SEGUNDA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO Nº 0411891-96.2010.8.19.0001 Apelante: SUL AMÉRICA SEGURO SAÚDE S/A Apelada: SHAYANNA DA SILVA SOUZA SANTOS Origem: Juízo de Direito da 40ª Vara Cível da Comarca da Capital DECISÃO APELAÇÃO. Plano de saúde. Recusa ao tratamento de radioterapia com uso de intensidade modular do feixe (IMRT), necessário ao tratamento de neoplasia de nasofaringe, de que é portadora a autora. Os contratos de plano de saúde podem estabelecer as doenças sob cobertura, mas não podem limitar o tipo de tratamento a ser ministrado ao paciente. Radioterapia como exigência mínima de cobertura, tal como prevê o art. 12, inciso II, alínea "d", da Lei nº 9656/98. Ofensa a direitos da personalidade, geradora do direito reparatório de dano moral (verbetes 75, segunda parte, e 209, da Súmula do TJRJ). Administradora que não pode disputar a competência para o diagnóstico e a terapia, dado que a escolha cabe ao médico que assiste o paciente (verbete 211, da Súmula deste Tribunal). Verba que consulta a razoabilidade e a proporcionalidade, a par de atender a seu caráter dúplice (compensatório e punitivo). Jurisprudência dominante. Recurso a que se nega seguimento. A sentença de fls. 152-156, proferida em ação indenizatória, c/c obrigação de fazer pelo rito ordinário, julgou procedentes os pedidos, para declarar a nulidade da cláusula contratual que exclui a cobertura de atendimento radioterápico, em qualquer modalidade, e condenar a ré a: (a) indenizar dano material de R$ 26.670,00, acrescidos dos consectários de estilo; (b) reparar dano moral, cujo valor arbitrou em R$ 10.000,00, corrigido monetariamente a partir da sentença e acrescido de juros a contar da citação; (c) satisfazer as despesas processuais e os honorários advocatícios, estes de 10% sobre o valor da condenação. O recurso de apelação, tempestivo e preparado, foi recebido no duplo efeito (fls. 169). Articula, em resumo, que: (a) não há cobertura contratual ampla e irrestrita para todo e qualquer procedimento que se 2 fizer necessário; (b) deve ser observada a tabela de procedimentos previamente emitida, além de rol de procedimentos médicos que devem ser cobertos pelo seguro saúde, conforme Resolução Normativa nº 167, da ANS; (c) não há previsão de cobertura de radioterapia com intensidade modulada de feixe (IMRT); (d) a tabela Sul América contempla a relação de procedimentos médico-hospitalares objeto de cobertura para fins de reembolso, em conformidade com a Resolução CONSU nº 10, de 03.11.1999; (e) inexiste previsão legal ou contratual que obrigue a operadora a cobrir o tratamento e o exame pleiteados, ultrapassando os limites do regulamento da ANS que rege o setor; (f) o mero inadimplemento contratual não enseja dano moral, mormente quando no estrito cumprimento dos termos contratuais (fls. 157-166). As contrarrazões monocrático. de fls. 170-176 prestigiam o julgado É o relatório. A relação entre as partes é de consumo, uma vez que a autora se enquadrava no conceito de consumidora final (CDC, art. 2º) e a ré no de fornecedora de serviço (CDC, art. 3º), sendo objetiva a sua responsabilidade (CDC, art. 14). A inicial narra que a autora, dependente no plano de saúde em que o seu pai figura como titular, teve recusada pela seguradora ré a autorização para o tratamento de radioterapia com uso de intensidade modular do feixe (IMRT), necessário ao tratamento de neoplasia de nasofaringe, sob a alegação de que tal procedimento não conta com cobertura contratual. Aduz que a técnica utilizada no tratamento proposto reduz “consideravelmente as doses nas glândulas salivares (...), levando a importante redução dos efeitos colaterais tardios (...), além de propiciar a prescrição de uma maior dose, que por sua vez está relacionada a um potencial ganho de controle da doença” (fls. 03). Tendo em conta a recusa e a necessidade de dar início ao tratamento, os familiares se cotizaram no pagamento de R$ 26.670,00. Sustenta ser abusiva a cláusula contratual excludente do tratamento radioterápico, nos termos do art. 51, IV, da Lei nº 8.078/90. Com a inicial entranhou laudos médicos (fls. 25-28) e nota fiscal de serviços (fls. 29). A demandada argumenta que o art. 10, § 4º, da Lei nº 9.656/98 conferiu à ANS a prerrogativa de estabelecer e definir as normas atinentes às coberturas a serem oferecidas aos consumidores. Foram observadas as determinações do ente regulador, que não prevê cobertura para o tratamento da patologia que acomete a autora. 3 Não vieram aos autos, entretanto, elementos capazes de sustentar suas alegações. A cláusula 4.23 do contrato expressamente exclui de cobertura “procedimentos que não constem do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde instituído pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS para a Segmentação Ambulatorial e Hospitalar com Obstetrícia vigente na data da realização do evento” (fls. 113). Infundada a alegação de que o contrato não abrange o tratamento radioterápico indicado para a patologia da autora, dado que os contratos de plano de saúde podem estabelecer as doenças sob cobertura, mas não podem limitar o tipo de tratamento a ser ministrado ao paciente. A Lei nº 9.656/98, reguladora da atividade dos planos e seguros privados de saúde, em caso de tratamento específico e necessário ao combate de câncer, prevê, em seu art. 12, II, “d”, como exigência mínima, a “cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica, fornecimento de medicamentos, anestésicos, gases medicinais, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar”. A administradora não pode disputar a competência para o diagnóstico e a terapia, na esteira da jurisprudência dominante neste Tribunal, consagrada no verbete 211 de sua Súmula (“Havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização”). As informações constantes de laudo médico, por si só, bastam para induzir juízo positivo de verossimilhança das alegações autorais e afastar a tese defensiva. A ré não se desincumbiu de seu ônus processual quanto à prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral (CPC, art. 333, II). Os contratos de plano de saúde, como admitido em farta jurisprudência, podem adotar cláusulas que limitem os riscos, a tanto estando autorizados (CDC, art. 54, § 4º). Mas a negativa de assistência no tratamento de que necessita a autora esvazia a finalidade do contrato. As cláusulas limitativas, mormente as previstas em contrato de adesão, devem ser interpretadas de forma restritiva, com base na boa-fé objetiva, consoante art. 51 do CDC, verbis: 4 “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (...) §1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.” Assim, na jurisprudência dominante: “Apelação Cível. Obrigação de fazer c/c indenizatória. Plano de saúde. Negativa de autorização a paciente com câncer de próstata para realização de sessões de radioterapia pela técnica de IMRT. Procedimento indispensável à manutenção da vida do segurado. Contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares. Prestação de serviço subordinada às determinações da Agência Nacional de Saúde, não sendo permitido às seguradoras estabelecer unilateralmente cláusulas que lhe sejam convenientes. Cláusula contratual de exclusão que se mostra nula, por abusiva. Incidência da súmula nº 112 deste Egrégio Tribunal de Justiça. Precedentes jurisprudenciais do STJ e desta Colenda Câmara. Alegação da ré de falta de previsão contratual pelo fato do tratamento possuir caráter experimental. Obrigação dos planos de saúde de custear sessões de radioterapia. Inteligência do art. 12, inciso II, alínea "d" da Lei 9656/98. Procedimento previsto pela ANS em diversas modalidades, inexistindo justificativa para o afastamento de um tipo em particular. Danos morais que, no entanto, não se mostram caracterizados, posto que a recusa estava fundada em cláusula contratual. Desprovimento de ambos os recursos. “(Apelação Cível nº 021805073.2009.8.19.0001 - Desembargador Gilberto Dutra 5 Moreira - Julgamento: 02/02/2011 - Décima Câmara Cível). Escorreita a sentença ao condenar a seguradora ré a arcar com a integralidade do procedimento terapêutico, reembolsando a autora do valor despendido (fls. 29). O dano moral consiste em lesão a direitos da personalidade, tal como honra, intimidade, liberdade, integridade física e psíquica, provocando abalo, dor, vexame, tristeza, sofrimento e desprestígio, ou outra situação que se revele intensa e duradoura, a ponto de romper o equilíbrio psicológico da pessoa física. O caso vertente insere-se nesse cenário, segundo a diretriz do verbete 209, da Súmula deste TJRJ (“enseja dano moral a indevida recusa de internação ou serviços hospitalares, inclusive home care, por parte do seguro saúde somente obtidos mediante decisão judicial”). O defeituoso funcionamento do serviço da ré acarretou ofensa a direitos da personalidade da autora, gerando dano moral indenizável, na perspectiva da parte final do verbete 75, da Súmula do TJRJ – “o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte”. O valor da verba compensatória foi arbitrado com razoabilidade, levando-se em conta a intensidade do dano (injusta recusa de cobertura de plano de saúde para o tratamento de radioterapia), a situação da lesada, as possibilidades da responsável e o grau de sua participação na geração do dano, bem como a jurisprudência dominante do STJ, que adverte contra valores excessivos que ensejam enriquecimento sem causa (CC/02, art. 884). Recorde-se precedente do STJ: “PLANO DE SAÚDE. STENT. DANO MORAL. MAJORAÇÃO. O recorrente ajuizou ação indenizatória contra sociedade cooperativa de plano de saúde, pleiteando o ressarcimento dos danos morais em razão da recusa daquela em cobrir os custos relacionados à implantação de stent cardíaco. Na espécie não se aplica a Lei n. 9.656/1998, por ser posterior à celebração do contrato, mas sim o CDC que era vigente à época da contratação e cuja aplicação à hipótese não é questionada. A Min. Relatora lembrou que, geralmente nos contratos, o mero inadimplemento não é causa para a ocorrência de danos morais, mas a jurisprudência deste Superior Tribunal vem reconhecendo o direito ao 6 ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura securitária, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Em seu recurso adesivo, o recorrente pretende a majoração dos danos morais que foram fixados em cinco mil reais pelo acórdão recorrido. Esclareceu a Min. Relatora que, ao avaliar o transtorno sofrido por pacientes que, submetidos a procedimentos cirúrgicos, têm sua assistência securitária indevidamente negada, este Superior Tribunal tem fixado os danos morais em patamares substancialmente superiores.” REsp 986.947-RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/3/2008 - Informativo nº 348. No mesmo sentido caminha a jurisprudência deste TJRJ, vg: (a) “APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. MEDICAMENTO IMPRESCINDÍVEL À REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO AMBULATORIAL DE QUIMIOTERAPIA. DANO MORAL FIXADO EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.1 - A disposição contratual que limita a cobertura de elemento ou substância necessária para a eficácia de procedimentos cobertos pelo plano de saúde mostra-se abusiva, infringindo o princípio da razoabilidade, sendo vedado pelo art. 51, IV, do CDC e incompatível com a boa-fé.2 - Os ajustes contratuais, mormente os restritivos de direito do consumidor, parte mais fraca na relação contratual, devem ser interpretados em favor deste, conforme preceitua o art. 47 do estatuto consumerista. 3 Não pode se falar que a obrigação de fornecer o remédio seria do Estado (artigo 196, da CF), uma vez que no presente caso o apelado não requer simplesmente o seu fornecimento, mas como parte integrante da terapêutica médica e sua negativa inviabilizaria o próprio tratamento.4 - O arbitramento do dano moral, R$ 10.000,00, foi condizente com o sofrimento experimentado e em respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se, ainda, o caráter pedagógico-punitivo da medida.5 - Negado provimento ao recurso”. (000707814.2009.8.19.0038 - APELAÇÃO DES. JACQUELINE MONTENEGRO - Julgamento: 14/12/2011 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL); (b) “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO POR DANOS. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE TUMOR CEREBRAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DE RADIOTERAPIA E QUIMIOTERAPIA. 7 NEGATIVA DA RÉ ALEGANDO EXCLUSÃO CONTRATUAL. TUTELA DEFERIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONFIRMAÇÃO DA TUTELA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADOS EM R$ 10.000,00. INCONFORMISMO DA PARTE RÉ QUE NÃO MERECE PROSPERAR. EXCEPCIONALIDADE PREVISTA NA ALÍNEA "B", DO INCISO I, DO ARTIGO 12, DA LEI DOS PLANOS DE SAÚDE (LEI Nº 9.656 DE 2008). NÃO MERECE ACOLHIDA A ALEGAÇÃO DE QUE NÃO HÁ LEI OU CLÁUSULA CONTRATUAL QUE OBRIGUE O PLANO DE SAÚDE A ARCAR COM O MATERIAL INDICADO PELO MÉDICO, POIS DEVEM SER AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS INTERPRETADAS DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE COLOCA O CONSUMIDOR EM DESVANTAGEM EXAGERADA, INCOMPATÍVEL COM A BOA-FÉ E A EQUIDADE. É LEGÍTIMA A EXPECTATIVA DO CONSUMIDOR DE TER A SUA SAÚDE RESTABELECIDA DE FORMA MENOS GRAVOSA E MAIS EFICAZ POSSÍVEL, ALÉM DE ATENDER À PRÓPRIA NATUREZA DO CONTRATO EM TELA, QUE, NO CASO, É A SAÚDE. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DANO MORAL CONFIGURADO, CUJA FIXAÇÃO DE MOSTRA CONDIZENTE COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DA CORTE SUPERIOR E DESTE E. TRIBUNAL. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 6°, V C/C ART. 51,§2° DO CDC. DECISÃO QUE SE MANTÉM. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC”. (0025419-60.2009.8.19.0209 APELAÇÃO DES. ANDRE RIBEIRO - Julgamento: 17/03/2011 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL). O artigo 557, caput, do CPC manda - verbo no imperativo - o relator negar seguimento a recurso manifestamente improcedente ou em confronto com a jurisprudência dominante. Assim se apresenta o caso vertente, daí negar seguimento ao recurso. Rio de Janeiro, 18 de junho de 2012. Des. Jessé Torres Relator Certificado por DES. JESSE TORRES A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br. Data: 18/06/2012 18:55:38Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0411891-96.2010.8.19.0001 - Tot. Pag.: 7