Quatro anos de aplicação do Regime Processual Experimental DL nº 108/2006 de 8 de Junho Lisboa, 5.11.2010 Sumário 1. 2. 3. 4. 5. O porquê da introdução do regime experimental As principais inovações do regime experimental A aplicação geral das soluções do RPE Os problemas da aplicação do regime experimental Conclusão A crise da justiça civil …. 1.254.054 processos pendentes (em 2006) Duração média 25 meses (em 2009 atinge 28 meses) 24.694 pendentes há mais de 5 anos (em 2006) Em 31.12.09 o número de processos pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância era de 1.614.864 (+28% face a 2006) O movimento global de modernização do sistema judicial 1) Aumento do recurso a meios alternativos de conflitos; 2) Aumento da intervenção do juiz concedendo poderes para gerir de forma activa a relação processual; 3) Redução dos custos de acesso à justiça 4) Simplificação e adequação das formas processuais à natureza do litígio Relatório Lord Wolf (1995) simplificar procedimentos; criar novas formas de equilíbrio entre as partes na sua relação com o tribunal responsabilizando-as pela sua conduta processual assegurar uma melhor proporcionalidade entre a natureza da causa e a tramitação utilizada atenuar os efeitos do contraditório através do aumento dos poderes do juiz, em especial no que respeita à prova pericial e produção de prova Conclusão “Na actual situação de uma justiça cronicamente doente (...), existe uma ideologia que se preocupa fundamentalmente com as exigências práticas, (...) que procura um processo efectivo e rápido que assegure os direitos fundamentais e possibilite ao cidadão que procura a tutela jurisdicional a declaração do direito no tempo mais breve possível” Gian Ricci, Il Processo Civile Fra Ideologia e Quotidianità, RTDPC, 2005, 101. 2. As principais inovações do regime experimental 1. 2. 3. O poder de gestão A agregação A simplificação da tramitação processual 2.1. O poder-dever de gestão processual Consiste numa ampliação dos arts. 137º (princípio economia processual); 265 (poder de direcção) e 265-A (princípio da adequação formal), todos do CPC. Nos termos do preâmbulo: “Este regime confere ao juiz um papel determinante, aprofundado a concepção sobre a actuação do magistrado judicial no processo civil declarativo enquanto responsável pela direcção do processo e, como tal, pela sua agilização. Mitiga-se o formalismos processual civil, dirigindo o juiz para uma visão crítica das regras» . Art. 2º, do RPE “O juiz dirige o processo, devendo nomeadamente: a) Adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir”. b) deve garantir que não são praticados actos inúteis, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório c) deve adoptar os mecanismos de agilização processual previstos na lei “. Visa uma direcção activa e efectiva do processo, sendo uma simbiose entre eficácia, adequação e economia processual. Tem como limites os direitos constitucionais das partes (contraditório, dispositivo, segurança e certeza das formas processuais) e conforme resulta da Rule 14 é mais eficaz se procedido de consulta às partes. Nos USA, em estudos sobre a matéria foi condensado nos seguintes termos: pressupõe uma diferença de gestão consoante as especificidades do processo; é eficaz caso seja efectuada de forma antecipada; é adequado ao controlo e supervisão de casos complexos; visa promover uma adequada relação custo-benefício da actividade processual; pressupõe uma atitude de boa fé entre as partes (que pode ser sancionada rule 7.2 e 11) Exige alternativas para a resolução amigável do litígio; Depende por isso … Do grau de disponibilidade do juiz Do grau de pro-actividade do mesmo Da existência de meios materiais e legais Das atitude dos intervenientes Exemplos a) apresentação de um terceiro articulado? b) Correcção de requerimentos probatórios c) prática do acto processual de outra forma (depoimento escrito/video-conferencia; alegações presenciais/ por escrito; reconstituição do facto/filmagem (2007); carta rogatória Itália/depoimento escrito d) Desconstrução do acto (prova sobre caducidade, seguida de eventual audiência preliminar) e) Concentração dos actos (audiência preliminar, seguida da parte da tarde de audiência de julgamento) 2.2. A Agregação de acções (art. 6º) Pressupostos: quando se verifiquem os pressupostos da apensação, mas seja desaconselhável uma tramitação totalmente conjunta (artigo 6.º, n.º 1). Associação transitória: realização de uma determinada diligência de instrução – como a inquirição de testemunhas arroladas em vários processos ou a prestação de esclarecimentos pelo mesmo perito – ou discussão, em audiência preliminar ou final, de uma única questão de facto ou direito comum a várias causas. Requerida pelas partes ou, tratando-se de processos que pendam perante o mesmo juiz, oficiosamente determinada (n.os 3 e 4). A desagregação (art. 7) Pressupostos: coligação inicial ou sucessiva ou intervenção principal provocada pelo réu reconvinte (artigo 7.º, n.º 1), designadamente quando haja inconveniente em que as causas ou pedidos sejam instruídos, discutidos e julgados conjuntamente e se viabilize um andamento da causa mais célere ou menos oneroso para as partes ou para o tribunal. “Desagregação”: nas situações em que há uma “cumulação de acções” – artigo 29.º do CPC, o tribunal pode determinar que uma ou mais fases do processo se processe separadamente para cada uma das pretensões. 2.3. A simplificação da tramitação processual O art. 3º estabelece o dever de tramitação electrónica do processo (dos actos das partes, dos magistrados e da secretaria) (CITIUS – Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro); A citação edital passa a ser feita através de anúncio em página informática de acesso público (artigo 5.º e Portaria n.º 1097/2006, de 13 de Outubro); A distribuição é diária e os actos processuais Adopção de uma única forma de processo, independentemente do valor da acção; Simplificação da fase de julgamento e sentença A audiência de discussão e julgamento e a decisão – a discussão da matéria de facto e do aspecto jurídico da causa é oral e realiza-se em simultâneo (n.º 3 do artigo 14.º). – na decisão o relatório pode ser eliminado , pois, a sentença deve limitar-se à parte decisória (precedida da fundamentação sumária do julgado), e, em regra, ser imediatamente ditada para a acta (n.os 1 a 3 do artigo 15.º); – o tribunal julga de facto e de direito, podendo a discriminação dos factos ser feita por remissão para as peças processuais; – quando o réu não conteste a acção, pode a fundamentação consistir na mera adesão aos fundamentos do autor e, se o tribunal aderir a um acórdão de uniformização da jurisprudência, bastará a indicação do local da sua publicação em jornal oficial (n.os 4 e 5 do artigo 15.º). Da legalidade estrita das formas de processo … Para a multiplicidade de soluções …. Dispensa de condensação, admissão de prova, marcação de julgamento Audiência preliminar Condensação total ou parcial Decisão imediata Decisão por remissão Decisão normal ou “complexa” III. As soluções de aplicação geral 1. 2. 3. 4. 5. A marcação das diligências A agilização processual A decisão definitiva no âmbito dos procedimentos cautelares A tramitação electrónica O novo paradigma 3.1. A marcação das diligências A marcação de diligências é sempre efectuada mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, só podendo estes opor-se à data proposta em virtude outro serviço judicial já marcado, que devem indicar expressamente (n.os 3 e 4 do artigo 10.º), não constituindo causa de adiamento da audiência a falta de qualquer das partes ou dos seus mandatários (n.º 1 do artigo 14.º); 3.2. Os poderes do juiz-presidente no âmbito das comarcas piloto Art. 88º, da LOTJ , nº4, al. D) “promover a aplicação das medidas de simplificação e agilização processual” 3.3. A decisão “definitiva” na providência Artigo 21.º Providência cautelar de entrega judicial do DL 30/2008 : nº 7 “Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso”. art. 16º, do RPE “Quando tenham sido trazidos ao procedimento cautelar os elementos necessários à resolução definitiva do caso, o tribunal pode, ouvidas as partes, antecipar o juízo sobre a causa principal”. art. 121.º do CPTA (Decisão da causa principal): “Quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessário para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal”. Limites à decisão do mérito da causa no procedimento cautelar Efectuada apenas em determinados procedimentos de acordo com a sua natureza substancial ex. procedimentos cuja finalidade se esgota na proibição de um fare; Pressupõe a citação da parte contrária em fase inicial ou após oposição; Terá de implicar a efectiva demonstração dos requisitos da providência e da acção ? Implica a observância do princípio do pedido e do contraditório ? Está condicionada pela posição do autor (pedido, prova e perigo de perda da “causa”) ? Será esta a fórmula mágica? 25 Apreciação global Pontos positivos 1. A aplicação provisória enquanto processo experimental 2. O acentuar da necessidade de flexibilização e direcção do processo pelo juiz 3. A intenção de consagrar uma resposta dualista no âmbito processual à litigância de massas 4. Maior celeridade na tramitação no confronto com o “modelo” de uma acção sumária/ordinária IV. Os pontos críticos na aplicação prática 1. 2. 3. A agilização processual e a interpretação dos mecanismos processuais (o caso da competência) A flexibilidade versus rotina na aplicação da lei (a tramitação modelo) Os perigos do poder de gestão 1. A Declaração de inconstitucionalidade O Ac TC nº 69/2008 de in DR de 4.7.08 2. A gestão minimalista do processo 1. 2. 3. Diminuição da tramitação ao mínimo denominador comum com a supressão da base instrutória. Mantêm-se as diferenças de eficácia entre secções Mantêm-se a rotina burocrática com a não utilização de mecanismos de flexibilização 3. Os perigos de utilização do poder de gestão (I.R Scott e Resnik) Utilização excessiva do poder de gestão pode gerar incidentes processuais com dilação da tramitação e inconvenientes decorrentes da eventual anulação das decisões Atitude prepotente e/ou burocrática dos juízes Flexibilidade excessiva e incerteza processual Visão economicista ou utilitária das regras processuais com violação das suas finalidades substanciais Envolvimento do juiz na “gestão da causa” pode afectar a sua independência Diminuição do grau de fundamentação das decisões Exemplos erróneos de aplicação Comparência testemunhas comarca adjacente (art. 623º e 137). Alteração de denominação do réu antes citação (erro de escrita) Diligências oficiosos de citação (art. 234) Limitação da utilização do art. 279º, nº4, do CPC a uma vez Aproveitamento das diligências de citação frustadas no âmbito do procedimento injunção Marcação de julgamento antes do prazo de contestação do MP (porquê ? e se for arguida a incompetência territorial?) Diligências que contendam com direito de prova (obrigação de depoimento por escrito, âmbito prova) V. Conclusão crítica 1. 2. 3. 4. 5. A alteração do âmbito de aplicação a todas as formas de litigância pode ser desadequada das especificidades de certas acções (unificação excessiva) Pressupõe uma cultura judiciária e operadores judiciários adaptados a cláusulas processuais gerais. Tal como a reforma de 96/97, está desadequada do actual modelo de organização judiciária Importa elementos legislativos de outras ordens de forma parcelar e sem correspondência sociológica na nossa cultura forense Ao contrário da simplificação e previsibilidade de uma litigância de massas exige, na prática um sistema que pressupõe uma construção individual e casuística do processo Benjamin Cardozo in A natureza do Processo Judicial (1921) “o juiz deve ter sempre em mente a concepção teleológica da sua função (…) que significa (a adopção) do pragmatismo. Não devemos sacrificar o geral ao particular (mas também) não devemos lançar ao vento as vantagens da consistência e da uniformidade para fazer justiça no caso em questão”. Victor Hugo “Saber exactamente qual a parte do futuro que pode ser introduzida no presente é o segredo de um bom governo”