Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 ANÁLISE SÓCIO-JURÍDICA DO ACESSO À JUSTIÇA Alinaldo Guedes Campos1 RESUMO O acesso à Justiça, sob o aspecto sociológico, pode ser entendido, acima de tudo, como resultado de lutas travadas pelos mais diversos grupos sociais ao longo da história dos Estados de Direito. Dentro desse contexto, surge toda uma crise da administração da Justiça, a partir da explosão no número de demandas levadas aos órgãos estatais encarregados de prestar a jurisdição, tudo isso contagiado a partir de uma busca incessante pelo aperfeiçoamento na solução de litígios. As recentes transformações sociais traduzem o dilema relativo à qualidade na prestação da justiça frente à crescente demanda jurídica. Os mecanismos de atuação da sociedade servem como importante fator de aperfeiçoamento e na democratização do serviço público jurisdicional. O interesse da sociologia diante dessa problemática consiste em buscar meios de se alcançar o bem estar social, na medida em que analisa o fenômeno social do acesso à justiça e a crescente movimentação do complexo aparelho estatal responsável pela pacificação social. PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça. Crise Legislativa. Organização Judiciária. Meios de Resolução de Conflitos. ANALYSIS LEGAL PARTNER OF THE ACCESS TO JUSTICE ABSTRACT The access to Justice, under the sociological aspect, can be understood, above all, as resulted of fights stopped for the most diverse social groups throughout the history of the Rules of law. Inside of this context, all appears a crisis of the administration of Justice, from the explosion in the number of demands taken to the state agencies in charge giving the jurisdiction, everything this infected from an incessant search for the perfectioning in the solution of litigations. The recent social transformations translate the relative quandary to the quality in the installment of justice front to the increasing legal demand. The mechanisms of performance of the society serve as important factor of perfectioning and in the democratization of the jurisdictional public service. The interest of the sociology ahead of this problematic one consists of searching ways of if reaching the welfare state, in the measure where it analyzes the social phenomenon of the access to justice and the increasing movement of the complex responsible state device for the social pacification. 1 Graduado em Direito pela UFPB. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Brasileira de Estudos Constitucionais. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo UNIPÊ/ESMA-PB. Professor da Disciplina de Direito Penal do Centro de Educação Superior Reinaldo Ramos - CESREI. Analista Judiciário do TJPB. Assessor de Juízo de Primeiro Grau do TJPB. [email protected] 194 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 KEYWORDS: Acess to Justice. Legislative crisis. Judiciary Organization. Half of Conflit Resolution. 1. INTRODUÇÃO O interesse da sociologia pelas dimensões processuais, institucionais e organizacionais do Direito surge a partir de vários fatores. Um primeiro se relaciona com os movimentos sociais que lutaram pela efetivação da democracia. A Sociologia também se interessa pela dinâmica do processo jurisdicional e dos tribunais, na medida em que se instaura uma crise na administração da Justiça, em função do rápido crescimento do número de litígios levados à seara do Poder Judiciário. O número crescente de conflitos explica-se pela passagem do Estado Liberal para um Estado Providência, que expandiu direitos sociais e integrou classes trabalhadoras ao circuito de consumo. Nesse contexto, o Estado demonstra claramente uma certa limitação na capacidade de expandir seus serviços de administração da justiça e oferecer um serviço jurisdicional compatível com a procura verificada. A Sociologia, neste âmbito, busca analisar e compreender o acesso à Justiça a partir de observações sobre a administração do Judiciário, sobre a ótica da organização dos tribunais, a formação e o recrutamento dos magistrados, as motivações das sentenças, sobre o custo da justiça e seu ritmo de andamento. 2. O ACESSO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL A partir de um estudo feito ainda na década de 60 do século passado, por meio do amplo projeto de pesquisa científica, diversos dados sobre o funcionamento do Poder Judiciário de alguns países foram colhidos, analisados e, posteriormente, compilados numa obra intitulada “Acesso à justiça, segundo Cappelletti” 2. Muito embora esse estudo tenha despertado a atenção de sociólogos, juristas e tantos outros cientistas, o tema do acesso à justiça, dentro dos estudos jurídicos, esteve envolvido 2 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. Disponível em:<http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/.../article/view/.../101 >. Acesso em: 20 jul. 2009 . 195 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 com dois enfoques distintos. O primeiro deles diz respeito a um estudo do acesso à justiça voltado ao normativismo e ao substantivismo. Noutras palavras, essa tendência diz respeito à coerência das normas num dado sistema jurídico e à eficácia social destas como forma de promover o acesso à justiça, segundo Santos3. Por outro lado, o estudo analisou profundamente as questões institucionais, organizacionais e processuais do universo jurídico. Surge, assim a chamada sociologia dos tribunais, um dos temas estudados pela sociologia do direito. Segundo Santos4, a compreensão restritiva ou formal do tema relativo ao acesso à justiça refere-se à mera garantia formal de postulação jurisdicional, de acesso ao Poder Judiciário,com enfoque na resolução de conflitos com base no dispositivo pétreo, segundo o qual a lei não "excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV da CF/88).Ocorre que, embora pertinente, pode a via judicial não ser a mais adequada, principalmente se outras formas de resolução do conflito não foram intentadas. A norma regente da carreira da Magistratura Nacional – lei complementar n° 35, de 14 de março de 1979 – dispõe sobre os mais variados deveres dos profissionais membros do Judiciário. Destaque-se, dentre estes, os de cumprir e fazer cumprir, as disposições legais e os atos de ofício; tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça e atender aos que o procurarem, a atuação independente e serena, além da assiduidade ao expediente forense ou às sessões de julgamento, não se ausentando o magistrado injustificadamente antes de seu término, conforme enumera Avelino 5. Ainda para para Santos,6 acesso à Justiça significa acesso a todo e qualquer órgão, poder, informação e serviço, especialmente, mas não apenas os públicos. Afinal, não apenas o poder judiciário viabiliza justiça, mas muitos outros órgãos e instituições, estatais ou não, desenvolvem ações no mesmo sentido, sem necessariamente culminarem em litígios judiciais. As ações paralelas desses órgãos e entidades, de maior ou menor previsão legal, deslocam da 3 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2000. 4 SANTOS, Nivaldo. Da negação do acesso à Justiça. Disponível em http//: www.existencialismo.org.br Acesso em 20 de julho de 2009. 5 AVELINO, Juliana de Britto. A distância prática entre o juiz e o cidadão à luz do Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 998, 26 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8136>. Acesso em: 20 jul. 2009. 6 Op. cit. 196 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 apreciação do judiciário um sem número de possíveis demandas, permitindo a seus órgãos, já sobrecarregados, ocuparem-se de outros casos, reduzindo, assim, o volume de processos em curso. 2.1 As diversas formas de compreensão do tema acesso à Justiça Com o desenvolvimento da sociedade e o nascimento de inúmeros direitos sociais a Sociologia passou a ter um importante papel na investigação dos obstáculos que as mais diversas classes populares passaram a enfrentam para ter acesso ao Poder Judiciário e as possíveis soluções para esses problemas. Assim, sob o aspecto econômico, o tema do acesso à Justiça investiga o acesso dos desfavorecidos aos serviço público do Judiciário. Surge, então a idéia de que não basta a assistência através de advogados, em Juízo, pois ela pode e deve ser extra e pré-judicial, uma vez que a porque pobreza significa, normalmente, não apenas pobreza econômica, mas também em termos de informação dos direitos que lhes são conferidos, e como garanti-los. Em qualquer caso, trata-se de assistência a ser prestada por profissionais devidamente habilitados. Neste sentido, até o século passado, defendia-se que os profissionais envolvidos na assistência jurídica aos pobres seriam detentores de obrigação honorífica, daí não lhes caber qualquer compensação econômica por seus préstimos. Já nos tempos do Walfare State, reconhece-se a efetivação do direito de acesso à justiça como tarefa fundamental do Estado. Raciocínio estendido a legislações nacionais orientadas segundo diversas perspectivas políticas, que passaram a reconhecer o dever de compensação aos advogados A representação judicial dos pobres deu-se, então, por advogados privados, conforme a experiência européia e por procuradores públicos, escolha norte-americana. Contudo, observou-se que o adequado seria um terceiro sistema, segundo o qual as partes carentes de informação e/ou assistência judicial pudessem escolher entre advogados privados ou públicos, detendo estes últimos, ainda, atribuição para demandas coletivas e/ou difusas. Um outro enfoque, de que trata Santos7, refere-se à questão dos interesses difusos. Interesses que isolados mostram-se de valor econômico insuficiente para despertar o interesse dos seus detentores em enfrentar judicialmente grandes corporações industriais e mesmo o 7 Op. Cit. 197 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 Estado. Assim, com diversas demandas afetas às relações de consumo e quase todas relacionadas à proteção e defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Essas últimas nem sempre passíveis de quantificação econômica. O enfrentamento da questão e tendência das legislações modernas legitima ativamente os cidadãos, órgãos estatais específicos, ONGs e o Ministério Público, além de outros, a proporem ações judiciais e procedimentos administrativos. Para Santos,8 ainda há um terceiro enfoque do acesso à Justiça, que diz respeito à necessária transformação da estrutura judicial, desburocratizando tribunais e procedimentos. Implica numa ampla cadeia de reformas que necessariamente passam pela legislação, operacionalização e por que não dizer pela mentalidade do operador do Direito. Vários são os exemplos de simplificação e desburocratização desse acesso ao Judiciário. Há até pouco tempo isso poderia ser entendido como algo fantasioso (hoje, no máximo, utópico): a responsabilidade objetiva, no âmbito do Direito Cível; a inexigência da culpa para o divórcio (o inverso desse raciocínio ainda vige em alguns países); a simplificação processual, por exemplo, decorrentes dos procedimentos dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e das Cortes de Conciliação e Arbitragem ou ainda da Mediação e tantos outros, imagináveis ou ainda não. 3. CRISE LEGISLATIVA ENFRENTADA PELO PODER JUDICIÁRIO É por todos sabido que o Poder Judiciário passa por uma grave crise fruto segundo Melo Sobrinho apud Junqueira 9, do excessivo número de leis, desorganização e irracionalidade da administração judiciária. Nesse sentido, o Estado retira sua legitimidade do fato de apresentar à sociedade uma instituição arbitral neutra que garante e aplica um determinado quadro legal e por isso, não pode aceitar a existência de uma crise conjuntural no Judiciário. Eliane Junqueira10 refere-se ao Poder Judiciário como sendo uma organização burocrática, liberal, patrimonialista e burguesa inserida em um contexto de carência de infraestrutura, de inadequação do ordenamento jurídico e de desigualdade socioeconômica. 8 9 10 Op. cit. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A sociologia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993. Op.cit. 198 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 O autoritarismo e a burocracia, segundo Junqueira 11, são aspectos da cultura brasileira que se reproduzem em todas as instâncias estatais, até mesmo nas pensadas a partir de uma perspectiva desburocratizada e informal, a investigação empírica sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causa em Nova Iguaçu demonstra que transformações meramente procedimentais tendem a ser contaminadas pela estrutura burocrática do Estado. O procedimento no Juizado de Nova Iguaçu impõe sucessivas idas a esta agência: uma para informar o horário; outra para ser atendido; uma terceira para que seja tentada a conciliação; uma quarta para a audiência de instrução e julgamento e por fim uma quinta vez para o julgamento do recurso. A atuação dos movimentos de defesa dos direitos humanos e a urgência de soluções coletivas explicam a necessidade de democratização do Poder Judiciário para evitar que a via judicial seja substituída por outro direito no interior do direito estatal oficial (pluralismo jurídico). Portanto, a crise do aparelhamento não tem como causa a ineficiência do Judiciário ou o fato dele ser politicamente dependente, mas sim a caráter liberal da cultura jurídica que pressupõe uma concepção individualista da sociedade, pois ao mesmo tempo em que nega a desigualdade, a seleção de conflitos promove condições empíricas que esta se reproduza. Para se ter um Judiciário eficiente é necessário que haja a separação entre as esferas pública e privada. Segundo Uricoechea apud Junqueira 12 a existência de um aparato administrativo controlado burocraticamente pelo Estado e de outro lado a existência paralela de um aparato controlado patrimonialmente pelas classes sociais promove a conciliação da natureza patrimonial com o modelo jurídico liberal. O que temos aqui no Brasil é uma dominação patrimonial que está fundamentada na apropriação dos cargos e na legitimidade do exercício da justiça privada. É nesse contexto que o Judiciário, infelizmente, passa a ser cada vez mais visto por muitos como um local onde a corrupção e o prestígio funcionam acima das leis. A prova disso é uma pesquisa13 realizada pela Associação de Magistrados de Pernambuco, divulgada em 2006, mostrou que 74% dos juízes de 3ª entrância agilizam despachos ou julgamentos a pedido de colegas ou amigos sem respeitar a ordem de chegada dos processos. 11 Op.cit. Op.cit. 13 AMEPE. Pesquisas sobre o perfil dos magistrados. Disponível www.amepe.com.br/cadernos_amepe/pesquisa_2.pdf acesso em 20 de julho de 2009. 12 em : http:// 199 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 De acordo Junqueira14, o Estado brasileiro em função da integração ao sistema capitalista, representaria o lócus de defesa dos interesses da burguesia nacional e estrangeira. Integrado ao modo de produção capitalista, o Judiciário brasileiro consolidaria e defenderia os interesses burgueses, em detrimento dos interesses das camadas populares. Nesse contexto, ganha força o movimento do uso alternativo do direito que propõe a interpretação das regras vigentes de acordo com as demandas populares com a finalidade de promover a democratização da justiça. 4. INSTRUMENTOS PARA A REALIZAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA 4.1.1 A Magistratura A jurisdição é ditada por um dos Poderes estatais: o Poder Judiciário. É por meios de seus órgãos e de todo um aparato de recursos humanos selecionado cuidadosamente. Por fazer parte da estrutura estatal, mas não corresponder aos anseios da maioria, “A sociedade reclama poderes bem claros, rigorosamente respeitados para seus juízes.” 15 No caso dos magistrados, José Eduardo Faria levanta a seguinte questão: devido a capacidade do direito oficial de atender as necessidades da sociedade, estaria os tribunais e os seus magistrados aptos, funcional e tecnicamente, para lidar com os conflitos sociais? O mesmo autor acredita que os atores jurídicos estão “impregnados da velha tradição legalista, formalista e normativista da dogmática (...), valorizando apenas os aspectos lógico-formais do direito positivo.” (FARIA,1991:43)16 É sabido que entender acesso à Justiça como mero acesso aos Tribunais não é uma assertiva aceitável nos tempos contemporâneos. Concepções puramente liberais devem ser suplantadas em instantes de multiculturalismo exacerbado, a fim de que sejam paulatinamente implantadas instâncias dialógicas efetivas que concretizem os ideários democráticos prometidos na normativa constitucional, conforme Silva 17. 14 Op.cit. ROSA..1994, p.175. 16 JUNQUEIRA, p.128.Cap. 9. Os atores Jurídicos. 17 SILVA, João Fernando Vieira da. O juiz e o acesso à Justiça no Brasil . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2054, 14 fev. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12314>. Acesso em: 20 jul. 2009 . 15 200 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 Silva18 afirma que a figura do juiz é de importância central para a compreensão dos vícios e possibilidades de mudança dentro do cenário da prestação jurisdicional estatal. Contudo, soa uma visão inadequada (e não é isto que queremos) conceber o juiz como o maior vilão ou o maior herói do acesso. Os juízes exercitam um poder e onde há poder dever haver responsabilidade. Em uma sociedade organizada racionalmente haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade, segundo Silva 19. Também se faz presente uma necessidade de aparelhar a máquina estatal com mecanismos mais precisos de seleção de magistrados. É por isso que surge no meio social a seguinte indagação: nos concursos para a seleção de magistrados será que sempre são escolhidos os melhores candidatos? O sistema das provas procura bons juízes, com senso humanista, disposição para o diálogo, maturidade, vocação para a atividade de exercer a jurisdição, sensibilidade social e vontade contínua de se atualizar ou "super homens". Nesse contexto, a doutrina (Silva20) questiona: com momentâneo e acrítico conhecimento das legislações e dos doutrinadores "preferidos" das bancas de seleção realmente se faz uma seleção equilibrada de magistrados? A despeito das mazelas do ensino jurídico pátrio, será que não há exagero no número grandioso de reprovados nos concursos públicos para a Magistratura, muitos dos quais sequer conseguem preencher todas as vagas abertas? As conjunturas exigidas pelo pleno acesso à Justiça para aperfeiçoamento das instituições jurídicas e de seus atores cobram também uma reforma no perfil epistemológico do jurista. Conhecer com memória minudente codificações, operar bem legislações, compilar jurisprudências de Tribunais são recursos importantes, mas não bastam para a formação do bom jurista. As profundas transformações nas áreas econômica, política e sócio-cultural, tanto no plano científico como tecnológico e operacional, ocorridas, em ritmo cada vez mais acelerado, nos últimos tempos, requerem uma mudança de atitude do Judiciário e dos magistrados para que possam corresponder aos atuais anseios da sociedade, segundo Yohshida 21. 18 Op.cit. Op.cit. 20 Op. Cit. 21 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. O novo papel do Judiciário e dos magistrados na sociedade contemporânea:reflexões em tempos de reforma. Disponível em: http://www.lex.com.br. Acesso em 20 de julho de 2009. 19 201 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 Com o crescente volume e complexidade das lides trazidas ao conhecimento e apreciação do Poder Judiciário, ganha cada vez maior relevância o ensinamento, sempre atual, de que o operador do direito, notadamente o magistrado, não é um mero autômato da aplicação da lei, segundo Yoshida 22. A formação do convencimento começa, em geral, com a intuição. Posteriormente é que o juiz busca a necessária fundamentação no sistema jurídico vigente, conduz o processo probatório e valora as provas segundo o critério do ônus da prova e sua eventual inversão, visão concorde com os adeptos do Realismo Jurídico. É preciso, quando necessário, desprezar literalidades legais iníquas e abusivas e se valer de interpretações sistemáticas mais consentâneas com os ditames de Justiça no caso concreto, segundo Silva 23. O magistrado deve estar sempre preparado para se defrontar com as demandas cada vez mais complexas que são levadas a Juízo. Para tanto, primordial que o magistrado se atualize de forma perene, ademais, o Direito, acompanhando a evolução social, muda. Neste diapasão, combate-se também a figura do juiz legalista. Este tipo de profissional caracteriza-se por ser pouco acessível não só às partes, mas ao problema social e concreto que lhe é trazido. Demasiadamente apegados à interpretação literal das leis, esquecem-se tais magistrados de que a equidade, os costumes e os princípios fundamentais também são fontes do direito. Assim, por não terem contato nem conhecerem a fundo a lide posta, por muitas vezes resolvem o processo, mas não o conflito. A função do julgador implica a adaptação da legislação ao caso concreto, buscando a resolução de um problema. A pura obediência à lei seca, desprovida de atividade intelectual, é incompatível com a jurisdição, segundo Avelino 24. Conforme expressa Avelino 25, sempre houve certo temor popular ante a figura do magistrado. Este muitas vezes era visto como a personificação do poder de império do Estado, alguém que tem o poder de prender, coagir, ao invés de justo solucionador de conflitos. Desde que os primeiros sacerdotes das civilizações antigas assumiram a função de julgar querelas, criou-se o mito do julgador dotado de poder divino, por vezes sábio, por vezes cruel. Mesmo após a organização e codificação do direito, procurou-se garantir que o conhecimento das leis 22 Op.cit. Op. cit. 24 AVELINO, Juliana de Britto. A distância prática entre o juiz e o cidadão à luz do Estado Democrático de Direito . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 998, 26 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8136>. Acesso em: 20 jul. 2009 . 25 Op. cit. 23 202 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 fosse pouco divulgado, a fim de manter o poder de mando detido entre os membros da elite. Ainda nas formas mais primárias de democracia, esta era exercida apenas por pequena parcela da população, assim como o acesso aos órgãos de justiça. Pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, segundo cita Leite26, demonstra que 86% dos magistrados são brancos, enquanto esse percentual corresponde apenas a 53,7% no total da população. Por outro lado, mais da metade dos magistrados são oriundos de universidades públicas, que, por via de regra, têm a melhor qualidade no ensino superior brasileiro e cujas vagas são preenchidas por pessoas oriundas de bons colégios privados, consagrando um ciclo de exclusão dos pobres ao ensino de mais qualidade. Para Leite27, tais dados indicam que o perfil demográfico e sociológico dos magistrados não corresponde às características gerais da população brasileira, do que decorre que a média dos magistrados não tem uma plena identificação cultural com a média da população. Enquanto representantes das camadas mais favorecidas, estariam os juízes propensos a manter o status quo vigente, o que se reflete na qualidade das decisões. Deste modo, parece que somente uma profunda revisão no sistema de seleção e formação dos magistrados poderia se mostrar hábil à transformação desse quadro. Não se pode olvidar que a implementação de meios alternativos de administração de conflitos pode contribuir para atenuar esse distanciamento, físico e ideológico, do Poder Judiciário quanto à população em geral. 4.1.2 A organização judiciária Antes de tentar compreendermos os inúmeros problemas de gestão do Poder Judiciário, devemos, por vezes, levar em consideração a Justiça como organização, estudando, assim, a sua administração. Nota-se em alguns países, especial atenção na administração da Justiça, em outros, como o nosso, “atribuem aos órgãos do Poder Judiciário instalações precárias (...), precariedade material, ausência de instrumentos atualizados para o trabalho, dificuldade na obtenção de móveis, máquinas etc.”28. 26 LEITE, Antônio José Maffezoli, GONÇALVES, Cristina Guelfi, DE VITTO, Renato Campos Pinto. O Desafio da efetivação do acesso à Justiça e o papel de uma nova Defensoria Pública. Disponível em : http://www.undp.org.br . Acesso em 20 de julho de 2009. 27 Op. cit. 28 ROSA.1994, p.187. 203 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 4.1.3 Os advogados Os advogados constituem também o objeto de estudo concreto da sociologia do direito. Algumas observações importantes a fazer: A mudança no perfil profissional do direito, devido às modificações no quadro político e social do país e pelo aparecimento de outras áreas de conhecimento. O número de advogados de empresas crescendo cada vez mais principalmente pelo: Predomínio de conflitos de natureza tributária com o Estado na atividade advocatícia empresarial e, por outro, a especificidade da inserção deste advogado na empresa, não como simples assessor jurídico (...), mas como um profissional com pretensões de compartilhar funções de decisão.29 O advogado passa a exercer certa influência no processo decisório da empresa, observando sempre a política e cultura organizacional desta. O advogado popular é aquele que vem assessorando principalmente os movimentos populares. Capilongo faz uma análise dessa assessoria e trabalha com a dicotomia serviços legais tradicionais e os serviços legais inovadores. Enquanto os serviços tradicionais distanciam “clientes e advogados, hierarquizando a relação entre os que, de um lado, têm apenas problemas e os que, de outro lado, são donos do conhecimento e da técnica jurídica.” 30.Os serviços inovadores não só defendem os interesses coletivos prestando assistência jurídica, mas também promove um trabalho de conscientização e organização popular, onde o advogado se engaja politicamente as mesmas lutas do seu cliente. Deste modo, aqui foram expostos apenas algumas características do perfil dos advogados atuantes no Brasil. 5. O DIREITO PROCESSUAL COMO VALOR SÓCIO-CULTURAL 29 30 JUNQUEIRA, p.134. Op. Cit., p.136. 204 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 É fato que o processo judicial apenas existe nas sociedades. Ele é considerado um instrumento para resolução de conflitos de interesses. Porém sociologicamente falando, não é com o órgão competente que se resolve o conflito, “o processo judicial é apenas um dos modos de acomodação de situação de conflito social.” 31 O Direito Processual é um ramo bastante interessante de se estudar. O aprofundamento na compreensão deste ramo da Ciência Jurídica permite importantíssimas observações de natureza teórica e doutrinária, vinculadas às próprias finalidades do Estado e às razões de ser da ordem jurídica.” As raízes sócio-culturais são “as bases” do processo judicial, ou seja, corresponde a razão de ser no conhecimento científico do Direito Processual. Por essa razão diferencia-se processo penal do civil. O Processo Penal “trata-se do conjunto de procedimentos que o Estado estabelece para julgar certos comportamentos e as pessoas que a eles recorrem contrários às normas legais de natureza penal.” 32. Existe a preocupação com a liberdade, a ordem, segurança social e individual. Já no Processo Civil procura-se assegurar, ao menos em tese, a igualdade das partes. Trata-se do exame dos conflitos surgidos entre componentes da sociedade, ou seja, entre indivíduos ou entidades de natureza privada. Toda a sociedade desenvolve sua própria cultura. Cada uma tem seus costumes, suas normas sociais, seus utensílios, sua língua etc. E é de acordo com a cultura de cada sociedade que surge também os valores e a ideologia dos indivíduos de uma comunidade. É por isso que as normas sociais, jurídicas ou não (e as que não são jurídicas são amplamente majoritárias), existem para controlar os comportamentos, dirigindo-os no sentido de um ajustamento às expectativas sociais a seu respeito. Infelizmente, deve-se dizer, existe uma escassez de estudos a respeito da influência sócio-cultural no Direito Processual. É possível notar que dois dos valores sócio-culturais mais importantes na sociedade são a ordem e a valorização da justiça. A sociedade deseja a resolução de seus conflitos através, principalmente, das “instituições” que ela mesma criou para este fim. Com isso relaciona-se o sentimento de justiça e a idéia de justiça distributiva e retributiva. A justiça distributiva seria o acesso de todos a elementos básicos que 31 32 Livro: Sociologia do Direito O Fenômeno Jurídico como Fato Social. ROSA :1994,p.151. Op. Cit., p.153. 205 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 proporcionam o bem-estar social. Já a justiça retributiva seria a retribuição de cada um pelo seu comportamento. Justiça retributiva e justiça distributiva completam-se num só quadro em que todos se distribuam as coisas básicas ao bem-estar e à perfeita realização das potencialidades da pessoa humana e, além disso, se retribua pelos comportamentos sociais, pelas ações de cada um, boas ou más, com certas medidas que a sociedade estabelece, atendendo às suas maneiras de ser.33 A igualdade está conectada com o equilíbrio social. Esse ponto é bastante destacado numa sociedade como a nossa, cheia de mudanças, o que causa certa instabilidade. A esse equilíbrio social está ligado a idéia aristotélica de tratar igualmente respeitando as desigualdades. O processo sempre, civil, penal, especial (militar, trabalhista ou eleitoral) visa assegurar a igualdade de oportunidades processuais, a igualdade de situações entre as partes, num equilíbrio interno na relação processual que, uma vez quebrado, pode dar lugar à anulação de todo o processo. 34 O ser humano, como qualquer outro animal, busca a segurança individual, que também reflete na segurança social. Os homens criam organizações que possam resolver conflitos e cuidar da ordem social. Então, de que maneira o Direito Processual se insere na questão da segurança? (...) assegura a todas as pessoas quais os meios processuais legítimos a que se deverão ajustar, numa conjuntura de conflito que se transforme em litígio judicial. O Direito Processual visa, entre outras coisas, a realizar o valor da segurança nas relações processuais, vale dizer, num dos aspectos das relações jurídicas.35 As normas do processo penal são as que mais trazem esse valor de segurança, ou seja, à defesa da sociedade. No Direito Processual não encontramos apenas valores racionais, mas também os valores éticos e ético-afetivos têm devida importância dentro desse ramo do Direito. “Exemplo disso é a regra de que não pode o Tribunal, em grau de recurso, reformar a decisão para piorar a situação de quem dela recorreu.”36 Como já dito antes, o processo judicial é um instrumento para se alcançar o bemestar social, acomodando os conflitos sociais. 33 34 35 36 Op. Cit., p.156. Op. Cit., p.158 Op. Cit., p.159. Op. Cit., p.161. 206 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 Destaca-se ainda a importância dos valores sócio-culturais como meio de influência na vida judiciária gerando: práticas que modificam a maneira de conduzir o andamento dos processos judiciais, acabando, com o tempo, por se transformarem em verdadeiras praxes que, mais ainda, terminam, algumas delas, por se constituir em verdadeiro folclore jurídico. Os valores sócio-culturais são acrescidos de certos aspectos importantes no caso, entre eles a convicção de que essas formas processuais aderentes são mais valiosas do que as que constam na própria lei.37 Nesse contexto há o que se chama de folclore jurídico, ou seja, um conjunto de fenômenos jurídico enraizados na alma popular, ou seja, costume jurídico que pode “dar às manifestações do Direito algumas dimensões não-expressas na lei, nem adotadas na doutrina, mas justificadas exclusivamente pelas tradições, pelas convicções (...)”38 Evidencia-se aqui a extrema importância dos valores sócio-culturais, como motivação para a realização do Direito Processual, onde se procura romper as barreiras do tecnicismo e se aproximar cada vez mais da realidade social. 6. MEIOS DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS O Poder Judiciário tradicional, devido ao seu custo, sua burocratização, sua morosidade, é tido como inacessível para determinados tipos de casos e/ou para determinados segmentos da sociedade. Em virtude deste fato, a resolução de conflitos coletivos que deveria ser resolvida nesse âmbito tende a ser remetida para outras instâncias informais, paralelas ou ilegais39. Interessante ensaio sobre esse aspecto, tão presente na nossa realidade, é relatado por Oliveira40 através de seu artigo intitulado “Sua Excelência o Comissário: A polícia enquanto „Justiça Informal‟ das classes populares no Grande Recife”. O referido autor, através de uma pesquisa realizada sob a mesclagem de dois artigos anteriormente publicados, o primeiro com o mesmo título e o segundo sob o título de “Práticas Judiciárias em Comissariados de Recife do recife”, nos traz uma visão clara do que seria a prática dos meios alternativos de resolução de conflitos. 37 38 39 Op. Cit., p.163. Op. Cit., p.167. Cf JUNQUEIRA, 2000; 207 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 Oliveira destaca em seu estudo aspectos interessantes quanto a essa temática. Em suas considerações destaca-se o fato da formulação convencional em relação à falsa impressão de que as pessoas só voltam-se para essas instâncias alternativas, depois de terem se defrontado com a inacessibilidade do judiciário. Na verdade o que se observa é que os litígios sempre estiveram em outras mãos que não o Judiciário, e a polícia sempre teve um lugar de especial destaque, em virtude de aspectos históricos referentes à figura da policia, como o Código Criminal do Império de 1830, o qual atribuía à policia competência Judicial sobre alguns pequenos delitos de natureza pessoal. Outro ponto interessante destacado por Oliveira diz respeito à relação tipificada entre esse tipo de fenômeno com o fator econômico, pois a questão de renda não explica tudo, uma vez que o Judiciário Tradicional não é apenas caro, também é lento, distante e excessivamente burocratizado, sendo assim a sua estrutura se apresenta incompatível com a agilidade que esses pequenos casos requerem. Indo ainda mais além, Oliveira levanta o questionamento sobre a impossibilidade, em termos práticos, de o Judiciário resolver todos os casos conforme a lei. Destarte, o papel da policia seria o de proteger o judiciário de uma avalanche de pequenos casos. No entanto, princípios como respeito à dignidade das partes, o seu tratamento eqüitativo, etc. não são considerados dentro das práticas policiais. Nesse sentido, observa-se a que as classes sociais brasileiras permanecem excluídas dos benefícios da cidadania. Boaventura41 ao analisar casos de pluralismo jurídico, concluiu que num primeiro instante, através de um ponto de vista sociológico, o Estado contemporâneo apesar de ser o modo de juridicidade dominante, não possui o monopólio da produção e distribuição do direito, coexistindo com outros modos de juridicidade. Em segundo lugar, ele ressalta o relativo declínio da litigiosidade civil, o qual longe de ser início de diminuição da conflitualidade social e jurídica, é antes de qualquer outra coisa, o resultado do desvio dessa conflitualidade para outros mecanismos de resolução, informais e mais baratos existentes na sociedade. Destarte, em decorrência dessas conclusões Boaventura42 destaca dois tipos de reformas da administração da justiça: as reformas no interior da justiça civil tradicional e a criação de alternativas. Quanto às primeiras destacam-se as seguintes: 41 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2000 42 Op. Cit 208 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 O reforço dos poderes do juiz na apreciação da prova e na condução do processo segundo os princípios da oralidade, da concentração e da imediação, um tipo de reformas com longa tradição na teoria processualista européia iniciada pela obra pioneira de Franz Klein; A criação de um novo tipo de relacionamento entre os vários participantes no processo, mais informal, mais horizontal, visando um processamento mais inteligível e uma participação mais ativa das partes e das testemunhas; As reformas no sentido de ampliar o âmbito e incentivar o uso da conciliação entre as partes sob o controle do juiz. Quanto à criação de alternativas, estas constituem, para Boaventura43, uma das áreas de maior inovação na política judiciária. Em suas palavras, temos: Elas visam criar, em paralelo à administração da justiça convencional, novos mecanismos de resolução de litígios cujos traços constitutivos têm grandes semelhanças com os originalmente estudados pela antropologia e pela sociologia do direito, ou seja, instituições leves, relativa ou totalmente desprofissionalizadas, por vezes impedindo mesmo a presença de advogados, de utilização barata, se não mesmo gratuita, localizados de modo a maximizar o acesso aos seus serviços, operando por via expedita e pouco regulada, com vista à obtenção de soluções mediadas entre as partes44. Conforme Eliane Botelho Junqueira 45 as investigações sobre as juridicidades que existem à margem do direito estatal comum ocupam, inegavelmente, um espaço importante na sociologia do direito no nosso país, em razão da dificuldade de se pensar na ordem jurídica brasileira sem reconhecer os obstáculos presentes na relação da população com o Poder Judiciário, e conseqüentemente, nos canais informais, societais, criados para se garantir, de alguma maneira, o equacionamento dos conflitos. No entanto, deve-se ter cuidado quanto às investigações a respeito dessas formas alternativas de resolução de conflitos, pois as mesmas não podem ser analisadas pelos mesmos pressupostos analíticos utilizados pelos países centrais. Afinal, lá as agências societais configuram uma reação à excessiva presença do estado, já no contexto sóciojurídico brasileiro, elas se fazem presentes em decorrência da indisponibilidade do Poder Judiciário para intermediação de conflitos. 43 44 45 Op. Cit Op. Cit, p.176 Op. Cit 209 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 7. O ACESSO À JUSTIÇA NA VISÃO DA SOCIEDADE Algumas pesquisas realizadas, sobretudo na Europa conduzidas por Kutschinsky apud Rosa a respeito do sentimento de justiça mostram que existem variações nesse sentimento segundo os ambientes que são objeto de exame. O sentimento de Justiça abrange necessariamente o das normas existentes, sua adequação ou não ao que é tido como justo, a aprovação social das sanções e a eficácia das normas. Segundo Rosa46 não existe uma opinião pública e sim, diversas correntes de opinião, concorrentes ou divergentes, coexistentes sem conflito, ou contraditórias em graus diversos compondo um universo de opiniões de maneira a apresentar certos traços gerais e algumas tendências uniformes. Nessas avaliações fica comprovada a existência de uma parcela importante da opinião publica que entende os tribunais e os juízes influenciáveis pelos poderosos e, portanto, parciais. Alguns fatores são essenciais para entender o descrédito do sistema judiciário por parte dos seus usuários, tais como: Apesar de o art.3º da Lei de Introdução ao Código Civil determinar que ninguém poderá deixar de cumprir a lei alegando que a desconhece, é evidente o baixo conhecimento da população a respeito do conteúdo das normas de nosso ordenamento, o que acaba por prejudicar a função do Direito como mecanismo de controle social. Além disso, a população não sabe para que servem e em que circunstâncias devem ser procuradas muitas das estruturas criadas pela Estado com o objetivo de facilitar-lhe o acesso aos direitos e, por extensão, à justiça, como o PROCON, os Juizados Especiais, Cortes de Conciliação e Arbitragem, entre outros. Igualmente dignas de menção, pelo importante papel de controle interno desempenhado, as figuras da ouvidoria e da corregedoria. Segundo Santos47, o indivíduo deixa de exercitar seus direitos por desconhecer o locus da postulação, ou, mais precisamente, a estrutura burocrática do Estado. Para Almeida48 o Código de Processo Civil é uma obra monumental em homenagem ao princípio do 46 ROSA, F.A de Miranda. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. Op. cit. 48 ALMEIDA, Selena Maria de. O Paradigma Processual do Liberalismo e o Acesso à Justiça. Disponível em : www.cjf.gov.br/revista/numero22/artigo03.pdf acesso em 22 de julho de 2009. 47 210 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 contraditório e da ampla defesa, mas não firmou compromisso com o acesso à Justiça pelas populações carentes que têm pretensões de pequeno valor econômico nem com a prestação jurisdicional para as massas (a imensa burocracia processual do CPC que significa, na Justiça Federal, juntada de milhares de petições, expedição de milhares de mandados e requer um exército de servidores pagos pelos cofres públicos se houver a real pretensão de se cumprir os prazos legais). De acordo com Selene Almeida 49 o grande número de atos processuais faz o rito se arrastar: réplica, especificação de provas, seu deferimento, saneador, designação de audiência, apresentação de laudo e manifestação das partes, quesitos preliminares, razões finais escritas. Sem falar dos incidentes processuais e de todos os agravos possíveis e imagináveis contra decisões interlocutórias que são proferidas pelo juiz processante. A adequação e prestabilidade de um sistema jurídico, em que se incluem as leis e os princípios que lhe sejam afetos, é diretamente proporcional ao apoio popular com que se mantiver. Há também empecilhos de ordem forense para a efetivação do acesso à Justiça, tais como. Segundo Rosa50 existe um desacordo entre as normas e os valores socioculturais e os interesses que, sob sua vigência, se instalam e se legitimam. Sendo, portanto uma matéria típica de eficácia relativa das regras do Direito, motivada pela inadequada interação entre normatividade jurídica e a realidade social a ela subjacente. Para Almeida51 o Poder Judiciário não se apercebeu do novo espírito do tempo e a maior parte dos seus integrantes encontra-se presa a um paradigma que, no Brasil, desde o início do século XX, está caduco. Juristas e magistrados brasileiros não abandonaram o modelo do sistema individualista processual burguês nem o adaptaram para a contemporaneidade do Estado do bem-estar social. Sem dúvida uma das instituições que mais sofre com este problema é a Defensoria Pública. Para o professor Dallari apud Lazari52 o problema não reside apenas na questão institucional, mas sim na falta de interesse do Poder Executivo Federal e de muitos governos estaduais, com a conseqüente 49 Op.cit Op. Cit. 51 Op. cit. 52 LAZARI, Rafael José Nandim de. A Defensoria Pública como mecanismo fundamental de acesso à Justiça. Disponível em : http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/.../1168 acesso em 23 de julho de 2009. 50 211 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 falta de iniciativa e de recursos financeiros para a criação, instalação e funcionamento dessas Defensorias aliado a tudo isso está o número pequeno de Defensores para atender a demanda . 8. O JUDICIÁRIO E AS NOVAS TENDÊNCIAS DO ACESSO À JUSTIÇA Para solucionar os problemas de acesso à Justiça, os estudiosos do tema vem propondo uma nova política judiciária comprometida com o processo de democratização do direito e da sociedade. Assim, deve-se operar mudanças na constituição interna do processo incluindo uma serie de orientações tais como: maior envolvimento e participação dos cidadãos na administração da justiça; simplificação dos atos processuais; o incentivo à conciliação das partes e o aumento dos poderes do juiz. Faz-se necessário também criar um Serviço Nacional de Justiça, um sistema de serviços jurídico-sociais, geridos pelo Estado e pelas autarquias locais com a colaboração das organizações sociais que garanta o acesso à Justiça eliminado os obstáculos econômicos, sociais, culturais e esclarecendo os cidadãos sobre os seus direitos. Para Porto53,o mais coerente, neste âmbito, seria não necessariamente estudar propostas legislativas de mudanças processuais, mas estudar políticas públicas que promovam a acessibilidade, a justiça social, a garantia dos direitos, deixando, assim, de lado a necessidade de jurisdicizar todos os problemas sociais, promovendo pesquisas sobre novas demandas, novos sujeitos coletivos, novos movimentos sociais e o que tudo isso implica para a concretização do direito. No Brasil, de acordo com Sousa Santos, a legislação pretende ir ao encontro dos interesses sociais das classes trabalhadoras e também dos interesses emergentes nos domínios da segurança social e qualidade de vida, porém muitas dessas normas têm permanecido morta. Quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses populares maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada. Para solucionar esse problema é necessário o uso do direito alternativo, uma interpretação inovadora do direito, que passa pelo aumento dos poderes dos juízes na condução do processo com a finalidade de atender as demandas populares. Quanto ao direito plural, Santos defende que esse mecanismo de solução de litígios a margem do controle estatal pode ser um agente de democratização da justiça desde que 53 PORTO, Júlia Pinto Ferreira. O acesso à ordem jurídica justa em sua perspectiva sociológica.Disponível em : http://sociologiajur.vilabol.uol.com.br acesso em 20 de julho de 2009. 212 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 aplicável a conflitos entre cidadãos ou grupos de poder econômico equivalente (litígios entre vizinhos, operários), pois nesses casos não haveria deteriorização da posição jurídica. Sousa Santos afirma que a maior contribuição da sociologia para a democratização da administração da justiça consiste em mostra empiricamente que as reformas do processo ou mesmo no direito não terão muito significado se não forem completadas com a reforma da organização judiciária e do processo de seleção dos magistrados buscando-se juízes culturalmente esclarecidos sob o ponto de vista econômico, social e político. 9. CONCLUSÃO Diante da exposição acima, observa-se que o acesso à justiça envolve diferentes enfoques, ocorrendo em cada um deles problemáticas que levam o Poder Judiciário à crise em que se encontra atualmente. A inflação legislativa que a nossa sociedade enfrente, aliada à desorganização e à irracionalidade da administração judiciária fazem com que haja um descrédito da população em relação à justiça, pois o Judiciário é visto como um local onde a corrupção e o prestígio funcionam acima das leis. Destarte, movimentos do uso alternativo do direito, os quais propõem a interpretação das regras vigentes de acordo com as demandas populares, com a finalidade de promover a democratização da justiça, ganham cada dia mais força. Ao uso alternativo do direito, somam-se as influências do que chamamos de pluralismo jurídico, o qual se caracteriza pela presença de outros mecanismos de regulação social além dos estatais, presentes em uma mesma sociedade. Outrossim, de acordo com a opinião pública, não há imparcialidade por parte dos tribunais e juízes, o que resulta, dentre outros fatores comentados, no descrédito que sofre o Judiciário perante a sociedade. Muitos segmentos da população, inclusive, sequer procuram o Judiciário em decorrência desse fato, ou seja, por já terem em mente que o essa função estatal não funciona a contento, essas pessoas preferem recorrer diretamente a instituições alternativas para resolverem suas querelas de forma célere, barata e desburocratizada. Deste modo, faz-se necessário, cada vez mais, uma reforma na política judiciária, mas uma reforma que vá além de modificações no processo ou no direito substantivo, atingindo também a própria organização judiciária, bem como a formação e o processo de 213 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 seleção dos magistrados, os quais devem ser culturalmente esclarecidos sob o ponto de vista econômico, social e político. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Selena Maria de. O Paradigma Processual do Liberalismo e o Acesso à Justiça. Disponível em: www.cjf.gov.br/revista/numero22/artigo03.pdf>. Acesso em 30 de novembro de 2011. AMEPE. Pesquisas sobre o perfil dos magistrados. Disponível em: <http://www.amepe.com.br/cadernos_amepe/pesquisa_2.pdf>. Acesso em 01 de dez de 2011. CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Eleen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. Disponível em:http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/.../article/view/.../101. Acesso em 02 de dez. de 2011. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A Sociologia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993. LEITE, Antônio José Maffezoli, GONÇALVES, Cristina Guelfi, DE VITTO, Renato Campos Pinto. O Desafio da Efetivação do Acesso à Justiça e o Papel de uma Nova Defensoria Pública. Disponível em: http://www.undp.org/legalempowerment/reports/National%20Consultation%20Reports/Country%20Fi les/7_Brazil/7_3_Access_to_Justice.pdf. Acesso em: 06 de dez. 2011. OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário. Rio de Janeiro: Letra Legal. 2004. ROSA, F. A. de Miranda. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. São Paulo: Cortez, 2000. 214 Orbis: Revista Científica Volume 2, n. 3 ISSN 2178-4809 Latindex Folio 1 SANTOS, Nivaldo. Da negação do acesso à Justiça. Disponível em: http://<www.existencialismo.org.br>. Acesso em 02 de dez. de 2011. SILVA, João Fernando Vieira da. O juiz e o acesso à Justiça no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2054, 14 fev. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/12314/ojuiz-e-o-acesso-a-justica-no-brasil/2. Acesso em: 10 de dez. de 2011. YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. O novo papel do Judiciário e dos Magistrados na sociedade contemporânea: reflexões em tempos de reforma. Disponível em: <http://www.fiscolex.com.br/doc_990253_O_NOVO_PAPEL_DO_JUDICIARIO_E_DOS_MAGIST RADOS_NA_SOCIEDADE_CONTEMPORANEA_REFLEXOES_EM_TEMPOS_DE_REFORMA_ 1.aspx>. Acesso em 13 de dez. de 2011. Artigo recebido em: 15-12-2011 Artigo aprovado em: 20-12-2011 215