HIPOSSUFICIÊNCIA E GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA Pérola Carvalho1 RESUMO: Todos devem ter a possibilidade de ser sujeitos ativos dos direitos que a legislação lhes confere, de exercê-los, e, ainda, de litigar em igualdade de condições. Não basta que o ordenamento jurídico confira uma série de direitos à população; é necessário que todos tenham as mesmas oportunidades de exercer estes direitos. Entretanto, em uma análise da realidade, verificamos que o ingresso à justiça é restrito, pois a problemática não se resume ao mero acesso em juízo. Inúmeros fatores, entre eles, custas judiciais, diferença de privilégios entre as partes, fazem com que, na prática, o acesso à justiça não se verifique de maneira igual para todos, ou, muitas vezes, sequer haja o acesso de todos, mormente para o hipossuficiente. Visando “resolver” ou ao menos amenizar estas barreiras ao acesso à justiça, a legislação brasileira atual prevê alguns instrumentos, entre eles, os serviços de assistência jurídica, a fim de permitir o ingresso gratuito em juízo aos carentes de recursos. Assim, foi objetivo deste artigo, clamar por um novo foco da Justiça para a solução de conflitos com características específicas que atingem os hipossuficientes culturais. PALAVRAS-CHAVE: Hipossuficiente cultural. Justiça. Democracia. ABSTRACT: Everyone should be able to be active subjects of rights that the law gives them, to exercise them, and also, of audience on equal terms. Not enough that the law confers a number of rights to the people; all must have the same opportunities to exercise these rights. However, in an analysis of reality, we see that the entrance to justice is limited because the problem is not the mere access to legal proceedings. Many factors, including, court costs, difference in privileges between the parties, mean that in practice access to justice are not so equal for all, or often even have access to all, especially for the hipossuficiente. Aiming to "solve" or at least mitigate these barriers to access to justice, the law provides some Brazilian instruments, among them the services of legal assistance, to allow the free entrance to the needy in court facilities. It was objective of this article call for a new focus of our Justice for the settlement of conflicts with specific characteristics that affect the cultural hipossuficientes. KEY WORDS: Noncultured people. Justice. Democracy. SUMÁRIO: 1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES; 2 O ACESSO À JUSTIÇA; 3 A REALIDADE DA JUSTIÇA BRASILEIRA; 3.1 DEFENSORIA PÚBLICA; 3.2 A OMISSÃO NA ATUAÇÃO ESTATAL; 4 PROGRAMAS DE ACESSO À JUSTIÇA E NOVOS MECANISMOS PARA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS. 1 Acadêmica do curso de Direito pela Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti. 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES O direito ao acesso à Justiça surgiu com a modernidade do pensamento liberal, eis que, em um tempo não muito distante, a Justiça era privada e restrita apenas àqueles que pudessem pagar as taxas e ônus impostos. Com a estatização da função jurisdicional, o Estado legou a si o poder e o dever de analisar e julgar os conflitos de interesses. Pôs-se fim à auto-tutela e criou-se órgãos e poderes específicos para o desempenho das atividades jurisdicionais. No entanto, manteve-se a exigência do pagamento de custas, taxas e emolumentos; o que na prática, levou apenas à transferência do poder de julgar da mão do particular para o Estado-Juiz. Essa exigência de pagamento de custas, taxas e emolumentos culminou com o distanciamento do Poder Judiciário das classes mais pobres e a elitização das causas levadas a juízo. Tal situação perdurou por muito tempo, até que as Constituições Federais passaram a prever a isenção de custas e taxas para os necessitados, como se observa pelo teor do artigo 113, inciso 32, da Constituição de 1934, in verbis: "A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos". Em seguida, cuidou-se de criar uma legislação ordinária regulando a assistência judiciária aos necessitados (Lei n.º 1.060 de 5 de fevereiro de 1950). Sem a barreira financeira das custas e taxas, restava ao Estado providenciar a perfeita assistência aos necessitados por profissional para tanto habilitado. Assim, num primeiro momento, o Estado legou ao órgão do Ministério Público o dever de assistir aos necessitados quando do ingresso em juízo. Com o advento da Constituição da República de 1988, tal mister foi transferido às Defensorias Públicas (art. 134), as quais foram organizadas e instituídas oficialmente pela Lei Complementar n.º 80, de 12 de janeiro de 1994. Desta forma, exige aos operadores do mundo jurídico, primordialmente, a Defensoria Pública, o Ministério Público, advogados e outras entidades particulares, uma série de condutas efetivas e necessárias, intervindo nos litígios não só para deduzi-los em juízo, mas também para preveni-los e compô-los de maneira amigável, respeitando, assim, necessidade da nossa sociedade, formada basicamente por pessoas desprovidas de recursos econômicos e culturais, de uma tutela jurídica mais concreta e rápida, evitando-se, face ao congestionamento e morosidade do Poder Judiciário, a tutela de interesses pelas próprias mãos. 2. O ACESSO À JUSTIÇA O tema “acesso à justiça” tem sofrido transformações. Antes se pensava no acesso à justiça como sinônimo de acesso aos tribunais. Hoje, envolve questões mais subjetivas que podem vir a dificultar o anseio da população por justiça. A expressão “acesso à justiça” define duas finalidades básicas do sistema jurídico: o sistema deve ser igualmente acessível a todos e o sistema deve reproduzir resultados individual e socialmente justos. (CAPPELLETTI e GARTY, 1988). Como entende Horácio Wanderlei Rodrigues (1994), acesso à justiça não é simplesmente o acesso aos órgãos do Poder Judiciário, e sim, num conceito mais largo, é o acesso à ordem jurídica justa, ou seja, a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. E assim é sem, contudo, esquecer-se da importância do acesso a uma jurisdição, com os meios processuais que ela oferece. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco (2003) afirmam que o acesso à justiça não é apenas admissão ao processo. Vai além, exigindo a possibilidade de ingresso de um maior número de pessoas na demanda, defendendo-se adequadamente (universalidade de jurisdição), garantindo-se a elas a observância das regras do devido processo legal, participando intensamente na formação do convencimento do juiz (princípio contraditório), podendo exigir dele a efetividade de uma participação em diálogo, tudo com vista a uma solução justa. A discriminação social no acesso à justiça é um fenômeno complexo que envolve fatores de ordem econômica, mas envolve, ainda, condicionantes sociais, culturais e fatores psicológicos, resultantes de processos de socialização e interiorização de valores, incluindo a noção moral de justiça que os indivíduos operam. O alto custo da litigação é o primeiro obstáculo econômico a ser encontrado. Ele é composto pelos honorários advocatícios e pelas custas judiciais. No caso do ônus da sucumbência, em que se o litigante perder terá que pagar os custos do vencedor, há um agravante, o litigante só irá ingressar com uma ação se estiver certo de vencer, o que não é muito comum. Os obstáculos materiais se fundam na lentidão dos processos. Esse fator é mais penoso para quem possui menores recursos e se considerado os índices de inflação, aumenta consideravelmente os custos para as partes e pressiona essas pessoas a aceitarem uma conciliação desfavorável, ou ainda, a desistir da ação. Quanto aos obstáculos culturais e sociais, esses incluem a distância das pessoas em relação aos serviços jurídicos. Essa distância é física, em razão dos serviços que são oferecidos em sua grande maioria no centro, que fica distante das periferias. Mas há outro distanciamento mais implícito, como a dificuldade de reconhecimento de um problema como sendo de ordem jurídica. Nota-se que os cidadãos de estrato social mais baixo hesitam em procurar o Judiciário, mesmo quando reconhecem estar perante um problema jurídico. Cappelletti e Garth (1988) trazem outras motivações para os litígios serem considerados pouco atraentes para a população de baixa renda, como uma linguagem inacessível para a maior parte das pessoas, procedimentos complexos, excesso de formalismo, ambientes tido como repressores, como os tribunais e pessoas distantes do círculo de convívio das comunidades carentes, como advogados e juízes. Pode-se concluir, portanto, que as barreiras no acesso à justiça atingem de forma distintas as classes sociais e os estratos menos favorecidos, os mais pobres, são os que sofrem mais gravosamente as consequências desses obstáculos. 3. A REALIDADE DA JUSTIÇA BRASILEIRA O Brasil há muito se preocupa com a barreira obstaculizadora do acesso à justiça: a barreira econômica. A representação dos indivíduos em juízo de forma a viabilizar o acesso à justiça não apenas aos mais afortunados, mas sim a todos os cidadãos remonta das Ordenações Filipinas (iniciadas por Felipe I, de 1527 a 1598, com o nome de Felipe II, reinando também na Espanha, e, depois, com Felipe II, em Portugal, de 1578 a 1621) que vigoraram no Brasil até o ano de 1916. Nas Ordenações, clara era a disposição acerca da representação gratuita em juízo quando dispunha no Livro III, Titulo 84, parágrafo décimo que "em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o agravo". O primeiro documento legislativo no Brasil a prever a assistência judiciária organizada, surgiu no Distrito Federal em 1897. Foi o decreto Federal 2.457, de 8 de fevereiro de 1897, que previa, em seu artigo primeiro, a assistência judiciária para o patrocínio gratuito das causas dos pobres litigantes no cível e no crime. Embora a Constituição de 1824 não tenha feito referência à assistência judiciária, a de 1891 já dava sinais dessa proteção quando dispunha de assistência para acusados. As demais Constituições, exceto a de 1937, sempre no Capítulo dos Direitos Fundamentais e Garantias Individuais trouxeram a garantia de assistência judiciária. Em 1934 a Constituição introduziu no Brasil a garantia da gratuidade do acesso à justiça cabendo a tarefa ao Estado. Determinava em seu artigo 113 parágrafo trigésimo segundo que "A União e os Estados, concederão aos necessitados, assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos". Os legisladores aqui demonstraram a relevância de conceder-se a gratuidade de justiça utilizando-se para tais dois recursos, primeiramente mencionam a possibilidade daqueles que não possuem condições econômicas de arcar com as custas de um processo reclamarem seus direitos estando isentos de taxas judiciais e mais além determinaram a possibilidade da criação de ''órgãos especiais'' destinados a representação dos hipossuficientes em juízo. O primeiro serviço de assistência judiciária no Brasil, foi implantado em 1935, no Estado de São Paulo, que contava com o apoio de advogados de plantão assalariados pelo Estado, tendo seguido esse exemplo o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Na Constituição outorgada em 1937, não houve previsão do direito a assistência judiciária, garantindo-se apenas o direito de defesa. As Constituições de 1946 e de 1967 previam a assistência judiciária. Afirma Luciana Gross Siqueira Cunha citada por (Souza, 2003, p.99), que o modelo de assistência jurídica adotada pelo Brasil compreende três momentos: um primeiro, até a promulgação da Lei 1.060/50, que regulamenta pela primeira vez a assistência judiciária; um segundo momento que vai da década de 50 até a Constituição Federal de 1988, quando a assistência jurídica envolvia apenas os atos do processo; e um terceiro marcado pelas mudanças da Constituição Federal de 1988. A Lei Federal 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, Lei de Assistência Judiciária, está em vigor até os dias de hoje, com as devidas alterações. A Constituição Cidadã, de 1988, inovou trazendo o título de assistência jurídica e não mais judiciária no artigo 5º inciso LXXIV: “ o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos”. (BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) Portanto, a assistência jurídica gratuita e integral é devida às pessoas que comprovem insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais e honorárias advocatícios, esta isenção das custas processuais tem o fim de não prejudicar o próprio sustento da parte envolvida no processo e o de sua família. A assistência a qual me referi acima, engloba, na atual legislação, a assistência judiciária por envolver também serviços jurídicos não relacionados ao processo, tais como orientações individuais ou coletivas, o esclarecimento de dúvidas e mesmo um programa de informação a toda a comunidade. Portanto, a assistência judiciária é um serviço público organizado, podendo, ser oferecido por entidades não estatais, conveniadas ou não com o poder público. A palavra Assistência traduz-se como prestação de auxílio, de amparo, a quem dela necessitar. A assistência jurídica é mais que assistência puramente judicial e aquela para o ingresso em juízo, bem como também a assistência preventiva. Integral, porque deve abranger a assistência prévia, a orientação, bem como o acompanhamento do processo judicial e posterior satisfação do direito. Gratuita, pois abarca não apenas as custas do processo, como também abrange o direito de obter certidões e peticionar aos Poderes Públicos para a defesa dos direitos, incluindo também a gratuidade do hábeas corpus e hábeas data, bem como de todos os demais necessários ao exercício da cidadania; implica a dispensa de pagamentos de todas as esferas, judicial e extrajudicial. O Brasil herdou de Portugal a praxe forense do patrocínio gratuito, encontrado até hoje exarcebada com a existência dos Escritórios Modelos, nas Faculdades de Direito e o Estágio Obrigatório da Ordem dos Advogados do Brasil. Este serviço, no Brasil, deve ser oferecido pelas Defensorias Públicas (artigo 1344 da Constituição Federal e Lei Complementar nº80 de 12 de janeiro de 19945), porém, ainda não foi regularizado em alguns Estados. 3.1 Defensoria Pública A Constituição Federal de 1988 originou-se de um importante processo de mobilização da sociedade brasileira, movimento esse de luta pelo estabelecimento de uma nova ordem política e jurídica, de base democrática, empenhada em efetivar os direitos fundamentais e que ganhou respaldo no final da década de setenta e começo da década de oitenta do século passado. Por esse motivo, certamente, os membros da Assembléia Nacional Constituinte tiveram um claro cuidado em evitar que as conquistas normativas garantidas na Carta Magna ficassem somente no papel. Portanto, vários foram os meios criados com o intuito de que tais conquistas fossem efetivadas. Nesse novo horizonte institucional, foi concedido um papel de destaque ao Poder Judiciário. O objetivo explícito do constituinte de 1988 era o de assegurar efetividade ao acesso à justiça, porém para que tal efetividade fosse concretizada, era preciso a criação de canais adequados para que os distintos interesses juridicamente relevantes fossem levados à instância judicial. Para esse fim, firmou-se na Constituição a função institucional dos membros do Ministério Público como “advogados da sociedade”, intensificando-se suas garantias e prerrogativas, de maneira a possibilitar o cumprimento da sua respectiva missão de defesa dos interesses indisponíveis, sociais e individuais. Os interesses relativos à Administração Pública, também, foram protegidos e passados ao encargo da denominada Advocacia Pública, armada institucionalmente através da Advocacia Geral da União e das Procuradorias Gerais dos Estados e dos Municípios. A advocacia, por seu termo, em sede constitucional, foi encarada como atividade liberal, dotada de garantias de independência imprescindíveis à realização de sua missão. O legislador notando que essas três instituições acima elencadas não eram o bastante para assegurar o acesso real de todos os cidadãos à justiça, instituiu órgão próprio detentor de condições necessárias para suprir a demanda de assistência jurídica integral em favor da grande parcela da população nacional que se encontrava à margem do sistema judiciário. Nesse diapasão é o entendimento de Maria Tereza Sadek (2001, p.9): Não se adentram as portas do Judiciário sem o cumprimento de ritos e a obediência a procedimentos. Entre estes está a necessidade de defesa por profissionais especializados – os advogados. Ora, o acesso aos advogados, por sua vez, depende de recursos que na maior parte das vezes os mais carentes não possuem. Assim, para que a desigualdade social não produza efeitos desastrosos sobre a titularidade de direitos, foi concebido um serviço de assistência jurídica gratuita – a Defensoria Pública. É certo, portanto, que uma das importantes inovações da Constituição Federal de 1988 foi a normativização da criação da Defensoria Pública, em seu art. 134, em que tal instituição foi vista como órgão estatal incumbido de gerar condições de igualdade, orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados, estando prevista sua organização em todo o território nacional. Para a consolidação do direito fundamental do acesso à justiça faz-se imprescindível a atuação das Defensorias Públicas, principalmente, se entendermos que este acesso não representa somente a possibilidade de ajuizar demandas perante o Judiciário, mas que envolve também o conhecimento dos direitos, a forma de exercê-los e a disponibilidade de formas alternativas de solução de litígios. Importante trazer à tona as palavras de Márcio Thomaz Bastos (2007, p.8): As instituições sólidas são os instrumentos que as democracias têm para se realizar enquanto tais. E as democracias, para abandonarem o rótulo de democracias formais, se tornando verdadeiras democracias de massas, devem construir instituições que consigam garantir a todos, sem discriminações, os direitos previstos nas constituições democraticamente escritas. O Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, decidiu priorizar o fortalecimento da Defensoria Pública como estratégia para o fortalecimento das instituições judiciais. Nos debates para a aprovação da Emenda Constitucional nº. 45 (Reforma do Judiciário), foi destacada como item principal a autonomia orçamentária e funcional das Defensorias Públicas. Como defende Leopoldo Portela Júnior (2007, p.11): Não mais podemos nos preocupar só com o Estado Julgador e com o Estado Acusador, em detrimento do Estado Defensor. E essa obrigação é dos governantes estaduais, a quem compete a iniciativa. Os instrumentos normativos estão à disposição. As Emendas ns. 41 e 45 deram o merecido tratamento constitucional à Defensoria Pública e aos seus membros. Portanto, basta efetivá-las, assegurando o subsídio aos defensores, bem como a dotação orçamentária necessária para garantir a estruturação da Instituição e a efetivação do serviço público obrigatório e essencial, conferido pela Carta Magna. Tomando-se por base nas informações expostas, a Defensoria Pública é considerada uma peça imprescindível para a garantia efetiva do acesso à justiça, visto que, sem uma instituição dessa natureza, todo e qualquer preceito de igualdade não passariam de letra morta. 3.2 A Omissão na Atuação Estatal A despeito de dispor-se, como se pode facilmente constatar, de todo o aparato legislativo necessário à estruturação das Defensorias Públicas, no âmbito federal e nos Estados, de modo a proporcionar-se a cada indivíduo que necessite de assistência jurídica o apoio desejado, não se nota uma atuação estatal eficiente e voltada a cumprir de modo satisfatório o encargo previsto constitucionalmente. As Defensorias Públicas não dispõem de meios mínimos para atuar e, em boa parte dos municípios brasileiros sequer se tem notícia de que esteja disponível serviço de tamanha importância para o indivíduo. Nem mesmo em grandes centros ou na Capital da República há oferta de assistência judiciária capaz de suprir as necessidades da comunidade local. Há carência em relação a tudo. Faltam defensores, pessoal de apoio, equipamentos e materiais destinados ao atendimento ao público. Sequer se observa a existência de sede própria. Disso resulta diretamente o dano ao interesse do cidadão que, desprestigiado pela negligência do Estado, não visualiza condições de requerer a defesa de eventuais direitos. Afronta-se com essa omissão injustificável, a garantia, que deveria ser ampla, de acesso ao Poder Judiciário e a possibilidade de exercício do direito de ação, reservada aos bem aquinhoados, como repetem determinadas autoridades e políticos da hora. 4. PROGRAMAS DE ACESSO À JUSTIÇA E NOVOS MECANISMOS PARA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS Conforme bem ressaltado por Frischeisen (2005, p.1) questões extras processuais são de política pública de acesso à justiça, As pessoas não pensam em uma política pública de acesso à justiça. As pessoas pensam em saúde. Todo mundo pensa: a saúde deve ser pública ou não? E a Assistência Social? Devem ser prestadas por entidades privadas, públicas ou por ambas? Poucas pessoas fora da área jurídica, entretanto, pensam em uma política pública de acesso à justiça. Segundo a autora é hora de pensarmos e questionarmos como seria uma política pública de acesso a justiça. Um processo de atuação junto ao povo, muito mais amplo do que o conhecido e desenvolvido corriqueiramente pelos profissionais do Direito, visto que integram esse processo atividades educativas, pedagógicas e culturais. A justiça deve ser levada a todo território nacional. Segundo Devazzio (2002, p.38) este é o desafio espacial do acesso à justiça e um dos mais difíceis de transpor. A partir das práticas sociais que vão se constituindo nas cidades, no cotidiano dos moradores, ocorre toda uma re-significação do que é direito, justiça e igualdade...O Direito é sempre meio, possibilidade do instituinte e da reversão, [...] à vida que se recria cotidianamente, às vezes ali onde o direito é mais negado. (HERKENHOFF, p.35) Atualmente, a insuficiência da resposta Estatal torna mais evidente a busca de novos mecanismos para a resolução de conflitos, tanto nas relações de cunho familiar, como em outras áreas da vivência humana. São mecanismos criados paralelos à administração na justiça tradicional, caracterizados por serem mais simples informais e baratos, contando com uma maior participação das partes e pautando-se mais pela equidade do que pelo direito formalmente posto. Os meios de resolução de conflitos emergiram, da própria sociedade, que cria mecanismos de pacificação social para fugir da Justiça Estatal; surgem da necessidade popular de dirimir as controvérsias, sem as complicações que o Estado acaba por impor aos seus litigantes. Assim são alguns conflitos referentes a direitos de vizinhanças, bem como pequenos litígios da vida comercial informal, dentre muitos outros. Conforme Devazzio (2002) os meios alternativos para resolução de conflitos são caracterizados pela informalidade, a simplicidade, a acessibilidade econômica e a participação ativa dos envolvidos. Uma das principais vantagens é a sua pouca regulamentação, que deixa a sua forma livres para se desenvolverem de acordo com o momento social que se vive, bem como abrangerem muitas espécies de conflitos. A mediação, a conciliação, a negociação, a arbitragem e a justiça de paz são exemplos de processos alternativos institucionalizados. Os Conselhos de Bairros, Associação de Moradores, Organizações Não Governamentais, Fundações, dentre muitas outras iniciativas são os processos alternativos não institucionalizados. Afirma Devazzio é um processo natural e necessário, uma vez que o Estado é incapaz de acolher as demandas e de resolver os conflitos inerentes às necessidades engendradas por novos atores sociais. Segundo Salles (2003, p.93), o Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH II, elaborado no ano de 2002, possui como meta transformar a sociedade brasileira, enfatizando uma busca constante por justiça e melhores condições de vida através de implementação de programas que efetivem os direitos humanos. O PNDH II determina que se deve, no tocante à garantia do direito à justiça, apoiar a criação de serviços de orientação jurídica gratuita, a exemplo dos balcões de direitos e disque- denúncia, assim como o desenvolvimento de programas de formação de agentes comunitários de justiça e de mediação de conflitos. Algumas Universidades/Faculdades brasileiras, estão desenvolvendo um papel muito importante enquanto agente de transformação social, buscando contribuir para amenizar as desigualdades econômicas, sociais e políticas. Em relação ao acesso à justiça, representam um fator de conscientização social, na medida em que esclarecem àqueles desinformados sobre os direitos e meios de garanti-los. A Universidade vem cumprindo a função social de mediar e resolver conflitos gratuitamente daqueles que não tem o acesso efetivo à justiça, possibilitando o crescimento pessoal e profissional, tanto para os membros da academia como para o povo em geral. A Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti apresenta exemplos de trabalhos relevantes na área através do Escritório Modelo de Prática Jurídica e tem como objetivo principal proporcionar aos seus discentes uma adequada formação profissional, a partir do conhecimento técnico-jurídico, com bases humanistas, especialmente no tocante à prática advocatícia judicial e extrajudicial; oferecer assistência judicial e extrajudicial gratuita a pessoas físicas, que legalmente lhe tenham acesso, com observância de elevado padrão profissional, respeitados os limites de sua capacidade de atendimento; prestar consultoria a pessoas físicas ou jurídicas, desde que comprovadamente hipossuficientes, em questões que envolvam direitos e interesses difusos e coletivos, podendo, para tanto, desenvolver projetos comunitários ou afins. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível observar, neste artigo, que ao longo da história o conceito de justiça foi se alterando ora com vertente religiosa, ora como favor do poder constituído, chegando até nossos dias, na democracia, como garantia e direito fundamental do cidadão. No Brasil, por força de nossa história colonial e das várias crises institucionais, que já tivemos, apenas e tão-somente a Constituição Federal de 05/10/1988, ainda em vigor, versou de forma explícita sobre a Defensoria Pública, em seu artigo 134, “caput”. A despeito do conceito legal empreendido para “hipossuficiência”, tomamos por base que o economicamente pobre é aquele que encontra limitações absolutas ou grandes dificuldades em acessar os equipamentos públicos nas diversas áreas da vida em sociedade, ou seja, educação, saúde, acesso à justiça, etc. É esse acesso restrito e ineficaz à justiça, e à necessidade de tornálo efetivamente democrático para alcançar aos que dele carecem, em especial os hipossuficientes culturais, que justifica este trabalho, cuja finalidade é ensejar mudanças de entendimentos e procedimentos para que, talvez, possamos descobrir um caminho possível e ainda não ― ou pouco ― trilhado, para um dia ser possível propiciar aos hipossuficientes culturais um acesso irrestrito e eficaz à justiça. 6. REFERÊNCIAS CAPPELLETTI, Mauro e GARTH. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988. RODRIGUES, Horácio Vanderlei. Acesso à justiça no direito processual. 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