1 2 Devemos portanto concluir que a origem de todas as grandes e duradouras sociedades não provém da boa vontade recíproca que os homens tivessem uns para com os outros, mas do medo recíproco que uns tinham dos outros. Thomas Hobbes 3 Inglês. Nasceu em 1588 e faleceu em 1679. Foi filósofo e cientista político. Recebeu influência da Revolução Científica e chegou a escrever um livro sobre física. Estudou teoria do conhecimento. Viveu um período de grande turbulência política na Inglaterra, cuja monarquia enfrentava momentos de ataque e restauração. Não atuou na política, mas foi tutor de filhos de nobres, secretário, conselheiro político e econômico de nobres. 4 Um conceito fundamental para compreender Hobbes é o de estado de natureza. Para Hobbes no estado de natureza todo homem tem direito a tudo. “(...) é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim. (Leviatã, Cap. XIV) O Homem natural de Hobbes não é um selvagem, porque para ele e para muitos autores anteriores ao século XVIII, a história não é compreendida como transformação do Homem, ou seja, os Homens não mudam! 5 Hobbes contraria a essência do pensamento de Aristóteles, que afirmava que a vida na polis não é fruto de uma decisão ou de uma escolha, mas sim uma tendência natural do Homem; Para Aristóteles o Homem é um animal político porque ele tende naturalmente para o seu bem, que só pode ser alcançado na vida em sociedade; A plena realização da natureza humana se dá na comunidade política e, por isso, a polis não é fruto de uma escolha, mas uma tendência da natureza humana. 6 Para Aristóteles viver na cidade não requer escolha, é natural. O que implica em escolha é viver bem na cidade; Para ele há um impulso natural para viver em sociedade e um interesse comum em partilhar a boa vida; Boa vida é um conceito que para Aristóteles requer boa legislação, capaz de tornar os cidadãos bons e justos. O Homem tem um impulso para viver em comunidade, mas a plena realização da natureza humana depende dele, ou seja, das escolhas que o Homem fizer. 7 Hobbes entende que é necessário rever o princípio político vigente até aquele momento histórico. Para ele o Homem não nasce apto a viver em sociedade, mas pode tornar-se apto pela disciplina. A vida social é uma aptidão adquirida e não natural. A sociedade é produto artificial da vontade humana, é fruto de uma escolha e não obra da natureza. 8 Para Hobbes a sociedade é uma obrigação. Em outras palavras, para que a sociedade exista é preciso que exista também um poder comum que seja capaz de obrigar os Homens a obedecerem as leis e os pactos que fizerem entre eles. Por isso é que o ingresso na vida social é fruto de um pacto e, a natureza desse pacto é a limitação do direito natural que o Homem possuía até então. Isso se complementa com a instituição de um poder comum. A VIDA EM SOCIEDADE É FRUTO DE UM PACTO SOCIAL. 9 Para Hobbes os homens não se reúnem de forma desinteressada ou por boa vontade. O desejo primário do Homem é a obtenção de benefícios próprios. Toda associação de homens “é produto do amor por si mesmo e não do amor pelos amigos.” Toda ação voluntária do Homem para associar-se é visando a obtenção de um bem destinado a si mesmo, a obtenção de algum benefício. A sociedade civil é a resposta ao medo generalizado que os homens vivem no estado de natureza. Diante do medo de serem feridos, invadidos ou mortos, os homens preferem abrir mão de parte de sua liberdade e se associarem. “A origem das grandes e duradouras sociedades não se baseia na benevolência mútua, mas no medo mútuo.” 10 Para Hobbes a condição natural da humanidade é um condição de guerra. Se dois homens desejam a mesma coisa ao mesmo tempo em que é impossível de ser obtida por ambos, tornam-se inimigos. No estado de natureza todos os homens tem direitos ilimitados sobre as coisas. Os homens vivem sem um poder político capaz de obrigá-los a se respeitarem mutuamente e a obedecerem regras comuns. O estado de natureza é a ausência do Estado e de leis que possam regular as ações humanas, para determinar o que é justo e o que não é. O direito ilimitado dos homens no estado de natureza é marcado pela insegurança e pela guerra. 11 Para Hobbes a construção da paz conta com o auxílio de duas faculdades humanas: a paixão e a razão. O medo da morte violenta e a esperança de uma vida melhor e mais confortável são as paixões que conduzem os homens para a ideia de Estado. “Todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra.” (Leviatã, cap. XIV) É o princípio da autopreservação. Contrário à razão é servir de presa fácil para o inimigo, não é vedada a guerra quando serve para a autodefesa. 12 É a razão que impulsiona o Homem a concordar em limitar seus direitos para viver em paz. Mas é necessário que todos os homens concordem em renunciar a parte de seus direitos ilimitados. Isso deverá ser feito por um pacto recíproco de todos os homens com todos os outros homens. Se um homem renuncia ao seu direito enquanto outro homem o mantém, ele não estará construindo meios para sua proteção. Mas não basta que os homens se comprometam: é preciso que cumpram a promessa feita. Para isso, a razão sinaliza a necessidade de um poder coercitivo que obrigue a observância da leis da razão, porque do contrário elas não se tornarão leis de fato. 13 Ocorre a instituição do Estado, que terá poder coercitivo para punir os que infringirem as leis. O Estado fará com que as leis da razão se tornem leis civis, que deverão ser cumpridas por todos. O direito ilimitado a todos os direitos não é garantia de direito nenhum. Por isso é preciso é preciso ordenar as restrições para que se possa usufruir de fato de algum direito. Para isso é preciso instituir um poder comum para dar durabilidade e estabilidade ao acordo de todos os homens no sentido de reduzir parte de seus direitos ilimitados. 14 a) b) Para Alysson Mascaro a postura política de Hobbes é inovadora porque ele: Propõe o soberano como vontade única acima da sociedade e nessa medida, é o representante mais cristalino do absolutismo vigente a seu tempo; Mas inova quando afirma que a origem do poder absoluto não é divina, mas extraído de um contrato social. Os homens se submetem voluntariamente ao poder do Estado, porque sem ele a vida será de medo e conflito. Hobbes é original: absolutista e contratualista! 15 Hobbes é uma espécie de jusnaturalista que tem por justo o direito estatal. Ele funda o direito natural apenas no interesse imediato do homem à sua preservação. Não é por desejo de uma sociedade virtuosa e justa que se funda o direito natural, mas pelo desejo do Homem de defender-se dos outros. É natural no tocante ao desejo de preservação de cada Homem, mas não no sentido de apropriar-se das leis da natureza para aplicá-las porque são melhores para todos. Todas as regras de justiça são convencionadas pelos homens, porque a natureza não associa mas dissocia os homens, ela não lhes dá um padrão normativo natural. 16 Para Hobbes, será virtuoso o Homem que cultivar o hábito de agir de acordo com as leis de natureza, pois elas apontam os meios para a sua conservação, e na mesma medida será vicioso aquele que cultivar o hábito contrário. Em resumo: leis da natureza são leis morais porque apontam as ações que conduzem à autoconservação, sendo virtuoso o Homem que as seguir. Com essa premissa ele elenca as leis da natureza da seguinte forma: I – Todo Homem deve esforçar-se pela paz na medida em que tenha esperança de consegui-la e, caso não a consiga poderá procurar e usar todas as vantagens da guerra; II – Para engajar-se na construção da paz cada um dos envolvidos deve renunciar a seu direito a todas as coisas; 17 III – Todos devem cumprir os pactos que celebrarem para que a autopreservação seja alcançada; IV – Quem receber um benefício de outro homem, por simples graça, se esforce para que o doador não tenha motivos razoável para se arrepender da sua boa vontade; V – Cada Homem deve esforçar-se para acomodar-se aos outros; VI – Cada um deve se esforçar para perdoar as ofensas passadas quando há arrependimento daquele que as cometeu; VII – Que os homens não sejam vingativos; VIII – Que não se expresse ódio ou desprezo por palavras e atos; IX – Que se reconheça aos outros como iguais; X – Que ninguém pretenda reservar para si um direito que não aceita seja reservado par aos outros; XI – Que os juízes tratem as partes equitativamente. 18 XII – Que as coisas que não podem ser divididas sejam usufruídas em comum. XIII e XIV - Se não puderem ser usufruídas em comum, que seja sorteadas. XV – Que aos mediadores da paz seja concedido salvo conduto; XVI – Que os homens se submetam ao julgamento de um árbitro quando entre eles houver controvérsia; XVII – Que ninguém seja juiz em causa própria; XVIII e XIX – Que o juiz seja imparcial e convoque testemunhas. 19 Para Hobbes as leis da natureza recebem indevidamente esse nome, porque são apenas conclusões ou teoremas, concernentes ao que conduz à conservação e defesa de cada um. A lei propriamente dita é a palavra daquele que, por direito, tem comando sobre os outros; A única razão que pode ser considerada reta é a razão do juiz. Não porque ele não possa cometer erros, mas porque a sua sentença vale para todos os que previamente consentiram em acatá-la; O juiz tem autoridade, que é um resultante do acordo artificial ao qual todos os homens concordaram em se submeter. 20 Hobbes define o direito natural como a liberdade que cada homem possui de usar os meios que considerar necessários para a preservação da própria vida. O direito ilimitado não tem nenhuma outra consequência que não seja a guerra. Os homens concluíram que era necessário limitar direitos para se autopreservarem e, formalizaram isso pelo contrato social. Mas parte fundamental dos direitos da natureza deve ser preservada: o direito de autopreservação. Este direito foi mantido e é nulo e sem efeito o pacto em que um homem se comprometa a não se defender da força pela força. É lícito desobedecer ao governante se este ordenar a um homem que se mate, que se fira, que não resista ao ataque alheio ou que se abstenha de utilizar as coisas necessárias para sua sobrevivência. 21 Para Hobbes o fim da obediência é a autoproteção. O direito que os homens tem de defender-se a si mesmos não pode ser objeto de renúncia por nenhum pacto. Mas como Hobbes reconhece que o poder do soberano é ilimitado, ele também reconhece o direito do soberano de matar o súdito que se insurge. Em suma, ele não reconhece um direito natural de respeitar a vida alheia. Para ele, uma vez constituído o Estado a consciência e o julgamento individuais cedem lugar à consciência e julgamento públicos, a partir dos ditames da lei civil. O individual é próprio do estado de natureza e não do Estado organizado a partir do contrato social. 22 Hobbes sustenta ao mesmo tempo a soberania absoluta e a desobediência civil; O soberano pode matar o súdito, mas até esse ato extremado e muitas vezes equivocado, é preferível ao estado de natureza que é o mesmo que estado de total ameaça; É mais seguro viver sob o poder do Leviatã do que em estado permanente de natureza; O soberano é guiado pelo princípio do benefício próprio e, para manter seu poder, tudo fará para errar o menos possível e com isso, manterá a paz e segurança que o fim mesmo da vida em sociedade. Manter a paz para manter o poder, essa é a aposta dos homens quanto ao papel do soberano. 23 Hobbes acredita na unidade do poder contra a anarquia. A figura do Leviathan ou Leviatã, retrata um monstro bíblico, estava na capa da primeira edição de seu livro famoso (1642) e, representa o Estado como um homem artificial dotado de escamas que são seus próprios súditos. Essa figura está atrelada a imagem de restrição de direitos e da vontade dos súditos que por meio de um pacto outorgam poderes ao Estado soberano. Hobbes é de tendência absolutista, porém laica, porque renuncia a tese de que o poder do soberano seja oriundo de Deus. Em Hobbes a antiga relação feudal de proteção e obediência ressurge como base da legitimidade do Estado soberano. 24 DOGVILLE 25