, não pode aceitar a existência de uma crise conjuntural no
Judiciário.
Eliane Junqueira10 refere-se ao Poder Judiciário como sendo uma organização
burocrática, liberal, patrimonialista e burguesa inserida em um contexto de carência de infraestrutura, de inadequação do ordenamento jurídico e de desigualdade socioeconômica.
8
9
10
Op. cit.
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A sociologia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993.
Op.cit.
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O autoritarismo e a burocracia, segundo Junqueira 11, são aspectos da cultura
brasileira que se reproduzem em todas as instâncias estatais, até mesmo nas pensadas a partir
de uma perspectiva desburocratizada e informal, a investigação empírica sobre os Juizados
Especiais de Pequenas Causa em Nova Iguaçu demonstra que transformações meramente
procedimentais tendem a ser contaminadas pela estrutura burocrática do Estado.
O procedimento no Juizado de Nova Iguaçu impõe sucessivas idas a esta agência:
uma para informar o horário; outra para ser atendido; uma terceira para que seja tentada a
conciliação; uma quarta para a audiência de instrução e julgamento e por fim uma quinta vez
para o julgamento do recurso.
A atuação dos movimentos de defesa dos direitos humanos e a urgência de soluções
coletivas explicam a necessidade de democratização do Poder Judiciário para evitar que a via
judicial seja substituída por outro direito no interior do direito estatal oficial (pluralismo
jurídico). Portanto, a crise do aparelhamento não tem como causa a ineficiência do Judiciário
ou o fato dele ser politicamente dependente, mas sim a caráter liberal da cultura jurídica que
pressupõe uma concepção individualista da sociedade, pois ao mesmo tempo em que nega a
desigualdade, a seleção de conflitos promove condições empíricas que esta se reproduza.
Para se ter um Judiciário eficiente é necessário que haja a separação entre as esferas
pública e privada. Segundo Uricoechea apud Junqueira 12 a existência de um aparato
administrativo controlado burocraticamente pelo Estado e de outro lado a existência paralela
de um aparato controlado patrimonialmente pelas classes sociais promove a conciliação da
natureza patrimonial com o modelo jurídico liberal.
O que temos aqui no Brasil é uma dominação patrimonial que está fundamentada na
apropriação dos cargos e na legitimidade do exercício da justiça privada.
É nesse contexto que o Judiciário, infelizmente, passa a ser cada vez mais visto por
muitos como um local onde a corrupção e o prestígio funcionam acima das leis. A prova disso
é uma pesquisa13 realizada pela Associação de Magistrados de Pernambuco, divulgada em
2006, mostrou que 74% dos juízes de 3ª entrância agilizam despachos ou julgamentos a
pedido de colegas ou amigos sem respeitar a ordem de chegada dos processos.
11
Op.cit.
Op.cit.
13
AMEPE.
Pesquisas
sobre
o
perfil
dos
magistrados.
Disponível
www.amepe.com.br/cadernos_amepe/pesquisa_2.pdf acesso em 20 de julho de 2009.
12
em
:
http://
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De acordo Junqueira14, o Estado brasileiro em função da integração ao sistema
capitalista, representaria o lócus de defesa dos interesses da burguesia nacional e estrangeira.
Integrado ao modo de produção capitalista, o Judiciário brasileiro consolidaria e defenderia os
interesses burgueses, em detrimento dos interesses das camadas populares.
Nesse contexto, ganha força o movimento do uso alternativo do direito que propõe a
interpretação das regras vigentes de acordo com as demandas populares com a finalidade de
promover a democratização da justiça.
4. INSTRUMENTOS PARA A REALIZAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA
4.1.1 A Magistratura
A jurisdição é ditada por um dos Poderes estatais: o Poder Judiciário. É por meios de
seus órgãos e de todo um aparato de recursos humanos selecionado cuidadosamente.
Por fazer parte da estrutura estatal, mas não corresponder aos anseios da maioria, “A
sociedade reclama poderes bem claros, rigorosamente respeitados para seus juízes.” 15
No caso dos magistrados, José Eduardo Faria levanta a seguinte questão: devido a
capacidade do direito oficial de atender as necessidades da sociedade, estaria os tribunais e os
seus magistrados aptos, funcional e tecnicamente, para lidar com os conflitos sociais? O
mesmo autor acredita que os atores jurídicos estão “impregnados da velha tradição legalista,
formalista e normativista da dogmática (...), valorizando apenas os aspectos lógico-formais do
direito positivo.” (FARIA,1991:43)16
É sabido que entender acesso à Justiça como mero acesso aos Tribunais não é uma
assertiva aceitável nos tempos contemporâneos. Concepções puramente liberais devem ser
suplantadas em instantes de multiculturalismo exacerbado, a fim de que sejam paulatinamente
implantadas instâncias dialógicas efetivas que concretizem os ideários democráticos
prometidos na normativa constitucional, conforme Silva 17.
14
Op.cit.
ROSA..1994, p.175.
16
JUNQUEIRA, p.128.Cap. 9. Os atores Jurídicos.
17
SILVA, João Fernando Vieira da. O juiz e o acesso à Justiça no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, ano 13,
n. 2054, 14 fev. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12314>. Acesso em:
20
jul. 2009 .
15
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Silva18 afirma que a figura do juiz é de importância central para a compreensão dos
vícios e possibilidades de mudança dentro do cenário da prestação jurisdicional estatal.
Contudo, soa uma visão inadequada (e não é isto que queremos) conceber o juiz como o
maior vilão ou o maior herói do acesso.
Os juízes exercitam um poder e onde há poder dever haver responsabilidade. Em
uma sociedade organizada racionalmente haverá uma relação diretamente proporcional entre
poder e responsabilidade, segundo Silva 19.
Também se faz presente uma necessidade de aparelhar a máquina estatal com
mecanismos mais precisos de seleção de magistrados. É por isso que surge no meio social a
seguinte indagação: nos concursos para a seleção de magistrados será que sempre são
escolhidos os melhores candidatos? O sistema das provas procura bons juízes, com senso
humanista, disposição para o diálogo, maturidade, vocação para a atividade de exercer a
jurisdição, sensibilidade social e vontade contínua de se atualizar ou "super homens". Nesse
contexto, a doutrina (Silva20) questiona: com momentâneo e acrítico conhecimento das
legislações e dos doutrinadores "preferidos" das bancas de seleção realmente se faz uma
seleção equilibrada de magistrados? A despeito das mazelas do ensino jurídico pátrio, será
que não há exagero no número grandioso de reprovados nos concursos públicos para a
Magistratura, muitos dos quais sequer conseguem preencher todas as vagas abertas?
As conjunturas exigidas pelo pleno acesso à Justiça para aperfeiçoamento das
instituições jurídicas e de seus atores cobram também uma reforma no perfil epistemológico
do jurista. Conhecer com memória minudente codificações, operar bem legislações, compilar
jurisprudências de Tribunais são recursos importantes, mas não bastam para a formação do
bom jurista.
As profundas transformações nas áreas econômica, política e sócio-cultural, tanto no
plano científico como tecnológico e operacional, ocorridas, em ritmo cada vez mais acelerado,
nos últimos tempos, requerem uma mudança de atitude do Judiciário e dos magistrados para
que possam corresponder aos atuais anseios da sociedade, segundo Yohshida 21.
18
Op.cit.
Op.cit.
20
Op. Cit.
21
YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. O novo papel do Judiciário e dos magistrados na sociedade
contemporânea:reflexões em tempos de reforma. Disponível em: http://www.lex.com.br. Acesso em 20 de
julho de 2009.
19
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Com o crescente volume e complexidade das lides trazidas ao conhecimento e
apreciação do Poder Judiciário, ganha cada vez maior relevância o ensinamento, sempre atual,
de que o operador do direito, notadamente o magistrado, não é um mero autômato da
aplicação da lei, segundo Yoshida 22.
A formação do convencimento começa, em geral, com a intuição. Posteriormente é
que o juiz busca a necessária fundamentação no sistema jurídico vigente, conduz o processo
probatório e valora as provas segundo o critério do ônus da prova e sua eventual inversão,
visão concorde com os adeptos do Realismo Jurídico. É preciso, quando necessário, desprezar
literalidades legais iníquas e abusivas e se valer de interpretações sistemáticas mais
consentâneas com os ditames de Justiça no caso concreto, segundo Silva 23.
O magistrado deve estar sempre preparado para se defrontar com as demandas cada
vez mais complexas que são levadas a Juízo. Para tanto, primordial que o magistrado se
atualize de forma perene, ademais, o Direito, acompanhando a evolução social, muda.
Neste diapasão, combate-se também a figura do juiz legalista. Este tipo de
profissional caracteriza-se por ser pouco acessível não só às partes, mas ao problema social e
concreto que lhe é trazido. Demasiadamente apegados à interpretação literal das leis,
esquecem-se tais magistrados de que a equidade, os costumes e os princípios fundamentais
também são fontes do direito. Assim, por não terem contato nem conhecerem a fundo a lide
posta, por muitas vezes resolvem o processo, mas não o conflito. A função do julgador
implica a adaptação da legislação ao caso concreto, buscando a resolução de um problema. A
pura obediência à lei seca, desprovida de atividade intelectual, é incompatível com a
jurisdição, segundo Avelino 24.
Conforme expressa Avelino 25, sempre houve certo temor popular ante a figura do
magistrado. Este muitas vezes era visto como a personificação do poder de império do Estado,
alguém que tem o poder de prender, coagir, ao invés de justo solucionador de conflitos. Desde
que os primeiros sacerdotes das civilizações antigas assumiram a função de julgar querelas,
criou-se o mito do julgador dotado de poder divino, por vezes sábio, por vezes cruel. Mesmo
após a organização e codificação do direito, procurou-se garantir que o conhecimento das leis
22
Op.cit.
Op. cit.
24
AVELINO, Juliana de Britto. A distância prática entre o juiz e o cidadão à luz do Estado Democrático
de Direito . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 998, 26 mar. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8136>. Acesso em:
20 jul. 2009 .
25
Op. cit.
23
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fosse pouco divulgado, a fim de manter o poder de mando detido entre os membros da elite.
Ainda nas formas mais primárias de democracia, esta era exercida apenas por pequena parcela
da população, assim como o acesso aos órgãos de justiça.
Pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, segundo cita Leite26,
demonstra que 86% dos magistrados são brancos, enquanto esse percentual corresponde
apenas a 53,7% no total da população. Por outro lado, mais da metade dos magistrados são
oriundos de universidades públicas, que, por via de regra, têm a melhor qualidade no ensino
superior brasileiro e cujas vagas são preenchidas por pessoas oriundas de bons colégios
privados, consagrando um ciclo de exclusão dos pobres ao ensino de mais qualidade.
Para Leite27, tais dados indicam que o perfil demográfico e sociológico dos
magistrados não corresponde às características gerais da população brasileira, do que decorre
que a média dos magistrados não tem uma plena identificação cultural com a média da
população. Enquanto representantes das camadas mais favorecidas, estariam os juízes
propensos a manter o status quo vigente, o que se reflete na qualidade das decisões.
Deste modo, parece que somente uma profunda revisão no sistema de seleção e
formação dos magistrados poderia se mostrar hábil à transformação desse quadro. Não se
pode olvidar que a implementação de meios alternativos de administração de conflitos pode
contribuir para atenuar esse distanciamento, físico e ideológico, do Poder Judiciário quanto à
população em geral.
4.1.2 A organização judiciária
Antes de tentar compreendermos os inúmeros problemas de gestão do Poder
Judiciário, devemos, por vezes, levar em consideração a Justiça como organização, estudando,
assim, a sua administração. Nota-se em alguns países, especial atenção na administração da
Justiça, em outros, como o nosso, “atribuem aos órgãos do Poder Judiciário instalações
precárias (...), precariedade material, ausência de instrumentos atualizados para o trabalho,
dificuldade na obtenção de móveis, máquinas etc.”28.
26
LEITE, Antônio José Maffezoli, GONÇALVES, Cristina Guelfi, DE VITTO, Renato Campos Pinto. O
Desafio da efetivação do acesso à Justiça e o papel de uma nova Defensoria Pública. Disponível em :
http://www.undp.org.br . Acesso em 20 de julho de 2009.
27
Op. cit.
28
ROSA.1994, p.187.
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4.1.3 Os advogados
Os advogados constituem também o objeto de estudo concreto da sociologia do
direito.
Algumas observações importantes a fazer:
A mudança no perfil profissional do direito, devido às modificações no quadro
político e social do país e pelo aparecimento de outras áreas de conhecimento.
O número de advogados de empresas crescendo cada vez mais principalmente
pelo:
Predomínio de conflitos de natureza tributária com o Estado na atividade advocatícia
empresarial e, por outro, a especificidade da inserção deste advogado na empresa,
não como simples assessor jurídico (...), mas como um profissional com pretensões
de compartilhar funções de decisão.29
O advogado passa a exercer certa influência no processo decisório da empresa,
observando sempre a política e cultura organizacional desta.
O advogado popular é aquele que vem assessorando principalmente os
movimentos populares.
Capilongo faz uma análise dessa assessoria e trabalha com a dicotomia serviços
legais tradicionais e os serviços legais inovadores.
Enquanto os serviços tradicionais distanciam “clientes e advogados, hierarquizando a
relação entre os que, de um lado, têm apenas problemas e os que, de outro lado, são donos do
conhecimento e da técnica jurídica.” 30.Os serviços inovadores não só defendem os interesses
coletivos prestando assistência jurídica, mas também promove um trabalho de conscientização
e organização popular, onde o advogado se engaja politicamente as mesmas lutas do seu
cliente. Deste modo, aqui foram expostos apenas algumas características do perfil dos
advogados atuantes no Brasil.
5. O DIREITO PROCESSUAL COMO VALOR SÓCIO-CULTURAL
29
30
JUNQUEIRA, p.134.
Op. Cit., p.136.
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É fato que o processo judicial apenas existe nas sociedades. Ele é considerado um
instrumento para resolução de conflitos de interesses. Porém sociologicamente falando, não é
com o órgão competente que se resolve o conflito, “o processo judicial é apenas um dos
modos de acomodação de situação de conflito social.” 31
O Direito Processual é um ramo bastante interessante de se estudar. O
aprofundamento na compreensão deste ramo da Ciência Jurídica permite importantíssimas
observações de natureza teórica e doutrinária, vinculadas às próprias finalidades do Estado e
às razões de ser da ordem jurídica.”
As raízes sócio-culturais são “as bases” do processo judicial, ou seja, corresponde a
razão de ser no conhecimento científico do Direito Processual. Por essa razão diferencia-se
processo penal do civil.
O Processo Penal “trata-se do conjunto de procedimentos que o Estado estabelece
para julgar certos comportamentos e as pessoas que a eles recorrem contrários às normas
legais de natureza penal.” 32. Existe a preocupação com a liberdade, a ordem, segurança social
e individual.
Já no Processo Civil procura-se assegurar, ao menos em tese, a igualdade das partes.
Trata-se do exame dos conflitos surgidos entre componentes da sociedade, ou seja, entre
indivíduos ou entidades de natureza privada.
Toda a sociedade desenvolve sua própria cultura. Cada uma tem seus costumes, suas
normas sociais, seus utensílios, sua língua etc. E é de acordo com a cultura de cada sociedade
que surge também os valores e a ideologia dos indivíduos de uma comunidade.
É por isso que as normas sociais, jurídicas ou não (e as que não são jurídicas são
amplamente majoritárias), existem para controlar os comportamentos, dirigindo-os no sentido
de um ajustamento às expectativas sociais a seu respeito. Infelizmente, deve-se dizer, existe
uma escassez de estudos a respeito da influência sócio-cultural no Direito Processual.
É possível notar que dois dos valores sócio-culturais mais importantes na sociedade
são a ordem e a valorização da justiça. A sociedade deseja a resolução de seus conflitos
através, principalmente, das “instituições” que ela mesma criou para este fim.
Com isso relaciona-se o sentimento de justiça e a idéia de justiça distributiva e
retributiva. A justiça distributiva seria o acesso de todos a elementos básicos que
31
32
Livro: Sociologia do Direito O Fenômeno Jurídico como Fato Social. ROSA :1994,p.151.
Op. Cit., p.153.
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proporcionam o bem-estar social. Já a justiça retributiva seria a retribuição de cada um pelo
seu comportamento.
Justiça retributiva e justiça distributiva completam-se num só quadro em que todos
se distribuam as coisas básicas ao bem-estar e à perfeita realização das
potencialidades da pessoa humana e, além disso, se retribua pelos comportamentos
sociais, pelas ações de cada um, boas ou más, com certas medidas que a sociedade
estabelece, atendendo às suas maneiras de ser.33
A igualdade está conectada com o equilíbrio social. Esse ponto é bastante destacado
numa sociedade como a nossa, cheia de mudanças, o que causa certa instabilidade. A esse
equilíbrio social está ligado a idéia aristotélica de tratar igualmente respeitando as
desigualdades.
O processo sempre, civil, penal, especial (militar, trabalhista ou eleitoral) visa
assegurar a igualdade de oportunidades processuais, a igualdade de situações entre
as partes, num equilíbrio interno na relação processual que, uma vez quebrado, pode
dar lugar à anulação de todo o processo. 34
O ser humano, como qualquer outro animal, busca a segurança individual, que
também reflete na segurança social. Os homens criam organizações que possam resolver
conflitos e cuidar da ordem social.
Então, de que maneira o Direito Processual se insere na questão da segurança?
(...) assegura a todas as pessoas quais os meios processuais legítimos a que se
deverão ajustar, numa conjuntura de conflito que se transforme em litígio judicial. O
Direito Processual visa, entre outras coisas, a realizar o valor da segurança nas
relações processuais, vale dizer, num dos aspectos das relações jurídicas.35
As normas do processo penal são as que mais trazem esse valor de segurança, ou
seja, à defesa da sociedade. No Direito Processual não encontramos apenas valores racionais,
mas também os valores éticos e ético-afetivos têm devida importância dentro desse ramo do
Direito. “Exemplo disso é a regra de que não pode o Tribunal, em grau de recurso, reformar a
decisão para piorar a situação de quem dela recorreu.”36
Como já dito antes, o processo judicial é um instrumento para se alcançar o bemestar social, acomodando os conflitos sociais.
33
34
35
36
Op. Cit., p.156.
Op. Cit., p.158
Op. Cit., p.159.
Op. Cit., p.161.
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Destaca-se ainda a importância dos valores sócio-culturais como meio de influência
na vida judiciária gerando:
práticas que modificam a maneira de conduzir o andamento dos processos judiciais,
acabando, com o tempo, por se transformarem em verdadeiras praxes que, mais
ainda, terminam, algumas delas, por se constituir em verdadeiro folclore jurídico. Os
valores sócio-culturais são acrescidos de certos aspectos importantes no caso, entre
eles a convicção de que essas formas processuais aderentes são mais valiosas do que
as que constam na própria lei.37
Nesse contexto há o que se chama de folclore jurídico, ou seja, um conjunto de
fenômenos jurídico enraizados na alma popular, ou seja, costume jurídico que pode “dar às
manifestações do Direito algumas dimensões não-expressas na lei, nem adotadas na doutrina,
mas justificadas exclusivamente pelas tradições, pelas convicções (...)”38
Evidencia-se aqui a extrema importância dos valores sócio-culturais, como
motivação para a realização do Direito Processual, onde se procura romper as barreiras do
tecnicismo e se aproximar cada vez mais da realidade social.
6. MEIOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS
O Poder Judiciário tradicional, devido ao seu custo, sua burocratização, sua
morosidade, é tido como inacessível para determinados tipos de casos e/ou para determinados
segmentos da sociedade. Em virtude deste fato, a resolução de conflitos coletivos que deveria
ser resolvida nesse âmbito tende a ser remetida para outras instâncias informais, paralelas ou
ilegais39.
Interessante ensaio sobre esse aspecto, tão presente na nossa realidade, é relatado por
Oliveira40 através de seu artigo intitulado “Sua Excelência o Comissário: A polícia enquanto
„Justiça Informal‟ das classes populares no Grande Recife”. O referido autor, através de uma
pesquisa realizada sob a mesclagem de dois artigos anteriormente publicados, o primeiro com
o mesmo título e o segundo sob o título de “Práticas Judiciárias em Comissariados de Recife
do recife”, nos traz uma visão clara do que seria a prática dos meios alternativos de resolução
de conflitos.
37
38
39
Op. Cit., p.163.
Op. Cit., p.167.
Cf JUNQUEIRA, 2000;
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Oliveira destaca em seu estudo aspectos interessantes quanto a essa temática. Em
suas considerações destaca-se o fato da formulação convencional em relação à falsa
impressão de que as pessoas só voltam-se para essas instâncias alternativas, depois de terem
se defrontado com a inacessibilidade do judiciário. Na verdade o que se observa é que os
litígios sempre estiveram em outras mãos que não o Judiciário, e a polícia sempre teve um
lugar de especial destaque, em virtude de aspectos históricos referentes à figura da policia,
como o Código Criminal do Império de 1830, o qual atribuía à policia competência Judicial
sobre alguns pequenos delitos de natureza pessoal.
Outro ponto interessante destacado por Oliveira diz respeito à relação tipificada entre
esse tipo de fenômeno com o fator econômico, pois a questão de renda não explica tudo, uma
vez que o Judiciário Tradicional não é apenas caro, também é lento, distante e excessivamente
burocratizado, sendo assim a sua estrutura se apresenta incompatível com a agilidade que
esses pequenos casos requerem. Indo ainda mais além, Oliveira levanta o questionamento
sobre a impossibilidade, em termos práticos, de o Judiciário resolver todos os casos conforme
a lei. Destarte, o papel da policia seria o de proteger o judiciário de uma avalanche de
pequenos casos. No entanto, princípios como respeito à dignidade das partes, o seu tratamento
eqüitativo, etc. não são considerados dentro das práticas policiais. Nesse sentido, observa-se a
que as classes sociais brasileiras permanecem excluídas dos benefícios da cidadania.
Boaventura41 ao analisar casos de pluralismo jurídico, concluiu que num primeiro
instante, através de um ponto de vista sociológico, o Estado contemporâneo apesar de ser o
modo de juridicidade dominante, não possui o monopólio da produção e distribuição do
direito, coexistindo com outros modos de juridicidade. Em segundo lugar, ele ressalta o
relativo declínio da litigiosidade civil, o qual longe de ser início de diminuição da
conflitualidade social e jurídica, é antes de qualquer outra coisa, o resultado do desvio dessa
conflitualidade para outros mecanismos de resolução, informais e mais baratos existentes na
sociedade.
Destarte, em decorrência dessas conclusões Boaventura42 destaca dois tipos de
reformas da administração da justiça: as reformas no interior da justiça civil tradicional e a
criação de alternativas. Quanto às primeiras destacam-se as seguintes:
41
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São
Paulo: Cortez, 2000
42
Op. Cit
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O reforço dos poderes do juiz na apreciação da prova e na condução do
processo segundo os princípios da oralidade, da concentração e da imediação, um tipo de
reformas com longa tradição na teoria processualista européia iniciada pela obra pioneira de
Franz Klein;
A criação de um novo tipo de relacionamento entre os vários participantes no
processo, mais informal, mais horizontal, visando um processamento mais inteligível e uma
participação mais ativa das partes e das testemunhas;
As reformas no sentido de ampliar o âmbito e incentivar o uso da conciliação
entre as partes sob o controle do juiz.
Quanto à criação de alternativas, estas constituem, para Boaventura43, uma das áreas
de maior inovação na política judiciária. Em suas palavras, temos:
Elas visam criar, em paralelo à administração da justiça convencional, novos
mecanismos de resolução de litígios cujos traços constitutivos têm grandes
semelhanças com os originalmente estudados pela antropologia e pela sociologia do
direito, ou seja, instituições leves, relativa ou totalmente desprofissionalizadas, por
vezes impedindo mesmo a presença de advogados, de utilização barata, se não
mesmo gratuita, localizados de modo a maximizar o acesso aos seus serviços,
operando por via expedita e pouco regulada, com vista à obtenção de soluções
mediadas entre as partes44.
Conforme Eliane Botelho Junqueira 45 as investigações sobre as juridicidades que
existem à margem do direito estatal comum ocupam, inegavelmente, um espaço importante na
sociologia do direito no nosso país, em razão da dificuldade de se pensar na ordem jurídica
brasileira sem reconhecer os obstáculos presentes na relação da população com o Poder
Judiciário, e conseqüentemente, nos canais informais, societais, criados para se garantir, de
alguma maneira, o equacionamento dos conflitos.
No entanto, deve-se ter cuidado quanto às investigações a respeito dessas formas
alternativas de resolução de conflitos, pois as mesmas não podem ser analisadas pelos
mesmos pressupostos analíticos utilizados pelos países centrais. Afinal, lá as agências
societais configuram uma reação à excessiva presença do estado, já no contexto sóciojurídico
brasileiro, elas se fazem presentes em decorrência da indisponibilidade do Poder Judiciário
para intermediação de conflitos.
43
44
45
Op. Cit
Op. Cit, p.176
Op. Cit
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7. O ACESSO À JUSTIÇA NA VISÃO DA SOCIEDADE
Algumas pesquisas realizadas, sobretudo na Europa conduzidas por Kutschinsky
apud Rosa a respeito do sentimento de justiça mostram que existem variações nesse
sentimento segundo os ambientes que são objeto de exame. O sentimento de Justiça abrange
necessariamente o das normas existentes, sua adequação ou não ao que é tido como justo, a
aprovação social das sanções e a eficácia das normas.
Segundo Rosa46 não existe uma opinião pública e sim, diversas correntes de opinião,
concorrentes ou divergentes, coexistentes sem conflito, ou contraditórias em graus diversos
compondo um universo de opiniões de maneira a apresentar certos traços gerais e algumas
tendências uniformes.
Nessas avaliações fica comprovada a existência de uma parcela importante da
opinião publica que entende os tribunais e os juízes influenciáveis pelos poderosos e,
portanto, parciais. Alguns fatores são essenciais para entender o descrédito do sistema
judiciário por parte dos seus usuários, tais como:
Apesar de o art.3º da Lei de Introdução ao Código Civil determinar que ninguém
poderá deixar de cumprir a lei alegando que a desconhece, é evidente o baixo conhecimento
da população a respeito do conteúdo das normas de nosso ordenamento, o que acaba por
prejudicar a função do Direito como mecanismo de controle social.
Além disso, a população não sabe para que servem e em que circunstâncias devem
ser procuradas muitas das estruturas criadas pela Estado com o objetivo de facilitar-lhe o
acesso aos direitos e, por extensão, à justiça, como o PROCON, os Juizados Especiais, Cortes
de Conciliação e Arbitragem, entre outros.
Igualmente dignas de menção, pelo importante papel de controle interno
desempenhado, as figuras da ouvidoria e da corregedoria.
Segundo Santos47, o indivíduo deixa de exercitar seus direitos por desconhecer o
locus da postulação, ou, mais precisamente, a estrutura burocrática do Estado. Para Almeida48
o Código de Processo Civil é uma obra monumental em homenagem ao princípio do
46
ROSA, F.A de Miranda. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
Op. cit.
48
ALMEIDA, Selena Maria de. O Paradigma Processual do Liberalismo e o Acesso à Justiça. Disponível
em : www.cjf.gov.br/revista/numero22/artigo03.pdf acesso em 22 de julho de 2009.
47
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contraditório e da ampla defesa, mas não firmou compromisso com o acesso à Justiça pelas
populações carentes que têm pretensões de pequeno valor econômico nem com a prestação
jurisdicional para as massas (a imensa burocracia processual do CPC que significa, na Justiça
Federal, juntada de milhares de petições, expedição de milhares de mandados e requer um
exército de servidores pagos pelos cofres públicos se houver a real pretensão de se cumprir os
prazos legais).
De acordo com Selene Almeida 49 o grande número de atos processuais faz o rito se
arrastar: réplica, especificação de provas, seu deferimento, saneador, designação de audiência,
apresentação de laudo e manifestação das partes, quesitos preliminares, razões finais escritas.
Sem falar dos incidentes processuais e de todos os agravos possíveis e imagináveis contra
decisões interlocutórias que são proferidas pelo juiz processante.
A adequação e prestabilidade de um sistema jurídico, em que se incluem as leis e os
princípios que lhe sejam afetos, é diretamente proporcional ao apoio popular com que se
mantiver.
Há também empecilhos de ordem forense para a efetivação do acesso à Justiça, tais
como. Segundo Rosa50 existe um desacordo entre as normas e os valores socioculturais e os
interesses que, sob sua vigência, se instalam e se legitimam. Sendo, portanto uma matéria
típica de eficácia relativa das regras do Direito, motivada pela inadequada interação entre
normatividade jurídica e a realidade social a ela subjacente.
Para Almeida51 o Poder Judiciário não se apercebeu do novo espírito do tempo e a
maior parte dos seus integrantes encontra-se presa a um paradigma que, no Brasil, desde o
início do século XX, está caduco. Juristas e magistrados brasileiros não abandonaram o
modelo do sistema individualista processual burguês nem o adaptaram para a
contemporaneidade do Estado do bem-estar social.
Sem dúvida uma das instituições que mais sofre com este problema é a Defensoria Pública.
Para o professor Dallari apud Lazari52 o problema não reside apenas na questão institucional, mas sim
na falta de interesse do Poder Executivo Federal e de muitos governos estaduais, com a conseqüente
49
Op.cit
Op. Cit.
51
Op. cit.
52
LAZARI, Rafael José Nandim de. A Defensoria Pública como mecanismo fundamental de acesso à
Justiça. Disponível em : http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/.../1168 acesso em 23 de
julho de 2009.
50
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falta de iniciativa e de recursos financeiros para a criação, instalação e funcionamento dessas
Defensorias aliado a tudo isso está o número pequeno de Defensores para atender a demanda .
8.
O JUDICIÁRIO E AS NOVAS TENDÊNCIAS DO ACESSO À JUSTIÇA
Para solucionar os problemas de acesso à Justiça, os estudiosos do tema vem
propondo uma nova política judiciária comprometida com o processo de democratização do
direito e da sociedade.
Assim, deve-se operar mudanças na constituição interna do processo incluindo uma
serie de orientações tais como: maior envolvimento e participação dos cidadãos na
administração da justiça; simplificação dos atos processuais; o incentivo à conciliação das
partes e o aumento dos poderes do juiz. Faz-se necessário também criar um Serviço Nacional
de Justiça, um sistema de serviços jurídico-sociais, geridos pelo Estado e pelas autarquias
locais com a colaboração das organizações sociais que garanta o acesso à Justiça eliminado os
obstáculos econômicos, sociais, culturais e esclarecendo os cidadãos sobre os seus direitos.
Para Porto53,o mais coerente, neste âmbito, seria não necessariamente estudar
propostas legislativas de mudanças processuais, mas estudar políticas públicas que promovam
a acessibilidade, a justiça social, a garantia dos direitos, deixando, assim, de lado a
necessidade de jurisdicizar todos os problemas sociais, promovendo pesquisas sobre novas
demandas, novos sujeitos coletivos, novos movimentos sociais e o que tudo isso implica para
a concretização do direito.
No Brasil, de acordo com Sousa Santos, a legislação pretende ir ao encontro dos
interesses sociais das classes trabalhadoras e também dos interesses emergentes nos domínios
da segurança social e qualidade de vida, porém muitas dessas normas têm permanecido morta.
Quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses populares maior é a
probabilidade de que ela não seja aplicada.
Para solucionar esse problema é necessário o uso do direito alternativo, uma
interpretação inovadora do direito, que passa pelo aumento dos poderes dos juízes na
condução do processo com a finalidade de atender as demandas populares.
Quanto ao direito plural, Santos defende que esse mecanismo de solução de litígios a
margem do controle estatal pode ser um agente de democratização da justiça desde que
53
PORTO, Júlia Pinto Ferreira. O acesso à ordem jurídica justa em sua perspectiva sociológica.Disponível
em : http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br acesso em 20 de julho de 2009.
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aplicável a conflitos entre cidadãos ou grupos de poder econômico equivalente (litígios entre
vizinhos, operários), pois nesses casos não haveria deteriorização da posição jurídica.
Sousa Santos afirma que a maior contribuição da sociologia para a democratização
da administração da justiça consiste em mostra empiricamente que as reformas do processo ou
mesmo no direito não terão muito significado se não forem completadas com a reforma da
organização judiciária e do processo de seleção dos magistrados buscando-se juízes
culturalmente esclarecidos sob o ponto de vista econômico, social e político.
9. CONCLUSÃO
Diante da exposição acima, observa-se que o acesso à justiça envolve diferentes
enfoques, ocorrendo em cada um deles problemáticas que levam o Poder Judiciário à crise em
que se encontra atualmente.
A inflação legislativa que a nossa sociedade enfrente, aliada à desorganização e à
irracionalidade da administração judiciária fazem com que haja um descrédito da população
em relação à justiça, pois o Judiciário é visto como um local onde a corrupção e o prestígio
funcionam acima das leis. Destarte, movimentos do uso alternativo do direito, os quais
propõem a interpretação das regras vigentes de acordo com as demandas populares, com a
finalidade de promover a democratização da justiça, ganham cada dia mais força. Ao uso
alternativo do direito, somam-se as influências do que chamamos de pluralismo jurídico, o
qual se caracteriza pela presença de outros mecanismos de regulação social além dos estatais,
presentes em uma mesma sociedade.
Outrossim, de acordo com a opinião pública, não há imparcialidade por parte dos
tribunais e juízes, o que resulta, dentre outros fatores comentados, no descrédito que sofre o
Judiciário perante a sociedade. Muitos segmentos da população, inclusive, sequer procuram o
Judiciário em decorrência desse fato, ou seja, por já terem em mente que o essa função estatal
não funciona a contento, essas pessoas preferem recorrer diretamente a instituições
alternativas para resolverem suas querelas de forma célere, barata e desburocratizada.
Deste modo, faz-se necessário, cada vez mais, uma reforma na política judiciária,
mas uma reforma que vá além de modificações no processo ou no direito substantivo,
atingindo também a própria organização judiciária, bem como a formação e o processo de
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seleção dos magistrados, os quais devem ser culturalmente esclarecidos sob o ponto de vista
econômico, social e político.
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YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. O novo papel do Judiciário e dos Magistrados
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RADOS_NA_SOCIEDADE_CONTEMPORANEA_REFLEXOES_EM_TEMPOS_DE_REFORMA_
1.aspx>. Acesso em 13 de dez. de 2011.
Artigo recebido em: 15-12-2011
Artigo aprovado em: 20-12-2011
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ANÁLISE SÓCIO-JURÍDICA DO ACESSO À JUSTIÇA