HIPOTECA Isabel Menéres Campos Professora Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho [email protected] Plano da exposição • Caracterização da hipoteca • Efeitos da hipoteca em sede executiva (processo executivo ou insolvência) Definição • Artigo 686º: “a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” Função • Assegurar o cumprimento de uma obrigação • Como garantia real, a hipoteca consiste na afectação de uma coisa, garantindo um determinado valor, que o credor poderá realizar, por via executiva, para se satisfazer do seu crédito Reforço da garantia geral das obrigações que representa o todo o património do devedor (artigo 601º) Caracterização • Características gerais, que resultam da sua natureza real Preferência Sequela e oponibilidade erga omnes Especialidade • Características particulares Acessoriedade Indivisibilidade Preferência • Derrogação do princípio da par conditio creditorum (igualdade dos credores – artigo 604º) O credor tem o direito de ser pago com o produto da venda da coisa, preferentemente em relação aos demais credores, quer a execução tenha sido movida por si, quer tenha sido movida por terceiro, quer se trate de uma execução universal (insolvência) Direito ao valor Meios de defesa do credor • Artigo 701º - direito ao reforço ou à substituição da garantia no caso de perecimento ou insuficiência • Artigo 692º - o credor conserva a preferência no caso de o devedor receber uma indemnização pela perda ou desvalorização da coisa hipotecada (sub-rogação real) • Nos termos do artigo 9º do Código das Expropriações, o credor hipotecário é considerado interessado e deve ser chamado ao processo, embora não seja credor da indemnização a pagar pela expropriação mas passa a exercer o seu direito sobre aquela que vier a ser atribuída ao proprietário • Artigo 702º - seguro da coisa hipotecada Sequela e eficácia absoluta • A garantia é inerente à coisa, acompanhando-a em posteriores alienações ou onerações e seguindo-a onde quer que a coisa se encontre – Droit de suite Consequências O terceiro adquirente de coisa hipotecada tem de suportar a oneração: torna-se responsável pela dívida na medida das forças do imóvel, sofrendo a consequente penhora e venda, não podendo opor-se Especialidade (princípio de Direitos Reais) Especialidade quanto ao objecto: a hipoteca tem de incidir sobre bens especificamente determinados, quer no título constitutivo, quer no registo • Artigo 716º - nulidade das hipotecas genéricas (que incidem sobre todos os bens dos devedores, sem os determinar) • As hipotecas legais e judiciais são hipotecas de título geral; a especificação é feita no momento do registo • Extensão da hipoteca: artigo 691º - abrange as árvores, arbustos, frutos, acessões naturais, benfeitorias E também as acessões industriais: no caso das construções posteriores, persiste a oneração sobre todo o prédio Especialidade (princípio de Direitos Reais) Especialidade quanto ao crédito: é necessária especificação do crédito que a hipoteca garante, quer no título constitutivo, quer no registo: • Determinação do montante • Fundamento e origem do crédito • Juros e acessórios do crédito Protecção de terceiros Tutela do devedor Acessoriedade • Conexão funcional: garantia do cumprimento de uma obrigação Problemas Hipoteca em garantia de créditos futuros Hipoteca omnibus Razões da sua admissibilidade: • Menção do montante máximo garantido é obrigatória • Necessidade de documentos complementares (artigo 50 º do CPC) Indivisibilidade Princípio supletivo - artigo 696º Indivisibilidade quanto ao objecto Indivisibilidade quanto ao crédito Indivisibilidade Princípio supletivo - artigo 696º Indivisibilidade quanto ao objecto: a hipoteca subsiste sobre todas as coisas abrangidas, podendo o credor executar qualquer uma delas para satisfação do seu crédito por inteiro Hipoteca constituída sobre uma pluralidade de objectos Hipoteca constituída sobre uma coisa que posteriormente é dividida (ex.: fraccionamento do imóvel por força da constituição da propriedade horizontal) Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Fevereiro de 2004 (Relator: Pires da Rosa) sobre a questão do distrate parcial da hipoteca incidente sobre um prédio constituído em propriedade horizontal Indivisibilidade Princípio supletivo - artigo 696º Indivisibilidade quanto ao crédito: são irrelevantes as alterações supervenientes da dívida, com excepção da extinção total (a qual acarreta a extinção da garantia) • Pagamento parcial: a hipoteca permanece irredutível até ao pagamento integral • Pluralidade de devedores: o co-devedor que pague a sua parte da dívida não pode exigir o cancelamento parcial da hipoteca (solidariedade passiva) • Pluralidade de credores: cada um dos co-credores conserva a garantia por inteiro, podendo executar o imóvel na sua totalidade (solidariedade activa); os restantes co-credores serão citados nos termos do artigo 865º Execução de hipoteca Efeitos da hipoteca em sede executiva Especificidades do processo executivo Legitimidade passiva • Princípio geral: artigo 55º do CPC – a execução deve ser movida contra quem no título figura como devedor • Havendo hipoteca: artigo 56º do CPC – a execução de dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro é movida contra o proprietário – Terceiro adquirente – Proprietário não devedor (hipoteca de terceiro) Competência do tribunal • Artigo 94º, nº 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar da situação do imóvel – forum rei sitae • Artigo 100º - conhecimento oficioso da incompetência territorial Penhora • Artigo 697º: o devedor proprietário da coisa tem o direito de se opor à penhora de outros bens enquanto não se demonstrar a insuficiência da garantia • ARTIGO 835º do CPC: a execução hipotecária começa, independentemente de nomeação, pelo objecto da garantia e só verificada a insuficiência deste é que pode prosseguir quanto a outros bens Concurso de credores Finalidade: expurgar os bens dos direitos de garantia que os oneram, de modo a assegurar que estes sejam transmitidos livres de quaisquer ónus (artigo 824º do Código Civil) • Artigo 865º do CPC: o credor hipotecário tem de ser citado para exercer os seus créditos na execução onde seja penhorado o objecto da garantia Posição processual do credor hipotecário • Tem direito a pronunciar-se quanto a todas as questões que tenham a ver com o objecto da garantia (venda, embargos de terceiro, etc.) • Os seus poderes processuais esgotam-se com a venda da coisa hipotecada • Artigos 885º, 920º e 279º, nº 4 Regime substantivo do concurso de credores (processo executivo e insolvência) Grau de preferência Regra geral Princípio da prioridade registal Excepções Privilégios creditórios Direito de retenção Graduação especial • Havendo vários bens penhorados no processo executivo (ou apreendidos no processo de insolvência) e sendo invocadas garantias reais, a graduação terá de ser especial para cada um desses bens Privilégios creditórios • A hipoteca só cede perante privilégios creditórios especiais, pois só estes são considerados verdadeiras garantias reais • Acórdãos do Tribunal Constitucional relativamente aos privilégios gerais Acórdão n.º 362/2002, de 17 de Setembro Acórdão n.º 363/2002, de 17 de Setembro Declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória e geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição, das normas que consagram os privilégios imobiliários gerais do Estado e da segurança social, na interpretação segundo a qual tais privilégios prevaleceriam sobre a hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil Créditos dos trabalhadores • Artigo 333º do Código do Trabalho: - os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, devendo ser graduados antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos das contribuições devidas à segurança social Direito de retenção do promitente-adquirente artigo 755º, n.º 1, alínea f) • Ratio legis: norma de tutela do consumidor • deve ser interpretado restritivamente – só deve beneficiar da protecção quem se encontra numa posição de consumidor (parte mais débil) perante o construtor, promitente-vendedor num contrato-promessa sinalizado • Foi essa protecção a razão de ser das alterações ocorridas em 1980 e 1986 no regime do contrato-promessa • É à luz dessa ideia que a alínea f) do artigo 755º deve ser interpretada • Na nossa opinião, nas relações entre particulares (em que não há propriamente uma parte considerada mais débil), a prevalência conferida ao direito de retenção sobre a hipoteca não se justifica Obrigações hipotecárias Decreto-Lei n.º 59/2006 de 20 de Março Estas hipotecas de garantia de "créditos hipotecários" - constituídas com obediência aos requisitos estabelecidos no Diploma prevalecem sobre o direito de retenção e até sobre os privilégios imobiliários especiais • Acórdão STJ, de 11-01-2005 (Alves Velho) • Acórdão STJ, de 19-10.2010 (João Camilo) Venda executiva ou em processo de insolvência • Artigo 824º do Código Civil: caducidade dos direitos reais de garantia e caducidade de outros direitos reais Arrendamento • Caduca com a venda executiva (ou com a venda em insolvência)? • Arrendamento constituído anteriormente à hipoteca – não caduca • Arrendamento constituído posteriormente à hipoteca: caduca nos termos do artigo 824º do Código Civil Caducidade dos direitos de gozo • Deve considerar-se que, à luz do artigo 824º, n.º 2, caducam todos os direitos de gozo, sejam de natureza real, sejam de natureza pessoal » Arrendamento » Comodato » Direito do retentor (cujo crédito garantido se transmite para o produto da venda) » Quaisquer outros direitos pessoais de gozo Jurisprudência quanto à caducidade do arrendamento • Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2007 (Relator: Arnaldo Silva) I- Caduca com a venda em execução, nos termos os artigo 824.º,n.º 2 do Código Civil, o arrendamento celebrado pelo proprietário de fracção de imóvel anteriormente hipotecada, não relevando por conseguinte que a execução e penhora da fracção tenham ocorrido posteriormente à data do arrendamento, não se aplicando em tais casos o disposto no artigo 1057.º do Código Civil. II- A expressão “ direitos reais” contida no nº 2 do artigo 824.º do Código Civil abrange os contratos de arrendamento sujeitos a registo, bem como os não sujeitos a registo. • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 (Relator: Álvaro Rodrigues) Mesmo considerando que o arrendamento se reveste de natureza obrigacional, a verdade é que a locação é uma forma de proporcionar o gozo temporário de uma coisa, havendo notória semelhança funcional e sócio-económica com os direitos reais menores A ratio legis do artigo 824º, nº 2 é, sem dúvida, a tutela dos direitos dos credores titulares das garantias reais, registadas com anterioridade relativamente ao estabelecimento da relação locatícia. Daí que o preceito se aplique por analogia ao arrendamento que, assim, caduca, com a venda judicial