A morte de Inês de Castro
O EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO
Camões, como outros artistas que retrataram a morte
de Inês de Castro, prefere a imagem da espada
encravada no peito, sem dúvida, mais lírica, à do
degolamento:
Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que depois a fez rainha,
As espadas banhando e as brancas flores
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.
Tu, só tu puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano
Tuas aras banhar em sangue humano.
O lirismo dentro da obra épica
Os Lusíadas é uma obra de caráter épico onde o universo
masculino é o predominante. Assim, todo o episódio de Inês de
Castro entra em perfeito contraste com a restante obra. Neste episódio
a personagem central é feminina e o lirismo presente nos sonetos
camonianos é transposto para estas estâncias. Luís de Camões
consegue estabelecer com o leitor um contacto inquestionavelmente
emotivo. com os versos O desespero que Camões coloca nas falas de
Inês (inventadas por si) faz com que um universo de terror progrida e
“arraste” consigo o próprio leitor. Existem momentos em que o leitor
é levado a sentir compaixão e levado também a partilhar o sofrimento
das personagens da tragédia, a piedade perante tal destino trágico
instala-se dando assim origem à Catarse.
O velho do Restelo
—"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
— "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
O velho do Restelo
EPISÓDIO DO VELHO DO RESTELO
A cena mostra, logo de início urna massa aflita e desesperada com a
partida de seus filhos e esposos. As mulheres, chorando, representam
toda a multidão que ficava em terra firme vendo seus queridos partirem
para o desconhecido:
Em tão longo caminho e duvidoso,
Por perdidos as gentes nos julgavam;
As mulheres c’um choro piedoso,
Mães, esposas, irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo
Qual via dizendo: — “Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará penoso e amaro
Porque me deixas, mísera e mesquinha?
Porque de mi te vás, á filho caro,
A fazer funéreo enterramento
Onde sejas de peixes mantimento?
A fala do velho do Restelo pode ser interpretada como a
sobrevivência da mentalidade feudal, agrária, oposta ao
expansionismo e às navegações, que configuravam os interesses
da burguesia e da monarquia. É a expressão rigorosa do
conservadorismo. Certo é que Camões, mesmo numa epopéia que
se propõe a exaltar as Grandes Navegações, dá a palavra aos que
se opõem ao projeto expansionista. Portanto, O Velho do Restelo
representa a oposição passado x presente, antigo x novo. O Velho
chama de vaidoso aqueles que, por cobiça ou ânsia de glória, por
sua audácia ou coragem, se lançam às aventuras ultramarinas.
Simboliza a preocupação daqueles que antevêem um futuro
sombrio para a Pátria.
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
Gigante Adamastor
GIGANTE ADAMASTOR
O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca
repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaram aos
confins do mundo. Repare na ênfase que se dá ao fato de aquelas
águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante diz que
aquele mar que há tanto ele guarda nunca foi conhecido por outros.
E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar nos longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d’estranho ou próprio lenho:
Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
No plano histórico, simboliza a superação
pelos portugueses do medo do “Mar
Tenebroso”, das superstições medievais que
povoavam o Atlântico e o Índico de monstros
e abismos. Adamastor é uma visão, um
espectro, uma alucinação que existe só nas
crendices dos portugueses. É contra seus
próprios medos que os navegadores triunfam.
Vasco da Gama quando chegou às Índias.
Ilha dos amores
ILHA DOS AMORES
Vênus imagina um meio de recompensá-los por todas as dificuldades
enfrentadas com um prêmio. Auxiliada por Cupido prepara-lhes uma
ilha maravilhosa onde as mais belas ninfas esperarão por eles. Camões
mostra o local como um verdadeiro paraíso:
Nesta frescura tal desembarcaram
Já das naus os segundos argonautas,
Onde pela floresta se deixavam
Andar as belas deusas, como incautas
Algüas doces cítaras tocavam,
Algüas harpas e sonoras flautas;
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam
Seguir os animais que não seguiam.
(...)
Duma os cabelos de ouro o vento leva
Correndo, e de outra as flaldas delicadas.
Acende-se o desejo, que se cava
Nas alvas carnes, súbito mostradas.
Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, co pau vermelho nota;
De Santa Cruz o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota.
Ao longo desta costa, que tereis,
Irá buscando a parte mais remota
O Magalhães, no feito, com verdade
Português, porém não na lealdade.
Todo o episódio tem um carácter simbólico.
Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia
pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para "fazer versos
deleitosos".
Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a
quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu
esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à
tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se
divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses,
adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio
máximo a que pode aspirar o ser humano.
De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os
portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da
palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor
desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento
total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as
dificuldades, todos os sacrifícios.
Voltando aos comentários que se podem tecer a respeito do epílogo da
obra, é perceptível certo tom melancólico nas palavras do poeta que,
prevendo o fim dos bons tempos de Portugal, aproveita para fazer sua
“voz rouca” ser ouvida novamente ao criticar a corte que cercava
D.Sebastião e a perda dos bons costumes da sociedade, a corrupção que
por sua vez levaria o país ao “caos”, como se pode notar na estrofe 145
“No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com quem mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Dua austera, apagada e vil tristeza.”.
De mais, há que se dizer que Camões
estava correto em sua “profecia”, pois após
8 anos da publicação de “Os Lusíadas”,
data que coincide com a morte do poeta, o
rei D.Sebastião desaparece na Batalha de
Alcácer-Quibir, o que tem como
consequência o declive de Portugal e
submissão ao domínio espanhol.
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CLASSICISMO