Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – FESMPDFT ANGELA BURGOS MOREIRA Análise da Tutela Antecipada Inaudita Altera Parte à Luz dos Princípios do Contraditório e Ampla Defesa Artigo apresentado como pré-requisito para conclusão do Curso de Especialização em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Alexandre de Freitas Câmara Brasília – 2009 2 TUTELA ANTECIPADA INAUDITA ALTERA PARTE E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA* Angela Burgos Moreira RESUMO Este trabalho visa à análise do instituto da tutela antecipada inaudita altera parte, que, do latim, significa sem a oitiva da parte contrária, à luz dos princípios do contraditório e ampla defesa. Esse instituto é de grande aplicação em nosso ordenamento jurídico nos casos de maior urgência para que a efetividade do processo seja resguardada. No entanto, não podemos perder de vista as garantias constitucionais previstas aos litigantes, notadamente o contraditório e amplo defesa, imprescindíveis a uma prestação jurisdicional justa e equânime. Palavras-chaves: Tutela antecipada inaudita altera parte – contraditória e ampla defesa – necessidade - harmonização sistema jurídico. ___________________________________ * Artigo científico apresentado como requisito para conclusão da Pós-graduação em Direito Processual Civil da Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Orientador: Alexandre Freitas Câmara. 3 1. NOTA INTRODUTÓRIA Os preceitos que regulam a convivência social muitas vezes não são respeitados espontaneamente pelos membros da sociedade. Daí a necessidade de se criar a tutela jurídica como proteção que o Estado confere ao homem para dirimir os conflitos entre os conviventes. A proteção conferida pelo Estado, por meio do processo, àquele que se sente lesado pelas regras de convivência da sociedade e, lógico, tenha razão, chama-se de tutela jurisdicional. O Estado, ao assumir o monopólio da jurisdição, pretendia realizar a solução de todos os conflitos a fim de evitar, desta forma a autotutela. Acontece que, com a multiplicação dos conflitos, a prestação jurisdicional tornou-se morosa, razão pela qual não conseguiu resolver os conflitos de forma justa, já que para haver justiça é necessário que se tenha efetividade. Há situações em que a espera do provimento final pode comprometer a eficácia da tutela. Observa José Roberto dos Santos Bedaque: O tempo decorrido entre o pedido e a concessão da tutela satisfativa, em qualquer de suas modalidades, pode não ser compatível com a urgência de determinadas situações, que requerem soluções imediatas, sem o quê ficará comprometida à satisfação do direito. Daí a necessidade de serem adotadas medidas destinadas a afastar esse estado de risco para a efetividade da tutela satisfativa. É preciso eliminar o perigo de ineficácia da providência jurisdicional definitiva. 1 Visando à efetividade da prestação jurisdicional, o Estado passou a criar meios para realizar a justiça. Hoje o sistema oferece outra espécie de tutela jurisdicional, uma tutela diferenciada de caráter urgente e cognição sumária, a qual, de acordo com a doutrina, poderá conter providências de dois tipos, a saber: (i) que antecipam os efeitos do direito pleiteado e (ii) que determinam providências que visam resguardar e garantir a futura execução. Vamos nos ater apenas ao estudo da tutela diferenciada que contém providências que antecipam a tutela definitiva Essa tutela diferenciada que antecipa a tutela definitiva pode ainda ser concedida sem a oitiva do réu nos casos em que aguardar a contestação da parte contrária poderia comprometer a tutela de urgência, bem como a efetividade do procedimento. 1 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113. 4 O presente estudo pretende tratar desse tema em específico, que ainda gera divergências de posicionamento na doutrina e jurisprudência. Dentro da perspectiva de conferir maior efetividade ao processo, sem perdermos de vista as garantias constitucionais previstas aos litigantes, notadamente o contraditório e ampla defesa, analisamos a seguir o posicionamento dos mais renomados processualistas sobre o assunto, sobretudo do ponto de vista da parte prejudicada com a concessão da tutela antecipada denominada inaudita altera parte e, acabamos nos filiando a um entendimento e expressando, inclusive, nossas razões de convencimento. 2. O INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA A antecipação de tutela significou uma inovação no ordenamento jurídico, e de pronto buscou-se no processo cautelar subsídios nos quais se fundar parâmetros para o novo instituto. A medida antecipatória de tutela possui caráter urgente e conteúdo satisfativo a permitir que se dê tratamento diferenciado aos direitos evidentes e que correm risco de lesão. O tempo é um elemento que deve ser considerado com primazia no jogo do equilíbrio de forças entre as partes. A duração do processo é, como já apontou prestigiosa doutrina, fonte de prejuízo, e interfere, sem dúvida, na funcionalidade da tutela jurisdicional como mecanismos de regulação social, principalmente no que se refere sua aceitação e institucionalização pela sociedade. O legislador brasileiro criou um sistema visando responder a necessidade da sociedade por uma prestação jurisdicional mais efetiva ao tornar viável a antecipação quando, evidenciado o direito, a defesa é exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a tutela antecipatória funda-se na probabilidade da existência do direito e no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco “há situações urgentes em que, a esperar pela realização de todo o conhecimento judicial, com a efetividade do contraditório, defesa, prova e discussão da causa, os fatos podem evoluir para a consumação de situações indesejáveis, a dano 5 de algum dos sujeitos. O tempo às vezes é inimigo dos direitos e o seu decurso pode lesá-los de modo irreparável ou ao menos comprometê-los insuportavelmente (Carnelutti)”.2 No intuito de resolver tais questões é que a tutela antecipada foi introduzida no direito brasileiro pelo artigo 273, do Código de Processo Civil, medida esta que oferece à parte, desde logo, a fruição integral ou parcial do próprio bem ou situação pela qual litiga. Devida à urgência com que tais medidas são pleiteadas, se faz necessário a sumariedade na cognição com que o juiz prepara a decisão no sentido de conceder ou negar a medida e a revogabilidade das decisões, que podem ser revistas a qualquer tempo, não devendo criar situações de irreversibilidade. A lei não exige certeza do Juiz para decidir, mas tão somente a probabilidade razoável que vem definida como fumus boni juris. Por esta razão, a tutela antecipada se emite com base em cognição incompleta e superficial, pelo que não deve ser definitiva e nem vincular o juiz quando vier a julgar o mérito da causa. Cuida-se de aferir a plausibilidade das defesas provavelmente oponíveis à pretensão, considerando que não é justo que a parte autora espere até o fim da realização de uma cognição exauriente e plena para ver um direito reconhecido, quando, prima facie, verifica-se que este será o desfecho da demanda. Presentes os pressupostos essenciais de dano irreparável ou de difícil reparação e verossimilhança das alegações, a antecipação de tutela pode ainda ser concedida sem a oitiva da parte contrária, o que será objeto de análise do presente artigo. 3. O MOMENTO PROCESSUAL PARA O DEFERIMENTO DA MEDIDA ANTECIPATÓRIA Com a generalização do instituto da antecipação da tutela, um dos assuntos polêmicos surgidos foi o “momento adequado para o deferimento da medida”. A lei não dispõe acerca da previsão temporal, mas a doutrina e jurisprudência majoritária têm entendido que a mesma pode ser postulada a qualquer momento no processo, sem esquecer-se, contudo, que o momento não pode ser demasiadamente antecipado. 2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 179. 6 Embora não aceito por parte da doutrina e jurisprudência3, a antecipação dos efeitos da tutela pode ser concedida liminarmente, caso o perigo de dano seja iminente. Tal medida, de caráter excepcional, não encontra óbice legal, uma vez que a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, pode reverte-la. É possível ainda que a situação de perigo e demais pressupostos da antecipação se configurem apenas quando da prolação da sentença, assunto que também gera polêmica entre os estudiosos do direito. Poderá ainda ocorrer à configuração de urgência quando o processo já esteja em grau de recurso, ocasião em que o pedido de antecipação de tutela será dirigido ao Tribunal competente para o julgamento do recurso. Assim, a tutela antecipada pode ser concedida a qualquer tempo, liminarmente sem a oitiva da parte contrária ou no curso do processo. 4. LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE O tema da antecipação da tutela inaudita altera parte despertou interesse não apenas porque ainda gera posicionamentos divergentes na doutrina e jurisprudência, mas, sobretudo por se tratar de relevante questão de ordem prática, em vista do instituto da antecipação da tutela, estendido a todos os procedimentos previstos no ordenamento processual. Passou a ser costumeiro em nosso ordenamento jurídico o pedido de antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária, devida à urgência do caso, o que cabe ao Juiz decidir, sob uma análise superficial, a necessidade da concessão ou não dessa tutela. 3 Confira-se a emente do acórdão proferido pela 1ª Câmara do E. TJMT, cujo relator invoca as lições do mestre Calmon de Passos: “Antecipação da tutela. Concessão antes da citação. Impossibilidade. Inteligência do artigo 273 do CPC. Admissibilidade somente nas exceções do artigo 461 do mesmo estatuto processual. Ementa oficial: O nosso ordenamento jurídico acolhe, por regra constitucional, o respeito ao devido processo legal. Como exceção a esse princípio, em determinadas situações, a lei processual admite a concessão de liminares inaudita altera parte. Expressamente, o instituto criado pelo artigo 273, do CPC, não menciona a possibilidade de concessão antes da citação. Em se cuidando da antecipação da tutela, somente no artigo 461 é que se vislumbra essa possibilidade e que, obviamente, não é o caso dos autos, A antecipação da tutela, antes da citação, será viável somente nos casos que, pro sua especialidade, exijam do julgador uma tal providência”. (TJMT, AI 6380, 1ª Câmara, publicado em 12/08/2006, rel. Dês. Salvador Pompeu de Barros Filho – RT 735/359). 7 Como bem sabemos, um dos grandes problemas do processo ordinário é a demora para entrega da prestação jurisdicional. Para o autor da ação, o processo será mais efetivo o quanto mais rápido for atingido seu objetivo, pois a demora do processo só vem a beneficiar o réu, quando este não tem razão. Por esse motivo há a necessidade da utilização das tutelas de urgência para resolver com eficiência e utilidade os litígios. Apesar de o fator tempo ser primordial para a realização efetiva da função jurisdicional, não se pode perder de vista alguns princípios como o do contraditório e da ampla defesa que, em muitas situações, são relegados. A tutela sumária em favor do autor pode resultar em prejuízos irreparáveis para o réu que não teve oportunidade de exercer o contraditório. Bem por isso que a tutela antecipatória somente deverá ser prestada – fora, obviamente, casos excepcionais – após apresentada a contestação. Ou seja, “a tutela antecipada antes da ouvida do réu somente tem razão de ser quando a sua audiência puder causar lesão ao direito do autor”.4 Ressalte-se que a lei processual não veda a concessão da tutela antes de ouvir o réu, pois nenhuma norma tem o condão de controlar as situações de perigo. No entanto, tal concessão deve ocorrer somente nos casos em que a ouvida do réu possa comprometer realmente a efetividade da tutela antecipatória. Assim, resta evidente que o instituto da tutela antecipada inaudita altera parte é imprescindível para resolver as situações de dano iminente e que não podem aguardar o trâmite normal do processo, sob pena de se ter uma tutela inútil e ineficaz. 5. OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA Os princípios do contraditório e ampla defesa são garantias constitucionais destinadas aos litigantes em processo judicial, criminal e civil. Entende-se por ampla defesa o direito assegurado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa. A todo ato produzido caberá igual 4 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006. 8 direito à parte contrária de opor-se ou dar-lhe sua versão, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor da ação.5 A tutela jurisdicional efetiva pressupõe a observância pelos órgãos judiciários dos princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, principalmente do contraditório e ampla defesa por serem garantias para as partes com vistas ao justo e imparcial provimento jurisdicional. A garantia constitucional à ampla defesa contempla a necessidade de defesa técnica no processo, visando à paridade de armas entre as partes e, assim, evitar o desequilíbrio processual, possível gerador de desigualdades e injustiças. O princípio do contraditório, por sua vez, assegura a igualdade ao conceder às partes as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos. Sobre a questão bem observa Nelson Nery Junior: “O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do contraditório”. 6 O referido autor entende ser mais apropriado falar-se em “bilateralidade da audiência” para definir o contraditório, pois a tão-só possibilidade que se dá ao réu de manifestarse no processo atende o postulado do contraditório, não sendo necessário que de fato deduza resposta ou outra manifestação positiva diante do pedido do autor. Com a universalização do instituto da tutela antecipada, o foco voltou-se para os princípios do contraditório e ampla defesa. Isto porque, conforme visto anteriormente, a liminar de urgência muitas vezes é concedida sem oitiva da parte contrária, o que, à primeira vista, pode configurar afronta a essas garantias constitucionais. No entanto, a maior parte da nossa doutrina e jurisprudência entende que a concessão de tutela antecipada inaudita altera parte não viola os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, uma vez que tal decisão é provisória e pode ser revista qualquer tempo. 5 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interprestada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2002. p. 130. 6 9 Nesse sentido, aduz Nelson Nery Junior “o cerne da questão se encontra na manutenção da provisoriedade da medida, circunstância que derruba, ao nosso ver, a alegada inconstitucionalidade da liminares sem a ouvida da parte contrária”.7 Conclui-se, portanto, que as tutelas de urgência sem a oitiva da parte contrária convivem harmoniosamente com os princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo a promover a efetividade da jurisdição. 6. ANÁLISE DA ANTECIPAÇAO DE TUTELA INAUDITA ALTERA PARTE À LUZ DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA No direito brasileiro, as tutelas de urgência podem ser concedidas sem a oitiva da parte contrária quando houver perigo de ineficácia da medida, caso se dê previamente o contraditório pleno. Entre nós, porém, remanesce a questão se o réu não seria prejudicado, de certa forma, por ter conhecimento da existência da ação já com decisão favorável ao autor. Como então conciliar as garantias constitucionais da parte contra quem se defere a antecipação? Essas questões não foram abordadas devidamente pela legislação, o que permite ainda algumas divergências de entendimento. O autor Cássio Scarpinella Bueno diz que “o instituto da tutela antecipada ou da antecipação da tutela tende muito mais à realização concreta do princípio da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo do que ao princípio do contraditório ou do devido processo legal, quando analisados, parcialmente, como garantia para o réu, única e exclusivamente. Dito de forma bem simples: a tutela antecipada é instituto que, por definição, prestigia muito mais o autor do que o réu”. 8 Isto porque as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa tendem a ser mitigadas face à efetividade da jurisdição, mas isso não quer dizer que tais garantias são deixadas de lado, pois o réu tem assegurada a oportunidade para apresentar defesa e reverter a seu favor a situação tida por contrária. 7 8 Ibidem. p. 136. BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 68. 10 Não se trata, pois, de alegar que a tutela antecipada não observa os princípios constitucionais, apenas posterga-os visando buscar uma resposta mais rápida, justa e eficiente possível para a pretensão do autor. Teori Albino Zavaski faz uma importante observação de que “se o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão própria, é seu dever fazer com que os indivíduos a ela submetidos compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da demora da atividade jurisdicional. Sendo assim, é direito de quem litiga em juízo obter do Estado à entrega da tutela em tempo e em condições adequadas a preservar, de modo efetivo, o bem da vida que lhe for devido, ou, se for o caso, obter dele medida de garantia de que tal tutela será efetivamente prestada no futuro”. 9 Assim, para que a tutela jurisdicional seja efetiva e útil em situações de risco, de perigo de dano, de comprometimento da efetividade, será indispensável à concessão da tutela sem a oitiva da parte contrária, o que ocorrerá em momento posterior sem prejuízo. O ilustre mestre Bedaque anota que “a concessão da antecipação de tutela inaudita altera parte, não encontra óbice legal”. Para ele “a solução não viola o contraditório, pois a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui meios prontos e eficazes para alterála”. O referido autor adverte que o Juiz só poderá antecipar a tutela sem a presença do réu se a sua convocação prejudicar a eficácia da medida. Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni entende que em alguns casos a ouvida do réu, antes do deferimento da tutela urgente, poderá comprometer a efetividade do procedimento. Dessa maneira, somente de acordo com o caso concreto é que se poderá conceder ou não a antecipação sem oitiva do réu. Para Marinoni não há que se falar em lesão ao princípio do contraditório, uma vez que este poderá ser postergado para permitir a efetividade da tutela dos direitos.10 Compartilha desse mesmo entendimento o autor Alexandre Freitas Câmara que observa que não há qualquer violação aos princípios constitucionais quando ocorre concessão de medidas liminares. De acordo com suas lições: “A possibilidade, assegurada ao demandado, de 9 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 113. MARINONI, Luz Guilherme. Antecipação da Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006, p. 138. 10 11 manifestar-se posteriormente sobre o provimento antecipatório não afasta o contraditório, mas apenas o difere para momento posterior”.11 Contudo, os Tribunais divergem quando se trata da possibilidade da antecipação sem a oitiva do réu. Vejamos alguns posicionamentos acerca da questão. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais admite a antecipação. Para o Tribunal de Justiça do Mato Grosso é inadmissível a antecipação antes da ouvida do réu e, ainda, os Tribunais Justiça de São Paulo e Rio Grande do Sul só admitem quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se pretende evitar.12 O doutro magistrado de Minas Gerais argumenta que como a lei não fixou o momento adequado para a antecipação de tutela, o juiz poderá apreciar a mesma antes ou depois da citação do réu, conforme a urgência que o caso requer. No lado oposto encontra-se o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que entende que é inadmissível a antecipação da tutela, antes da citação do réu, com exceção da hipótese prevista no §3º do artigo 461, do CPC. O Relator, em seu voto, defende que a concessão da medida antes da citação do réu só seria possível em casos especialíssimos, devidamente comprovados, como naqueles 11 CÂMARA, Alexandre Freitas. Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001, p. 104. Agravo de Instrumento – O instituto da tutela antecipada, prevista no artigo 273, do CPC, visa garantir a efetividade da tutela jurisdicional com a antecipação dos seus efeitos. Contudo, a lei não fixou o momento adequado para a antecipação de tutela. Assim, poderá o juiz apreciar a mesma antes ou depois da citação do réu, conforme sua maior ou menor urgência. Mostra-se prudente, entretanto, que seja realizada a análise da tutela antecipada, in limine litis, tão logo a parte requeira, desde que presente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. (TJMG – Relator Eduardo Marine da Cunha – processo nº 1.0118.07.010084-7. Publicado em 24/10/2007). Tutela Antecipatória – Pretensão da concessão da medida antes da citação do réu – inadmissibilidade ressalvada a hipótese do art. 461, §3º do CPC – Necessidade do preenchimento de todos os requisitos elencados no art. 273 também do CPC. Em princípio, não existe a previsão de outorgar a tutela antecipada antes da citação do réu, com exceção da hipótese prevista no art. 461, §3º. Não se deve confundir a tutela antecipada, que adentra no âmago da questão com as medidas cautelares, que buscam a garantia da efetividade do processo. Em homenagem à garantia do devido processo legal, a antecipação só será viável ante o preenchimento de todos os requisitos elencados no artigo 273 do CPC, em casos especialíssimos, onde se faça necessária a antecipação provisória. (TJMT – 1ª Câmara – AI 6.849, julgamento em 24/02/97, rel. Dês. Salvador Pompeu de Barros Filho – RT 743/97). Tutela Antecipatória – Deferimento sem a audiência da parte contrária – admissibilidade somente quando a convocação do réu contribuir para a consumação do dano que se busca evitar – Inteligência do artigo 273 do CPC. (TJSP – 3ª Câmara de Direito Privado – AI nº 099.766-4/9, julgado em 02/02/2002, rel. Dês. Ênio Santarelli Zuliani – RT 764/2001). 12 12 necessários à vida e à saúde, em respeito à pessoa humana. Logo, a concessão só poderá ser deferida após decorrido o prazo para o contraditório e não inaudita altera parte. Parece-nos que o douto magistrado incorreu em erro ao se valer do princípio do contraditório para negar a antecipação da tutela. Isto porque, nesses casos, o contraditório não será negado, apenas postergado nos casos em que a ciência do réu poderia tornar ineficaz a medida pleiteada. Perfilha também desse entendimento os Tribunais de São Paulo e Rio Grande do Sul. No precedente citado do Tribunal de Justiça de São Paulo, apesar de o magistrado entender que é possível a antecipação da tutela inaudita altera parte, quando a convocação do réu prejudicar a medida, não estavam presentes elementos concretos que subsidiariam o convencimento do julgador de que a citação fosse um obstáculo ou um mal para o processo, de sorte que não havendo os pressupostos encorajadores de uma audiência sem oitiva da parte contrária, foi mantido o indeferimento da tutela antecipada. Verifica-se, assim, que a doutrina e jurisprudência majoritária entendem que a concessão de tutela antecipada inaudita altera parte se coaduna com as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, uma vez que os direitos do réu são apenas postergados, mas nunca suprimidos.13 Seja qual for o posicionamento adotado, o que se deve ter em mente é o que o instituto da antecipação da tutela inaudita altera parte não pode cercear o direito de defesa da parte contra quem a ordem é dirigida, ficando assegurada à mesma o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 13 Confira-se: “É claro que o princípio do contraditório não existe sozinho, mas em função da garantia básica da tutela jurisdicional. Logo, se dentro do padrão normal o contraditório irá anular a efetividade da jurisdição, impõe-se alguma medida de ordem prática para que a tutela jurisdicional atinja, com prioridade, sua tarefa de fazer justiça a quem a merece. Depois de assegurado o resultado útil e efetivo do processo, vai-se em seguida, observar também o contraditório, mas já em segundo plano”. (Humberto Theodoro Junior. Tutela Antecipada. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 191). 13 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como dissemos no início, a generalização do instituto da antecipação de tutela a partir de 1994, provocou notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência alcançável em qualquer processo. Essa inovação no sistema, sem dúvida, valorizou o princípio da efetividade da função jurisdicional ao atribuir ao juiz o poder de deferir medidas típicas de execução no processo de conhecimento, como fórmula de minimizar a incidência do fator tempo no processo que se contrapõe ao fator segurança jurídica. Alguns desdobramentos polêmicos, porém, surgiram com a generalização das medidas antecipatórias, como por exemplo, a concessão de liminar inaudita altera parte e os princípios do contraditório e ampla defesa. Hoje esta questão, que já foi amplamente discutida, parece-nos já foi pacificada na doutrina e jurisprudência no sentido de não haver nenhum óbice à sua concessão nos casos de perigo iminente, visando à efetiva prestação jurisdicional. De tudo o que foi dito, fica a certeza de que a antecipação da tutela inaudita altera parte será concedida apenas nas situações em que for verificada a verossimilhança das alegações e o perigo de dano iminente. Fica ainda a certeza de que tal medida se coaduna perfeitamente com as garantias constitucionais, tendo em vista que ao réu será assegurada uma outra espécie de efetividade: a de participação em contraditório, ainda que diferido, e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes. 14 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. 5. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2000. BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. Os princípios do direito processual civil na Constituição de 1988. Livro de Estudos Jurídicos. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1992. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (tentativa de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. BUENO, Cássio Scarpiella. Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CÂMARA, Alexandre Freitas. Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol I, 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. _____________. A instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de Tutela. 9. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2006. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Rev. Tribunais, 2002. NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. _________. Tutela Antecipada. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: Rev. Tribunais, 1997. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. Coordenação. São Paulo: Rev. Tribunais, 1997. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.