Questões fundamentais/preliminares A morte/ lesão do direito à vida, origina por si só um direito a indemnização? Isto é, será o direito à vida um dano autónomo. Trata-se de um direito adquirido a título sucessório ou um direito original, e consequências da distinção. Quem é titular do correspondente direito a indemnização. ART.496º CC (Danos não patrimoniais) 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior. Prevê o nº1 deste artigo o direito a indemnização por danos não patrimoniais, direito resultante da ofensa de interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, os chamados danos morais. Tendo em conta a natureza dos danos não morais, a restituição natural não é obviamente possível, devendo o juiz proceder a um grau de compensação, sendo que o artigo 494º fornece o critério de estabelecimento da indemnização. O “Dano-Morte” em especial Questão que se coloca: A lesão do bem vida , constitui ou não o lesante na obrigação de indemnizar/ reparar a lesão praticada? Posições doutrinárias Prof. Inocêncio Galvão Telles - “Há dano não patrimonial sempre que é ofendido, efectivamente, um bem imaterial como a integridade física ou a vida, ainda que essa ofensa não seja acompanhada subjectivamente, de sofrimento”- Livro Direito das Sucessões. Cont. Prof. Vaz Serra, em Anotação ao Acórdão do STJ de 12/2/1969 “..seria estranho que a situação dos sucessores fosse pior e melhor a do lesante, quando o facto danoso tenha causado a morte imediata do lesado, isto é, que dependesse dessa circunstância o direito dos herdeiros e a responsabilidade do lesante. O lesante ficaria assim em melhor situação precisamente quando o seu acto foi mais gravoso.” Cont. Prof. Oliveira Ascensão - defende que não é possível a existência de uma indemnização pela existência do dano morte. A responsabilidade civil não pode servir para castigar o infractor, desta forma é uma contradição o facto aquisitivo de um direito, ser o próprio facto extintivo da capacidade de adquirir do de cujos ( a morte). Resposta maioritária A Jurisprudência e Doutrina Maioritária afirmam que sim – o Dano Morte é em si, um prejuízo indemnizável e que é somado aos outros danos não patrimoniais que a vitima tenha sofrido, influindo desta forma, no cálculo do montante a ser indemnizado. 2º questão: A quem é atribuído o direito a ser indemnizado pelo “dano-morte”? Ao lesado ou aos seus herdeiros? Opinião doutrinária: Prof. Inocêncio Galvão Telles e Prof. Luís A. Carvalho Fernandes – Defendem que o direito à indemnização pelo “dano-morte” é um direito de origem sucessória, ou seja, constitui-se na esfera do lesado e transmite-se aos seus herdeiros. Prof. Ana Prata - considera o direito a ser indemnizado pelo Dano Morte como um direito original, apoiando-se na letra da lei.: art.. 496º CC 2º Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge (…). Prof. Delfim Maya de Lucena – Defende que seria reprovável dizer-se que a obrigação de indemnizar já existe num momento em que ainda não está presente um dos pressupostos essenciais dessa mesma responsabilidade: o dano. Importância das diferentes posições: Se considerarmos o direito a indemnização por Dano Morte como um direito original, formado na esfera jurídica das pessoas a quem respeita, estes não terão de pagar imposto sucessório, e o montante da indemnização atribuída será dividido, em partes iguais, por aqueles que integram o nº2 do art. 496º. Se considerarmos este direito como um direito herdado do de cujos, existirá o pagamento de imposto sucessório, e a divisão do montante da indemnização será realizada de acordo com o direito das sucessões, o que poderá levar a resultados diferentes. Análise Jurisprudencial: Acórdão de 17 de Março de 1971: Factos: Em 6 de Agosto de 1968, Pedro Vitorino, conduzindo um camião, ao efectuar uma manobra de marcha atrás, na qual pisava o passeio, e recebendo instruções de orientação por parte de Evaristo de Oliveira e Francisco Magalhães, atropelou Maria Augusta Magalhães, o que veio a provocar-lhe a morte momentos mais tarde. Pedido Eridano Augusto Nogueira, Ilídio Augusto Nogueira Miranda e Ilda Augusta Nogueira, como filhos e únicos herdeiros de Maria Augusta Nogueira, vêm pedir que os réus, a agência de “Transportes e Comércio, Limitada” e a Companhia de Seguros “Império” sejam condenados a pagar uma indemnização de 138 659$00 por danos não patrimoniais deles e da própria vítima e pelas despesas com o funeral. Recurso para o STJ Recorreram para o STJ os herdeiros e a companhia de seguros. Pedido da Companhia de Seguros: Defende que a perda do direito à vida não é passível de reparação patrimonial e, como tal, não é indemnizável. Pedido dos herdeiros: Apenas recorrem pois consideram que o montante de indemnização fixado é muito baixo. Decisão do STJ Sobre o pedido dos herdeiros: Dá provimento ao recurso pois entende que, atendendo ao tipo de indemnização em causa, o montante indemnizatório fixado é desactualizado em face das condições de vida e perante a conjuntura económica daquele tempo. Sobre o pedido da Companhia de Seguros: A indemnização pela perda da vida não é imoral. Mais imoral seria tornar-se possível a afirmação de que, para os responsáveis, seria mais barato matar do que apenas lesar a integridade física de alguém. O direito à vida é intransmissível. Mas é transmissível o direito a ser indemnizado pela lesão daquele. Interpretação do art.496º nº2: “E não pode haver dúvida de que, no momento em que o autor material da lesão iniciou a sua acção ilícita, a vítima estava viva. A criação, o aparecimento da obrigação, ocorre nesse preciso momento. (…) o direito à indemnização, naqueles fugazes instantes que medeiam entre a causa e o efeito, integra-se no património da vitima; e, com a morte desta mantém-se e transmite-se. Voto vencido do Conselheiro Adriano Vera Jardim “Nestas condições, entendo que no caso da morte da vitima esta só adquire direito à indemnização pelos danos sofridos em vida, tendo as pessoas referidas no art.496º, nº2, do Código Civil direito à indemnização pelos danos por ela sofridos (…)” A nossa posição O Direito a indemnização por da morte da vitima, é um dano atribuído, ex-novo, às pessoas indicadas mo nº2 do art. 496º. Assim como lhes pertence júri próprio o direito de indemnização dos danos não patrimoniais que a morte da vitima pessoalmente lhes causou. O legislador utilizou a palavra cabe e não a palavra transmite-se, e, desta forma, o entendimento mais razoável, de acordo a própria letra da lei, será a de que este direito se constitui na esfera jurídica das pessoas referidas no artigo, como um direito novo. Hipóteses práticas Hipótese 1: A faleceu vítima de uma agressão de B que lhe causou imediatamente a morte. C e D, filhos de A, pediram e obtiveram do agressor uma indemnização de 20.000 contos. Numa execução movida contra C e D, como herdeiros de A, um credor de A pretende fazer penhorar essa importância. Poderá fazê-lo? Hipótese 1 Há duas respostas: art.496º nº2 CC Se se entender que o direito a ser indemnizado pelo “dano-morte” se constitui na esfera dos herdeiros Se se entender que o direito a ser indemnizado pelo “dano-morte” se constitui na esfera do de cujos e se transmite para os herdeiros por via sucessória o credor não pode fazer penhorar a importância de 20.000 contos; o credor pode fazer penhorar a importância de 20.000 contos (art. 2068º CC); Hipótese 2 Quando guiava o seu automóvel, A atropelou B, que ficou gravemente ferido. B teve de ser submetido a uma intervenção cirúrgica, mas veio a morrer meses depois, em consequência dos ferimentos recebidos. Alguns dias depois da morte de B, faleceu E, com testamento, em que deixava a B um certo prédio. B deixou dois filhos menores, C e D. Terá viabilidade a acção em que C e D peçam a A uma indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos por B, bem assim como pelos danos patrimoniais e morais que eles sofreram com a morte do pai, incluindo o que resultou de não terem adquirido o prédio deixado por E em testamento? Suponha que C e D pediram e obtiveram de A uma indemnização de 10000 contos. Se B tinha deixado uma dívida, acha que o credor desta dívida pode fazer-se pagar à custa daquela indemnização? Hipótese 2: 3 pedidos de C e D: Indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos por B. Art. 496º Indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos por C e D. Art. 496º Indemnização pela “perda” do prédio deixado por E em testamento. Art. 2039º, 2040º e 2041º do CC Pedido do credor de B Só pode ir ao montante indemnizatório resultante do primeiro pedido pois só esse direito fazia parte da esfera juridica de B e transmitiu-se para C e D. ( Art. 2068º CC). Quanto ao segundo pedido aplica-se o que referiu na hipótese anterior.