História dos Portugueses no Mundo (2012/2013) Aula n.º 6 «Descobrimento» e Presença Portuguesa na África Ocidental III Os Contactos Culturais com os Povos da África Negra As Primeiras Impressões Quando os portugueses começaram a contactar com o interior da costa ocidental africana constataram, não só a islamização de algumas áreas, mas ainda a existência de outros povos que rotulam de idólatras, gentios e pagãos. Além da religião e da cor da pele, os navegadores começaram a registar outros aspectos culturais, tais como a alimentação, o vestuário, a habitação, os meios de defesa e a organização social. Também os negros encaravam os homens brancos com receio, embora com um misto de curiosidade. Vindos do mar, os brancos surgiam como seres estranhos e superiores, talvez espíritos com intuitos malfazentes. Por isso, muitas vezes, evitavam-se os contactos pessoais, como acontecia na Costa de Arguim. Estabelecia-se o «comércio mudo» que, de resto, já era praticado pelos povos locais. Dificuldades de penetração no interior Factores diversos dificultavam a entrada dos portugueses no interior do continente africano, tais como: Extensas manchas de floresta virgem; Emboscadas dos povos locais; Ataques de animais ferozes; Picadas de cobras e insectos; Clima doentio; Doenças tropicais; Os escassos recursos humanos e materiais constituíram um sério obstáculo à colonização do continente africano no século XV. No entanto, conhecem-se exemplos de alguns que, mais afoitos, percorreram o sertão e navegaram pelos rios da Guiné. Os «lançados» ou «tangomãos» Portugueses que tinham, por diversas razões, (naufrágios, deixados pela Coroa, degredados fugidos, etc.) ficado isolados em África. A vida num meio totalmente diferente implicava a adaptação física e psicológica às condições geográficas e sócio-culturais, daí resultando a integração dos «lançados» no quotidiano dos negros da Guiné, de acordo com os costumes e leis locais. A união com as mulheres nativas facilitava-lhes o relacionamento com chefes das tribos, a quem os lançados chegam a servir de «conselheiros» ou curandeiros. Os documentos da época denunciam o carácter marginal destes «aventureiros» de corpos tatuados que, praticando a poligamia, vivem do comércio – a actividade que escolheram e que os naturais lhes permitiram. No entanto, a diversidade de origens – náufragos, hominiziados, degredados, judeus – não permite defini-los, como um grupo sócio-económico organizado. Os «lançados» originam as primeiras formas de miscigenação do continente africano, sendo a sua presença responsável pela criação de uma língua franca – crioulo – que, pouco e pouco, se vai enriquecendo com a entrada de novas palavras portuguesas. Nos contactos com as tribos do interior, os «lançados» divulgaram ainda técnicas e produtos; gradualmente, a casa rectangular substituiu a cubata circular indígena; a dieta alimentar adoptou, também, novos produtos de origem vegetal. O Reino do Congo Entre as diversas áreas do continente africano merece particular atenção o Congo que Luís Vaz de Camões assinalou como «mui grande Reino… por nós já convertido à fé de Cristo». De facto, a vontade de evangelizar estabeleceu-se visivelmente a partir do Golfo da Guiné. Desde então, os navegadores assinalavam a passagem pela costa africana com padrões ou inscrições onde se associam os símbolos portugueses e cristãos. Inscrições de Ielala a 150 Km da Foz do Rio Congo (Zaire). «Aqui chegaram os navios do esclarecido rei D. João II, Diogo Cão…» A chegada dos homens brancos despertou nos naturais curiosidade e fascínio: sendo encarados como seres superiores. A satisfação com que é vista a partida de alguns príncipes indígenas, em companhia de Diogo Cão no regresso a Portugal, excedeu as expectativas portuguesas. Redobrava-se o entusiasmo, já que a presença portuguesa pretendia organizar-se nesse espaço em torno de dois objectivos: fazer comércio e expandir o cristianismo. Data de 1491 a primeira expedição missionária à capital do reino do Congo, mais tarde designada de São Salvador (actualmente território angolano). Integraram-na, além de frades dominicanos, «representantes» da Coroa, carpinteiros e pedreiros que, em «embaixada», procuraram o estabelecimento de boas relações de amizade e aliança entre o rei de Portugal e o monarca do Congo. Nos primeiros tempos, apenas uma minoria deteve um relacionamento privilegiado com os brancos, aceitaram os seus usos e iniciaram o domínio da escritas nas escolas de «ler e escrever» que os missionários dirigiram. Com uma certa dose de orgulho os grande da corte do reino do Congo adoptaram uma outra maneira de viver, concretamente no vestuário «à portuguesa». Homens e mulheres envergavam capas, calçados e jóias numa atitude de vaidade e ostentação que os portugueses gostavam de fomentar. A missionação constituiu uma outra vertente dos contactos com os povos autóctones, uma prática que envolvia não só o acto de transmitir princípios religiosos, mas também a alteração de costumes; a monogamia, o uso do vestuários e outras maneiras de viver. Parecia difícil a acção evangelizadora, dada a complexidade do cristianismo, uma religião de dogmas, mistérios e valores morais muito diferentes dos africanos. Por outro lado, a atitude dos missionários não facilitava a integração, visto desconhecerem totalmente os fenómenos religiosos dos povos bantos, tomando os seus amuletos como deuses. Mas apesar disso, operava-se um processo confuso de assimilação, onde as imagens dos santos se associavam aos «amuletos», usados como instrumentos mágico-religiosos que, regra geral, os negros penduravam à entrada das sanzalas. Formas semelhantes de aceitação manifestaram-se no culto dos antepassados; em muitas sepulturas foram encontradas armas portuguesas do século XVI, jóias, crucifixos de latão, imagens de Maria e dos santos, em especial de Santo António. A incorporação destes elementos originaram formas de sincretismo, isto é, a simbiose de valores religiosos e culturais próprios com outros estranhos, neste caso, cristãos. A linguística registou, também, a síntese dessas relações culturais, designamente na onomástica. Os nomes nativos substituíram-se pela onomástica cristã, ainda que «congolozada». Palavras portuguesas passaram para o vocabulário do Congo, como por exemplo: Ndomanuéle (D. Manuel) – qualifica a inteligência rápida (atribui-se a uma criança esperta). Ndolumingu (Ndo + Lumingu = Dom Domingo) Ndo e ndopa = dom e dona As Relações de Portugal com Angola As relações entre Portugal e Angola pareciam configurar-se no modelo do Congo. No entanto, abandonado o projeto de mera exploração comercial optou-se, em 1575, pela conquista e pela colonização. Missionários e outros dirigentes da expansão portuguesa convenceram-se na necessidade destes meios (conquista e colonização) para realizar a evangelização e aproveitamento das potencialidades da terra. A presença portuguesa em Angola dificilmente poderia impor-se pela força dada a insuficiência de meios militares e o reduzido número de soldados. Assim, desde os tempos de Paulo Dias de Novais – o primeiro capitão do donatário – assistiu-se ao estabelecimento de alianças com os senhores locais e também à participação de negros ao lado dos conquistadores portugueses. Estas circunstâncias favoreceram a miscigenação que alcançou em Angola proporções notáveis, dada a escassez de mulheres brancas e a facilidade com que os portugueses se uniam às nativas. Com os cruzamentos étnicos decorreu a integração cultural, contando-se, entre os seus agentes, conquistadores, comerciantes e missionários. Luanda constituiu o principal centro económico e administrativo, fixando-se aí a maioria dos portugueses. A capital viu nascer as primeiras construções em pedra e cal, símbolo da entrada de novas técnicas e valores culturais. De facto a colonização confinava-se a uma pequena parte das margens do rios Quanza, Bengo e Lucala. Nessas terras cultivavam-se espécies autóctones e portuguesas, às quais se juntaram produtos de origem americana como milho, tabaco e mandioca. A evangelização seguiu um processo lento, apontando-se como explicação, entre outros factores, a instabilidade militar, os rigores do clima, o número reduzido de missionários, o desconhecimento das línguas nativas e a dificuldade de transmitir a complexidade da religião cristã. Embora alguns padres encarrassem a docilidade dos negros de Angola, já outros viam neles uma má índole e a prática de costumes, nomeadamente a poligamia, como obstáculos à cristianização.