A clínica da urgência no hospital Breve história da doença Era clássica Era medieval Era moderna O cidadão era tratado nas clínicas ou templos. “Não necessitam de médico os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos; Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao arrependimento.” Lucas 5:31-32 O advento da ciência moderna torna a natureza de uma doença um mecanismo observável. Noções de assepsia e higiene tornam a medicina muitas vezes eficaz na erradicação de uma doença. O doente era visto como alguém em desarmonia com o cosmos e por isso muitas vezes era exilado da polis. Havia o senso de pagamento e punição pelo pecado. A doença fazia parte de um plano de condenação dos desuses. O doente passa a ter esperança da vida eterna. O hospital torna-se um morredouro, onde a preocupação com a salvação da alma é mais importante do que com o tratamento da doença. O hospital torna-se o lugar da cura da doença. Deus e a salvação da alma são deixados em segundo plano. O homem e sua técnica podem curar. Era contemporânea A medicina e o hospital deixam de se interessar pela doença e pelo sofrimento humano e criam o ideal da saúde. A saúde torna-se um produto do capitalismo altamente desejado e valorizado. A OMS define saúde então como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças. A entrada da psicanálise na instituição e seu discurso regulador Análoga a invenção da psicanálise realizada por Freud é a forma com que a psicanálise se insere no hospital. A medida em que o ser falante denuncia os limites da ciência em sua capacidade de assimilar e compreender o real na sua experiência com o corpo, a saúde plena fabricada pelo capitalismo torna-se um produto cada vez mais inalcançável. Da mesma forma com que as histéricas denunciavam e desafiavam as leis da ciência anatômica demandando serem escutadas, os transtornos e síndromes descritas nos DSMs evidenciam a impotência da ciência médica em tratar e compreender o trauma do encontro do corpo com a linguagem. Entre a normalidade e a patologia não é possível um reducionismo racional absoluto, há de haver sempre um lugar reservado ao impossível. A psicanálise entra, portanto, nos paradoxos e nas impossibilidades presentes no caminho entre a normalidade e a patologia. Normalidade Patologia O psicanalista encontra lugar no hospital na medida em que, por um lado, responde as regras institucionais, e ao mesmo tempo, esvazia-se de seus ideais. A clínica da Urgência é bem vinda em um hospital porque os profissionais da saúde ali presentes sabem mais do ninguém que as patologias com as quais lidam cotidianamente estão sempre escapando o saber médico. Neste ponto de interrogação, entra a clínica da Urgência como dispositivo psicanalítico que visa escutar os modos de gozo que regulam aquela patologia. Cada patologia é marcada por algo próprio do sujeito, algo que não deve ser diluído no discurso generalista da medicina. O culto a normalidade e ao bemestar pleno “Nada é mais próxima da patologia do que o culto a normalidade levado ao extremo.” (2000, p. 123) A crítica que fazemos a ciência que regula a prática médica nos hospitais de hoje diz respeito tão somente a essa ambição iludida de promover o normal, de restituir ao homem, de certa forma, aquilo que lhe falta. Mas não é quando a falta a falta que percebemos a instauração da patologia? Quando o médico rotula o paciente dizendo-lhe o que ele tem, vemos a nítida intenção de tentar fazer com o que o sujeito tenha alguma coisa para que nada lhe falte. A saúde pública responde a um ideal que impõe a sua prática uma ordem. A ordem é sempre promover o bem estar, uma vez que o tratamento do sofrimento é calcado no discurso científico. As psicoterapias ancoradas no saber médico que consideram o sofrimento um transtorno a ser extinto, ignoram o fato de que tal sofrimento é na verdade a solução encontrada pelo sujeito de sofrer menos. Segundo Miller (apud CORONEL), o conceito de sujeito em psicanálise não permite pensá-lo como algo que pode ter harmonia com o ambiente e com a natureza. O mal estar é inerente ao sujeito. A divisão e o sofrimento que este abarca são características fundamentais do sujeito da psicanálise. O Outro não existe e a clínica contemporânea Na época de Freud o sujeito encontrava no Outro uma articulação mais eficiente para dar conta do pulsional. Pelo menos, dava-se maior crédito, ou seja, acreditava-se mais na existência do Outro, o que permitia enlaçamentos sociais estabelecidos a partir do Nome-do-Pai. Freud levava os analisandos a dimensão do gozo, da repetição a fim de que o sujeito reinventasse uma outra maneira menos prejudicial de tratar o real. Numa época onde todo valor é posto em cheque e tudo é relativo; o Outro deixa de existir. Consequentemente, sua função reguladora e articuladora do gozo a partir do Nome-do-pai também passa a falhar. O que passa a ter crédito são as experiências no real que cada vez mais convocam o sujeito a se despojar de tal condição para entrar em um esquema desenfreado do gozar. Na clínica atual o sujeito simplesmente não tem recursos discursivos para tratar o real que lhe acomete. O sujeito é sua experiência, ou seja, o sujeito é o gozo e no lugar do Ideal do eu passa-se a buscar um Ideal do gozo. Não há mais tratamento suficientemente ilusório para dar conta do real, por isso a pessoa muitas vezes chega a clínica na condição de objeto desse gozo. A aposta é que de algum modo ainda possa ser devolvida a condição de sujeito desejante. Como o psicanalista dentro de um hospital irá operar frente ao discurso científico e sua ordem de cura? Até que ponto o psicanalista está autorizado a apostar na escuta e no tratamento pela fala? A urgência no pronto-socorro Resoluções das situações de urgência a partir de respostas automatizadas e padronizadas: Triagem e classificação das urgências Observação Recolhimento de informações sobre o mal-estar Intervenção clínica Exame médico Ministração medicamentosa Cirurgia Encaminhamento Internação no próprio hospital Equipe de psicologia Alta Urgência para medicina Urgência para psicanálise Corpo como protagonista Corpo como cenário Tempo cronológico Tempo lógico Demanda de retorno a normalidade Impossibilidade da normalidade Encontro com a morte Urgência subjetiva Corpo atravessado pela linguagem Sintomas como formação do inconsciente. Imperativo de esquiva da morte Urgência objetiva Corpo biológico Sintomas a serem extirpados Os discursos em Lacan Os quatro modos de apresentação e resoluções de urgência 1. 2. Os pacientes que “não tem nada” a. Alterações físicas ou fisiológicas que não apresentam quaisquer causa orgânica aparente. b. Encaminhamento a equipe de psicologia (especialistas no nada) Os pacientes que tem algo além do físico a. 3. Episódios de autoagressão a. 4. Presença de uma sintomatologia orgânica comprovada mas que pode ter uma origem psíquica. Após a intervenção médica e a recuperação física a equipe de psicologia entra em ação Morte de pacientes 1. Seguido a morte de um paciente a equipe de psicologia acolhe e dá a noticia aos familiares.