Profª. Valéria Lima O romance apresenta no próprio título uma contradição gritante, afinal, o verbo "amar" é transitivo direto e não intransitivo. Também recebe uma curiosa classificação: é apresentado na capa como Idílio. Idílio implica numa forma singela de amor em que não pairam dúvidas quanto à reciprocidade entre dois sujeitos. A OBRA Amar, Verbo Intransitivo foi publicado em 1927. Mário de Andrade utiliza uma linguagem na obra provavelmente considerada diferente para a época, se afastando do português castiço ao imitar (às vezes de forma eficiente, às vezes não) o padrão coloquial brasileiro. É como se o seu texto escrito imitasse a maneira de falar do nosso povo. Outro aspecto importante em relação a obra: o constante emprego das digressões metalinguísticas, outra parte sociológicas estética Machadiana. A obra apresenta elementos formais que a colocam à frente de seu tempo, caracterizando-a, portanto, como moderna. Dentro do aspecto sociológico, Mario de Andrade faz críticas aos valores brasileiros e ao mesmo tempo elogia e desmerece o estrangeiro. O autor mostra sua preferência pelas teorias freudianas ao relatar sua história. ASPECTOS HISTÓRICOS Na Europa, o período denominado entreguerras caracterizou-se por uma profunda crise econômica, social e moral que atingiu os países capitalistas na década de 20. Na Alemanha, particularmente, a situação era pior: havia um clima propício, como nos demais países que perderam a guerra, ao nascimento de um violento nacionalismo(ascensão do nazismo). No Brasil, apesar da guerra, o clima era outro: havia um relativo otimismo em relação ao futuro. Havia a superação do atraso de um país agrário num estado mesmo de euforia pelo dinheiro proveniente da plantação e comércio do café e vislumbrava-se a possibilidade de unir esta riqueza à nova riqueza industrial. FOCO A NARRATIVO narrativa é feita na terceira pessoa, por um narrador que não faz parte do romance. Um narrador tradicional - onisciente e onipresente. O autor se coloca dentro do livro para fazer suas numerosas observações marginais, comentando, criticando e expondo suas ideias, característica do romance tradicional. E esses comentários são feitos na primeira pessoa. LINGUAGEM A narrativa é apresentada sem divisões de capítulos. Utiliza o discurso direto, nos diálogos, mas em algumas vezes, usa também o discurso indireto e o discurso indireto livre. A obra apresenta uma linha linear: começo, meio e fim. Apresenta uma linguagem cheia de elipses, obrigando o leitor a ligar e complementar os pensamentos do autor. O abandono das pontuações quando as frases se amontoam. PERSONAGENS Felisberto Sousa Costa - pai de Carlos – doutor. É o centro, não afetivo, mas administrativo da casa em que mantém, mais ou menos, o regime patriarcalista. D. Laura - mãe de Carlos, esposa de Felisberto. Obediente ao marido. É uma senhora bem composta, acomodada, burguesa. Uma “senhora da sociedade” e que mantém todas as aparências de seriedade religiosa e familiar. Concorda com os argumentos tão convincentes... do marido, na educação do único filhohomem. Carlos Alberto - filho de Felisberto e D. Laura, com idade entre 15 e 16 anos(queridinho da família), porque único) o principal herdeiro do nome, da fortuna e das realizações paternas. Centraliza a narrativa, é personagem do pequeno drama amoroso do livro, ao lado da governanta alemã, Elza. Elza - Fräulein (= senhorita), governanta alemã. Tão importante que ela dava nome ao romance. Cuida também da educação ou instrução das meninas: principalmente para ensinar alemão e piano. São três meninas que, apenas, completam a família burguesa e que brincam de casinha. Maria Luísa - irmã de Carlos, tem 12 anos. Ela vai ser o centro de uma narrativa dentro do romance: a sua doença e a viagem ao Rio de Janeiro, para um clima mais saudável em oposição ao frio paulistano. Laurita - irmã de Carlos, tem 7 anos. Aldina - irmã caçula de Carlos. Tem 5 anos. ENREDO Souza Costa, homem burguês, bem posto na vida, contrata uma governanta alemã, de 35 anos, para a educação do filho, principalmente para a sua educação sexual. Elza é o nome da moça. Mas vai ficar conhecida e será chamada sempre pela palavra alemã Fräulein. Chegou à mansão para ganhar algum dinheiro e depois voltaria para a Alemanha e se casaria com um moço de seu país. A família é formada pelo pai, D. Laura( a esposa), o rapazinho Carlos e as meninas: Maria Luísa, com 12 anos; Laurita com 7 e Aldinha com 5. Havia também na casa um criado japonês: Tanaka. A criançada toda começou logo aprendendo alemão e chamando a governanta de Fräulein. Carlos não está muito para o estudo. Fräulein logo se ajeitou na família, uma família “parada”. O papel principal da governanta é ensinar o “amor”. RESUMO E COMENTÁRIOS A história, classificada como idílio pelo próprio autor, é sobre a iniciação sexual do protagonista, Carlos Alberto. O pai, Sousa Costa, e a mãe, D. Laura, estão preocupados com a iniciação sexual do filho. É onde a personagem Elza entra na narrativa para trabalhar em lar burguês de Higienópolis para ser governanta e ensinar alemão aos quatro filhos do casal. O tema é completamente inédito para a época e deve ter sido motivo de certo escândalo. A iniciação sexual segura é vista como garantia para uma vida madura e até para o estabelecimento de um lar sagrado. A intenção do chefe da família é fadada ao fracasso, pois Carlos não era virgem. Bem antes de iniciada a história, ele havia tido sua experiência sexual no Ipiranga, em meio à farra de seus amigos, com uma prostituta. Fräulein (em alemão, significa “senhorita”, mas também tem o valor e todo o peso do termo “professora”) realiza seu serviço com dignidade, não enxergando relação com prostituição. Assume estar realizando uma missão. Há uma hipocrisia em relação a imagem de Fräulein, se torna confuso em pensá-la como governanta e na verdade iniciadora do amor(as teorias freudianas). Há aqui todo um jogo de querer e esconder, negar e afirmar, que vai perpassar a relação que Elza estabelecerá naquela casa. O comportamento de Sousa Costa, a atitude de contratar uma profissional do amor para realizar os serviços debaixo do seu próprio teto revela determinados valores da burguesia da época. É o rico que acha que o dinheiro pode tomar posse de tudo, até da iniciação sexual. São ricos que ainda não têm, no entender de Mário de Andrade, estrutura para merecer seu presente status. O autor mostra-se suas críticas à burguesia paulistana e à sua mania de tentar ser o que não é ou esconder o que no fundo é. Observase a genialidade do narrador ao descrever Sousa Costa usando brilhantina até no bigode. Assemelha-se à esposa, que também usa produto para alisar o cabelo. Querem esconder que são tão mestiços quanto o resto do país. O fato é que Carlos realmente precisava ser educado, mas em suas brincadeiras com as irmãs podia se perceber que era bruto e desajeitado. Nesse aspecto sua iniciação será importante, pois servirá para domar seus impulsos, sua energia, sua afetividade. Fräulein tem consciência de seu objetivo. Quer ensinar o amor de uma forma tranquila, sem descontroles, sem paixões. Por mais que Elza se apresente sedutora nos momentos em que os dois ficam sozinhos na biblioteca, estudando alemão, o garoto não percebe as intenções dela, o que a deixa em alguns momentos irritada. Com a convivência brota o interesse do menino pela mestra. Começa com o interesse que o garoto tem repentinamente por tudo o que se refere à Alemanha, acelerando até o conhecimento da língua. Os toques de Fräulein tornam-se cada vez mais constantes( um jogo de avanços e recuos, de desejos e medos). A tensão torna-se máxima quando o menino masturba-se inspirado na professora (é um episódio descrito de forma extremamente indireta, tangencial, dificultando em muito sua percepção. problemática na cabeça de Carlos. Concepção Freudiana. Até que, pressionada pelas trapalhadas da família Sousa Costa (Sousa Costa havia descumprido o combinado quando contratara Fräulein: deixar claro para D. Laura qual era a função da professora). A mãe, alheia ao que estava acontecendo, estranhara o apego do filho à mestra e vai conversar com a alemã, ingenuamente preocupada com a possibilidade de o menino fazer besteira. Inconformada com a quebra do prometido Elza força uma reunião entre ela e os pais, na qual tem como intenção deixar todo o acerto claro. O resultado é que tudo se complica. Fräulein decepciona-se com a maneira como os “latinos” tratam aquele assunto e os pais de Carlos não sabem exatamente o que fazer, se querem ou se não querem a governanta), torna-se mais apelativa. Os dois acabam assumindo uma cumplicidade, o que indica o amadurecimento de Carlos. Fräulein acaba se envolvendo. Na verdade, o que acontece é que isso acirra o conflito entre os dois alemães que o narrador afirma que a governanta carrega dentro dela. Para complicar sua situação, uma das irmãs de Carlos fica doente. A governanta passa a cuidar dela. A família Sousa Costa cria uma enorme dependência em relação à alemã. E passa a assumir um papel de mãe das quatro crianças. Preocupada em não perder controle da situação, decide acelerar o término de sua tarefa. A governanta prepara um flagrante. Os amantes são surpreendidos no quarto de Elza. Fräulein, recebidos seus oito contos, parte, mergulhando Carlos num luto monstruoso. Após isso, a narrativa flagra Fräulein ensinando um outro garoto da burguesia de Higienópolis, Luís. Não há o prazer nesse serviço agora, só o pensamento que está abrindo-lhe o caminho para o amor. É sua profissão. Precisa ser prática para juntar dinheiro e voltar para a Alemanha. É Carnaval. Em meio à folia de rua, Elza localiza Carlos. Atira-lhe uma serpentina para chamar a sua atenção. O rapaz a vê e a cumprimenta formalmente. Parecia estar mais ocupado em curtir a garota que lhe faz companhia. Fräulein tem um misto de emoções. Ao mesmo tempo em que seu lado sonhador sente-se frustrado. Mas por outro lado sentese realizada ao lembrar de todos os que iniciou, os que ensinou o amar, intransitivamente, ou seja, a amar não importa qual seja o objeto, o alvo. É como se quisesse ensinar que o mais importante é aprender a amar intransitivamente para depois poder amar alguém, transitivamente. Amar, verbo intransitivo. Mario de Andrade. Profª. Valéria Lima. FIM