A Psicologia no Hospital geral
Marcia Stanzione Galliza
CRP: 05/19711
“Não é mais possível pensar num curso de Psicologia onde questões como
morte,saúde pública,hospitalização e outras temáticas, que em princípio eram
pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar,não tenham prioridade ou então não sejam
exigidas como necessárias para a formação deste profissional.”
( Valdemar Augusto Angerami-Camon)
Em que cenário este profissional se insere?
Séc XVIII... Hospital surge como medida terapêutica
“visita e observação sistemática e comparada dos hospitais” (Foucault, 1979a,
p.99), a partir daí aparece a idéia de que é destinado a curar os doentes
(estudar, descrever funcionalmente seu ambiente e pesquisar as relações
entre os fenômenos patológicos e espaciais).
Hospital na Idade Média
“Essencial para a vida urbana do Ocidente” era destinada à assistência aos pobres e
secundariamente à exclusão e separação dos doentes (“protegendo” os outros do
perigo de contágio).
Nessa época a figura central do hospital é o pobre e não o doente!
(onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos,
prostitutas, etc., é ainda, em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de
exclusão, assistência e transformação espiritual,
em que a função médica não aparece/ Foucault-Microfísica do Poder-1979)
Medicina dos Séc XVII e XVIII
Era profundamente individualista;
Experiência hospitalar excluída dos médicos;
Os médicos improvisados e os empíricos tinham uma formação e uma experiência
insuficientes e isso gerava muitos desastres.
“O público é vítima de uma multidão de indivíduos pouco instruídos que, por sua
autoridade, se erigem em mestres da arte, distribuem remédios ao acaso e
comprometem a existência de milhares de cidadãos”
(M. Foucault)
A medicina era uma prática não hospitalar, exercida sob moldes liberais e
individualizados e coerente com a concepção de mundo que predominava
na Idade Média - eminentemente religiosa - cujas causas das doenças eram
buscadas no sobrenatural estabelecendo, portanto, uma ação
predominantemente expectante.
(FOUCAULT-1985)
Hospital na idade média...
As pessoas que, por ele transitavam e
trabalhavam, não eram propriamente
pessoas capacitadas ou envolvidas com a
medicina. Muitas vezes estavam lá para
ajudar alguém a garantir sua salvação.
Tinham uma função de participar do
momento de transição da vida do doente,
estágio esse, entre a vida e a morte.
Até esse período, o médico atuava no
domicílio, numa ação expectante e não
intervencionista.
Século XVIII e início séc XIX
“Controle de uma sociedade começa no corpo,pois este é uma
realidade bio-política!”
A medicina torna-se coletiva, a partir do momento em que o
capitalismo
“socializou um primeiro objeto que foi o corpo
enquanto força de produção, força de trabalho”
Quem mantinha o controle?
E, para manter essa ordem, era necessário exercer o controle, a vigilância e o
registro contínuo sobre os indivíduos permitindo julgá-los, classificá-los,
medi-los e, por conseguinte,
utilizá-los ao máximo.
Este poder disciplinador foi então confiado ao médico!
Na medida em que o hospital passa a ser visto como um instrumento de cura
e ocorre toda uma distribuição do espaço hospitalar como instrumento
terapêutico, a figura do
médico ganha destaque sendo o principal responsável pela reorganização
hospitalar!
Medicalização = esquadrinhamento do espaço e dos corpos = poder
As primeiras transformações na direção de um hospital “médico” se dão na tentativa
de purificar o hospital de seus efeitos nocivos, suas desordens (tanto de
epidemias quanto econômicas e sociais). Nesse sentido, os hospitais marítimos e
militares tornam-se modelos, uma vez que as regulamentações tornaram-se mais
rigorosas no mercantilismo e também porque o preço dos homens tornou-se
cada vez mais elevado.
A origem do Hospital médico:
 Deslocamento da intervenção médica
(a figura do médico ganha destaque sendo o principal
responsável pela re-organização hospitalar).
 Disciplinarização do espaço hospitalar
( o paciente submete-se aos exames,
olhares,intervenções...corpos dóceis)
“Clínica aqui significa a organização do
hospital como lugar de formação e transmissão
de saber”
Dessa forma, torna-se fundamental a “prática da
observação no leito dos doentes ”
Porém tal observação no leito pressupõe dois lugares distintos...
De quem observa e de quem é observado!
Controle do ambiente
"A água, o ar, a alimentação, o regime geral, constituem o solo sobre o qual
se desenvolvem em um indivíduo as diferentes espécies de doenças.
De modo que a cura é, nessa perspectiva, dirigida para uma intervenção
médica que se endereça, não mais à doença propriamente dita, como na
medicina da crise, mas ao que a circunda: o ar, a água, a temperatura
ambiental, o regime, a alimentação, etc".
“Clínica aqui significa a organização do
hospital como lugar de formação e transmissão
de saber” (Foucault, 1979a, p.111).
Em que lugar fica(ria) então o doente?
Objeto?
Experimento?
Submisso?
Passivo?
O cenário novo (?) a partir da disciplinarização dos corpos e da
medicalização do espaço hospitalar:
Isolamento dos indivíduos, colocação em um leito, prescrição de
um regime específico – pronto! Chega-se a uma medicina individualizante e
consequentemente...
“este indivíduo emerge como objeto do saber e da prática médica” (Foucault,
1979)
“ O remédio mais usado em Medicina é o próprio médico,o qual, como os
demais medicamentos,precisa ser conhecido em sua posologia,reações
colaterais e toxidade!”
( M.Balint/Psicanalista Inglês)
A personalidade do médico é , sem dúvida , o que primeiro se “administra”
ao doente, dizia Balint!
 Grupos de auto-ajuda formado principalmente por um
pequeno número de médicos que estão interessados em
melhorar a relação interpessoal com os seus pacientes;
 É importante que tenha na coordenação um Psicólogo ou
Psiquiatra,igualmente interessados na transformação reflexiva
desta relação;
 As reuniões consistem em ouvir a história de um caso recente
atendido pelo médico,travando uma discussão do mesmo,
concentrando-se a mesma no relacionamento médico/paciente.
 No debate é prioridade localizar em cada participante, que
sentimentos o doente desperta neles próprios;
 A discussão num grupo Balint estimula os seus participantes a
examinar as suas abordagens individuais e as circunstâncias
existentes, e ajuda a explorar caminhos alternativos para dar
respostas melhoradas.
Grupos Balint
O Hospital hoje...
• Estrutura formal ( Instituído) = Normas,
diretrizes,procedimentos,regras,hierarquias.
• Estrutura informal( Instituinte) = práticas diversas,rede de
informações,capacidade de inovação.
“um sistema de normas e regras que produzem a
vida dos indivíduos, atravessando todos os níveis
dos agrupamentos humanos e fazendo parte de
sua estrutura. Uma vez que se entende que uma
Instituição é constituída pelos humanos em suas
práticas cotidianas...”
(Crystiane Merces Vasconcelos/ “ Uma análise institucional das práticas hospitalares”)
Então quais seriam as principais características de
um hospital hoje?
Que relação se estabelece com este corpo doente?
Domínio?
Cura?
Restabelecimento?
Poder?
O que o paciente espera do médico?
Atravessamentos
G.Baremblit:
“Diversas dimensões sociais voltadas para a reprodução da sociedade e resistência à
transformação pressuposta pela utopia social e seus princípios que se interpenetram pra
fundar conceitos, valores...”
Se pensarmos a nível institucional/Hospitalar...
Tudo que influencia as práticas ali dispostas e as relações que se estabelecem.
Análise Institucional propõe uma leitura reflexiva do ambiente que recebe este
profissional da saúde mental e...
Aponta para o papel desempenhado pelos Experts
(especialistas)
Indivíduo cuja formação oferece uma condição
privilegiada para falar sobre determinado assunto!
A sociedade propõe um lugar especial para
eles...à serviço de grupos, empresas, instituições
que podem pagar pelo seu trabalho!
“O coletivo tem perdido , alienado o seu saber...acerca da sua
própria vida.Acreditam que seu conhecimento é rudimentar e
criam um movimento de dependência destes experts.
Gregório Baremblit
A proposta do Psicólogo na instituição é exatamente se destituir deste lugar!É
convidar o paciente que está sendo escutado à se apropriar do seu discurso e responsabilizar-se por ele;é
dar espaço para construções subjetivas sobre a crise,do....
É estabelecido então uma relação vertical entre os profissionais de saúde, os pacientes e
seus familiares.
Através do estigma de doente, “deixa de ter significado próprio para significar a partir de
diagnósticos realizados sobre sua patologia.”
( Angerami-Camon)
E.Goffman...
“ Estigma é um sinal, um signo utilizado pela sociedade para discriminar os
indivíduos portadores de determinadas características”
O paciente Hospitalizado...
O processo de despessoalização/despersonalização decorre da
fragmentação ocorrida a partir de diagnósticos cada vez mais
específicos, uma série de procedimentos invasivos,que passam a ser
percebidos como uma certa desqualificação existencial..
Iatrogenia
• É uma alteração patológica provocada no paciente por diagnóstico ou tratamento de qualquer tipo.
• Um problema iatrogênico é provocado por procedimentos médicos ou através de exposição ao meio
hospitalar, inclusive o medo causado ao doente por comentários ou perguntas feitas pelos médicos que o
examinam.
Embora seja usada geralmente para se referir às consequencias de ações danosas dos médicos, pode
igualmente ser resultado das ações de outros profissionais não médicos, tais como psicólogos, terapeutas,
enfermeiros, dentistas, etc.
Está mais próxima de uma imperfeição de conhecimentos científicos, apontando tanto para a falibiidade do
profissional, quanto da própria Ciência.
IATROGENIA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM: DIALOGANDO COM O PERIGO NO
QUOTIDIANO PROFISSIONAL
Por: Adriana Ribeiro Martins Madalosso
“ Munida destas armas, a enfermagem dispõe de recursos para mais harmoniosamente enfrentar a
adversidade da iatrogenia do cuidado. Mas, ao mesmo tempo, elas não a afastam da
responsabilidade moral e ética que tem em relação aos seus fazeres e ao ser humano, seu
cliente.
Esta nova enfermagem tem que estar preparada para cuidar dos indivíduos deste novo tempo, que
não desejam mais serem submetidos simplesmente à cura, querem ser tratados como gente,
partilhar e interagir nos cuidados para alcançar um bem viver.
Não aceitam mais o tão perigoso fazer para produzir, que empobrece o viver
do ser humano, que não considera o preço e os sacrifícios que são impostos para serem
alcançados.”
“ Adoecer nesta sociedade é deixar de produzir e, portanto de ser;
é vergonhoso;logo deve ser ocultado e excluído,até porque dificulta que os outros,familiares
e amigos,também produzam!
O hospital perfaz este papel ,recuperando quando possível e devolvendo sempre,com ou
sem culpa, o doente á sua situação anterior.
Se um acidente de percurso acontece, administra o evento desmoralizador, deixando que o
mito da continuidade da produção transcorra silenciosamente e discretamente.”
(A.Pitta, “ Hospital,Dor e Morte como ofício”)
 Intervenções terapêuticas junto ao paciente e
seus familiares;
 Atenção aos analisadores/sintomas
institucionais;
 Análise das implicações e dos
atravessamentos ( estar atento ao seu lugar...)
 Se colocar disponível à equipe...( competência
técnica + capacidade para interagir)
“...a partir de sua presença, o analista seja demandado em situações diversas e,
ainda, possa intervir mesmo naquelas para as quais não há um pedido explícito. Assim, é
importante ressaltar que o analista no hospital geral é também convocado em situações
que não se referem ao atendimento clínico em sentido estrito.
A presença do analista permite que ele exerça sua escuta durante os plantões – escuta não
apenas dos pacientes e seus familiares, mas também dos diversos profissionais que lhe
endereçam uma demanda –, o que possibilita uma intervenção analítica em situações
pontuais, mas que são fundamentais para que a existência da subjetividade seja
autorizada.
É importante salientar que a escuta e intervenção
do analista junto aos diversos profissionais visam propiciar uma abertura, um espaço para a
subjetividade e não a construção de uma relação terapêutica com eles.”
(Simone Borges de Carvalho)
O Psicanalista e o Hospital:
“ seu discurso não oferece intenção curativa nem pretende consolar
o sujeito de sua condição humana...”
O que pode então?
“A coisa não está
nem na partida nem
na chegada; está é
na travessia.”
Guimarães Rosa
Um lugar específico que não é de um técnico ou especialista ...
1) Presença responsável.
2) Sustentar sua especificidade.
3) Abrir mão de seu narcisismo e se oferecer a uma demanda inespecífica
ou onde ainda não há demanda dirigida ao analista.
Para a psicanálise...
Estar internado, adoecido, à espera de uma intervenção cirúrgica,
padecendo de uma doença grave...
Destituiria o paciente/sujeito da cadeia significante:
“EU SOU...”
Então este mesmo sujeito se vê incapacitado pela angústia.
Atenção à contra-transferência
“ Afirmar e sustentar a dimensão de sujeito deste assujeitado(...)
então este é um paciente que angustia e portanto fácil de ser
abandonado(...)”
Discussão em sala:
Dinamizando a prática...
O sigilo no contexto hospitalar/o registro nos
prontuários;
O vínculo transferencial;
O desejo ...
Download

A Psicologia no Hospital geral