FUGINDO DAS MILÍCIAS
É certo que os organismos policiais têm passado por inovações e reformas,
sendo que em alguns países isto tem sido mais relevante do que em outros.
No Brasil, nesta área, não existe processo reformador, ocorrendo mudanças
adjetivas.
Em época recente, Nova Iorque, após uma escalada de criminalidade, as
autoridades municipais, baseando-se em consistente diagnóstico
concluíram, segundo Lee P. Brown, à época, Chefe do NYPD, o seguinte:
“temos dois sérios problemas. O primeiro é a crescente criminalidade, e o
segundo a necessidade de reformar a polícia”.
Assim percebe-se que a relação do policial no ambiente interno e externo à
sua atividade profissional é fator que deve ser considerado na montagem de
sistemas de idéias que busquem inovações no organismo policial.
No Brasil, o pensar dominante na segurança pública se assenta em
fundamentos antigos que extrapolam em muito a saudável relação da
disciplina e da hierarquia. A estrutura resiliente, sem qualquer perspectiva
sistêmica, acaba por tornar sem efetividade as ações de policiamento.
Dentro desse pensamento espartano, as polícias militares, quase que, se
sustentam por meio do aparato de manutenção da ordem interna mantendo,
através de regulamentos e normas que são por vezes inconstitucionais.
Assim a construção da identidade do policial brasileiro tem se baseado no
modelo de um super-herói, que vicariamente jura dar-se por todos. É a
oferta do sacrifício pessoal em prol da coletividade difusa.
A evidenciação do ethos guerreiro na ação policial, civil como militar,
reforça a essa concepção, levando-se ao pensamento de que a polícia é a
única voz no coral da segurança pública, excluindo-se outros atores do
processo de produção da ordem.
Com o papel de mediador social, o policial, impedido pelo desenho da
estrutura a que se submete e não podendo operar em condições ideais na
resolução de problemas, acaba por vitimar-se, passando por vezes, indevida
e ilegalmente, a integrar “milícias” como resignificação de seu papel e não
só em busca de acréscimo de rendimentos, como se poderia pensar.
Como personagem central da composição da vida em sociedade, falta ao
policial o exercício de uma relação saudável com a comunidade, visto que a
construção de seu processo de identificação ocorre a partir da absorção de
ritos e mitos em desuso no trabalho de intermediação de conflitos, papel
fim da Polícia Militar.
Resta claro, a necessidade de superação do “status quo” que formatou o
autoritarismo secularizado nas relações inter-grupais, sendo isto possível
com o policiamento democrático, ou seja com a polícia interativa, que
evidencia uma nova mobilização para a realização das atividades da
polícia.
As ações de cognição que eram quase que proibitivas, em decorrência da
fossilização do pensar e do agir tiveram uma outra significação com o novo
modelo de policiar, que embora como nos ensinou Pontes de Miranda,
exclusivamente estatal, não deixa de ser influenciado pelas comunidades.
O modelo ainda existente de produção da ordem pública no Brasil é de
baixa ou de quase nenhuma eficácia, pois se sustenta, muito mais, através
de um processo de condicionamento do que de identidade entre os que são
liderados e os que lideram. É desta baixa eficiência que são egressas as
“milícias”.
Para não nos tornarmos reféns das milícias que se multiplicam
escandalosamente pelo Brasil teremos que coordenar ações urgentes de
comunitarização, fazendo uso do velho teorema político “o povo conspira
com quem o protege”.
É diante da máxima maquiavélica de que “se os tempos mudam e os
comportamentos não se alteram, então será a ruína” é que deve se basear
o novo pensar metodológico e prático da segurança pública nesse País.
Júlio Cezar Costa é tenente coronel da PMES e idealizador da Polícia
Interativa no Brasil.
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