AMAR, VERBO INTRANSITIVO
Mário de Andrade
Resumo
RESUMO
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A história, classificada como ‘idílio’ pelo próprio autor,
é sobre a iniciação sexual do protagonista, Carlos
Alberto. Seu pai, Sousa Costa, preocupado em preparálo para a vida, contrata uma profissional para isso,
Fräulein Elza (o grande medo de Sousa Costa é que, se
seu filho tivesse sua iniciação num prostíbulo, poderia
ser explorado pelas meretrizes ou até se tornar
toxicômano por influência delas). Oficialmente, ela
entra no lar burguês de Higienópolis para ser
governanta e ensinar alemão aos quatro filhos do casal
(Sousa Costa e D. Laura).
Muitos aspectos são dignos de nota aqui. Em
primeiro lugar, o tema é completamente inédito
em nossa literatura e deve ter sido motivo de
certo escândalo em sua época. Além disso, a
iniciação sexual tranquila e segura é vista como
garantia para uma vida madura e até para o
estabelecimento de um lar sagrado.
 Em suma, sexo é a base de tudo. Freud, portanto,
mostra-se marcante.
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Pode-se afirmar que a intenção do chefe da
família é fadada ao fracasso, pois Carlos não era
virgem. Bem antes de iniciada a história, ele
havia tido sua experiência sexual no Ipiranga, em
meio à farra de seus amigos, com uma prostituta.
Mas fora um ato mecânico, seco, pressionado
pelos amigos. Não tinha sido, pois, uma iniciação
completa.
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Interessante é que Fräulein (em alemão essa
palavra significa “senhorita”, mas também tem o
valor e todo o peso do termo “professora”) realiza
seu serviço com dignidade, não enxergando nisso
qualquer relação com prostituição. Ela assume
estar realizando uma missão. É um elemento que
destoa do olhar de Sousa Costa e até do próprio
narrador.
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Além disso, esse disfarce, meio que hipócrita, de
Fräulein ser na aparência governanta e, na
verdade, iniciadora sexual, revela toda a
complexidade em que a sexualidade humana está
mergulhada (as teorias freudianas). Há aqui todo
um jogo de querer e esconder, negar e afirmar,
que vai perpassar a relação que Elza estabelecerá
naquela casa.
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Deve-se notar que o comportamento de Sousa
Costa, acerca de sua atitude de contratar uma
profissional do amor para realizar os serviços
debaixo do seu próprio teto, revela determinados
valores da burguesia da época. Ele se comporta
como um ‘novo rico’ que acha que o dinheiro pode
tomar posse de tudo, até da iniciação sexual. São
ricos que ainda não têm, no entender de Mário de
Andrade, estrutura para merecer seu presente
status.
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Nesse aspecto o narrador mostra-se bastante
cruel. Ficaram notórias as suas críticas à
burguesia paulistana e à sua mania de tentar ser
o que não é ou esconder o que no fundo é.
Observa-se a genialidade do narrador ao
descrever Sousa Costa usando brilhantina até no
bigode. Assemelha-se à esposa, que também usa
produto para alisar o cabelo. Querem esconder
que são tão mestiços quanto o resto do país.
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O fato é que Carlos realmente precisava ser
educado. Constantemente, ao brincar com suas
três irmãs mais novas, acabava, sem querer,
machucando-as. Há aqui toda uma conotação
freudiana, porém o que mais importa é entender
que o protagonista fere, porque não sabe
controlar sua força. É um desajeitado. Nesse
aspecto sua iniciação será importante, pois
servirá para domar seus impulsos, sua energia,
sua afetividade.
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Fräulein tem plena consciência desse objetivo.
Quer ensinar o amor em sua forma tranquila,
sem descontroles, sem paixões. O problema é que
o garoto é aluado.
Por mais que Elza se apresente sedutora nos
momentos em que os dois ficam sozinhos na
biblioteca (outra crítica é dirigida à burguesia
paulistana. Os livros da biblioteca são comprados
por questão de status, muitos nem sequer sendo
abertos, chegando alguns até a estarem com as
páginas coladas), estudando alemão, o garoto não
percebe as intenções dela, o que a deixa, em
alguns momentos, irritada.
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No entanto isso chega a reforçar a tese da
professora, com a convivência brota o interesse do
menino pela mestra. É algo que não se quer
revelar de primeira. Começa com o interesse que
o garoto tem repentinamente por tudo o que se
refere à Alemanha, acelerando até o
conhecimento da língua. Se antes tinha um
desempenho sofrível, agora apreende vocabulário
de forma acelerada.
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Revelando muito bem as características da
sexualidade humana (Freud), a atração mostra-se
mergulhada num jogo de avanços e recuos, de
desejos e de medos. Os toques de Fräulein
tornam-se cada vez mais constantes. A tensão
torna-se máxima quando o menino masturba-se
inspirado na professora (é um episódio descrito de
forma extremamente indireta, tangencial,
dificultando em muito sua percepção. É
necessário um malabarismo mental para
entendê-lo).
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Talvez a intenção do narrador é, além de evitar o
escândalo de ser cru em um aspecto tão delicado
(várias vezes diz que não quer produzir obra
naturalista), mostrar como a questão está
problemática na cabeça de Carlos. Tanto é que
pouco após esse episódio, há a menção a anjos
lavando com esponja santa o pecado que acabara
de ser cometido. Essa noção de prazer e pecado,
de o instinto desejar algo, mas a educação e a
formação religiosa marcarem isso como
condenável, é outro elemento muito analisado por
Freud). O garoto toma consciência, portanto, de
que a deseja.
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Até que, pressionada pelas trapalhadas da
família Sousa Costa (Felisberto havia
descumprido o combinado quando contratara
Fräulein: deixar claro para D. Laura qual era a
função da professora. A mãe, alheia ao que estava
acontecendo, estranhara o apego do filho à
mestra e vai conversar com a alemã,
ingenuamente preocupada com a possibilidade de
o menino fazer besteira. Inconformada com a
quebra do prometido, Elza força uma reunião, na
qual tem como intenção deixar todo o acerto
claro, entre ela e os pais.
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O resultado é que tudo se complica. Fräulein
decepciona-se com a maneira como os “latinos”
tratam o assunto, e os pais de Carlos não sabem
exatamente o que fazer, se querem ou se não
querem que tal função seja efetivada. A
governanta torna-se mais apelativa. O contato
corporal é mais intenso, o que assusta Carlos.
Medo e desejo. Delicadamente Fräulein vence.
Em pouco tempo, a iniciação sexual se efetua. O
garoto passa a frequentar, à noite, a cama de
Elza.
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Os dois acabam assumindo uma cumplicidade
bonita, o que indica o amadurecimento de Carlos.
É uma situação preocupante, pois Fräulein acaba
se envolvendo. Na verdade, o que acontece é que
isso acirra o conflito entre os dois lados que o
narrador afirma que a governanta carrega dentro
dela. O primeiro é dedicado ao sonho, à fantasia.
É um coitado que anda sufocado em Elza. O
segundo é o prático, que planeja, que é metódico.
Esse é quem domina sua personalidade. Carlos,
no entanto, vem fortalecer o primeiro,
comprometendo o segundo.
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Para complicar sua situação, uma das irmãs de
Carlos fica doente. A governanta passa a cuidar
dela. Tudo em sua mão funciona perfeitamente. A
família Sousa Costa cria uma enorme
dependência em relação à alemã. E ela começa a
se sentir a mãe de todos. Aliás, um papel que ela
assumirá no final da narrativa.
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Preocupada em não perder controle da situação,
decide acelerar o término de sua tarefa. Quer que
tudo termine de forma dramática, pois acredita
que a lição sentida no corpo é mais marcante. O
sofrimento ( trauma) faz amadurecer. Acerta com
Sousa Costa um flagrante.
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Os amantes são surpreendidos no quarto da
governanta. Dentro da armação, o pai dá uma
bronca no filho, ensinando-o a tomar cuidado,
pois sempre havia o risco de gravidez, casamento
forçado e outros problemas. Fräulein, recebidos
seus oito contos, parte, mergulhando Carlos num
luto monstruoso. Isso faz parte de seu
crescimento.
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Após isso, a narrativa flagra Fräulein ensinando
um outro garoto da burguesia de Higienópolis,
Luís. Não sente prazer nesse serviço agora, talvez
por ter em sua mente Carlos, mas o está
seduzindo, abrindo-lhe o caminho para o amor. É
sua profissão. Precisa ser prática para juntar
dinheiro e voltar para a Alemanha.
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É Carnaval. Em meio à folia de rua, Elza localiza
Carlos. Atira-lhe uma serpentina para chamar a
sua atenção. O rapaz a vê e a cumprimenta
formalmente. Parecia estar mais ocupado em
curtir a garota que lhe faz companhia.
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Fräulein tem um misto de emoções. Ao mesmo
tempo em que seu lado sonhador sente-se
frustrado – o rapaz, depois do tanto que ocorreu,
mostrou-se frio –, sente-se realizada ao lembrar
de todos os que iniciou, os que ensinou o amar,
intransitivamente, ou seja, a amar não importa
qual seja o objeto, o alvo. É como se quisesse
ensinar que o mais importante é aprender a amar
intransitivamente para depois poder amar
alguém, transitivamente.
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O livro tem uma estrutura incomum: não há
capítulos em si, apenas espaços em branco que
separam passagens. A palavra FIM aparece após
o Idílio, apenas após isso se dá a conclusão da
história.
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Amar, verbo intransitivo