Psicopatologia e desenvolvimento Rossano Cabral Lima Psiquiatra infanto-juvenil; Doutor em Saúde Coletiva (IMS/UERJ); Professor Visitante IPUB/UFRJ Conceito de desenvolvimento Desenvolvimento: noção oriunda da biologia e que está contaminada pelas teorias préformacionistas do século XVIII Desenvolvimento: o desdobrar ou desenrolar de algo que já está presente e em certo sentido préformado. Psicologia e desenvolvimento Piaget (1896-1980) Henri Wallon (18791962) Vygotsky (1896-1934) Psicologia e desenvolvimento: Teoria da mente Simon Baron-Cohen, Uta Frith e Alan Leslie “Does the autistic children have a theory of mind?” (1985) Desenvolvimento do módulo da teoria da mente ou da metarrepresentação. Base cognitiva para a compreensão das situações sociais Psicologia e desenvolvimento: Teoria da mente ID (Intentionality Detector): 0-9 m EDD (Eye-Direction Detection): 0-9m SAM (Shared Attention Mechanism): 9-18 m ToMM: 18-48 m Autismo: prejuízos no SAM e TOMM Fenomenologia e desenvolvimento Shaun Gallagher: Intersubjetividade primária: relações diádicas Intersubjetividade secundária: relações triádicas Fenomenologia e desenvolvimento Intersubjetividade primária: envolveria capacidades sensório-motoras e de matiz emocional que habilitam a criança a perceber as intenções alheias. Fenomenologia e desenvolvimento Intersubjetividade primária: Imitação: mostra que o senso primário do outro já estaria disponível de modo não conceitual desde os primeiros meses de vida. A imitação depende da distinção entre self e não self e do senso perceptivo do próprio corpo, e implica o reconhecimento de que o outro é do mesmo tipo que eu. Fenomenologia e desenvolvimento Intersubjetividade secundária: Começa a se instalar em torno de um ano de idade O objeto ou evento passa a ser o foco compartilhado entre dois agentes, permitindo que cada um deles perceba sinais da intenção, emoção ou desejos do outro, além do significado do evento ou utilidade do objeto. Fenomenologia e desenvolvimento Juntos, os fenômenos abarcados nas intersubjetividades primária e secundária possibilitariam as conquistas mentalistas conceituais posteriores e continuam a guiar as relações sociais. Fenomenologia e desenvolvimento “Teoria interativa” do autismo: Problemas sensório-motores surgiriam primeiro, e apenas depois apareceriam os prejuízos nas funções cognitivas específicas. Presença de distúrbios do movimento em vídeos de crianças mais tarde diagnosticadas como autistas, desde os primeiros seis meses de vida, envolvendo o sentar, engatinhar e andar. Psicanálise e desenvolvimento Winnicott (18961971) Erik Erikson (19021994) René Spitz (18871974) Psicanálise e desenvolvimento: Margareth Mahler Mahler (1897-1985) Fase autística normal: 2 primeiros meses de vida (indistinção entre mundo interno e externo e entre si e os objetos do ambiente) Fase simbiótica: restante do 1º ano de vida (diferenciação egóica rudimentar) Fase de separaçãoindividuação: iniciada na 2ª metade do 1º ano de vida, atinge seu ápice na 2º ano. Psicanálise e desenvolvimento: Teoria do Apego John Bowlby (1907-1990) Estilo seguro de apego Estilo ambivalente-ansioso Estilo evitativo As crianças com história de apego inseguro antes dos dois anos de idade estão propensas a desenvolver baixa sociabilidade e prejuízo na relação com os pares, sintomas de raiva e prejuízo do comportamento de autocontrole sobretudo em situações de frustração, e tornam-se propensas a desenvolverem psicopatologias. Psicopatologia do desenvolvimento Michael Rutter Estudo das origens e da evolução dos padrões individuais de problemas comportamentais e emocionais Objetivo de compreender os processos subjacentes às rupturas de continuidade no desenvolvimento Psicopatologia do desenvolvimento Desenvolvimento entendido como um processo ativo e dinâmico que envolve o processamento (cognitivo e afetivo) e a adição de sentido às experiências durante todo o curso da vida do indivíduo Organismo experiência Crítica às grandes escolas da psicologia do desenvolvimento como sendo abrangentes demais e tendo pouca base empírica. Psicopatologia do desenvolvimento 1- Processos causais As influências genéticas são probabilísticas e não determinísticas. Fatores genéticos e ambientais têm aproximadamente a mesma importância. Valorizar as interações gene-ambiente, mas também as interações pessoa-ambiente que não são mediadas geneticamente. Necessidade de entender como operam os fatores de risco e de proteção. Um único fator de risco pode levar a resultados diversos e uma psicopatologia específica pode resultar de caminhos e mecanismos variados. Psicopatologia do desenvolvimento 2-O conceito de desenvolvimento Desenvolvimento envolve reorganização e transformação progressiva do comportamento, mas também algum grau de continuidade e coerência. O desenvolvimento (p.ex.: poda neuronal) envolve também variações aleatórias, que não são determinadas genética ou ambientalmente. Psicopatologia do desenvolvimento 3 – Continuidades e descontinuidades entre normalidade e psicopatologia Dimensões e categorias em psicopatologia Ex.: Retardo mental envolve tanto continuidades quanto descontinuidades (duas populações) Ex.: Variações normais na aquisição da linguagem e atraso grave na linguagem: mais descontinuidades que continuidades. Psicopatologia do desenvolvimento 4- Comorbidades: Artefato da classificação? Os dois quadros compartilham dos mesmos fatores causais ou de risco? Uma psicopatologia leva à outra? A armadilha nosológica. Psicopatologia do desenvolvimento 5- Diferenças de gênero: Na infância, maior prevalência de psicopatologia entre meninos; após a puberdade, aumenta a prevalência entre meninas (transtornos alimentares e afetivos). Transtornos internalizantes mais comuns em meninas; transtornos externalizantes e do desenvolvimento mais comuns em meninas. Psicopatologia do desenvolvimento 6 - Continuidade heterotípica e homotípica: Ex.: transtornos de conduta Nos homens, há continuidade homotípica (mesmo padrão de sintomas e problemas): agressividade e violência, personalidade anti-social, envolvimento com álcool, drogas e crime Nas mulheres, há continuidade heterotípica (mudança no padrão): variados transtornos emocionais e de personalidade, menos agressividade e criminalidade. Psicopatologia do desenvolvimento 6 - Continuidade heterotípica e homotípica: Esquizofrenia: seus precursores na infância representam fatores de risco inespecíficos ou apontam para uma susceptibilidade específica? Crianças adotadas por famílias britânicas, oriundas de orfanatos romenos, onde sofreram graves privações materiais, nutricionais e relacionais: 6 % apresentavam marcantes características quasi-autísticas, além de outras 6 % com traços autistas isolados. Além disso, parte das crianças apresentavam outras psicopatologias menos graves, especialmente um padrão de apego indiscriminado. Psicopatologia do desenvolvimento