CAMINHOS EPISTEMOLÓGICOS NA
ELUCIDAÇÃO DA LOUCURA:
Contribuições da Psicologia Existencialista
Profa. Dra. Daniela Ribeiro Schneider
Depto de Psicologia / UFSC
Núcleo de Pesquisas em Psicologia Clínica
www.psiclin.ufsc.br
[email protected]
Fenômeno Psicopatológico:
variáveis psicofísicas e
determinantes sócio-históricas
Noção de fenômeno
variáveis e determinantes
Fenômeno Singular / Universal
Fenômeno Catarina:
variáveis e determinantes
Exemplo de acesso
emocional psicopatológico
“Domingo fui com meu irmão para a casa da mãe para almoçarmos todos juntos.
Quando cheguei lá a atmosfera já estava com nuvens negras. Na hora que entrei em
casa a minha irmã não me cumprimentou, saiu do ambiente em que eu estava...
aquilo foi me incomodando, fui ficando irritado. Ela insinuou que alguém tinha feito
praga para ela... entendi como indireta para mim. Disse: eu só quero seu bem minha
irmã e ela respondeu que não queria nem que eu a chamasse de irmã. Aquilo ali me
afetou muito, fui ficando tenso. Quando sentei na mesa para almoçar fiz questão de
sentar na frente dela, só para ver a sua reação. Ela levantou-se e foi ver TV. Fui
ficando angustiado, com um aperto no peito, fiquei muito tenso (dentes trincaram,
enrijecimento dos ombros e braços). Foi me dando uma ira, nem conseguia engolir a
comida direito. Levantei e fui para o quarto escutar música. Estava lá, mas não
conseguia me concentrar em nada, só pensava na atitude da irmã. Fui ficando cada
vez mais irado, a dor no peito foi aumentando, a tensão estava muito forte, até que
não agüentei mais, perdi o controle e explodi, joguei meu rádio no chão, o pessoal da
casa escutou o barulho; passei pela cozinha onde estava meu mini-game, joguei
também no chão e o espatifei! Todos ficaram assustados comigo. Eu tinha que
descontar minha ira em alguma coisa, não estava mais agüentando. Desci o morro,
fui andar na beira do mar, olhando a natureza e me acalmei um pouco. Depois me
arrependi do que fiz, pois parecia mesmo um louco, como eles achavam que eu era.”
O Fenômeno Psicopatológico

É sempre psicofísico, portanto composto por:
a) aspectos psicológicos e
b) aspectos físicos, fisiológicos, neuroquímicos,
enfim, orgânicos, que são suas ...
... variáveis constitutivas.
Sendo que o psicológico é a variável fundamental
(olho quente), que possibilita a sua definição.

As suas determinantes (variáveis externas), como de
qualquer fenômeno, serão sempre de um fenômeno
contíguo, no caso são de ordem sócio-histórica.
Modelo Empírico na Psicopatologia


Baseado na experiência clínica:
- no estudo de casos clínicos;
- no acúmulo de fatos e sintomas;
- em análises estatísticas;
Manuais como o DSMIV - CID 10:
 resumem-se à descrição de sinais e sintomas;
 recusam-se a uma discussão etiológica;
 têm descompromisso teórico evidente;
 têm importante função administrativa (unificar
critérios estatísticos, comunicação entre os
clínicos, registro estatístico)
(Pessoti - Os Nomes da Loucura)
Exemplo – psiquiatria ou psicoterapia baseada em
evidências
Estado da Arte da
Psicopatologia na atualidade
- Reduzida ao modelo empírico;
Dividida entre:
perspectiva organicista X perspectiva psicodinâmica
•Perspectiva na gênese:
Esquirol, Kraeplin,
• Fundo patológico de
base: hereditário ou
congênito;
Atual: - neurociência,
- psicofármacos.
• Perspectiva na gênese:
Charcot, Freud....
• Fundo patológico de
base: motivação
inconsciente,
determinismo psíquico,
mental
Atual: - psicanálise e
várias outras psicologias
Estado da Arte da
Psicopatologia na atualidade
- Reduzida ao modelo empírico;
Dividida entre:
perspectiva organicista X perspectiva psicodinâmica
Modelo Científico em
Psicopatologia
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
Vai além do primeiro passo empírico da descrição
do fenômeno;
Objetivo – chegar à definição das condições de
possibilidade dos fenômenos (determinantes);
Psicopatologia como fenômeno = conjunto de
ocorrências articuladas, composto por variáveis
(internas ao fenômeno) e determinantes (externas
ao fenômeno) ;
Fenômeno como singular (especificidade –
individualidade) / universal (regularidade –
generalidade);
Quais são as determinantes
da Loucura???

Sócio-histórico

Antropológico \ Sociológico
 Filme:
Shine – história real – bom
 Filme: Mente Brilhante – hst real – ruim
Discussão:
Fatores de Sucesso em Psicoterapia
•CM = Motivação do cliente
•TE = Experiência do terapeuta
8
•CA = Auto-estima do paciente
6
•TP = Relação terapêutica
4
•TP = Personalidade do
terapeuta
2
•CA = Rede de apoio do cliente
0
Sucesso
-2
•CAC = Auto-estima do cliente
-4
•DT = Duração do tratamento
-6
•CQI = Inteligência do cliente
-8
•TOT = Orientação teórica do
terapeuta
CM
TE
CA
TP CAS Cac
DT
CQI TOT
Maroney, 1993
Caminhos da
sociogênese da loucura...
A “Teoria da Sedução”
de Freud
A construção da “Teoria da
Sedução” de Freud

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

Na passagem de Freud por Paris (1885), ele teve aulas no
necrotério, com Brouardel, aluno de Tardieu. Literatura de
medicina legal sobre abusos de crianças, que Freud tinha em
sua biblioteca (Ex. “Estudo médico-legal sobre os atentados
ao costumes”);
Entre 1895 e 1896 Freud, ao ouvir seus pacientes, ficara
sabendo que algo terrível e violento marcara seu passado.
As primeiras investigações do psicanalista sobre a etiologia
da histeria – lhe garantiam que na gênese das patologias haviam casos de violência e abuso sexual realizados pelos
pais ou pessoas próximas à criança;
Apresentação da tese, em 1896, para a Sociedade de
Psiquiatria e Neurologia de Viena - trabalho intitulado
“Etiologia da Histeria”
Processo de exclusão de Freud do meio médico de Viena;
A Etiologia da Histeria - Freud
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

“As conclusões a que cheguei, devo pedir-lhes para não
considerá-las fruto de especulação ociosa. Baseiam-se em
laborioso exame individual de pacientes, que em alguns
casos acarretou cem ou mais horas de trabalho” (Freud,
1896).
“Apresento a tese de que na base de todo caso de histeria há
uma ou mais ocorrências de experiência sexual prematura,
ocorrências que pertencem aos primeiros anos da infância,
mas que podem ser reproduzidas pelo trabalho da
psicanálise. Creio que essa é uma importante descoberta, a
descoberta caput nili na neuropatologia”;
“Minha análise demonstrou que um conjunto de sintomas
histéricos comuns derivava das mesmas experiências
infantis. A idéia de tais cenas sexuais infantis é muito
repelente aos sentimentos de um indivíduo sexualmente
normal, pois elas incluem todos os abusos conhecidos pelas
pessoas debochadas e impotentes”.
A Etiologia da Histeria - Freud



“Todas as singulares condições nas quais o inadequado par
conduz suas relações amorosas - por um lado, o adulto que não
pode escapar à sua parte na mútua dependência (...), por outro
lado, a criança que em seu desamparo, está à mercê da vontade
arbitrária, que prematuramente é despertada para todo tipo de
sensibilidade e exposta a toda sorte de desapontamento - todas
essas incongruências ficam impressas no desenvolvimento ulterior
do indivíduo.(...) As conseqüências psíquicas dessas relações
infantis são extraordinariamente abrangentes”. (Freud, 1896).
“A partir disso é preciso concluir que o caráter das cenas infantis se experimentadas com prazer ou apenas passivamente - tem
influência determinante na escolha da neurose posterior” (Ibid).
“Assim, tal método inspira a esperança de uma nova e melhor
compreensão de todos os distúrbios psíquicos funcionais. Não
posso acreditar que a psiquiatria se negue por mais tempo a
utilizar esse novo caminho de acesso ao conhecimento” (Ibid).
O Abandono da Teoria da
Sedução de Freud -
conseqüências p/ psicopatologia


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O abandono da teoria da sedução pela adoção da mentira histérica
(1905). A sintomatologia histérica tornou-se fruto de fantasias
inconscientes das pacientes – base da metapsicologia psicanalítica o que era uma ocorrência sócio-histórica torna-se um fato
individual, um processo mental.
“Freud está dizendo que não importa se a sedução realmente
aconteceu ou foi apenas fantasia. O que importa são os efeitos
psicológicos, e esses não diferem seja o acontecimento real ou
imaginado. Mas na realidade há uma diferença essencial entre
os efeitos de um ato e de uma imaginação!” (Masson,1984: 125)
“Ao desviar a atenção do mundo real de tristeza, infelicidade e
crueldade para o palco interno no qual os atores representam
dramas inventados para um público invisível, Freud começou a
seguir um rumo que levava para longe do mundo real e que, assim
me parece, está na raiz de muitas das dificuldades atuais da
psicanálise e da psiquiatria do mundo inteiro!” (Masson, 1984: 135)
A Psicopatologia
Fenomenológica
Psicopatologia Fenomenológica:
Jaspers

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
Jaspers no seu Psicopatologia Geral (1913) irá delinear uma
nova perspectiva para a psicopatologia, ao romper com sua lógica
analítica, embasada na noção de “causalidade”, predominante no
modelo neurofisiológico e organicista da psiquiatria de então,
propondo novos parâmetros para essa disciplina, subordinados à
noção de “compreensão” e sua lógica sintética, sustentados na
Fenomenologia de Husserl.
Argumenta que a questão psicopatológica implica o
desenvolvimento da personalidade do sujeito, horizonte em que
ela deve ser compreendida. Dessa forma, a doença realiza-se no
núcleo da existência (Ibid.: 849). Assim, é preciso compreender
“o homem todo em sua enfermidade”, ou seja, a doença enquanto
uma dimensão da vida deste homem.
Não se pode, assim, reduzir o patológico a uma “entidade
mórbida” - a uma perspectiva organicista ou a um problema
individual!
NORMAL
PATOLÓGICO
Psicopatologia Fenomenológica:
Jaspers
• O sujeito é visto enquanto ser-no-mundo e, portanto,
compreendido a partir de seu ambiente físico,
material, social, dando ênfase para a biografia
(constituição histórica destas relações.

Não se pode, assim, reduzir o patológico a uma
“entidade mórbida” - a uma perspectiva organicista ou
a um problema individual!
 NORMAL
PATOLÓGICO
Psicopatologia Fenomenológica:
Van Den Berg

Van Den Berg em o Paciente Psiquiátrico (1955) - o paciente e
sua loucura têm de ser compreendido em sua rede de relações:
com o mundo, com o corpo, com os outros, com o tempo;

“O que vem à luz na nova psicopatologia, não pode se restringir
ao resumo do que o paciente observa introspectivamente “em si
mesmo”, mas consiste na descrição da fisionomia patológica
das coisas. Ou seja, na descrição da qualidade das coisas, que também para o paciente - sejam mais reais e convicentes” (p. 46).

“Alienação, isolamento, solidão e tudo o que se passa nessa triste
seqüência, tudo isto nunca existe em si e por si, mas se mostra
na realidade do ambiente, dos objetos, das relações humanas e
nas realidades do corpo e do tempo. Tudo isto está
relacionado”(108).
Referências Bibliográficas
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
BERTOLINO, Pedro. Os processos da Ciência. Obtido no site:
www.nuca.org.br - em 22/10/04
BERTOLINO, Pedro et al. (1998). As Emoções. Florianópolis: Nuca
Ed.Independentes (Cadernos de Formação; 2).
American Psychiatric Association. DSMIV. Porto Alegre: ArtMed, 2002.
FREUD, S. A Etiologia da Histeria (1896). In: Masson, 1984.
JASPERS, K. (1913 / 1979) Psicopatologia Geral: psicologia
compreensiva, explicativa e fenomenologia. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Atheneu.
MASSON, Jeffrey. Atentado à Verdade: a supressão da teoria da
sedução por Freud. Rio de Janeiro: José Olympo, 1984.
PESSOTI, Isaias. Os Nomes da Loucura. São Paulo: Editora 34, 1999.
VAN DEN BERG, J. , (1981). O Paciente Psiquiátrico: esboço de
psicopatologia fenomenológica. São Paulo: Mestre Jou.
World Health Organization. CID-10. Porto Alegre: ArtMed, 1993.
Obrigado!
Profª Drª Daniela R. Schneider
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Epistemologia e Loucura 2 - PsiClin