III SEMINÁRIO INTERNACIONAL VIOLÊNCIA E CONFLITOS SOCIAIS:
ILEGALISMOS E LUGARES MORAIS
6 a 09 de dezembro de 2011, Laboratório de Estudos da Violência, UFC, Fortaleza-CE
Grupo de Trabalho 04: Culturas e Sociabilidades Juvenis
JUVENTUDE E VIOLÊNCIA SOB OS BRAÇOS ARMADOS DO ESTADO
Ilanna Teixeira Nunes
Graduanda do 8º semestre do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do
Ceará (UECE). E-mail: [email protected]
Waleska Fernandes de Oliveira Sobreira
Graduanda do 8º semestre do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do
Ceará (UECE). E-mail: [email protected]
Introdução
Discutir juventude a partir da perspectiva da violência policial requer inseri-lá
em um contexto no qual convivem jovens que ocupam lugares sociais diferenciados,
aqui refiro-me, a juventude pobre e periférica, grupo que está presente em um
imaginário social geral como participe de um realidade violenta e perversa. Há nesse
sentido em conformidade com Diógenes (1998), uma proximidade nas relações de
território, violência e periferia. Afirma ser o morador jovem da periferia marcado pela
segregação e pelo preconceito, mesmo não tendo ele nenhuma associação com
“gangues”, objeto de estudo da autora em questão; e ocupando esse mesmo
indivíduo a posição de estudante e ostentando um modo de vida diferenciado dos
demais. Assim, há um indicativo de marginalidade orientado pelo estigma de ser
pobre e de pertencer a determinado território.
Desse modo, e partindo da realidade em tela constatamos por meio da
construção de hipóteses uma relação entre juventude pobre e periférica com a
abordagem policial violenta. Para Costa (2004), a violência policial diferencia-se do
uso da força, sua linha demarcatória não possui discernimento claro “... varia de
acordo com a época e a sociedade. Assim podemos definir como violência policial,
submeter um cidadão a sofrimento físico, fato que passou a ser visto como uma das
formas de violência policial e não como uma técnica de investigação [...]. Hoje em
dia, inúmeras práticas são reconhecidas como formas de violência policial”.
(COSTA, 2004, p.12-13)
Portanto, a proposta é discutir o tratamento dados pelos policiais a esse
público que se caracteriza pelo abuso de poder, abordagem discriminatória,
intimidação e crimes letais. No relatório da Anistia Internacional (2005) “Eles entram
atirando: Policiamento de Sociedades Socialmente excluídas”, no qual há relatos de
abordagens violentas impetrada pela polícia contra moradores da comunidade
pobres, locais nos quais as forças policiais usam de modo constante o uso da força
letal é dentre as vítimas principais encontra-se o jovem.
Juventude: breves considerações
A Juventude, de uma maneira geral, começa quando o individuo entra na
adolescência, onde essa fase é marcada por transformações biológicas,
psicológicas e ampliação das suas relações sociais. Mas essa fase da vida pode se
dá de uma forma diferente em várias sociedades e momentos históricos. Nessa
perspectiva, a juventude não pode ser vista sobre critérios rígidos e nem se pode
determinar o início e o fim, pois vai depender de como é encara cada grupo social e
do momento histórico. Fatores econômicos, culturais e geográficos vão influenciar
na condição juvenil (Dayrell, 2000).
Os jovens no Brasil representam, hoje, segundo dados da Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2007, a população jovem, compreendida
na faixa etária de 15 a 29 anos, representa 27% da população. Diante de tais dados
pressupõem-se que é uma parcela significativa da população e como tal demanda
ações do Estado e da sociedade civil.
Apesar de representar uma importante parte da sociedade, a juventude
brasileira ainda não é vista como sujeito de direitos, onde o Estado através das
políticas sociais não garante o acesso a bens materiais e culturais, não existindo
espaços e tempos onde possam vivenciar plenamente essa fase (Dayrell, 2000).
Hoje, nos grandes centros urbanos verifica-se que muitos jovens das
camadas populares que vivem nas periferias tendem a permanecer no local que
habitam, ou seja, a sua vida fica restrita aos bairros, seja por não ter meios materiais
ou por conter poucos recursos simbólicos que acabam não se apropriando e
aproveitando democraticamente dos equipamentos sociais da cidade. Desta forma,
se faz importantes ações por parte do poder publico para que haja uma inclusão
desses jovens, que eles sejam vistos como sujeitos de direitos. Daí vem a
importância de equipamentos descentralizados que levem para os bairros
programas e projetos que permitam esses jovens terem acesso aos direitos sociais,
que possam se socializar, se identificar com os demais, se expressar e que tenham
também uma formação cidadã. (ABRAMO: 2008).
Helena Abramo sinaliza a realidade juvenil brasileira:
Numa sociedade desigual como a brasileira, com imensas zonas de
exclusão, realizar esse processo de inserção social não é nada fácil, com
trajetórias e resultados tão distintos quanto as inúmeras diferenças que
atravessam a condição juvenil, dadas por situações de classe, gênero, etnia
etc. Por isso mesmo, se ampliam as necessidades de mecanismos de apoio
para os jovens ampliarem as referencias para suas buscas, para viverem
essas experimentações com qualidade de vida e ampliarem suas
possibilidades de inclusão; o que significa que, além de políticas de
educação, tornam-se cada vez mais necessários outros programas de apoio
em todas as outras áreas: trabalho, saúde, cultura, lazer etc. (2008, p. 222 )
Desse modo, cabe-nos considerar as especificidades de cada público que
compõe o que a autora intitula por juventude, deixa claro que ampliar as condições
de inclusão são necessárias para desmistificar que a posição social que o jovem
ocupa não é definidora de um universo homogêneo, pobreza não redunda em
práticas de criminalidade e violência. Diógenes (1998) indica que a dimensão da
violência não pode ser pensada de forma dissociada do contexto juvenil dos bairros
de periferia (...) assume ainda que a violência de um modo geral possui uma
característica difusa, isso porque qualquer território, qualquer acontecimento, no
cenário ampliado da cidade, pode ser potencialmente violento.
O relatório da Anistia Internacional (2005), ao abordar os bairros periféricos
ressalta que a violência tem se manifestado de maneira brutal na sociedade, em
especial, nas favelas, que de um lado estão encurraladas com a violência criminal e
por outro lado com a violência policial impetrada pela polícia que na intenção de
coibir as ações de tráfico de drogas ou de gangues terminam por cometer crimes de
violação de direitos humanos. A violação dos Direitos Humanos ocorre
constantemente extensivamente nas favelas e em bairros periféricos. A maioria das
vítimas da violência policial são jovens pobres, negros ou pardos, sendo que a
experiência de muitos moradores é de uma polícia corrupta e brutal que deve ser
temida.
Abordagem policial violenta à juventude pobre: marcas de um estigma?
O acesso negado a processos básicos, como lazer, saúde, educação,
trabalho, etc., “restringe a capacidade de formação, uso e reprodução dos recursos
materiais e simbólicos... contribuindo para a precária integração desses jovens às
estruturas de oportunidade”. (ABRAMOVAY: 2002). Diante desse quadro que vive a
juventude brasileira pobre e moradora de periferias nas grandes capitais, parece-nos
alvo fácil para os mais diversos abusos cometidos, principalmente, dos aparelhos de
repressão do estado, onde muitos policiais tem em seu imaginário que ser jovem e
morador de favela é condição propicia para o crime e marginalidade, principalmente
quando esses atores sociais esteticamente divergem do padrão socialmente aceito.
A combinação desses fatores tem sido responsável por situar os jovens à
margem da participação democrática que colabore na construção de
identidades sensíveis à diversidade cultural e à solidariedade por
compromissos de cidadania, assim como no fortalecimento de auto-estima e
de um sentimento de pertencimento comunitário. (ABRAMOVAY: 2002)
Ao longo dos vinte anos, segundo Paim (1996), através de mediações legais,
ou seja, o aparelho estatal, a polícia adotou uma postura violenta que vem causando
um elevado número de mortes, principalmente do público jovem masculino com a
faixa etária de 15 aos 24 anos, pobres, moradores de periferia e negros.
Em conformidade com o Projeto Juventude e Polícia, elaborado pela Ministério
da Justiça, no âmbito das ações do Pronasci 1, em parceria com o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, problematiza a relação conflituosa existente ente juventude e
polícia remanescente de um desconforto existente entre os dois; fomentado por um
legado autoritário e violento deixado por abordagens da polícias e pela interação que
sustenta com esse público.
Uma hipótese a ser levantada reside no fato de os jovens possuírem
peculiaridades próprias de seu universo, a linguagem, as formas de manifestações
pouco convencionais; como maneira de falar, de se comportar e vestir, de expressar
as linguagens das tribos às quais pertencem tais características pode apresentar-se
como ameaçadoras da ordem e da moral, o que para a instituição policial põe-se,
por vezes como uma questão difícil de ser respeitada. A organização é apresentada
por muitos autores como conservadora e resistente a mudanças e a novas
propostas de reformulação de sua estrutura. Para Jean-Claude Monet esse
conservadorismo apresenta-se... (2006; 155),
[...] sob a marca de pragmatismo, privilegia o olhar rasteiro [...], tudo que se
apresenta sob a forma de inovação, de experimentação, ou de pesquisa
suscita reações de rejeição imediata [...] a reprodução do eterno passado
congela os universos policiais em práticas rotineiras e bloqueia sua
capacidade de se adaptar à mudança social. As políticas de modernização
das polícias tiveram que contar com essa realidade.
1
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
O controle democrático das polícias passa pela implantação de determinados
mecanismos institucionais internos e externos impulsionados de um lado, pela
ampliação das demandas por “democracia real”, por participação da sociedade civil
na construção de alternativas de policiamento, de outro, pela percepção da falência
das velhas políticas de segurança pública diante das novas facetas da criminalidade
urbana. Algumas permanências estão presentes no cotidiano profissional e
expressam-se por meio de visões conservadoras, o que para Dominique Monjardert
(2001) enseja uma discussão pertinente, pois ressalta que a visão conservadora da
polícia funciona “como instrumento da law enforcement (aplicação da lei), numa
visão puramente funcionalista em que a sociedade, dá legitimidade para que
à
reprima possíveis desvios...” (MONJARDERT, 2001; p. 121)
Os agentes policiais costumam adotar um perfil cristalizador. Alguns
conceitos, preconceitos e visões da sociedade, são, por vezes, reproduzidos e se
manifestam na dificuldade que o policial tem de enxergar no jovem um cidadão de
direitos. Destarte, tratá-lo como um violador de deveres, um suspeito em potencial
que vai desrespeitar a corporação e perturbar a ordem pública. O jovem é ainda
mais estigmatizado se for morador de uma comunidade com altos índices de
criminalidade. É corriqueiro os jovens declararem descrença e repúdio em relação à
polícia. Uma pesquisa recente realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(no âmbito deste projeto Prevenção da Violência entre Adolescentes Jovens no
Brasil: Estratégias de Atuação), aponta que 28% dos jovens entrevistados disseram
já ter presenciado violência policial.
O uso arbitrário dos instrumentos públicos legítimos por parte da polícia
criminaliza basicamente a pobreza, o que não exclui a juventude. Essa problemática
tem se tornado demasiadamente banalizada e frequente, principalmente, em relação
a esse público de nossa sociedade, fato que pode ser averiguado em vários
estudos. Segundo dados do Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2008), a taxa de
homicídios da população jovem brasileira totaliza 39,7%, especificamente no Ceará
a proporção é de 37,7%. Muitas práticas da policia parecem estar embasadas em
algumas idéias bem distantes da classe trabalhadora, principalmente aqueles que
estão em maior vulnerabilidade social. O discurso predominante é que essa parcela
da população tem uma maior inclinação para práticas criminosas.
Obedecendo ordens ou atuando por conta própria, os policiais atiram sem
maiores cuidados e aplicam sentenças de morte contra infratores,suspeitos
e pessoas inocentes, sem receberem punição. Quanto aos meios de
comunicação, eles vêm denunciando os abusos policiais e contribuindo para
debater a segurança coletiva. Contudo, na falta de ações enérgicas dos
poderes públicos, a tendência desse debate é a repetição de motivo, a
banalização do inaceitável e confirmação da impotência social para
controlar o uso da força policial. (MACHADO; NORONHA: 1996)
Segundo Zaluar essa é uma questão complexa e que ambos os lados,
comunidade e periferia, cristalizaram imagens e idéias em cada uma das partes,
onde os estereótipos, preconceitos e memórias vividas vão se montando através de
vários mecanismos. “Da intricada trama de experiências concretas e diárias na vida
local dos trabalhadores, das imagens e informações passadas nos meios de
comunicação em massa, nos cursos de formação e nas práticas das instituições
policiais, resulta este emaranhado quadro de imagens e idéias recíprocas”
(ZALUAR: 1994, p. 88). Em relação a práticas violentas policiais nas periferias a
mesma autora diz:
Um policial, civil ou militar, que participa de rondas de ruas ou do
policiamento ostensivo nos bairros pobres e nas favelas, guia-se para
abordar um ‘elemento suspeito’ por certas características físicas e de
aparência mais geral, que considera marcas de ‘suspeito’. As indicações
quase sempre referem-se a roupas diferentes, juventude, cortes de cabelo,
cor da pele, ‘pinta’, ‘jeito’, etc., especialmente evidentes nas entradas das
favelas e de bairros pobres. É por aqui que se começa a deslindar os
mecanismos que levam os jovens, as pessoas de cor e os pobres em geral
a povoarem as nossas prisões. (ZALUAR: 1994, p. 89)
Em seu livro A Máquina e a Revolta, publicado na década de 80, a mesma
autora sinaliza para os problemas advindos da violência e juventude. Zaluar afirma
que 8,5% dos homicídios que aconteceram no período de adolescentes e jovens
foram cometidos pela polícia.
Os jovens são as principais vítimas de violência letal no país. Segundo o Mapa
da Violência 2010, que reúne dados do DATASUS, em 2007 os jovens de 15 a 29
anos representaram 54,7% do total das 47.707 vítimas de homicídios no Brasil –
apesar de representarem somente 26,5% da população brasileira naquele ano. Esse
é um dado que alarma, além de ser esse público atualmente, os principais autores
da violência − letal e não letal − no país, o que faz que estejam mais expostos a se
envolver em confrontos com a polícia. Aqui, vale pontuar que nem todo jovem está
de fato envolvido em atividades ilícitas, criminosas e violentas, mas para a
sociedade o estigma do jovem (sobretudo o jovem pobre, negro, morador de uma
comunidade periférica) como criminoso em potencial ainda é recorrente.
A desconfiança estabelecida entre agentes policiais e jovens dificulta uma
aproximação sem violência ou conflitos. A partir do momento em que eles se veem
como ameaças recíprocas, inviabiliza-se o estreitamento, a aproximação e a
humanização das relações, dando lugar ao estereótipo que é consolidado por parte
tanto dos jovens quanto dos agentes de segurança pública.
É um equívoco pensar os jovens sob o prisma da homogeneização e estigma,
onde a pobreza aparece como o principal elemento motivador para a delinquência
no imaginário social, dentre outros fatores, como o local de moradia e símbolos de
identificação. Diante dessa percepção de juventude que práticas de violência
policial tem se perpetuado no país, fica patente, dessa forma que a transição
democrática não significou necessariamente a ruptura com condutas arbitrárias e
discricionárias por parte dos aparelhos de segurança a redemocratização trouxe
consigo a constituição de 1988 que conseguiu incorporar...
[M]uitos direitos individuais que haviam sido violados no período da ditadura
militar. Os direitos à vida, à liberdade e à integridade pessoal foram
reconhecidos. A tortura e a discriminação racial passaram a ser
considerados crimes. No entanto, apesar do reconhecimento formal desses
direitos, continuaram a ser constatadas graves violações aos direitos
humanos por parte de agentes públicos de segurança.
(NICHE, p. 12 apud, 1995; PINHEIRO, 1997).
As denúncias de abuso de autoridade e uso indevido da força são recorrentes
em noticiários, em experiências particulares de pessoas próximas, em casos
presenciados, enfim, faz parte do cotidiano das polícias. A violência policial marca
constantemente o cenário policial da América Latina, em especial do Brasil.
Por fim, cabe elucidar que discriminação e a estigmatização marcam o
policiamento de comunidades socialmente excluídas, bem como a negligência do
Estado em oferecer outras formas de proteção, têm deixado-as cada vez mais
vulneráveis a níveis altíssimos de criminalidade, principalmente de crimes
violentos. Isto, por sua vez, é exacerbado pela persistência de um grau elevado
de violações dos direitos humanos cometidas pela polícia. (Anistia Internacional,
2005)
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