Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios –
FESMPDFT
ANGELA BURGOS MOREIRA
Análise da Tutela Antecipada Inaudita Altera Parte à Luz dos
Princípios do Contraditório e Ampla Defesa
Artigo apresentado como pré-requisito para
conclusão do Curso de Especialização em
Direito Processual Civil, sob a orientação do
Professor Alexandre de Freitas Câmara
Brasília – 2009
2
TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARTE E O PRINCÍPIO DO
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA*
Angela Burgos Moreira
RESUMO
Este trabalho visa à análise do instituto da tutela antecipada inaudita altera parte, que, do latim,
significa sem a oitiva da parte contrária, à luz dos princípios do contraditório e ampla defesa.
Esse instituto é de grande aplicação em nosso ordenamento jurídico nos casos de maior urgência
para que a efetividade do processo seja resguardada. No entanto, não podemos perder de vista as
garantias constitucionais previstas aos litigantes, notadamente o contraditório e amplo defesa,
imprescindíveis a uma prestação jurisdicional justa e equânime.
Palavras-chaves: Tutela antecipada inaudita altera parte – contraditória e ampla defesa –
necessidade - harmonização sistema jurídico.
___________________________________
* Artigo científico apresentado como requisito para conclusão da Pós-graduação em Direito Processual Civil da
Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Orientador: Alexandre Freitas Câmara.
3
1. NOTA INTRODUTÓRIA
Os preceitos que regulam a convivência social muitas vezes não são respeitados
espontaneamente pelos membros da sociedade. Daí a necessidade de se criar a tutela jurídica
como proteção que o Estado confere ao homem para dirimir os conflitos entre os conviventes.
A proteção conferida pelo Estado, por meio do processo, àquele que se sente lesado
pelas regras de convivência da sociedade e, lógico, tenha razão, chama-se de tutela jurisdicional.
O Estado, ao assumir o monopólio da jurisdição, pretendia realizar a solução de todos
os conflitos a fim de evitar, desta forma a autotutela. Acontece que, com a multiplicação dos
conflitos, a prestação jurisdicional tornou-se morosa, razão pela qual não conseguiu resolver os
conflitos de forma justa, já que para haver justiça é necessário que se tenha efetividade.
Há situações em que a espera do provimento final pode comprometer a eficácia da
tutela. Observa José Roberto dos Santos Bedaque:
O tempo decorrido entre o pedido e a concessão da tutela satisfativa, em
qualquer de suas modalidades, pode não ser compatível com a urgência de
determinadas situações, que requerem soluções imediatas, sem o quê ficará
comprometida à satisfação do direito. Daí a necessidade de serem adotadas
medidas destinadas a afastar esse estado de risco para a efetividade da tutela
satisfativa. É preciso eliminar o perigo de ineficácia da providência jurisdicional
definitiva. 1
Visando à efetividade da prestação jurisdicional, o Estado passou a criar meios para
realizar a justiça. Hoje o sistema oferece outra espécie de tutela jurisdicional, uma tutela
diferenciada de caráter urgente e cognição sumária, a qual, de acordo com a doutrina, poderá
conter providências de dois tipos, a saber: (i) que antecipam os efeitos do direito pleiteado e (ii)
que determinam providências que visam resguardar e garantir a futura execução. Vamos nos ater
apenas ao estudo da tutela diferenciada que contém providências que antecipam a tutela definitiva
Essa tutela diferenciada que antecipa a tutela definitiva pode ainda ser concedida sem
a oitiva do réu nos casos em que aguardar a contestação da parte contrária poderia comprometer a
tutela de urgência, bem como a efetividade do procedimento.
1
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência
(tentativa de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113.
4
O presente estudo pretende tratar desse tema em específico, que ainda gera
divergências de posicionamento na doutrina e jurisprudência.
Dentro da perspectiva de conferir maior efetividade ao processo, sem perdermos de
vista as garantias constitucionais previstas aos litigantes, notadamente o contraditório e ampla
defesa, analisamos a seguir o posicionamento dos mais renomados processualistas sobre o
assunto, sobretudo do ponto de vista da parte prejudicada com a concessão da tutela antecipada
denominada inaudita altera parte e, acabamos nos filiando a um entendimento e expressando,
inclusive, nossas razões de convencimento.
2. O INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
A antecipação de tutela significou uma inovação no ordenamento jurídico, e de
pronto buscou-se no processo cautelar subsídios nos quais se fundar parâmetros para o novo
instituto.
A medida antecipatória de tutela possui caráter urgente e conteúdo satisfativo a
permitir que se dê tratamento diferenciado aos direitos evidentes e que correm risco de lesão.
O tempo é um elemento que deve ser considerado com primazia no jogo do equilíbrio
de forças entre as partes. A duração do processo é, como já apontou prestigiosa doutrina, fonte de
prejuízo, e interfere, sem dúvida, na funcionalidade da tutela jurisdicional como mecanismos de
regulação social, principalmente no que se refere sua aceitação e institucionalização pela
sociedade.
O legislador brasileiro criou um sistema visando responder a necessidade da
sociedade por uma prestação jurisdicional mais efetiva ao tornar viável a antecipação quando,
evidenciado o direito, a defesa é exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a tutela
antecipatória funda-se na probabilidade da existência do direito e no fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação.
Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco “há situações urgentes em que, a esperar
pela realização de todo o conhecimento judicial, com a efetividade do contraditório, defesa, prova
e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação de situações indesejáveis, a dano
5
de algum dos sujeitos. O tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu decurso pode lesá-los de
modo irreparável ou ao menos comprometê-los insuportavelmente (Carnelutti)”.2
No intuito de resolver tais questões é que a tutela antecipada foi introduzida no direito
brasileiro pelo artigo 273, do Código de Processo Civil, medida esta que oferece à parte, desde
logo, a fruição integral ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga.
Devida à urgência com que tais medidas são pleiteadas, se faz necessário a
sumariedade na cognição com que o juiz prepara a decisão no sentido de conceder ou negar a
medida e a revogabilidade das decisões, que podem ser revistas a qualquer tempo, não devendo
criar situações de irreversibilidade. A lei não exige certeza do Juiz para decidir, mas tão somente
a probabilidade razoável que vem definida como fumus boni juris.
Por esta razão, a tutela antecipada se emite com base em cognição incompleta e
superficial, pelo que não deve ser definitiva e nem vincular o juiz quando vier a julgar o mérito
da causa.
Cuida-se de aferir a plausibilidade das defesas provavelmente oponíveis à pretensão,
considerando que não é justo que a parte autora espere até o fim da realização de uma cognição
exauriente e plena para ver um direito reconhecido, quando, prima facie, verifica-se que este será
o desfecho da demanda.
Presentes os pressupostos essenciais de dano irreparável ou de difícil reparação e
verossimilhança das alegações, a antecipação de tutela pode ainda ser concedida sem a oitiva da
parte contrária, o que será objeto de análise do presente artigo.
3.
O
MOMENTO
PROCESSUAL
PARA
O
DEFERIMENTO
DA
MEDIDA
ANTECIPATÓRIA
Com a generalização do instituto da antecipação da tutela, um dos assuntos polêmicos
surgidos foi o “momento adequado para o deferimento da medida”. A lei não dispõe acerca da
previsão temporal, mas a doutrina e jurisprudência majoritária têm entendido que a mesma pode
ser postulada a qualquer momento no processo, sem esquecer-se, contudo, que o momento não
pode ser demasiadamente antecipado.
2
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 179.
6
Embora não aceito por parte da doutrina e jurisprudência3, a antecipação dos efeitos
da tutela pode ser concedida liminarmente, caso o perigo de dano seja iminente. Tal medida, de
caráter excepcional, não encontra óbice legal, uma vez que a parte contrária, ao tomar
conhecimento da medida, pode reverte-la.
É possível ainda que a situação de perigo e demais pressupostos da antecipação se
configurem apenas quando da prolação da sentença, assunto que também gera polêmica entre os
estudiosos do direito.
Poderá ainda ocorrer à configuração de urgência quando o processo já esteja em grau
de recurso, ocasião em que o pedido de antecipação de tutela será dirigido ao Tribunal
competente para o julgamento do recurso.
Assim, a tutela antecipada pode ser concedida a qualquer tempo, liminarmente sem a
oitiva da parte contrária ou no curso do processo.
4. LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE
O tema da antecipação da tutela inaudita altera parte despertou interesse não apenas
porque ainda gera posicionamentos divergentes na doutrina e jurisprudência, mas, sobretudo por
se tratar de relevante questão de ordem prática, em vista do instituto da antecipação da tutela,
estendido a todos os procedimentos previstos no ordenamento processual.
Passou a ser costumeiro em nosso ordenamento jurídico o pedido de antecipação de
tutela sem a oitiva da parte contrária, devida à urgência do caso, o que cabe ao Juiz decidir, sob
uma análise superficial, a necessidade da concessão ou não dessa tutela.
3
Confira-se a emente do acórdão proferido pela 1ª Câmara do E. TJMT, cujo relator invoca as lições do mestre
Calmon de Passos:
“Antecipação da tutela. Concessão antes da citação. Impossibilidade. Inteligência do artigo 273 do CPC.
Admissibilidade somente nas exceções do artigo 461 do mesmo estatuto processual.
Ementa oficial: O nosso ordenamento jurídico acolhe, por regra constitucional, o respeito ao devido processo legal.
Como exceção a esse princípio, em determinadas situações, a lei processual admite a concessão de liminares inaudita
altera parte. Expressamente, o instituto criado pelo artigo 273, do CPC, não menciona a possibilidade de concessão
antes da citação. Em se cuidando da antecipação da tutela, somente no artigo 461 é que se vislumbra essa
possibilidade e que, obviamente, não é o caso dos autos, A antecipação da tutela, antes da citação, será viável
somente nos casos que, pro sua especialidade, exijam do julgador uma tal providência”. (TJMT, AI 6380, 1ª Câmara,
publicado em 12/08/2006, rel. Dês. Salvador Pompeu de Barros Filho – RT 735/359).
7
Como bem sabemos, um dos grandes problemas do processo ordinário é a demora
para entrega da prestação jurisdicional.
Para o autor da ação, o processo será mais efetivo o quanto mais rápido for atingido
seu objetivo, pois a demora do processo só vem a beneficiar o réu, quando este não tem razão.
Por esse motivo há a necessidade da utilização das tutelas de urgência para resolver com
eficiência e utilidade os litígios.
Apesar de o fator tempo ser primordial para a realização efetiva da função
jurisdicional, não se pode perder de vista alguns princípios como o do contraditório e da ampla
defesa que, em muitas situações, são relegados. A tutela sumária em favor do autor pode resultar
em prejuízos irreparáveis para o réu que não teve oportunidade de exercer o contraditório.
Bem por isso que a tutela antecipatória somente deverá ser prestada – fora,
obviamente, casos excepcionais – após apresentada a contestação. Ou seja, “a tutela antecipada
antes da ouvida do réu somente tem razão de ser quando a sua audiência puder causar lesão ao
direito do autor”.4
Ressalte-se que a lei processual não veda a concessão da tutela antes de ouvir o réu,
pois nenhuma norma tem o condão de controlar as situações de perigo. No entanto, tal concessão
deve ocorrer somente nos casos em que a ouvida do réu possa comprometer realmente a
efetividade da tutela antecipatória.
Assim, resta evidente que o instituto da tutela antecipada inaudita altera parte é
imprescindível para resolver as situações de dano iminente e que não podem aguardar o trâmite
normal do processo, sob pena de se ter uma tutela inútil e ineficaz.
5. OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
Os princípios do contraditório e ampla defesa são garantias constitucionais destinadas
aos litigantes em processo judicial, criminal e civil.
Entende-se por ampla defesa o direito assegurado ao réu de condições que lhe
possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, enquanto
o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa. A todo ato produzido caberá igual
4
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006.
8
direito à parte contrária de opor-se ou dar-lhe sua versão, ou, ainda, de fornecer uma
interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor da ação.5
A tutela jurisdicional efetiva pressupõe a observância pelos órgãos judiciários dos
princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, principalmente do contraditório e
ampla defesa por serem garantias para as partes com vistas ao justo e imparcial provimento
jurisdicional.
A garantia constitucional à ampla defesa contempla a necessidade de defesa técnica
no processo, visando à paridade de armas entre as partes e, assim, evitar o desequilíbrio
processual, possível gerador de desigualdades e injustiças. O princípio do contraditório, por sua
vez, assegura a igualdade ao conceder às partes as mesmas oportunidades e os mesmos
instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos.
Sobre a questão bem observa Nelson Nery Junior: “O princípio do contraditório, além
de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima
ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao
garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação
quanto o direito de defesa são manifestações do contraditório”. 6
O referido autor entende ser mais apropriado falar-se em “bilateralidade da
audiência” para definir o contraditório, pois a tão-só possibilidade que se dá ao réu de manifestarse no processo atende o postulado do contraditório, não sendo necessário que de fato deduza
resposta ou outra manifestação positiva diante do pedido do autor.
Com a universalização do instituto da tutela antecipada, o foco voltou-se para os
princípios do contraditório e ampla defesa. Isto porque, conforme visto anteriormente, a liminar
de urgência muitas vezes é concedida sem oitiva da parte contrária, o que, à primeira vista, pode
configurar afronta a essas garantias constitucionais.
No entanto, a maior parte da nossa doutrina e jurisprudência entende que a concessão
de tutela antecipada inaudita altera parte não viola os princípios constitucionais do contraditório
e ampla defesa, uma vez que tal decisão é provisória e pode ser revista qualquer tempo.
5
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interprestada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2002.
p. 130.
6
9
Nesse sentido, aduz Nelson Nery Junior “o cerne da questão se encontra na
manutenção da provisoriedade da medida, circunstância que derruba, ao nosso ver, a alegada
inconstitucionalidade da liminares sem a ouvida da parte contrária”.7
Conclui-se, portanto, que as tutelas de urgência sem a oitiva da parte contrária
convivem harmoniosamente com os princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo a
promover a efetividade da jurisdição.
6. ANÁLISE DA ANTECIPAÇAO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARTE À LUZ DOS
PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
No direito brasileiro, as tutelas de urgência podem ser concedidas sem a oitiva da
parte contrária quando houver perigo de ineficácia da medida, caso se dê previamente o
contraditório pleno.
Entre nós, porém, remanesce a questão se o réu não seria prejudicado, de certa forma,
por ter conhecimento da existência da ação já com decisão favorável ao autor. Como então
conciliar as garantias constitucionais da parte contra quem se defere a antecipação? Essas
questões não foram abordadas devidamente pela legislação, o que permite ainda algumas
divergências de entendimento.
O autor Cássio Scarpinella Bueno diz que “o instituto da tutela antecipada ou da
antecipação da tutela tende muito mais à realização concreta do princípio da efetividade da
jurisdição e da razoável duração do processo do que ao princípio do contraditório ou do devido
processo legal, quando analisados, parcialmente, como garantia para o réu, única e
exclusivamente. Dito de forma bem simples: a tutela antecipada é instituto que, por definição,
prestigia muito mais o autor do que o réu”. 8
Isto porque as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa tendem a ser
mitigadas face à efetividade da jurisdição, mas isso não quer dizer que tais garantias são deixadas
de lado, pois o réu tem assegurada a oportunidade para apresentar defesa e reverter a seu favor a
situação tida por contrária.
7
8
Ibidem. p. 136.
BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 68.
10
Não se trata, pois, de alegar que a tutela antecipada não observa os princípios
constitucionais, apenas posterga-os visando buscar uma resposta mais rápida, justa e eficiente
possível para a pretensão do autor.
Teori Albino Zavaski faz uma importante observação de que “se o Estado assumiu o
monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão própria, é seu dever fazer com que os
indivíduos a ela submetidos compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da
demora da atividade jurisdicional. Sendo assim, é direito de quem litiga em juízo obter do Estado
à entrega da tutela em tempo e em condições adequadas a preservar, de modo efetivo, o bem da
vida que lhe for devido, ou, se for o caso, obter dele medida de garantia de que tal tutela será
efetivamente prestada no futuro”. 9
Assim, para que a tutela jurisdicional seja efetiva e útil em situações de risco, de
perigo de dano, de comprometimento da efetividade, será indispensável à concessão da tutela sem
a oitiva da parte contrária, o que ocorrerá em momento posterior sem prejuízo.
O ilustre mestre Bedaque anota que “a concessão da antecipação de tutela inaudita
altera parte, não encontra óbice legal”. Para ele “a solução não viola o contraditório, pois a
parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui meios prontos e eficazes para alterála”.
O referido autor adverte que o Juiz só poderá antecipar a tutela sem a presença do réu
se a sua convocação prejudicar a eficácia da medida.
Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni entende que em alguns casos a ouvida do
réu, antes do deferimento da tutela urgente, poderá comprometer a efetividade do procedimento.
Dessa maneira, somente de acordo com o caso concreto é que se poderá conceder ou não a
antecipação sem oitiva do réu. Para Marinoni não há que se falar em lesão ao princípio do
contraditório, uma vez que este poderá ser postergado para permitir a efetividade da tutela dos
direitos.10
Compartilha desse mesmo entendimento o autor Alexandre Freitas Câmara que
observa que não há qualquer violação aos princípios constitucionais quando ocorre concessão de
medidas liminares. De acordo com suas lições: “A possibilidade, assegurada ao demandado, de
9
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 113.
MARINONI, Luz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006, p. 138.
10
11
manifestar-se posteriormente sobre o provimento antecipatório não afasta o contraditório, mas
apenas o difere para momento posterior”.11
Contudo, os Tribunais divergem quando se trata da possibilidade da antecipação sem
a oitiva do réu.
Vejamos alguns posicionamentos acerca da questão. O Tribunal de Alçada de Minas
Gerais admite a antecipação. Para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso é inadmissível a
antecipação antes da ouvida do réu e, ainda, os Tribunais Justiça de São Paulo e Rio Grande do
Sul só admitem quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se
pretende evitar.12
O doutro magistrado de Minas Gerais argumenta que como a lei não fixou o
momento adequado para a antecipação de tutela, o juiz poderá apreciar a mesma antes ou depois
da citação do réu, conforme a urgência que o caso requer.
No lado oposto encontra-se o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que entende que é
inadmissível a antecipação da tutela, antes da citação do réu, com exceção da hipótese prevista no
§3º do artigo 461, do CPC.
O Relator, em seu voto, defende que a concessão da medida antes da citação do réu
só seria possível em casos especialíssimos, devidamente comprovados, como naqueles
11
CÂMARA, Alexandre Freitas. Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 104.
Agravo de Instrumento – O instituto da tutela antecipada, prevista no artigo 273, do CPC, visa garantir a
efetividade da tutela jurisdicional com a antecipação dos seus efeitos. Contudo, a lei não fixou o momento
adequado para a antecipação de tutela. Assim, poderá o juiz apreciar a mesma antes ou depois da citação do
réu, conforme sua maior ou menor urgência. Mostra-se prudente, entretanto, que seja realizada a análise da tutela
antecipada, in limine litis, tão logo a parte requeira, desde que presente o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação. (TJMG – Relator Eduardo Marine da Cunha – processo nº 1.0118.07.010084-7. Publicado em
24/10/2007).
Tutela Antecipatória – Pretensão da concessão da medida antes da citação do réu – inadmissibilidade
ressalvada a hipótese do art. 461, §3º do CPC – Necessidade do preenchimento de todos os requisitos elencados no
art. 273 também do CPC.
Em princípio, não existe a previsão de outorgar a tutela antecipada antes da citação do réu, com exceção da hipótese
prevista no art. 461, §3º. Não se deve confundir a tutela antecipada, que adentra no âmago da questão com as
medidas cautelares, que buscam a garantia da efetividade do processo. Em homenagem à garantia do devido
processo legal, a antecipação só será viável ante o preenchimento de todos os requisitos elencados no artigo 273 do
CPC, em casos especialíssimos, onde se faça necessária a antecipação provisória. (TJMT – 1ª Câmara – AI 6.849,
julgamento em 24/02/97, rel. Dês. Salvador Pompeu de Barros Filho – RT 743/97).
Tutela Antecipatória – Deferimento sem a audiência da parte contrária – admissibilidade somente quando a
convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se busca evitar – Inteligência do artigo 273 do
CPC. (TJSP – 3ª Câmara de Direito Privado – AI nº 099.766-4/9, julgado em 02/02/2002, rel. Dês. Ênio Santarelli
Zuliani – RT 764/2001).
12
12
necessários à vida e à saúde, em respeito à pessoa humana. Logo, a concessão só poderá ser
deferida após decorrido o prazo para o contraditório e não inaudita altera parte.
Parece-nos que o douto magistrado incorreu em erro ao se valer do princípio do
contraditório para negar a antecipação da tutela. Isto porque, nesses casos, o contraditório não
será negado, apenas postergado nos casos em que a ciência do réu poderia tornar ineficaz a
medida pleiteada. Perfilha também desse entendimento os Tribunais de São Paulo e Rio Grande
do Sul.
No precedente citado do Tribunal de Justiça de São Paulo, apesar de o magistrado
entender que é possível a antecipação da tutela inaudita altera parte, quando a convocação do réu
prejudicar a medida, não estavam presentes elementos concretos que subsidiariam o
convencimento do julgador de que a citação fosse um obstáculo ou um mal para o processo, de
sorte que não havendo os pressupostos encorajadores de uma audiência sem oitiva da parte
contrária, foi mantido o indeferimento da tutela antecipada.
Verifica-se, assim, que a doutrina e jurisprudência majoritária entendem que a
concessão de tutela antecipada inaudita altera parte se coaduna com as garantias constitucionais
do contraditório e ampla defesa, uma vez que os direitos do réu são apenas postergados, mas
nunca suprimidos.13
Seja qual for o posicionamento adotado, o que se deve ter em mente é o que o
instituto da antecipação da tutela inaudita altera parte não pode cercear o direito de defesa da
parte contra quem a ordem é dirigida, ficando assegurada à mesma o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
13
Confira-se: “É claro que o princípio do contraditório não existe sozinho, mas em função da garantia básica da
tutela jurisdicional. Logo, se dentro do padrão normal o contraditório irá anular a efetividade da jurisdição, impõe-se
alguma medida de ordem prática para que a tutela jurisdicional atinja, com prioridade, sua tarefa de fazer justiça a
quem a merece. Depois de assegurado o resultado útil e efetivo do processo, vai-se em seguida, observar também o
contraditório, mas já em segundo plano”. (Humberto Theodoro Junior. Tutela Antecipada. In: Teresa Arruda Alvim
Wambier (coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 191).
13
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como dissemos no início, a generalização do instituto da antecipação de tutela a
partir de 1994, provocou notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As
medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais,
passaram a constituir providência alcançável em qualquer processo.
Essa inovação no sistema, sem dúvida, valorizou o princípio da efetividade da função
jurisdicional ao atribuir ao juiz o poder de deferir medidas típicas de execução no processo de
conhecimento, como fórmula de minimizar a incidência do fator tempo no processo que se
contrapõe ao fator segurança jurídica.
Alguns desdobramentos polêmicos, porém, surgiram com a generalização das
medidas antecipatórias, como por exemplo, a concessão de liminar inaudita altera parte e os
princípios do contraditório e ampla defesa.
Hoje esta questão, que já foi amplamente discutida, parece-nos já foi pacificada na
doutrina e jurisprudência no sentido de não haver nenhum óbice à sua concessão nos casos de
perigo iminente, visando à efetiva prestação jurisdicional.
De tudo o que foi dito, fica a certeza de que a antecipação da tutela inaudita altera
parte será concedida apenas nas situações em que for verificada a verossimilhança das alegações
e o perigo de dano iminente. Fica ainda a certeza de que tal medida se coaduna perfeitamente
com as garantias constitucionais, tendo em vista que ao réu será assegurada uma outra espécie de
efetividade: a de participação em contraditório, ainda que diferido, e ampla defesa com os meios
e recursos a ela inerentes.
14
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. 5.
ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2000.
BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. Os princípios do direito processual civil na Constituição
de 1988. Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1992.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas
Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
BUENO, Cássio Scarpiella. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2001.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol I, 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
_____________. A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006.
MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São
Paulo: Rev. Tribunais, 2002.
NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 31. ed. São
Paulo: Saraiva, 2000.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 22. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1997.
_________. Tutela Antecipada. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). Aspectos Polêmicos
da Antecipação de Tutela. São Paulo: Rev. Tribunais, 1997.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela.
Coordenação. São Paulo: Rev. Tribunais, 1997.
ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
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