GARANTIAS Isabel Menéres Campos Professora Auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho [email protected] Plano da exposição • Garantia geral das obrigações – breve alusão • Garantias especiais Garantias especiais • Garantias pessoais: - fiança - garantia autónoma • Garantias reais: - consignação de rendimentos - penhor - hipoteca - privilégios creditórios - direito de retenção Há quem entenda que também a penhora e o arresto são garantias reais Função das garantias Assegurar o cumprimento de uma obrigação Artigo 601º garantia geral que representa todo o património do devedor (todos os bens susceptíveis de penhora) Garantia comum – todos os credores estão em pé de igualdade (artigo 604º) Meios conservatórios da garantia patrimonial • Declaração de nulidade – artigo 605º • Sub-rogação do credor ao devedor – artigo 606º • Impugnação pauliana – artigos 610º e segs. • Arresto – artigo 619º Princípio da igualdade dos credores • princípio da par conditio creditorum (igualdade dos credores – artigo 604º) Em caso de concurso ou concorrência de vários credores comuns ou quirografários, e não sendo o património do devedor suficiente para o pagamento das dívidas todas, procede-se ao rateio: os vários credores são pagos de acordo com a regra da proporcionalidade, através do património do devedor Derrogação do princípio da igualdade dos credores • Credores com garantia real • Credores com privilégio creditório Causas de preferência de determinados créditos: certos credores, em virtude da causa de preferência de que gozam, são pagos com prioridade em relação aos credores comuns Prestação de caução • Não possui natureza intrínseca própria, tendo sido durante muito tempo tratada apenas na lei processual civil • Hoje a sua regulamentação está também no Código Civil Fiança Garantia pessoal: vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com todo o seu património a satisfação do direito de crédito sobre o devedor Implica que um património adicional (o do fiador) responda cumulativamente com o património do devedor pelo pagamento da dívida O fiador obriga-se pessoalmente: a pessoa garante a dívida com todo o seu património • Regime: artigos 627º e segs. Fiança Caracterização Acessoriedade: a fiança é sempre acessória de um crédito, no sentido de que fica subordinada e acompanha a obrigação principal, cobre a obrigação principal tutelando o seu cumprimento; O fiador é, porém, um verdadeiro devedor, na medida em que garante pessoalmente a satisfação da obrigação Distingue-se do aval: o artigo 32º da LULL determina que o avalista responda da mesma forma que a pessoa por ele garantida; o avalista assume uma obrigação paralela à do devedor principal, não gozando do benefício da excussão prévia Fiança Caracterização Subsidiariedade - artigo 638º: o fiador goza do benefício da excussão prévia, isto é, ele só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se demonstrar que o património do devedor principal é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída Esta característica, sendo natural da fiança, pode ser afastada pela vontade das partes e não existe nas obrigações mercantis (em que, por força da lei, vigora o regime da solidariedade) Sempre que assim aconteça (renúncia ao benefício da excussão prévia), fiador e devedor respondem solidariamente pelo cumprimento da obrigação Consequências da acessoriedade 1. Conteúdo da fiança: artigo 631º - a fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas 2. Forma: artigo 628º - princípio da equiparação: exige-se a forma exigida para a dívida principal 3. Validade: artigo 632º, nº 1 – dependência da dívida principal – “nulo o contrato, nula a fiança” 4. Sub-rogação do fiador nos direitos do credor: artigo 644º - o fiador que paga a dívida subrogação nos direitos deste perante o afiançado Sub-rogação Trata-se de um dos casos de sub-rogação legal (resultante da lei), prevista no artigo 592º: o cumprimento pelo fiador não lhe confere um simples direito de regresso contra o devedor; pelo contrário, gera uma verdadeira transmissão do crédito para o devedor: Transferem-se todos os atributos e qualidades do direito de crédito, como juros, cláusulas penais, privilégios Transferem-se também eventuais direitos reais de garantia que guarneçam o crédito Natureza jurídica da fiança Controvertida a questão de saber se a fiança assume uma feição contratual ou tão-só negocial: saber se a fiança se constitui por contrato ou se pode sê-lo também por declaração unilateral O facto de a fiança poder ser constituída sem o consentimento do afiançado (artigo 628º, nº2), não lhe retira o carácter contratual, uma vez que, normalmente, depende de um acordo de vontades entre o credor e o fiador, sendo que esse acordo acordo pode ser meramente verbal Argumento: a taxatividade do artigo 457º Fiança omnibus ou fiança genérica É vulgar na prática bancária a celebração da designada fiança omnibus ou fiança de conteúdo indeterminado, em que o fiador garante o pagamento de todas as dívidas, sem especificação, que o devedor assuma ou venha a assumir perante o credor Vantagens: maior prontidão e flexibilidade do sistema de financiamento em geral, eficácia na concessão do crédito Argumento legal a favor da validade: artigo 628º, nº 2, a fiança pode garantir obrigações futuras Fiança omnibus • Argumentos a favor da invalidade: artigo 280º que estabelece a nulidade do negócio de conteúdo indeterminado • De acordo com o artigo 400º, a prestação pode ser indeterminada, desde seja determinável, isto é, desde que se possa saber, no momento da sua constituição, qual o seu teor, através de um critério que permita proceder à fixação do respectivo objecto Fiança omnibus • A determinabilidade do objecto da fiança consiste na possibilidade de o fiador prefigurar o tipo, o montante e a medida do seu compromisso, que corresponda à obrigação principal • O fiador deverá conhecer o critério de determinação e a orbiagação assumida deve ser previsível no momento da prestação da fiança • Na fiança genérica, tal conhecimento prévio é muitas vezes difícil, pelo que há quem entenda que tal negócio é nulo por indeterminabilidade do seu objecto • A jurisprudência considera que o negócio é válido desde que tenha sido estipulado um limite máximo da responsabilidade, um prazo de vigência da garantia e critérios de determinabilidade Jurisprudência relevante • Sobre a fiança omnibus Acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 23 de Janeiro de 2001 (relator TORRES PAULO) • Sobre a questão da sub-rogação Acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 2010 (Relator: FERREIRA DE ALMEIDA) Garantia autónoma ou garantia bancária Garantia autónoma Garantia pessoal: vínculo jurídico pelo qual um terceiro se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com todo o seu património a satisfação do direito de crédito sobre o devedor (tal como a fiança) Autonomia: o garante não pode recusar o pagamento do montante garantido, com base em eventuais vicissitudes relativas ao contrato estabelecido entre o beneficiário e o garantido (negócio base), nem pode invocar contra o beneficiário quaisquer meios de defesa da obrigação garantida; o garante responsabiliza-se pelo cumprimento de uma obrigação própria e não pelo cumprimento de uma dívida alheia (do garantido) Contrato atípico: não existe regulamentação legal específica, mas é geralmente admitida a coberto do princípio da liberdade contratual (artigo 405º) Negócio causal: tem a função de garantia Definição • Contrato pelo qual o banco, por mandato do seu cliente (o mandante), se obriga a pagar certa importância à outra parte (o beneficiário), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário Modalidades da garantia bancária • Garantia bancária autónoma • Garantia bancária autónoma à primeira solicitação (on first demand) Ambas as modalidades assentam na autonomia da obrigação do banco garante em relação ao contrato base, ou seja, na insusceptibilidade de este poder alegar a invalidade do contrato ou lançar mão dos meios de defesa que eventualmente assistam ao mandante nesse âmbito Distinguem-se pelo facto de no caso das garantias on first demand o banco estar obrigado a cumprir imediatamente após ser interpelado para o efeito, estando obrigado a pagar primeiro e discutir, se quiser, depois – opera de modo automático Qualificação • Negócio inominado e atípico: produto da autonomia da vontade das partes, não tem nomen iuris e o respectivo regime não se encontra regulado na lei • Negócio triangular: beneficiário, garante e mandante Negócio triangular Beneficiário Relação de atribuição Relação de execução Garante relação de cobertura Mandante Negócio triangular • Relação de cobertura: é titulada pela celebração de um contrato entre o mandante e o banco garante (mandato sem representação) • Relação de atribuição: negócio celebrado entre o mandante e o beneficiário • Relação de execução: assunção da obrigação por parte do garante perante o beneficiário, em que aquele se obriga a pagar determinado montante se preenchidos os pressupostos fixados no contrato Natureza jurídica da garantia autónoma Controvertida a questão de saber se a garantia autónoma assume uma feição contratual ou tão-só negocial: constitui-se por contrato ou por declaração unilateral A prestação de garantia bancária envolve sempre um encontro de vontades entre o banco garante e o beneficiário, embora sendo um negócio não sinalagmático, pois as prestações das partes não têm correspectividade Natureza causal: a função de garantia constitui a causa do negócio e está objectivada no respectivo contrato, mas isso não significa que seja acessória relativamente ao contrato- base, relativamente ao qual a garantia é autónoma A obrigação de o banco pagar é, nesse sentido, uma garantia com “vida própria”, mas que tem uma causa: a função de garantia Autonomia • Impede o garante de invocar contra o beneficiário as excepções relativas ao contrato celebrado entre o mandante e o garante, inclusivamente a invalidade formal ou insubsistência da garantia ou, por exemplo, a falta de constituição de outras garantias que o dador da ordem se obrigou a fornecer, o não pagamento de juros e comissões, a insolvência do dador da ordem • Não é necessário o acordo do dador da ordem para que ocorra a modificação do contrato de garantia • Proibe o dador da ordem de impedir o garante de prestar a soma acordada, ou seja, são irrelevantes as instruções do dador da ordem tendentes à execução ou não execução da garantia Absoluta vinculação das respectivas partes ao conteúdo da garantia Garantia bancária on first demand Automaticidade • Trata-se de uma promessa de pagamento à primeira interpelação: o garante, ao ser interpelado pelo credor (com ou sem justificação documental, conforme acordado), terá de pagar a quantia garantida, sem discussão, isto é, sem poder contestar o pagamento que é exigido • Esta garantia representa um acréscimo de segurança para o beneficiário, pois o banco tem de pagar sem discutir os pressupostos e fundamentos que legitimam o pedido de pagamento, designadamente sem poder discutir o incumprimento do devedor • A execução do contrato é automática • A única situação em que o banco se pode recusar é no caso de fraude manifesta ou abuso de direito por parte do beneficiário Jurisprudência relevante • Sobre a autonomia da garantia bancária com cláusula on first demand Acórdão da Relação de Lisboa, de 23 de Fevereiro de 2010 (relator: PIRES ROBALO) Bibliografia essencial sobre garantias Sobre as garantias em geral PEDRO ROMANO MARTINEZ e PEDRO FUZETA DA PONTE, Garantias de cumprimento, Coimbra, Almedina, ……. MENEZES CORDEIRO, JANUÁRIO GOMES, Bibliografia essencial sobre garantias Sobre a garantias autónoma MÓNICA JARDIM, A garantia Coimbra, Almedina, 2002 autónoma,