Dom Casmurro – Machado de Assis I- Machado de Assis • enredo não-linear • micro-capítulos digressivos • humor sutil e permanente • visão metafísica relativista de todos os valores humanos. • As mulheres machadianas são por natureza artistas consumadas, ao passo que os homens, mesmo quando pretendem, não passam de aprendizes desajeitados e inseguros. As mulheres atuam, geralmente, com uma habilidade e classe fora do comum. II- A obra (1899) • constituída de 143 capítulos, tem uma estrutura circular, em que o fim se ata ao começo • 1ª parte - Cap. 3 até 53 história de Bentinho, de seus amores por Capitu e dos obstáculos encontrados. • 2ª parte - Cap. 54 até 101 - Ida para o Seminário. • 3ª parte - Cap. 102 até final Casamento. • No livro, desde o início há incongruências, passos obscuros, ênfases desconcertantes, que vão formando um enigma. • A eventual solução, sem ser propriamente difícil, tem custo alto para o espírito conformista, pois deixa mal um dos tipos de elite mais queridos da ideologia brasileira. • Como recusar simpatia a um cavalheiro, admiravelmente bem-falante, um pouco desajeitado em questões práticas, sobretudo de dinheiro, sempre perdido em recordações da infância, da casa onde cresceu, do quintal, do poço, dos brinquedos e pregões antigos, venerador lacrimosos da mãe, além de obcecado pela primeira namorada? III- Personagens: Bento de Alburquerque • Quando criança é uma criança meiga, benévola e ciente. • destituído de vontade própria. • Torna-se um homem solitário,morando sozinho numa casa que mandara construir como réplica perfeita de sua casa na infância, aquela no Engenho Novo, esta na antiga Rua de Matacavalos. • Ainda adolescente ele queria rasgar a amiga com as unhas, julgá-la e talvez perdoá-la por crimes que ele inventava segundo a necessidade íntima. • Os episódios dessa natureza são diversos e, uma vez ligados entre si, redefinem o caráter de quem está com a palavra, bem como da sua própria palavra, alterando inteiramente a configuração do conflito. “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é , mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim.” Capitu - Capitolina Pádua, origem humilde • tem consciência das dificuldades que enfrentaria para alcançar seus objetivos. • segura de suas decisões, consciente de seus propósitos e vontades • consegue absorver os pensamentos, fato que incomoda Bentinho. “Caímos no canapé, e ficamos a olhar para o ar. Minto; ela olhava para o chão. Fiz o mesmo logo que a vi assim...Mas eu creio que Capitu olhava para dentro de si mesma, enquanto que eu fitava deveras o chão, o roído das fendas, duas moscas andando e um pedaço de cadeira lascado.” Escobar - Ezequiel de Sousa Escobar, não era rico. • filho de advogado, afirmava ter vocação para o comércio. • grande habilidade com cálculos e capacidade de reflexão (características de Capitu) • No início era o melhor amigo, depois torna-se odiado. “Era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. Quem não estivesse acostumado com ele podia acaso sentir-se mal, não sabendo por onde lhe pegasse. Não fitava de rosto, não falava claro nem seguido; as mãos não apertavam as outras,(....) Uma cousa não seria tão fugitiva, como o resto, a reflexão; íamos dar com ele, muita vez, olhos enfiados em si, cogitando.” José Dias - O agregado • homem de ações ambíguas, pois vivia à custa da família, e tinha que curvar aos seus protetores. • age segundo a conveniência, para manter-se na esfera do poder. • teme Capitu, pois sabe que é sua concorrente. • importante elo na compreensão dos demais personagens. “Nem sempre ia naquele passo vagaroso e rígido. Também se descompunha em acionados, era muita vez rápido e lépido nos movimentos, tão naturais nesta como naquela maneira. Outrossim, ria largo, se era preciso de um grande riso sem vontade, mas comunicativo, a tal ponto as bochechas, os dentes, os olhos, toda a cara, toda a pessoa, todo o mundo pareciam rir nele. Nos lances graves, gravíssimo.” Dª Glória - mãe de Bentinho, viúva, religiosa • “uma santa mulher”, aceita a solução encontrada por Escobar para ficar com o filho, ou seja, custear os estudos religiosos de um menino pobre, em conversa com Pe. Cabral. • reproduz a ordem patriarcal da sociedade da época. Pedro de A. Santiago - Velho aristocrata rural brasileiro. • Bento tem mentalidade patriarcal semelhante a do pai Tio Cosme - viúvo, advogado, vive na dependência. • tem mais espontaneidade na expressão de opiniões. • conservador, diverge de José Dias, mas tem convivência pacífica. Prima Justina - viúva, vive de favor. • certa vez, denuncia José Dias para cair nas graças do sobrinho. • • • Pádua, pai de Capitu - chamado O tartaruga por José Dias. funcionário público, é pobre sabe o que significa o casamento da filha com Bentinho. vive um período de melhoria de salário e de satisfação pessoal. Sancha - amiga de Capitu e esposa de Escobar • 1º Caso - Gurgel (o pai), diz a Bentinho que acha Capitu parecida com a mãe de Sancha. • aparência não é apenas física,mas de caráter e comportamento. • torna-se mais tarde, o principal argumento de Bentinho para afirmar a traição de Capitu: a semelhança entre Escobar e Ezequiel. • 2º Caso - relação de sedução entre Bento e Sancha • Psicologia do ciúme. • • • • • • • Secundários D. Fortunata (mãe de Capitu) Capituzinha, filha de Escobar e Sancha. Ezequiel, filho Bento e capitu. Gurgel, pai de Sancha. Manduca, o menino leproso. Marcolini, o cantor de ópera “A vida é uma ópera e nós todos somos artistas, ou seja, vivemos representando para os outros.” IV- Foco Narrativo • Narrador protagonista – Bentinho, ordenador dos fatos • determina o destino das personagens. • Bentinho-narrador apresenta uma segurança inexistente em Bentinho-menino. V- Tempo e Espaço • Manipulado, movimentando-se para frente e para trás ao gosto do narrador(flash-back) • fato que deixa o leitor perdido, pois o deixa mais propenso a ver os fatos como o narrador pretende • no início existe linearidade, depois torna-se arbitrário • história inicia: Bentinho tem 15anos e Capitu tem 14 anos (1857 ) • D. Casmurro tem , aproximadamente, 55 anos • A história acontece entre os anos 30 e 90 do século XIX. • Podemos dividir a obra em duas partes: Primeira parte : Capitu – espírito esclarecido. O jovem casal luta contra a superstição e o preconceito social. A superstição é de D. glória, a mãe que havia prometido no filho à Igreja, por medo de perdê-lo no parto. Já o preconceito se prende à diferença de situações: Capitu é filha de vizinhos pobres, meio dependentes de Dona Glória, enquanto bentinho pertence a uma família da classe dominante. Capitu dirige a campanha do casalzinho com esplêndida clareza mental, compreensão dos obstáculos, firmeza – qualidades que faltam inteiramente a seu amigo. O leitor acaba tomando o partido dos namorados, contra o seminário e contra as intrigas familiares, ou seja, o partido das Luzes, contra o mito e a injustiça. Segunda Parte: Bentinho – Obscurantismo. Começa por capítulos de felicidade conjugal. A velha casa da mãe e da infância em Matacavalos foi trocada por outra nova, na Glória. Nascimento do filho e Morte de Escobar. Otelo – Shakeaspeare Em lugar de entender que os ciúmes são maus conselheiros e as impressões podem trair, Bento conclui de forma insólita: se por um lencinho o mouro matou Desdêmona, que era inocente, imagine o que ele deveria fazer a Capitu, que era culpada? A indicação ao leitor não podia estar mais clara: a personagem-narradora distorce o que vê, deduz mal, e não há razão para aceitar a sua versão dos fatos. • VI - Metalinguagem • O leitor incluso, que consiste no hábito de o narrador dirigirse ao leitor, dialogando com ele • recurso utilizado para despistar o leitor. “Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que lhes dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuirme fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.” • Casmurro significa teimoso, cabeça dura, encasquetado, ou seja, tipo de pessoa que quando cisma com uma idéia, não há o que o demova dela. • Casmurro significa teimoso, cabeça dura, encasquetado, ou seja, tipo de pessoa que quando cisma com uma idéia, não há o que o demova dela. • Intertextualidade - relação com outras obras que servem de pistas para o drama de Bento ( Otelo - Desdêmona) • Pessimismo - impiedosa sátira das classes sociais dominantes do Brasil de seu tempo. • Melhor pensar em inconformismo. • • • • Enredo Denúncia de J. Dias a D.Glória da relação de Bentinho e Capitu Bentinho ouve e vai contar para Capitu Como José Dias chegou a morar com a família (homeopata) Desenho no muro feito por Capitu. “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem. Se ainda não o disse, aí fica. se disse, fica também. Há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição.” • • • • Comunicado à Capitu: “Beata! Carola! Papa-Missas!” O casal passa a ser liderado por Capitu. Bentinho lembra a José Dias que ele será o dono da casa. Bentinho que tem a imaginação fértil, “como as éguas que fecundam-se com o vento”, começa a arranjar motivos para desconfiar de Capitu. “Tinha-me lembrado a definição que José dias dera deles, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podia chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira: eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia de meu intento; olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que... “Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misteriosos e energético, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me tragarme.” • Bentinho vai para o Seminário(1 ano), conhece Escobar. • Tornam-se grandes amigos, unidos pelo projeto de saírem do seminário. • Primeiro contato de Capitu e Escobar. • Episódio entrecortado pela presença do moleque Manduca, leproso e malcheiroso. • D. Glória financiará os negócios de Escobar. • Escobar conhece Sancha com quem irá se casar no futuro. • Ainda no seminário, Bentinho tem a 1ª crise de ciúmes “A vontade que me dava era cravar-lhe as unhas no pescoço, enterrá-las bem, até ver-lhe sair a vida com sangue...” • • • • • • Bentinho sai do seminário e vai estudar Direito em São Paulo. Casamento de Bentinho e Capitu. Bento refere-se à casa em que mora como “casa da Glória”. Nasce Ezequiel e Capitu. Ciúmes com maior intensidade. Ezequiel e a mania de imitar. “- Sim, não sairá maricas – repliquei -; eu só lhe descubro um defeitozinho, gosta de imitar os outros. - Imitar como? - Imitar os gestos, os modos, as atitudes; imita prima Justina, imita José Dias; já lhe achei até um jeito dos pés de Escobar e dos olhos...” “Capitu deixou-se estar pensando e olhando para mim, e disse afinal que era preciso emendá-lo. Agora reparava que realmente era vezo do filho, mas pareci-lhe que era só imitar por imitar, como sucede a muitas pessoas grandes, que tomam as maneiras dos outros; e para que não fosse mais longe... - Também não vamos mortificá-lo. Sempre há tempo de corrigi-lo.” • Atração de Bentinho por Sancha. “Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra coisa, e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo. A noite era clara. Dali mesmo busquei os olhos de Sancha, ao pé do piano; encontrei-os em caminho. Pararam os quatro e ficaram diante uns dos outros, uns esperando que os outros passassem, mas nenhuns passavam. Tal se dá na rua entre dois teimosos. A cautela desligou-nos; eu tornei a voltar- me para fora. E assim posto entrei a cavar na memória se alguma vez olhara para ela com a mesma expressão, e fiquei incerto. Tive uma certeza só, que um dia pensei nela, como se pensa na bela desconhecia que passa; mas então dar-seia que ela adivinhando...” • Morte de Escobar. • Bentinho percebe as lágrimas de Capitu. “As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.” • • • • • • • • • Crises intensas de ciúme. Bento pensa em suicídio e em matar o filho. Exílio de Capitu e Ezequiel na Suíça. Cartas de Capitu (submissa, terna) Morte José Dias e Capitu / aumenta solidão Visita de Ezequiel, ocultada por Bento. Morte de Ezequiel (Jerusalém) – febre tifóide. Sem notícias sobre o fim de Sancha. Temos o narrador solitário que nos conta sua história. VII- Interpretação 1ª Leitura - Romanesca • Acompanhamos a formação e a decomposição do amor. 2ª Leitura - Patriarcal-policialesca • Busca de prenúncios e evid~encias do adultério, dado como inquestionável. • No último capítulo encontramos: “O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum incidente. (...)” “Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.” • Interpretação que aceita a traição, porém, convida o leitor a “investigar” os indícios do “crime de Capitu”. • Prerrogativa da sociedade machista representada na ideologia da inadmissibilidade do adultério feminino. • 3ª Leitura - Impossibilidade de decidir sobre o adultério. • Não podemos inocentá-la, nem acusá-la. • O suspeito e logo réu é o próprio Bento, na sua ânsia de convencer a si e ao leitor da culpa da mulher. • O narrador é parcial (Processo de acusação). VIII- Verdades sobre Bentinho – Bento – D. Casmurro • Bentinho e a religião – a religiosidade que o cerca é a da sociedade de seu tempo e é uma religiosidade hipócrita, superficial e interesseira ( dinheiro ) • D. Casmurro e a política – sendo um homem poderoso num país escravocrata, é fácil perceber que seu partido é o da situação, o do conformismo. IX- Curiosidades sobre os nomes • Bento de Albuquerque Santiago – Bento remete a “santo”, o que se confirma na primeira metade de Santiago. mas a Segunda metade é “iago”, exatamente o nome da personagem que instila os ciúmes de Otelo. • D. Glória – remete claramente a uma santidade celestial. • Capitolina – nome que alude ao Capitólio, a sede central do poder em Roma, como que sugerindo sua sede de poder. Mas também, por semelhança fônica, remete a “capeta” • • • • Bibliografia e referências: Dom Casmurro – Coleção Objetivo – Ano 2006. A Poesia envenenada de Dom Casmurro. Roberto Schwarz. Análise da Obra – Prof. Fernando Teixeira de AndradeSistema de Ensino Objetivo • www.machadodeassis.org.br